Você está na página 1de 210

Primeira Parte.

Fundamentos

Capítulo 1. A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

Panorama

• O Direito Penal tem específicos interesses de aplicação para conhecimentos


criminológicos. Já no final do século 19 surgiu a demanda por soluções
científicas para problemas sociais. A crítica da brutalidade e da ineficácia
do sistema de Direito Penal absolutista foi precursora do pensamento
criminológico. Desde o início, os interesses jurídico-penais ditaram
dois postulados fundamentais, os quais a Criminologia devia seguir:
o princípio da individualização, que supõe liberdade de vontade do
indivíduo, e o princípio da diferenciação, que representa o criminoso
como não pessoa moral. No curso da compreensão científica das
relações sociais, o Direito Penal propõe para a Criminologia as questões
da racionalidade, da efetividade e da fundamentação de medidas de
combate da criminalidade. Com esta orientação a Criminologia
estava, claramente, em serviço da ordem do Estado e tinha de oferecer
diretrizes práticas de combate da criminalidade. Com a influência das
Ciências sociais e a fixação no pensamento preventivo, o Direito Penal
ampliou o interesse de pesquisa criminológica para o autor, a vítima e
as instâncias de controle social. Uma assim armada Criminologia sócio-
científica tinha de oferecer ao Direito Penal estratégias de domínio em
relação à criminalidade como problema individual e social: análises de
causas, propostas de intervenção, pesquisas sobre eficácia do Direito
Penal e sobre a legitimação do conjunto do Sistema de Justiça Criminal
estavam na lista de pedidos do Direito Penal. Uma Criminologia que
se entendia crítica separava-se, claramente, da posição de auxílio para o
Direito Penal. Não queria mais ser “fornecedora” do Direito Penal, mas
queria desmascarar o Direito Penal como instrumento de dominação. A
criminalidade não foi mais valorada como propriedade da pessoa, mas
apenas como atribuição por parte do conjunto do Sistema de Justiça
Criminal (§ 2).
• O interesse do Direito Penal por causas da criminalidade desafiou a
Ciência social para formação de teorias abrangentes. O comportamento
12 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

individual e social deveria ser explicado cientificamente, entretanto está à


disposição uma quantidade quase infinita de teorias da criminalidade.
Nesta tentativa de explicação das Ciências sociais e humanas, a
sistemática se desenvolveu de modo mais paradigmático, ou seja, de
princípios científicos contraditórios metódica e substancialmente. Por
um lado, princípios condicionantes querem explicar o comportamento
individual, o que encontra o maior interesse no contexto de aplicação
jurídico-penal: deficits cerebrais patológicos ou condicionados por droga
– isto o Direito Penal compreende (ainda). Por outro lado, princípios
de imputação querem demonstrar o processo de prejuízo social através
de seleção negativa: furtos por necessidade econômica condicionados
por contradições da sociedade de classes – as Ciências sociais críticas da
sociedade aclamam estas vinculações. O Direito Penal precisa se situar
nos extremos deste espectro de teorias, o que lhe é impossível de alcançar
(§ 3).
• Enfim, ao Direito Penal não resta alternativa, senão construir teorias para
o controle da criminalidade, as assim chamadas teorias penais (teorias
de criminalização). Teorias de retribuição, teorias de intimidação e
melhoria do autor, de intimidação da coletividade e afirmação geral
da norma, até as “teorias unificadas” produzidas pela Jurisprudência,
oferecem modelos de justificação para o Direito Penal, que abrangem
desde a proteção de interesses individuais até a proteção de complexos
funcionais. Sem dúvida – como as Ciências sociais trocistas até autônomas
observam –, em geral, sem qualquer prova empírica. O Direito Penal
continua profissão de fé – fora de legitimação empírica (§ 4).

§ 2. Interesses de Aplicação jurídico-penal

Literatura: Albrecht, P.-A., Das Strafrecht auf dem Weg vom liberalen Rechtsstaat zum
sozialen Interventionsstaat: Entwicklungstendenzen des materiellen Strafrechts, KritV
1988, 182 s.; Beccaria, C., Über Verbrechen und Strafen, 1988 (1 ed. ital.: 1764); Beck,
U., Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, 2001; Bettmer, F.; Kreissl,
R.; Voss, M., Die Kohortenforschung als symbolische Ordnungsmacht, KrimJ 1988, 191
s.; Birkmeyer, K., Was lässt v. Liszt vom Strafrecht übrig: eine Warnung vor der modernen
Richtung im Strafrecht, 1907; Eisenberg, U., Kriminologie, 5 ed, 2000; Farrington, D.P.;
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 13

Ohlin, L.E.; Wilson, J. Q., Understanding and Controlling Crime: Towards a New Research
Strategy, 1986; Ferri, E., Das Verbrechen als soziale Erscheinung, 1896; Garland, D.,
Punishment and Welfare: A history of penal strategies, 1987; Göppinger, H., Der Täter in
seinen sozialen Bezügen, 1983; Göppinger, H., Angewandte Kriminologie: Ein Leitfaden für
die Praxis, 1985; Göppinger, H., Kriminologie, 5 ed, 1997; Gross, H., Die Antrittsvorlesung
des Prof. Dr. v. Liszt in Berlin, in: Archiv für Kriminalanthropologie und Kriminalistik, 3,
1899, 114 s.; Habermas, J., Technik und Wissenschaft als “Ideologie”, 1974; Hassemer, W.,
Strafziele im sozialwissenschaftlich orientierten Strafrecht, in: Hassemer, W.; Lüderssen,
K.; Naucke, W. (editores), Fortschritte im Strafrecht durch die Sozialwissenschaften?,
1983; Hassemer, W., Kriminologie und Strafrecht, in: Kaiser, G.; Kerner, H.-J.; Sack, F.;
Schellhoss, H. (editores), Kleines Kriminologisches Wörterbuch, 3.ed, 1993, 312 s.; Hess,
H.; Scheerer, S., Was ist Kriminalität?, KrimJ 1997, 83 s.; Jakobs, G., Kriminalisierung im
Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung, ZStW 1985, 751 s.; Kaiser, G., Wie ist beim Mord die
präventive Wirkung der lebenslangen Freiheitsstrafe einzuschätzen?, in: Jescheck, H.-H.;
Triffterer, O. (editores), Ist die lebenslange Freiheitsstrafe verfassungswidrig?, 1987, 115 s.;
Kaiser, G., Kriminologie, 2 ed, 1988 e 3 ed. 1996; Kerner, H.-J., Pönologie, in: Kaiser, G.;
Kerner, H.-J.; Sack, F.; Schellhoss, H. (editores), Kleines Kriminologisches Wörterbuch,
1985, 338 s.; Kreissl, R., Soziologie und soziale Kontrolle: Die Verwissenschaftlichung
des Kriminaljustizsystems, 1986; Kürzinger, J., Kriminologie, 2 ed., 1996; Lamott, F.,
Die Kriminologie und das Andere, KrimJ 1988, 168 s.; Lautmann, R., Justiz die stille
Gewalt, 1972; Leferenz, H., Die neuere Kriminalpolitik auf kriminologischer Grundlage,
in: Festschrift für Karl Lackner, 1987, 1009 s.; Lombroso, C., Der Verbrecher in
anthropologischer, ärztlicher und juristischer Beziehung, Volume I, 1894 (1 ed ital.: 1876);
Lombroso, C., Neue Verbrecherstudien, 1907; Lüderssen, K., Kriminologie: Einführung in
die Probleme, 1984; Matza, D., Abweichendes Verhalten: Untersuchungen zur Genese
abweichender Identität, 1973; Moser, T., Repressive Kriminalpsychiatrie: Vom Elend einer
Wissenschaft, 2 ed, 1971; Müller-Tuckfeld, J.-C., Krise der kritischen Kriminologie?,
KrimJ 1998, 109 s.; Naucke, W., Die Modernisierung des Strafrechts durch Beccaria,
in: Deimling, G. (editor), Cesare Beccaria: Die Anfänge moderner Strafrechtspflege in
Europa, 1989, 37 s.; Perrow, Ch., Normale Katastrophen: die unvermeidbaren Risiken der
Grosstechnik, 2 ed, 1992; Sack, F., Probleme der Kriminalsoziologie, in: Handbuch der
empirischen Sozialforschung, 2 ed, Volume XII, 1978; Sack, F., Kriminalität, Gesellschaft
und Geschichte: Berührungsängste der deutschen Kriminologie, KrimJ 1987, 241 s.; Sack,
F., Stichwort “Kritische Kriminologie”, in: Kaiser, G.; Kerner, H.-J.; Sack, F.; Schellhoss,
H. (editor), Kleines Kriminologisches Wörterbuch, 3 ed, 1993, 329 s.; Scheerer, S., Vom
Praktischwerden, KrimJ 1989, 30 s.; Schneider, H.-J., Kriminologie, 1987; Taylor, I.; Walton,
P.; Young, J., The New Criminology: for a Social Theory of Deviance, 4 ed, 1977; van
der Loo, H.; van Reijen, W., Modernisierung, 1992; Weber, M., Wissenschaft als Beruf, in:
Mommsen, W.; Schluchter, W. (editores), Gesamtausgabe Max Weber, Volume 17, 1992.
14 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

A. O nascimento da Criminologia como controle da criminalidade


orientado pela ciência

I. O apelo a soluções científicas para problemas sociais

O momento de nascimento da Criminologia como ciência empírica está


no final do século 19. É o tempo em que a ciência torna possível o “progresso
técnico” e o promove cada vez mais rápido. Racionalidade técnico-científica
substitui a orientação por valores tradicionais. Verdade é procurada, não
crença. Conhecimentos científicos transformados em produtos técnicos
proporcionam a dominação da natureza, aumentam a produtividade do
trabalho, prolongam a vida e fornecem conforto à vida cotidiana. Trabalho e
vida são subordinados cada vez mais fortemente ao princípio do fim racional
(van der Loo/van Reijen, 1992, 125). Também decisões políticas aparecem,
agora, como consequência de imposições fáticas, como expressão de um
igualmente regular curso do progresso. Dominação torna-se administração
do tecnicamente necessário (Habermas, 1974, 48 s.).
Na esteira de crescentes intervenções estatais para produção de uma
infraestrutura econômica e social, na segunda metade do século 19, também
na área do bem-estar social, é demandada intervenção cientificamente
dirigida (Weber, 1992, 86 ss). Se, com os meios da ascendente ciência
empírica, parecem as forças da natureza controláveis e as doenças curáveis,
então o nascimento de uma disciplina científica que quer pesquisar o crime
e eliminar o problema da criminalidade não é mais motivo de espanto. Isto
vale, sobretudo depois, quando cresce a necessidade de controle nas crises
sociais da revolução industrial e o problema do desvio é transformado,
pela primeira vez, com os instrumentos da estatística central-estatal, do
fenômeno individual do fato criminoso no abstrato fenômeno de massa da
“criminalidade” e como tal é percebido publicamente (Scheerer, 1989, 38).

II. Crítica da brutalidade e da ineficiência do sistema de Direito Penal


absolutista, como precursora do pensamento criminológico (Beccaria)

Mais do que um século antes, o libelo do jurista italiano Cesare Beccaria


(1738-1794) “Dei delitti e delle pene” (Dos Delitos e das Penas) –
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 15

contemplado com grande e também internacional atenção pública – fez


a propaganda dos princípios de Estado de Direito do Processo penal. Por
um lado, mediante sua crítica massiva das imponderabilidades do Direito
Penal absolutista, das máximas do processo inquisitório, como da tortura,
da coação para interrogatórios juramentados dos acusados ou das acusações
“secretas” e da pena de morte, trouxe Beccaria o interesse do Iluminismo
para dentro do Direito Penal. Por outro lado, com sua representação de
uma cultura do Direito Penal racional, comprometida com ponderações de
utilidade social, ele nivelou o caminho para uma Criminologia orientada
pela ciência empírica, que se sabe comprometida com o programa de
prevenção criminal. As sanções, nas propostas político-criminais de
Beccaria, já eram pensadas conforme fins (intimidação, prevenção geral),
endereçadas, nos seus efeitos formadores de motivos, à vontade livre do
ser humano, para impedir condutas criminosas (Beccaria, 1988, 83 s.).
Estes primórdios de uma teoria penal relativa foram, depois, elaborados
no sentido de prevenção geral por Anselm v. Feuerbach e de prevenção
especial por Franz v. Liszt.
O Direito Penal orientado pelo fim fundado por Beccaria, encontra
sua justificação, na verdade, não primariamente na liberdade do cidadão
ou em ideais de liberdade e de humanidade. Ao contrário, é ao Estado
forte que Beccaria oferece um instrumentário muito mais eficiente
para combate ao desvio do que podia dispor o sistema de Direito Penal
absolutista (compare Naucke, 1989, 37 s.). Isto torna-se claro pelos
argumentos que Beccaria propõe contra a pena de morte. Em relação
aos efeitos meramente pontuais da pena de morte, ele atribui à pena
privativa de liberdade perpétua – vinculada com trabalho forçado – o
maior efeito intimidante. Não é a humanidade, que sempre e em geral
contradiz a pena de morte, mas a insuficiente eficácia de intimidação
que, na regra da criminalidade, permite transparecer a pena de morte
como inadequada. No âmbito da criminalidade política, mesmo assim,
sustenta Beccaria a imprescindibilidade da pena de morte (1988, 124).
Com isto, os princípios do Estado de Direito são abertos à disposição de
ponderações estatais utilitárias e é posto em ação um desenvolvimento
político-criminal que, até hoje, não cessou.
16 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

III. Individualização e diferenciação

O local de nascimento da Criminologia é a prisão. É a instituição de


referência para a Criminologia, assim como a escola possui essa função
para a pedagogia, ou o hospital para a medicina. Oferece aos primeiros
criminólogos o campo para a observação e “medição” de longo prazo dos
delinquentes, assim como para a experimentação de medidas terapêuticas.

1. Primeiros acessos científico-empíricos

a) Lombroso
O médico-legista Cesare Lombroso (1835-1909) encontrou em hospícios
e em instituições penais as cobaias de suas pesquisas sobre as características
de “L’Uomo Delinquente”, do homem criminoso (1876). Impressionado
pela força explicativa das ciências naturais exatas, ele tentou, com ajuda de
estudos antropológico-criminais, desvendar a forma originária do crime.

aa) Por meio de comparativas pesquisas antropométricas (medição


do ser humano) de prisioneiros, doentes mentais e grupos da população
normal (por exemplo, soldados), acreditou Lombroso ter comprovado a
diferenciação do criminoso.

Através de medições próprias e por avaliação de inúmeros trabalhos


similares de colegas, na segunda edição de sua obra principal (1894), pôde
Lombroso comparar os dados de 3839 criminosos com as características
observáveis de grandes amostras da população normal. Considerando um
grande número de dados, Lombroso demonstrou desvios dos criminosos
em relação a valores médios da população. Medições sobre tamanho do
corpo, peso, circunferência do crânio ou altura da testa, até características
da expressão fisionômica, como orelhas salientes ou fronte fugidia
comprovavam, na visão do criminólogo precursor, sua tese dos fatores
natos desencadeadores da delinquência, que seriam comparáveis com uma
doença crônica (1894, 252): “Os ladrões possuem, em geral, traços faciais
e mãos muito vivazes; seu olho é pequeno, inquieto, muitas vezes estrábico;
as sobrancelhas são caídas e se confinam; o nariz é torto ou chato, a barba
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 17

rala, o cabelo raramente denso, a fronte quase sempre pequena e fugidia, a


orelha frequentemente saliente em forma de asa. (...) Os assassinos têm um
olhar transparente, gelado, fixo, seu olho é, às vezes, vermelho de sangue.
O nariz é grande, muitas vezes um nariz de águia, ou antes, aquilino; o
queixo fortemente ossudo, as orelhas compridas, os pômulos largos, os
cabelos encaracolados, cheios e escuros, a barba muitas vezes rala; os lábios
finos, os caninos grandes” (Lombroso, 1894, 229 s.).

Figura 1: tipos fisionômicos (fonte: Lombroso, 1907, 103)

As anomalias encontradas nos criminosos, em quantidade superior


à média, Lombroso interpretou como indícios de uma inibição de
desenvolvimento, como “atavismo”, um tipo humano especial criado pela
18 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

natureza (1894, 248). Esta é a interpretação “do criminoso como um


selvagem caído no nosso mundo civilizado (...)” (Ferri, 1896, 27).

bb) O mérito de Lombroso deve ser visto deste modo, que ele se esforçou,
mesmo que de forma limitada, para um acesso científico-empírico à
criminalidade. Ele encerra, com isto, uma longa fase de considerações
especulativas da delinquência (visão geral sobre a história primitiva da
Criminologia, em Göppinger, 1997, 6 s.). A crítica metódica que deve
ser feita a Lombroso não consiste no fato de ter observado ou medido
errado. Ao contrário, ele não percebeu o efeito de seleção ao qual os presos
pesquisados, da quantidade total de autores puníveis, estavam submetidos.
Lombroso equiparou a criminalidade com o que ele encontrou nas prisões.
Muitas das características que ele verificou nos presos e que interpretou
como causas da criminalidade, do ponto de vista atual, seriam vistas como
as consequências dos processos de seleção, que ocorrem desde a Polícia até
a Justiça penal e no ato de medição da pena (compare adiante § 3 B III s.).

Lombroso desencadeou, com sua ‘descoberta’ do “criminoso nato”,


acaloradas discussões sobre a justificação da pena, que continuam até
nossos dias. Comete um ser humano – determinado por sua disposição
– um fato punível, então nenhuma reprovação de culpabilidade dever-
lhe-ia ser feita: segundo a máxima própria do Direito Penal, nenhuma
pena sem culpabilidade (assim, já Ferri, 1896, 246 s.). Esta constelação
motivou um adversário da Moderna Escola de Direito Penal, mais tarde,
a uma exclamação literária que, também por juristas contemporâneos, de
modo mais ou menos semelhante, foi dirigida a Lombroso: o que sobrou do
Direito Penal depois de v. Liszt? (Birkmeyer, 1907).

b) Ferri
O jurista Enrico Ferri, um discípulo de Lombroso, completou e
diferenciou em trabalhos posteriores a hipótese da determinação biológica
da delinquência. Ele indicou, em especial, a negligência dos fatores psíquicos
e sociais nas explicações da criminalidade de Lombroso (Ferri, 1896, 24 s.).

Em particular, Ferri diferenciou os fatores antropológicos intrínsecos à pessoa do


delinquente, que ele subdividiu em constituição orgânica (por exemplo, anomalias do
crânio) e psíquica (inteligência, anomalias de sentimento), assim como os caracteres
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 19

pessoais (raça, idade, sexo, profissão, origem de classe etc.) do criminoso. No segundo
grupo encontram-se fatores físicos da delinquência, como clima, períodos do dia ou
estações do ano. Os fatores sociais diferenciados no terceiro grupo compreendem
desde a densidade da população, a vida familiar, as relações econômicas e políticas, até
o estado da legislação penal, da Polícia e Justiça – uma compreensão extremamente
moderna (Ferri, 1896, 125 ss). Ferri esforçou-se, também, enfim, para a solução do
problema da culpabilidade. Através da negação da liberdade de vontade, na “Escola
Positivista” fundada por Lombroso, a imputação jurídico-penal precisou ser de novo
fundada. Ferri substituiu a hipótese tradicional da responsabilidade moral (liberdade
de vontade) pela ideia de responsabilidade social: por toda ação punível, que pelo
autor “é executada (...) em um processo psico-fisiológico a ele pertencente” (no lugar
citado, 274ss), este é responsável jurídico-penalmente “apenas porque e enquanto
ele vive em sociedade” (no lugar citado, 297). Estas reflexões foram, mais tarde,
desenvolvidas na chamada teoria da “Defesa social”.

2. Hipóteses fundamentais da Criminologia

A prisão, da qual partiram as primeiras pesquisas criminológicas empíricas,


incorpora e mediatiza dois conceitos fundamentais da Criminologia, que
até hoje determinam o pensamento criminológico, a saber
• o princípio da individualização (a) e
• o princípio da diferenciação (b).

a) O princípio da individualização
Embora a Criminologia, como ciência empírica, abandona a imputação
jurídico-penal da liberdade de vontade individual, em favor da hipótese
da determinação pessoal ou social da ação, o indivíduo permanece a fonte
essencial do crime e o ponto de referência da intervenção. O princípio
criminológico da individualização permanece, com isto, tanto no quadro
da lógica de imputação jurídico-penal da culpabilidade, como também
[no quadro] da ideologia burguesa da responsabilidade e do desempenho
pessoal. A cela da prisão simboliza este princípio, que coloca limites
enérgicos ao diagnóstico criminológico e à recomendação de intervenção
criminológica.

b) O princípio da diferença
No quadro de investigação das primeiras pesquisas criminológicas, como
no estudo empírico de Lombroso sobre o “homem criminoso” (1876),
20 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

o muro da prisão marca a linha de separação entre o grupo de pesquisa


dos presos e o grupo de controle, os homens de fora. O interesse de
conhecimento é a diferença do criminoso em relação aos [homens] normais.
Para os primeiros criminólogos a prisão realiza não somente a exclusão
social do criminoso, mas também lhes atribui, igualmente, um status de
diferenciação natural. O princípio da diferença, a observação isolada do
“mundo da criminalidade”, como também a intervenção criminológica
dirigida para a pessoa, são próprias também da Criminologia tradicional
contemporânea – e são lamentadas como contradição à autonomia da
ciência (Sack, 1987, 247 s.).

IV. A Psiquiatria como precursora da Criminologia

A Psiquiatria, teoria dos transtornos psíquicos patológicos, é considerada


como parteira da Criminologia. A jovem ciência criminológica extrai
dela sua imagem quase médica, a aparência de uma disciplina moderna
(aos olhos dos contemporâneos) e os primeiros conceitos explicativos
da criminalidade. Ela fornece o modelo para conceitos deterministas de
ação – ação não determinada pela livre vontade – e teorias de “anomalias”
biológicas para explicação da “personalidade criminosa”. A cooperação entre
estas especialidades prospera, não por último, porque a Psiquiatria descobre
um novo campo de atuação e profissionalização na área da Justiça penal
(Garland, 1987, 81s; Lamott, 1988, 179s.). Até hoje a Criminologia não
alcançou o prestígio da Psiquiatria na Justiça penal (compare Moser, 1971).
Perícias psiquiátricas são requisitadas como auxílio de explicação, mesmo
lá onde é evidente a necessidade de especial informação criminológica
(compare BGH StV 1994, 252ss).

B. Interesse jurídico-penal na Criminologia

O Direito Penal consulta a Criminologia sobre avaliações de sua


racionalidade, isto é, razoabilidade do combate à criminalidade, de sua
efetividade, portanto, eficácia, e da fundamentação da intervenção
jurídico-penal (questão de legitimidade).
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 21

I. O produto científico da “criminalidade” como problema solucionável


pela Justiça penal

1. A produção do problema social

O interesse do Direito Penal, ou seja, da Justiça penal na ciência


criminológica, parte do problema social que é criado e descrito por normas
jurídico-penais. Sem uma norma jurídico-penal não existe criminalidade:
somente a punibilidade da posse de droga cria a criminalidade de drogas.
Isto pode atingir, dependendo da realidade histórica e política, o tabaco, o
álcool ou o haxixe. Para trabalhar o problema criminal assim “produzido”
são acionados normativamente Polícia, Justiça e Execução Penal: nessa
medida, eles também “criam” a criminalidade. Este é, de certa forma, o
modelo do “problema social” moderno (compare, sobre isto, em detalhes,
o Capítulo 12, abaixo).

2. A produção do problema moral

Porque o Estado, para proteção de bens jurídicos definidos jurídico-


penalmente, emprega sua arma mais aguda, a aplicação de violência estatal
e de sanções penais, o problema social da criminalidade recebe um posto
especial, destacado dentro da sequência de problemas sociais. Criminalidade
torna-se um problema dominante do cotidiano social. A atenção pública
concentra-se no problema da criminalidade. Notícias da Justiça aumentam
a atenção pública. Produzem, em conjunto com os produtos de lei
e ordem da indústria da mídia, “funções simbólicas do Direito Penal”,
por exemplo, a desvalorização moral da criminalidade ou do criminoso,
ou a representação da autoridade estatal, (compare Hess/Scheerer, 1997,
assim como § 6 C, abaixo). Através da esquemática simplificação do
Direito Penal – a separação do Bem e do Mal, de conformidade e desvio
– é simultaneamente traçada uma linha moral divisória, é destacado o
inimigo interno na sociedade, sob inclusão de seu espaço-vital cultural e
separado dos valores dominantes (sobre o conceito de “Direito Penal do
inimigo”, compare Jakobs, 1985, 753, 756 s.).
22 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

3. Aparente solução do problema pela aplicação do Direito Penal

Com a rotulação de uma situação de conflito, ou seja, de um


acontecimento danoso como tipo penal, está vinculada, contudo, não
apenas uma definição de problema estatal. Antes, é posto igualmente
sob prova, que o problema é de ser tratado politicamente e que são
(podem ser) empreendidos esforços enérgicos para combater o problema.
Criminalidade, ou seja, o ato legislativo de criminalização atua, neste
ponto, também como útil recipiente político para os defeitos estruturais
insolúveis, nos limites do sistema social considerado.

Um exemplo: a destruição das condições naturais de vida dos seres humanos


é aceita como preço político do progresso econômico. Aqui, a instituição de um
Direito Penal ambiental transmite aos cidadãos a impressão de que a luta contra os
poderes aparentemente tão difusos da destruição ambiental é igualmente possível, na
medida em que culpados são apresentados e punidos. Outros acontecimentos sociais
causadores de dano ou perigo social, pense-se na exploração de usinas nucleares ou
no armamento atômico, que permanecem sem indicação de problema jurídico-penal,
ao contrário, integram a “natureza” social, as situações de risco da civilização, que
simplesmente devem ser aceitos (vide Beck, 2001; Perrow, 1992).

4. A Criminologia como ciência de solução de problemas

Afirmações essenciais, que são amplamente aceitas e feitas pela Justiça


penal aos ramos da ciência que estão reunidos sob a cobertura da
Criminologia, são:
• o problema social construído pelas normas do Direito Penal,
• a desvalorização moral da realidade problematizada e
• a verificação de que o problema deve ser combatido com os meios do
Direito Penal em um processo normativamente emoldurado.

Hans Gross, um dos pais da Criminologia, que em seu tempo também era
corretamente denominada Criminalística, mostra na seguinte formulação,
com que solicitude a ciência-factual criminológico-positiva se coloca a
serviço oficial do Estado: “A Criminalística não quer outra coisa, senão
prestar serviços auxiliares à ciência do Direito Penal, ela alcançou seu
objetivo quando pôde carregar pedras, que a (...) Política criminal pode
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 23

precisar para aquela primeira obra, que a jovem escola alemã quer construir
e pela qual, um dia, os homens a abençoarão, pois ela não é mais dedicada
ao conflito sobre o que foi ideado pelo ser humano, mas ao conhecimento
da realidade” (Gross, 1899, 16).

II. Criminologia hoje: continuidade a serviço oficial do Estado

Considerando-se as definições da Criminologia, que se encontram nos


novos manuais e descrições de tarefas da Criminologia, mostra-se completa
continuidade em relação ao primitivo autoconceito de ciência auxiliar,
mesmo se a conceituação é hoje mais diferenciada.

1. Criminologia como provedora de diretrizes práticas para o combate


da criminalidade

A maior aproximação do âmbito do objeto jurídico-penalmente


determinado e para o fim de combate da criminalidade encontra-se, por
exemplo, no conhecido manual de Criminologia de Hans Göppinger:

“A Criminologia é uma ciência empírica independente. Ela ocupa-se com as


circunstâncias existentes no âmbito humano e comunitário, que se relacionam com a
existência, a comissão, as consequências e a prevenção de fatos puníveis, assim como
com o tratamento de delinquentes.” (1997, 1). Mesmo se a Criminologia, segundo
a verificação de Göppinger, não está limitada, nos objetos e sua pesquisa, ao conceito
de crime jurídico-penal normatizado, assim mesmo vale: “Nessa medida, o crime
delimitado juridicamente é ponto de partida da pesquisa criminológica, mas não o
exclusivo objeto ou meta de pesquisa da criminologia” (1997, 4). Nos trabalhos de
pesquisa de Göppinger, como na “Pesquisa do jovem autor de Tübingen” (Göppinger,
1983), revela-se então uma nítida autocompreensão científica, na qual a Criminologia
é determinada como provedora de diretrizes e instrumentos práticos de combate da
criminalidade. Assim, da observação comparativa de jovens adultos criminosos e não
criminosos, são investigadas características criminógenas da personalidade e de suas
condições de vida social e transpostas para um esquema de prognose. Deste modo,
obtém-se uma lista de características pessoais e sociais para o protótipo criminal, cujo
traço distintivo consiste no desprezo massivo das representações de valor (pequeno)
burguesas e do conceito de ordem.

De modo semelhante Heinz Leferenz – que, assim como Göppinger,


deve ser incluído na Criminologia tradicional orientada para o autor –
24 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

aloca a disciplina, quando ele, em uma crítica contribuição, discute com a


moderna Criminologia que, segundo a opinião dele, distanciou-se demais
de seus precursores e de sua tarefa originária, “a saber, de realizar o efetivo
combate do crime (von Liszt), ou seja, do criminoso (Lombroso)” (1987,
1009).

Para a Criminologia e o Direito Criminal constata Leferenz “(...) que ambas as


disciplinas têm o mesmo fim, mas que os caminhos pelos quais esta forma do controle
social deve ser implementada, são inteiramente diferentes” (idem). Ele lamenta: o
“caminho sociológico” que, neste ínterim, a disciplina tem seguido, conduziria a
Criminologia a uma “teoria do comportamento desviante” e negligenciaria a relação
com o Direito Criminal (1987, 1012). A moderna Criminologia teria se distanciado
do objetivo de combate da criminalidade: “(...) assim, os beneficiários da nova
Política criminal são, sem dúvida, os delinquentes atuais e potenciais” (1987, 1013).
Em conclusão invertida, segue-se disto: “Muito mais questionável em nossa nova
Política criminal é, contudo, sua fundamental unilateralidade em prejuízo das vítimas
potenciais do crime” (1987, 1016).

De fato, as descrições de tarefas dos manuais restantes são, neste sentido,


mais contidas. Mas, também aqui, mostra-se a proximidade das categorias
criminológicas analíticas em relação às funções de disciplina da Justiça penal.
A pessoa do autor e as condições de sua ação permanecem, com o objetivo
de otimização da prevenção, um ponto central do conjunto de resultados.
E a elevação da eficiência do controle social jurídico-penal permanece um
interesse essencial da pesquisa de instâncias (Polícia, Ministério Público,
Justiça, Execução Penal). Aqui, a ampliação do âmbito do objeto da
Criminologia para algumas formas de comportamento desviante exteriores
ao Direito Criminal (por exemplo, alcoolismo ou prostituição), lamentada
por Leferenz, não representa nenhuma quebra de continuidade.

2. Interesse ampliado da pesquisa criminológica: autor, vítima e


instâncias de controle social

Em diferente forma, contudo, encontram-se na sistemática de novos


livros de Criminologia também capítulos sobre questões de criminalização
e descriminalização, as condições e consequências do controle social
jurídico-penal. Aqui são indicados determinados questionamentos não
normativos. Estes capítulos estão, não raramente, desvinculados no quadro
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 25

dos já conhecidos interesses de conhecimento – sem se desprender dos


preceitos normativos do Direito Penal.
Günther Kaiser define a disciplina da ciência criminológica como segue:
“Criminologia é o conjunto ordenado do saber empírico sobre o crime, o
criminoso, a anormalidade social negativa e sobre o controle desta conduta”
(1996, 1). Apesar do aparente alargamento da definição, que Kaiser assume
no âmbito do objeto da Criminologia, ele afirma que o “conceito geral
de comportamento desviante” (idem 2) ultrapassa os limites da disciplina
e que “o crime definido juridicamente representa o estratégico ponto de
partida da observação criminológica” (idem, 9). Embora Kaiser tenha
rejeitado energicamente (Kaiser, 1988, 19) a reprovação de “subordinação
prática” dirigida por Sack contra a Criminologia tradicional (Sack, 1978,
221), ele constata resumidamente: “Segundo a concepção aqui defendida,
controle do crime, crime, criminoso e vítima do crime estão no centro da
sistemática criminológica; nesse caso, atribui-se leve prioridade ao controle
da criminalidade” (Kaiser, 1996, 30).
Joseph Kürzinger parte, em seu manual, das anteriores definições de
Criminologia de Kaiser, mas compreende o âmbito do objeto da disciplina
de forma mais ampla, quando escreve: “Se entendermos como objeto da
Criminologia, conforme a opinião amplamente dominante, não somente o
crime, mas todo comportamento desviante socialmente negativo, então não
surge nenhum problema, pois deixam-se compreender, sem esforço, então,
todas as formas de comportamento social anormal como legítimo objeto
da pesquisa criminológica” (1996, 20). Na verdade, também Kürzinger
atribui o “controle jurídico-penal do crime” (idem, 14) ao âmbito do
objeto da Criminologia, mas não confere a esse tema, em seu compêndio,
nenhum peso especial. Aqui domina uma Criminologia orientada para o
autor de delitos particulares.
Sobre a clássica determinação de funções da Criminologia, na descrição
do objeto e descrição das tarefas (da Criminologia), os manuais de Eisenberg
e Schneider, publicados em várias edições, vão além.
Na concepção de Ulrich Eisenberg, a “Criminologia [é] uma ciência
empírica das relações tanto dos julgamentos jurídico-penais de cursos de
acontecimentos, quanto dos cursos de acontecimentos julgados jurídico-
penalmente” (2002, 2). De modo correspondente, análises da legislação e
26 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

do controle social recebem algum peso no manual. De modo semelhante


soa a posição central em Hans-Joachim Schneider: “Criminologia é a ciência
humana e social que pesquisa empiricamente os processos individuais
e sociais de criminalização e de descriminalização e que transmite seus
conhecimentos como recomendações ao Legislador e ao aplicador do
Direito” (1987, 87). Além disso, Schneider inclui a legislação penal, as
condições de formação do comportamento desviante, reações formais e
informais à criminalidade e a personalidade do autor e da vítima no âmbito
do objeto. Schneider desperdiça, contudo, o ganho explicativo das teorias
da criminalização, através do seu contínuo alinhamento com teorias de
explicação da criminalidade (causalmente orientadas = etiológicas) (idem,
560). Assim, a posição conceitual central de sua Criminologia permanece,
amplamente, sem consequências.

3. Princípios de uma Criminologia Crítica

Alguns criminólogos, que pesquisam o estado da Criminologia alemã de


uma perspectiva crítico-criminológica, atestam que o questionamento de
suas pesquisas seria “completamente interna à Justiça e ao Direito Penal”
(Sack, 1987, 249). A Criminologia tradicional, segundo este autor, “não
desenvolve questionamentos teóricos próprios, mas toma estes do horizonte
de problemas das instituições e instâncias próprias” (idem).
Outros autores da Criminologia crítica também insistem nisto, que
uma ciência não deveria deixar reduzir seu interesse de conhecimento por
preceitos normativos. A redução de perspectiva da Criminologia tradicional
encontra-se fundada na perspectiva de prevenção emprestada do Direito
Penal. Sobre isto indicou, pela primeira vez o criminólogo americano Matza,
quando escreve: “O ponto de vista da prevenção impede, por completo,
apreender corretamente o fenômeno desviante, porque é determinado e
motivado pelo objetivo de eliminá-lo” (1973, 22). Enquanto o objetivo
de prevenção dirige a atenção científica ao autor criminoso e seu ambiente
social, a pesquisa crítico-criminológica é dirigida prioritariamente ao
Estado, ao Direito e aos órgãos de persecução penal. Estes objetos de
pesquisa correspondem ao reconhecimento de que a criminalidade, como
fenômeno social, é ativamente produzida pela persecução penal estatal – ao
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 27

contrário das hipóteses da Criminologia tradicional, nas quais os órgãos de


persecução penal aparecem como passivos verificadores da criminalidade
(ver, de modo abrangente, sobre Criminologia crítica, Sack, 1987, 309ss;
Sack, 1993; Hess/Scheerer, 1997, 83ss; Müller-Tuckfeld, 1998, 109ss).
Considerada em conjunto, a compreensão hoje determinante da
ciência criminológica – apesar dos acalorados debates que a Criminologia
crítica suscitou –, permaneceu vinculada, de modo notável, ao âmbito
do objeto, aos interesses de conhecimento e às categorias analíticas, que
já caracterizavam a Criminologia positivista primitiva. Assim, um exame
sociológico-científico dos programas criminológicos desde a virada do
século, como apresentaram, por exemplo, os criminólogos ingleses Taylor/
Walton/Young (1977) ou Garland (1987), também traz à luz categorias
analíticas, interesses de aplicação jurídico-penal e funções sociais, que
possuem validade tanto para a velha como para a nova Criminologia.

III. Estratégias criminológicas de domínio em face da criminalidade


como problema individual e social

A reconstrução da criminalidade como um problema social solucionável


exige necessariamente posições de auxílio científico adequadas para seu
domínio. Daí resultam determinadas exigências, que o Direito Penal dirige
à Criminologia. Pergunta-se por:
• análises causais (1),
• propostas de intervenção disso resultantes (2),
• verificação dos efeitos da sanção (3) e
• modelos de justificação para a Justiça penal criminologicamente
fundados (4).

Tais interesses são igualmente satisfeitos em obras primitivas e em


modernas obras-padrão da Criminologia.

1. Interesse por análise criminológica causal

a) Leis como padrões de normalidade


A pessoa é objeto e unidade da análise criminológica. Desde os
primórdios da escola biológica italiana até a moderna “pesquisa de grupos”
28 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

(compare Bettmer/Kreiss/Voss, 1988), a procura pela diferença substancial


entre criminosos e conformistas constitui um ponto fixo da investigação
criminológica. A hipótese da diferença do criminoso, condutora da
pesquisa, resulta do abandono do modelo de ação da liberdade de vontade,
que caracterizava o Direito Penal clássico. A prospecção dirige-se agora aos
determinantes condutores da ação, que determinam o criminoso para o fato
e o diferenciam, ao mesmo tempo, do cidadão conformista. Com a tese da
anomalia, portanto, a hipótese de que a criminalidade é devida ao “caráter
criminal”, à diferença do criminoso, está vinculado um relevante ganho de
legitimação para a intervenção jurídico-penal. Em face da criminalidade
“anômala”, as leis penais aparecem como expressão do consenso do cidadão
sobre normalidade e ordem (compare Garland, 1987, 93). A Criminologia
tende, desde então, como ciência do desvio (de padrões de normalidade),
a uma posição acrítica em face das leis existentes. Estas constituem para o
criminólogo, ao mesmo tempo, o critério de normalidade assumido como
natural e como não mais questionável.

b) Criminalidade como qualidade da pessoa


A criminalidade, para a Moderna Escola de Direito Penal da virada
do século e para os cientistas-auxiliares criminológicos, tornou-se pela
primeira vez disponível. Enquanto ao cidadão ajustado continua sendo
imputada ação autônoma, ao desviante é atribuído um modelo de ação
heterônoma, determinada por força alheia. Ele é, com isto, patologizado
como “dependente”; a intervenção parece justificada e fundamentada para
o bem futuro do desviante. A Criminologia é, neste ponto, desde o começo,
a ciência da criminalidade como disposição pessoal, como propriedade da
pessoa, que urge descobrir, observar e modificar.
Este princípio permanece também mantido, quando mais tarde, sob
influência da Sociologia criminal (americana), condições criminógenas no
ambiente da pessoa são pesquisadas e integradas nas teorias da criminalidade
(ver abaixo § 3). Na verdade, o comportamento desviante aparece nas
teorias sociológico-criminais como reação “normal” às correspondentes
influências de socialização ou áreas de aprendizagem; neste ponto,
hipóteses semelhantes também poderiam ser motivo para uma ampliação
sócio-política de chances. Contudo, se estes conhecimentos são assumidos
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 29

pelo Sistema de Justiça Criminal e subordinados à pretensão de combate


da criminalidade normativamente pretendida, então o autor criminal está,
de novo, no centro do interesse de controle que, agora, porém, irradia em
seu ambiente social. A partir da compreensão científico-social sobre causas
da criminalidade, abrem-se novas áreas de intervenção e de prevenção.

c) Criminalidade como atribuição


Somente teorias da criminalização mais recentes (“teoria do Labeling”),
seja isto aqui antecipado, dissolvem este ponto-fixo analítico, quando elas
remetem ao Direito Penal e à persecução penal o papel decisivo na produção
do fenômeno social da “criminalidade” (ver, em todo caso, sobre isto,
abaixo § 3 B III/IV). Com isto, o princípio “nenhuma pena sem lei”, bem
conhecido entre os juristas, é como que invertido teórico-cognitivamente e
afirmado que a norma jurídico-penal e a autorizada atribuição do status de
criminoso (processo penal) produziria criminalidade. Quem quer explicar
a criminalidade precisa, segundo estas teorias, preocupar-se com a criação
da norma e com a aplicação da norma.

2. Interesse por propostas de intervenção criminológica

a) O Direito Penal clássico não precisa de Criminologia


Uma Justiça penal comprometida com o Direito Penal clássico, em
que a sanção retributiva é medida pela gravidade do fato, ainda não tem
nenhuma necessidade de conhecimentos criminológicos sobre as causas
do fato punível relacionadas ao autor e sobre medidas justificadas por
diagnósticos. Aqui a pena criminal é a compensação proporcional aos
interesses dos membros da sociedade, que são lesionados pelo fato punível.
Porque o fato punível é atribuído à vontade livre do cidadão livre e igual,
a pena não objetiva a ressocialização, mas – na medida em que, de todo,
justificada por prevenção – à intimidação. O Direito Penal é, como
todas as competências de intervenção do Estado, fundamentado teórico-
contratualmente. Corresponde, segundo a teoria, à decisão de todos os
membros da sociedade que, para proteção contra lesões de interesses
recíprocos ameaçados, se unificaram sobre este consenso normativo
mínimo e de sua defesa jurídico-penal (vide Taylor/Walton/Young, 1977).
30 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

As teorias contratuais do Iluminismo nascem como plataformas de luta


da burguesia em ascensão contra a justiça feudal arbitrária e privilégios
corporativos, principalmente para assegurar liberdade econômica. Seus
escritos igualitários dirigidos contra as desigualdades feudais, contudo, mal
podem esconder seu caráter ideológico em face da não menos evidente
grave desigualdade de propriedade da fase inicial da industrialização.

b) O Direito Penal do fim desperta a necessidade da Criminologia


Propostas de intervenção de uma atuante Criminologia empírica somente
se tornam capazes de aplicação forense com o Direito Penal orientado pelo
fim. Este, por sua vez, desenvolve-se na mudança para o século 20, em
consequência de uma crescente necessidade sócio-econômica de formação
escolar e profissional, no cortejo de uma renovada luta por cada força de
trabalho, ainda que seja ela encontrada na execução penal. O Direito Penal
do fim segue unido, em todo caso, com uma transformada concepção do
papel do Estado, do qual agora é exigido preencher as crescentes lacunas de
função do mercado. Além disto, conta também a produção e manutenção
de um processo de reprodução social. O Estado é também responsabilizado
pela socialização organizada, inclusive pelas instituições acessórias de
controle social. Estas são justificadas, num mundo secularizado, somente
por seus objetivos sociais positivos, não mais por si mesmas. A teoria do
Estado do Estado de Direito liberal e distanciado é agora substituída
pelo modelo do Estado social intervencionista, onipresente. Ao modelo
do Estado de intervenção pertence uma teoria penal que subordina
abertamente o instrumentário jurídico-penal a considerações de utilidade
estatal (compare Albrecht, 1988). Para continuar uma formulação de Ferri,
na mudança de disposição da virada do século, não se trata de reduzir as
penas, mas a criminalidade (Ferri, 1896, 12).

c) O Direito Penal da prevenção aumenta a necessidade da Criminologia


Os objetivos de prevenção do Direito Penal, até hoje situados no
primeiro plano, exigem uma análise científico-experimental das causas da
criminalidade para poder perseguir, com meios adequados, finalidades de
correção ou de intimidação. A Criminologia entra na categoria de uma
“ciência dos fundamentos do Direito Penal” (Hassemer, 1993, 314). Através
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 31

da ligação entre diagnose de criminalidade e tratamento do delinquente,


a Criminologia está relacionada, desde o começo, à práxis jurídico-penal.
Ela está, desde então, em face da pretensão de autonomia da ciência, numa
precária relação teoria-práxis. A Criminologia exige e produz uma práxis
de punição determinada, como parte integrante da disciplina científica
que, no catálogo da moderna divisão interna do trabalho criminológico,
também aparece como “Penologia” (compare Kerner, 1985). O destinatário
principal das propostas de intervenção é o Estado, embora também, com
frequência, instituições livres e organizações de bem-estar semiestatais, por
delegação estatal, são parceiros participantes de tarefas de controle.
A tese da anormalidade – e também isto é de se observar desde os
primórdios da Criminologia até às publicações contemporâneas (compare
Farrington/Ohlin/Wilson, 1986, 22) – oferece, em relação à justificação de
intervenção jurídico-penal clássica, uma fundamentação plausível para uma
ampliação do controle. Sendo conhecidas as características criminógenas
sociais ou pessoais, então parece natural prevenir o crime com a intervenção
coativa. Medidas preventivas contra a qualidade criminal ou o ambiente
criminógeno parecem muito mais racionais do que a intervenção reativa
depois do fato punível. A lei penal dirigida para realidades criminalizáveis
existentes perde, com isto, sua posição de monopólio como norma
condutora da intervenção e limitadora da intervenção. Conceitos abertos,
indeterminados, como “abandono”, complementam e ampliam o sistema
normativo fechado dos pressupostos de intervenção jurídico-penal. Quem
orienta para a própria biografia, com visão autocrítica, os resultados da
pesquisa de Göppinger (síndromes), verificará então que qualquer um que
tenha vivido uma juventude cheia de eventos e agitada, é atingido por um ou
por outro complexo de diagnóstico precoce (Göppinger, 1985, 15 s.; 217 s.).
Se a sanção jurídico-penal não é mais medida pelo fato punível, que
representa um acontecimento consumado localizado no passado, mas
orientada para a futura modificação da personalidade do autor, realizada
sob efeito da sanção, então esta “medida” não pode mais ser delimitada
antecipadamente. Ao contrário, a medida determina-se pelo grau do
respectivo déficit específico de personalidade, num processo contínuo
de medições de resultado que acompanham a intervenção, com ajuda de
padrões de normalidade criminológica fixada.
32 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

A Criminologia provoca, entretanto, com sucesso a impressão de que


teria desenvolvido, na história secular de sua disciplina, um método
científico para o combate da criminalidade. Não obstante, até hoje,
não existe nenhum resultado convincente da Criminologia tradicional,
orientada pelo autor, sobre disposições individuais de criminalidade e seu
tratamento adequado. Neste ponto, também com vistas ao presente, é de se
concordar com o criminólogo inglês Garland, quando ele se mostra pouco
impressionado com o desempenho da Criminologia positivista primitiva,
com a pretensão de evidência obtida de modo científico-experimental.
Esta Criminologia lembra, resume Garland, com todos seus dogmas e
especulações, antes um ramo da Teologia (1987, 97).

3. Interesse por análise criminológica dos resultados do controle social


(pesquisa de efeito)

a) Pesquisa dos efeitos do Direito Penal


O moderno Direito Penal de orientação pelos resultados, dirigido
para os desenvolvimentos futuros, conduz necessariamente a uma
necessidade da Justiça penal por investigações, que se ocupam com os
efeitos das intervenções recomendadas como justas. Partindo de teorias
do surgimento da criminalidade relacionadas à pessoa e de teorias penais
orientadas pela prevenção especial, a necessidade de pesquisa dirige-se, em
primeiro lugar, à verificação dos efeitos da sanção em relação ao punido.
Mais tarde, são também pesquisados efeitos de irradiação da ameaça de
sanção, intimidantes ou reforçadores da norma, ou seja, (efeitos) das
sanções concretas. O efeito da intervenção da Justiça penal, que deve
promover a educação ou o tratamento do delinquente, é verificado pelo
resultado da provação legal (suspensão condicional da pena) ou do fracasso
da reincidência. A adequação da sanção não é mais decidida somente pela
categoria da Justiça. Além disso, entra a questão científico-experimental
determinada sobre a correção da medida para o diagnosticado problema
de personalidade.

b) Pesquisa de consequências acessórias danosas da Justiça penal


Com o conhecimento crescente das condições sociais do comportamento
individual desviante, entram na perspectiva do pesquisador da criminalidade,
§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 33

ao lado da família ou da escola, também as próprias instâncias de controle.


A questão sobre o grau de eficiência das sanções, que reagem a existentes, de
outro modo produzidas qualidades criminógenas, é ampliada para a questão
sobre a própria (contraprodutiva) contribuição dos órgãos de controle na
carreira criminosa de seus clientes: não a família, mas a punição estatal faz o
criminoso.
Após inicial medo de contato em face da pesquisa de instâncias (compare
Lautmann, 1972), mostram os órgãos da Justiça penal hoje, inteiramente,
um interesse próprio na organização de sua atividade, no aumento de sua
eficiência de intervenção ou na evitação de consequências acessórias não
intencionais de seus programas de norma e de aplicações de norma. Eles
deixam desenvolver projetos sobre a “Polícia moderna” ou a “Execução
penal moderna”, instituem modelos de uma práxis reformada e buscam na
ciência por pesquisa de acompanhamento (compare Kreissl, 1986, 129 s.).

4. Interesse por legitimação criminológica da Justiça penal

O interesse da Justiça penal na aplicação de conhecimentos científicos


da Criminologia não pode ser avaliado somente em relação às funções
instrumentais do Direito Penal de combate da criminalidade. Numa
sociedade que se deixa conduzir sempre menos por representações de
valor tradicionais, as intervenções coativas do Estado na vida dos cidadãos
somente se permitem justificar pela demonstração de que a intervenção
é legítima. A legitimidade de uma intervenção é comprovada por seus
resultados. E para a demonstração da necessidade, da utilidade e da correção
objetiva da intervenção, a ciência está à disposição, com seu instrumentário,
para uma busca da verdade aparentemente livre de valor. A ciência pode
remeter a regularidades da ação social já pesquisadas que, integradas no
edifício teórico, estão prontas à convocação para explicar ações passadas e
para prognosticar (ações) futuras. Enquanto a pena, no quadro das teorias
absolutas, pode ser legitimada por dentro do Direito, os defensores das
teorias penais relativas precisam “fazer perícias fora do processo penal. Eles
precisam, para justificar a pena e a aplicação da pena, tomar posição sobre os
efeitos esperáveis, eles precisam fazer prognósticos, avaliar probabilidades”
(Hassemer, 1983, 46). O Direito Penal é transformado de uma orientação
34 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

jurídico-normativa em uma orientação empírico sócio-científica. A ciência,


aqui a Criminologia, torna-se, deste modo, um importante instrumento
de legitimação para decisões políticas (compare Habermas, 1974, 72ss;
Sack, 1987, 260). Ela ratifica a necessidade objetiva da intervenção penal.
Criminólogos contribuem, aqui especialmente, com informações – por
eles presumidas – sobre possíveis efeitos de prevenção do Direito Penal,
por exemplo, sobre o efeito da pena privativa de liberdade perpétua na
inibição do homicídio na população (Kaiser, 1978).

§ 3. Teorias da Criminalidade: a explicação da criminalidade no


perfil de exigência do Direito penal

Literatura: Akers, R.L., Deviant Behavior, 2 ed, 1977: Albrecht, P.-A., Perspektiven und
Grenzen polizeilicher Kriminalprävention, 1983; Albrecht, P.-A., Prävention als problematische
Zielbestimmung im Kriminaljustizsystem, KritJ 1986, 55 s.; Bandura, A., Sozial-kognitive
Lerntheorie, 1979; Barton, S., Der psychowissenschaftliche Sachverständige im Strafverfahren,
1983; Becker, H.S., Aussenseiter, 1973; Chambliss, W.J.; Mankoff, M (editor), Whose Law,
What Order, 1976; Christiansen, K.O., A Preliminary Study of Criminality among Twins, in:
Mednick, S.; Christinansen, K.O. (editores), Biosocial Bases of Criminal Behavior, 1977, 89
s.; Clarke. et al., Jugendkultur als Widerstand: Milieus, Rituale Provokationen, in: Honneth,
A. (editor), 1979; Cloward, R.A.; Ohlin, L.E., Delinquency and Opportunity: A Theory of
Delinquent Gangs, 1960; Cohen, A.K., Delinquent Boys: The Culture of the Gang, 1955;
Cressey, D.R., Differentielle Assoziation, symbolischer Interaktionismus und Kriminologie,
in: Schneider, H.-J. (editor), Die Psychologie des 20. Jahrhunderts, 1981; Durkheim, E.,
Die Regeln der soziologischen Methode (R. König editor), 1976; Eysenck, H.J., Crime and
Personality, 1964; Foucault, M., Überwachen und Strafen, 1976; Glueck, S.H.; Glueck, E.,
Towards a Typologie of Juvenile Offenders, 1970; Göppinger, H., Kriminologie, 5 ed, 1997;
Gold, M., Delinquent Behavior in an American City, 1970; Hassemer, W., Produktverantwortung
im modernen Strafrecht, 1994; Herzog, F., Gesellschaftliche Unsicherheit, strafrechtliche
Daseinsvorsorge, 1991; Janssen, H. et al. (editor), Radikale Kriminologie, 1988; Jeffrey, C.R.,
Criminal Behavior and Learning Theory, Journal of Criminal Law, Criminology and Police
Science 56 (1965), 294 s.; Kaiser, G., Kriminologie, 3 ed, 1996; Kranz, H., Lebensschicksale
krimineller Zwillinge, 1936; Kreissl, R., Staatsforschung und staatsaugliche Forschung in
der Kriminologie, KrimJ 1983, 110 s.; Kreissl, R., Soziologie und soziale Kontrolle, 1986;
Kretschmer, E., Körperbau und Charakter, 22 ed, 1955 (primeiramente 1921); Kuhlen, L.,
Strafhaftung bei unterlassenem Rückruf gesundheitsgefährdender Produkte, NStZ 1990,
566 s.; Lamnek, S., Theorien abweichenden Verhaltens, 5 ed, 1993; Lange, J., Verbrechen als
Schicksal: Studien an kriminellen Zwillingen, 1929; Lemert, E.M., Social Pathology, 1951;
Lemert, E.M., Der Begriff der sekundären Devianz, in: Lüderssen, K.; Sack, F. (editores),
Seminar: Abweichendes Verhalten I, 1975, 433 s.; Luhmann, N., Rechtssoziologie, Volume
§ 3 - Teorias da Criminalidade 35

I e II, 1972; Merton, R.K., Sozialstruktur und Anomie, in: Sack, F.; König, R. (editores),
Kriminalsoziologie, 3 ed, 1979, 283 s.; Miller, W.B., Die Kultur der Unterschicht als ein
Entstehungsmilieu für Bandendelinquenz, in: Sack, F.; König, R. (editores), Kriminalsoziologie,
3 ed, 1979, 339 s.; Montagu, M.F.A., Das Verbrechen unter dem Aspekt der Biologie, in: Sack,
F.; König R. (editores), Kriminalsoziologie, 3 ed, 1979, 226 s.; Pfeiffer, D.K.; Scheerer, S.,
Kriminalsoziologie, 1979; Quinney, R., Criminology, 1975; Reiss, A.J., Delinquency as the
Failure of Personal and Social Controls, American Sociological Review 16 (1951), 196 s.; Röhl,
K.F., Rechtssoziologie, 1987; Sack, F., Definition von Kriminalität als politisches Handeln:
der labeling approach, in: Arbeitskreis Junger Kriminologen (editor), Kritische Kriminologie,
1974, 18 s.; Sack, F., Probleme der Kriminalsoziologie, in: König, R . (editor), Handbuch der
empirischen Sozialforschung, Volume XII, 2 ed, 1978, 192 s.; Sack, F., Neue Perspektiven in
der Kriminologie, in: Sack, F.; König, R., Kriminalsoziologie, 3 ed, 1979; Sack, F., Kriminalität,
Gesellschaft und Geschichte: Berührungsängste der deutschen Kriminologie, KrimJ 1987,
241 s.; Sack, F., Wege und Umwege der deutschen Kriminologie in und aus dem Strafrecht,
in: Janssen, H. et al. (editor), Radikale Kriminologie, 1988, 9 s.; Sack, F., Der moralische
Verschleiss des Strafrechts, KritV 1990, 327 s.; Sack, F.; König, R. (editor), Kriminalsoziologie,
3 ed, 1979; Schneider, H.-J., Kriminologie, 1987; Schneider, K., Die psychopathischen
Persönlichkeiten, 1923; Schwind, H.-D. et al. (editor), Präventive Kriminalpolitik: Beiträge
zur ressortübergreifenden Kriminalprävention aus Forschung, Praxis und Politik, 1980; Sessar,
K., Rechtliche und soziale Prozesse einer Definition der Tötungskriminalität, 1981; Skinner,
B.F., Wissenschaft und menschliches Verhalten, 1953; Springer, W., Kriminalitätstheorien
und ihr Realitätsgehalt, 1973; Stumpfl, F., Die Ursprünge des Verbrechens, Leipzig, 1936;
Sutherland, E.H., Principles of Criminology, 4 ed, 1947; Sutehrland, E.H., Die Theorie der
differentiellen Kontakte, in: Sack, F.; König, R, Kriminalsoziologie, 3 ed, 1979, 395 s.; Taylor,
I.; Walton, P.; Young, J., The new Criminology: for a social Theory of Deviance, 4 ed, 1977.

A. Modos teóricos de intervenção

I. Necessidade de teoria científica

1. Ganho de promoção de conhecimento

O interesse do Direito Penal por análises criminológicas de causas


pressupõe teorias científicas que explicam o comportamento individual
ou social. A Criminologia tradicional não desenvolveu nenhuma teoria
independente sobre isto, mas realizou empréstimos de outros setores da
ciência: Medicina, Psiquiatria Biologia, Psicologia, Sociologia. “Teorias
criminológicas” de tipo tradicional são caracterizadas pelo fato de que
36 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

aplicam, no âmbito do objeto do comportamento desviante, teorias


explicativas da conduta elaboradas em outras disciplinas.
O ganho de promoção de conhecimento de uma teoria científica para
explicação do comportamento, seja de que espécie for, reside na obrigação
de precisar se desligar da visão do mundo cotidiano. Assim, vê-se o jurista
penal – orientado pela lei penal –, que tem de partir do axioma da liberdade
de vontade, obrigado a compreender, por exemplo, através de uma teoria
científico-social da aprendizagem (ver, abaixo, B I 2), o comportamento
criminoso como ação consequente de regras aprendidas.

2. Insegurança por alheamento

A desvantagem da visão teórica aguçada reside no efeito de alheamento


com isto associado. Precisamente para o jurista decorre disto uma grande
irritação, porque ele não pode, ou pode somente com grande esforço,
transferir estes conhecimentos em sua ação profissional. Isto é posto
sistematicamente, porque a aplicação jurídica do Direito Penal quase não
permite aberturas para concorrentes modelos de explicação científica. O
sistema do Direito Penal contém uma pretensão de exclusividade normativa,
porque é construído para decisões rapidamente produzíveis, que não são
comprometidas com a pretensão de verdade científica. A última deve ser
diferenciada do conceito de verdade jurídico-penal (forense), porque esta
não quer explicar, mas apenas quer possibilitar ao magistrado o fundamento
para um quadro subjetivo de convicção (§ 261, Código de Processo Penal)
(compare abaixo § 24 II). Não por último, irritações ocorrem para o jurista
também disto, porque modelos explicativos de outras ciências não são
transmitidos de modo suficiente na formação jurídica.

II. Utilização diferente das teorias criminológicas

O interesse do Direito Penal por explicação da criminalidade pode-


se ordenar segundo duas posições: por um lado, existe o interesse por
instrumental utilizável, ou seja, conhecimentos empíricos sobre causas
da criminalidade e sobre a efetividade do controle jurídico-penal da
criminalidade, disponíveis para o combate da criminalidade. Trata-se,
§ 3 - Teorias da Criminalidade 37

aqui, da eficiência das medidas de persecução penal. Por outro lado, pode-
se descobrir uma necessidade de conhecimento criminológico simbólico
utilizável – ou seja, disponível para a necessidade de fundamentação
política. Esta necessidade refere-se também à explicação e ao controle da
criminalidade. Trata-se, aqui, do ganho político da persecução penal para o
Estado: assim, uma explicação exclusivamente individual da criminalidade
pode economizar medidas político-sociais caras.

1. Necessidade de teoria no interesse da aplicação do Direito Penal


vinculado a pessoas

Ao nível instrumental da utilização jurídico-penal de resultados


criminológicos, a criminalidade é considerada, tradicionalmente, como
um fenômeno individual, que precisa ser imputável com exatidão.
Neste sentido, são perguntados, em primeiro lugar, pelos princípios de
explicação causal (etiológico-individualizantes) relativos à pessoa (ver B
I). Estes deixam-se inserir melhor no modelo de ordenação dogmática do
Direito Penal (tipo legal, antijuridicidade, culpabilidade etc.) (compare,
em geral, sobre isto Luhmann, 1972, 354 s.). Mas, porque o Direito Penal
exige decisões e, neste ponto, não é um sistema aberto de ação, resulta,
também para estes modelos de explicação, um espaço relativamente estreito.
Além disto, a já limitada capacidade de recepção jurídico-penal agrava-
se, ainda, com a crescente “sociologização” de numerosos princípios
teóricos de explicação. Pois, através da invasão de relações sócio-estruturais
de fundamentação na análise teórica (ver B II), são explodidos os modelos
de imputação do Direito Penal direcionados à imputação pessoal. A
plausibilidade do esquema de verificação e de fundamentação jurídico-penal
de tipicidade objetiva e subjetiva, de antijuridicidade e de culpabilidade, que
estudantes de Direito aprendem no estudo básico para o fim de comprovação
da punibilidade, é reduzida cada vez mais através da crescente penetração de
princípios criminológicos de explicação teórico-sociais.
O Sistema de Justiça Criminal esforça-se, com auxílio de pesquisas
criminológicas de causas e de efeitos, para obter uma maior eficiência
criminal-preventiva de suas medidas. Isto conduz, necessariamente, também
ao interesse da Justiça penal por “teorias de criminalização” (ver B III e § 4).
38 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

Teorias deste tipo consideram a “criminalidade”, enfim, como resultado


de intervenções e de criação de normas da Justiça penal, assim como da
“estigmatização” (rotulação como criminoso) disto resultante. Do ponto
de vista da persecução penal, a própria ação de controle parece, em todo
caso na medida em que conduz a processo formal, ou mesmo a medidas
privativas de liberdade, como o perigo da eficiência preventiva. A Justiça
penal reage, consequentemente, com a proposta de processos informais
(“diversion”) e sanções ambulantes (por exemplo, trabalho comunitário). A
proposta teórico-criminológica da teoria da estigmatização, originalmente
desenvolvida como meio de crítica ao Direito Penal, é transposta em um
programa de modernização da Justiça penal. Também lá, onde a renúncia a
processos formais é produzida por sobrecarga de casos, o apelo a uma teoria
de criminalização pode prestar ajuda de fundamentação político-criminal
útil para a renúncia da persecução penal.

2. Enfoque dos objetivos sistêmicos do Direito Penal através de teorias


sociais da criminalidade

Modelos de explicação científico-sociais do comportamento desviante


também sensibilizaram o Direito Penal na medida em que, ao contrário
de seus objetivos dirigidos ao indivíduo, não mais negligenciam condições
estruturais da criminalidade: destruição ambiental condicionada pela
economia, dano econômico produzido por exagerada ideia de lucro,
ondas migratórias condicionadas por necessidade econômica e os desvios
correlacionados a isto. O legislador penal e as instituições de controle
reconhecem que semelhantes situações problemáticas e situações de risco
da sociedade “pós-moderna” não podem ser enfrentadas com os meios
tradicionais do Direito Penal da culpabilidade. Em correspondência à
explicação teórica do desvio, como problema estrutural não mais redutível,
simplesmente, à ação culpável, nós observamos:
• na legislação penal, uma mudança de delitos de resultado para delitos
de perigo (especialmente no Direito Penal ambiental e Direito Penal
econômico; compare, sobre isto, Herzog, 1991, 109 s.),
• um relaxamento dos níveis de imputação (não mais a causalidade, mas
suposições são suficientes para reações jurídico-penais),
§ 3 - Teorias da Criminalidade 39

• elevadas exigências de dever sobre o cidadão caracterizam o


desenvolvimento dos delitos de omissão e de imprudência.

Tudo isto parecia, já no nível normativo, mal desaguar no pensamento


de prevenção repressiva do Direito Penal do risco. Pressupostos de
intervenção tornam-se imprecisos, cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados assumem o primeiro plano. A legalidade do Direito Penal
parecia se diluir, a olhos vistos, em formas de otimização do controle
social. Um desenvolvimento similar encontra-se no nível da persecução
penal. Aqui, a reorientação da suspeita relacionada à pessoa para situações
aparentemente criminógenas de grupos (de população) e de risco
comunitário já está, no nível normativo, em parte concluída (ver, sobre o
desenvolvimento em Direito de Polícia, abaixo § 15 III 1).
Este emprego de conhecimentos criminológico-estruturais, que
originariamente eram aplicados exclusivamente na crítica ao Direito Penal,
conduziu imediatamente à consequência paradoxal de uma modernização
e racionalização do controle social jurídico-penal (compare Kreissl, 1983
e 1986). A informação criminológica sócio-científica da Política
criminal conduziu progressivamente a uma elevação das possibilidades
de intervenção preventiva do Direito Penal (compare Schwind, entre
outros, 1980; criticamente, Albrecht, 1986). Mas a crise do Estado do
bem-estar (compare abaixo § 6 B III) relaxou visivelmente os objetivos de
intervenção preventiva do controle social. No curso da fase de desilusão
do desenvolvimento do Estado do bem-estar mostram-se agora, antes,
processos questionáveis de racionalização burocrático-administrativa de
um Sistema de Justiça Criminal apenas autoadministrante.
Com relação a uma ampla perspectiva de prevenção, entram na
perspectiva do Direito Penal, ao contrário de seus objetivos dirigidos ao
indivíduo, também as teorias do Labeling teórico-socialmente orientadas
(criminalidade como atribuição), sem dúvida, também, de novo contra
suas intenções esclarecedoras (ver B IV). A teoria vê no Direito Penal o
garantidor de interesses individuais poderosos, que assegura dominação
com o instrumento de atribuição da criminalidade. O Direito Penal
moderno aproveita este pensamento, na medida em que evita a prova da
causalidade necessária ao Estado de Direito para prevenção das situações
40 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

de risco, precisamente através de imputação abertamente declarada


(compare BGHSt 37, 106 s., bem como Kuhlen, 1990, 566 s. e Hassemer,
1994). Ao nível da fundamentação de prova tão reduzida da causalidade
são atraídos, naturalmente, interesses de bem-comum.
Pode-se, em geral, dizer que, já atualmente, o interesse do Direito Penal
por conhecimentos científicos aproveitáveis simbolicamente deve ser
avaliado de modo mais relevante do que a necessidade (menos significativa)
de conhecimentos empíricos aproveitáveis para a persecução penal. Isto
se relaciona com o propósito da política do Direito, de colocar em ação o
Direito Penal como substituto para qualquer outra via política de solução
na política social. Com isto relacionado, este conhecimento criminológico
serve, de modo não subestimável, à legitimação política de (novas) estratégias
de intervenção e de controle estatais (ver abaixo § 6 C IV).

B. Classificação sistemática das teorias criminológicas

Pode-se distinguir duas coordenadas para classificação das teorias


criminológicas de explicação da criminalidade: no primeiro nível, teorias
que apresentam a criminalidade como dado objetivo de uma explicação
causal (teorias etiológicas), são diferenciadas de teorias que examinam
a criminalidade como resultado de uma atribuição por persecução penal
(teorias do Labeling). No segundo nível, é diferenciado entre explicações
teóricas vinculadas às pessoas (microteorias) e teorias criminológicas
vinculadas à sociedade (macroteorias).

Figura 1: coordenadas para classificação das teorias criminológicas (fonte: Albrecht, 1983, 9)
§ 3 - Teorias da Criminalidade 41

A classificação dos princípios teóricos particulares neste sistema de


coordenadas (Albrecht, 1983, 9 s.) não pode ser mais do que um esquema
rudimentar, que deve contribuir para uma sistematização da multiplicidade
de acessos teóricos. Neste caso, na verdade, não temos de lidar somente
com teorias científico-sociais da criminalidade, ou seja, da criminalização,
mas também com modelos explicativos que são emprestados da medicina
ou da biologia. No ponto central, este modelo de sistematização refere-se,
contudo, às teorias científico-sociais de explicação.
Nós queremos, na sequência, oferecer a possibilidade ao leitor de poder
classificar a multiplicidade de teorias criminológicas em um esquema geral
superior. Aqui, concede-se prioridade a esta sistemática, em face de uma
exposição detalhada de teorias singulares, que podem ser estudadas em
outros lugares, como fontes originais (compare, por exemplo, Sack/König,
1979), ou como literatura secundária (compare, por exemplo, Lamnek,
1993).

I. Princípio etiológico-individualizante

É comum a todas as teorias etiológicas que estas partem da existência de


causas, claramente destacadas, da criminalidade juridicamente codificada.
A particularidade dos modelos explicativos etiológico-individualizantes
reside em seu direcionamento unipolar para o indivíduo criminoso. Em
correspondência a isto, a personalidade deficitária do criminoso, que
impede uma integração na hierarquia de valores sociais gerais vigentes,
vale como decisivo fator explicativo. A ruptura das regras jurídico-penais
é vista como incompetência pessoal, causalmente ancorada ou no âmbito
médico-biológico, ou no processo de socialização individual (educação e
instrução). Com isto, a psicopatologização unidimensional do criminoso
é encoberta, não raramente, por um modelo de disposição-ambiente do
“autor em suas inserções sociais” (Göppinger, 1997, 209 s.).

1. Teorias biológicas da criminalidade

Princípios clássicos dos modelos de explicação fundados extensamente


em disposições genéticas formam a orientação biológico-constitucional
42 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

desenvolvida por Kretschmer (1921), a biologia hereditária destacada por


Lange (1929), Stumpfl (1936) e Kranz (1936), que foi concretizada com
o auxílio das conhecidas pesquisas de gêmeos, assim como a teoria de
psicopatas de Kurt Schneider (1923).

a) Biologia da constituição (Kretschmer)


Segundo a teoria dos tipos corporais de Kretschmer, determinadas
propriedades de caráter e tendências para o cometimento de delitos
específicos são atribuídas a formas particulares de constituição (pícnicos,
leptossômicos, atléticos e displásticos).

O psiquiatra alemão Kretschmer estudou a relação entre “constituição” e crime


por meio de mais de 4000 pessoas pesquisadas (compare Kretschmer, 1955, 331).
Kretschmer compreendia por constituição o conjunto das características hereditárias
de um ser humano, que se expressam na constituição corporal e espiritual. A
combinação entre estrutura corporal, temperamento e estado psíquico Kretschmer
sintetizou em tipos ideais (compare Kretschmer, 1955, 17 s.). Por tipos ideais devem
ser compreendidos construções-modelo, nas quais determinados traços da realidade
são exagerados, com a finalidade de destacá-los nitidamente (compare Röhl, 1987,
175). Descritos com os indicadores de Kretschmer, representam-se os tipos corporais
como segue (compare Kretschmer, 1955, 14, 77 s.):
• Leptossômicos: homem magro, espigado, tórax chato, longo, pescoço fino, cabeça
pequena, cara pálida, mãos e pés estreitos, cabelo grosso.
• Atléticos: homem de estatura média à alta com largos e fortes ombros, tronco em
forma de trapézio e bacia estreita, forte relevo de músculos sobre estrutura óssea
grossa, pescoço forte com cabeça rústica, rosto oval, mãos e pés grandes, cabelo forte.
• Pícnicos: tórax curto, fundo, curvado, formas redondas, suaves, pescoço curto e
cabeça grande e arredondada, rosto largo e avermelhado, mãos e pés pequenos e de
ossos finos, cabelo macio.
• Displásticos: formas de estatura desarmônicas, anormais.

Kretschmer atribuiu especiais propriedades de caráter aos respectivos tipos corporais,


que devem sugerir uma disposição para determinadas formas de criminalidade:
pícnicos seriam em pequena extensão criminosos, leptossômicos inclinar-se-iam para
o furto e a fraude, atléticos tenderiam para delitos patrimoniais e sexuais violentos e
displásticos destacar-se-iam por delitos sexuais (Kretschmer, 1955, 346; ver também
H.-J. Schneider, 1987, 374 s.).

Na teoria de Kretschmer fica totalmente obscuro de que modo os tipos


de constituição contribuem para a criminalidade. Os tipos de constituição
§ 3 - Teorias da Criminalidade 43

também não são claramente diagnosticáveis. Os dados, em geral obtidos


em instituições (psiquiátricas e estabelecimentos penais), não permitem
o controle das influências sociais que, contudo, deveriam ser mantidas
constantes no quadro de pesquisa, para poder medir de forma confiável
a influência da constituição corporal. Finalmente, o fator criminógeno da
constituição corporal não abre nenhuma possibilidade para uma influência
terapêutica.

b) Pesquisas de gêmeos
Na pesquisa de gêmeos tenta-se provar, através da comparação da
conduta (criminosa) de gêmeos monozigóticos com gêmeos dizigóticos, a
contribuição da predisposição hereditária para a gênese da criminalidade.

Desde os anos 20 do século passado ocorrem na Alemanha inúmeros esforços


científicos para comprovar empiricamente a determinação biológica do crime. Com a
retomada de pesquisas caracterológicas sobre gêmeos, que já no século 19 tinham sido
realizadas, deveria ser apresentada a prova, com auxílio da observação comparativa da
criminalidade de gêmeos monozigóticos e dizigóticos, de que a criminalidade seria
geneticamente determinada. Se o comportamento é hereditário, assim afirmava a
hipótese da pesquisa, então o comportamento de gêmeos monozigóticos, de idêntico
material genético, deveria ser mais parecido do que o comportamento de gêmeos
dizigóticos, de diferente material genético. Ao contrário, se a predisposição hereditária
não exerce nenhuma influência sobre o comportamento, então a comparação de
realização de criminalidade por gêmeos monozigóticos e dizigóticos não permite
mostrar nenhuma diferença (compare Lange, 1929; Stumpl, 1936; Kranz, 1936).
Se ambos os parceiros de um par de gêmeos demonstrassem semelhanças na
comissão de ações criminosas, então seriam denominados concordantes, na falta de
semelhança, discordantes. Na seguinte tabela, estão compilados alguns resultados da
pesquisa de gêmeos dos anos vinte e trinta do Século 20:

Figura 2: Comportamento criminoso de gêmeos (Fonte: Sack/König, 1979, 239)


44 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

Do total de 104 pares de gêmeos monozigóticos pesquisados, 70 demonstraram


comportamento concordante, portanto, igualmente criminoso, 34 provaram-se, ao
contrário, como discordantes. Em relação aos 112 gêmeos dizigóticos incluídos na
pesquisa, ocorreu exatamente o contrário. Aqui dominaram os pares discordantes
(75), que não demonstraram, portanto, nenhuma concordância no comportamento
criminoso; os pares de gêmeos concordantes (37) formaram a minoria. Para os antigos
pesquisadores de gêmeos estava, com isto, comprovado, que fatores hereditários têm
uma participação relevante nas causas do comportamento criminoso.
Em relação às primeiras pesquisas, operantes apenas com pequeno número
de casos, subsistem consideráveis dúvidas sobre a capacidade de generalização
dos resultados. Mas, também pesquisas metódicas mais exigentes, como as do
dinamarquês Christiansen (1977), chegaram, na tendência, a resultados semelhantes:
Christiansen selecionou 3586 pares de gêmeos do registro dinamarquês de gêmeos.
Gêmeos monozigóticos e dizigóticos foram identificados através de confiáveis exames
de sangue. A criminalidade dos pares de gêmeos foi investigada conforme registros
policiais e penais. Em 35% dos pares de gêmeos monozigóticos masculinos encontrou-
se concordância, nos pares de gêmeos dizigóticos masculinos, ao contrário, apenas
13% de concordância. Fatores hereditários elevariam, portanto, a probabilidade
de ocorrência de comportamentos sociais semelhantes, conforme Christiansen
na cuidadosa interpretação de seus resultados (compare, sobre isto, também H.-J.
Schneider, 1987, 369 s.).

Contra os resultados das pesquisas de gêmeos é de se opor, em


especial, uma objeção substancial. O fator ambiental, que poderia ser
justamente a explicação decisiva, na prática, foi completamente excluído
destas pesquisas do comportamento criminoso de gêmeos. Sobre gêmeos
monozigóticos aplica-se pressão social, em medida especialmente
elevada, para mostrarem comportamento semelhante. Ao contrário, em
gêmeos dizigóticos, que também podem ser de sexos diferentes, este é o
caso em extensão substancialmente menor (compare também Montagu,
1979, 239 s.; H.-J. Schneider, 1987, 370 s.).

c) Teoria da psicopatia (K. Schneider)


Finalmente, também a teoria dos “psicopatas criminosos” (K. Schneider,
1923), que em seguida foi ampliada em diversas variantes biossociais
(Eysenck, 1964), contém a afirmação de uma “predisposição hereditária
criminosa”, que conduziria a uma personalidade anormal e, deste modo,
deveria produzir comportamento criminoso (H.-J. Schneider, 1987, 382
s.; Kaiser, 1996, 116 s.). A teoria do psicopata tem, na práxis da perícia
§ 3 - Teorias da Criminalidade 45

psiquiátrica no processo penal, uma ininterrupta grande significação. Aqui,


são diagnosticadas e imputadas “personalidades criminosas”, conforme o
gênero de casos de doenças clínicas (compare, criticamente, Barton, 1983).
Resultados da conexão científica investigada entre psicopatia e reincidência
criminal baseiam-se, em regra, na verificação da psicopatia pelo laudo
pericial relacionado aos autos e na comprovação posterior da reincidência.
Fatores sociais permanecem excluídos deste círculo fechado de explicação
da criminalidade.

2. Teorias de aprendizagem

As teorias de aprendizagem e de controle, em essência sócio-


psicologicamente orientadas, procuram fixar as causas do comportamento
criminoso no mundo de vida do indivíduo. Ao contrário do princípio
multifatorial (compare Glueck/Glueck, 1970), que procura explicar
o comportamento criminoso com auxílio de uma multiplicidade de
fatores particulares, que podem ser de origem social, psicopatológica ou
(hereditário-) biológica, as teorias de aprendizagem se concentram no
processo de integração do indivíduo na sociedade (“socialização”).
Embora as teorias de aprendizagem sócio-psicológicas tomem em
consideração fatores sociais do surgimento da criminalidade, a pessoa do
autor permanece sempre no centro da atenção científica. A criminalidade
é desencadeada, segundo este conceito, por deficiências da pessoa, ou seja,
por socialização defeituosa. Com abandono da tese biológica do criminoso
nato, a teoria da aprendizagem afirma que todo ser humano pode ser
socializado dentro do modelo de comportamento criminoso. Mais além,
a criminalidade seria de explicar como comportamento social normal, em
que é de se reconhecer a renúncia de conceitos de patologia médica.
Comportamento desviante é, portanto, como comportamento
conforme, aprendido no processo social. Com isto, o processo de
aprendizagem é compreendido com diferentes modelos teóricos. Isto abrange
desde simples modelos de condicionamento (compare Skinner, 1953),
passando pelo modelo de aprendizagem pelo resultado (aprendizagem de
reforço, compare Jeffrey, 1965; Akers, 1977), até complexas teorias sociais
de aprendizagem (compare Bandura, 1979).
46 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

a) Teoria dos contatos diferenciais


O exemplo mais conhecido para uma explicação da criminalidade pela
teoria da aprendizagem é a teoria dos contatos diferenciais de Sutherland
(1947; também Cressey, 1981, 183 s.).

Modelos de comportamento criminoso são aprendidos através de relações pessoais


em grupos. Neste caso, são adquiridas técnicas, que são necessárias para cometimento
de fatos puníveis, mas especialmente atitudes justificantes em face de lesões da lei.
Se predominam na vida cotidiana do adolescente típico tais contatos que promovem
atitudes criminosas, em face daqueles que avaliam de forma negativa as lesões da lei,
então surge o desvio. Nos bairros carregados de delinquência das grandes cidades, os
adolescentes entram em contato com grupos de ambas as orientações. Seria decisivo
para a probabilidade do surgimento da delinquência, com quais grupos o adolescente
entraria em contato preponderante (“contatos diferenciais”, compare Sutherland,
1979, 396 s.).
A teoria dos contatos diferenciais está, neste ponto, como mediadora entre
conceitos de explicação da criminalidade relacionados à pessoa e relacionados à
sociedade. Assim, também tenta dar uma resposta à questão, por que seres humanos,
apesar de disposições comunitárias portadoras de criminalidade, não se tornam
criminosos (compare H.-J. Schneider, 1987, 505 s.).

Criticamente é de se observar, que uma identificação com modelos


criminosos também é possível sem contatos pessoais, ou seja, através de
modelos imaginários. Sutherland subestimou, com certeza, no final dos
anos 40, o papel dos meios de comunicação de massa. Além disso, o
simples contato pessoal com atitudes favoráveis à criminalidade não tem,
ainda, nenhum suficiente valor explicativo: policiais ou carcereiros quase
não são infectados por contatos deste tipo.

b) Teorias do controle
Ao contrário, as teorias do controle enfatizam os vínculos controladores,
externos e internos, da pessoa na sociedade, que seriam decisivos para o
processo de aprendizagem do comportamento socialmente conformista
(compare Reiss, 1951; Gold, 1970).

Em relação às teorias da criminalidade acima indicadas, inverte-se a direção


explicativa: não o desvio, mas as condições do comportamento social conformista
§ 3 - Teorias da Criminalidade 47

são explicadas. Portanto, criminalidade é desencadeada pela ruptura ou debilidade


dos vínculos que mantém um ser humano com a sociedade e seus grupos. Todos os
homens são, segundo a teoria, potenciais violadores do Direito. Eles são mantidos sob
controle pelo medo de colocar em perigo ou de perder, através da criminalidade, as
relações com os pais, amigos, vizinhos, colegas de profissão, professores etc. Lá, onde
faltam tais vinculações sociais, os homens se tornam vulneráveis para a criminalidade.

3. Conclusões das teorias de condições relacionadas às pessoas, para


medidas preventivas

a) Ponto de partida criminal-preventivo: personalidade deficitária


O ponto de partida criminal-preventivo decisivo das denominadas
teorias da criminalidade é a personalidade deficitária dos “criminosos”.
Em termos gerais, é a incompetência do indivíduo – frequentemente, em
apoio ao modelo médico de doença – de se comportar de modo adequado.
Causas para esta incompetência podem ser encontradas ou no âmbito da
hereditariedade biológica, ou na história de aprendizagem individual.

b) Objetivos de prevenção
Objetivos desejáveis de prevenção, sob o fundamento destes princípios
teóricos, são a redução de formas de comportamento desviante e de suas
etapas preparatórias, com a manutenção das estruturas sociais existentes.
As instituições de controle social não são, ainda, submetidas a nenhuma
análise independente, meramente a uma (análise) mediadora relacionada
à pessoa, em direção a possíveis efeitos criminalizadores. Aqui, prevenção
significa “intimidação” de (futuros) fatos (prevenção geral), assim como
“tratamento” ressocializante (prevenção especial). Consequência de
ambas formas de procedimentos deve ser uma redução dos modos de
comportamento indesejados.

c) Estabilização do status quo social


Tais teorias prestam, também, para uma dramaturgia da criminalidade,
que tem em vista a estabilização do status quo social e, de resto, está
interessada na manutenção de uma aceitação acrítica dos cidadãos, em
relação às estratégias de controle das políticas de segurança.
48 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

II. Princípios etiológicos sócio-estruturais

Diferente dos modelos etiológico-individuais, os princípios etiológicos


sócio-estruturais incluem a sociedade geral na explicação da criminalidade.
Isto ocorre, em geral, através da diferenciação de camadas verticais,
que trabalha, ao mesmo tempo, como relevo para a intervenção teórica
(compare, abaixo, modelo de estratificação social, no § 11 B).
O ponto de referência analítico das teorias sociológicas de criminalidade
são características sociais estruturais relevantes, por exemplo, desigualdade
social ou conflitos culturais. À diferença das teorias relacionadas às pessoas,
os fatores desencadeantes do problema são agora vistos na sociedade,
que não oferece pressupostos adequados para a integração social. No
lugar das pessoas patológicas ou subsocializadas comparecem estruturas
sociais “anormais”, que provocam uma pressão social em direção ao
comportamento desviante, em determinadas situações de vida.

1. Teoria da anomia

Um exemplo clássico para uma tal abordagem configura a teoria da


anomia, que foi desenvolvida como conceito sociológico-normativo por
Emile Durkheim (1976) e aperfeiçoada como teoria da criminalidade
por Robert K. Merton (1979). Anomia designa um estado de ausência de
regras. Em relação à pessoa individual ou grupos de pessoas (tornando-se
criminosas), esta situação torna-se então provável se os objetivos sociais
reconhecidos não são alcançáveis pelos meios sócio-estruturais existentes.
Neste caso, precisam ser tomados meios ilegais, ou seja, criminosos, para
alcançar os objetivos valorizados.

Merton parte da observação – aparentemente alicerçada na estatística criminal – de


que a frequência do comportamento desviante varia em diferentes situações de vida
social (estratificação). A teoria desenvolvida para explicação deste fenômeno destaca
que, entre os valores e metas difundidos na cultura (por exemplo, bem-estar material)
e os meios e vias socialmente disponibilizados para conquistar sucesso social (por
exemplo, instrução, trabalho), existe uma discrepância. Esta constelação conduz,
quanto aos membros da sociedade prejudicados sócio-estruturalmente, aos quais o
acesso às vias legítimas de sucesso é impedido ou dificultado, tendencialmente, ao
desvio e à criminalidade.
§ 3 - Teorias da Criminalidade 49

Anomia designa, portanto, uma ruptura na estrutura cultural, que existe mediante
uma forte discrepância entre normas e metas culturais reconhecidas na sociedade e as
possibilidades sócio-estruturais mediatizadas para realização das metas. Em forma de
tese, a teoria da anomia pode ser compreendida como segue:
• Quanto mais forte é acentuado, em uma sociedade, uma meta comum de sucesso
para todos os membros da sociedade – independente de suas possibilidades de
realização (ideologia da igualdade),
• Quanto mais forte os membros da sociedade aceitam as metas culturais,
• Quanto mais limitadas são as reais possibilidades legítimas disponíveis para
realização das metas,
• Tanto maior é a probabilidade de que os membros de uma tal sociedade
escolham meios ilegítimos para realização ds metas de sucesso, portanto, ocorre
comportamento desviante (Springer, 1973, 12).

A criminalidade dos integrantes de camadas inferiores aparece, neste ponto, como


reação normal de indivíduos objetivamente prejudicados em uma sociedade, na qual
riqueza e sucesso são transmitidos enfaticamente como bens culturais, mas os meios
legítimos para alcançar as metas são vedados a partes consideráveis da sociedade.

Em relação à teoria da anomia é de se objetar que, também na sociedade


norte-americana, as metas de sucesso material não são difundidas como
valor cultural unitário, na medida como Merton presumiu. Separando-se,
em questionamentos empíricos, entre “desejos” (independente da posição
social real) e “expectativas” (vinculadas à posição social específica), então
mostra-se: os homens compartilham, na verdade, ao nível dos desejos, as
mesmas metas, mas ao nível das expectativas existem muitas diferenças
dependentes do status sócio-econômico (Springer, 1973, 48 s.). Com a
suposição de que em todas as camadas sociais estariam enraizadas as
mesmas metas culturais, Merton não mais faz justiça à estrutura pluralista
da sociedade moderna. A maior carga de criminalidade das camadas
inferiores, retratada nas estatísticas oficiais, possivelmente reflete antes uma
punição seletiva do que uma extensão realmente maior de comportamento
desviante.

2. Teoria da subcultura

a) Conceitos de cultura
A tese da relatividade da cultura, da possibilidade de que exista mais do
que uma cultura – ou seja, a (cultura) ocidental –, foi posta pela primeira
50 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

vez pela antropologia cultural. Este conhecimento nasceu da confrontação


da cultura ocidental com as formas de comportamento e costumes de
sociedades estrangeiras, que os etnólogos conheceram nas suas pesquisas
sobre os povos africanos ou da Oceania. A assunção do conceito de cultura
na explicação do comportamento desviante pode ser visto como avanço
revolucionário de desenvolvimento na Sociologia criminal.
O conceito de cultura, empregado como meio de análise da criminalidade,
conduz ao conhecimento de que a vida do “desviante” (medida pela cultura
dominante) não ocorre arbitrária e sem normas, nas favelas não domina o
caos, não falta todo e qualquer controle social. Para isto, têm chamado
atenção, em especial, observações participantes em favelas e em bandos de
adolescentes – iniciadas nos anos de 1920, nos EUA (a chamada “Escola
de Chicago” de Sociologia Criminal, compare Cohen, 1955). Ao contrário,
encontram-se também aqui modelos de orientação, normas e regras de sua
vigilância, precisamente uma “subcultura”. A subcultura é, portanto, um
sistema social de comportamento e de valor, que existe separado da cultura
dominante, mas, não obstante, é parte dela.

b) Conceito da subcultura (Cohen)


O conceito de subcultura está indissociavelmente ligado aos trabalhos do
sociólogo americano Albert K. Cohen. O seu estudo sobre a delinquência
de bandos de adolescentes (1955) tem tido, há muito tempo, significado
francamente paradigmático para este princípio. Enquanto, para Merton, o
bem-estar material, como meta social dominante, está no ponto central,
Cohen favorece a busca de status dentro de um grupo de membros de
camadas inferiores de igual faixa etária (adolescentes) como a condição
decisiva para a gênese de modelos de comportamento desviante.

A teoria da subcultura pretende, em especial, a explicação da delinquência juvenil


e de bandos. As formas de cometimento de delinquência juvenil, aparentemente
irracionais e sem sentido para a cultura dominante, despertam uma elevada necessidade
de explicação: furto de coisas que os adolescentes não precisam, vandalismo ou guerras
de bandos, que não servem a nenhuma finalidade econômica.
Cohen interpreta a cultura de bando como reação a experiências de fracasso e de
frustração dos adolescentes de camadas inferiores, que se vêem expostos a problemas
de status em relação aos valores da cultura de classe média dominante. Enquanto
jovens de classe média podem impressionar com ajuda de dinheiro, roupas, carros
§ 3 - Teorias da Criminalidade 51

ou moradia, que não servem somente como sinais exteriores de status, mas, ao
mesmo tempo, também simbolizam o acesso a vias estabelecidas de sucesso, os
pais de camada inferior não estão na condição econômica de proporcionar aos
seus filhos estes sinais de status. Mediante a criação de um sistema de valores e de
comportamentos desviantes são oferecidos critérios de status, que os adolescentes de
camadas inferiores, com suas possibilidades dadas, podem alcançar. Ao lado disso,
através das normas desviantes concorrentes é praticada, igualmente, desforra contra
as normas dominantes (compare Pfeiffer/Scheerer, 1979, 37).

c) Diferentes oportunidades de acesso (Cloward/Ohlin)


Com as premissas da teoria da anomia corresponde uma variante da
teoria da subcultura, que foi concretizada por Richard K. Cloward e Lloyd
E. Ohlin (1960) de modo que as oportunidades diferenciais para os
meios adequados aos fins também são estendidas ao âmbito das formas
de comportamento ilegal. Isto significa, em conclusão, que tanto uma
bem-sucedida carreira criminosa, quanto uma bem-sucedida carreira de
cidadão, em princípio, subordinam-se aos mesmos mecanismos de controle
e limitações (Sack, 1978, 348).

d) Sistema de valores das camadas inferiores (Miller)


Walter B. Miller (1979) destacou que a subcultura encontrada nos
adolescentes de camada inferior não é nenhuma reação de curto prazo
consequente às experiências de frustração juvenil, mas deve ser interpretada
como expressão de um mundo autônomo do extrato inferior. O sistema
de valor da camada inferior desenvolveu, segundo a tese, mediante uma
tradição secular, uma coesão própria. Esta cultura é caracterizada, entre
outras coisas, pelo alto significado da coragem, virilidade, esportividade,
busca por excitação e tensão ou o amor pelo jogo (compare também
Pfeiffer/Scheerer, 1979).

3. Conclusões das teorias de condições relacionadas à sociedade, para


medidas preventivas

a) Criminologia compreensiva
Teorias sócio-estruturais da criminalidade não mais supõem nenhuma
patologia do comportamento, embora também aqui se pergunte
sobre as causas do comportamento das pessoas, não sobre as causas da
52 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

criminalização do comportamento – ou apenas marginalmente. A


criminalização é pressuposta como reação normal, porque o sistema
de normas criminalizantes – ainda que, em geral, de uma determinada
camada social – é visto como o princípio fundamental de organização da
sociedade.
O abandono do conceito de patologia possibilitou uma Criminologia
compreensiva, que estuda as fases de socialização dos delinquentes nas
organizações subculturais de adolescentes e interpreta a criminalidade
como instrumento positivo para adolescentes de estratos inferiores. Com
esta ajuda, eles conseguem um status no interior de seu círculo cultural.
O abandono da perspectiva patológica possibilita, neste ponto, uma
verificação criminológica que Lombroso ou Ferri nunca teriam imaginado,
ou seja: criminalidade é normal. Sob determinadas circunstâncias sociais
– ou também em determinados setores da vida – delinquência, também
criminalidade, é uma ação normal, muito difundida e consequente. Ela
aparece, em circunstâncias estritas da vida, como meio útil para conquistar
valores sociais altamente valorizados (teoria da anomia) – ou também
formas de status desviantes (teoria da subcultura). Este comportamento
dos membros de estratos inferiores é colocado em relação com as normas
das camadas médias, e vale nesta relação, sob certas circunstâncias,
como criminoso. O desvio criminoso é, também aqui, ainda pensado
como qualidade (embora sócio-estruturalmente condicionada) do
comportamento individual.

b) Objetivos de prevenção
Objetivos desejáveis de prevenção são, por sua vez, encontrados na
redução do comportamento criminalizado. Isto é possível, por um lado,
pela mudança das normas de grupos. Por outro lado, mediante alteração
das condições fáticas de vida, deve ser possibilitada para mais grupos
sociais do que até agora uma vida segundo as normas das camadas médias.
As instâncias de controle social permanecem, como ponto de partida da
prevenção, teoricamente excluídas. Estas instâncias são definidas, em sua
função, como guardiães das normas de classe média que, em geral, não
estão à disposição, mas representam a afirmação de metas da sociedade.
§ 3 - Teorias da Criminalidade 53

Estão à disposição, portanto, apenas modelos de orientação sócio-


culturais de grupos sociais. A obtenção de consenso é somente possível
mediante adaptação das normas de camadas inferiores ou das normas
subculturais aos padrões da classe média dominante. Deste ponto de
vista teórico, metódica e operacionalmente, prevenção significa trabalho
social. Nesta pretensão, ela ultrapassa o simples tratamento individual e
inclui o ambiente social do indivíduo. A pretensão de tratamento continua
existente, mas de forma modificada.

III. Princípio da definição individualizante, ou princípio do Labeling

1. Criminalidade como significado social atribuído (teorias da interação)

a) Modelos criminológicos de interação


Modelos criminológicos de interação (compare Lemert, 1951, 1975)
consideram o chamado desvio secundário como um processo social
no decurso do qual o indivíduo é estigmatizado como delinquente pelo
ambiente social. O desvio primário, ao contrário, é compreendido como
uma categoria que deve ser explicada por outros fatores, portanto, não
relacionados ao controle.

Segundo as representações de Edwin M. Lemert, ao “desvio primário”, ao


comportamento lesivo da norma é reagido pela Polícia e Justiça Penal “de modo
criminalizante”, pelo que processos de estigmatização são efetuados. Em seguida,
no sentido de uma profecia autorrealizante, a estigmatização favorece criminalidade
posterior (desvio secundário), na medida em que desencadeia autoimagens de
criminoso no indivíduo e reações redutoras de oportunidades no ambiente social.
O desvio primário não é submetido a nenhuma explicação mais detalhada, neste
primeiro nível da teoria do Labeling. Ao contrário, o interesse é com a assunção de
um papel desviante, a reorganização da autoimagem mediante processos de rotulação
(Lemert, 1951, 75 s.).

Aqui, procura-se ainda, bem no sentido das tradicionais teorias da


criminalidade relacionadas à pessoa, pelas condições que produzem uma
personalidade criminosa. Novo e criador de conhecimento é, porém, o
local onde são presumidas influências portadoras de criminalidade, ou
seja, as instituições do Sistema de Justiça Criminal. Somente a teoria da
54 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

definição relacionada à estrutura discute a possibilidade do desvio primário


e preserva a premissa de conhecimento teórico das teorias sociológicas
interacionistas: um significado social como “criminoso” somente nasce
mediante a autorizada atribuição desta designação – policial ou judicial,
por exemplo.

b) Ação como qualidade ou como significado social


Enquanto as acima mencionadas teorias criminológicas examinam a
criminalidade como uma qualidade de uma ação objetivamente dada,
as teorias do Labeling (rotular, etiquetar) interpretam criminalidade
como significado social, que nasce mediante atribuição (definição).
Criminalidade como fenômeno social nasce somente mediante a
constituição da Justiça penal e, com isso, pela definição de uma ação
como criminosa. Uma disputa corporal entre duas pessoas transforma-se de
conflito em criminalidade somente no momento em que instâncias formais
de controle (Polícia, Ministério Público) realizam uma correspondente
definição jurídico-penal. No curso posterior de processamento no Sistema
de Justiça Criminal refinam-se os processos de definição: assim, a morte de
uma pessoa por outra pode ser definida, segundo as circunstâncias, como
acidente sem culpa, como homicídio imprudente, como lesão corporal
com resultado de morte, como homicídio ou assassinato (Sessar, 1981,
207 s.). Com isto, concorrem muito diferentes valorações e – sobretudo –
sanções (compare caso Erna, § 16 V e § 18 II 2 c, abaixo).

c) Interesses de conhecimento do Labeling approach


A teoria do Labeling coloca-se por tarefa de pesquisa, portanto,
investigar as condições extrapenais de atribuição da criminalidade, como
por exemplo:
• pertença de classe,
• poder de queixa,
• comportamento social de suspeitos do fato e de vítimas, bem como
• regras informais de ação do pessoal da persecução penal.

Uma correta caracterização, que bem compreende a típica intervenção


do princípio do Labeling ao fenômeno social do desvio, foi oferecida
§ 3 - Teorias da Criminalidade 55

por Howard S. Becker em seu muito considerado estudo “Outsiders”


(1973):

“Comportamento desviante é criado pela sociedade. Eu não penso isto do


modo como é costumeiramente compreendido, ou seja, que os fundamentos do
comportamento desviante encontram-se na situação social da pessoa desviante em
seu comportamento, ou nos ‘fatores sociais’ que desencadeiam sua ação. Eu penso,
ao contrário, que grupos sociais criam o comportamento desviante através disto, que eles
estabelecem regras cuja lesão constitui o comportamento desviante, e que eles aplicam essas
regras a determinadas pessoas, que rotulam como outsiders. Deste ponto de vista, o
comportamento desviante não é nenhuma qualidade da ação que uma pessoa comete,
mas, ao contrário, uma consequência da aplicação de regras por outros e de sanções
sobre um autor. A pessoa com comportamento desviante é uma pessoa a quem esta
designação foi aplicada com sucesso; comportamento desviante é comportamento
que as pessoas assim designam” (Becker, 1973, 8).

d) Premissas do Labeling approach


A explicação da criminalidade ocorre, portanto, segundo as premissas do
Labeling approach, conforme as seguintes etapas:
• Gênese da norma (nível: legislação): a criação de normas do Direito
Penal ocorre no quadro das relações sociais de poder. Os interesses
estruturais dominantes precipitam-se na criação seletiva do Direito.
• Aplicação da norma (nível: processo de persecução penal): a
atribuição de definições de desvio ocorre em um processo que é dirigido
pelo direito formal e por metarregras (regras informais, de “second code”)
(por exemplo, critérios de suspeita da Polícia). Também aqui se trata de
processos de poder, em regra, entre cidadãos sem experiência jurídica e
órgãos profissionais da persecução penal. As chances de participação no
processo variam na dependência da eventualidade de poder mobilizar
contra-poder, na figura de especialistas do Direito (Defensor penal)
(compare abaixo § 16 V 3 e § 22 IV 1). Mas também aqui operam
interesses na manutenção ou ampliação dos recursos pessoais ou
materiais de profissões da persecução penal.
• Atribuição de significado (nível: interação com o ambiente social):
a aplicação da norma tem por consequência processos de rotulação. O
desviante é colocado em um novo status que, para ele, é socialmente
grave. O ambiente social reage à atribuição de significado proveniente
dos órgãos da Justiça com a retirada de chances de participação social
56 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

e chances de carreira. O desviante adapta-se tendencialmente ao papel


imaginado e entra num processo progressivo de carreira criminosa.

O princípio do Labeling não parte de um conceito estático de criminalidade,


que permitiria separar, além de qualquer dúvida, entre conformidade e
desvio. Ao contrário, é acentuado o aspecto dinâmico da produção social
do desvio. Com o mais abrangente conceito de criminalização deve ser
destacado o processo geral de elaboração do predicado “criminoso”. Assim,
a criminalidade somente pode socialmente se desenvolver no nível da
intervenção das instâncias de controle. Somente a intervenção e definição
pelo aparato de controle estatal faz do comportamento normativamente
desviante um comportamento criminoso.

2. Consequências das teorias do etiquetamento relacionadas à pessoa,


para medidas preventivas

a) Objetivo da prevenção: evitação de ações estigmatizantes


Também as teorias do etiquetamento relacionadas à pessoa permanecem
ainda comprometidas com o objetivo científico-criminológico auxiliar de
prevenção. Objetivos desejáveis de prevenção, deste ponto de vista, são a
exclusão ou redução de processos de rotulação criminalizantes, ou seja,
a redução de reações estigmatizantes no ambiente social de delinquentes.
Estão à disposição atitudes, teorias do cotidiano e estratégias individuais de
comportamento de todos os participantes, assim como práticas rotineiras
da ação policial e da Justiça penal.

b) Reorganização da interação e comunicação no Sistema de Justiça Criminal


A prevenção poderia significar aqui, metódica e operacionalmente,
instrução e treinamento dos participantes em direção a processos não
estigmatizantes. A especificidade em relação aos princípios acima descritos
consiste nisto, que Polícia e Justiça são pensadas como grupos finais de
medidas preventivas, e não mais exclusivamente como portadoras de
prevenção criminal, que vale aperfeiçoar nesta função. Ao contrário,
é-lhes atribuída uma contribuição causal na realização do comportamento
desviante. A assunção de que criminalidade não é uma qualidade do
§ 3 - Teorias da Criminalidade 57

comportamento tem uma influência significativa na direção final da


prevenção. Do ponto de vista destas teorias, o fundamento da ação
preventiva não é mais o “tratamento” do autor, mas a nova configuração
(reorganização) de formas de interação e comunicação. Com isso, a causa
isolada não é mais atribuída a nenhum dos lados.

IV. Princípio do Labeling teórico-socialmente orientado

Os princípios de atribuição teórico-socialmente carregados relacionam-


se a categorias sócio-estruturais: imposição de poder social, modelos de
sociedades, atribuição institucional por aparatos de poder social e estrutura
de normas.

1. Atribuição de criminalidade como meio de imposição de poder social

a) Imposição de poder social


Nos países de língua alemã, Fritz Sack foi quem primeiro lutou pela
recepção e ampliação teórico-social da perspectiva do Labeling (compare
Sack, 1974, 1979). Seu esforço orientou-se para a abertura do princípio
do Labeling para concepções teórico-sociais, como estas são esboçadas,
por exemplo, nos modelos de conflitos crítico-socialmente orientados
(compare, por exemplo, Chambliss/ Mankoff, 1976; Janssen e outros, 1988):
se a criminalidade não é avaliada como comportamento, mas como um
bem jurídico social negativo, então os mecanismos de distribuição deste
bem negativo são objeto da Criminologia. As estruturas de definições do
desvio social, como são expressas no quadro da criminalidade registrada,
remetem, portanto, para posições de poder social (“poder de definição”) e
interesses sociais dominantes que desencadeiam processos de normalização
e podem introduzir diretrizes de persecução. Enquanto a teoria do Labeling
relacionada à pessoa, em relação ao Direito Penal, está antes desinteressada,
Sack insiste em uma Criminologia que se compreende como Sociologia do
Direito Penal historicamente interessada (Sack, 1987, 248 s.). Por último,
deste modo, a análise da criminalidade é ampliada em uma análise da
sociedade, que tem por objeto, por exemplo, a desigualdade social ou o
papel ativo do Estado na proteção seletiva dos interesses sociais.
58 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

b) Fundamentação teórico-social do Labeling approach


Uma tal ampliação do desenho da teoria conduz a questionamentos,
que ultrapassam claramente o âmbito do objeto da teoria tradicional do
Labeling. Por um lado, através da análise dos processos legislativos, são
destacados os subjacentes interesses em controle e disciplina que, por
sua vez, dirigem o olhar para questões sobre forma da Política e forma do
Estado. Necessariamente, o interesse de conhecimento dirige-se, ao mesmo
tempo, para as instituições sociais básicas de propriedade e trabalho,
assim como para suas formas de imposição e para as necessidades de
controle disso resultantes. Por outro lado, a visão é aguçada para uma
análise da “normalidade social”.

c) Criminalidade como atribuição institucional dirigida


Também sob esta perspectiva vale a premissa fundamental de que a
criminalidade é uma questão de atribuição (adscrição). Mas, em relação ao
princípio centrado no indivíduo, o conceito indiferenciado de “existência
de conhecimento”, de “teorias do cotidiano” etc., é abandonado em favor
de uma análise macrossociológica das instituições criadoras de normas e
aplicadoras de normas, especialmente do sistema de Direito Penal e dos
órgãos de persecução penal. Estes são compreendidos, por este princípio,
não como guardiões do consenso fundamental da sociedade (como em
inúmeras teorias sócio-estruturais), mas como expressão do poder de um
grupo social sobre outros (Sack, 1987, 378).

d) Atribuição como processo de garantia do poder social


Fatores decisivos, na perspectiva destas teorias, devem ser vistos na
aspiração dos grupos de interesse dominantes por garantia de poder.
Por um lado, isto acontece concretamente mediante as duras sanções
contra agressões à ordem social, mesmo quando estas não são realizadas
diretamente, mas de forma indireta – precisamente através de infrações
das normas estabelecidas: assim, pode-se ver o crime também como um
“golpe de Estado do lado de baixo” (compare Foucault, 1976). Por outro
lado, a garantia de poder pode ser realizada mediante a discriminação dos
atingidos como “criminosos” (Quinney, 1975, 407), pelo que as teorias de
condições individualizantes servem como legitimação.
§ 3 - Teorias da Criminalidade 59

2. Consequências das teorias de etiquetamento sócio-teoricamente


orientadas para medidas de Política criminal

a) Prevenção como política da sociedade


A Criminologia crítica, à qual são atribuídas as teorias do Labeling
com pretensão teórico-social, guarda distância da orientação de prevenção
fixada normativamente no Direto Penal. Se o modelo de significado social
da “criminalidade” é produzido e configurado pelo Direito Penal e pela
Justiça penal, então o conceito tradicional de prevenção não faz, aqui, de
fato, nenhum sentido. A prevenção transforma-se em Política criminal,
se não em Política da sociedade. As conclusões da teoria da definição
estruturalmente orientada apontam, em primeiro plano, a mudança das
estratégias de controle estatal. Se estas (estratégias), contudo, são vistas
como sócio-estruturalmente condicionadas, então as recomendações
apontam, finalmente, para uma transformação da sociedade e do papel do
Estado (Taylor/Walton/Young, 1977, 281 s.; Quinney, 1975, 419 s.).

b) Consciência para modelos alternativos de sociedade


Política criminal significa, metódica e operacionalmente, do ponto de
vista destas teorias, a criação de uma consciência política que permite
outras estratégias de comportamento e outras formas de resistência
(compare Clarke e outros, 1979). Soluções técnicas e de curto-prazo no
âmbito da prevenção, que somente estimulam a obediência à norma, são
compreendidas como otimização das estratégias de controle e, por isso,
rejeitadas (Quinney, 1975, 266).

C. Consequências para o Direito Penal: um resumo crítico

• Os princípios etiológicos, tanto os individualizantes, como também os


sócio-estruturais, comportam-se em relação ao Direito Penal de forma
amplamente concordante. O Direito Penal é reconhecido, se não até
mesmo valorizado, como medium de direção política e de controle das
crises e conflitos sociais. Neste sentido, a Criminologia é uma ciência
60 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

auxiliar para o Direito Penal, que não se desprende de sua função de


fornecedora dependente.
• O princípio do Labeling individualizante comporta-se, em relação
ao Direito Penal, de forma neutra, no mínimo indiferente. Por causa da
circunstância de que não questiona o programa condicional do Direito
Penal, permanecem os processos estatais de disciplina e de controle
organizados, na sua estrutura e dinâmica, que se referem (podem se
referir) precisamente a este código de conduta, fora do âmbito de alcance.
• Somente os modelos sócio-teoricamente dirigidos do Labeling tomam
o Direito Penal, em seus contornos rudimentares, em perspectiva crítica.
Neste caso, contudo, falta um instrumental teórico suficientemente
diferenciado, porque tanto o aspecto de estigmatização, como também o
aspecto de definição, isoladamente, não são adequados para impulsionar
para frente a análise dos procedimentos de controle jurídico-penal
dirigidos, trazendo ganhos para o desenvolvimento da teoria. Neste
ponto, é necessária uma ampliação teórica, em alguns setores mesmo
uma nova determinação, para compreender fundadamente os processos
sociais de criminalização, em sua conexão de funções jurídico-penais.
O ponto alto do debate do Labeling, que tem suas raízes na sociologia
americana do desvio, deixa-se datar de meados dos anos setenta do
século 20 para os países de língua alemã e, nessa extensão, está superado
há muito tempo. Isto não significa, contudo, que o Labeling approach
perdeu totalmente sua antiga influência dominante na discussão teórica
da sociologia criminal. Compete-lhe o mérito, sem dúvida, mediante
o olhar agudo para as instâncias de controle social, de ter despertado a
compreensão teórica na análise do programa normativo jurídico-penal.
• Mediante os conhecimentos da teoria da rotulação sócio-estrutu­ralmente
inspirada são formulados, conduzindo a pesquisa, os contornos de uma
Sociologia do Direito Penal (Sack, 1987, 1988 e 1990). Neste quadro
seria de se destacar, precisamente, por que a Política criminal se mostra
de tal maneira resistente em face de descobertas como a seletividade
do controle social jurídico-penal, a crescente ruptura do princípio da
legalidade, a desigualdade no Direito ou a instrumentalização política do
Direito. O Direito Penal segue, evidentemente, outras lógicas, diferentes
§ 4 - Teorias de Criminalização 61

daquelas que são, em geral, supostas. Possivelmente, não é nem mesmo


de abalar por contraprovas empíricas.
• A exigência de redução das possibilidades de intervenção estatal lesivas do
Direito e ameaçadoras da liberdade do cidadão, em perspectiva jurídica,
em todo caso, precisa ser fundamentada com recurso às garantias de
liberdade indisponíveis asseguradas jurídico-constitucionalmente.
Estas se exprimem em garantias processuais do Estado de Direito e na
proteção jurídico-constitucional de direitos de participação e de direitos
de liberdade do cidadão (compare, abaixo, capítulo 3). Aqui parece ainda
muito útil – em todo caso, para o Direito Penal orientado pelo Estado
de Direito – o flanco de proteção teórica da perspectiva do Labeling.

§ 4. Teorias de criminalização: controle da criminalidade


mediante teorias penais

Literatura: Albrecht, P.-A., Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts, GA 1983, 193 s.;


Albrecht, P.-A., Spezialprävention angesichts neuer Tätergruppen, ZStW 1985, 831 s.;
Baratta, A., Integrations-Prävention, Eine systemtheoretische Neubegründung der Strafe,
KrimJ 1984, 132 s.; Geyer, C. (editor), Hirnforschung und Willensfreiheit – Zur Deutung
der neuesten Experimente, 2004; Hassemer, W., Generalprävention und Strafzumessung, in:
Hassemer, W; Lüdersen, K.; Naucke, W., Hauptprobleme der Generalprävention, 1979, 29
s.; Haffke, B., Tiefenpsychologie und Generlprävention, 1976; Hassemer, W., Einführung in
die Grundlagen des Strafrechts, 2 ed., 1990; Hassemer, W., Kommentierung vor § 1 StGB,
in: Nomos-Kommentar zum StGB, 1995; Hegel, G., Werke, Volume 7 (Grundlinie der
Philosophie des Rechts); Herzog, F., Prävention des Unrechts oder Manifestation des Rechts,
1987; Jakobs, G., Schuld und Prävention, 1976; Jakobs, G., Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2 ed.,
1993; Kant, I., Akademie-Ausgabe, Volume VI (Die Metaphysik der Sitten); Kaufmann, A.,
Das Schuldprinzip, 2 ed., 1976; Naucke, W., Die Kriminalpolitik des Marburger Programms
1882, ZStW 94 (1982), 525 s.; Naucke, W., Strafrecht: eine Einführung, 10 ed., 2002;
Müller-Dietz, H., Vom intellektuellen Verbrechensschaden, GA 1983, 481 s.; Müller-Dietz,
H., Integrationsprävention und Strafrecht, in: Festschrift für Jescheck, H.-H., 2ª semi-
edição, 1985, 813 s.; Müller-Tuckfeld, J.C., Integrationsprävention, 1998; Rasch, W., Die
psychologisch-psychiatrische Beurteilung von Affektdelikten, NJW 1980, 1309 s.; Roxin,
C., Zur Problematik des Schuldstrafrechts, ZStW 96 (1984), 641 s.; Stratenwerth, G., Die
Zukunft des strafrechtlichen Schuldprinzips, 1977; von Feuerbach, P., Lehrbuch des gemeinen
in Deutschland gültigen peinlichen Rechts, 14 ed, 1847; von Liszt, F., Strafrechtliche Aufsätze
und Vorträge, Volume I (1875-1891), 1905, p.126 s.; Zipf, H., Die Integrationsprävention
(positive Generalprävention), in: Festschrift für Pallin, F., 1989, 479 s.
62 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

A. Teorias do controle jurídico-penal da criminalidade como


fornecedoras de legitimação do Direito Penal, nas Escolas clássica
e moderna do Direito Penal

Da tarefa de teórica penetração sócio-científica do fenômeno social


da criminalidade, por meio das “teorias da criminalidade”, deve ser
diferenciada a questão sobre as teorias do controle social jurídico-penal,
em geral designadas simplesmente como “teorias penais” (ou mais
tecnicamente: teorias da criminalização). Uma necessidade por análise
criminológica de causas da criminalidade e efeitos das sanções nasce, pela
primeira vez, quando o Direito Penal é colocado a serviço de considerações
de utilidade social. Este é o caso, pela primeira vez na teoria penal do
Iluminismo, como acima detalhado (§ 2 III 3). Antes de tudo, deve-se
demonstrar um pressuposto fundante do modelo teórico da pena. Enquanto
teorias da criminalidade perguntam regularmente sobre condições para a
ocorrência de desvio social, as teorias da pena, que na maioria dos casos
partem de um modelo de criminalidade etiológico-individualizante, tratam
sempre da geral justificação da pena. Neste ponto, o conceito de “teoria
penal” é, antes, conducente a erro, porque é dirigido, primariamente, à
legitimação teórica da pena e da punição (estatal), e não reflete criticamente
a pena. Teorias da pena não são teorias sobre a pena, mas são fórmulas de
fundamentação para a pena.
Quem pergunta pelo sentido e pelo fim da pena prevista no Direito
Penal, encontra muito diferentes correntes de argumentação, imagens do
ser humano, compreensões do Estado ou filosofias de segurança (compare
Naucke, 2002, 32 s.). Por um lado, temos de lidar com teorias penais
absolutas, que remontam aos trabalhos de Filosofia do Direito de Kant,
Binding e Hegel. Aqui, a ideia de uma Justiça geral vinculante, de “Direito
natural”, por assim dizer, está no centro (compare Müller-Dietz, 1983,
484). Logo o sentido da pena esgota-se, amplamente, na compensação de
culpabilidade relacionada ao fato.
As teorias penais absolutas estão ligadas com a tradição do Idealismo
alemão (Kant, Hegel). Elas apresentam uma teoria que desvincula a
pena estatal de uma perseguição de fins (absoluta) e limita a punição à
compensação do injusto cometido (repressiva). O seu sentido consiste –
§ 4 - Teorias de Criminalização 63

assim Hassemer – na reintegração do ordenamento jurídico, na realização da


Justiça. Por detrás destes textos não existe nenhum rigorismo desprezador
do ser humano, mas o cuidado sobre a dignidade humana do condenado
(Hassemer, NK-StGB antes do § 1, número marginal 411 s.; Herzog, 1987,
89 s.).
Em contrapartida, as teorias penais relativas favorecem o fim de
prevenção. Estas partem da danosidade social do crime. A pena objetiva,
então, à prevenção criminal, que deve ser realizada pela influência
ressocializante ou assecuratória do autor. Uma teoria do Direito Penal de
fim foi elaborada, pela primeira vez, pela chamada Moderna Escola de
Direito Penal, na virada para o século 20. Seu mais destacado representante
é Franz v. Liszt (compare, sobre isso, também Naucke, 1982, 525 s.).
O Direito Penal vigente e a Jurisprudência dos Tribunais – como expõe
o Tribunal Federal Constitucional (BVerfGE 45, 187, 253 s.) – seguem,
amplamente, a denominada teoria unificada, que – com ênfases diferentes
– tenta reunir todos os fins da pena em uma “relação equilibrada”.

B. A construção das teorias singulares

I. Compensação da culpabilidade e retribuição

1. Culpabilidade como ponto de fuga retrospectivo

As teorias penais absolutas fundamentam a justificação e a necessidade


da pena, de certo modo, em retrospectiva do fato punível, a partir
da lesão do Direito. A punição ocorre, neste caso, exclusivamente para
reintegração da ordem jurídica, que foi desequilibrada pelo fato culpável.
Na medida em que a pena compensa o injusto cometido, ela deve realizar
justiça.
Representando-se o “exemplo da ilha” de Kant, revela-se simultaneamente
um rigorismo moral: “Ainda que a comunidade de cidadãos, com a
concordância de todos os membros se dissolvesse (por exemplo, o povo habitante
de uma ilha decidiria se separar e se dispersar por todo o mundo), o último
assassino encontrado na prisão precisaria ser antes executado, para que cada
64 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

um receba o valor de seus fatos e a culpa de sangue não recaia sobre o povo,
que não insistiu nesta punição: porque pode ser considerado como participante
nesta lesão pública da Justiça” (Kant, AA VI, 333).
Hegel fala, neste contexto, da pena como “negação da negação” do
Direito. Ele se posiciona contra uma pena fundada na finalidade: “Com
a justificação da pena deste modo é como se alguém levantasse o bastão
contra um cão, e o ser humano não é tratado conforme sua honra e
liberdade, mas como um cão” (Hegel, volume 7, em adição ao § 99, p.190).
Assim, livre de toda perseguição de fim, as teorias absolutas da pena
também fundamentam a pena (nível de justificação da pena), assim
também pode ser inteiramente atribuído a estas teorias um implícito
pensamento de fim (nível de colocação de fim da pena). A reintegração
da ordem jurídica não se realiza de forma volátil, mas dentro de uma
sociedade que utiliza o Direito como instrumento de ordem. A necessidade
da pena fundamenta-se mediante a pretensão de assegurar a ordem social
através do Direito – e, deste modo, possibilitar a vida humana comum nas
sociedades. Esta reflexão poderia ser ampliada para além do fundamento
penal metafisicamente ancorado.
O princípio de compensação da culpabilidade constitui, também
ainda hoje, segundo concepção amplamente representada (compare, sobre
isto, Kaufmann, 1976), o fundamento do Direito Penal: “A culpabilidade,
que o autor através de seu fato carregou sobre si, é compensada mediante
expiação da pena (segundo corrente uso de linguagem: retribuída, expiada).
Esta simples tese, que contém os pressupostos de punibilidade, assim
como a tarefa e a justificação da pena, tem podido se afirmar, durante
tanto tempo, como fundamento de nossa ciência, não somente porque
suas raízes penetram profundamente na história do pensamento ocidental.
Esta tese possui, acima de tudo, a vantagem de que rende juridicamente
muito, e possibilitou os decisivos desenvolvimentos político-criminais e
dogmáticos dos últimos 200 anos” (Roxin, 1984, 641).
O princípio da culpabilidade está ancorado, no atual Direito Penal,
no § 46, seção 1, oração 1, CP. Segundo este, a culpabilidade do autor
é o fundamento para a medição da pena, ao mesmo tempo, com isso,
a culpabilidade limita a pena. Mas a prescrição exige, simultaneamente,
§ 4 - Teorias de Criminalização 65

“considerar” os efeitos de prevenção especial, que a lei se permite esperar da


pena para a vida futura do autor na sociedade (§ 46, seção 1, oração 2, CP).

2. Debilidades do conceito de culpabilidade

Contra o conceito de culpabilidade, que é dirigido por uma teoria


absoluta da pena, são apresentadas duas objeções centrais.

a) Nenhuma demonstrabilidade empírica


Uma culpabilidade, que se relacione ao individual poder de agir diferente
no momento do fato, não seria demonstrável. A prova empírica, que é
pressuposta para a hipótese da culpabilidade, não se deixa produzir. No
âmbito da psiquiatria forense domina consenso sobre isto, que a capacidade
do autor de poder ter agido diferente no momento do fato, não pode ser
comprovada com meios empíricos (compare Roxin, 1984, 643, com outras
referências).

b) Metafísica da retribuição
Hoje, um direito estatal de retribuição compensadora da culpabilidade
não se deixa mais deduzir de um princípio de compensação da culpabilidade
comprometido somente com a ideia de Justiça, construída sem finalidade.
A sentença judicial não seria mais dedutível de forma metafísica, mas
subordinada aos princípios da Constituição do Estado civil-democrático.
A pretensão absolutista estaria perdida. O Juiz seria, de agora em diante,
legitimado por um poder do Estado que, pelo menos segundo a letra da
Constituição, emana do povo. Um direito à retribuição não poderia,
portanto, existir (compare Roxin, 1984, 643s.; Stratenwerth, 1977).

3. Culpabilidade como construção normativa de limitação do Direito


Penal

Apesar de toda crítica justificada em face das premissas do princípio


da culpabilidade, as funções limitadoras da culpabilidade, em relação a
uma desenfreada intervenção de controle preventivo do Estado punitivo,
são destacadas como meio necessário de garantia da liberdade (compare,
66 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

neste sentido, o Tribunal Federal Constitucional 105, 135 s., 2 BvR


794/95, de 20.3.2002). O Tribunal Federal Constitucional, em sua decisão
sobre suspensão de pena patrimonial, determina ao Legislador considerar
de modo suficiente, na decisão sobre ameaças penais, sempre também o
princípio de culpabilidade do Estado de Direito, pelo qual o Juiz conserva a
possibilidade “de aplicar, no caso concreto, uma pena justa e proporcional.
Princípio de culpabilidade e determinação de consequências jurídicas
estão numa relação de tensão, que precisa ser conduzida a um sustentável
equilíbrio jurídico-constitucional.” (BVerfGE 105, 135).
Precisamente porque se trata, em relação à categoria da culpabilidade,
de uma construção normativa que, do ponto de vista sócio-científico,
não pode satisfazer, enfim, aos fundamentos empiricamente demonstráveis
da ação, através disto é possível uma limitação da intervenção preventiva
estatal sobre o cidadão. O conceito normativo de culpabilidade é, assim
compreendido, um baluarte contra a imaginável radioscopia e controle,
cientificamente dirigida, do ser humano.
Por isso, também as teses da moderna pesquisa cerebral caem no
vazio, quando elas, fundadas nos determinantes neurológicos da conduta
humana, recusam o Direito Penal da culpabilidade por falta da liberdade
de vontade e propõem um puro Direito de medidas de segurança (ver, por
muitos, Geyer, 2004). A vantagem da construção normativa jurídico-penal
da “culpabilidade” consiste precisamente nisto, que ao cidadão é atribuída
a liberdade, que não é, na verdade, neurologicamente demonstrável, mas
precisa determinar a vida social conjunta dos seres humanos – enquanto
existe um livre Estado de Direito. Somente ordenamentos coativos
autoritários conhecem uma exclusiva orientação por medidas de segurança.

II. Prevenção especial

1. Utilidade como princípio social “moderno”

O desenvolvimento social e econômico elevou, no último terço do


século 19, a necessidade de controle estatal no âmbito da infraestrutura
econômica interna, da exploração de novos mercados, da organização da
formação escolar e profissional ou de instituições acessórias de controle.
§ 4 - Teorias de Criminalização 67

Através do posterior desenvolvimento da tecnologia de produção


cresceram as exigências sobre a força de trabalho, que não mais puderam
ser preenchidas mediante passageira socialização familiar. Ao lado disto,
cresceu a necessidade de controle jurídico das consequências negativas
que subjazem às incontroláveis forças do mercado – por exemplo,
formação de monopólios, mas também política dos baixos salários ou
trabalho infantil. No lugar da liberal distância do cidadão em face do
Estado entrou agora a glorificação do Estado expansivo, planejador,
regulador e preventivo de crises. As crescentes exigências civis pelo Estado
interventor, autoconsciente, desembocaram em reflexões teórico-penais,
que subordinaram explicitamente o instrumento de coação jurídico-penal
a ponderações de utilidade estatal.

2. Orientação individual pelo fim

A prevenção especial vale como um objetivo central da pena estatal, que


não dirige sua eficácia à totalidade dos súditos do Direito, mas à minoria
dos autores penais convictos. Por isso, ela não pergunta: “o que merece o
furto, o estupro, o homicídio, o falso testemunho?”, mas “o que mereceu
este ladrão, este assassino, esta testemunha falsa, este estuprador?”(von Liszt,
1905, p. 175.).

a) A prevenção especial positiva concentra-se na ressocialização do


autor. Na base, existe um modelo de tratamento, que deve compensar e
mudar positivamente os defeitos pessoais atribuídos e as extensas falhas
de socialização, na intervenção especial preventiva da pena criminal
(compare § 46, seção 1, oração 2, CP). A prevenção especial reencontra-
se, no objetivo da execução do tratamento, mesmo como único objetivo
da execução (§ 2, oração 1, LEP).

b) A prevenção especial negativa baseia-se, ao contrário, somente na


suposta periculosidade do autor penal. Remete, com isto, para os aspectos
da segurança e da exclusão da sociedade, e normatiza a tarefa de proteção
da comunidade contra ulteriores fatos puníveis (§ 2, oração 2, LEP).
68 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

III. Prevenção geral

1. Intimidação

A teoria da prevenção geral promete, com a existência e a aplicação do


Direito Penal, a fidelidade normativa da comunidade e a intimidação dos
que estão em perigo de cometer semelhantes fatos puníveis.

a) A prevenção geral negativa pretende, mediante a punição do autor,


simplesmente impedir outros membros da sociedade da comissão de fatos
puníveis semelhantes. “Se lesões do Direito devem (...), de qualquer modo, ser
evitadas, então precisa existir, ao lado da coação psíquica, ainda uma outra
que, partindo do Estado, precede a consumação da lesão do Direito e, em
cada caso particular, produza eficácia, sem que seja, para isto, pressuposto o
conhecimento da lesão agora iminente. Uma tal coação somente pode ser uma
(coação) psicológica.” O “impulso sensorial [para comissão de uma infração]
pode ser suprimido através disto, que cada um sabe, que ao seu fato seguirá um
mal inevitável, que é maior do que o desprazer que resulta do não satisfeito
impulso para o fato” (von Feuerbach, p. 38, §§ 12 e 13).

b) A prevenção geral positiva está relacionada à estabilização da fidelidade


normativa da sociedade. Sobretudo, a teoria da prevenção geral positiva
constitui, neste contexto, um significativo fundamento de legitimação para
o sistema de controle jurídico-penal: § 47 CP, fala na seção 1, da necessidade
de uma pena privativa de liberdade inferior a 6 meses, se isto, entre outros,
é “indispensável para defesa da ordem jurídica”. A prevenção geral positiva
é vista como melhor apropriada para uma fundamentação do Direito Penal,
em relação à sua necessidade e utilidade (Jakobs, 1993, 5 s.).

2. Prevenção geral a serviço da estabilização da norma

a) Pretensão de proteção global da sociedade


Neste contexto, o quadro conceitual da prevenção geral relacionado
à coletividade desenvolve sua mais poderosa força de atração. Este tira
proveito, neste ponto, da necessidade social básica de proteção e segurança,
mas também de uma oferta para uma canalização de sentimentos de
vingança. Também lhe é atribuída aptidão em relação ao seguinte, para
§ 4 - Teorias de Criminalização 69

superar as debilidades das teorias penais absolutas, mediante uma quase


virada para a construção social, e para jogar como nova força vitoriosa.

Hassemer conduz a fascinação singular que emana do conceito de prevenção geral ao


ponto justo: “A pretensão de reconduzir para o caminho reto, não somente o malfeitor,
mas – muito mais ambicioso – de reduzir a quantidade total de comportamentos
desviantes da norma, empresta à representação penal da prevenção geral uma elevada
dignidade sócio-política. A prevenção geral, como teoria da pena e como teoria da
medição da pena, exprime que toda intervenção tem de ser promovida às custas do
indivíduo desviante da norma, ao mesmo tempo para o bem comum – no Direito Penal
do Estado, como instrumento de política social em sentido amplo, na práxis penal
da vida cotidiana, como estabilização das normas do respectivo grupo de referência”
(Hassemer, 1979, 33).

Concepções deste tipo não mais se relacionam apenas com o princípio da


intimidação individual ou da estabilização moral dos súditos do Direito,
mas insistem sobre uma proteção global da sociedade, no sentido de
uma proteção do sistema, que deve se realizar sobre as vias, reciprocamente
complementares, da prevenção da criminalidade dirigida ao indivíduo e à
sociedade geral (Jakobs, 1976, 3 s.).

b) Complementos de psicologia profunda


Enriquecido o conceito de prevenção geral, ainda, adicionalmente, com
momentos de psicologia profunda (compare Haffke, 1976), aparece uma
ulterior vantagem, que consiste na quase completa garantia contra possíveis
falsificações. Segundo isto, é tarefa do Direito Penal estabilizar, a longo
prazo, sobre uma base psicanalítica (teoria do bode expiatório), a confiança
jurídica da população e as normas sociais correspondentes com o Direito.
Em uma tal concepção, a teoria da prevenção geral tem boas chances de ser,
de forma duradoura, a determinação de fins dominante do Direito Penal, já
que, de todo modo, empiricamente não é refutável, nem demonstrável.
Não obstante, permanece um forte mal-estar do Estado de Direito, de
legitimar psicanaliticamente o Direito Penal.

IV. “Teoria” de unificação

Os pilares da prevenção geral e da compensação de culpabilidade, em


conjunto com elementos de prevenção especial, na figura da chamada
70 Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

teoria da unificação do Tribunal Federal Constitucional (BverGE 45, 187,


253 s.), formam um abrangente fundamento de legitimação da punição
estatal. Isto se mantém no quadro da “liberdade de criação atribuída pela
Constituição” ao Legislador, “de reconhecer fins particulares da pena, de
ponderar uns contra os outros e de coordenar uns com os outros. Em
correspondência, o Tribunal Federal Constitucional não só acentuou, em
sua jurisprudência, o princípio da culpabilidade, mas também reconheceu
os outros fins da pena. Indicou, como tarefa geral do Direito Penal,
proteger os valores elementares da vida comunitária. Compensação de
culpabilidade, prevenção, ressocialização do autor, expiação e retribuição
do injusto cometido são indicados como aspectos de uma adequada sanção
penal” (BVerfGE 45, 187, 253ss).
Uma “teoria” assim moldada tem a vantagem de suprimir, aparentemente
sem esforço, as contradições de cada uma das teorias particulares e de
configurar o trio da prevenção especial, da prevenção geral e da compensação
de culpabilidade em uma miraculosa arma de argumentação (compare
Albrecht, 1985, 832).

V. Prevenção de integração

1. Prevenção geral como proteção da confiança

No mais recente debate teórico do Direito Penal, para forte acentuação do


aspecto positivo da prevenção geral, ganhou foros de cidadania o conceito
de “Prevenção de integração” (Müller-Dietz, 1985, 817 s.). Na literatura,
as designações “prevenção geral positiva” e “prevenção de integração” são,
em geral, empregadas como sinônimos (Müller-Tuckfeld, 1998, 6; Zipf,
1989, 481). Este desenvolvimento foi apoiado, essencialmente, mediante
a argumentação do Tribunal Federal Constitucional, que descreveu a
prevenção geral positiva como a “manutenção e o fortalecimento da
confiança no poder de existência e de realização do ordenamento jurídico”
(BVerfGE 45, 187, 256). O Superior Tribunal Federal também argumenta
de forma similar: explicita que a execução de uma (curta) pena privativa
de liberdade somente seria indicada para defesa da ordem jurídica, se uma
suspensão da pena parecesse incompreensível para o sentimento jurídico
§ 4 - Teorias de Criminalização 71

comum, e a confiança da população na inviolabilidade do Direito e


na proteção da ordem jurídica contra agressões criminais fosse, por isso,
abalada (BGHSt 24, 40, 46; compare também § 56, seção 3, CP).
A pena possui, da perspectiva da prevenção de integração, uma função
integradora e saneadora da sociedade que, na ausência de pena, altera sua
orientação final e força um processo de desorganização social. Segundo
isso, existe um aspecto na ideia de prevenção de integração, que pode ser
circunscrito com o conceito de “dano intelectual do crime” (Müller-Dietz,
1983): algo deve ser produzido através da pena na consciência dos súditos do
Direito que, de outro modo, não parece alcançável, ou seja, conformidade
e adequação geral às estruturas normativas dominantes fundamentais da
sociedade. Quanto aos princípios determinantes do conteúdo da medição
da pena, ao contrário, o Juiz vale como critério, cujo esforço precisa ser
dirigido ao seguinte, “chegar o mais perto possível do valor ideal fictício da
pena adequada à culpabilidade” (Müller-Dietz, 1985, 826).

2. Prevenção de integração e conformidade à Justiça

Este princípio experimenta uma variante específica do Estado de Direito,


através de Hassemer, que não quer permitir ser a pena já então justificada,
quando alcança ressocialização e intimidação, mas somente então quando,
ao mesmo tempo, a pena não abandona as vias de controle formalizado
(estrita conformidade à Justiça do Estado de Direito) (Hassemer, 1990, 316 s.).

3. Da proteção de interesses individuais à proteção de complexos


funcionais

É de reconhecer nitidamente que o conceito de prevenção de integração


abandona o chão das relações sociais reais e está a ponto de se apoderar
da ideia de uma abstrata garantia de bens jurídicos. Conforme Baratta,
isto tem por consequência que a finalidade do Direito Penal se desloca, da
proteção de singulares interesses individuais para a proteção de complexos
funcionais da sociedade. Isto significa que o Direito Penal protegeria, de
agora em diante, funções, ao invés de bens jurídicos (compare Baratta,
1984, 137). Com isto, o olhar é posto sobre o presente e o futuro do
Sistema de Justiça Criminal.
72 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Capítulo 2. A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Perspectiva geral

À intervenção valorativa do Direito Penal na Criminologia contrapõe-


se uma Criminologia crítica que, por sua vez, questiona os pressupostos
de validade, os efeitos e as intenções do Direito Penal e de sua aplicação.
Assim a pretensão de prevenção criminal do Direito Penal é colocada em
prova pela Criminologia (§ 5).
• A Criminologia, como Ciência social empírica, esforça-se, desde sempre,
em apontar resultados de prevenção especial das sanções estatais, para ser
útil à pretensão criminal-preventiva, no sentido sócio-estatal pretendido.
Com isto, é idealmente dada uma orientação humanitária. A isto, em
seguida são apresentadas algumas indicações de pesquisa empírica, que
devem promover a compreensão de métodos e resultados da pesquisa
científico-social da prevenção especial. A Criminologia empírica,
contudo, tem dificuldades no resgate destes ideais. Possivelmente, no
impulso do nascimento do pensamento de finalidade preventiva da
Moderna Escola de Direito Penal, o pai deste pensamento foi o mero
desejo humanitário. Frequentemente é ignorado que o Direito Penal
repressivo não pode ser nenhuma instituição de reparação comunitária
para situações problemáticas sociais e individuais. Em nenhuma
sociedade, jamais haverá recursos materiais e pessoais suficientes para
modificar, de tal modo, as condições sociais ambientais nas instituições
penais, que conflitos individuais e sociais sejam resolvidos ou, mesmo,
impedidos.
• A Criminologia empírica tem ainda maiores dificuldades para
comprovação de efeitos positivos das teorias de intimidação, que são
marcadas pelo conceito de prevenção geral negativa. Se assassinatos
ou outras lesões do Direito não se realizam, somente porque existe um
Código Penal, fica em aberto. É sempre uma questão de imagem do
homem, se ao indivíduo se atribui suficiente capacidade de autocontrole
para respeitar direitos de terceiros. Se, contudo, a existência de ameaças
penais duras alguma vez impediu danos contra terceiros permanece,
§ 4 - Teorias de Criminalização 73

antes, um enigma, também conforme exame global dos resultados


empíricos de pesquisa.
• A prevenção de integração tem habilmente contornado, desde sempre,
a prova sócio-científica do cumprimento de seus efeitos. Legislação
simbólica, que disponibiliza exclusivamente respostas simbólicas para os
riscos da sociedade industrial, não necessita de nenhuma comprovação
empírica para seus pretendidos efeitos. Não mais o indivíduo está no
foco de interesse desta teoria, mas o ponto final é a consciência da
comunidade estabilizadora da norma. Uma megaconstrução desse tipo
subtrai-se, simplesmente, de qualquer comprovação empírica. Aqui
existe, somente, crítica imanente à teoria ou concordância fundada em
plausibilidades.
• Em conjunto, segundo a pesquisa social empírica, os princípios de
legitimação preventiva do Direito Penal antes representam princípios
de crença do que princípios de ciência. O Legislador e o aplicador do
Direito precisam sempre ter clareza sobre isto. Se vale a pena, para estas
apenas vagas esperanças, converter o modelo jurídico de um Direito Penal
repressivo-limitador em um Direito Penal preventivo-configurador, é
altamente questionável. O preço é, mesmo, que se comuta do princípio
da legalidade processual para o princípio da oportunidade e, com isto, a
crescente informalização do Direito tem por consequência um conceito
de Direito sem conteúdo, a lesão da igualdade de todos os seres humanos
e, por fim, uma aplicação arbitrária do Direito.
• A não realizada esperança da orientação de prevenção no Direito Penal
encontra sua correspondência na crescente perda da pretensão de controle
estatal. O Direito Penal clássico não tinha nenhuma pretensão de
controle. A teoria penal absoluta compreendia-se simplesmente como
reação retributiva à lesão do Direito, queria reconstituir o Direito com a
sanção. De modo ideal-típico, foi fundada uma rigorosa relação de fato,
que era relacionada à lei e relacionada à culpabilidade. A culpabilidade
limitava a intervenção estatal, que se entendia como exclusivamente
repressiva. Um estrito princípio de legalidade processual caracterizava,
neste ponto, o modelo jurídico repressivo-limitador do Direito Penal
clássico. Somente no cortejo da Moderna Escola de Direito Penal
desenvolveu-se uma Criminologia orientada pelo autor, que era
74 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

dirigida exclusivamente pelo preventivo pensamento de fim, no Direito


Penal. A ideia condutora da rigorosa relação de autor era, na punição
pelo Direito Penal, a utilidade social. Através da individualização
e moralização do autor era exigida sua disposição de adaptação. Este
modelo jurídico preventivo-configurador tinha, em consequência, por
resultado uma aplicação do Direito fundada na oportunidade – embora
também carregada de estatalidade social. A tensa relação entre legalidade
processual e oportunidade desenvolveu-se, no impulso da Moderna
Escola de Direito Penal, em prejuízo da validade geral do Direito e da
igualdade da aplicação do Direito, portanto, em prejuízo do princípio
da legalidade processual.
• Com a dissolução das promessas de bem-estar estatal do Estado
Social, no final do século 20, desaparecem também as esperanças de
uma transformação para sanções do Direito Penal de configuração
preventiva. Um Direito Penal ainda somente simbólico, que cobre
aparentemente os riscos da tardia sociedade industrial (meio-ambiente,
economia, migração, drogas entorpecentes, terrorismo), é orientado
politicamente com referência sistêmica. O resultado é um crescente
desinteresse criminológico, uma vez que a pretendida proteção do
sistema – ao contrário da Moderna Escola de Direito Penal – precisa
conduzir necessariamente a uma renúncia do autor como pessoa no
Direito Penal (desindividualização). O Direito penal simbólico não
precisa de normas gerais fundamentadas e obrigatórias. Contenta-se
com a aplicação exemplar do Direito, e precisamente então, quando
esta deve produzir efeitos estabilizadores do sistema. Isto se torna claro
em processos dotados de carga política (economia, meio-ambiente,
terrorismo). Do Direito Penal simbólico resulta uma informalização
do Direito, porque dele é retirada a obrigatoriedade geral, portanto,
o conceito de Direito é esvaziado e, na aplicação arbitrária do Direito,
reside a lesão da igualdade dos destinatários do Direito. Consequência
inevitável de um modelo de Direito assim difuso é a retirada de
legitimação em face do ordenamento jurídico. Os cidadãos se desligam,
o aborrecimento com o Estado tem conjuntura. A afirmada pretensão
de controle deteriora, no cortejo deste modelo jurídico e de sua práxis
§ 4 - Teorias de Criminalização 75

oportunista, em uma simbólica tentativa de controle. No subsequente


§ 6 são indicadas verificações para comprovação do fracasso de controle.
• Infelizmente, com isto, o balanço da pretendida capacidade estatal de
controle do Direito Penal ainda não acabou. Nós nos encontramos
em uma mudança do simbólico Direito Penal do risco para um pós-
preventivo Direito penal de segurança. Com isto, adentra-se num
continuum não apenas quantitativo mas, ao contrário, qualitativo. No
curso de uma orientação global de segurança, não importa mais, de
forma alguma, o conhecimento social e o conhecimento criminológico,
para um controle através do Direito. A Política de segurança global
ignora isto de forma consequente, porque mediante uma tal orientação
pós-preventiva do Direito Penal ocorre uma rigorosa negação do
Direito, até a aniquilação do Direito. Quem nega e aniquila o Direito
não precisa mais se preocupar com seu potencial de controle real.
Ambicionadas intervenções operativas de segurança independentes de
suspeita – no mundo inteiro – têm em vista garantia de dominação
global. A dominância de um pensamento de segurança, que nega
direitos de liberdade e direitos humanos, degenera em uma pura medida
de segurança, que nada mais tem a ver com o Direito. Ideal-típico para
este pensamento de segurança, que também não se detém diante de uma
militarização da segurança interna, é que são impostos a cada cidadão
sacrifícios especiais, como dever geral de cidadão. O ambicionado
máximo de segurança não é, obviamente, alcançado. Sobra, apenas, um
máximo em aniquilação de liberdade e, com isto, uma destruição dos
fundamentos de legitimação de uma sociedade livre e democrática.
• Estes indicados níveis de desenvolvimento do Direito não são fases
teórico-penais nitidamente separáveis, no sentido da substituição
de uma fase por outra. Ao contrário, estas etapas de desenvolvimento
se sobrepõem no tempo e no conteúdo. Elas conduzem à situação
paradoxal de que, atualmente, várias etapas são, ao mesmo tempo,
atuais. Diferentes modelos de legitimação estão, simultaneamente,
à disposição para aplicação do Direito, o que comprova claramente a
tese da aplicação arbitrária do Direito, no cortejo da informalização
(compare, neste sentido, em resumo, o quadro do § 10).
76 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

• O capítulo termina com questões sobre o interesse de conhecimento de


uma Criminologia científica. Diante do contexto destes interesses de
conhecimento e compreensões, uma parte da Criminologia se reconfigura
e desenvolve princípios de construção de uma autônoma Criminologia
crítica, no sentido de uma ciência de reflexão independente (§ 7). A
Criminologia precisa se reposicionar perante a ignorância sistemicamente
condicionada para com seus perfis de conhecimento. Seu objeto precisa
ser uma discussão fundamental, direcionada por princípios, com a
orientação global de segurança dos responsáveis políticos. Sua tarefa
também precisará ser a reivindicação, em todo mundo, por direitos do
cidadão e direitos do ser humano.

§ 5. A pretensão de prevenção criminal


do Direito Penal sob exame empírico

Literatura: Albrecht, H.-J., Legalbewährung bei zu Geldstrafe und Freiheitsstrafe Verurteilten,


1982; Albrecht, P.-A., Jugendstrafrecht, 3 ed., 2000; Baratta, A., Integrations-Prävention, Eine
systemtheoreische Neubegründung der Strafe, KrimJ 1984, 132 s.; Baratta, A., Kriminalpolitik
und Verfassung – Überlegungen zum minimalen Strafrecht und zur Sicherheit der Rechte,
KritV 2003, 210 s.; Bettmer, F.; Kreissl, R.; Voss, M., Die Kohortenforschung als symbolische
Ordnungsmacht, KrimJ 1988, 191 s.; Brusten, M.; Hoppe, R., Greifen unsere Theorien
noch?, KrimJ, Beiheft 1986, 58 s.; Egg, R., Sozialtherapie im Justizvollzug, Entwicklung und
aktuelle Situation einer Sonderform der Straftäterbehandlung in Deutschland, Jahrbuch für
Rechts- und Kriminalsoziologie 2002 (25 Jahre Massregelvollzug – eine Zwischenbilanz),
119 s.; Farrington, F.; Ohlin, L.; Wilson, J., Understanding and Controlling Crime, 1986;
Günhter, K., Der Sinn für Angemessenheit, 1988; Jehle, J.-M.; Heinz, W.; Sutterer, P.,
Legalbewährung nach strafrechtlichen Sanktionen – Eine kommentierte Rückfallstatistik,
Edição pelo Bundesministerium der Justiz, 2003; Kant, I., Grundlegung der Metaphysik
der Sitten, Editor Weischedel, W., 1991; Kaiser, G., Kriminologie, 3 ed, 1996; Kunz, K.-L.,
Kriminologie, 3 ed., 2001; Lösel, F., Ist der Behandlungsgedanle gescheitert? Eine empirische
Bestandsaufnahme, ZfStrVo 1996, 259 s.; Lösel, F.; Löferl, P.; Weber, F., Meta-Evaluation in der
Sozialtherapie, 1987; Luhmann, N., Ausdifferenzierung des Rechts, 1981; Müller-Tuckfeld, J.-
C., Integrationsprävention, 1998; Ortmann, R., Zur Evaluation der Sozialtherapie, ZStW 106
(1994), 782 s.; Schöch, H., Empirische Grundlagen der Generalprävention, in: Festschrift für
Jescheck, H.-H., 1985, 1081 s.; Rehn, G., Behandlung im Strafvollzug, 1979; Schumann, K.;
Berlitz, C.; Guth, H.-W. et. al., Jugendkriminalität und die Grenzen der Generalprävention,
1987; Voss, M., Anzeigemotive, Verfahrenserwartungen und die Bereitschaft von Geschädigten
zur informellen Konfliktregelung, MschKrim 1989, 34 s.; Vultejus, U., Rückfallkriminalität,
ZRP 2004, 126s.; Wolfgang, M.E.; Figlio, R.M.; Stellin, T., Delinquency in a Birth of Cohort,
1972.
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 77

A. Pesquisas empíricas sobre prevenção especial

I. Pretensão e objetivos

A prevenção especial dirige-se, com o Direito Penal e suas referências


normativas correspondentes (Código de Processo Penal, Lei de
Organização Judiciária, Lei de Execução Penal etc.), à pessoa jurídico-
penalmente atingida e tenta motivadamente influenciá-la no sentido de
comportamento futuro conforme ao Direito. Objetivo desta influência
deve ser o cumprimento de expectativas de comportamento jurídico-
penais.

II. Pesquisa empírica de efeitos: o que sanções jurídico-penais produzem


no punido?

As Ciências sociais empíricas vinculam-se, na verificação da realidade


jurídica, ao programa jurídico. Já o § 46 CP prevê os seguintes efeitos:
as consequências, que provêm da pena para a vida futura do punido na
sociedade, devem ser consideradas na medida da pena, pelo que a culpa
do autor expressada no fato marca, de certo modo, o limite superior da
intervenção punitiva.
O resultado é antecipado: para o efeito condutor do comportamento
do Direito Penal sobre o punido, é de aconselhar sobriedade e cepticismo,
em relação às declarações de intenção do programa normativo no Código
Penal, ou na Lei de Execução Penal. Segundo os resultados empíricos é de
se supor, na melhor das hipóteses, uma ineficácia, na pior das hipóteses,
um efeito contraproducente.

III. Avaliação da sanção mediante pesquisa de bandos

1. Estrutura da pesquisa

A pesquisa de bandos é um princípio de pesquisa originário dos EUA,


para investigação das causas da delinquência e de critérios de prognose,
para reconhecimento precoce e intervenção antecipada na delinquência.
78 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Ela é produto da crítica metodológica das pesquisas etiológicas e está


preocupada em evitar conclusões falsas, como: “criminalidade precoce
explica a futura gravidade da reincidência”, que foram obtidas em pesquisas
sobre grupos delinquentes na execução penal (compare acima § 2 III).
Verificou-se, estatisticamente, na população de presos, que com crescente
gravidade do delito e frequência de delitos era demonstrável criminalidade
precoce. Sabe-se hoje, de pesquisas sobre a população em geral, que a
criminalidade precoce, portanto, a delinquência na juventude, é ubíqua
(onipresente). Seria comparável à seguinte conclusão errada: o consumo de
nicotina explica a carreira de drogas.

A pesquisa de bandos quer investigar – sob evitação do efeito seletivo – o efeito


causal ou efeito de origem da delinquência. O projeto de pesquisa não compreende,
portanto, nenhuma investigação de corte transversal, mas investigações longitudinais
com plano de intervenção experimental, assim como uma população não selecionada
de um curso anual inteiro, como grupo de controle. Não análises de curso retrospectivo
(portanto, retroativas), mas análises de curso prospectivo devem ajudar a investigar
causas da delinquência e critérios de prognose (crítico, sobre isto: Farrington e outros,
1986; Bettmer e outros, 1988).

2. Resultados de pesquisas de bandos (estudo de Wolfgang)

Um dos mais conhecidos estudos deste tipo é o denominado estudo de Wolfgang


(1972), dos EUA. Os resultados de um primeiro estudo de bandos compreendem
adolescentes (nascidos em 1945) de 10 até 18 anos de idade, de Filadélfia. O começo
do levantamento foi 1964, foram abrangidos 9.945 adolescentes. A primeira pesquisa
de bandos foi, ainda, interpretada de forma retrospectiva. Na segunda pesquisa
de bandos foram abrangidos adolescentes que nasceram em 1958. Aqui foram
compreendidos 28.800 adolescentes masculinos e femininos (projeto prospectivo).
Constatou-se que 35%, até a idade de 18 anos, tinham sido indiciados pela
Polícia, ou seja, em torno de 3.500 adolescentes foram investigados pela Polícia
(primeira pesquisa de bando). Mais ou menos a metade destes adolescentes não foi
indiciada novamente depois do primeiro registro. Este resultado contradiz a tese
da criminalidade precoce, que conduziria à delinquência grave. 1.862 adolescentes
(18,7%) foram registrados com mais de um delito. Contudo: 629 adolescentes do
bando são responsáveis por 52% de todos os delitos registrados, ou seja, 5% do
bando são responsáveis por mais de 50% de todos os delitos. A maioria dos fatos
criminosos é cometida, portanto, por poucos autores intensivos (Wolfgang e outros,
1972, 89, 176s.).
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 79

Daqui foi desenvolvida a estratégia político-criminal da “incapacitação


seletiva”, que é descritível como a simultânea evitação de rigor
desnecessário e suavidade inadequada. Disto resultou um conceito
popular nos EUA, que se relaciona estreitamente com o desenvolvimento
de diversion (compare Albrecht, 2000, 23s.). A fórmula populista diz:
“encarcerar e jogar a chave fora” para o grupo restante, que permanece na
traseira dos programas de filtragem de diversion (evitação de contatos com
a Justiça).

3. Avaliações críticas das pesquisas de bandos

A pesquisa de bandos é um programa, metódica e financeiramente,


muito dispendioso. Não obstante, pesadas objeções têm sido apresentadas.
Na base da pesquisa de bandos existe um conceito etiológico tradicional
(compare, sobre isto acima § 3 B I) de gênese da criminalidade. Este
[conceito] não tem sensibilidade para os efeitos de criminalização ou de
descriminalização para a taxa de criminalidade, coisas deste tipo não são
levantadas. Pode-se designá-lo como método High-Tech, mas como teoria
científico-social primitiva. Não são realizados quaisquer levantamentos
paralelos sobre mudanças de Direito material ou de técnicas de persecução.
Estas se encontram, em especial, na proibição e na criminalidade de drogas.
Aqui são possíveis, em curto prazo, mudanças tanto no comportamento de
denúncia, como também na estrutura das oportunidades de criminalidade.
Dentro de um período de tempo abrangente de uma geração de bandos, por
exemplo, as possibilidades de autoatendimento em lojas de departamentos,
cresceram muito. Aumento de criminalidade, num caso deste tipo, não
é de ser avaliado como qualidade do comportamento individual, mas
como produto de mudanças estruturais (mudança de estruturas de ofertas
economicamente motivadas).
O efeito de geração mal pode ser separado dos efeitos de amadurecimento
individual. Por exemplo, a difusão de drogas abre campos de delinquência
totalmente novos, também crises econômicas e guerras precisam ser
identificadas como influências intervenientes. O mundo em torno do
bando também se transforma. Também o efeito de teste do pesquisador
sobre os pesquisados apenas dificilmente pode ser controlado.
80 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

A pesquisa de bandos destina-se à procura do “verdadeiro criminoso”,


do autor intensivo, que é separado da criminalidade de oportunidade,
tornada “normal”. Ela parte do modelo de personalidade criminosa
(teorias biossociais), está relacionada ao equipamento genético do ser
humano. Ela se orienta para a compreensão da normalidade social,
para o “cidadão normal”. Mas hoje é questionável se padrões deste tipo
ainda podem ser mantidos numa sociedade multicultural. O mundo
transforma-se, horizontal (mistura de culturas) e verticalmente (progresso
do desenvolvimento), cada vez mais rápido.

4. Resultados para efeitos de sanção especial-preventiva

Apesar das importantes críticas metodológicas a estes princípios de


análise causal da criminalidade, sempre são possíveis algumas conclusões
sobre o efeito das ameaças penais legais, dos resultados da pesquisa de
bandos. Quando se acompanha o efeito da sanção (ou melhor: a ameaça
de sanções) desde o começo de uma carreira criminal, então não se mostra
nenhuma diferença significativa de criminalidade entre aqueles que são
liberados após um contato com a Polícia e aqueles que são atingidos por
uma intervenção formal. Disto resulta a conclusão da permutabilidade das
sanções.
Além disso, resulta da pesquisa de bandos também a tese da ubiquidade e
da remissão espontânea. Isto significa, criminalidade juvenil é um fenômeno
onipresente, que atinge quase todo adolescente durante seu processo de
socialização. Assim como a criminalidade juvenil aparece espontaneamente,
ela desaparece no curso da socialização para a existência adulta (compare,
sobre isto, os resultados de pesquisa em Albrecht, 2000, 17s.).

IV. Avaliação das penas pecuniárias e privativas de liberdade

A pesquisa social empírica mostra igualmente interesse no efeito da


aplicação de pena pecuniária, que hoje constitui mais de 80% de todas as
sanções.
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 81

1. Efeitos da pena pecuniária

As consequências da pena pecuniária, em relação ao efeito de prevenção, foram


pesquisadas por meio de uma amostra representativa de condenados do ano de 1972
(N = 1832), em comparação com a pena privativa de liberdade (H.-J. Albrecht,
1982). Após cinco anos foram consultados os extratos do registro penal. O critério
de reincidência era uma nova inscrição no Registro Federal Central. Em relação ao
período de prova legal foram verificados os seguintes resultados, que indicavam
nítidas diferenças de reincidência nos grupos de punidos:

Reincidência de condenados a pena pecuniária:.................................................5,8%


Reincidência de condenados a pena privativa
de liberdade com período de prova:...................................................................5,3%
Reincidência de condenados a pena privativa
de liberdade sem período de prova:....................................................................5,4%

Entre a pena pecuniária e a pena privativa de liberdade sem período de prova


existe, à primeira vista, uma diferença de 50% (!). Em penas privativas de liberdade
com duração diferente nenhuma diferença foi verificada. Em relação à gravidade da
reincidência (medida pela nova sanção), 59% dos condenados a pena pecuniária
receberam, de novo, uma pena pecuniária, nos condenados a pena privativa de
liberdade sem período de prova, em 68% dos casos foram aplicadas novamente penas
privativas de liberdade sem período de prova.

2. Estudo de reincidência do Ministério Federal de Justiça (2003)

Um estudo do Ministério Federal de Justiça sobre reincidência do ano 2003


avalia o Registro Federal Central de forma abrangente. São compreendidas todas as
condenações a uma pena privativa de liberdade com período de prova ou a uma pena
pecuniária. Além disso, todas as liberações da prisão do ano 1994 são pesquisadas sobre
o seguinte, se dentro do período de quatro anos ocorreu uma nova condenação. No
ano de 1994, segundo a contagem dos autores, houve 582.612 condenações a penas
privativas de liberdade e penas pecuniárias, das quais 75.378 condenações a penas
privativas de liberdade e 507.234 a penas pecuniárias. A maioria dos condenados, em
relação a todas as sanções, não é novamente condenada dentro do período de quatro
anos: isto representa 65%. O quadro se modifica, como já descrito na avaliação acima
da pena pecuniária, quando se diferencia pela especificidade das sanções.

Reincidência em adultos (no período de quatro anos), após:


penas privativas de liberdade executáveis sem período de prova:.....................56%
penas privativas de liberdade com período de prova:......................................45%
82 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Reincidência no Direito Penal juvenil, após:


pena juvenil sem período de prova:................................................................78%
pena juvenil com período de prova:................................................................60%

A probabilidade de reincidência varia muito diferentemente por delito específico.


Os que têm o maior corte são os condenados por assassinato e homicídio. Aqui, o
percentual de período de prova perfaz 73%, no estupro 59%. No furto qualificado,
o percentual de período de prova fica em 41%.

Uma interpretação destas quotas de reincidência como efeitos das


sanções não é possível, sem mais, porque, deste modo, nenhum grupo de
risco comparável foi incluído na verificação de efeito da sanção. Outras
influências, além da influência das sanções, podem ser responsáveis pelas
diferenças (por exemplo, características sócio-estruturais como profissão,
escolaridade, nível social etc.).

3. Avaliação

Após esforços correspondentes de comparação de subgrupos, diminui


claramente a diferença de reincidência em condenados a penas pecuniárias
em relação a condenados a penas privativas de liberdade, já na pesquisa
de H.-J. Albrecht (1982). Se compararmos, por exemplo, os “altamente
carregados” com fatores de risco no subgrupo, então a diferença de
reincidência em penas pecuniárias e penas privativas de liberdade fica
apenas em 7%. As diferenças originárias nas quotas de reincidência são
produzidas, portanto, pelos grupos de punidos de composição diferenciada
em relação a suas características sociais. A pesquisa de tratamento deduz
disto, novamente, que sanções diferentes seriam amplamente permutáveis,
em relação ao seu efeito criminal-preventivo, todavia, apenas em caso de
iguais pressupostos sociais. Disto resulta, do ponto de vista político-
criminal: a típica escalada de sanções por reincidência não tem nenhum
sentido especial-preventivo – e assim ela é fundamentada –, pois a
reincidência é claramente determinada pelo contexto social.
Os resultados da altamente dispendiosa pesquisa do Ministério Federal
de Justiça, um Juiz penal em atividade comenta (Vultejus, 2004, 127)
com as palavras de que as altas quotas de reincidência poder-se-iam “ler
como uma descompostura da execução penal”, mas se deveria considerar
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 83

“que a Justiça, via de regra, nega o período de prova somente em casos


problemáticos”. Abstraído disto, que a lei possibilita um período de prova
somente para uma pena privativa de liberdade até dois anos, esta avaliação
judicial também pode ser uma pura “self-fulfilling-prophecy”, no sentido do
Labeling-approach. De resto, o profissional da Magistratura colocou seu
dedo experiente na ferida certa: “Sobre os motivos da reincidência – e este
é, para a práxis diária de Juízes e membros do Ministério Público, o ponto
mais importante – eu não encontrei nada (no Estudo). As personalidades
dos autores reincidentes, seu ambiente-social pessoal e econômico, segundo
a estrutura do estudo, não puderam ser considerados” (Vultejus, acima.).

V. Avaliação da terapia social como forma de execução especial

1. Fixação de fim preventivo-especial

A fixação normativa de fim preventivo-especial da aplicação e execução


de penas privativas de liberdade resulta, em primeiro lugar, também do §
46 CP e das determinações da Lei da Execução Penal, que no § 2 encarrega
a execução penal de atuar no sentido de que o preso deve conduzir, no
futuro, com responsabilidade social, uma vida sem fatos puníveis. A “teoria
dos três pilares” do Direito Penal atribui à execução penal a função exclusiva
de ressocialização: a lei ameaça a pena (prevenção geral), o Juiz a aplica
(compensação de culpabilidade), a execução penal a executa (prevenção
especial). Nas instituições dirigidas especialmente à prevenção especial, as
denominadas instituições de Justiça de execução de terapia social, trabalha-
se de modo particularmente intenso para impedir a reincidência após a
execução penal.

2. Pesquisa de reincidência no quadro da terapia social

a) De uma quantidade de pesquisas científico-sociais da fixação de fins


de prevenção especial da execução penal, é de ser descrita mais de perto,
como exemplo, uma pesquisa sobre reincidência de Rehn (1979) que, apesar
da grande distância temporal, por causa de sua metódica exemplaridade,
ainda convence.
84 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Esta pesquisa é metodicamente dispendiosa. Diferentes processos de formação de


grupos de controle foram empregados, em que foram incluídos na pesquisa presos
de três diferentes tipos de instituições (instituição tradicional fechada/instituição de
terapia social/organizações de transição em execução aberta).
Uma prova por amostragem abrangeu 463 libertados de diferentes anos. Os
egressos provinham das três instituições e de um grupo complementar, a saber, os
egressos das instituições de tratamento. Fontes de dados eram fichas pessoais dos
presos e extratos do registro penal, contudo não havia quaisquer informações sobre
espécie e curso das medidas de tratamento. Além disso, eram de registrar períodos
diferentemente longos de prova. A definição de reincidência indicava pena privativa
de liberdade, pena pecuniária e nenhum registro. O período de prova abrangeu de 2
a 6 anos.
Como resultado, verificou-se que foram registrados 68,5% de reincidência
das instituições fechadas (pena pecuniária ou privativa de liberdade), 44,7% de
reincidência da terapia social e 36,1% de reincidência das instituições de acolhimento.
Quotas de reincidência de delitos específicos ocorreram em delitos contra o corpo e a
vida (19%), em delitos contra a autodeterminação sexual (43%) e em delitos contra
a propriedade (68%).
Um primeiro processo de grupos de controle homogeneizou o efeito/delito.
Foram comparados somente autores patrimoniais e, precisamente, aqueles internados
em instituições de tratamento, com aqueles que provinham de execução normal,
embora, de acordo com estes critérios, tivessem tido a chance de acolhimento em
instituição de tratamento (segundo os arquivos). Este grupo foi comparado com
um correspondente grupo experimental composto de egressos de instituições de
tratamento (igualmente, apenas autores patrimoniais).
O resultado indicou: 57,2% de reincidência do grupo de tratamento, em face
de 71,3% de reincidência do grupo de controle da execução fechada. A diferença é
apenas de 14% agora, antes era de 32%. A elevação geral do nível de reincidência
está fundamentada na concentração em autores patrimoniais.
Num segundo processo de grupos de controle foram contrapostos aos
egressos das instituições de tratamento, respectivamente, parceiros que dispõem de
semelhantes características de seleção (Matched Pairs Analyse). O resultado indicou
aqui 52,8% de reincidência no grupo de controle de execução regular, em face de
44,5% de reincidência no grupo de tratamento. Agora, a diferença diminui para
8%. Reduzindo-se a comparação ao critério de reincidência da pena privativa de
liberdade, verifica-se 39,8% de reincidência no grupo de controle e 34,3% de
reincidência no grupo de tratamento. A diferença representa, enfim, 5%. As diferenças
diminuíram muito, pelo que não foi sequer considerado, na última comparação, que
os egressos da execução regular tinham apresentado, em média, um período de prova
substancialmente maior.
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 85

b) Segundo novos estudos, concordantes nos resultados (Egg, 2002;


Lösel, 1996), o êxito do tratamento social-terapêutico é, “em resumo,
pequeno, até muito pequeno, mas não nulo” (Egg, 2002, 123). Situa-
se entre 5% até 10%. Mesmo esta verificação de um pequeno resultado
permanece, contudo, questionável, porque se trata, quanto aos submetidos
a prova, simplesmente do resultado de uma seleção: as instituições
social-terapêuticas recrutam, desde o princípio, pessoas adequadas
como especialmente apropriadas à terapia (pré-seleção). Além disso, até
50% daqueles que, no decurso da terapia, revelam-se inapropriados, são
transferidos de volta para a execução regular (Ortmann, 1994, 786). Isto
distorce, mais uma vez, o já magro balanço de resultado. Com isto, não
seria criticado o apoio na execução penal, mas um seletivo tratamento de
execução, aliás, de “privilegiados” internos da execução.

c) De novo, com a crescente uniformidade do perfil social das pessoas


dos grupos de experimento e dos grupos de controle, permanece como
resultado que as diferenças no comportamento legal futuro diminuem
substancialmente (compare também Kaiser, 1996, 267 s.; Lösel e outros,
1987, 414ss).

A avaliação crítica do esforço de tratamento em relação à quota do


comportamento legal não deve negar o empenho da execução penal para
possibilitar às pessoas melhores condições sociais para uma vida depois
da prisão. Ao contrário, estes esforços não se legitimam somente pelos
fins de prevenção do Código Penal e da Execução penal, mas resultam
primariamente dos direitos fundamentais, conforme os artigos 1° e 2° da
Constituição. Trata-se aqui de direitos humanos que, do ponto de vista
político-criminal, não devem ser definidos como metas programáticas
arbitrárias.
Como resultado político-criminal da pesquisa científico-social de
prevenção especial resta afirmar: também diferentes sanções estacionárias
são amplamente permutáveis quanto aos seus efeitos criminal-preventivos,
desde que as pessoas respectivas apresentem idênticas condições sociais e
sócio-estruturais. Não as medidas de tratamento estatal, mas as relações
sociais antes e depois da prisão determinam claramente o êxito ou o
fracasso das medidas de alojamento estatal na execução penal.
86 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

VI. Conclusões sobre a fixação de fim especial-preventivo da pena


privativa de liberdade

Das pesquisas empíricas sobre efeito especial-preventivo das sanções


penais é de se aconselhar sobriedade e cepticismo em relação às declarações
de intenção do programa normativo do Código Penal e da Lei de Execução
Penal. Segundo os resultados empíricos é de se supor, no melhor dos casos,
um não efeito e, no pior dos casos, um efeito contraprodutivo. Isto vale
especialmente para a pena privativa de liberdade (compare, sobre isto,
detalhadamente, § 28 abaixo). Isto deveria fortalecer a função de ultima
ratio da pena privativa de liberdade. Este modelo da pesquisa deveria
sugerir à aplicação do Direito que as diferentes sanções são amplamente
permutáveis em relação aos seus efeitos criminal-preventivos. Neste ponto,
o reconhecimento da imposição de um mal através da pena precisa ser
aceito, e um tipo de princípio de minimização na medição penal precisa
ser estabelecido. O Sistema de Justiça Criminal deveria se proteger do
efeito de sucção de medidas supostamente efetivas, não por último, para
evitar efeitos contraprodutivos.

B. Pesquisas empíricas sobre prevenção geral negativa

I. Efeitos empíricos pouco demonstráveis

“Com a admissão dos efeitos de prevenção geral da pena vincula-se


a pretensão de desestimular potenciais violadores do Direito de ações
puníveis, assim como de atuar, na população em geral, pelo fortalecimento
da confiança na força de existência e de realização do ordenamento jurídico”:
com estas palavras, o criminólogo Kaiser (1996, 259) descreve a pretensão
da chamada prevenção geral negativa. Com isto, a prevenção geral
positiva ou integrativa, que mira a confiança na norma, o reconhecimento
da norma e a fidelidade jurídica, substancialmente não é nada diferente de
um caso de aplicação da teoria de socialização. A Justiça precisaria poder
invocar, por isso, em relação à prevenção geral negativa, como fundamento
de legitimação do Direito Penal, na verdade, claras comprovações empíricas.
Mas este – surpreendentemente – não é o caso.
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 87

Kaiser, que empreendeu, com um grande quadro de colaboradores, uma


ampla pesquisa da literatura, constata: “Segundo o estado atual de pesquisa
não existem, na verdade, provas empíricas para a efetividade de medidas
mais rigorosas na aplicação da pena” (1996, 259). Também a elevada
mensuração judicial da pena e a moldura penal legal, como esperado,
teriam pouco peso para o cumprimento da lei.
Em geral, na Criminologia, as expectativas de prevenção são apoiadas,
antes, no risco de descobrimento e no risco de persecução. Na verdade,
isto deveria ser levado em consideração – já num nível de plausibilidade
– somente para fatos racionais e de reflexão, o que diz respeito, apenas, a
uma pequena parcela de todas as ações puníveis. Realizado, em todo caso,
um cálculo racional, este se depara, em geral, com um pequeno risco de
descobrimento – como, por exemplo, delitos econômicos –, o que, antes,
deveria elevar a inclinação para comissão do fato. Por isso, em geral, o
percebido risco de descobrimento e de persecução pouco influencia a
disposição para o comportamento delituoso, resume o criminólogo Karl-
Ludwig Kunz (2001, 331).
Embora medições de eficiência e pesquisas de prevenção possuam,
também, uma elevada posição de mérito internacional, surpreendem
as magras provas empíricas para os supostos efeitos de prevenção
geral negativa. Considerando a formação normativa e o cumprimento
normativo, os processos de socialização específicos de camadas deveriam,
antes, assumir muito maior posição de valor, do que a soma da ameaça
penal das instâncias oficiais de controle. Incluindo-se na reflexão a grande
parte dos espontâneos fatos de agressão, fatos de conflito e fatos sexuais,
também em um nível de plausibilidade, a ameaça penal para tais reações
espontâneas deveria ser pouco relevante.

II. Resultados de pesquisa exemplares

1. Criminalidade juvenil e os limites da prevenção criminal

As pesquisas de Karl Schumann e outros, com o título “Criminalidade


juvenil e os limites da prevenção geral” (1987), comprovam as hipóteses
acima.
88 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Amostras representativas de adolescentes de Bremen, nascidos nos anos de 1964


e 1965, foram interrogados sobre ações puníveis por eles mesmos cometidas. Os
delitos típicos de adolescentes, sobre os quais foi perguntado, foram operacionalizados
mediante explícitas descrições dos caracteres jurídicos típicos. As entrevistas (duas
baterias) ocorreram nos anos 1981 e 1982, e se dirigiram a 740 adolescentes de
ambos os sexos.
Os resultados mostram que 83% dos adolescentes interrogados na primeira bateria
de entrevistas, na idade de 15 até 17 anos, já tinham cometido pelo menos um dos
14 tipos legais perguntados (compare Schumann e outros, 1987, 35). Na comparação
dos delitos predominou a fraude de serviço (§ 265 a, CP), que foi admitida por
68,3% dos adolescentes. Como outros delitos, foram referidos:

Dirigir sem habilitação (§ 21, do Código de Trânsito): 38,8%


Furto (§ 242 e 248 a, CP): 20,5%
Uso indevido de veículo (§ 248 b, CP): 18,3%
Posse ou tráfico de droga (§§ 29-30, da Lei de Drogas): 18,2%
Dano (§ 303, CP): 17,3%

Por meio desta pesquisa é confirmada a tese da ubiquidade, embora


limitada ao âmbito da delinquência de bagatela. Não pode ser feita
uma divisão da juventude em “criminosos” e “não criminosos”, segundo
estes resultados. As constatações também mostram que a qualidade de
“criminoso” não é intrínseca ao próprio comportamento, mas apenas o
resultado de processos de seleção e de valoração do Sistema de Justiça
Criminal, que podem atingir, no fundo, qualquer adolescente (compare
acima § 3 B III/IV). Delitos graves, na verdade, também na cifra negra,
são raramente encontrados.
Somente uma parte dos delitos cometidos por adolescentes chega
ao conhecimento da Polícia, por causa das muito diferentes posições
de interesse dos lesados e da seletivamente empregada capacidade de
investigação (limitada) da Polícia. Assim, por exemplo, algumas cidades
(Bielefeld, compare Voss, 1989, 42) dão-se completamente bem no domínio
da utilização de transporte sem pagamento de passagem, sem acionar a
Justiça penal, na medida em que fazem uso exclusivo de meios jurídicos
civis. Outras cidades, por outro lado, indicam rotineiramente passageiros
sem passagem (compare Brusten/Hoppe, 1986, 58).
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 89

2. Pesquisas empíricas sobre prevenção geral

Uma pesquisa semelhante, com princípio metódico diferente e um


relativamente grande círculo de investigados, foi conduzida por Heinz
Schöch, em 1981/2 (1985, 1.081ss).

Realizou-se somente uma entrevista. Além de informações sobre comportamento


delituoso passado, deveriam os investigados oferecer uma autoavaliação de futuras
probabilidades de comissões. As seguintes hipóteses encontravam-se na base da
pesquisa:
• Quanto maior é avaliado o risco de descobrimento de um delito, tanto mais raro
é este delito cometido.
• Quanto mais rigorosa é percebida pelo interrogado a práxis de medição da pena
para um delito, tanto menor é a autoavaliada probabilidade de comissão futura.

Em uma primeira parte foram entrevistados 362 jovens adultos masculinos, na


idade de 18-21 anos, sobre doze delitos e dois delitos aparentes. Igualmente, no
sentido de um controle de validade, foram investigados 82 jovens presos provisórios
e 96 jovens presos condenados definitivamente. Em seguida, em uma segunda parte,
com ajuda de um instituto de pesquisa de opinião, uma amostra representativa geral
de 2036 homens e mulheres, na idade de 14-82 anos, foi perguntada sobre quatro
delitos.
Em concordância com pesquisas até agora realizadas, também o estudo de Schöch
demonstrou que o risco de descobrimento tinha maior peso do que a gravidade da
pena. Além disso, pôde-se verificar que vinculações morais e o grau de distância
para certos delitos –mediados especialmente pelo círculo familiar e de conhecidos
– possuem maior relevância do que representações sobre riscos de descobrimento
ou riscos de punição. Estes últimos, também segundo a pesquisa de Schöch, não têm
nenhum significado estatístico demonstrável.

III. Conclusões

Acrescentando-se os conhecimentos de outras pesquisas sobre cifra


negra, (compare, sobre isto, abaixo § 12), então vale, em geral, que a
probabilidade de registro aumenta com a crescente gravidade do delito
(compare Kaiser, 1996, 361). Isto significa, ao mesmo tempo, que no
âmbito da criminalidade de bagatela e da criminalidade média, os efeitos
geral-preventivos de intimidação do Direito Penal fracassam amplamente.
Ao contrário, em delitos graves da criminalidade patrimonial, da
90 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

criminalidade de poder e da criminalidade de agressão, outros mecanismos


de eficácia, diferentes da dirigibilidade normativa, deveriam decidir.
Com outras palavras: furto de lojas e fraude de serviços, apesar das
conhecidas ameaças penais, são cometidos em massa, aqui o Direito
Penal fracassa como meio de controle. Os delitos violentos, de menor
ocorrência quantitativa em relação aos delitos de massa (compare, sobre
isto, Capítulo 13, abaixo), são cometidos apesar da alta ameaça penal e
dos elevados riscos de descobrimento e de persecução, pelo que mais a
socialização do ser humano, menos a intimidação jurídico-penal deveria
ser significativa para a generalizada não comissão: desejo de embriaguez,
agressividade e potenciais de destruição desenvolvem-se amplamente,
independente de determinações de cumprimento normativo postuladas
jurídico-penalmente.
Kunz supõe que a débil prova do efeito geral-preventivo de intimidação
do Direito Penal poderia irritar o operador do Direito Penal, tanto mais
que este pressupõe a fundamental utilidade preventiva do Direito Penal,
assim como outros grupos de profissões também estariam convencidos
da utilidade social de sua atividade. Neste ponto, tratar-se-ia antes de
uma deformação profissional. Do dever da práxis do Direito Penal para
aplicação das sanções legais disponíveis, não se segue – assim Kunz – a
adequação preventiva destas sanções (2001, 331s.).
A aplicação do Direito Penal orientada pela prevenção geral é, portanto,
uma técnica de decisão pragmaticamente dirigida. Neste caso, a vinculação
da lei e os supostos efeitos das consequências jurídicas são, em princípio,
aceitas (“dogmática”). A aplicação do Direito Penal não pode se apoiar
em uma confirmação pelas Ciências sociais empíricas. Depende, antes, de
dogmas de validade incondicional. Assemelha-se, com isto, ao método de
princípios teológicos, que também trabalham com dogmas de validade
incondicional (e na teologia moderna: a sua crítica). A área de trabalho
da escolástica medieval consistia exclusivamente nisto, integrar dogmas
no edifício de pensamento tradicional existente, elaborar diretrizes de
interpretação, delimitar o pensamento dominante em face da heresia e da
bruxaria. Metodologicamente, a teoria e a jurisprudência do Direito Penal
comportam-se de modo semelhante.
§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 91

C. Prevenção de integração

I. Inacessibilidade empírica

Se vermos a tarefa do Direito Penal em estabilizar, a longo prazo, a


confiança da população no Direito e nas normas sociais correspondentes
ao Direito, dispensam-se tentativas de iluminar empiricamente este
princípio. Tais colocações de fins são, na realidade, indemonstráveis,
sobretudo de um Direito Penal transbordante mal pode ser exigida
realização instrumental – em todo caso, não na plena extensão. Se leis
penais objetivam proteção apenas simbólica de bens jurídicos, então
se pode, do ponto de vista da prevenção de integração, em relação à
integração normativa, limitar a uma ancoração simbólica. Mas, com isto,
os fundamentos de Estado de Direito do Direito Penal são, em princípio,
colocados em questão. Situações de risco sócio-estruturais, que devem
ser protegidas e caracterizadas através do Direito Penal simbólico,
podem contar, também, em correspondência, somente com imposição e
realização simbólica. O empirismo científico-social é, com isto, mesmo
contraprodutivo, porque revelaria a inutilidade da aplicação simbólica
do Direito Penal.

II. Teoria sistêmica como fundamento de legitimação

Por meio do conceito de prevenção de integração foi realizada a


tentativa de novamente legitimar o sistema de Direito Penal. O novo
modo de fundamentação retoma a ideia de Luhmann, do Direito como
instrumento de estabilização do sistema social, de orientação da ação e
de institucionalização das expectativas (Luhmann, 1981, 115 s.; Günther,
1988, 324 s.). No ponto central está o conceito de confiança no sistema
como uma forma da integração social.

Através da institucionalização das expectativas de comportamento – assim Luhmann


– o Direito assumiria a função de assegurar a necessária confiança em um sistema
social complexo. Assim, poderia o Direito também garantir o necessário grau de
orientação de ação e de estabilização de expectativas (Luhmann, 1981, 113 s.). A lesão
da norma não é vista tanto como disfuncional socialmente por causa da lesão material
92 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

de determinados interesses ou bens jurídicos, mas por causa do questionamento


simbólico da norma, como uma orientação geral de ação (Müller-Tuckfeld, 1998,
145 s.). Um tal questionamento das normas poderia abalar a confiança dos membros
da sociedade no sistema (em resumo, Baratta, 1984, 193).

A pena persegue, deste ponto de vista, portanto, somente o


restabelecimento da confiança e a consolidação da fidelidade jurídica,
sobretudo dos membros da sociedade não compreendidos como puníveis:
com isto, o violador do Direito fica num plano secundário. Ambos os
baluartes construídos pelo pensamento do Direito Penal liberal para
limitação da pretensão punitiva estatal em relação ao indivíduo, a saber,
o princípio do fato punível como lesão da liberdade e o conceito de
culpabilidade como limitação da responsabilidade e da medida penal
são, com isto, abandonados (assim também Baratta, 1984, 135). Ao
mesmo tempo, está em relação com isto, que o objetivo do Direito Penal se
desloca, da proteção de interesses individuais de vítimas potenciais para a
proteção de complexos funcionais, que são autênticas tarefas da atividade
de administração estatal. Isto significa que o Direito Penal, em vez de bens
jurídicos, agora deve proteger funções (Baratta, 1984, 137).

III. Crítica imanente à teoria

Porque é difícil confirmar ou refutar esta teoria com métodos empíricos,


podem ser-lhe contrapostos apenas argumentos teórico-imanentes. O
sociólogo-criminal e penalista Alessandro Baratta os formulou claramente
(1984, 140 s.):
• Por um lado, não é de nenhum modo plausível, do ponto de vista
teórico-sistêmico, recorrer somente a reações penais tradicionais
como estabilizadores do sistema. Técnicas de estabilização do sistema
podem ser postas inteiramente à disposição, que representariam uma
radical alternativa ao sistema de Direito Penal, portanto, originárias de
referências de Direito Civil, de Direito Administrativo e de Direitos
Sociais, ou mesmo já das normas informais de socialização (compare
abaixo § 11).
• Conforme a perspectiva teórico-sistêmica, conflitos nas sociedades
complexas podem, perfeitamente, manifestar-se em lugares onde eles
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 93

não se formaram. A teoria da prevenção de integração reduz-se, todavia,


com sua reação penal, a uma reação orientada pelo sintoma, que ocorre
exclusivamente no lugar onde os conflitos se manifestam, e não no lugar
onde estes são produzidos. A teoria sistêmica, no sentido luhmanniano,
remete a soluções institucionais no local de surgimento dos conflitos,
pelo que reações jurídico-penais podem ser completamente supérfluas.
• Por último, o sistema teórico da prevenção de integração não considera
os efeitos negativos do sistema de Direito Penal, que podem suspender
os supostos efeitos positivos da integração social. São ignorados objeções
e argumentos, que mostram que o sistema de Direito Penal está ligado
com elevados custos sociais e consequências graves para a integração
social.

A teoria da prevenção de integração produz, portanto, um trabalho


de legitimação para tendências tecnocráticas de ampliação do Direito
Penal e de resposta a problemas sociais. A transferência da subjetividade
do ser humano para o sistema tem por consequência que, na teoria da
integração/prevenção, o ser humano não é a finalidade e o ponto central
do Direito, mas simples portador de funções jurídico-penais (Baratta,
1984, 144 e 2003, 210 s.). O ser humano é degradado a objeto da abstração
normativa e a instrumento de função social – uma crítica que Kant já
formulou claramente em 1785 (1991, 60 s.). A figura do bode expiatório,
conhecida da teoria penal psicanalítica, renasce claramente, ainda que
com outra intenção e na linguagem abstrata da teoria sistêmica. Baratta
indica, corretamente, que a teoria sistêmica “fixa a responsabilidade em
um sujeito, cuja subjetividade é, ao mesmo tempo, subtraída em favor do
sistema” (1984, 144).

§ 6. A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo

Literatura: Albrecht, P.-A., Prävention als problematische Zielbestimmung im


Kriminaljustizsystem, KritV 1986, 55 s.; Albrecht, P.-A., Das Strafrecht auf dem Weg vom
liberalen Rechtsstaat zum sozialen Interventionsstaat, KritV 1988, 182 s.; Albrecht, P.-A.,
Exekutivisches Recht, in: Albrecht, P.-A. (editor), Informalisierung des Rechts, 1990, 1 s.;
Albrecht, P.-A., Jugendstrafrecht, 3 ed., 2000; Albrecht, P.-A.; Braum, S., Defizite europäischer
Strafrechtsentwicklung, KritV 1998, 460 s.; Baltzer, U., Die Sicherung des gefährlichen
94 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Gewalttäters – eine Herausforderung an den Gesetzgeber, 2005; Baumann, Z., Schwache


Staaten, Globalisierung und die Spaltung der Weltgesellschaft, in: Beck, U. (editor), Kinder
der Freiheit, 3 ed., 1997, 315 s.; Beck, U., Risikogesellschaft, 2001; Beck, U., Gegengifte, Die
organisierte Unverantwortlichkeit, 1988; Braum, S., Erosionen der Menschenwürde – Auf
dem Weg zur Bundesfolterordnung (BFO)? – Anmerkungen zum Urteil des Landgerichts
Frankfurt am Main im “Fall Daschner”, KritV 2005, 283 s.; Brugger, W., Vom unbedingten
Verbot der Folter zum bedingten Recht auf Folter?, JZ 2000, 165 s.; Edelman, M., Politik
als Ritual, 1976; Erb, V., Nothilfe durch Folter, Jura 2005, 24 s.; Gusfield, J.R., Der Wandel
moralischer Bewertungen, in: Stallberg, F. W. (editor), Abweichung und Kriminalität,
1975, 167 s.; Habermas, J., Legitimationsprobleme im Spätkapitalismus, 1973; Hassemer,
W., Einführung in die Grundlagen des Strafrechts, 2 ed., 1990; HERDEGEN, in: Maunz;
Dürig; Herzog. GG., 42 ed., 2003, Art. 1 Rn. 45s.; Hirsch, F., Die sozialen Grenzen des
Wachstums, 1980; Jakobs, G., Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutverletzung, ZStW
97 (1985), 751 s.; Jakobs, G., Das Selbstverständnis der Strafrechtswissenschaft vor den
Herausforderungen der Gegenwart, in: Eser; Hassemer; Burkhardt (editores), Die deutsche
Strafwissenschaft vor der Jahrtausendwende, 2000, p.47 s.; Jakobs, G., Bürgerstrafrecht und
Feindstrafrecht, HRRS 2004, 88 s.; Jerouschek, G; Kölbel, R., Folter von Staats wegen?, JZ
2003, 613 s.; Kant, I., Akademie-Ausgabe, Vol. VI (Die Metaphysik der Sitten); Kaufmann,
F.-X., Herausforderungen des Wohlfartsstaates, 1997; Kreissl, R., Soziologie und soziale
Kontrolle, 1986; Kreissl, R., Die Krise der Theorie des Wohlfartsstaates, KritV 1987, 89 s.;
Ludwig-Mayerhofer, W., Das Strafrecht und seine administrative Rationalisierung, Kritik
der informalen Justiz, 1998; Macke, G., Die Dritte Gewalt als Beute der Exekutive, DriZ
1999, 481 s.; Michel, J., Crises of the welfare states, 1997; Narr, W.-D., Folter absolut relativ
– Das Fragwürdige am Daschner-Urteil, Bürgerrecht & Polizei, CILIP 80 (2005), 69 s.;
Neumann, U., in: Nomos Komentar zum Strafgesetzbuch, Vol II, 2 ed., 2005; O`Conner,
J., Die Finanzkrise des Saates, 1974; Offe, C., Berufsbildungsreform, 1975; Pawlik, M., §
14 Abs. 3 des Luftsicherheitsgesetzes – ein Tabubruch?, JZ 2004, 1045 s.; Preuss, U. K.,
Vorsicht Sicherheit, Merkur 1989, 487 s.; Schmitt, C., Politische Theologie, 1934; Schmitt, C.,
Begriff des Politischen, 1963; Schulz, C.; Wambach, M., Das gesellschaftssanitäre Projekt, in:
Wambach, M. (editor), Der Mensch als Risiko, 1983, 75 s.; Schumann, K.-F., Kriminologie
als Wissenschaft vom Strafrecht und seinen Alternativen, MschrKrim, 1987, 81 s.; Sinn, A.,
Tötung Unschuldiger auf Grund § 14 III Luftsicherheitsgesetz – rechtmässig?, NStZ 2004,
585 s.; Teubner, G., Verrechtlichung – Begriff, Merkmale, Grenzen, Auswege, in: Kübler, F.
et. al., Verrechtlichung von Wirtschaft, Arbeit und sozialer Solidarität, 1984; Tröndle, H.;
Fischer, T., Strafgesetzbuch und Nebengesetze, 52. ed., 2004; Voss, M., Strafe muss nicht sein,
in: Peters, H. (editor), Muss Strafe sein?, 1993, 135 s.

A. Da constante mudança das pretensões de controle jurídico-penal

A Criminologia não deixa o Direito Penal sem questionamento, também


em teoria do controle. De um ponto de vista da teoria do controle, que
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 95

toma empréstimos da Política, da Sociologia, da História do Direito, da


Filosofia Jurídica e da Teoria do Direito, deixam-se deduzir conhecimentos
científicos para a capacidade de controle do Direito. Mas pretensões de
controle dirigidas ao Direito Penal são explicitamente tematizadas somente
na moderna Teoria do Direito (compare, em visão panorâmica, § 10
abaixo).

I. Direito metafísico do soberano: Inquisição para fins de dominação

O arcaico direito metafísico do soberano, dirigido à retribuição


corporal, na época do pré-Iluminismo, destinava-se exclusivamente para
garantia de dominação do soberano absoluto. Esta pretensão de dominação
não correspondia a nenhuma elaborada teoria do controle, mas antes a uma
submissão, teologicamente legitimada, ao domínio mundano e espiritual.

II. Direito Penal clássico: repressivo-limitador

Somente o Direito Penal clássico, contemporâneo do Iluminismo europeu,


formulou um modelo jurídico de grandes pretensões, que – pelo menos
como tipo ideal – orientava-se pelo princípio de uma legalidade dirigida
pela razão (Immanuel Kant). Este Direito Penal do fato, compreendido
como absoluto, inscreveu como lema a estabilização e a validade absoluta
do Direito, para – orientado pela emancipação – substituir o poder do
soberano pelo poder do Direito. Com isto, era repressivo, mas delimitava,
ao mesmo tempo, a intervenção do Estado através dos limites do Direito.
A pretensão de controle do Direito Penal era, diante do pano de fundo da
teoria clássica do Direito Penal, ainda pequena. Se a sanção retributiva
é medida exclusivamente pela gravidade do fato, então não há nenhuma
necessidade de ciências empíricas esclarecedoras. Um espaço relevante de
decisão sobre características do autor não existe.

III. Escola moderna de Direito Penal: preventivo-configurador

Propostas de intervenção de uma Criminologia empiricamente operante


somente se tornam capazes de aplicação forense com o Direito Penal
96 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

orientado pelo fim. Agora, a teoria do Estado do distanciado Estado de


Direito liberal é substituída pelo modelo do onipresente Estado Social
intervencionista. A reorientação, que acompanha isto, de um absoluto
Direito Penal de reação (repressivo-limitador) modifica-se para um
instrumento de controle preventivo-configurador (compare Albrecht,
1988).

IV. Simbólico Direito Penal do risco: informalização

Esta mudança para uma operativa pretensão de controle configurador


da sociedade já se pode admitir como historicamente ultrapassada.
Na verdade, a Criminologia tradicional ainda vive da representação de
que o Direito Penal mudou, de uma orientação jurídico-normativa para
uma orientação científico-social empírica e, neste ponto, necessita de
indispensável conselho criminológico (compare § 7 B, abaixo). Todavia, com
isto é ignorado que, progressivamente, o interesse da Política por utilizável
conhecimento (científico) simbólico é avaliado de modo consideravelmente
superior à necessidade (menos significativa) de conhecimentos empíricos
utilizáveis sobre déficits de aplicação do Direito Penal. Com o retrocesso do
modelo do Estado de bem-estar são atribuídas pretensões simbólicas de
controle ao Direito Penal. Este atua como substituto para outros caminhos
políticos de solução na política comunitária. Com a função “simbólica” do
Direito é significada a produção de símbolos, de critérios de interpretação
e de modelos de solução aparentes, em relação aos problemas sociais.
O modelo jurídico-penal empiricamente não demonstrável da prevenção
de integração (compare § 5 C, acima) já substituiu amplamente, como
fundamento de legitimação, o modelo de prevenção de intervenção,
controlador da sociedade, do Estado do bem-estar. Em face do contexto
de crises sociais, isto é demonstrável. Estas crises econômicas, ecológicas,
sociais e culturais não podem mais ser enfrentadas adequadamente com as
formas de intervenção jurídico-penais tradicionais e com as correspondentes
fundamentações teórico-penais.
A prevenção de integração incidente sobre esta lacuna tem em vista,
primariamente, a consciência da coletividade estabilizadora da norma.
A rigorosa referência sistêmica é promovida, de modo suficiente, por
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 97

legislação simbólica. O resultado é, sem dúvida, uma informalização do


Direito, isto é, um conceito de Direito difuso, sem conteúdo, conduz,
progressivamente, no quadro do simbólico Direito Penal do risco, à
aplicação arbitrária do Direito.

V. Direito Penal pós-preventivo: segurança acima da liberdade

No quadro dos desenvolvimentos globais do Direito após o 11 de


setembro de 2001, desenha-se uma mudança ainda mais radical. A
orientação de segurança global produz um Direito Penal de segurança
pós-preventivo, que se precipita, finalmente, em intervenções de
segurança independentes de suspeita, que substituem o Direito Penal. Em
sua forma ideal-típica, tais orientações de segurança conduzem mesmo a
uma militarização da segurança interna. A predominância da segurança
diante da liberdade – que garante a dominação global – exige sacrifícios
especiais de todos, como dever geral do cidadão. Na orientação por puras
medidas de segurança ocorre a negação e, finalmente, a aniquilação do
Direito.

B. Direito Penal preventivo: a mudança do controle social repressivo-


limitador para o controle social preventivo-configurador

Nas seguintes seções B, C e D, estas etapas de mudanças históricas – de


forma alguma separáveis – devem ser reconstruídas em suas formas típicas
singulares.

I. Cientificização da prevenção criminal

1. Elevação da eficiência do Direito Penal

O programa político de uma prevenção criminal, direcionada para o


princípio de otimização da intervenção, era e é dependente, em medida
especial, de ciências empíricas. Neste caso, conhecimentos criminológicos
e resultados de pesquisa podem ser empregados, essencialmente, para duas
finalidades:
98 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

• para aperfeiçoamento estratégico das intervenções ao nível da ação das


instâncias de controle (aspecto instrumental), e
• para justificação geral ao nível da demonstração política (aspecto de
legitimação).

Trata-se, enfim, de configurar mais efetivamente, segundo critérios


científicos, o sistema de controle social geral, informal e formal. Com isto,
existe, contudo, o perigo de que esta elevação de eficiência seja confundida
com progresso sócio-político.

2. Os perigos para o Estado de Direito

Os perigos – assim é temido – para o Estado constitucional de


liberdades democráticas são praticamente impossíveis de serem ignorados,
quando o Estado de intervenção, aparente na roupagem do Estado de
bem-estar, dispõe-se a “desmontar a existência tradicional dos direitos de
liberdade dos cidadãos, no âmbito do controle social. Uma vez descoberto,
pelos práticos do projeto sanitário-comunitário, o espaço social, o ‘mundo
da vida’ como local onde eles pressupõem o nascimento da criminalidade,
então, a longo prazo, presumivelmente, nada mais salva este espaço de
sua intervenção” (Kreissl, 1986, 1). Estes temores, justificados desde o
princípio, na verdade caem progressivamente no vazio, nas crises estruturais
do Estado do bem-estar, o que, considerando a pretensão universal de
atuação do Estado de intervenção e do Estado de bem-estar deveria, antes,
ser tranquilizador.

II. A perspectiva teórica de controle do Estado de prevenção

No moderno Estado de intervenção deixa-se detectar, tendencial e


concretamente, uma mudança do modelo de controle repressivo-limitador
para o modelo de controle preventivo-configurador. Este processo era e
é, em substância, redutível a específicas tendências de crises das sociedades
industriais desenvolvidas, que se deixam diagnosticar nas três áreas centrais
da economia, da ecologia e da cultura (Albrecht, 1986, 58 s.).
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 99

1. Tendências de crise por pretensões político-sociais irrealizáveis

As modernas sociedades industriais tendem a ameaçar fortemente ou,


mesmo, a destruir amplamente seus fundamentos materiais, ecológicos,
sociais e simbólicos. As tendências de crises emergentes são a consequência
de exigências contraditórias, que o ‘Estado moderno’ precisa satisfazer
(compare O’Conner, 1974). Nas crescentes lacunas funcionais do mercado
deve o Estado intervencionista, cada vez mais, intervir. O sistema
administrativo precisa, crescentemente, assumir responsabilidade pelo
desenvolvimento da força produtiva do trabalho humano, mediante
instrução, reeducação etc. Precisa, além disso, responsabilizar-se pela
remissão dos custos sociais e materiais da produção privada: amparo aos
desempregados, bem estar, danos ambientais etc. (compare Habermas,
1973).
Neste desenvolvimento reflete-se, ao mesmo tempo, uma profunda
mudança na estrutura social, que não é mais somente diferenciada conforme
camadas, mas conforme centro e periferia (compare Hirsch, 1980).
Como mostra, inconfundivelmente, o desenvolvimento da estatística do
desemprego, cresce a parcela daqueles que são excluídos, irrevogavelmente,
da vida de trabalho produtivo: desemprego em regiões de frágil estrutura,
desemprego de trabalhadores mais idosos, de adolescentes estrangeiros etc.
Em geral, vê-se o Estado confrontado com uma série de expectativas e
exigências, que ele não consegue satisfazer, ou seja, às quais ele não consegue
reagir adequadamente. Para isto, faltam-lhe os meios políticos, ou falta-lhe
a coragem política para pôr em ação políticas estruturais adequadas. As
frustrações resultantes desta discrepância conduzem a polarizações políticas
que, por sua vez, produzem uma posterior elevação das reivindicações
políticas (compare Kreissl, 1987, 98 s.).

2. Controle estatal compensa a demolição da disciplina informal

Este processo de erosão social, que fazia crescentemente necessária


a intervenção estatal, conduziu necessariamente, não somente por
causa do impulso de juridicização sócio-estatal (Teubner, 1984), a uma
elevada necessidade de controle do Estado intervencionista. Formou-se
100 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

um potencial de pessoas para serem controladas – porque excluídas do


mercado de trabalho disciplinador –, que precisam ser submetidas a um
controle reforçado. Sobre a extensão e a envergadura de um rearmamento
preventivo, como reação a antecipadas crises de controle, não existia e
ainda não existe nenhuma pesquisa confiável. Era clara a tendência,
contudo, de que cada vez mais áreas caíssem na esfera de influência do
controle estatal organizado. Com isto, foi promovida uma reorientação
do controle repressivo para o controle preventivo, não por último, porque
puras reações repressivas – já pelas despesas – quase não tinham chance de
realização. Na verdade, os controladores aparelhos de segurança eram, desde
sempre, indispensáveis para a ordem e o funcionamento do Estado de bem-
estar. Mas a nova qualidade, que agora era evidente, consistia nisto, “que
a política da segurança interna não compreende mais somente a utilização
de aparelhos de sanções repressivas, mas se transforma em política social,
da qual são esperados efeitos saneadores e preventivos” (Schulz/Wambach,
1983, 76s.). Ao mesmo tempo, transforma-se o instrumentário repressivo
do Sistema de Justiça Criminal de modo relevante. Tornou-se claramente
visível uma expansão da pretensão de controle jurídico-penal mediante
prevenção.

3. Orientação preventiva no Sistema de Justiça Criminal

A otimização da segurança estatal de uma “nova” estratégia de


prevenção não era de se demonstrar somente no campo (clássico) do
Direito Penal material, mas se estendia também para a Polícia, o Processo
Penal e a Execução Penal, como componentes integrais do Sistema de
Justiça Criminal. Para todos os três subsistemas pôde ser indicado um
rearmamento preventivo, que se deixa detalhar – ainda, conforme a
pretensão – ao nível do sistema, ao nível da organização e ao nível de ação
do Sistema de Justiça Criminal (compare Albrecht, 1986, 60 s.).
Ao nível do sistema, o pensamento de prevenção serve, como de
costume, de abrangente fundamento de legitimação para a ampliação
da pretensão de controle jurídico-penal (por exemplo, antecipação dos
poderes de intervenção na área da Polícia). Ao nível da organização pode
ser demonstrada, como função principal de prevenção, a tentativa de uma
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 101

elevação da eficiência instrumental do Sistema de Justiça Criminal (por


exemplo, intervenção-diversion no Direito Penal da Juventude, compare
Albrecht, 2000, 23 s.). Ao nível da ação constata-se, na realização de
estratégias preventivas, um questionável esforço de harmonização e,
vinculado a isso, uma lenta perda de autonomia da clientela (por exemplo,
pretensão de conciliação dos programas de compensação autor-vítima,
compare Albrecht, 2000, 184 s.).

III. Sobre o fim do Estado de bem-estar

A crise do Estado de bem-estar não é, simplesmente, uma “crise fiscal”, ela


é mais profunda: sociologicamente significativa é a crise de legitimação do
Estado de bem-estar, a perda da crença no projeto do Estado de bem-estar,
a perda da crença na configurabilidade e governabilidade da sociedade,
em que o tema do controle jurídico-penal abandona progressivamente a
crença na possibilidade e efetividade de intervenções relacionadas a pessoas
(assim Ludwig-Mayerhofer, 1998, 244).

1. O desenvolvimento

O Estado de bem-estar não foi apenas uma invenção do pós-guerra.


Já começou no século 18, como projeto de pacificação e integração da
sociedade, através das primeiras medidas político-sociais. Contudo,
somente no período posterior à Segunda Guerra mundial, uma etapa
de expansão do Estado de bem-estar foi alcançada, que foi designada
por Franz-Xaver Kaufmann como “legitimada extensão programática do
segmento do Estado de bem-estar” (Kaufmann, 1997, 25). Esta evolução
estava ligada a uma época de euforia de planejamento de curto-prazo do
desenvolvimento socialmente dirigido da comunidade, que arrefeceu,
todavia, em poucos anos e, com o fim do crescimento, a partir de 1975,
reduziu-se progressivamente. Após o ponto culminante do ano de 1982
(as recessões dos anos 1981 e 1982 estavam no passado) registra-se, na
República Federal da Alemanha, um contínuo retrocesso das quotas do
Estado. Nisto já é visto “o fim da era de crescimento do Estado de bem-
estar” (compare Ludwig-Mayerhofer, 1998, 62 s.).
102 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

O período de um inequívoco desenvolvimento expansivo de um Estado


de bem-estar intervencionista, com a pretensão de um abrangente controle
da sociedade, foi evidentemente uma fase muito curta na República
Federal da Alemanha. Mesmo assim, em relação à crise do Estado de bem-
estar (compare Michel, 1997), não se trata de uma crise de sua relação de
controle, mas, ao contrário, de uma crise de controle na área de ação do
Estado de bem-estar. Os déficits exprimem-se, sobretudo, no seguinte,
que as consequências reais do desenvolvimento econômico em situação
de crise (desemprego, necessidade de auxílio social, carência de moradia)
não podem mais ser apropriadamente atenuadas ou compensadas sócio-
politicamente. O potencial de controle produzido pelas normas legais,
no correspondente contexto de intervenção social, não se enfraquece com
isto. Antes, deveria ainda se fortalecer, porque perante a “crise financeira
do Estado” (O’ Connor, 1974), a extensão dos benefícios de transferência
e dos investimentos sociais estatais está subordinada a maiores restrições e,
neste ponto, torna necessárias seleções mais radicais.

2. Consequências para o Sistema de Justiça Criminal

Seria ingênuo estabelecer uma relação imediata entre expansão e


estagnação do Estado de bem-estar, de um lado, e as reações do Sistema de
Justiça Criminal, de outro lado. São de diferenciar, por um lado, discursos
no debate jurídico-científico e político-criminal, passos normativos no
interior da legislação e ação concreta das pessoas no interior do Sistema
de Justiça Criminal. Uma análise, nem mesmo de perto exaustiva desta
estrutura de mediação, até agora não existe.
Não obstante, é de se registrar uma forte reorientação nos mencionados
níveis da Política, da Legislação e dos agentes do Sistema de Justiça Criminal.
Verbalmente, a Política sente-se, ainda, vinculada ao pensamento de
prevenção, entretanto, os déficits instrumentais na imposição de normas do
Direito Penal são generalizados. A legislação procura atribuir ao Executivo
os déficits de imposição de normas, mediante a construção de cláusulas
gerais. Promete-se, aqui, uma regulação da carga de trabalho judicial
sem atenção pública. Vendida como prevenção, segundo a pretensão,
na realização praticada como pura racionalização administrativa: deste
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 103

modo, pode-se claramente comprovar a atuação da Polícia, do Ministério


Público e da Justiça (compare, além disto, em detalhe, abaixo, Segunda
Parte). Sem vinculação com as características do caso individual, dos
pressupostos pessoais e possibilidades de solução individual de conflitos,
o Sistema de Justiça Criminal orienta-se, no processamento de grande
número de casos, por rotinas burocráticas. Padrões de Estado de Direito
são progressivamente negligenciados, o Sistema de Justiça Criminal não
pode satisfazer, nem em rudimentos, reivindicações de tarefas preventivas
colocadas de dentro e de fora. Os responsáveis por Política criminal,
legislação e Sistema de Justiça Criminal indicam a carência de recursos
pessoais e materiais, as crescentes exigências sobre o sistema e o progressivo
insucesso de sua atuação. A “crise do Estado de bem-estar” conduziu, assim,
necessariamente, à redução da euforia preventiva, que ainda caracterizava
a Política criminal das décadas de 1970 e 1980.

C. O simbólico Direito Penal do risco: a funcionalização do Direito


Penal como meio de Política simbólica

O zênite de uma universal pretensão de controle do comportamento
individual por meio do Direito Penal, com o (precoce) fim da utopia do
duradouro Estado de bem-estar, já tinha sido ultrapassado. A sociedade
de risco em formação (Beck, 2001) permite transparecer, paralelamente,
apenas ainda um simbólico Direito Penal do risco. A pretensão de controle
muda de uma intervenção real para uma intervenção somente simbólica.

I. Crescente necessidade de controle

A função de proteção jurídico-penal é confrontada, em sociedades de risco


altamente desenvolvidas, especialmente com dois aspectos problemáticos:
• No lugar de bens jurídicos individuais e de sua ameaça por atuante
autor culpável, comparecem multiplicadas necessidades de proteção
coletiva, que são ameaçadas por ações organizadas (criminalidade
ambiental, econômica, de drogas).
104 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

• A proteção jurídico-penal de bens jurídicos, vinculada a pressupostos


de intervenção nacionais, está defronte a uma situação de perigo
internacionalmente produzida (genocídio, terrorismo, destruição
ambiental).

Ambos aspectos do problema são invocados, nas atuais reformas do


Direito, como fundamentação para uma “desformalização” das normas do
Direito Penal: para as tendências
• de delito de lesão para delito de perigo
• da causalidade para imputação
• da estrita vinculação legal para incontrolável discrição.

Esta redução da limitação de Estado de Direito do poder penal


produz a abertura de espaços de intervenção funcionais do Estado moderno
(compare Albrecht, 1986, 55 s.).

II. Problemas de controle na perspectiva teórico-social

1. Problemas de controle através de segmentos sociais emancipados

Sociedades industriais altamente desenvolvidas estão diante de especiais


problemas de controle. A crescente divisão da sociedade em esferas de
funções produz subsistemas sociais altamente variáveis, como a Economia,
a Educação, a Ciência, o Sistema de Saúde, a Administração ou a Política.
Estes subsistemas são, por sua vez, novamente permeados por poderosas
grandes organizações: sindicatos, associações de empregadores, grandes
bancos, universidades, caixas de previdência ou partidos políticos. Os
subsistemas sociais subordinam-se, respectivamente, a critérios próprios
de ação racional e adequada. Apesar das recíprocas dependências, que
existem, por exemplo, entre Economia e Política, entre indústria da saúde
e assistência à saúde pública (caixas de previdência), estes subsistemas
manifestam-se como ‘egocêntricos’. Eles ignoram os interesses de outros
(subsistemas) e seus efeitos conjuntos sobre a sociedade geral. Do
isolamento e da unilateral orientação de interesses dos subsistemas
sociais, nascem massivos problemas de controle para as coordenadoras
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 105

intervenções do Estado central, orientadas ao “bem comum”. O


corporativismo de manifestos grupos de interesse no Estado moderno deixa
perderem-se na areia as intenções de controle de representantes do povo
democraticamente legitimados. O Estado de Direito democraticamente
constituído encontra-se numa crítica retirada (compare, sobre isto, em
detalhes Ludwig-Mayerhofer, 1998, 264 s.). Muitos denominam isto, de
forma eufemística, como necessária privatização de áreas de configuração
estatal e do Direito.

2. Problemas de controle por integração da sociedade global

A engrenagem internacional, que resulta da dinâmica própria da


Economia, da Ciência ou da Política, multiplica, finalmente, os problemas
de controle do Direito, amplamente vinculado aos limites da soberania
nacional. Controle por meio do Direito ocorre principalmente nos limites
territoriais da legislação e do monopólio do poder. Enquanto a Política
é orientada pelo equilíbrio de poder no interior do Estado e o Direito é
feito valer no Estado nacional, os subsistemas sociais, como Economia,
Ciência ou Técnica indicam áreas globais de atividade e de intercâmbio. A
internacionalidade torna-se diretamente em critério de trabalho de eficaz
perseguição de interesses. Problemas locais emergentes possuem globais
relações condicionantes (meio-ambiente, paz) e são dominados somente
com ajuda de estratégias globais coordenadas.
Ao lado disso, no quadro de uma sociedade global, surgem
situações problemáticas específicas, que se relacionam, por exemplo,
com os diferentes níveis de desenvolvimento dos Estados nacionais, com
superpopulação ou com a ausência de formulações políticas supraestatais
e de entidades capazes de ação. Sobretudo, formas expressivas do poder
estatal e do terrorismo ameaçam a paz mundial, na maioria condicionadas
por situações de conflito macroeconômicas e interculturais. Os problemas
enraizados na sociedade global, por isso, quase não seriam de regular
com os meios da Política e da representação de interesses vinculados
territorialmente, assim como com o Direito nacionalmente orientado
(compare Albrecht/Braum, 1998, bem como Bauman, 1997, 320 s.).
106 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

III. Reduzidas possibilidades de controle do Direito Penal

Ao crescimento de bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal e


à expansão das pretensões de controle jurídico-penal contrapõem-se
crescentes dúvidas científicas sobre a adequação do Direito Penal da culpa
para o controle de complexas situações sociais problemáticas. Além dos
resultados empíricos, que provam apenas pequenos efeitos orientadores de
ação do Direito Penal, no sentido de prevenção especial como geral (compare
§ 5 A e B, acima), é pressuposto que, tendencialmente, as consequências
de ações organizadas se subtraem às regras válidas de imputação jurídico-
penal, como causalidade, culpabilidade e responsabilidade. É evidente que
a persecução penal tenta se ajustar ao novo terreno, do ponto de vista
jurídico-material, assim como jurídico-processual e jurídico-policial
(compare Albrecht, 1990, 7 s.). Esta extensão, politicamente acionada, das
pretensões de controle jurídico-penal, no caso de fundadas dúvidas sobre a
capacidade de controle instrumental do Direito Penal, é prova inequívoca
para a funcionalização do Direito Penal como instrumento de política
simbólica, ameaçadora do Estado de Direito.

IV. O valor de uso político do Direito Penal

1. Particularização da imposição do Direito

No subsistema social da Política, a positivação do Direito Penal e a


aplicação do Direito Penal – como programas políticos gerais – são medidas
menos pelos efeitos de controle instrumentais, mas antes pelo valor de uso
político. Lealdades de grandes e heterogêneas camadas de eleitores devem
ser garantidas, posições de interesses sociais poderosos, frequentemente
conflitantes, devem ser considerados e equilibrados. A Política se vê, na
“sociedade de risco” (Beck, 2001), perante pretensões sempre crescentes de
administração de crises e de defesa de perigos.
Graças à contínua multiplicação política de bens jurídicos protegidos
pelo Direito Penal e à vigilância jurídico-penal abrangente de prescrições
ordenatórias, é provável um déficit de execução da persecução penal, já por
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 107

limites pessoais e materiais da Justiça penal. A particularização da imposição


do Direito, que acompanha a febril criação do Direito Penal, é também,
contudo, um indício para funções simbólicas do Direito Penal. Efeitos
instrumentais, configuradores da sociedade, de normas do Direito Penal,
que depois de sua criação encontram, antes, reduzida aplicação no processo
penal, são de esperar apenas de modo condicional. Funções simbólicas do
Direito Penal, ao contrário, relacionam-se antes à preparação e à execução
de processos legislativos. Elas não são dependentes da imposição da norma
jurídica (Hassemer, 1990, 71s.).

2. Simbolismo

Por função “simbólica” do Direito é entendida a criação de símbolos


e de aparentes modelos de solução em face de problemas sociais. O
nascimento do Direito Penal econômico mostra que, com estas reformas,
também uma pública pressão de expectativa, em direção a um saneamento
ético da comunidade econômica, foi politicamente programada. Neste
ponto, funções simbólicas do Direito são inteiramente relevantes para
a ação, atuam na formação da consciência, produzem ou fortalecem
normas e ideais sociais (compare Gusfield, 1975, 168). Simultaneamente,
a extensão da persecução penal em relação aos delitos econômicos, por
exemplo, permanece relativamente pequena, como se pode perceber com
base nos novos tipos penais, mediante a 2a Lei de Combate à Criminalidade
Econômica (2. WiKG) de 1986 (compare § 30, 2, abaixo).

3. As políticas funções de uso em detalhes

Atos políticos apresentam, em geral, tanto um componente instrumental,


como também um componente simbólico (compare Edelman, 1976).
Não obstante, a Política se vira amplamente sem imposição de normas
sancionadoras, precisamente no âmbito do Direito Penal, porque mantém
suficientes funções simbólicas concretas, que estão vinculadas apenas
com a positivação do Direito Penal. Estas funções devem ser descritas em
pormenores, a seguir.
108 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

a) A rejeição de responsabilidade política mediante individualização de


situações sociais problemáticas
As reformas de criminalização, desde a década de 1970, na base das
quais situam-se manifestos problemas sociais, afetam os seguintes setores
de modo especial:
• criminalidade econômica e criminalidade ambiental (como efeito
social de uma otimização de interesses particulares de integrais âmbitos
de funções comunitárias),
• drogas e tráfico de seres humanos (como efeito de discrepâncias de
prosperidade da sociedade global),
• formas expressivas da criminalidade violenta e do terrorismo
(condicionadas por situações de conflitos sócio-econômicos ou
políticos), ou
• abuso genético ou abuso de embriões (por causa de riscos incalculáveis
de um economicamente impulsionado desenvolvimento científico e
técnico).

Em contrapartida, o modelo de imputação jurídico-penal é sustentado,


na práxis de aplicação ao caso concreto do Direito Penal, pela representação
da voluntária lesão da norma cometida por seres humanos singulares.
Enquanto que, para solução de problemas sociais é empregado
continuadamente, segundo a pretensão externa, o modelo da atribuição
de culpa individual, a situação problemática é, contudo:
• separada de sua história de formação – esta é reduzida ao registro
momentâneo do fato criminoso,
• separada de sua relação condicionante – esta é reduzida à situação de
motivação do autor,
• privada de uma intervenção político-estrutural (ou “economizada”,
conforme a posição do observador) – esta é substituída pelo efeito
informador do motivo da sanção (compare, além disto, em detalhes,
Voss, 1993).

A intervenção jurídico-penal produz um mecanismo de ofuscação


e encobrimento através do qual problemas sociais são personalizados.
Assim, ao mesmo tempo, eles escapam a uma atribuição política (compare
Schumann, 1987, 84). O conflito é deslocado sistematicamente para
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 109

cenários colaterais. Desvia-se do núcleo do problema. A escolha de


“ovelhas negras” purifica o rebanho: “cortes no secundário legitimam o
desenvolvimento principal” (Beck, 1988, 98).
A intervenção política no Direito Penal confere uma expressão concreta
e confiável às situações estruturais problemáticas no modelo do autor penal
e indica, com a ameaça de sanção penal, formas de intervenção usuais
no mundo do cotidiano. A positivação do Direito Penal produz, neste
ponto, não somente a normalização de problemas sociais. Reduz, ao
mesmo tempo, através de seu efeito de desvio, a aguda pressão política
de controle em face de âmbitos de funções sociais autônomas, como a
Economia ou a Ciência, por exemplo. Reformas político-estruturais, por
exemplo, na área do Direito Tributário, do Direito Social, do Direito do
Trabalho e do Direito Societário, podem ser postergadas, o que alivia a
Política. Enquanto a atividade penal-legislativa conduz a rápidos resultados
concretos e fixa efeitos políticos, intervenções político-estruturais – ou a
confissão da insolubilidade de um problema – podem ser deslocadas para
outros períodos eleitorais (Voss, 1993, 139).

b) Demonstração de capacidade de ação política


A redução de situações sociais problemáticas aos efeitos de desvio
normativo individual produz, ao mesmo tempo, a manipulação política
de problemas estruturais. O arsenal preventivo e interventor da influência
estatal no cidadão, aprovado e apresentado diariamente na mídia, agora está
à disposição como meio de solução do problema. Órgãos estatais de controle
fiscalizam a nova norma criada. Instâncias de investigação, Justiças penais
e instituições de execução da Justiça reagem à lesão da norma e previnem
desvio futuro. A universal promessa política de segurança (Edelman, 1976,
33; Preuss, 1989, 488) parece garantida, também em relação aos perigos do
desenvolvimento moderno, que perdem seu caráter anônimo-ameaçador
e sua alta variabilidade, quando são nomeados na conhecida figura do
“criminoso” e são como que suspensas (Voss, 1993, 139).

c) Proteção de valores sociais


Leis penais servem, ao lado de seus fins instrumentais, que muitas vezes,
já mediante a construção da norma, são enfraquecidos de propósito (por
110 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

exemplo, vinculação retroativa a decisões administrativas, no Direito


Penal ambiental), ao fortalecimento de valores e normas sociais. A
discussão política sobre a consideração dos interesses de grupos desemboca
regularmente na arena da legislação. Também o abstrato “interesse do
Estado em si mesmo” (Offe, 1975, 17) manifesta-se pelos caminhos da
atividade legislativa. Este interesse próprio é orientado pela diferença-
diretriz “governo/oposição” e explora a garantia de lealdades mediante
compromissos aparentemente neutros entre posições de interesses sociais.
Poder e influência são demonstrados na luta por legislação, decretos e
disposições. Reformas de criminalização, em todos os arraiais políticos,
são avaliadas como meio de fortalecimento simbólico de valores (Voss,
1993, 139).
Também os alternativos, outrora movimentos políticos antiestatais, que
primeiro mostraram pouca confiança no Estado e na Lei, contam hoje
entre os propagandistas do Direito Penal e os zelosos produtores de leis.
Assim, novas normas de Direito Penal são recomendadas de todos os lados
e, independente da própria posição nas relações de maioria parlamentar,
são encaminhadas ao meio legislativo ou publicitário.
Não somente a bem-sucedida positivação da norma jurídico-penal,
mas também a proposta de criminalização apresentada ao Parlamento
ou discutida fora do Parlamento, mostram quais valores sociais são
especialmente relevantes e, por isso, dignos de proteção. Ao mesmo tempo,
a criminalização assinala, no conceito do autor, conduta especialmente
reprovável – e grupos sociais com isto associados. Isto pode atingir,
conforme a escolha – embora com distintas perspectivas de resultado –, a
indústria química ou os ecologistas radicais (Voss, 1993, 140).

4. O rendimento político

O esboçado emprego político serve-se do Direito Penal como meio de


comunicação. Este meio permite transportar problemas e conflitos sociais
para um específico horizonte de percepção. O uso político do Direito
Penal não exige necessária punição ou exclusão simbólica como meio de
disciplina real. Nem mesmo a efetiva ampliação ou o agravamento das
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 111

leis estão ligados obrigatoriamente com o emprego do Direito Penal como


meio de comunicação política. O debate de criação de normas, colocado
no primeiro plano da lógica de valoração política, reclama apenas provas
de atividade exemplar da práxis legislativa e judicial-penal. Os graves
danos ao Estado de Direito causados através disto, permanecem, sem
dúvida, fora de consideração.
O emprego político do Direito Penal segue regras que não concordam
com aquelas do Direito. Uma nova criminalização, de intenção antes
declaratória, ou tornada inteiramente sem compromisso no terreno da
compensação de interesses, pode parecer como impraticável no sistema de
Direito. Pode, mesmo, provocar dúvidas do aplicador do Direito em relação
à praticabilidade da conformidade processual ou da controlabilidade de
Estado de Direito. Na lógica da comunicação política, uma tal reforma do
Direito Penal pode, contudo, ser festejada como sucesso, embora a práxis
de aplicação do Direito, em relação a semelhantes intervenções políticas,
reaja com déficits de execução (compare, em detalhes, Voss, 1993).

V. Resumo

O Direito Penal simbólico não necessita de nenhuma pesquisa de


resultado. Toma necessidades coletivas de proteção em referência global. Não
existe eficiência de aplicação. Basta a individualização de situações sociais
problemáticas em seletivos casos singulares, pelo que responsabilidade
política pode ser rejeitada, com eficácia, perante o público.
Na sombra do Direito Penal simbólico, o Sistema de Justiça Criminal
responde com racionalização administrativa (compare abaixo 2a Parte),
isto é, desatrela dos princípios jurídico-constitucionais de aplicação igual,
conforme à culpabilidade e, por isto, justa do Direito.
A Política funcionaliza o Direito Penal como meio de política simbólica.
O Direito Penal de intervenção orientado pela prevenção transforma-se
em Direito Penal simbólico, com elevado interesse de emprego político.
O dano de Estado de Direito é considerável, porque a aplicação do
Direito resulta desigual, seletiva e com lesão do princípio da culpabilidade
postulado pela Constituição.
112 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

D. Direito Penal pós-preventivo: o desenvolvimento do Direito Penal


do cidadão ao Direito Penal do inimigo

A invenção do simbólico Direito Penal do risco pela Política dos anos 90


do Século 20 não representa, contudo, a última fase de desenvolvimento
de uma erosão do Direito Penal do Estado de Direito. A fase do Direito
Penal pós-preventivo já foi alcançada: estamos no caminho para uma global
garantia de pretensões de dominação sem Direito. A pretensão de controle
do Direito (Penal) colapsa – com a consequência de uma global negação
ou destruição do Direito.

I. Do modelo de controle preventivo-configurador para a segurança


global sem Direito

Causas para quedas globais de controle do Direito são processos de


desintegração da sociedade global, que mal podem ser confrontados com
ajuda do controle jurídico. A globalização, em substância econômica, não
é, enfim, nenhum processo pacífico de integração de uma sociedade global,
em paz e prosperidade, mas expressão de tensões antagônicas de natureza
econômica, cultural e religiosa.
O desenvolvimento da humanidade até agora afirma somente uma
possibilidade para impedir catástrofes globais de posicionamentos de
domínio. A ilimitada dominação do Direito, para o que careceria de
um segmento de organização de domínio ilimitado das Nações Unidas,
é a única alternativa legítima para regulação de violentas pretensões de
domínio dos fortes contra os fracos.
Não se conseguindo reprimir e regular pelo Direito as correntes
antagônicas de macroconflitos interculturais, que também se pode designar
como guerra de concepções de mundo, de projetos de sociedades e de
religiões, elimina-se a própria humanidade. Neste momento, infelizmente,
o Direito se encontra em uma retirada global, cede lugar à dominação
ilimitada e encontra-se em parcial autodissolução. Isto vale especialmente
para o Direito Penal que, através do Direito Penal dos povos, precisamente
na “reforçada criminalidade do Estado”, estava num caminho cheio de
esperança. A criação do Tribunal Penal Internacional é um começo muito
promissor, que atualmente é contraditado pelo unilateralismo americano.
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 113

II. Da erosão do Direito à destruição do Direito

1. Otimização legislativa da segurança

As intervenções nos direitos civis de liberdade através das assim chamadas


“leis de combate ao terrorismo”, denominadas graciosamente como
“pacotes de segurança”, comprovam o perigo de que o Estado aumenta o
poder de seu instrumentário – às custas da liberdade. A ameaça global pelo
terrorismo internacional, o legislador alemão também quer enfrentar pelo
agravamento da lei. A Primeira (2001) e a Segunda (2002) Lei de Combate
ao Terrorismo modificaram quatorze leis. O terceiro pacote de leis está em
deliberação parlamentar. O cidadão, em favor de quem deve ser produzida
a segurança, somente pode adivinhar – se de todo possível – as nuanças
destas agravações e as sérias consequências com elas relacionadas para
um democrático Estado de Direito. Na massa dos rápidos agravamentos,
que se enfileiram rapidamente, manifesta-se um preocupante ímpeto do
Legislador de destruição do Estado do Direito, que permanece oculto sob
a retórica etiqueta de política interna: “liberdade pressupõe segurança”.
É preciso certificar-se destes detalhes mais de perto. São implantados ou
planejados:
• competências de intervenção do órgão federal criminal, independente
de suspeita;
• prisão preventiva de estrangeiros, que são classificados como risco de
segurança;
• suspeita de simpatia com extremistas como impedimento de entrada
ou fundamento de extradição, portanto, difamação de atitude como
fundamento de intervenção estatal;
• independente direito de informação da proteção constitucional perante
bancos, referente a contas e movimentações de contas de clientes de
banco, sem controle judicial;
• central de registros para contas e depósitos na instituição federal para
inspeção de prestações de serviços financeiros;
• screening de contas para criação de perfis de contas, pelo qual é possível
um controle quase ilimitado de espaços privados de liberdade.
114 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

No debate de segurança, que recebeu um novo impulso depois do 11


de setembro de 2001, a medida e a finalidade da ação do Estado foram
perdidas. A própria data é meio para o fim. A ideia de mais segurança
estatal já existia antes do 11 de setembro. A Política interna aproveitou
a oportunidade e vendeu o projeto político do Estado de segurança. O
Advogado Geral Federal Nehm registra isto sem rodeios e publicamente: se
ocorresse na Alemanha um atentado terrorista – assim, em uma cerimônia
da União dos Advogados Alemães (FAZ, de 21.05.2005) –, “viveríamos
uma histeria até agora sem precedentes. Então, gavetas serão abertas (...)”,
disse o Advogado Geral Federal, considerando novas leis. Se a Justiça se
recusa, a Política “explode na abertura”, no final acontecerá, talvez, um
“difuso tipo legal de conspiração”.

2. O processo de uma contínua erosão do Direito

a) Para legitimação do conceito de Direito Penal do inimigo


A decomposição do Direito Penal do Estado de Direito em um Direito
Penal do cidadão, de um lado, e um Direito Penal do inimigo, de outro
lado, é a contínua sombra do Direito Penal do Estado de Direito, que
sempre e de novo promove sua erosão. O cientista do Direito Günther
Jakobs descreveu este processo de erosão do Estado de Direito e designa isto
muito bem como perigosa “mistura de todo Direito Penal com pitadas do
Direito Penal do inimigo” (2004, 95; primeiro em 1985, depois em 2000).
A erosão do Direito Penal deixa-se ler dos esforços do Legislador alemão,
de sempre dar precedência a uma pretensa segurança diante da liberdade.
As Leis de Combate à Criminalidade Econômica (1976, 1986) foram, no
resultado, antes inúteis, se não contraprodutivas (compare § 32 VII, abaixo).
A Lei de Combate ao Terrorismo de 1986 positivou deslocamentos para
áreas antecedentes no âmbito das “estruturas” terroristas, a Lei de Combate
ao Comércio Ilegal de Drogas e Outras Formas de Aparição da Criminalidade
Organizada de 1992, conduziu à expansão do arsenal de persecução para a
chamada pequena interceptação telefônica e as investigações sigilosas.
Por fim, a Lei de Combate aos Delitos Sexuais e Outros Fatos Puníveis
Perigosos de 1998 levou à mudança da prognose científica sobre Política
criminal, ou seja, avaliação judicial da segurança, exemplarmente legível
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 115

na “eliminação de prazo” da custódia de segurança. A decadência,


agora quase insuperável, de princípios fundamentais do Estado de Direito,
é alcançada com a determinação posterior de custódia de segurança
(compare § 66b, CP e, sobre isto, a opinião divergente de três membros do
Segundo Senado do Tribunal Federal Constitucional, BverfGE 109, 244
s.). Tudo isto é uma expressão da erosão e da decadência dos parâmetros de
Estado de Direito do Direito Penal. Estes desenvolvimentos, que já no 50o
volume dos Estudos de Ciência Criminal de Frankfurt foram designados
como “situação impossível do Direito Penal” e, depois, como “extravios
da legislação penal” (volume 69), somente podem ser ainda descritos
com atributos como abusos, descuidos, agravamentos, desvirtuações e
destruições dos fundamentos do Estado de Direito.
Jakobs designa este processo de erosão do Direito, no Direito material e
processual, como caminho do Legislador para negar o status de cidadão ao
autor penal perigoso, e não tratá-lo como cidadão, mas “combatê-lo” como
“inimigo”. Legitimação para isto seria o direito do cidadão à segurança,
diante disso todo inimigo deveria pôr-se de joelhos, com isto também
não mais teria o direito a um tratamento jurídico-penal como pessoa. Tais
“não pessoas” não serão de tratar pelo Direito, “ao contrário, o inimigo é
excluído”. O processo de erosões do Direito Penal do Estado de Direito é
assim esboçado por Jakobs: “O Estado, de forma juridicamente ordenada,
suspende Direitos” (2004, 93).

b) Para deslegitimação do conceito de Direito Penal do inimigo


Esta análise pode, do ponto de vista técnico-legislativo – ou melhor,
positivista –, ser correta. Com certeza, a concordância com este
desenvolvimento, que Jakobs formula, é indefensável. A concordância
com a dicotomia entre inimigo e amigo não resolve o problema da erosão
do Estado de Direito, aquela agrava esta até um ponto insuportável. A
suspensão de Direitos fundamentais de modo juridicamente ordenado, ou
seja, de modo legal, conduz ao injusto legal. O conceito de Direito Penal
do inimigo quer legalizar este injusto e, com isto, retrocede a Teoria do
Direito para trás da posição que foi alcançada, após a queda de pervertidos
sistemas de Direito da era moderna. Deve-se dar uma clara recusa a este
caminho – também determinada jurídico-constitucionalmente.
116 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Este caminho de negação de direitos de determinados grupos de


pessoas, que o Legislador alemão trilha há muito tempo, de nenhum modo
é um fenômeno dos tempos recentes, de nenhum modo somente uma
reação aos cenários de violência terrorista, que juridicamente são de ser
perseguidos e sancionados, consequentemente, como delitos de homicídio
– por quem e onde quer que seja. O fenômeno da destruição do Direito é
um dilema de princípio no Estado de poderes divididos, que se caracteriza
sempre mais pela dominância do Executivo, sendo apenas penosamente
compensado por esforços do Judiciário em indicar limites contra esta
dominância. O Executivo utiliza, no moderno Estado constitucional,
amplamente o Direito Penal como instrumento de política interna, o
que, já em princípio, está errado. O Direito Penal não é instrumento de
controle social, todavia serve à Política como meio de comunicação para
elegibilidade: sem anuência ao forte Estado de segurança, nenhum partido
popular pode vencer eleições, assim como nenhum Presidente dos Estados
Unidos assume o cargo sem profissão de fé na pena de morte. A jurisdição
constitucional impõe limites, de moderados a equilibrados, de tempos em
tempos, contra intervenções de política interna. Na verdade, o Judiciário
já é caracterizado, por executivos de alto nível, como “presa do Executivo”
(Macke, 1999, 481 s.).

c) Filosofia do Iluminismo: nenhuma legitimação para a erosão do Direito


Sem dúvida, a dicotomia amigo-inimigo é pouco redutível a Hobbes e
de forma nenhuma a Kant, antes esta encontra suas transmitidas tentativas
teóricas modernas de justificação do Direito, no Direito Penal nacional-
socialista de um Carl Schmitt, para quem a guerra era o ponto culminante
da grande Política. Para Schmitt resulta “a guerra (...) da inimizade, pois
esta é a negação da qualidade do ser de um outro ser. Guerra é apenas a
realização extrema da inimizade” (1963, 33). A simpatia de Schmitt pelo
estado de exceção não conferia a precedência à liberdade, todavia preferia
o princípio puro da autoridade: “Soberano é quem decide sobre o estado
de exceção” (1934, 11). A teoria do Direito de Kant, em contrapartida, é
caracterizada pela fundamentação de um Estado de Direito sem exceções,
no qual cada sujeito se reencontra como cidadão, de forma livre e igual. Isto
vale precisamente para aquele que lesiona o Direito. Este não é excluído
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 117

de nenhum modo, mas sancionado com os meios do Direito, em rigoroso


modo formalizado. Se um consentimento posterior pode ser exigido de
um cidadão assim tratado, sobre isso, Kant, na verdade, não pergunta. Ele
se interessa, exclusivamente, pelo restabelecimento externo do Estado de
Direito, precisamente no interesse do Direito e de sua validade para todos.
Uma bipartição em esfera do Direito e esfera do não Direito, para Kant,
não existe.
O que Jakobs interpreta de Kant, para sua diferenciação de cidadão e
inimigo, em Kant vale somente para o estado de natureza, não para o
Estado de Direito. No Estado de Direito, que é dever alcançar, segundo
Kant, existe exclusivamente um Direito Penal do cidadão. Realmente,
pode existir, ao lado do Direito Penal do cidadão, o poder de aniquilação
de inimigos. Mas, em categorias kantianas, isto jamais seria Direito Penal.
A expressão Direito Penal do inimigo é um abuso do conceito “Direito”.
Existe somente Direito Penal, que corresponde aos direitos humanos,
guerra entre inimigos segundo regras jurídicas humanas, ou extermínio
ilegal do inimigo.

III. O valor de uso político do consumo da liberdade: estado de exceção


aceito de uma sociedade sem Direito

1. O retrocesso do Estado de Direito ao estado de natureza: o fim do


Iluminismo

Um Direito Penal europeu, que precisa encontrar sua legitimação no


consentimento do cidadão europeu, deve partir do princípio de validade
universal da dignidade do ser humano e, diante deste pano de fundo,
desenvolver-se em discussão democrática. O desenvolvimento do Direito
europeu não pode diferenciar entre pessoas submetidas ao Direito e
inimigos sem Direito. Isto seria – a argumentação de Jakobs confirma
isto – o retorno ao estado de natureza, que foi superado, precisamente,
pelos princípios do Direito fundados na Europa. Somente um espaço do
Direito pode existir para todos os cidadãos europeus. Na Europa vale, de
modo preponderante, e na Alemanha, de modo claro: nós não estamos em
guerra por motivo de decisões democráticas fundamentais, também não
118 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

necessitamos de nenhuma legislação de estado de emergência. A Europa


aposta no Direito dos povos sobre amplo consenso. O unilateralismo, uma
causa principal para guerras em outros lugares é, para a Europa, passado.
As vítimas, aqui, foram suficientes.
A superação da ilegalidade precisa ocorrer através do próprio Direito, e
não através de sua abolição para os chamados “inimigos”. O Direito precisa
– uma tarefa que sempre se coloca de novo – ser levado a tomar posição
em face da Política. Determinados princípios europeus de manifestação
de liberdade, também para o Legislador não são mais questionáveis. Isto
confirma, de modo impressionante, a garantia de perenidade do art. 79,
seção 3, da Constituição, pelo qual a proteção da dignidade e do Estado de
Direito não podem ser abolidos por nenhuma maioria política.

2. O consumo político de princípios jurídicos centrais no pós-preventivo


Estado de segurança (exemplos)

Acontecimentos terroristas ou fatos violentos sensacionais não


representam o fim de um Direito Penal do Estado de Direito, mas são uma
desafiadora prova de fogo para um Direito Penal dirigido por princípios,
que tem seus fundamentos históricos no Iluminismo europeu. Para isto, o
topos central é a dignidade da pessoa humana, que é princípio indivisível
e universal. A indivisibilidade da dignidade do ser humano é um princípio
de Direito global. Sobre isto existe consenso – quase indisponível – entre a
maioria dos Estados civilizados. O estado civilizatório de desenvolvimento
dos direitos humanos é, em todo caso, caracterizado pela aceitação de sua
universalidade em todo o mundo. No observável processo de erosão do
Direito, as regras do Direito são, contudo, modificadas, desde insidiosa até
abertamente, para que este possa, pretensamente, melhor proceder com
riscos (globais). Com isto, também princípios elementares do Direito são,
em seu núcleo, assaltados.

a) Renascimento das medidas jurídico-penais como instrumento preventivo de


política interna
A isto pertence, não por último, o renascimento político-criminal da
medida de prevenção, no contexto do Estado de segurança pós-preventivo.
Por meio de diferentes passos legislativos (§§ 66a e 66b, do CP) e de decisões
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 119

de jurisprudência (Tribunal Federal Constitucional 109, 133 s. e 190 s.),


inclusive das tentativas de legitimação de diretrizes orientadas pela prática
(Baltzer, 2005), o machado é metido nas raízes do Estado de Direito. A
periculosidade reconhecida posteriormente na execução penal deve ser
motivo para romper a coisa julgada formal e material, objetivando um
aparente ganho de segurança. Isto é uma completa ruptura com a tradição
até agora de Estado de Direito no Direito Penal alemão. Uma verificação
de periculosidade, de qualquer tipo que seja, fora da coisa julgada
material da determinação da decisão, não pode ser nenhum fundamento,
do ponto de vista jurídico-constitucional, para privação da liberdade.
Somente as possibilidades de conhecimento do Juiz do fato, após admissão
da denúncia, delimitam a legitimação jurídica para privação de liberdade.
Retrospectivamente, tudo é possível identificar, mas a legitimação exclusiva
do Juiz do fato para privação da liberdade não pode ser substituída por
nada no Estado de Direito, pois um ganho de conhecimento posterior às
custas de um [sujeito] validamente condenado contradiz, após a ocorrência
da coisa julgada material, o princípio da previsibilidade da pena (art. 103,
seção 2, da Constituição), bem como o princípio da proibição de uma
dupla punição (ne bis in idem, art. 103, seção 3, da Constituição). Somente
o § 362, do Código de Processo Penal permite exceções, precisamente
delimitadas pela Constituição, de ruptura da coisa julgada material, em
desfavor do primitivo acusado.

b) Debate sobre tortura, segurança aérea e dignidade da pessoa humana


Outros exemplos, atuais e destacados, para o consumo de princípios
jurídicos centrais, cuja validade, até agora, por nada e por ninguém foi
colocada em questão, são o debate jurídico-político sobre tortura e a
chamada Lei de Segurança Aérea sobre combate ao terror, na Alemanha,
que deve possibilitar a morte dolosa de inocentes, no quadro da ponderação
de bens.
Em diferentes cenários de terror (por exemplo, ticking bomb), a
inviolabilidade da dignidade da pessoa humana é, mediante ponderação,
posta em questão. Mesmo por juristas é ponderada a dignidade do
terrorista com a dignidade do cidadão inocente. Com isto, conclui-se
abertamente que, considerando situações globais de alto risco, a dignidade
120 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

da pessoa humana não é mesmo mais inteiramente inviolável, quando em


Política se trata do dever de agir, quase a qualquer preço, para evitação de
perigo global (e o perigo de destituição política). A erosão da dignidade
da pessoa humana reflete-se até mesmo nos mais recentes comentários à
Constituição (compare Herdegen, 2003, Art. 1o, número marginal 45s.;
semelhante, Brugger, 2000, 165 s.; ao contrário, claramente discordante,
NK-Neumann, § 34, número marginal 118; Tröndle/Fischer, preliminar ao
§ 32, número marginal 6; de forma crítica Narr, 2005, 69 s.). Entretanto,
o art. 1o, seção 1, oração 1, da Constituição, proíbe isto. O argumento
inflexível diz: absoluta proteção da dignidade!
Algo parecido oferece a discussão sobre a chamada Lei de Segurança
Aérea (Sinn, 2004, 585 s.; Pawlik, 2004, 1045 s.). É ignorado pelo próprio
Legislador, que a proteção da dignidade da pessoa humana proíbe a
qualquer Política o sacrifício de seres humanos em favor de outros seres
humanos, por mais que os processos de ponderação possam ter grande
importância quantitativa em um lado da balança (para fatos da vida, de
resto, nunca previsíveis). Assim como a medicina tem de se curvar diante
de quadros de doenças letais, a Política precisa aceitar o valor absoluto da
dignidade da pessoa humana, como instransponível limite de ação.

c) Univocidade da posição do Direito em favor da proteção da dignidade


À acrobática política do Direito, que tenta operar relativizando a
proibição da tortura e a dignidade da pessoa humana com ela vinculada,
é de se contrapor a univocidade da posição do Direito, que aqui deve
ser demonstrada, de forma modelar, pelo exemplo da tortura. O Tribunal
estadual em Frankfurt a. M. deduziu e decidiu, de forma convincente,
em processo de tortura contra o Chefe de Polícia representante, o valor
absoluto da proteção da dignidade do ser humano (NJW 2005, 692 s.).

aa) Posição internacional do Direito


A Alemanha está vinculada ao Direito Internacional. O art. 1° da
Convenção sobre Tortura da ONU, o art. 3° da Convenção Europeia de
Direitos Humanos (CEDH), assim como o art. 7° do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos impõem limites absolutos em relação a
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 121

qualquer relativização. Nenhuma circunstância, ainda a mais excepcional,


e também nenhum estado de necessidade pública, poderiam justificar a
tortura (art. 2°, seção 2, Convenção Contra a Tortura das Nações Unidas).
Também perante grandes perigos não se pode desviar disto (art. 15, seção
2, CEDH). A infração contra a proibição de tortura entra no catálogo
das lesões qualificadas dos direitos humanos, que acarretam uma aplicação
forçosa do Direito Penal dos povos.

bb) Posição nacional do Direito


Também não existem fundamentos jurídico-policiais de autorização,
em nenhum Estado federal alemão. Além disto, as dogmáticas das
justificações e das exculpações jurídico-penais também não são nenhum
acesso para a relativização da proibição de tortura. O Direito Penal
somente oferece legitimações nas relações jurídicas interpessoais entre
particulares. Proíbe-se qualquer irrefletida intervenção teórico-estatal e
jurídico-constitucional no Direito positivo de ajuda necessária. A ajuda
estatal necessária não pode nunca se pôr em contradição explícita a
uma proibição jurídico-pública. Da ajuda necessária também não
resulta nenhum direito de resistência para funcionários estatais contra
a ordem jurídica, com a qual eles estão comprometidos. Isto seria um
mediato desprezo do Direito Internacional através do Estado. O direito
de ajuda necessária amplia o espaço de liberdade do cidadão, quando
reação estatal formalizada não é esperada em tempo. Mas não permite
ao próprio Estado liberar-se, de modo pontual, da formalização de suas
competências de coerção. O Estado não deve e não pode, no exercício
de suas outrora fundadas competências coercitivas, retornar ao estado de
natureza, onde seu poder é incontrolado e exposto à suspeita do arbítrio
(compare, sobre isto, Braum, 2005, 283 s.).

cc) Tentativas pontuais de deslegitimação da dignidade do ser humano


na literatura jurídica.

No quadro de possíveis argumentações jurídico-penais dogmáticas,


ao nível do Direito positivo (Erb, 2005, 24 s.; Jerouschek/Kölbel, 2003, 613 s.),
são empreendidas poucas tentativas de legitimação da tortura. Já do ponto de
122 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

vista policial-prático, contudo, a tortura não pode ser nem meio adequado,
nem meio necessário para se conseguir uma declaração. Adequado não,
porque contradiz completamente os conhecimentos de psicologia do
interrogatório policial. Sob tortura qualquer “verdade” é fabricável. De
resto: quem, contudo, de modo fanático, opõe-se a declarações na Polícia,
deve também estar preparado para despedaçar-se fanaticamente sob a
tortura da Polícia. Necessário não, porque é incompatível com o ethos do
ofício de técnicas profissionais de questionamento e de interrogatório. O
moderno trabalho da Polícia e métodos de inquisição medievais do Estado
autoritário, em todo caso, excluem-se.
Como se permite legitimar a tortura, a partir de uma amostra de indício
para repúdio da coação (assim Prittwitz, no contexto de um parecer de
parte, citado na sentença do Tribunal estadual de Frankfurt a. M., NJW
2005, 694), permanece incompreensível, sobretudo porque o limite da
dignidade do ser humano, do art. 1o, seção 1, oração 1, da Constituição,
nem sequer é considerado nesta ponderação. O Tribunal estadual de
Frankfurt se contrapôs, de modo categórico e convincente, a todas estas
ponderações de fim-meio, pelo que este indescritível debate – em todo
caso, para a práxis da Polícia e do Direito Penal – está, por enquanto,
encerrado pela coisa julgada.

dd) Tortura, mesmo apenas em caso de exceção: terror do Estado


Em suma, resta insistir que o Direito Penal nacional não pode se
subtrair a seus compromissos jurídicos internacionais. Com isso, perderia
sua superioridade, que resulta da observância de princípios do Estado de
Direito perante a arbitrariedade do exercício de violência individual. A
justificada ruptura da proibição de tortura no caso particular desembocaria,
inegavelmente, no terror do Estado através da lei. Para ser efetivo, o
Direito Penal precisa de fundamentos transparentes, que são produtores de
confiança e que tornam seus mecanismos calculáveis e compreensíveis para
o cidadão. Tortura cria sempre um clima de medo, que também apanharia
a Polícia. Neste clima, seria destruído o Estado de Direito, que extrai sua
superioridade do limite insuperável do respeito da dignidade da pessoa
humana.
§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 123

3. Duas objeções contra a relativização dos direitos humanos

a) O arbítrio como argumento instrumental


Na relativização histórica documentada dos direitos humanos refletem-
se duas conhecidas objeções. O perigo da aplicação particular de direitos
humanos, pode-se, também, dizer isto de outra forma: a privação do direito
de pessoas, para defesa de supostos perigos para supostas maiorias, consiste
na discricionariedade de suas premissas e, com isto, em sua irrefreável
arbitrariedade: a referência à arbitrariedade é um argumento instrumental,
porque esta premissa parte, em princípio, da possível disponibilidade do
propriamente indisponível, o que é, em si, falso. A crítica instrumental
à perda de indisponibilidade é igualmente importante, porque mostra a
determinação da dignidade da pessoa humana dependente de maiorias e,
com isto, sua possibilidade de relativização como politicamente desejada e,
com isto, como perigosa e ilegítima. Limitações e contornos da dignidade
da pessoa humana suportados por maiorias e, com isto, a manifestação
de injusto produzido pelo Estado, vistos historicamente, são incontáveis:
inimigos do ser humano, inimigos da religião, inimigos da sociedade,
inimigos hereditários, inimigos de raça, tudo isto são manifestações de
lesões de direitos humanos produzidos por maiorias. Então, sempre que se
abandonou a universalidade do fundamento de validade, era isto o começo
do terror do Estado – como, por exemplo, o nacional-socialismo –, que
apenas podia se nivelar e deslegitimar por si mesmo.

b) Legitimações materiais
Além disto, existem inúmeras legitimações materiais para a validade
universal e absoluta dos direitos humanos: as religiões, as filosofias do
Iluminismo, programas políticos da humanidade orientada para a igualdade,
todas elas poder-se-ia invocar contra uma aplicação particular dos direitos
humanos. Para nós europeus, especialmente para nós alemães, a lição
da história europeia de cegueiras nacionalistas é a advertência principal
para, a qualquer preço, perseverar na validade universal de um Direito
fundado na dignidade da pessoa humana. Isto não é nenhuma metafísica
do valor, mas uma categoria da liberdade deduzida da qualidade do
sujeito como cidadão. Pelo menos isto vale, desde Kant, como importante
124 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

conhecimento: “Liberdade (...) é este direito único, originário, pertencente


a todos os homens por força de sua humanidade” (AA VI, 237).
Por estas razões, o povo alemão declarou-se partidário “de invioláveis
e inalienáveis direitos humanos, como fundamento de toda sociedade
humana, da Paz e da Justiça no Mundo” (art. 1o, seção 2, da Constituição).
De resto: também este credo é indisponível, pois uma modificação da Lei
Fundamental, pela qual são afetados princípios estabelecidos no art. 1o da
Constituição, é inadmissível (art. 79, seção 3, da Constituição). Tudo o
mais seria, realmente, contrário à Constituição.

IV. A luta pelo Direito é sem alternativa

As etapas de desenvolvimento, esboçadas neste capítulo para análise da


pretensão de controle do Direito Penal, ilustram a tese de um continuum
da erosão do Direito, pelo menos do Direito Penal. São tendências,
impulsos, também sobreposições, que caracterizam o desenvolvimento do
Direito. Mas um Direito Penal do Estado de Direito não quer e não pode
se conformar com um fim do desenvolvimento. A aceitação, o cultivo e o
desenvolvimento de princípios centrais do Direito Penal precisa ser uma
preocupação nuclear de todos os interessados no Direito: do Legislador, do
aplicador do Direito, assim como de todos os professores e estudantes do
Direito. Somente o Direito pode acompanhar, controlando, a humanidade
no seu caminho de exigências e de pretensões globalizadas. É o único meio
que pode preparar o caminho de concorrentes projetos de sociedades, de
distribuição de recursos, de pluralidade de valores culturais e religiosos.
O processo de erosão do Direito precisa ser contido. O Direito precisa
colocar limites à dominação (compare, em detalhes, Capítulo 3, abaixo).

§ 7. Interesse de conhecimento e de pesquisa


de uma Criminologia autônoma

Literatura: Albrecht, P.-A., Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts, GA 1983, 193 s.;


Baumann, Z., Moderne und Ambivalenz – Das Ende der Eindeutigkeit, 1995; Beck, U./
Bonss, W., Verwissenschaftlichung onhe Aufklärung?, in: Beck, U./ Bonss, W. (editores),
Weder Sozialtechnologie noch Aufklärung?, 1989, 78 s.; Ehrlich, E., Recht auf Leben, 1967;
Frisch, W., Prognoseentscheidungen im Strafrecht, 1983; Giehring, H./ Schumann, K.F., Die
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 125

Zukunft der Sozialwissenschaften in der Ausbildung im Straf- und Strafverfahrensrecht,


in: Hassemer, W. et. al. (editor), Juristenausbildung zwischen Experiment und Tradition,
1986, 65 s.; Haffke, B., Strafrechtsdogmatik und Tiefenpsychologie, in: Jäger, H. (editor),
Kriminologie im Strafprozess, 1980, 65 s.; Hamm, R., Leitlinien für “Bagatellstrafsachen”,
KritV 1996, 325 s.; Hassemer, W., Sozialwissenschaftlich orientierte Rechtsanwendung
im Strafrecht, in: Hassemer, W. (editor), Sozialwissenschaften im Strafrecht, 1984, 1 s.;
Heim, N., Der forensisch-psychiatrische Sachverständige vor Gericht, in: Kaiser, G. et. al.
(editor), Kriminologische Forschung in den 80er Jahren, Vol. 35/1, 1988, 299 s.; Herzog, F.,
Gesellschaftliche Unsicherheit und staatliche Daseinsvorsorge, 1991; Jäger, H., Das Strafrecht
und psychoanalytische Theorie, in: Jäger, H. (editor), Kriminologie im Strafprozess, 1980, 47 s.;
Jäger, H., Subjektive Verbrechensmerkmale als Gegenstand psychologischer Wahrheitsfindung,
in: Jäger, H. (editor), Kriminologie im Strafprozess, 1980a, 173 s.; Jakobs, G., Der Kern der
Gesellschaft ist betroffen, KritV 1996, 320 s.; Kaiser, G., Kriminologie, 3 ed, 1996; Krauss,
D., Das Prinzip der materiellen Wahrheit im Strafprozess, in: Jäger, H (editor), Kriminologie
im Strafprozess, 1980, 65 s.; Kreissl, R., Vom Nachteil des Nutzens der Sozialwissenschaften
für das Strafrecht, Zeitschrift für Rechtssoziolgie 1998, 272 s.; Lautmann, R., Wie hermetisch
denkt die Strafrechtsdogmatik?, in: Lüdrsen, K./ Sack, F. (editor), Vom Nutzen und Nachteil
der Sozialwissenschaften für das Strafrecht, 2. Teilbd., 1980, 610 s.; Ludwig-Mayerhofer,
W., Das Strafrecht und seine administrative Rationalisierung, Kritik der informalen Justiz,
1998; Naucke, W., Die Sozialphilosophie des sozialwissenschaftlich orientierten Strafrechts,
in: Hassemer, W./ Lüderssen, K./ Naucke, W. (editor), Fortschritte im Strafrecht durch die
Sozialwissenschaften, 1983, 1 s.; Offe, C., Die kritische Funktion der Sozialwissenschaften,
in: Wissenschaftszentrum Berlin (editor), Interaktion von Wissenschaft und Politik, 1977,
321 s.; Opp, K.-D., Zur Anwendbarkeit der Soziologie im Strafprozess, in: Jäger, H. (editor),
Kriminologie im Strafprozess, 1980, 21 s.; Schwind, H.-D./ Berkhauer, F./ Steinhilper, G.
(editor), Präventive Kriminalpolitik, Beiträge zur ressortübergreifenden Kriminalprävention
aus Forschung, Praxis und Politik, 1980; Strasser, P., Sich beherrschen können, in: Lüderssen,
K./ Sack, F. (editores), Vom Nutzen und Nachteil der Sozialwissenschaften für das Strafrecht,
1. Teilbd., 1980, 143 s.; Weber, M., Wirtschaft und Gesellschaft, 1. Halbbd., 4 ed., 1956;
Wesslau, E., Vorfeldermittlungen, 1989; Zenz, G., Notwehr unter Ehegatten, in: Lüderssen,
K./ Sack, F. (editores), Vom Nutzen und Nachteil der Sozialwissenschaften für das Strafrecht,
1. Teilbd., 1980, 77s.

A. O penoso processo de cooperação de Sociologia e Direito

I. A relação de tensão: Criminologia tradicional (ciência auxiliar do Direito


Penal) versus Criminologia autônoma (Sociologia do Direito Penal)

Reflexões sobre fins e tarefas da Sociologia do Direito Penal, precisamente


no contexto da aplicação do Direito, pressupõem o esclarecimento da
relação do Direito e Sociologia. Mostrar-se-á que a relação de tensão
126 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

“Criminologia tradicional versus Criminologia autônoma” reaparece


nos conteúdos da Sociologia do Direito Penal, e que a tentativa de uma
harmonização da relação da aplicação do Direito (Penal) e Sociologia
deve permanecer uma tentativa inidônea. Os interesses de conhecimento
de uma Criminologia crítica (no sentido de uma Sociologia do Direito)
necessitam de desdobramento e de cuidado autônomos em face dos
interesses de fusão e de legitimação do Sistema de Justiça Criminal
aplicador do Direito.
Mas a insistência na separação de Direito Penal e Sociologia é, por outro
lado, somente um distanciamento aparente. Antes pode viver o Direito
sem a reflexão sobre sua aplicação (embora, então, pareça inexplicável e
cego), do que conseguiria a Sociologia deslocar o Direito: a Sociologia
perderia, mediante uma separação principiológica, seu objeto de reflexão.
A Sociologia do Direito (Penal) (e, com isto, Criminologia crítica) precisa
se compreender, perante esta dialética, como ciência de reflexão, como
esclarecimento sobre o Direito, seu nascimento e aplicação e, com isto, é
extremamente útil para o Direito (Penal) e sua aplicação.

II. Sociologia do Direito

Antes de serem descritos em detalhe os níveis de explicação e a função


de esclarecimento da Sociologia do Direito Penal, deve em primeiro lugar
ser tomada em consideração a relação, ou melhor dito: o penoso processo
de cooperação entre Direito e Sociologia.

1. Duas ciências: Direito e Sociologia

As orientações inteiramente opostas do Direito e da Sociologia


conduziram, na virada do século, ao estabelecimento de uma nova
disciplina científica: a Sociologia do Direito. Ela carrega duas ciências
no título, que nos últimos 100 anos tiveram suas dificuldades recíprocas.

a) Perspectiva dos juristas


Da perspectiva dos juristas, a Sociologia parece, às vezes, como supérflua,
ou seja, como desimportante para a teoria da aplicação do Direito. Esta
é dirigida para o seguinte, descobrir a construção conceitual e lógica do
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 127

pensamento do Direito legislado, relacionar as máximas de interpretação


aos casos concretos, identificar os casos precedentes respectivos. Por
outro lado, a Sociologia é vista pelos juristas como ameaçadora, como
protótipo de uma “ciência crítica” que pergunta, entre outras coisas, sobre
as possibilidades de desenvolvimento e de modificação da sociedade, o que
parece contradizer a pretensão de conservação (normativa) do Direito. Esta
perspectiva é ameaçadora na medida em que indaga sobre a relação entre
poder e ideologia, em que objetiva mudanças práticas da sociedade, com
base em uma utopia de uma sociedade racional e justa.

b) A perspectiva dos sociólogos


Da perspectiva da Sociologia, a ciência do Direito parece, às vezes,
como uma disciplina injustamente denominada como ciência. Eugen
Ehrlich (jurista, professor fundador da Sociologia do Direito na virada do
Século) formulou isto como segue: a Jurisprudência é um tipo de técnica,
ou seja, uma teoria da arte operacional para o aplicador do Direito, “no
fundo, apenas uma forma especialmente penetrante de publicação das
leis”. A ciência começaria somente lá, onde o Direito seria pesquisado
como fenômeno social, em seu nascimento e em suas funções e modos
de atuação (Ehrlich, 1967, 13). Da perspectiva da Sociologia, é referida a
diferença entre Direito legal e o conceito de Direito vivido (“Law in the
Books” versus “Law in Action”). Neste ponto, a ciência do Direito somente
se torna uma ciência (empírica) na configuração da Sociologia do Direito
(sobre as diferentes perspectivas, compare, também, Weber, 1956, 181 s.).

c) Réplica da ciência do Direito


A ciência do Direito tem por objeto científico o processo de
interpretação do Direito e de aplicação do Direito em sua forma racional e
metodicamente controlável. Neste ponto, a pretensão de “cientificidade” é
inequivocamente levantada.
Não obstante, permanece discutível em que medida interpretação do
Direito e aplicação do Direito são objetiváveis. Existe consenso nisto, que
as decisões não são tomadas com fundamento em valorações pessoais e
convicção subjetiva, no moderno Direito. Ao contrário, isto acontece no
quadro de uma comprovável atividade intersubjetiva, cientificamente
128 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

fundada. Logo critérios para cientificidade são: objetividade, racionalidade,


controlabilidade como fundamentos de toda atividade cientificamente
fundada.

2. Sobre a delimitação de ciência do Direito e Sociologia do Direito

Em lugar de definições abstratas, primeiro deve ser perguntado: como os


representantes destas disciplinas lidam com o fenômeno do crime?

a) As perspectivas do jurista
Uma ação é percebida como desviante da norma por um observador e esta
informação é levada aos órgãos de controle social. Tarefa das instituições da
Justiça, em primeiro lugar da Polícia e do Ministério Público, é a seguinte:
examinar se modelos de ação juridicamente fixados para responsabilidade
individual podem ser postos em consonância com os motivos do suspeito
do fato e o curso da ação. Além disso, deve-se pesquisar se as descrições
do tipo legal podem compreender a dada situação de fato, conforme as
regras da subsunção ensinadas pela ciência do Direito e – se for o caso –
mediante recurso aos casos precedentes.
Logo a ação precisa – e isto é objeto da formação dogmática no Direito
Penal – ser reconstruída como típica (por exemplo, classificável como furto
ou roubo), antijurídica (por exemplo, não em legítima defesa) e culpável
(por exemplo, não condicionada por doença psíquica).
Os critérios para o que é juridicamente relevante podem ser, neste
caso, para o leigo inteiramente surpreendentes: um torcedor de futebol
que capturou, mediante emprego do corpo, uma bandeira adversária, no
caso de uma denúncia pode ser surpreendido com isto, quão pequena é
a diferença entre furto e roubo – e que gravíssimas consequências isto
pode ter na medida penal. Do mesmo modo pode ser surpreendente, que
aquele que mata, intencionalmente, um outro ser humano, não precisa ser,
necessariamente, “assassino”.
A descrição da função social do jurista penal converge para o seguinte: ele
atribui à sua atividade uma função de manutenção da ordem, provocada
por um autorizado juízo de desvalor em face do comportamento desviante.
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 129

b) A perspectiva do sociólogo
Na Sociologia do controle social, ou na Sociologia do desvio, encontram-
se teses, em contrapartida, que remontam a um sistema de referência
totalmente diferente, e que podem atuar de modo não menos surpreendente
sobre o leigo, do que a avaliação jurídica de um comportamento desviante.
Tais teses são, por exemplo:
• Delinquência é normal, neste sentido: sob determinadas circunstâncias
ou em determinados setores da vida, a delinquência é uma ação usual,
muito difundida e consequente (assim, os resultados de observação
participante em subculturas delinquentes). A delinquência é aprendida,
sob restritas circunstâncias da vida aparece como meio útil para alcançar
valores sociais altamente valorizados (compare, § 3 B II, acima).
• Delinquência é funcional, é estabilizadora do sistema, conservadora
da sociedade. Como sancionada ruptura da norma, inverte-se o efeito
ameaçador da ordem. A ruptura da norma cria efeitos de solidariedade,
fortalece a conformidade. Somente a ruptura da norma torna a norma
visível. Mas a sanção pode atingir somente uma minoria, senão a norma
está perdida (compare § 12 VI, abaixo).
• Delinquência é produzida pela Polícia e pela Justiça penal, não pelos
delinquentes, ao contrário. Esta tese aponta para a relação jurídico-
sociológica de norma/aplicação da norma e observação da delinquência:
somente a autorizada imputação produz o significado social e as
consequências sociais da “delinquência”. Daí resulta, por exemplo:
pretendendo-se explicar a extensão da delinquência registrada de uma
sociedade, então se deve ocupar com a legislação penal e os programas
de ação, formais e informais, da persecução penal (compare § 3 B III e
IV, acima).

3. Resumo do processamento da delinquência por disciplinas específicas

a) “Jurisprudência”
O jurista considera, portanto, a conduta desviante com propósito
regulador e corretor. A justa prova da ação culpável e a intervenção
sancionadora devem garantir a ordem. Objeto da ciência do Direito e
da dogmática científica é a interpretação, classificação e sistematização
130 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

do Direito positivo, normativamente válido. Ciência do Direito e


dogmática
• objetivam a preparação das decisões jurídicas do Juiz, do Advogado,
do funcionário da administração,
• deduzem, de leis abstratamente formuladas, máximas de decisão para
o caso concreto, mediante operações de pensamento metodicamente
controladas,
• são técnicas de decisão pragmaticamente orientadas, pelas quais a
obrigatoriedade da lei é fundamentalmente assumida.

b) “Sociologia”
O sociólogo considera o comportamento desviante com o propósito de
explicar as causas ou de descrever os efeitos.
Pergunta-se:
• Como se explica o comportamento desviante?
• Quais consequências tem a delinquência descoberta?
• Quais são os pressupostos da observação social da delinquência?
Descreve-se:
• “Delinquência é funcional”,
• “Delinquência é criada pela Polícia e Justiça”.

c) Sociologia do Direito

aa) Questões de pesquisa


A Sociologia do Direito vincula as pretensões normativas do Direito
com a pretensão de aquisição de conhecimento e com as teorias da
Sociologia. A intervenção sociológica, analítica sobre o Direito, deve
conduzir a afirmações válidas sobre a interação da sociedade e Direito, em
que existem, em primeiro plano, dois interesses de conhecimento:
Como atua a sociedade sobre o Direito? Como mudanças sociais
influenciam o desenvolvimento do Direito? Aqui, objetos de pesquisa
são, por exemplo, a substituição de penas corporais por penas privativas
de liberdade, o deslocamento da pena privativa de liberdade pelas penas
pecuniárias.
Quais efeitos desenvolve o Direito sobre a sociedade? Em relação
ao Direito Ambiental pode ser pesquisado se as sociedades industriais
modernas tornaram-se tão complexas, que não se pode mais controlá-las
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 131

com os meios do Direito (Penal). Pode ser questionado se o desenvolvimento


do Direito acompanha o progresso técnico.

bb) O Direito na perspectiva da Sociologia do Direito


O Direito é um fenômeno da realidade social, que atribui a si mesmo
funções e ao qual são atribuídas funções. Regula a vida em comum, limita
o poder, legitima a dominação, oferece diretrizes para o tratamento de
conflitos sociais, é meio de controle político da sociedade. Hoje isto é o
caso, muito mais do que no liberalismo, quando se deixava o controle
econômico, antes, ao mercado.
A questão central diz: o Direito atua assim como é normativamente suposto? Esta
análise ocorre orientada por teorias. De outro modo, a Sociologia do Direito seria
simples pesquisa da realidade do Direito, no sentido de uma técnica de avaliação
direcionada ao puro conteúdo jurídico, ou seja, pesquisa de eficácia meramente
orientada pelas descrições de tarefas normativas do Direito.

A Sociologia do Direito preocupa-se, primariamente, com a explicação,


com isto, também com o esclarecimento da eficácia ou da ineficácia do
Direito. Exemplos disto, são:
• Esclarecimento sobre a igualdade de execução da pena pecuniária, com
base em considerações teórico-burocráticas.
• Esclarecimento sobre ineficiência da execução penal, com base em
teorias de controle social que remetem ao seguinte, que as penas são
antes dirigidas ao público conformista e menos aos punidos.
• Esclarecimento sobre a ineficácia do Direito Ambiental, com base em
teorias jurídico-sociológicas: o Direito possui, ao lado de funções
instrumentais, também funções simbólicas, como a autorrepresentação
da Política (compare § 6 C, acima).

B. Autocompreensão de uma Criminologia tradicional

A Criminologia tradicional compreende-se como instância de


aconselhamento para o Sistema de Justiça Criminal. Neste contexto,
fala-se de “criminologia aplicada”.
A Criminologia tradicional assume, no quadro de sua função de
aconselhamento em relação ao Direito Penal, na maioria dos casos, uma
132 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

“posição reformadora”. Tenta sugerir reestruturações e adaptações ao


Direito Penal, que devem possibilitar reagir de forma mais adequada a
uma situação social modificada. Se a Criminologia tradicional conseguir,
com ajuda de sua competência de fundamentação, economizar maiores
perdas políticas ao Direito Penal, então ela cumpriu sua tarefa imediata
como “ciência empírica de ajuda”.
Sua função aconselhadora pode ocorrer, neste caso, ao nível do tipo legal
(I) e no âmbito das consequências jurídicas das normas (II).

I. Aconselhamento na verificação do tipo legal

1. Precisão empírico-metódica

O aconselhamento criminológico do Direito Penal pode vir a ser


relevante já na verificação do tipo legal. O provimento com informações
científico-sociais, neste caso, relaciona-se ao componente “se”, no modelo
condicional de aplicação do Direito.
No componente “se”, que contém os pressupostos típicos, coloca-se
o problema de “se a imperiosa necessidade existente de conhecimento
empírico pelo aplicador do Direito é imediata ou mediatamente satisfeita
por observação pericial. Isto não é uma questão de orientação final do
Direito Penal, mas uma questão de sua pretensão metodológica: quanto mais
meticulosamente o sistema de Direito Penal atenta para tratar proposições
empíricas segundo regras metodológicas das ciências empíricas, tanto
antes perguntará por conhecimento alheio – seja mediante o emprego de
perícias ou a aquisição de conhecimento próprio pelo aplicador do Direito”
(Hassemer, 1984, 11s.).
Com isso, é dirigida a precisão empírico-metódica da aplicação do
Direito Penal, que se refere ao seguinte, evitar discordâncias e imprecisões,
já na compreensão típica do caso.

2. Exemplos de comentários científico-sociais do Direito Penal

Como exemplos de aconselhamento científico-social em problemas


específicos de aplicação do Direito Penal pode-se mencionar a legítima
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 133

defesa entre casados (Zenz, 1980, 77 s.), a problemática dos defeitos de


caráter (Strasser, 1980, 143 s.) ou problemas de punibilidade nos delitos
de tóxicos (Lautmann, 1980, 610 s.). O comentário científico-social do
Código Penal pode, neste ponto, ser avaliado como tentativa de tornar útil,
para a aplicação do Direito Penal, a competência específica que se encontra
neste saber científico experimental.
Com a aplicação do Direito trata-se, na verdade, de um processo
normativo que, contudo, não proíbe a contribuição de conceituações
empíricas, porém, em muitos casos, é obrigatoriamente dependente de
elementos de observação. Enquanto a necessidade da observação é constante,
o modo em que esta observação permite saber estranho influenciar na
aplicação do Direito é caracterizada como variável no componente “se” do
esquema condicional (compare Hassemer, 1984, 13).

3. Psico-ciências

Significado central para a determinação da decisão judicial, no quadro


da questão da capacidade de culpabilidade, cabe ao conhecimento
das Ciências sociais (§§ 20, 21 do CP). Na verificação da culpabilidade,
problemas de capacidade de imputação de um indivíduo, ou de
credibilidade de uma testemunha, com frequência são de relevância para
enriquecer o componente “se”, no processo de aplicação do Direito Penal,
com o correspondente conhecimento empírico (compare Albrecht, 1983,
193 s.).
Trata-se, sem dúvida, quanto a este assim chamado “saber das Ciências
sociais”, em primeiro lugar, de conhecimento psicológico e psiquiátrico
que, de modo global, também pode ser designado como “conhecimento
psíquico”. O papel deste “conhecimento psíquico”, ou seja, o papel de peritos
e técnicos no processo penal é, desde sempre, controvertido (compare, por
exemplo, Jäger, 1980, 47 s.; 1980a, 173 s.; Haffke, 1980, 133 s.). Apesar
de uma série de obscuridades da relação de Juízes e peritos, da dogmática
jurídica e conhecimento psicológico-psiquiátrico especializado, nós
precisamos, contudo, partir do seguinte, que esta específica competência
empírico-científica é, em muitos casos (-limite), imprescindível para o
processo de decisão judicial, se o processo penal não se deve esgotar num
134 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

mero automatismo de subsunção. Contudo, não é de se negar que, com


isto, entra em foco a (nova) problemática da dependência da Justiça em
relação aos peritos (compare Heim, 1988, 299 s.).

II. Aconselhamento sobre as consequências jurídicas

1. Orientação da lei penal para fins de prevenção especial e geral

Se são colocados limites relativamente estreitos às possibilidades de


influência do saber científico-social no âmbito da dogmática jurídica, a
situação no aconselhamento de consequências jurídicas é arranjada de
modo claramente diferente. Nesta área os resultados científico-sociais,
considerados de modo puramente quantitativo, são acolhidos ao máximo
(Giehring/Schumann, 1986, 178). A mais forte consideração do saber
científico-experimental, no aspecto das consequências jurídicas, é de se ver
em relação com a crescente programação de fim do Direito Penal. Quando
o Direito Penal, em medida crescente, é utilizado para determinação de
fins de prevenção especial e geral, eleva-se quase obrigatoriamente sua
necessidade de garantida legitimação pela ciência empírica.

a) Prevenção geral
A programação de fim da prevenção geral do Direito Penal deixa-se
elucidar, de modo exemplar, pelo conteúdo das determinações do §46,
seção 1, oração 2, do §47, do §56, seção 3, do §59, seção 1, número
3, CP, que aliviam amplamente o Juiz em suas decisões, da vinculação
ao programa condicional tradicional. Isto se torna especialmente claro
na fórmula “para defesa da ordem jurídica”, que destaca expressamente a
prevenção geral como momento final do Direito Penal.

b) Prevenção especial (prognose)


A programação de fim da prevenção especial assentava, até agora,
de modo central, em decisões prognósticas juridicamente determinadas
(Frisch, 1983), com as quais se trata ou se tratava da consideração de
consequências na interpretação das leis penais. Com o conceito de
prognose criminal permite-se, neste caso, delinear uma ampla corrente
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 135

de pesquisa que, no passado, estava vinculada a uma parte considerável do


potencial de pesquisa criminológica e tinha por consequência inumeráveis
pesquisas empíricas (compare Kaiser, 1996, 955 s.).
A decisão judicial fundada em prognose contém, como conteúdo nuclear,
“declarações de probabilidade sobre o futuro comportamento legal de
pessoas” (Kaiser, 1996, 956), que objetivam configurar a práxis da decisão
jurídico-penal de modo mais racional e mais adequado. Isto significa, em
conclusão, a limitação de margens de julgamento, ou seja, a repulsa de
teorias jurídicas do cotidiano e de “experiência da vida” (Opp, 1980, 40
s.). Depois, com isto está vinculada a legitimação da decisão respectiva
sobre o fundamento do fato punível e da personalidade de autor (compare
Kaiser, 1996, 956s.). Com isto, contudo, é de considerar, que a crescente
cientificização da prognose criminal não conduziu a uma maior segurança
da decisão judicial, mas a insegurança em relação à “periculosidade” de
um autor simplesmente foi transposta do nível do cotidiano para o nível
científico. Não se chegou, através disto, a uma consideração judicial das
consequências que pudesse reportar-se a seguros métodos científico-
sociais de prognose, pelo que a força declaratória dos procedimentos
prognósticos (estatísticos, médicos, intuitivos) é, além disso, insegura
e pouco confiável.

2. Intervenção seletiva em Ciências sociais

A intervenção do Direito Penal nas Ciências sociais não acontece


ao acaso, mas precisa ser descrita como seletiva. Neste ponto, o saber
científico-social demandado pelo Sistema de Justiça Criminal orienta-se
pelas exigências do Direito Penal; o contrário, não é perguntado. Precisa
deixar-se inserir nos critérios de relevância do Direito Penal e ser “capaz de
decisão”, ou seja, trabalhar como auxílio direto de decisão nas respectivas
constelações de problemas.
Neste contexto, não é surpreendente que, na determinação das
consequências jurídicas, são consultados justamente princípios explicativos
da teoria de socialização e da psicanálise, porque seus efeitos, para um
sistema de normas dirigido ao julgamento do caso singular, são os mais
concretos. Objetivam, em última análise, uma ampliação das exclusões de
136 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

culpabilidade e, com isto, da área de isenção de pena e, ao mesmo tempo,


não impedem a possibilidade de reagir à criminalidade, com tratamento e
terapia. Finalmente, conhecimento científico-social é, então, sempre útil
na deliberação de consequências jurídicas, quando se deixa implantar sem
rupturas, na forma de uma ajuda pragmática de decisão, no catálogo de
reações jurídico-penais, e não conduz a disfuncionalidades (sobre isto,
compare acima § 3 B I).

3. O atual recuo jurídico-penal do empirismo

Os primeiros princípios desta atividade científico-social de


aconselhamento, inseridos na lei no quadro de reformas, foram radicalmente
podadas pela 6a Lei de Reforma do Direito Penal, de 1998. Fórmulas de
verificação prognóstica, nas normas sobre suspensão condicional da pena,
eram até agora relevantes para decisão (§§ 57, 57a CP), de agora em diante
foram impostos ao Juiz, prioritariamente, limites de valoração político-
criminal.
Em consequência da 6a Lei de Reforma do Direito Penal, a competência
de conhecimento judicial para prognoses, em decisões liberatórias
antecipadas, foi limitada, se não completamente suspensa (compare §57,
seção 1, oração 1, número 2, CP, em vinculação com §454, seção 2,
número 2, CPP). No futuro, não importam mais prognoses individuais
adequadas (que eram suficientemente difíceis). O “interesse de segurança
da coletividade” torna-se o critério dominante de decisão. Ao Juiz é
atribuída a imediata “responsabilidade” da Política de segurança do
Estado. Se “não é de excluir”, que nas condenações por causa de um crime,
“fundamentos de segurança pública contrariem uma liberação antecipada
de um condenado”, então mais nenhuma liberação antecipada é realizável,
sobretudo do ponto de vista criminológico.

C. Autocompreensão de uma Criminologia autônoma

Diante do contexto de uma desilusão empírica, que a pesquisa da


prevenção produz (compare acima § 5), e dos conhecimentos sobre o
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 137

fracasso do controle do Direito Penal, no quadro das situações sociais


problemáticas (compare acima § 6), não espanta que partes da Criminologia
se reconfigurem. Esta nova Criminologia torna o Direito Penal e suas
instituições próprias (Sistema de Justiça Criminal) objeto de estudo, e se
compreende crítica (versus tradicional) e autônoma (versus aplicada).

I. Princípios de uma Criminologia crítico-autônoma

A Criminologia crítico-autônoma despede-se do objetivo de prevenção


normativamente determinado, com assunções heurísticas centrais:
• Criminalidade provém do Direito e do Estado – e não das pessoas, como
pressupõe a Criminologia tradicional.

Disto resulta: se a Criminologia pretende explicar a espécie e a extensão


da criminalidade registrada em uma sociedade, então precisa primeiro
fazer a pesquisa criminológica da gênese da norma. Os interesses
políticos e/ou econômicos, que estão na base da compreensão jurídico-
penal de um tipo legal (por exemplo, a repetida novação da Lei de Drogas,
no último século), da desistência de criminalização ou do impedimento de
descriminalização (por exemplo, furto em loja), precisam ser esclarecidos.
• A criminalidade é, como fenômeno social, ativamente produzida pela
persecução penal estatal – e não simplesmente recebida e registrada
passivamente, como supõe a Criminologia tradicional.

Disto resulta: se a Criminologia pretende explicar a espécie e a extensão da


criminalidade registrada em uma sociedade, então precisa fazer a pesquisa
criminológica das instâncias da Polícia, do Ministério Público e da Justiça.
É de se verificar porque as forças de persecução penal são concentradas
em áreas de delito selecionadas (por exemplo, criminalidade de drogas),
enquanto em outras áreas (por exemplo, criminalidade econômica ou
criminalidade ambiental), menor persecução penal é mobilizada e, deste
modo, as estatísticas criminais lá são recheadas e aqui ficam vazias.
• A criminalidade é, como fenômeno individual, produzida mediante um
processo de imputação – e não existe, segundo presume a Criminologia
tradicional, como qualidade objetiva da ação.
138 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Disto resulta: se a Criminologia crítica pretende explicar carreiras


criminosas, então precisa pesquisar as relações de descobrimento, de
investigação e de convencimento conforme ao processo, que transformam
um cidadão em um criminoso. Neste caso, são de pesquisar as metarregras
e os processos de negociação conformes ao poder, que conformam e
penetram a obra jurídica formal regular, nos níveis:
• de utilização dos órgãos de persecução penal pelos cidadãos (compare
Capítulo 4),
• de investigação e esclarecimento policial (compare Capítulo 5),
• de promoção processual do Ministério Público (compare Capítulo 6),
• de Defesa penal (compare Capítulo 7),
• de decisão judicial (compare Capítulo 8) e, finalmente,
• de execução jurídica da imposição de sanções estatais (compare Capítulo 9).

II. Três níveis de esclarecimento da Sociologia do Direito Penal

A Criminologia autônoma, no sentido de uma Sociologia do Direito


Penal, não se compreende como meio (auxiliar) da Política, ao contrário,
ela quer realizar trabalho de esclarecimento científico contra as distorções
oriundas da Política. Este esclarecimento não é dirigido, simplesmente,
contra a Política, mas contra a instrumentalização política do Direito
Penal. Além disto, apresentam-se três níveis de esclarecimento científico: a
legislação, o discurso político-criminal e a formação jurídica.

1. Esclarecimento para o Legislador

a) A Criminologia autônoma como ciência de reflexão


A análise sociológica do Direito Penal pode concentrar-se nisto, em
refutar falsas interpretações e presunções de causalidade, e substituir
por outras cientificamente fundadas: “o problema da criminalidade”
é desencantado e destacado como processo social de produção de
conformidade e desvio. Isto refere-se, sobretudo, ao objeto de pesquisa
“Direito Penal”, que não é encontrado em “estado de natureza”, como puro
objeto de investigação científica. Isto precisa acontecer de modo reflexivo,
porque o Direito Penal sempre já contém opiniões e interpretações sobre si
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 139

mesmo. Neste ponto, a função de esclarecimento da Sociologia do Direito


Penal pode entrar em conflito com aquelas posições, dentro do processo
de legislação penal, que justamente devem sua capacidade de imposição ao
domínio de falsos modelos de interpretação e outros equívocos (compare
Offe, 1977, 321s.).

b) A sobrecarga do Legislativo
Em vista do anonimato, que se exprime no conceito de Legislador, é
indispensável tomar em consideração as instâncias estatais que contribuem
decisivamente no processo de positivação do Direito. Diferente da época
primitiva do Parlamentarismo, hoje os representantes do povo quase não
encontram tempo para leitura, muito menos para discussão de projetos
de leis. Além disto, a necessidade de normas da sociedade industrial é
muito grande, a matéria de regulação tornou-se muito complexa. O
Legislativo está hoje sobrecarregado com o número excessivo de processos
de legislação, que se estendem, no seu âmbito de regulação, aos campos
sociais mais diferenciados. Os parlamentares, muitas vezes, não estão mais
em condições de analisar as propostas e de declarar eventuais dúvidas, de
modo que ocorre, não raro, sob pressão de frações, um acrítico automatismo
de votação.

c) Integral esclarecimento social


A práxis da legislação penal já indica os problemas que vão ao encontro
do reclamado esclarecimento jurídico-sociológico. Pois o significado de
semelhante ciência de reflexão é, no quadro de construção de leis penais,
imaginavelmente reduzido. Sobre isto, também não podem enganar as
audiências de especialistas, as denominadas “Hearings”, nas quais, de vez
em quando, entra em ação o saber científico-social, que serve, sobretudo,
para pôr em cena, com todo o efeito dramático, o tão evocado pluralismo
de opinião (compare, sobre isto, de um lado, Jakobs, 1996, 320 s. e, de
outro, Hamm, 1996, 325 s.).
Uma ideia de esclarecimento, que prega uma espécie de transferência
de saber do alto da Ciência para a Política, não tem nenhuma chance de
realização prática. Ao contrário, o esclarecimento precisa ser entendido
aqui como esclarecimento global, como esclarecimento de toda sociedade,
140 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

que também compreende as estranhas racionalidades da Política, e as


integra em seu discurso. Em questões de legislação penal, a Política da
segurança precisa, também ou diretamente, reconquistar a competência de
julgamento próprio.

2. Esclarecimento para a Política criminal

O problema fundamental de esclarecimento científico-social na área


da Política criminal refere-se à limitação da pretensão de controle estatal.
Pois os existentes princípios de cientificização do controle social objetivam
quase exclusivamente o alargamento do controle estatal organizado. Os
defensores de uma “modernização do Direito Penal” apostam, com vistas
aos novos desafios, em mais ampla (antecipada) criminalização, como,
por exemplo, na área do “crime organizado” (compare Wesslau, 1989).
Um propósito de esclarecimento fundado em saber sociológico jurídico-
penal tem de se dirigir contra o alargamento da pretensão estatal de controle,
inclusive de sua viragem preventiva e simbólica. Neste caso, a “desvantagem
do proveito das Ciências sociais para o Direito Penal” (Kreissl, 1988) não é
de compensar por isto, que um outro conceito ideológico-crítico do saber
sociológico do Direito Penal simplesmente está subjacente, que se dirige
contra a modernização sócio-tecnológica do Direito Penal. Se a Sociologia
do Direito Penal também se atribui uma função de esclarecimento, então
precisa pensar além do Direito Penal e incluir na análise, sistematicamente,
as relações de ação e as coações de ação políticas.
Mas uma tal Sociologia do Direito Penal não deve cair no equívoco de
transferir a lógica da própria atuação para a lógica da Política. Enquanto
na atividade científica se trata da aquisição de conhecimento, que ainda
não precisa ser imediatamente dirigido a um fim, a Política segue uma
lógica de decisão, que está submetida a outras regularidades. Com isto,
correspondem racionalidades no lado da Política, com as quais a Ciência
tem apenas pouco em comum – por exemplo, o ganho de eleições.

3. Esclarecimento para a formação de juristas

O recuo político da formação unitária de juristas preparou, por


enquanto, um fim para este experimento de reforma. A tentativa de
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 141

integração da ciência do Direito e da Ciência social na formação de juristas,


iniciada com isto, deve ser vista, em primeiro lugar, como fracassada.
No regresso para a tradicional formação de dois níveis de juristas, o
Legislador deixou de considerar, de modo suficiente, as correspondentes
experiências de reforma e consequências experimentais. Bem que se
chegou a uma certa concretização e consolidação na cooperação entre
as Ciências sociais e o Direito Penal, que se mostra, por exemplo, na
indicação e no reconhecimento dos limites de um Direito Penal sócio-
cientificamente orientado. Não obstante, a relação recíproca de ambas
disciplinas permaneceu propriamente indiferente e distanciada. Nisto,
muda também muito pouco a necessidade, não raramente lembrada
pelos estudiosos do Direito Penal, de conhecimento fundamental de
ciência empírica.
Uma função esclarecedora do conhecimento sociológico do Direito
Penal para a formação de juristas poderia estar ligada com a transmissão de
um potencial de reflexão crítico, que teria de se relacionar sobretudo com os
crescentes problemas de controle do Direito Penal. Neste caso, processos de
descriminalização seriam de incluir na análise, tal como as possibilidades e
limites gerais do Direito Penal de influenciar desenvolvimentos carregados
de perigo na sociedade de risco. Se o Direito Penal, como meio de controle
disciplinador e estigmatizante da intervenção e compensação estatal, é
problematizado, também o refletir sobre as próprias premissas dentro da
formação de juristas precisaria conseguir um peso maior.

III. Limites de conselho e esclarecimento criminológico

1. Inseguranças

As Ciências sociais precisam, contudo, tomar em conta os limites de


seu próprio saber e demonstrá-los em face do Direito Penal. No programa
dogmático do Direito Penal, esta pressão por decisão é encaixada em
muitos lugares, sobre base de conhecimento inseguro. Em seguida, dever-
se-á entrar em detalhes na descrição dos princípios jurídico-estatais de
aplicação do Direito (compare abaixo § 9).
142 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Em vista das declarações de probabilidades da estrutura científica das


Ciências sociais, os limites de esclarecimento das ciências empíricas
precisam ser aceitos – também por uma Criminologia crítico-autônoma.
Não se poderá partir do seguinte, que existe algo como “conhecimento
seguro” nas Ciências sociais. A insegurança das Ciências sociais aumenta
com seu nível de desenvolvimento e também não pode ser quantificada
no Mundo, pelo aperfeiçoamento de modelos estatísticos (Beck/Bonss,
1989, 8s.). Pretendendo-se avaliar as chances das ciências empíricas no
Direito Penal, deve-se deixar de pensar em grandezas de segurança e
dimensões de otimização de controle. Também as próprias Ciências sociais
têm considerável participação no mito da “calculabilidade do mundo”,
na medida em que elas não mais dominam os fundamentos da própria
atuação.
As inseguranças e imponderabilidades contidas nas declarações de
probabilidades das Ciências sociais precisam ser levadas em conta, se o
aconselhamento do Direito Penal deve ser usado para tornar transparente
seus problemas de aplicação práticos. Os limites de esclarecimento
estruturalmente postos de um Direito Penal do Estado de Direito e os
limites de clarificação científico-sociais são, com isso, barreiras naturais,
que a Criminologia crítico-autônoma não ultrapassa.

2. Direito Penal: “meio de subsunção formal” de conflitos interpessoais

Diz-se do Direito Penal, que não solucionaria conflitos sociais, mas por
seu modo e formas específicas de intervenção, em regra ainda contribuiria
para maior intensificação do conflito. Com toda crítica justificada
à capacidade de regulação do Direito Penal, frequentemente não é
considerado que o emprego da dogmática jurídico-penal pode ter aspectos
inteiramente positivos, que se tornam claros, sobretudo, na subsunção
formal de uma situação de conflito transparente e juridicamente
garantida. A proteção da liberdade individual é o ponto de partida e a
meta de chegada de um Direito Penal do Estado de Direito. Na verdade,
a maioria dos conflitos não é assim dominada, mas os conflitos se tornam
limitados, formalizados e públicos de modo interpessoal. A despeito de seu
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 143

trabalho falho, o Direito Penal pode tornar os conflitos calculáveis e como


que baixá-los a um nível social, que está aberto a outras modalidades de
solução extrajurídicas. Neste ponto, o Direito constitui um irrenunciável
instrumento para formalização de limitações da liberdade, que os cidadãos
se causam reciprocamente.
Sendo o Direito Penal, neste sentido, aceito como meio de subsunção
de conflitos sociais conforme à Justiça, então não deveria, em princípio,
no mesmo instante, ser colocado em questão – também por uma
Criminologia crítico-autônoma. Limitações quantitativas e qualitativas do
Direito Penal e de sua aplicação encontram-se nos princípios jurídico-
constitucionalmente garantidos do Direito Penal, que constituem, ao
mesmo tempo, limites para a intervenção científico-social.

3. Limitações jurídico-constitucionais como linhas demarcatórias da


intervenção das ciências empíricas

A problemática da utilidade científico-social para o Direito Penal consiste


no seguinte, que limitações jurídico-constitucionais e princípios do Estado
de Direito impõem limites relativamente estreitos para uma intervenção
das Ciências sociais.
Limitações resultam da substantiva construção e da estrutura do
processo penal, que tem de se orientar, por sua vez, segundo princípios
básicos do Estado de Direito. Segundo isto, é de se configurar a situação
de comunicação de tal modo, que seja realizável e compreensível por todos
os participantes. A testemunha, portanto, é de ser vista “não como objeto
da pesquisa profissional” (Hassemer, 1984, 50), da qual são “extraídas”
as informações procuradas, com auxílio dos conhecimentos das ciências
empíricas (técnica de entrevista) (assim, contudo, na conclusão, Opp,
1980, 34 s.). Ao contrário, é de se aceitar a pessoa da declaração como
participante, capaz de comunicação, de um depoimento a ser construído
de modo transparente (compare Krauss, 1980, 70 s.).
O mesmo vale para questões de medição da pena, que também não
podem ser ilimitadamente abertas para aconselhamento científico-social,
embora precisamente nesta área “as margens de decisão são as maiores
144 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

e as chances de crítica e controle são as menores” (Hassemer, 1984, 16).


O acusado deve ser considerado, sobretudo, como um sujeito processual
equipado com direitos processuais independentes, ao qual competem
audiência judicial, livre escolha de Defensor, direitos de presença, de
postulação e de intervenção. Precisamente os últimos podem constituir
obstáculos para uma decisão de medição de pena preparada de modo
científico-social ótimo.
Apenas diante perigo de suspensão de garantias do Estado de Direito, as
Ciências sociais permitir-se-iam estabelecer firmemente no processo penal
(Naucke, 1983, 17s.) – o que ninguém deveria desejar.

IV. Rejeições científico-sociais de uma aplicação profana do Direito

1. Rejeição de liberdade de valor, de ausência de teoria e de submissão


da práxis

Diante do contexto de uma legitimação teórico-social do Direito Penal,


como um ordenamento coativo limitado por princípios (compare § 9,
abaixo), uma Criminologia autônoma precisa dar uma recusa ao postulado
de uma liberdade de valor científico-social. A Criminologia autônoma tem
de se distanciar, igualmente, da interdisciplinaridade sem teoria, assim
como da irrefletida submissão da práxis.
A fórmula da liberdade de valor da Ciência social empírica (“ciência do
ser”), que é utilizada com frequência para diferenciação em face do Direito
Penal referido ao valor (“ciência do dever ser”), tem a função, em primeiro
plano, de tornar o interesse de conhecimento da Criminologia dependente
das determinações políticas de controle e de funções de uso políticos e
profanos. O critério da liberdade de valor deve, com isso, manter a porta
aberta às Ciências sociais, para os objetivos de autoatendimento político
de justas necessidades. Uma Criminologia autônoma, ao contrário, tem
de aceitar, pelo menos respeitar, o princípio da proteção da liberdade
individual e, igualmente, seus princípios de limitação, como fundamentos
de legitimação do Direito Penal.
À ciência normativamente centrada do Direito Penal, com sua plenitude
teórica dentro da dogmática, confrontam as Ciências sociais empíricas,
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 145

que dispõem de uma ainda mais rica oferta de teoria e estão à procura
(tornando-se sempre mais difícil), até hoje, de uma base teórico-social
abrangente. Como produto desta plenitude de teorias interdisciplinares
resulta, finalmente, uma tecnologia social carente de teoria, que se torna,
em sua própria orientação final, parte integrante do exercício de poder
político (Baumann, 1995, 20s.). Uma independente e autoconsciente
Sociologia do Direito Penal, que pretende fazer jus à tarefa de uma fundada
análise de funções do Direito Penal, no quadro de suas relações políticas e
sociais, tem de afirmar uma recusa a uma simples dicotomia de norma de
Direito e realidade do Direito. A tarefa de uma crítico- reflexiva Sociologia
do Direito Penal é radiografar a norma, em sua dinâmica processual, e
descobrir a infraestrutura do controle social jurídico-penal.
Se uma Criminologia autônoma afirma clara rejeição da liberdade de
valor, da interdisciplinaridade carente de teoria e da submissão acrítica da
práxis, então esta pode descobrir criticamente a intervenção política sobre
o Direito Penal, no sentido de uma otimização de seu valor de uso profano.

2. Rejeição de utopias preventivas da aplicação do Direito Penal

O Direito Penal não é nem um meio de configuração política, nem de


qualquer modo “capaz de utopias” para a sociedade. Já foi demonstrado
que a mudança preventiva no Direito Penal andou junto com uma
estratégia de Política criminal, que se arroga abrangentes competências
sócio-configuradoras e comunitário-controladoras. Esta euforia preventiva
também não se detém diante de competências alheias, mas tenta estender
sua influência em todas as áreas políticas imagináveis. Etiquetada como
“política criminal de competência alastrada” (Schwind e outros, 1980, 546
s.), esta programática política serve-se do Direito Penal como instrumento
de configuração social.
Na análise da pretensão preventivo-criminal do Direito Penal (compare
§ 5, acima) tínhamos resumido que, segundo os resultados empíricos das
pesquisas de prevenção especial, é de ser atribuído, na melhor das hipóteses,
um não efeito e, na pior das hipóteses, um efeito contraprodutivo. Este
quadro diretivo da pesquisa deveria sugerir à aplicação do Direito que
146 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

as diferentes sanções, em relação ao seu efeito criminal-preventivo, são


amplamente intercambiáveis. Para a prevenção geral negativa isto vale em
medida ainda maior, porque não foram apresentadas provas científico-
sociais confiáveis para o efeito preventivo-geral de intimidação.
Este pessimismo de prevenção, criminologicamente informado,
pode fundamentar suficientemente a recusa de utopias comunitário-
controladoras e social-saneadoras da aplicação do Direito Penal.

3. Rejeição da capacidade de controle do Direito Penal para situações


sociais problemáticas

O poder de controle do Direito Penal em relação a situações sociais


problemáticas mostra-se como diminuto. Ao contrário, o valor de uso
político do Direito Penal, como meio de política simbólica, é empurrado
mais e mais para o primeiro plano.
São exemplos o Direito Penal Econômico, o Direito Penal Ambiental e
o Direito Penal de Drogas (compare, sobre isso, 3a Parte). Mostra-se, ao
mesmo tempo, que a aplicação do Direito Penal nas áreas problemáticas
visadas, continua sem efeito prático. Pode mesmo, como no caso da
criminalidade de drogas, acarretar consequências contraproducentes,
em que pequenos e minúsculos traficantes são criminalizados, mas são
ignoradas as causas para a persistência de um mercado ilegal de drogas em
expansão (compare abaixo, em detalhes, Capítulo 12).
A esta tendência do Direito Penal para ampla superficialidade social, para
produção de bens jurídicos e para formulação de uma proteção de bens
jurídicos, que frequentemente não percebe as relações sociais subjacentes,
é de se dar uma clara rejeição, da perspectiva da Criminologia autônoma.
A Criminologia tem de indicar e esclarecer problemas de controle. Precisa
descobrir a questionabilidade jurídico-estatal da funcionalização do
Direito Penal, como meio de política simbólica, precisamente diante do
contexto de possibilidades claramente reduzidas de controle do Direito
Penal, para domínio de situações problemáticas estruturais. Aplicação
profana do Direito Penal, desenfreada euforia de prevenção e ignorância
da incapacidade de controle de situações sociais problemáticas, são os
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 147

perigos centrais sobre os quais uma Criminologia crítico-autônoma deveria


esclarecer.

V. Contornos de uma Criminologia autônoma excludente da


Criminologia tradicional

Uma Criminologia científica libertada dos antolhos da perspectiva


de prevenção tem por objeto, portanto, o papel social do Direito
Penal, da criminalidade e da criminalização. Como “criminalidade” são
compreendidos os conteúdos de sentido que são produzidos mediante a
subsunção de um fato do mundo da vida a um tipo legal jurídico-criminal.
Por “criminalização” é pensado o conjunto dos processos dirigidos por
regras, que constituem uma norma jurídico-criminal ou definem uma
ação como “criminalidade”. Os seguintes âmbitos de objeto são campos de
pesquisa e de análise de uma Criminologia autônoma.

1. Direito Penal e órgãos de persecução penal

a) Tipos legais do Direito Penal e do Direito Penal especial


Do ponto de vista criminológico interessam, especialmente, estruturas
de tipos legais recém criminalizados e descriminalizados (compare
Capítulos 10 a 12). Aqui, é de interesse a extensão do conceito clássico,
individualístico de bem jurídico, para necessidades coletivas de proteção,
no curso da construção e da desconstrução do Estado Social de Direito
(“Estado de bem-estar”). O Direito Penal desloca-se, da proteção de
interesses individuais da vítima para a proteção de complexos funcionais,
em que funções de limitação jurídico-penais perdem importância. Em
face disso estão esforços de descriminalização, ou seja, tendências de
regulação privada junto a bens jurídicos clássicos – por exemplo, furto
de bagatela. São de pesquisar, quais mudanças são causadas na percepção
pública da criminalidade, através de esforços de descriminalização jurídico-
processuais ou também jurídico-materiais, por um lado, e mediante o
contínuo crescimento de recém criminalizadas situações sociais de risco ou
problemáticas, por outro lado.
148 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

b) Instituições da legislação penal


Ponto de referência criminológico é a pesquisa da gênese da norma, com
a pretensão de encontrar os filtros de seleção, que são decisivos para escolha
dos interesses de proteção jurídico-penal (compare 2ª Parte). A tese de
tradição da “justiça de classe” deve se distinguir das mais recentes análises
político-científicas, que tomam em consideração a participação seletiva de
grupos de interesses da sociedade – por exemplo, corporativismo (para o
conceito e para a concepção, compare Ludwig-Mayerhofer, 1998, 257 s.).

c) Instituições de persecução penal


Aqui residia, até agora, o ponto central da criminológica “pesquisa
de instâncias”, seja no recorte tradicional, como pesquisa de avaliação
para otimizar a prevenção, seja na variante crítica de uma busca de
funções conexas latentes da ação de controle (por exemplo, “punição
seletiva”). No futuro, os processos judiciários internos de criminalização/
descriminalização deveriam ser de interesse crescente para a construção da
imagem pública da criminalidade.

d) Dogmática da imputação de culpa e da subsunção do fato


Embora estas regras de reconstrução sejam de importância extraordinária
para qualquer princípio de explicação criminológica construtivista, uma
Criminologia da parte geral do Direito Penal não existe. Ao lado do
trabalho definicional da dogmática de imputação, é de se discutir também
sua possível função garantidora da liberdade, como meio para produção
da capacidade de luta (compare § 8, abaixo). O lado problemático da
reconstrução jurídico-penal do fato, sob o aspecto científico-social da ‘busca
da verdade’, pode conduzir, ao mesmo tempo, a uma forma distanciada
de trabalho de conflitos, como meio de redução de complexidade, que
mantém distanciado o Estado, como também as partes do conflito.

2. Fatos e pessoas que são definidos jurídico-criminalmente pelos órgãos


da persecução penal (“criminalidade”, “criminoso”, “vítima”)

a) Perspectiva do fato/perspectiva do autor


Com isto, é referido o substrato clássico de uma teoria e pesquisa
criminológica etiológica, que se sabe comprometida com os fins normativos
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 149

de prevenção. Na lógica de uma Criminologia construtivista, a pessoa se torna


objeto de imputação, cujo potencial subjetivo para defesa da imputação,
contudo, precisa ser considerado. Finalmente, neste lugar também deveria
ser discutido o conteúdo crítico de uma etiologia relacionada à estrutura da
sociedade. Na redução de situações sociais problemáticas que, entre outros
fatores, têm por consequência a criminalidade, foi visto um temporário
potencial emancipatório, ampliador das oportunidades de vida.

b) Perspectiva da vítima
Criminalização e descriminalização têm seus pontos de referência nos
interesses de proteção de lesionados potenciais ou nas situações de risco
de funções sociais (compare, sobre isto, Herzog, 1991, 109 s.). Uma
Criminologia orientada de modo construtivista tende a negligenciar esta
perspectiva dos afetados. Contudo, para uma Criminologia interessada na
função de criminalização do Estado, as funções de proteção atribuídas ao
Direito Penal são de relevante significação (compare Capítulo 15, abaixo).
É igualmente decisivo de que modo os lesionados mobilizam os órgãos de
persecução penal para os seus interesses – ou omitem isso.

3. Subsistemas sociais, que fazem uso da criminalidade ou da criminalização

a) Política

aa) “Valor de troca político” do Direito Penal


Deve-se partir do seguinte, que o Direito Penal experimenta, em
numerosas áreas da vida social, um marcante interesse. Assim, por exemplo,
pode-se relacionar atos de legislação penal ou esforços legislativos a um
número considerável de problemas sociais discutidos publicamente nos
últimos anos (compare § 1, acima). Com isto, é referido o setor social da
“Política”, no qual é claramente reconhecido um “valor de troca político”
na regulação jurídico-penal de problemas sociais. Lealdades de eleitores
devem ser garantidas, capacidade de ação política deve ser demonstrada
(compare § 6 C, acima).
150 Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal

bb) Meio de comunicação versus meio de controle


Aqui, o papel do Direito Penal e da criminalidade como meios de
comunicação deve ser diferenciado do seu papel como meios de controle:
(1) Componente comunicativo. A interpretação dos problemas sociais
como “criminalidade” representa um simples esquema de interpretação,
também para fatos complexos. Ao mesmo tempo, é preparado um modelo
de solução (jurídico-penal), pelo qual relações sociais problemáticas são
personalizadas e escapam de uma atribuição política.

(2) Componente de controle. Perante marcantes déficits de execução


jurídico-penal em numerosos recém-criados bens jurídicos, e perante provas
de ineficiência empírica referente aos efeitos de prevenção relacionados às
pessoas, deveriam predominar, em geral, precisamente em bens jurídicos
sistêmicos, intenções comunicativas na positivação jurídico-penal. Não
obstante, restam por examinar efeitos instrumentais de controle, que
também podem ocorrer ‘na sombra’ dos processos jurídico-penais formais.

b) Economia
Normas jurídico-penais, atividades de investigação policial e decisões
da Justiça penal são avaliadas na lógica do cálculo empresarial de custo/
benefício (veja Capítulo 10, abaixo). A Justiça penal pode ser empregada
como meio acessório para imposição de normas jurídico-penais de
relevância empresarial (furto, estelionato etc.) e desencadear consideráveis
efeitos de criminalização (por exemplo, furto em loja). Mas o Direito Penal
e a Justiça penal também podem ganhar significação econômica como fator
de custo material ou ideal no cálculo dos riscos empresariais (por exemplo,
leis econômicas externas). Como no subsistema da Política, também se trata
aqui de um emprego do Direito Penal, que segue uma lógica não jurídico-
penal, mas provoca, não obstante, uma espécie própria de ‘proteção do
Direito Penal’. Nesta dramatização pública da criminalidade, o emprego
político do Direito Penal, graças à política do lobby, tem uma participação
substancial.
Destinatários de estratégias técnico-preventivas ou pessoais de prevenção
são vítimas potenciais da criminalidade. Também aqui a imagem pública
§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 151

da ameaça da criminalidade – e da situação dos órgãos estatais de segurança


– torna-se uma variável do sucesso de venda. O cultivo do ‘mercado do
medo’ reside, neste ponto, no interesse econômico (compare § 14 B II 2,
abaixo).
c) Cultura/meios de comunicação de massa
Criminalidade e persecução penal formam o objeto de autênticos
dramas cotidianos, que são comercializados, em palavra e imagem, nos
meios de comunicação de massa. A criminalidade e sua persecução são
tratadas como mercadoria de uma indústria cultural. Em correspondência,
a imagem pública desta mercadoria é desenhada de forma espetacular e
onipresente (compare, sobre isto, Capítulos 12 a 14).

VI. Panorama

Estes exemplarmente denominados campos de pesquisa e de análise de


uma Criminologia crítico-autônoma deixam transparecer a realidade de
uma aplicação profana do Direito, ou seja, o Direito Penal é funcionalizado
para tarefas diferentes da garantia de liberdade. Neste processo de aplicação
e valoração profana do Direito, o Direito Penal do Estado de Direito
ameaça, ao mesmo tempo, pulverizar em racionalização administrativa
(compare, sobre isto, em detalhe, 2ª Parte, abaixo).
A Criminologia, compreenda-se ela tradicional ou autônoma, precisa
colocar a realidade do Direito e do Sistema de Justiça Criminal numa
perspectiva científica. As Ciências sociais não podem evitar a realidade do
exercício do poder estatal, social e individual. Concretamente isto significa
que a Criminologia – embora de modo autônomo e crítico – precisa
perceber o Direito (Penal)
• como organização racional de exercício do poder estatal e social,
• como modelo de garantia da liberdade, e
• como sistema de princípios de necessária limitação do poder estatal,
protegidos pela Constituição.

Com este perfil, é delimitado um quadro de interpretação para as provas


posteriores específicas das metarregras. Estas sucedem nos capítulos das
instâncias da Segunda Parte, na forma de resultados empíricos.
152 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

Capítulo 3. Proteção da liberdade – Quadro de referência


de uma Criminologia autônoma e tarefa de um Direito Penal
do Estado de Direito

§ 8. Liberdade como ponto de partida

Literatura: Albrecht, P.-A., Die vergessene Freiheit, 2003; Calliess, C., Sicherheit im
freiheitlichen Rechtssaat – Eine verfassungsrechtliche Gratwanderung mit staatstheoretischem
Kompass, ZRP 2002, 1 s.; Hobbes, T., Leviathan (Edição Reclam); Isensee, J., Das Grundrecht
auf Sicherheit, 1983; Jäger, H., Makrokriminalität – Studien zur Kriminologie kollektiver
Gewalt, 1989; Kant, I., Akademie-Ausgabe, Volume IV (Grundlegung zur Metaphysik der
Sitten); Kant, I., Akademie-Ausgabe, Volume VI (Die Metaphysik der Sitten); Kant, I.,
Akademie-Ausgabe, Volume VIII (Zum ewigen Frieden); Montesquieu, C., Vom Geist der
Gesetze (Edição Reclam); Naucke, W., Die strafjuristische Privilegierung staatsverstärkter
Kriminalität, 1996; Petri, T.B., Europol – Grenzüberschreitende polizeiliche Tätigkeit in
Europa, 2001; Preuss, U.K., Revolution, Fortschritt und Verfassung, 1994; Rousseau, J.-J.,
Gesellschaftsvertrag (Edição Reclam).

Hoje, a liberdade deixa-se facilmente depreciar, ocupar-se dela é um


assunto complicado. A liberdade é um programa exigente – também para
cidadãos do Estado. Uma Criminologia autônoma, como ciência crítica
do Direito Penal, sente-se comprometida, em medida especial, com a ideia
de proteção da liberdade. Com isto, abandona o terreno mensurável das
Ciências sociais, e se abre para o contexto interdisciplinar da Filosofia do
Direito, da História, da Sociologia e outras ciências fundamentais. Para
poder medir o valor da liberdade, precisa-se saber como ela se fundamenta.
Liberdade é ideia, mas também condição de vida prática comum em
uma sociedade, em um Estado. A liberdade se permite viver em um Estado,
mas ao mesmo tempo aspira além deste. Sem as experiências históricas
com o Estado de segurança destruidor da liberdade da história europeia,
quase não se pode medir o seu valor. Diante do contexto das dolorosas
experiências europeias, a atual reivindicação de um “direito fundamental
à segurança” lê-se antes como anacrônica. O desejo de segurança absoluta
termina – assim nos ensinam as experiências europeias – em terrorismo do
Estado. Tributemos, portanto, à liberdade, um momento de respeito, que
ela merece.
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 153

A. Dignidade da pessoa humana e liberdade

I. A ideia de Liberdade

1. Modelos de liberdade do Iluminismo

Na filosofia do Iluminismo, a liberdade assume uma posição central.


Não a segurança, mas a liberdade legitima o Estado moderno. Isto também
tem a ver com a situação histórica da burguesia ascendente, no século
XVIII. Estruturas feudais impediam o desenvolvimento econômico na
Europa. Por causa dos privilégios da nobreza, a prosperidade e as chances
de estabelecê-la, eram desigualmente distribuídas. As sociedades da Europa
sufocavam em excesso de segurança: era a segurança de um sistema de
governo fechado em si mesmo, que concedia tudo à nobreza e nada aos
cidadãos. A aspiração pela segurança do existente significava insegurança
para os cidadãos. O século 18 é o tempo para um programa que deveria
superar esta situação. O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778) resume a crítica a esta situação, em uma frase conhecida: “o homem
nasce livre, e está em cadeias por toda parte” (Rousseau, Capítulo 1, 5).
As cadeias precisavam ser rompidas, contudo não tão extensamente, que
governe poder desenfreado.
Charles de Montesquieu (1689-1745) formula o pragmatismo da
liberdade política: esta não significa “que se pode fazer o que se quer. Em
um Estado, ou seja, em uma sociedade dotada de leis, a liberdade somente
pode significar que se pode fazer o que se deve querer, e não se é obrigado
a fazer o que não se deve querer” (Montesquieu, Capítulo 3, 210). Com
isto, Montesquieu distingue entre uma liberdade, que é própria de cada
homem – porque é homem – e uma liberdade, que precisa ser concedida
a cada homem, em sua relação com os outros, com a sociedade. Que os
homens têm uma vontade e podem manifestá-la em fala e ação, relaciona-
se com a importância que se atribui aos homens. O ser humano possui
uma dignidade própria. Esta é a mensagem do Iluminismo. Núcleo desta
dignidade é a liberdade de vontade. Esta pode, contudo, simultaneamente
se desenvolver somente quando se constrói uma relação com outros
homens. Aqui se torna claro que a própria liberdade tem limites. A saber,
154 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

a liberdade termina onde começa a liberdade do outro. A liberdade vive do


respeito à dignidade dos outros. É a liberdade de pensar diferente, de viver
diferente, de agir diferente. “Dever querer”, como Montesquieu formula de
modo filosoficamente complexo, significa uma verdadeira liberdade, que
nasce da concordância comum e do trabalho com os outros, e rejeita uma
liberdade erroneamente compreendida, que faz, de modo egocêntrico, da
própria vontade o critério geral.
Aceitando-se a verdadeira liberdade, ganha-se também, ao mesmo tempo,
a segurança, que todo indivíduo necessita para o seu desenvolvimento
em pensamento e ação. Montesquieu alcança, assim, a conclusão de que
a liberdade política consistiria na segurança, ou na convicção de que se
teria sua segurança (Montesquieu, Livro XII, Capítulo 2, 250). Segurança
é, portanto, nada menos do que uma equilibrada liberdade de todos. A
segurança não precede a liberdade, mas a liberdade é a garantia irrenunciável
da segurança, ou também apenas do sentimento de segurança.

2. O conceito kantiano de liberdade

Na filosofia kantiana, a ideia de liberdade é formulada de forma


penetrante (Kant, AA IV, 454). Lá, a liberdade – e apenas esta – é
representada como o próprio fundamento da existência humana. “A
liberdade (...) é este direito único, originário, que compete a todo homem
por força de sua humanidade” (Kant, AA VI, 237). Ao lado dela, não
existem quaisquer finalidades que podem valer de modo geral e, em
qualquer sentido, indiscutível. Immanuel Kant (1724-1804) apresenta a
tese de que o homem seria um fim em si mesmo. Em Kant, a liberdade
de vontade mostra-se no seguinte, que os homens estão em condição de
dominar suas emoções, que eles podem tomar decisões desagradáveis.
Em Kant torna-se claro, que com a liberdade também está ligado esforço.
Vale fazer uso renovado da liberdade todos os dias, quem se entrega a
comodidades não age em sintonia com o que Kant denomina razão
prática. A liberdade é um estado incômodo: problemas, que urge resolver,
os homens têm de resolver – em conjunto. Não se pode, simplesmente,
demitir-se da solução do problema. Fazer uso prático também da liberdade
de pensamento é uma exigência para preservar a dignidade do ser humano.
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 155

Ao mesmo tempo vale: ninguém – nenhum Estado, nenhum sistema –


tem o direito de impor limites, ou mesmo de reprimir com violência, onde
o uso da liberdade é exercido em comum e não prejudica ninguém.

II. Liberdade mediante contrato

1. Modelo de contrato em Thomas Hobbes

Violações de limites sempre existiram, também sempre existirão. Seres


humanos invadem a esfera de liberdade de outros e a lesionam. A imagem
do homem, que marca o início do Iluminismo, é uma imagem negativa.
Thomas Hobbes (1588-1679) cunhou as formulações de que o homem
seria um lobo do homem e de que da natureza do homem deveria resultar
uma guerra de todos contra todos (Hobbes, 115). Esta imagem do homem
parte do seguinte, que um uso descontrolado da liberdade funda uma
situação, na qual somente a violência e o direito do mais forte determinam a
vida humana comum. Esta situação Hobbes denomina estado de natureza.
Para ele, importa desenvolver estratégias para escapar deste estado perigoso
para os seres humanos.
O edifício de ideias, que Hobbes constrói, explica-se também a partir
das confusões políticas de seu tempo. Hobbes escreve “Leviathan”, sua
principal obra de teoria do Estado, em tempos nos quais eram instáveis as
relações políticas na Inglaterra e dominava a guerra civil. Além deste motivo
histórico, a imagem do homem e da sociedade de Hobbes também não é
injustificada. Violência é um problema que toda sociedade compartilha.
Ocorre sempre onde o poder é exercido, ou deve ser exercido. Neste caso,
trata-se da imposição de interesses individuais. As formas de aparecimento
da violência são múltiplas. Em primeiro lugar, está a violência corporal.
Mas também pressão psíquica pode significar violência. Olhando-se, de
modo mais crítico, o problema da violência, pode-se identificar uma forma
de “violência estrutural”. Com isto, é considerado que existem coerções
materiais, que impedem a livre decisão dos indivíduos, que podem existir
coações ético-morais em uma sociedade, às quais nós nos sujeitamos.
Com isto, a violência torna-se um fenômeno abrangente – ubíquo. Pode
156 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

determinar o âmbito da intersubjetividade, atinge a sociedade como um


todo, e prossegue na relação do indivíduo, sociedade e seus institutos.
A imagem sombria, que Hobbes traça, reflete o constante medo existencial
do ser humano. Mude-se positivamente este medo, poder-se-ia dizer que
conflitos são normais para toda vida humana comum. É decisivo, apenas,
que os meios disponíveis para solução de conflitos sejam distribuídos de
modo justo. Apenas em caso de distribuição desigual, ameaça discórdia.
Com isso, a liberdade pessoal e a dignidade do indivíduo estariam expostas
a constantes perigos e riscos incalculáveis.

2. O Contrato Social como ficção do Iluminismo

O Direito moderno indica a saída para o dilema do estado de natureza.


O Direito Penal desempenha um papel importante na limitação e no
controle de uma ameaçadora liberdade humana desenfreada. Núcleo do
Iluminismo é a teoria do Contrato Social. Filósofos do Iluminismo –
Hobbes, Rousseau, Locke – “descobriram” a teoria do Contrato Social, e
a desenvolveram com ideias reciprocamente divergentes nos respectivos
detalhes. Em primeiro lugar, o Contrato Social é, no seu núcleo, não
mais do que uma construção mental – caso se queira, uma “invenção da
liberdade”. Com a invenção, pretende-se garantir a liberdade pessoal do
indivíduo, deve poder ser superado o estado de natureza perigoso para o
indivíduo. A invenção deve funcionar assim: então, no caso de um conflito,
portanto, quando um outro penetra, sem permissão, na própria esfera de
liberdade, deve o homem renunciar ao emprego dos próprios meios de
violência, que lhe estão diretamente à disposição. Em lugar de empregar
meios de violência próprios, transfere-se estes para um terceiro neutro. Este
assume então a solução do conflito, quando este é tão grave que exigiria
demais dos participantes do conflito. Com a renúncia recíproca à violência,
e sua transferência para um terceiro, o Estado é fundado. É importante que
a renúncia tenha resultado voluntária e que o terceiro neutro considere
apenas o seguinte – com toda segurança que é garantida –, sempre defender
a liberdade individual do próprio indivíduo. Assim os homens passam
do estado de natureza, que Hobbes pintou com cores sombrias, para um
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 157

Estado de Direito. O que antes era apenas poder natural, como o direito do
mais forte, torna-se, no Estado de Direito, um poder limitado e, por isto,
legítimo, que o Estado somente pode empregar em caso de necessidade
de lesão da liberdade. O Direito impõe limites ao poder. Exerce poder lá
onde é necessário. À diferença do estado de natureza, o Direito oferece um
estado de violência previsível, apenas exercido em formas estritas.

3. Estado de Direito do cidadão em Kant: controle inalienável do
poder político

Pode-se agradecer à Filosofia do Direito de Kant o conhecimento de


que este estado de violência controlada somente deve ser apreciado com
cuidado. Kant indica o seguinte, que o exercício de violência pelo terceiro
neutral “Estado”, somente pode ter a finalidade de proteger aqueles que
voluntariamente renunciaram aos seus meios de violência. Com a delegação
do exercício da violência – insiste Kant – não está vinculada nenhuma
tarefa da própria liberdade. O Estado vive somente da e pela liberdade dos
homens. O Estado perde sua legitimidade quando dirige a violência que
exerce contra aqueles que colocaram uma parte de sua liberdade sob sua
proteção. A “invenção” não deve se dirigir contra seus “inventores”. Nisto
residiria uma contradição, que deveria ser excluída diretamente pelas ideias
de liberdade e de contrato social (Kant, AA VI, 315s). O que Kant pensa
com isto, permite-se esclarecer quando se representa o Contrato Social,
não somente como construção mental, mas como Direito prático efetivo –
algo como Constituição vivida. Na Constituição de um Estado, a ideia do
Contrato Social chega, talvez, à expressão mais imediata.

a) A perversão do poder na Revolução Francesa: a Liberdade na Guilhotina


Isto era assim na história do Iluminismo, isto é assim no presente político.
Na história do Iluminismo destacam-se dois exemplos, que tornam claro
quão diferente a invenção do Contrato Social é traduzida em realidade
política. Ambos os exemplos vinculam-se à Revolução Americana de
1776 e à Revolução Francesa de 1789. Ambas as Revoluções produziram
Constituições que, com todas as concordâncias, também mostravam
diferenças de princípio na compreensão da Constituição. Para os Pais da
158 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

Constituição americana, o princípio da liberdade era uma realidade já


existente e indisponível. A Constituição deveria ter em conta a circunstância
da proteção da liberdade.
Segundo a compreensão da Revolução Francesa, ao contrário, primeiro
ainda se tratava de realizar “liberdade, igualdade e fraternidade”. A liberdade
formava um programa político. Como e com que meios estes princípios se
deixavam transpor, determinava o soberano – o povo. A soberania do povo
domina a configuração da liberdade pessoal. Esta diferença é importante,
e tem amplas consequências (Preuss, 1994, 35): diferente da Constituição
americana, não existia nada, na visão dos revolucionários franceses, sobre
o que o soberano não pudesse dispor. O Abbé Sieyès escreveu, na véspera
da Revolução Francesa: “Independente do modo que uma nação quer, é
suficiente que ela queira; todas as formas são boas e sua vontade é sempre
a lei maior” (Preuss, op.cit.).

b) Liberdade como bem indisponível no Estado


Com esta frase está ligada uma espécie de teoria da felicidade. O
Estado moderno parece estar obrigado a isto, velar pela felicidade de seus
cidadãos. Este cuidado pode ser esmagador, forçado, enfim, também de
grande crueldade. A virada da Revolução Francesa para a fase do terror, que
consolidou a guilhotina, ao lado da Declaração dos Direitos do Homem,
fortemente na memória histórica da humanidade, explica-se com um
exagerado pensamento de Estado de bem-estar. Este pensamento acredita,
de um modo fundamental, na promessa da felicidade, de liberdade e
igualdade. Tenta realizar esta promessa com quase qualquer meio, a quase
qualquer preço. Já logo depois do começo da Revolução Francesa, a tríade
da “liberdade, igualdade e fraternidade” se transformou em “liberdade,
igualdade e segurança”, no que a última começou a dominar os princípios da
liberdade e igualdade. Que a liberdade limita o poder político e a violência,
que com ela pode estar ligada, não era mais o pensamento dominante no
curso da Revolução Francesa. Nos acontecimentos históricos em torno do
ano de 1789 pode-se ver que, na realidade política, o pensamento de uma
liberdade segura é substituído pela aparência de uma segurança apenas
livre. O Estado se reduz à imposição de soberania. Contudo, também um
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 159

soberano democrático perde a medida, quando é colocado no seu poder


como absoluto.
Kant pode ter tido diante dos olhos os acontecimentos históricos na
França, quando ele reivindica para o Estado a segurança da liberdade
pessoal. Reivindicar a liberdade no Estado, como algo indisponível, esta
necessidade existe precisamente hoje, justamente quando o Estado de
Direito se vê ameaçado por graves perigos.

c) Terror indomado no Estado Democrático de Direito: a Liberdade como


vítima da Segurança
O que deve acontecer em um Estado Democrático de Direito, quando
este se vê exposto a graves perigos? O que seria, se o perigo concreto de
uma igualmente grave catástrofe, como aconteceu em 11 de setembro de
2001, em Nova Iorque e Washington, tivesse ocorrido em solo europeu? O
que pode um Estado em uma tal situação? Se não se pensa em categorias
de uma abstrata segurança de um povo, de um sistema, de uma sociedade
como um todo, mas se permanece preso ao pensamento da liberdade
individual, torna-se também mais claro, do que se trata quanto à defesa de
tais perigos: da proteção da própria liberdade individual, e da proteção
dos Direitos que resultam imediatamente desta ideia – primeiro, os direitos
humanos elementares à vida e à integridade corporal. A concreta proteção
dos Direitos, que formam a base de existência do Estado, pode também
justificar limitações da liberdade. Então, pode-se falar de um dever de ação
do Estado, que resulta dos Direitos do indivíduo à vida e à integridade
corporal. Este dever de ação se robustece, quanto mais indivíduos são
ameaçados em seus Direitos. Torna-se, contudo, mais fraco, quanto mais
abstrata se representa a ameaça. É importante insistir que a liberdade não
deve ser questionada e, em princípio, não é limitada por considerações
de segurança.
Intervenções massivas nos Direitos de liberdade do cidadão
podem ser permitidas somente então e na medida em que seu núcleo é
imediatamente ameaçado ou lesionado. Preservar a ideia de liberdade,
não sacrificá-la ao soberano administrador da segurança, nisto consiste a
promessa do Contrato Social. “Pacta sunt servanda” – os contratos devem
ser cumpridos, à serviço da liberdade.
160 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

III. Antigos e novos Contratos Sociais

1. Novos quadros de referência supraestatais

A guerra no Afeganistão, que foi dirigida como reação aos acontecimentos


de 11 de setembro de 2001, pelos EUA, pela OTAN e por demais parceiros
de um pacto antiterror, pôde tornar claro que o Contrato Social no estilo
antigo, está em vias de dissolução. O Contrato Social no estilo antigo referia-
se a um ser do Estado. Era vinculado à fundação e à existência de Estados
nacionais. Este antigo Contrato Social estava concentrado no exercício e
na limitação do poder, no quadro de um território visualmente delimitado.
Esta delimitação visual se perdeu, o mundo dividido em Estados nacionais
e blocos políticos se tornou indistinto. Com isto, também o fundamento
de Direito para um justificado emprego de poder além do Estado, tornou-
se obscuro.

2. Consequências para a liberdade resultantes da situação jurídica global

a) Perigos para a liberdade resultantes de um modelo de Estado global


Neste contexto, é de se tomar de novo Kant como referência. Ele é,
até agora, o único reconhecível filósofo do Iluminismo que previu as
consequências da globalização. Em suas obras principais, sobre a “Metafísica
dos costumes” e “Sobre a paz eterna”, a concepção do Contrato Social é
aprofundada.

aa) Recusa de um Superestado de domínio centrado


Kant aponta para uma situação de Direito de estilo novo. Esta situação de
Direito torna-se necessária, porque além dos limites do Estado constituído,
na relação recíproca dos Estados, também na relação do indivíduo com
uma comunidade de Estados, o estado de natureza começa de novo. Fora
do Estado, ameaça nova desigualdade na distribuição dos meios de poder,
com esta desigualdade, também discórdia. O que é necessário para escapar
deste novo desafio do estado de natureza, sobre isto Kant não parece
inteiramente seguro. Assim, poder-se-ia imaginar, simplesmente ampliar
o Contrato Social: é representável, de vários Estados fazer um Estado, de
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 161

vários governos criar um Governo, no lugar de vários Legisladores colocar


apenas um, de vários sistemas de Jurisprudência resultar um só. Poder-se-
ia simplesmente redividir e redistribuir os meios de poder, de um nível
médio para um nível superior comum. Este caminho Kant rejeita (Kant,
AA VI, 350). Por esta rejeição ele foi frequentemente criticado, porque
a fundamentação da situação de Direito ameaça tornar-se, com isto,
aparentemente contraditória.

bb) Proteção de Direitos Humanos, antes na Confederação de Estados


Republicanos
Mas Kant receia que um Contrato Social supraestatal acarrete uma
excessiva concentração dos meios de poder em uma única mão. Esta
concentração, assim seus temores, não se deixa mais controlar. A liberdade
no Estado, que Kant reivindica, não se deixa garantir suficientemente
no quadro de um supercontrato Social. Em vez disso, para garantia da
liberdade e da paz, Kant quer estabelecer a Confederação dos Estados,
como uma cooperação de Repúblicas democraticamente organizadas. No
lugar de um Superestado, que ameaçaria a liberdade do indivíduo, propõe
Kant a liberdade do indivíduo que, como cidadão do Mundo, melhor pode
se afirmar em face do Estado, na Confederação de Estados Republicanos.
A Confederação de Estados Republicanos é, na perspectiva de Kant, um
complemento necessário para proteção da liberdade do indivíduo.
Na busca daquilo que vale para além do Estado, que é vinculante, que
homens e poderes reciprocamente partilham, encontra-se a ideia dos
Direitos Humanos. Estes direitos humanos – como produtos da liberdade
– são indivisíveis e, para Estados e outros poderes globais, indisponíveis.
Direitos Humanos indivisíveis e indisponíveis são as diretrizes do novo
Contrato Social. Em torno destes Direitos Humanos agrupa-se um quadro
estatal, sobretudo também da comunidade mundial, que os protege e
permite o seu desdobramento.

b) Exigências ao novo Contrato Social na Confederação Republicana de


Estados: a inviolabilidade da liberdade
Como parece este quadro, que o novo Contrato Social estabelece?
Positivação do Direito além do Estado é realidade há muito tempo. Ela é
162 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

configurada por chancelarias de advogados operantes internacionalmente


e empresas multinacionais. Negócios jurídicos entre bancos e grandes
empresas seguem suas próprias regras. Estas regras são negociadas entre os
participantes, o Estado quase não tem força própria de configuração. Kant
confiou neste processo para garantir uma paz duradoura. O “espírito de
negócio” – assim sua formulação – torna impotente o Estado e, assim, é
a garantia para a paz (Kant, AA VIII, 368).
O Estado não deve ser reprimido, contudo, apenas mediante processos
econômicos, mas também mediante a inviolabilidade dos Direitos
Humanos, válidos em geral. Não apenas questões econômicas se subtraem
de sua força de configuração, mas os próprios homens precisam, com
maior razão, poder escapar de sua intervenção. Vê-se que, nos últimos anos,
crescente significação é atribuída à realização dos Direitos Humanos. Vê-se
esta significação, sobretudo, quando se trata de castigar lesões de Direitos
Humanos. Neste caso, trata-se de situações em que os Estados, com seus
aparatos – administração, exército, serviços de segurança e serviços secretos
– pisoteiam sistematicamente os Direitos Humanos. Wolfgang Naucke
cunhou, para esta situação, o conceito de “criminalidade reforçada do
Estado” (Naucke, 1996). Herbert Jäger fala de “macrocriminalidade”
(Jäger, 1989) e significa, com isto, a mesma situação de graves lesões
sistematicamente organizadas de Direitos Humanos.

3. Sobre a realização internacional dos Direitos de Liberdade e dos


Direitos Humanos

As Nações Unidas criaram, com os Tribunais da Iugoslávia e Ruanda,


formas jurídicas que assumem estas lesões de Direitos Humanos, até
com os meios do Direito Penal. Esta linha continua com o Tribunal
Penal Internacional. O Estatuto de Roma de 17.07.1998, que fundou
o Tribunal Penal Internacional, torna claro: a liberdade do indivíduo é
tão valiosa, que as lesões de direitos individuais, que resultam da ideia de
liberdade, precisariam ser jurídico-penalmente perseguidas em todos os
lugares do mundo. No novo Contrato Social, a inviolabilidade da liberdade
é defendida contra possíveis abusos do poder estatal.
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 163

Na verdade, seria uma má compreensão do “novo” Contrato Social, se


alguém pretendesse deduzir dele a autorização para intervenções armadas
em outros Estados. Direitos Humanos não legitimam nenhuma guerra –
em todo caso, não aquelas que são dirigidas com intenção preventiva, para
descobrir supostos terroristas ou arsenais de armas. As guerras contra o
Iraque, o ataque da OTAN contra a Iugoslávia, a guerra no Afeganistão:
a concentração das “marchas armadas” nas últimas décadas mostra que
cresceu a disposição para o emprego da violência, nas relações internacionais.
A gente quase já se acostumou com isto, que guerras são conduzidas em
intervalos regulares – também com participação alemã. Com isto, chega-
se a perder a visão de que a violência deve ser apenas último recurso para
proteger a liberdade individual. Então, ela parece como legítima, quando
se deve reagir contra graves lesões de Direitos Humanos.
Esta estreita escala, na qual a violência também pode mover-se para além
do Estado, não deve ser abandonada. Se for abandonada, nasce um estado
de insegurança, que não estaria em harmonia com as ideias de liberdade
e de Direitos Humanos. Os Direitos Humanos afirmam a liberdade
em face do Estado – em qualquer lugar do Mundo: eles instituem
segurança. Com isto é pensada a segurança de seres humanos fracos diante
de um Estado forte, frequentemente doloroso interventor. Em face das
intensificadas experiências de guerra, em diferentes regiões do Mundo, é
preciso fazer-se sempre de novo consciente desta orientação de valor.

B. Experiências históricas com o Estado de segurança devorador da


liberdade

Para quem a legitimação filosófica da outorga de liberdade pelo Estado


é pouco robusta, este pode encontrar uma orientação empírica na história
europeia de negação da liberdade e o desenvolvimento dos Direitos
Humanos com esta relacionado, como garantias de segurança diante do
Estado.
Houve sempre momentos históricos nos quais este reconhecimento era
evidente. Exemplos para estes momentos históricos são o final da Segunda
164 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

Guerra Mundial e a queda da Cortina de Ferro, no final da década de


80 do último século. A Declaração Universal dos Direitos do Homem,
mais tarde a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), são
importantes documentos de liberdade. Eles retiram sua legitimidade não
somente de suas ideias, mas das massivas experiências de injustiças de
indivíduos e sociedades inteiras, que foram confrontados com a completa
perda da liberdade.
Os exemplos da República de Weimar, do nacional-socialismo na
Alemanha, do fascismo de Franco na Espanha, da ditadura de Salazar
em Portugal, do regime de coronelismo na Grécia e as tentativas de um
socialismo autoritário de Estado no Leste europeu, formam um fundus
europeu para as experiências com a perda de liberdade (compare, em
detalhes, Albrecht, 2003, 28-39). Neles pode-se ver o que significa expandir
a segurança de um Estado sobre as costas dos direitos de liberdade do
indivíduo. Destes exemplos pode-se aprender como a liberdade deve ser
protegida, e que a segurança sozinha não pode ser nenhuma boa conselheira.
Aprender destes exemplos – isto também seria um bom começo europeu
para um Direito Penal da liberdade.

C. Liberdade mediante segurança: antítese do Iluminismo europeu

I. O “direito fundamental à segurança” como figura política artificial

A discussão política por mais segurança é acompanhada, desde muito


tempo, por uma figura jurídica artificial. Esta figura artificial apoia a
dinâmica política da discussão de segurança. Com auxílio desta figura
artificial, é rejeitada a ideia de liberdade como fundamento do Estado.
Com isto nasceu o “direito fundamental à segurança”. Este direito tem,
entretanto, sua posição firme na discussão geral europeia sobre Direito de
Polícia e Direito Penal. Também a Europol fala de um “direito europeu
fundamental à segurança”, como indiscutível (Petri, 2001, 125). Um tal
direito fundamental seria necessário para proteger o cidadão da violência
de outros cidadãos.
§ 8 - Liberdade como ponto de partida 165

1. Dever de ação estatal como mandamento do Contrato Social

Neste contexto, a referência de direito fundamental é falsa, porque o


dever de segurança estatal já resulta somente do Contrato Social. Pertence
à essência do Contrato Social dispor de meios para reagir à violência,
que pode surgir entre cidadãos. O Estado, que é fundado pelo Contrato
Social, é obrigado a proteger os direitos de liberdade de seus cidadãos.
Disto emergem deveres de ação, que podem surgir em cada perigo para
a liberdade individual e coletiva. A Jurisprudência do Tribunal Federal
Constitucional reflete esta relação de proteção da liberdade e dever estatal
de ação. O dever de ação se fortalece, quanto mais concreto é o perigo e
quanto mais valioso é o direito de liberdade ameaçado.

2. Direito fundamental à segurança = segurança do Estado

Este dever de ação para o bem da liberdade do ser humano não


significa, contudo, o “direito fundamental à segurança”. Ao contrário, este
é compreendido como uma reclamável totalidade de todos os deveres de
proteção estatal (Isensee, 1983, 33; compare também Callies, 2002, 1 s.).
Deve formar um consciente antagonismo à função originária dos direitos
fundamentais, que eram pensados como direitos de defesa contra o poder
estatal. Neste antagonismo reside o problema do direito fundamental à
segurança:
• Desvincula da ideia de liberdade, a compreensão de um Estado seguro.
Ao próprio Estado é atribuída a segurança, como valor abstrato, que
pode se dirigir contra o indivíduo. A segurança do Estado não serve
mais à liberdade do ser humano, mas prepondera sobre esta. Ela pode
preponderar sobre a liberdade, porque o próprio conceito de segurança
é cintilante.
• Pode-se compreender a segurança, não somente como a proteção do
cidadão diante de abusos de outros, mas também como a tranquilidade
psíquica de poder se movimentar em liberdade, sobretudo. Segurança é
o estado de uma sociedade, constitui a propriedade de todo um sistema.
Se existe um direito fundamental à segurança, então resulta também
disto que o estado da sociedade ou a propriedade sistêmica, como tal,
166 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

deve ser afirmada. O Estado, a sociedade ou o sistema como um todo


podem, então, se dirigir contra o ser humano individual. Direitos
fundamentais não constituem mais quaisquer pretensões de defesa,
que se poderiam dirigir contra o poder do Estado, da sociedade ou do
sistema.
De um direito fundamental à segurança deste tipo deixa-se deduzir,
mesmo, uma pretensão do Estado ao seu cidadão, de se comportar
legalmente. Nisto reside a mais radical inversão da relação entre Estado
e cidadão. Nisto reside, ao mesmo tempo, também o mais fundamental
equívoco na relação entre liberdade e segurança. Nisto reside o mais
grosseiro desprezo de experiências históricas com a função do pensamento
de segurança nos – acima descritos – autoritários ordenamentos de Estado
da Europa. Se a segurança se torna um direito fundamental, então ameaça
o perigo diante do qual Kant alertou. O Estado, que somente existe por
causa e a partir da liberdade de seus cidadãos, começa a se voltar contra
seu “inventor”. Onde a segurança deve ser garantida, trata-se de evitar
também o menor “risco humano residual”, de eliminá-lo. Os inventores
da figura artificial “direito fundamental à segurança” inflam a segurança
a um “superdireito fundamental”. Assim, a destruição da liberdade é
teoricamente escoltada e garantida. A figura artificial ajuda a arte da Política
a representar, de forma populista, o esvaziamento dos direitos de liberdade.

II. Tríade necessária: liberdade, segurança e Contrato Social

No debate sobre o chamado direito fundamental à segurança resta


algo sempre a considerar: não se pode perder a relação entre liberdade,
segurança e Contrato Social. Esta relação é confirmada pelo conceito
de “security”, na Convenção Europeia de Direitos Humanos (art. 5°,
capítulo 1 CEDH). Lá a segurança interna de todo um ser estatal não
é tomada em referência, mas é empregado o conceito de segurança
como a filosofia iluminista pretendia compreendê-lo. Lá é significada
a segurança pessoal do ser humano em face de intervenções estatais.
Mantendo-se sempre em vista a relação entre liberdade, segurança e
Contrato Social, também fica claro que não existe nenhuma verdadeira
necessidade, materialmente justificada, para um próprio direito fundamental
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 167

à segurança. Afirmando-se deveres de proteção do Estado, se e na medida


em que a liberdade pessoal de seres humanos está em perigo concreto,
imediatamente ameaçada ou lesionada, não há nenhuma necessidade de
recurso à figura artificial do direito fundamental de segurança. Se um
direito de liberdade, em uma concreta situação, reclama por intervenção
estatal, então o mandamento jurídico(-constitucional) é suficiente (Petri,
2001, 127).

D. Princípios do Direito Penal como fundamentos da liberdade


constitucional

No princípio de toda fundamentação do Direito Penal estão liberdade,


dignidade da pessoa humana e direitos universais do homem. Estes são
os caracteres centrais também do novo Contrato Social. Sobretudo: o
Direito Penal não é nenhum remédio universal dos interesses de segurança
estatais, mas protege os súditos do Direito contra intervenções estatais, na
área nuclear da liberdade e da dignidade da pessoa humana – no Estado e
além deste. Somente assim se deixa cumprir, de modo legítimo, sua tarefa
central de indicar as lesões do Direito merecedoras de pena, como injusto
nuclear, e de sancioná-las em conformidade com a Justiça. Os princípios
seguintes, que são apresentados na próxima seção, são formas de proteção
da liberdade, que precisam ser transferidas para o Direito Penal. Apenas
um tal legitimado Direito Penal liberal é Direito Penal do Estado de
Direito – sem dúvida, altamente frágil. Deve-se protegê-lo, na legislação e
na aplicação do Direito.

§ 9. Os Princípios do Direito Penal:


formas protetoras do Direito Penal do Estado de Direito

Literatura: Albrecht, P.-A., Zur sozialen Situation entlassener “Lebenslänglicher”, 1977;


Albrecht, P.-A., Die vergessene Freiheit – Strafrechtsprinzipien in der europäischen
Sicherheitsdebatte, 2003; Asbrock, B., Zum Mythos des Richtervorbehalts, KritV 1997,
255 s.; Backes, O./Gusy, C., Wer kontrolliert die Telefonüberwachung? – Eine empirische
Untersuchung zum Richtervorbehalt bei der Telefonüberwachung, 2003; Baltzer, U.,
Die Sicherung des gefährlichen Gewalttäters – eine Herausforderung an den Gesetzgeber
168 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

-, 2005; Brüner, F.H./ Spitzer, H., Der Europäische Staatsanwalt – ein Instrument zur
Verbesserung des Schutzes der EU-Finanzen oder ein Beitrag zur Verwirklichung eines
Europas der Freiheit, der Sicherheit und des Rechts?, NStZ 2002, 393, 397; Hassemer, W.,
Die “Funktionstüchtigkeit der Strafrechtspflege” – ein neuer Rechtsbegriff?, StV 1982, 275
s.; Jescheck, H.-H., Das Schuldprinzip als Grundlage und Grenze der Strafbarkeit, in: Lahti
et. al. (editor), Strafrechtstheorie im Umbruch – Finnische und vergleichende Perspektiven,
1992, p.318 s.; Jescheck, H.-H., Lehrbuch des Strafrechts – Allgemeiner Teil, 5 ed., 1996;
Macke, P., Die dritte Gewalt als Beute der Exekutive, DriZ 1999, 481s.; Mackenroth, G.W.,
Fremde Federn, in: FAZ de 1° agosto de 2002, p.10; Materialheft zum 25. Strafverteidigertag
2001, 147 s.; Marxen, K., Medienfreiheit und Unschuldsvermutung, GA 1980, 365 s.;
Naucke, W., Die Kriminalpolitik des Marburger Programms 1882, ZStW 94 (1982), 525 s.;
Naucke, W., Über die Zerbrechlichkeit des rechtsstaatlichen Strafrechts, KritV 1990, 244 s.;
Naucke, W., Die strafjuristische Priviligierung staatsverstärkter Kriminalität, 1996; Naucke,
W., Eine leblose Vorschrift: Art. 103 II GG, KritV 2000 (Sonderheft – Winfried Hassemer
zum sechzigsten Geburtstag), 132 s.; Naucke, W., Strafrecht, Eine Einführung, 10 ed., 2002;
Radbruch, G., Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht, SJZ 1946, 105 s.; Riepl, F.,
Informationelle Selbstbestimmung im Strafverfahren, 1998; Rzepka, D., Zur Fairness im
deutschen Strafverfahren, 2000; Schmidt, EB., Einführung in die Geschichte der deutschen
Strafrechtspflege, 3 ed., 1965; Stern, K., Zur Entstehung und Ableitung des Übermassverbots,
in: Wege und Verfahren des Verfassungslebens – Festschrift für Peter Lerche zum 65.
Geburtstag, 1993, p. 165 s.

Se o Direito Penal é uma ordem de coação limitada por princípios,


então a análise criminológica do Sistema de Justiça Criminal também
deveria se orientar por estes princípios. Os princípios do Direito Penal
devem ser lidos, nesta posição – introduzindo a 2ª Parte –, como método
para a aplicação do Direito (compare, com outros detalhes, Albrecht,
2003). Este método contém um potencial de reflexão normativo, que nem
a Criminologia tradicional, nem a Criminologia autônoma podem passar
por cima, se estas não querem colocar em questão direitos subjetivos. Estes
princípios são, ao mesmo tempo, a escala crítica, perante a qual precisam
responder o Legislador, o aplicador do Direito, a ciência do Direito Penal e a
Criminologia. Quando se ignora esta escala, existe o perigo historicamente
comprovado de exercício incontrolado do poder pelo Estado e pela
sociedade. Por isto, a Criminologia tradicional e a Criminologia autônoma
têm de tomar conhecimento dos princípios centrais do Estado de Direito
e de respeitá-los como formas protetoras perante a intervenção jurídico-
penal.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 169

A. O princípio da legalidade penal como fundamento da liberdade


constitucional

I. A ideia

O significado central da legalidade penal para a legislação e aplicação do


Direito deixa-se esclarecer no seguinte exemplo:
O que acontece com manifestantes que bloqueiam, em posição sentada,
um depósito militar, para assim deter veículos? Este caso mobilizou a
Justiça penal nos anos setenta e oitenta do século 20, em face dos protestos
do Movimento de Paz. Lá, onde o protesto político se manifesta na forma
de bloqueios sentados, coloca-se, também na atualidade, sempre de novo
esta questão. Era e é de se demonstrar, se este comportamento preenche
o tipo penal do constrangimento ilegal (§ 240, CP). Isto pressupunha, na
verdade, que o simples fato de estar sentado, vinculado com nenhuma outra
atividade, representa violência no sentido do Código Penal. O Tribunal
Federal Superior afirmou isto (BGHSt 23, 46 s., denominada sentença
Laepple; compare, contudo, BGHSt 41, 182 s., chamada Jurisprudência
de segunda linha): sobre aquele que não poderia continuar a dirigir, por
causa de um manifestante sentado, seria exercida uma pressão psíquica,
que seria algo como violência e, por isto, também poderia ser punida
como constrangimento ilegal. A solução do problema – se pressão sobre
a psique é “violência”, no sentido do § 240 CP – depende essencialmente
do seguinte, o que se entende por legalidade penal e como se determina
seu alcance.

1. Nullum crimen, nulla poena sine lege

Um fato somente pode ser punido, se a punibilidade estava legalmente


determinada antes que o fato fosse cometido (art. 103, capítulo 2,
Constituição). A legalidade penal é o princípio central do Direito Penal.
Com a legalidade penal começa o Direito Penal legítimo, limitador do
poder do Estado. “Nenhuma pena sem lei” (nullum crimen, nulla poena
sine lege) –, assim diz a fórmula abreviada da legalidade penal. Ela
representa a conquista mais fundamental de um Direito Penal esclarecido,
170 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

moderno e de Estado de Direito. A mensagem da legalidade penal consiste


na limitação do poder e na proteção da liberdade pessoal em face do Estado
punitivo. Contrato Social e legalidade penal estão vinculados de forma
inseparável. A legalidade penal apenas pode se realizar no livre Estado de
Direito Democrático. Esta é produto de princípios do Estado de Direito e
pode ser compreendida como consequência necessária da democracia e da
divisão de poderes.

2. Componentes formais e materiais

A legalidade penal possui dois significados importantes (Naucke, 1990,


244, 246s.): um formal, que diz respeito ao processo de legislação penal, e
um material, que designa o que parece propriamente digno de pena.

a) Significado formal
O significado formal da legalidade penal consiste nisto, que na criação
de leis penais condições procedimentais precisam ser observadas. A
lei penal somente pode reivindicar legitimidade, se foi suficientemente
discutida e votada pelo Parlamento. Uma tal discussão pressupõe um
público informado, que se conscientiza dos efeitos do Direito Penal.
Além disso, precisa existir possibilidades de participação para o aplicador
do Direito, mas sobretudo para os destinatários da lei penal. A votação
de uma lei penal precisa ser bem refletida, sobretudo pensada em suas
consequências. Transformando este significado formal da legalidade penal
também numa fórmula abreviada, então esta precisa dizer “nenhuma pena
sem lei parlamentar”.

b) Significado material
Quando se pergunta pelo significado material da legalidade penal,
então resultam também disto limitações para o Estado – o conceito de
Direito Penal cunhado por Naucke empresta a estes limites expressão
figurativa, como “direito de limitação do combate da criminalidade”
(Naucke, 1982, 564). Este não pode simplesmente considerar como punível
tudo que infringe regras ou interesses, tudo que pode ser perturbador
ou perigoso. Um tal Direito Penal ilimitado representaria uma ameaça
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 171

para a liberdade e, além disso, seria totalmente ineficaz para a proteção


da liberdade individual. Ao contrário, este necessita de uma especial
referência à liberdade. Apenas a lesão de específicos direitos de liberdade do
outro (dignidade da pessoa humana, liberdade de vontade, direito à vida
e integridade corporal), no seu núcleo, justifica a intervenção do Direito
Penal.

c) Garantia de perpetuidade
Mas o art. 79, capítulo 3, da Constituição, também impõe limites
absolutos ao Estado. Uma criminalização que afete a dignidade humana
é proibida pela Constituição ao Estado, de modo permanente. O art. 79,
capítulo 3, da Constituição constitui, mesmo em relação ao Legislador, um
limite intransponível, quando medidas legislativas lesionam a dignidade
da pessoa humana. Esta “garantia de perpetuidade” representa, para
a Política e para o Estado, o limite absoluto de suas atividades político-
criminais. A dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de
Direito são, na República Federal da Alemanha, indisponíveis para todos.

d) Critério da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH)


Finalmente, lesões de direitos humanos, que podem ser causadas
sistematicamente por todo e qualquer Estado, provocam a atuação do
Direito Penal para além do Estado. Na lesão de direitos humanos torna-
se visível o que pode significar dignidade penal. O Legislador precisa
deixar-se medir por este grau de lesão do Direito, se afirma a dignidade
penal de um comportamento lesivo do Direito. Com isto, mostra-se
que a legalidade penal não representa somente um princípio limitado ao
Estado, mas – especialmente em seu componente de conteúdo – também
pode reivindicar validade em toda Europa e em todo o Mundo. Isto se
torna claro na interpretação do art. 7°, seção 1 CEDH, pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos, segundo a qual violações estatais contra
a dignidade da pessoa humana, independente de tempo, lugar e modo,
sempre representam injusto merecedor de pena (EGMR NJW 2001,
3035). O Tribunal Europeu impôs, por este meio, um critério irremovível
e permanente à Política, que deve ser mantido em vista.
172 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

II. O princípio da legalidade (art. 103, capítulo 2, Constituição) e suas


manifestações

Na práxis do Sistema de Justiça Criminal, a ideia da legalidade


penal encontra aplicação mediante quatro componentes. Estas quatro
manifestações concretizam as exigências, que estão ligadas com a legalidade
penal, em um Direito Penal do Estado Democrático de Direito. Distingue-
se o mandado de determinação, a proibição de analogia e de Direito
costumeiro e a proibição de retroatividade.

1. Mandado de determinação (lex certa)

Esta manifestação do princípio da legalidade obriga o Legislador à


precisão na formulação da lei. Em especial, deve ser previsível para o
destinatário da norma, quais ações a lei criminaliza como desviantes e qual
sanção está vinculada com o desvio da norma. Sem uma precisa descrição
de uma ação penalmente típica, não se pode falar de comportamento
“criminoso”, no sentido jurídico profissional.

a) Critérios de previsibilidade e determinação


Um exemplo para o exigido critério de previsibilidade, como parte
integrante do princípio da determinação, oferece a Jurisprudência da Corte
Federal de Justiça, de 22 de julho de 2004. Objeto era a interpretação
de uma difusa escolha de palavra pelo Legislador na Lei Tributária, de
redução de imposto “em grande extensão”, que o Legislador penalizou
mesmo como crime. A Corte Federal de Justiça advertiu o Legislador,
em matéria penal: “Não se pode reconhecer sob quais pressupostos
esta característica típica é preenchida (...). Por esta constatação não é
perceptível como o destinatário da norma, mediante interpretação, deve
verificar e concretizar a extensão e a área de aplicação do tipo de crime”
(BGH 5 StR 85/04 = BGH NJW 2004, 2990 s.).

b) Validade para o tipo penal e para a ameaça da pena


O mandado de determinação legal vale não somente para o tipo
penal, mas também para a ameaça penal: “A pena precisa, como reação
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 173

soberana reprovadora do injusto criminal culpável, ser determinada


normativamente pelo Legislador parlamentar, em espécie e medida, a
sanção ameaçada para uma violação contra uma norma penal precisa ser
previsível para o destinatário da norma.” Com estas palavras, o Tribunal
Federal Constitucional (BverfGE 105, 135 s.) eliminou da lei, em poucas
linhas, a norma penal patrimonial de insuperável indeterminação (§ 43 a,
Código Penal), depois que, previamente, todos os Tribunais consultados,
até mesmo a Corte Federal de Justiça, o Ministério Estadual de Justiça,
o Procurador Geral da República e o Ministério Federal de Justiça, nada
tiveram a objetar contra esta norma.

2. Proibição de analogia e de Direito costumeiro (lex stricta e lex


scripta)

a) Literalidade como limite de interpretação


A proibição de analogia dirige-se ao aplicador da lei, e lhe proíbe declarar
uma ação como punível, que não está definida em lei. Significa, em geral,
que uma ação não pode ser punida porque é semelhante a uma outra ação
descrita em uma lei.
Diz-se que, em toda aplicação de leis penais, o possível sentido literal
da lei marca o limite extremo da interpretação. O que pode ser o sentido
literal de uma lei, deve ser determinado a partir da perspectiva do cidadão. O
legislador precisa se deixar tomar pela palavra, que ele proferiu na definição
do comportamento punível. Uma precisa delimitação entre interpretação
permitida e interpretação não permitida, ou seja, interpretação excedente
do possível sentido literal da lei, é difícil. Em várias decisões, o Tribunal
Federal Constitucional tentou solucionar o problema dos bloqueios em
posição sentada acima descrito (BverfGE 73, 206 s. (Mutlangen); 92, 1, 14
s.), em que, finalmente, o chamado conceito espiritualizado de violência
foi avaliado como infração contra a proibição de analogia.

aa) Exemplo dos bloqueios sentados (§ 240 CP)


O puro e simples inativo estar sentado não representa nenhuma
violência. Não bastaria que, com isto, apenas estivesse ligada uma pressão
psíquica sobre o condutor de um veículo de passageiros. Para a violência
174 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

jurídico-penalmente relevante é necessário, pelo menos, um mínimo de


desdobramento de força corporal. Do contrário, existiria o perigo de que a
violência, que o Direito Penal coloca sob pena no tipo de constrangimento
ilegal, não possa mais claramente se diferenciar das coações cotidianas,
também estruturais, às quais todos, em quase todo tempo, estão expostos.
Segundo isto, os bloqueios sentados não eram, fundamentalmente,
nenhum constrangimento ilegal.

bb) Dirigir embriagado (§ 316 CP)


A função garantidora da liberdade da proibição de analogia torna-se
clara, em muitas pequenas situações, aparentemente insignificantes para
o leigo do Direito. O tipo legal de embriaguez no trânsito pressupõe,
por exemplo, que o “embriagado” dirige um veículo. Apenas, o que
significa dirigir veículo? O carro precisa estar em movimento, precisa ter
alcançado velocidade de pedestre, basta apenas acionar o motor? Em face
da proibição de analogia, a Corte Federal de Justiça (BGHSt 35, 390 s.)
rejeitou considerar a partida do motor já como a direção de um veículo.
Isto restringe a lei penal à medida previsível pelo cidadão.

cc) Furto de energia elétrica (§ 248 c CP)


O significado prático da proibição de analogia na Alemanha remonta
até o Império do Kaiser. Lá se introduziu o tipo penal do furto de energia
elétrica (§ 248 c CP). Hoje esta norma perdeu todo significado. Naquele
tempo, era um importante progresso do Estado de Direito. Se energia
alheia era sangrada, isto não era nenhum furto, segundo a Jurisprudência
do Tribunal do Império: uma coisa é um objeto corpóreo, eletricidade
não. Assim, no caso que o Tribunal do Império tinha de decidir (RGSt
29, 111 s.), chegou-se a uma absolvição. A isto, o Legislador precisou
reagir. Nesta reação residiu uma necessária reverência ante a proibição
de analogia.

b) Direito Costumeiro
Além disso, o art. 103, capítulo 2 da Constituição, contém a proibição
de constituir direito costumeiro em prejuízo dos súditos do Direito. Por
direito costumeiro entende-se o constante emprego de juízo, que não
encontra nenhum fundamento na lei (Naucke, 2002, p.68).
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 175

3. Proibição de retroatividade (lex praevia)

A proibição de retroatividade tem em vista, do mesmo modo, o


Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O Legislador não pode estabelecer
nenhuma lei penal posterior, quando toma por punível um determinado
comportamento, mas este comportamento ainda não era punível. Uma
ação impunível ao tempo do fato, também não pode ser sancionada com
pena, posteriormente, pelo Juiz penal. Reiteradamente a proibição de
retroatividade está no ponto central, quando se trata de controvérsias com
o poder estatal. Seu significado se desenvolve em duas direções.

a) Lex van der Lubbe


Por um lado, quando são os Estados autoritários, não têm escrúpulos
em punir, também posteriormente, comportamento politicamente
desaprovado. A ruptura da proibição de retroatividade é firme componente
da práxis do Estado autoritário. Em todos os regimes ditatoriais da
Europa, com Franco, com Salazar, com os coronéis gregos, a proibição
de retroatividade foi desprezada, quando isto era politicamente oportuno.
Triste celebridade alcançou na história alemã a chamada “Lex van der
Lubbe”, de 1933 (RGBl. 1933 I p. 151: “As prescrições de 28 de fevereiro de
1933 também são aplicadas aos fatos que foram cometidos entre 31 de janeiro
e 27 de fevereiro de 1933”) – uma lei com a qual se tornou posteriormente
possível aplicar a pena de morte contra Marinus van der Lubbe, suspeito de
incendiar o Reichstag.

b) Guardiães do Muro
Por outro lado, a proibição de retroatividade alcança significado limitado,
quando se trata de fatos que estão em relação com a práxis autoritária do
Estado. Tanto no caso dos nacional-socialistas, como também após o colapso
da DDR, foi invocada a proibição de retroatividade, quando se trata do
emprego do Direito Penal contra o Estado e seus “voluntários executores”.
No caso dos Guardiães do Muro, os positivados fundamentos justificadores
do Direito da DDR não devem mais ser aplicáveis, por causa de uma
evidente e insuportável violação contra elementar mandamento de Justiça
e contra direitos humanos protegidos pelo Direito dos Povos (BverGE 95,
176 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

96, 127 – caso Krenz e outros), sob fundamentação da chamada fórmula


Radbruch: segundo esta, o conflito entre Justiça e segurança jurídica é de se
resolver assim, “que o Direito positivo, garantido pela norma e pelo poder,
tem preferência também quando é materialmente injusto e inadequado, a
não ser que a contradição da lei positiva com a Justiça alcance uma extensão
tão insuportável, que a lei deve, como “direito incorreto”, ceder à Justiça.”
(Radbruch, 1946, 105, 107).
Em relação ao que Wolfgang Naucke define como “criminalidade reforçada
do Estado”, na perspectiva do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,
a proibição de retroatividade mostra-se como simplesmente inaplicável
(EGMR NJW 2001, 3035 s. – caso Krenz e outros). A legalidade penal
é, portanto, expressão de um Direito que se mostra sensível diante da
impotência da vítima da criminalidade reforçada do Estado. A legalidade
penal toma distância do Estado. Punir a “criminalidade reforçada do
Estado” não fere, portanto, a proibição de retroatividade, mas completa a
ratio limitadora do poder do Estado, desta prescrição (Naucke, 2000, 132 s.).

III. Resumo: legalidade penal como tradição do Direito europeu

Todos os componentes mencionados fundamentam a função da


legalidade penal de proteção da liberdade. Todos disciplinam o poder
estatal em diferentes situações, onde é necessário. Todos garantem espaços
de liberdade e tornam claro como são infiltráveis estes espaços de liberdade,
e onde se invade sem permissão os espaços de liberdade dos outros. A
legalidade cria garantias, impõe limites, possibilita à liberdade seu maior
emprego possível. Assim vista, a legalidade penal institui também segurança.
O princípio da legalidade protege o cidadão em face da arbitrariedade
do Estado. Os fundamentos teóricos desta proteção, que retiramos da
filosofia do Iluminismo, já foram descritos. A legalidade penal é imediata
expressão destes fundamentos. A relação entre liberdade e legalidade,
em Montesquieu, era direta. Kant pode pensar a lei penal somente como
garantia da liberdade pessoal. Também com Cesare Beccaria a teoria do
Direito Penal apanha a relação entre liberdade e lei penal. Somente as leis –
assim Beccaria (citado conforme Schmidt, 1965, 218) – podem determinar
a pena, nenhum funcionário. O Juiz penal deveria também apenas
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 177

aplicar estas leis, pois somente o domínio da lei preservaria a liberdade


do cidadão. Os séculos 18 e 19 estão, em toda Europa, também sob o
signo da transposição desta relação de garantia da liberdade, limitação do
poder e legalidade penal. Nesta época, foi formulada uma reivindicação de
legalidade penal, pela qual a realidade política precisaria deixar-se medir.
Contudo, não se pode iludir: esta realidade política fracassa, sempre de
novo, diante das reivindicações que a liberdade e a legalidade penal lhe
propõem. Mas também não se deve fingir que a ideia da legalidade penal
seria negada com isto, apenas porque as relações não são assim, como
deveriam ser. O fracasso da Política não prejudica a reivindicação, apenas
estimula a formular e reclamar, sempre de novo, os princípios da liberdade.

B. O princípio da culpabilidade como limitação do poder de punir

I. O princípio da compensação de culpabilidade como limitação do


poder de punir

1. Jurisprudência constitucional e culpabilidade

O princípio da compensação de culpabilidade forma, também ainda


hoje, o fundamento do Direito Penal. Isto se permite evidenciar, de forma
impressionante, por meio de um exemplo atual:

O Tribunal Federal Constitucional verificou, com a decisão de 20.03.2002


(BverfGE 105, 135 s.), que a norma do § 43 a CP, é inconstitucional. A prescrição
permitia, ao lado de pena privativa de liberdade “de mais de dois anos, sentenciar
ao pagamento de um valor em dinheiro, cujo máximo é limitado pelo valor do
patrimônio do autor (pena patrimonial)”. O Legislador e todas as instituições
participantes não puderam reconhecer nesta norma nenhuma dúvida digna de crítica.
De modo diferente, o Tribunal Federal Constitucional. Decidiu que o princípio da
culpabilidade determinaria que a consequência jurídica ameaçada para um fato,
precisaria estar numa relação adequada com o injusto do fato. Isto significa que o
Legislador precisa propor uma moldura penal que, em relação aos limites inferior e
superior da pena, não possa conter nenhum espaço de julgamento. Uma “moldura
penal ilimitada” – como era esta vinculada com a pena patrimonial – não pode
existir. Isto, segundo o Tribunal Federal Constitucional, abrigaria o perigo de deixar
na obscuridade a “relação normativa entre injusto e culpabilidade, de um lado, e
178 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

sanção, de outro lado”. O princípio da culpabilidade exige moldura penal claramente


determinada, para evitar penas desproporcionais e injustas.

2. Culpabilidade como garantia de liberdade cientificamente não


refutável

a) Culpabilidade como imputação respeitadora da autonomia


Com a categoria normativa da culpabilidade, que é de se concretizar
sobre os princípios da proporcionalidade, do merecimento de pena e de
outros critérios de valoração, o sujeito submetido ao Direito deixa-se mais
proteger do que promover. A culpabilidade é, portanto, uma categoria de
limitação, que torna calculável a intervenção estatal sobre o indivíduo. Sem
dúvida, não segundo critérios científico-naturais, mas segundo critérios
de valoração, que estão abertos à verificação jurídica (constitucional). A
culpabilidade é imputada prima facie a todos os homens, no interesse
do funcionamento da ordem jurídica, e excluída somente conforme
mensuráveis critérios biológicos e psicológicos rigorosos. Estes critérios
são normatizados no § 20 CP e indicam os limites de imputação como
“perturbação psíquica patológica”, “profunda perturbação da consciência”,
“imbecilidade”, ou “outra grave anomalia psíquica”. Por causa destas
circunstâncias age “sem culpa”, quem não compreende o injusto do fato
ou não é capaz de agir conforme esta compreensão. A culpabilidade pode
também ser meramente reduzida e atua, então, reduzindo a pena. Ainda
uma vez: a culpabilidade como tal, portanto, não é nenhuma categoria
empírica verificável, mas uma imputação respeitadora da autonomia do ser
humano, que deve possibilitar o funcionamento do sistema integral da
“sociedade”.

b) Medida de prevenção: pena sem culpa

aa) Medida de prevenção como corpo estranho no Direito


Quem não está sujeito a esta imputação, deve contar com medidas
de prevenção, que devem ter exclusivas funções de proteção para a
sociedade, mas nada têm a ver com punição. Os efeitos podem atuar
como uma pena para o indivíduo, contudo uma imputação de injusto
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 179

não está ligada com eles. O afetado tem de aceitar, se declarado como
inimputável pelo Sistema de Justiça Criminal, assistência médica e social,
e o público deve, eventualmente, ser protegido em face dele. Ele cai fora
do Direito Penal. Experientes Defensores criminais relatam que acusados,
que devem ser declarados como incapazes de culpabilidade, em parte
procuram, desesperadamente, ser vistos como capazes de culpabilidade.
Eles temem ser expostos – muitas vezes com razão –, na situação real das
instituições psiquiátricas, às mais graves restrições pessoais e psíquicas.
Se assim se quer, portanto, a culpabilidade é uma reverência perante a
autonomia do indivíduo, que é levado a sério pelo ordenamento jurídico
e, então também, tratado seriamente. A inimputabilidade se torna um
pesado estigma, discrimina e deixa o afetado aparecer como estranho e
doente.

bb) A revalorização normativa do tipo de medida de prevenção no


Direito atual
A medida de prevenção – aliás, como ruptura de todo modo altamente
problemática do princípio da culpabilidade – foi normativamente
revalorizada no curso dos mais recentes passos da legislação: pode agora,
mesmo independente de verificações judiciais do fato, com isto também
independente do fato cometido, ser aplicada retroativamente. Com a
garantia de liberdade do princípio da culpabilidade, isto não é jurídico-
constitucionalmente compatível: “A limitação da privação de liberdade
efetuada fundamentalmente na sentença penal contém, para os autores
condenados, a promessa vinculada de poder conduzir novamente uma
vida em liberdade, após o cumprimento da pena e execução de uma
medida de prevenção privativa de liberdade. A dignidade da proteção da
confiança assim fundada, não pode ser colocada em questão por interesses
de proteção da população, não impostos jurídico-constitucionalmente
de modo conclusivo, em face de fatos puníveis graves” (assim, três Juízes
no voto contrário BverfGE 109, 190, 255). O Governo federal, com a
lei de “Introdução da reserva de custódia de segurança”, de 21 de agosto
de 2002 (§ 66 a CP), acionou em vão o freio de emergência: a posterior
custódia de segurança deve poder ser aplicada por causa de cognições
sobre o “desenvolvimento (do condenado) durante a execução penal”.
180 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

Também uma aplicação “com reserva” da custódia de segurança é uma


infração contra o princípio de culpabilidade: ou os pressupostos de especial
periculosidade existem no momento de uma decisão judicial-penal,
ou não existem. De que modo a “periculosidade” pode ser “verificada”
retroativamente, no curso da execução de penas privativas de liberdade,
nas condições da execução penal alemã, permanece incompreensível.
Ainda é mais incompreensível, como estas verificações posteriores podem
suspender a coisa julgada material. A proposta honesta de Baltzer, de
ampliar legalmente, nestes casos, a Revisão em prejuízo do acusado (2005,
265 s.), mostra em quão tensionado Estado de Direito ocorrem erosões do
Direito.

Fundamento empírico da proposta político-criminal de Baltzer é uma análise de


autos, na qual abstratos critérios de periculosidade de tipo global – sob utilização de
um continuum de periculosidade estatisticamente criado –, são contingenciados. A
contagem de pontos negativos (fatores de risco como análise do fato, desenvolvimento
da criminalidade e desenvolvimento da personalidade, curso da execução, espaço
de recepção social, p. 287 s., no lugar indicado), que foram retirados de autos
judiciais e de autos de execução, conduz à atribuição de periculosidade máxima
para determinados presos, ou seja, a um assim chamado por Baltzer “claramente
elevado risco de reincidência”. Na execução penal, este grupo deve ser selecionado
retroativamente e custodiado permanentemente (outra opinião, acima, 258 s.).
Porque contra isto falam princípios fundamentais de Estado de Direito de absoluto
consenso, o autor propõe ativar o instituto da Revisão do processo, em prejuízo do
acusado. A Revisão, única possibilidade de romper a coisa julgada material, é até hoje
regulada normativamente apenas para poucos tipos legais (§ 362 CPP). No futuro,
também um reconhecimento retroativo de que um homem seria perigoso, deve se
enquadrar aqui. Na verdade, esta teoria é original, do ponto de vista técnico-jurídico,
mas do ponto de vista da prática do Direito e do Estado do Direito, é indefensável.

Práticos de execução e todo cientista ocupado com prognósticos sabem,


que o comportamento prisional, via de regra, não possibilita nenhuma
declaração sobre o comportamento legal após a execução penal (compare,
para a pena de prisão perpétua, já Albrecht, 1977, p. 102 s., 410 s.). Esta
legislação é, por isto, um exemplo de uma Política criminal populista,
que não se compadece sequer da lesão contra princípios fundamentais
de Direito Penal do Estado de Direito. O passo do Legislador de 23 de
julho de 2004, para introdução de uma custódia de segurança posterior,
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 181

incompreensível do ponto de vista científico e humanitário, (§ 66 b CP),


comprova isto de modo deprimente. Todo técnico de execução sabe que a
práxis da medida de prevenção corresponde quase completamente à práxis
da execução penal, com uma diferença: o final da pena não é previsível.
Enfrentar a proibição da dupla punição com o argumento da orientação
preventiva da custódia de segurança acaba, por esse motivo, em um
embuste de etiqueta.

II. A intervenção de uma sociedade de risco europeia sobre o princípio


da culpabilidade

1. Proteção do sistema sem prova de culpabilidade

Não sacrificar a liberdade individual, ao estabelecer fins estatais e sociais,


deveria ser um princípio europeu para o desenvolvimento de um Direito
Penal europeu comum. Isto deveria parecer tanto mais evidente, na medida
em que vários Estados europeus acolheram o princípio da culpabilidade
como fundamento e limite de punibilidade, em seus ordenamentos de
Direito Penal (compare Jescheck, 1996, § 4, nota de rodapé n. 9). Inglaterra
e França tendem, ao contrário, em casos de exceção, a uma responsabilidade
jurídico-penal objetiva, embora o princípio da culpabilidade é igualmente
tomado como fundamento para a maioria das prescrições penais (compare,
sobre isto, Jescheck, 1992, 318, 320).
No desenvolvimento do Direito europeu contemporâneo, sobretudo,
o contrário é o caso. Imputação pessoal não é mais vista como critério
de compreensão de culpabilidade, em um Direito Penal europeu em
formação. Ao contrário, para os autores de determinados projetos trata-
se, precisamente, do desatrelamento da responsabilidade individual. É
pretendida a dominação abrangente dos riscos das “modernas” sociedades
industriais: imposição agressiva de interesses particulares na economia e
no meio ambiente, discrepâncias de prosperidade na sociedade mundial,
situações de conflitos sócio-econômicos e políticos, riscos incalculáveis de
um desenvolvimento científico e técnico economicamente impulsionado
etc. Reações estatais contrárias são exigidas, mas não ao preço da renúncia
do princípio da responsabilidade individual. Não obstante, encontra-se
182 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

justamente isto na lógica do simbólico Direito Penal do risco, que com sua
orientação sistêmica impulsiona a desindividualização e, primariamente,
está vinculado à proteção do sistema (compare § 6 C, acima).
A ruptura na lógica do Direito Penal do risco é evidente: ao
descontrolado aumento de bens jurídicos protegidos penalmente e à
ampliação das pretensões de controle jurídico-penal, contrapõem-se – com
inteira razão – crescentes dúvidas científicas sobre a adequação do Direito
Penal da culpabilidade para o controle destas complexas situações sociais
problemáticas. Com a individualização, em geral falha, não se pode dar
conta dos problemas de controle estruturais de integração da sociedade
global: aqui o Direito Penal, como meio de controle, está no lugar errado.

2. O princípio da culpabilidade levado ad absurdum no desenvolvimento


do Direito europeu

Os autores do projeto de um Direito Penal modelo europeu (“Corpus


Juris”) propõem a punibilidade de pessoas jurídicas (art. 13, Corpus
Juris Florence (CJF)), nas quais, como se sabe, uma relação com o
comportamento natural não pode existir. A evidente tendência para delitos
de perigo mostra que a Política criminal europeia não se importa mais com
a lesão claramente indicada de bens jurídicos, mas devem ser apreendidas
ações já em áreas adjacentes aos fatos puníveis clássicos. Além disso, toda
lesão administrativa que se dirige contra o orçamento da União Europeia
é castigada como “irregularidade” – independente de culpa pessoal. Se no
futuro, já a imprudência leve, ou seja, inconsciente, deve acarretar pena
criminal (por exemplo, no estelionato), então falta qualquer relação com
a reprovação individual. São criminalizadas, primariamente, situações de
risco, ou seja, a proteção do sistema está no foco de atenção do Direito
Penal, e não mais a responsabilidade pessoal. A culpabilidade, como
categoria de ligação jurídico-penal, parece quase perdida nos projetos de
desenvolvimento do Direito Penal europeu, até agora apresentados.
Queremos insistir: diante do contexto de um Direito Penal do risco
em amplo desenvolvimento difuso, arbitrário e se despedindo da
legalidade penal, precisa-se agarrar estritamente no princípio normativo
da compensação de culpabilidade, como limitação do poder punitivo.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 183

Se a culpabilidade atua como não refutável garantia de liberdade, então


precisa proteger o indivíduo em face da intervenção da sociedade do risco,
se Justiça e Liberdade não devem ser banidas inteiramente do arsenal de
legitimação do Direito Penal.

C. O princípio da proporcionalidade como limite jurídico do emprego


de violência

I. Limite jurídico do emprego de violência

Aos estudantes de Direito Penal explica-se o princípio da proporcionalidade


com o seguinte exemplo:

Um homem adulto é “aliviado” das frutas da cerejeira que cresce em seu jardim,
por alguns adolescentes menores de idade. Contra os adolescentes, que se tinham
voltado para a fuga com suas cerejas, ele aponta imediatamente uma espingarda e
dispara alguns tiros precisos. Um dos adolescentes é gravemente atingido por um
desses disparos.

Quando se exerce violência contra outrem, precisa existir um motivo


para isso, que permita parecer compreensível este exercício de violência.
Além disso, a legitimidade do emprego de violência também tem a ver
com o seguinte, contra quem é dirigida e de que modo ocorre. Não se deve
poder atirar com canhões em pardais. Uma sabedoria comum, que pode
ser rigorosamente fundada no princípio da proporcionalidade.

II. O programa jurídico-constitucional da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade integra os elementos centrais do


Estado Democrático de Direito, e vale para todo o poder do Estado.
Medidas estatais não podem ser tomadas, simplesmente, sem finalidade
e sem fundamentação. Tanto o fim, como também a escolha dos meios
que podem conduzir a este fim, necessitam de uma justificação objetiva
e de um critério. A necessidade de insistir na observância do princípio da
proporcionalidade ocorre, sobretudo, no Direito Penal. Tanto a ameaça
penal, como também a punição, precisam ser proporcionais. O Direito
184 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

Penal tem de fundamentar os fins que persegue com a pena, e tem de verificar
se esta pena, em relação à situação problemática em que deve ser aplicada,
é realmente necessária. Nesta análise, o princípio da proporcionalidade
se desdobra em três outros princípios, a saber, adequação, necessidade e
conveniência.
O princípio da adequação exige o emprego daqueles meios que
podem também conduzir ao fim pretendido. Depois, segue-se o exame
da necessidade. Um meio pode valer como necessário, se nenhum outro
meio, que igualmente é eficaz, mas que se mostre menos oneroso para os
direitos do cidadão, está à disposição. Se vários meios estão à disposição
do Estado, o fim pretendido não deve ser alcançado pelo meio que
produz as consequências mais graves para o cidadão. A conveniência,
por fim, refere a relação de meio, fim e “efeitos colaterais”. O meio
adequado e necessário não pode estar, em face dos efeitos ameaçados, em
desproporção com o significado do resultado. Em Direito Penal, isto exige
sobretudo uma ponderação entre os bens jurídicos individuais protegidos
constitucionalmente, por um lado, e os interesses contrários da coletividade,
que parecem impor uma limitação destes direitos fundamentais, por outro
lado. Assim configurado, o “programa” da proporcionalidade pode ser
sempre empregado, quando se trata da questão sobre o emprego de violência
contra outros Estados ou contra pessoas individuais. Para a política mundial
e para o conhecimento de todo jurista, precisa ser insistido: qualquer um,
que invoque a legitimidade de semelhante violência, precisa provar sua
necessidade e apresentar argumentos que falem pela correção do seu agir.

III. Desenvolvimentos europeus

O desenvolvimento do princípio da proporcionalidade é de âmbito


europeu e abrangente. Depois da Segunda Guerra Mundial irrompe, de
modo definitivo, em toda Europa. Sobretudo na Jurisprudência do Tribunal
Federal Constitucional (Panorama geral em Stern, no lugar indicado, 172),
o princípio da proporcionalidade ganha contornos nítidos. Não pode
mais ser excluído do Direito das comunidades europeias. A Convenção
Europeia dos Direitos Humanos tem o princípio da proporcionalidade
como conteúdo necessário.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 185

1. Tribunal Europeu (TE)

O Tribunal Europeu (TE) reconhece o princípio da proporcionalidade,


em Jurisprudência constante, como limite de medidas restritivas de
direitos fundamentais. Assim como na judicatura do Tribunal Federal
Constitucional, o princípio da proporcionalidade atua como o chamado
“limite do limite”. O conceito de “limite do limite” corporifica uma
técnica jurídica precisa. Afirma que intervenções nas próprias liberdades
fundamentais não podem ser ilimitadas, mas estão vinculadas à observação
de critérios. Para os limites das intervenções na liberdade necessita-
se de critérios, que são de extrair da Constituição. O princípio da
proporcionalidade fornece tais critérios. No Direito Comunitário europeu,
a proporcionalidade é um princípio jurídico geral.
O princípio refere-se, por um lado, a medidas que são aplicadas contra
pessoas físicas ou empresas, no quadro do Direito da Comunidade. Isto
ocorre, por exemplo, no campo do Direito europeu de sanções – um vasto
campo: compreende, entre outros, o Direito de Subvenção e o Direito
de Ajuda da União Europeia. Aqui, então, são aplicadas sanções, se um
indivíduo utiliza uma subvenção de modo diferente do que determinou,
previamente, o concedente da subvenção.
No Direito da Comunidade não se trata, primariamente, do equilíbrio
de conteúdo de meios e fins, orientado pela ideia de liberdade, mas de
uma rigorosa análise de custo-benefício. Compensa a sanção para evitar
dano financeiro, soa então a pergunta. Para um Direito Penal orientado
por direitos fundamentais e por direitos humanos, esta compreensão da
proporcionalidade é de valor apenas limitado. As constelações de casos
econômicos, das quais o Direito Comunitário precisa dar conta, não
transmitem para o Direito Penal nenhum critério de validade geral, que
pudesse realizar a tarefa da proporcionalidade, de ser limite de intervenções
na liberdade.

2. Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH)

Também na Jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,


o princípio da proporcionalidade permanece, no sentido jurídico-penal,
186 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

antes, insípido (compare, por exemplo, TEDH, Julgamento de 19.04.1993


(Kokkinakis versus Grécia); TEDH, Julgamento de 22.06.2000 (Coeme
e outros versus Bélgica)). Como já na legalidade penal, o respeito pela
soberania estatal é grande demais para permitir resultar da proporcionalidade
uma efetiva limitação do exercício do poder jurídico-penal.

IV. Liberdade versus segurança em face da limitação jurídica da


proporcionalidade

Em nível nacional, o princípio da proporcionalidade nem sempre se


mostra com força de imposição. Isto decorre de seus componentes isolados,
mas também, sobretudo, reside no processo da ponderação, que concretiza,
praticamente, o princípio da proporcionalidade. O equilíbrio entre meio
e fim depende do seguinte, quais pesos argumentativos coloca-se nos
pratos da balança da proporcionalidade. Se uma lei penal ou uma medida
processual penal é necessária, decide-se conforme qual peso pesa mais:
interesses de segurança do Estado ou direitos de liberdade do indivíduo.
Se a Política coloca a segurança do Estado no ponto central, então a
ponderação jurídica, que está ligada com o princípio da proporcionalidade,
já está determinada. Onde é atribuído tão grande peso à segurança, o prato
da balança deve pender em seu favor.
No Direito Penal existe uma importante figura de argumentação, que
desde muito tempo concede primazia à segurança, em relação aos direitos
individuais de liberdade: refere-se ao topos da “capacidade funcional da
proteção do Direito Penal” (Hassemer, 1982, 275 s.). Especialmente
na justificação de intervenções estatais particulares, no contexto da
persecução penal, este topos se torna importante. Perante o interesse estatal
de persecução penal, a proteção de direitos fundamentais precisa ceder.
Então, são permitidas investigações secretas, interceptações telefônicas ou
buscas ilegais de provas. Então, sobretudo, é permitido poder empregar,
de modo amplamente desimpedido, os conhecimentos que foram
ganhos com tais investigações. A proporcionalidade é, portanto, um
princípio politicamente muito frágil. Ponderações jurídicas, que formam
seu caráter, subordinam-se a preconceitos políticos. Seria de extrema
importância ter clareza sobre estes preconceitos. Somente então, quando a
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 187

proporcionalidade encontra uma ideia revivida do Direito Penal libertário,


pode efetivamente desenvolver seus fins, de ser “limite do limite” para as
intervenções na liberdade.

D. O princípio da legalidade processual como limite do arbítrio

Contra um conhecido político existe a suspeita de infidelidade em prejuízo


de seu Partido. Um público, surpreendido pelo Estado de Direito, precisa tomar
conhecimento de que esta suspeita nem é negada, nem é afirmada, mas o processo,
contudo – contra o pagamento de uma (elevada) importância em dinheiro –, é
arquivado pelo Ministério Público, com a concordância da Justiça. Não acontece nem
a denúncia, nem a audiência principal. Estes casos, que se multiplicam em relação
com o tipo penal de infidelidade, deslocam a problemática relação entre legalidade
processual e oportunidade, para o campo da discussão pública.

I. Legalidade processual versus oportunidade

1. Legalidade processual como originário princípio normativo condutor


do processo penal

O princípio da legalidade processual tem a importante tarefa de


transpor o princípio da legalidade penal para o processo penal: onde
o Direito é lesionado em seu núcleo, trata-se de esclarecer esta lesão.
Portanto, trata-se de designar condições sobre quando se pode começar
com este esclarecimento. O princípio da legalidade penal nomeia ambos –
o dever de esclarecer o injusto e as condições sobre quando começar este
esclarecimento. Em seu apoio na legalidade penal, o princípio da legalidade
processual apresenta-se como o mais importante princípio condutor do
processo penal.
Critério necessário, de quando pode ser iniciado o esclarecimento de
um fato punível, é a chamada suspeita inicial. Devem existir, para isto,
pelo menos suficientes indícios reais (§ 152, capítulo 2) de que um fato
punível foi cometido. Apenas então o Estado está autorizado, mas também
obrigado, a entrar em cena com o seu instrumentário jurídico-penal. A
importância da suspeita inicial reside também nisto, que determina o
188 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

momento em que a Polícia torna-se ativa para defesa de perigos, e quando


torna-se ativa – sob direção de um agente do Ministério Público – para
investigação de fatos puníveis. A suspeita inicial de um fato punível traça
– em todo caso, segundo a pretensão – a linha divisória entre defesa
preventiva de perigos e persecução penal repressiva. Esta linha divisória é
matéria do princípio da legalidade processual.
O significado do princípio, como transposição processual da legalidade
penal, é salientado quando se tem presente a generalidade da lei penal.
Diante da lei penal todos os cidadãos devem ser iguais, a aplicação da lei
penal precisa ser previsível, a lei penal protege o cidadão contra o arbítrio
estatal. O princípio da legalidade processual segue estes axiomas. Cultiva
o axioma do tratamento igual, na medida em que deve garantir que iguais
violações da lei também são tratadas de modo igual. Exclui a arbitrariedade
estatal e cuida da segurança jurídica. Observando-se o princípio, satisfaz-
se a exigência de um emprego controlado e previsível de violência estatal.
O princípio da legalidade processual impõe ao Estado perseguidor
penal um espartilho apertado. Em caso de lesões do Direito, o Estado
precisa se mexer, mas é limitado, por meio do espartilho, em seu espaço de
movimento. Um espartilho pode ser desconfortável. Consegue-se maior
conforto quando não se precisa movimentar com o espartilho, ou quando
se pode tirá-lo, em caso de movimento.

2. A irresistível tendência normativa para [o princípio da] oportunidade

Diferente do princípio da legalidade processual, o Estado se concede


este conforto com ajuda do [princípio da] oportunidade. O princípio da
oportunidade é o contrário do princípio da legalidade processual. Segundo
o princípio da oportunidade, o Estado não persegue sempre quando deve,
mas somente quando pode e se vale a pena perseguir. Se o Estado não
pode, ou se não vale a pena perseguir, o princípio da oportunidade permite
nem mesmo iniciar a persecução penal, ou interrompê-la antecipadamente.
No caso de um antigo Chanceler federal, as incertezas sobre o Direito e
sobre a realidade fática conduziram ao seguinte, que não se poderia ter
certeza do desfecho do processo. O Ministério Público lançou mão do
instrumento de arquivamento do processo, após o pagamento de um valor
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 189

monetário. Um Tribunal Estadual, com uma decisão escrita, confirmou o


resultado (decisão do Tribunal Estadual de Bonn de 28.02.2001, NStZ
2001, 375 s.). O princípio da oportunidade determina a realidade política
do processo penal. A condenação de um antigo Ministro do Interior
do mesmo Governo, por causa de um fato quase idêntico, também não
diz nada de diferente (Tribunal Estadual de Wiesbaden, decisão de 18.
de abril de 2005 (6 Js 320.4/00 – 16 KLs)). Antes, isto corresponde à
velha sabedoria, de que a exceção confirma a regra (da oportunidade).
Cada segundo processo passível de acusação já é arquivado pelo Ministério
Público, no Direito Penal da Juventude a acusação já é a exceção (compare
§ 17, abaixo).

II. Tradições europeias

Ambos – princípio da legalidade processual e princípio da oportunidade


– possuem tradições europeias. Ambos os princípios tornam-se relevantes
no momento histórico em que o processo inquisitório é substituído. O
procedimento de investigação e o processo principal competiam à Justiça,
com isto, frequentemente, a uma pessoa. No Século 19, procedimento
de investigação e processo principal são separados. A persecução penal é
transferida a um órgão processual próprio – o Ministério Público.
Assim como no caso da legalidade penal, a França foi o modelo de
um reformado e codificado Direito Processual Penal. A tradição jurídica
francesa é caracterizada, neste caso, pelo princípio da oportunidade.

III. O desenvolvimento na Alemanha

Na Alemanha, após as amargas experiências com a fracassada revolução


de 1848, em especial os reformadores liberais do processo penal estavam
tomados de uma profunda desconfiança contra um Ministério Público
conduzido pelo Governo. Este deveria incondicionalmente ser submetido
ao controle jurídico. Somente desta desconfiança de pessoas, que precisaram
experimentar, diretamente na própria carne, a violência do Estado, surgiu
a constante necessidade de um inquebrantável princípio da legalidade
processual. No final destes debates surgiu o Ordenamento de Processo
Penal do Império alemão de 1877, que ancorou o princípio da legalidade
190 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

processual no § 152, capítulo 2. Assim como no caso da legalidade penal,


contudo, o Direito Penal colonial e o Direito Penal de guerra esvaziaram
a reivindicação ideal desta prescrição. A inviolabilidade do princípio da
legalidade processual foi constantemente abalada.
O princípio da legalidade processual experimentou, então, uma ruptura,
através da já lembrada Lex-Emminger. Com esta lei de 1924 foram
introduzidos preceitos, com cujo auxílio pode-se, também hoje, arquivar
antecipadamente processos, como o processo contra o antigo Chanceler
federal. Se o conteúdo de culpabilidade é pequeno, ou se as consequências
do fato punível são insignificantes, a obrigatoriedade de acusação e
de persecução para o Ministério Público é suspensa, quando não existe
nenhum interesse público no emprego do Direito Penal. Desde então, o
princípio da oportunidade tem sempre ganho terreno – com consequências
graves.

IV. A despedida do Direito Penal alemão em face do princípio da


legalidade processual

A despedida do princípio da legalidade processual opera em duas


direções. De um lado, no interior do processo penal, de outro, no campo
precedente daquele. No interior do processo penal o dever de persecução
e de acusação é esvaziado. Rotinas para solução de casos, do Ministério
Público e da Magistratura, conduzem o curso do processo, não a preservação
da liberdade, não a produção de justiça. Torna-se visível a “informalização
do processo penal” (compare § 19 C, abaixo). Com isto é significado um
abandono da segurança do Direito e da previsibilidade do poder estatal,
que pode utilizar-se do seu instrumentário jurídico penal de modo um
pouco mais arbitrário, um pouco mais incontrolado. O espartilho da
legalidade processual existe, mas se pode escapar dele. No que diz respeito
ao campo precedente, a separação entre prevenção e repressão quase não
vale mais nada. A Polícia invadiu, há muito tempo, o processo penal e o
utiliza para repressão. Ao contrário, o processo penal serve também para
defesa de perigos. Fala-se de “policialização do processo penal” (compare §
15 III, abaixo). Nisto, não existe apenas uma descrição, mas uma situação
alarmante.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 191

E. O princípio da oficialidade como garante do Direito penal público

Nas grandes cidades europeias a segurança ganha uma imagem de aparência


externa. É constituída predominantemente de pessoas do sexo masculino, em geral
de uniforme azul, cinza ou preto, que fazem patrulha nos metrôs, que estão paradas
de forma decorativa na frente de lojas comerciais, ou também distribuem multas
de estacionamento em local proibido. A imagem de aparência externa não é apenas
bonita, mas também marcial, destaca uma capacidade de proteção, da qual também
deve ser feito uso. Cacetetes de plástico e armas de fogo documentam esta capacidade
de proteção. O pessoal pertence a serviços de segurança privada, que atuam no espaço
público. Eles valem, como também a Polícia e a Justiça penal, como garantidores
de segurança. Como tais, eles impedem às cidadãs e aos cidadãos, eventualmente, o
acesso às lojas comerciais, prendem “passageiros sem-bilhete”, intervêm com violência
nos conflitos e prendem provisoriamente presumidos perturbadores.

I. Aumento da segurança mediante privatização?

1. Retorno ao estado de natureza

Onde reside o problema da privatização da segurança? Com a ajuda da


figura do Contrato social, nós vimos que o indivíduo transfere seus meios
de violência para um terceiro neutro. Com isto deveria ser garantido que,
numa sociedade, estes meios são distribuídos de modo igual. Somente
assim se pode sair do estado de natureza – da guerra de todos contra
todos. Somente assim se pode também garantir a maior liberdade possível
de todos. O Estado protege a liberdade e assim institui a segurança. Para
formular isto filosoficamente, o processo de privatização da segurança
conduz de volta ao estado de natureza. Então, neste estado de natureza,
importa o seguinte, se também se pode pagar os meios de violência,
que estão à disposição para defesa de perigos, ou para reação contra
lesões da liberdade. Com isto, também a distribuição de segurança se
torna mais desigual, a sociedade ameaça se desintegrar em parcelas de
segurança privada e pública. Mas distribuição desigual de segurança não
é apenas um problema de Justiça. Também importa o seguinte, quem
propriamente determina o esclarecimento das lesões da liberdade, quem
participa das reações formais e materiais ao fato punível, a perspectiva de
quem prevalece na lesão do Direito e quem pode generalizar sua visão
192 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

das coisas obrigatoriamente para todos. Isto não é apenas um problema


de Justiça, mas um problema de verdade. Nesta situação, o princípio
da verdade material aparece não somente num sentido processual-penal
limitado, mas também em um outro contexto significativo, ou seja,
sobretudo na questão de como pode ser possível a verdade no Direito.

2. O argumento de custos

Mas serviços privados de segurança aumentam, na aparência, não só


o sentimento de segurança do público. Possuem, além disso, uma outra
importante função. Segurança custa dinheiro. Ao se transferir tarefas
soberanas aos particulares, promete-se, com isto, uma redução de custos.
A execução penal representa um elevado fator de custo nos orçamentos
dos Estados. Isto não surpreende: em tempos de debate sobre segurança,
projetos redutores de custos da execução penal – mais execução aberta,
mais penas pecuniárias em lugar das penas privativas de liberdade, mais
ajuda para cidadãos antecipadamente liberados da prisão – não encontram
nenhuma audiência. Em lugar disso, devem ser construídas novas prisões,
a custódia de segurança é ampliada, liberações antecipadas da prisão, em
tempos de segurança, tornam-se quase impossíveis. Como resposta ao
problema de custos, também a execução penal deve ser privatizada. Não
mais o Estado constrói prisões, mas empresários privados. Estes também
devem ser responsáveis pela provisão ou pela oferta de trabalho na execução
penal. Para a União dos Defensores Penais do Estado de Hessen impõe-se
a “suspeita” – assim a formulação numa Resolução do ano de 2002 – “de
que a prisão, mediante privatização da execução penal, deve se tornar um
fator econômico, que somente será lucrativo se o crescimento é garantido”.
Eles resumem: “precisa-se então de muitas pessoas presas” (www.stvh.org).

II. Busca da verdade no Direito Penal público

1. No Estado de Direito não existe nenhum esclarecimento a qualquer


preço

Somente um Direito Penal público pode, por razões constitucionais,


estar comprometido com a busca da verdade – a tarefa do Terceiro Poder,
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 193

pura e simplesmente. De modo clássico, o princípio da verdade material


aqui alocado significa que o esclarecimento de um fato típico precisa
respeitar os direitos subjetivos dos acusados. Não pode existir nenhum
esclarecimento a qualquer preço. Numerosas prescrições do ordenamento
processual penal impõem limites ao impulso das instâncias estatais para
investigar totalmente um fato. Neste contexto, deve-se lembrar, sobretudo,
do § 136 a, CPP. Esta norma foi introduzida no ordenamento processual
penal, após as experiências com o nacional-socialismo. Ela contém uma
série de métodos de interrogação proibidos: o acusado não pode ser
enganado, não pode ser maltratado, não pode ser fatigado, nem muito
menos torturado. No caso de emprego de tais métodos, a prova que foi
obtida através deles é absolutamente inválida (§ 136 a, capítulo 3, oração
2 CPP).

2. A privatização informal ameaça direitos humanos

Além disso, contudo, o princípio reclama por um Direito Penal público,


formal. Devem existir formas rigorosas, nas quais acusado e os outros
participantes do processo podem expor sua visão das coisas. Estas formas
só podem existir em um Direito Penal público, que se ocupa de conflitos
graves resultantes da violação da liberdade do outro. A percepção destes
conflitos pode ser diferente, e cada percepção precisa ter a oportunidade
de ser apresentada e ouvida. Somente então se pode mostrar qual visão
das coisas é capaz de ser generalizada. A busca da verdade necessita, por
isso, do Direito Penal público. Quem depende da verdade no Direito
Penal, precisa desconfiar da privatização, da qual resulta apenas uma
percepção seletiva da realidade e dirigida por interesses de segurança
próprios, ainda com maior razão se o Estado administra a consequência
mais aguda do próprio Direito Penal – ou seja, a pena e sua execução. Na
execução da pena o Direito Penal tem sua prova de fogo, como assunto
público. Aqui [o Direito Penal] deve mostrar quão profundamente os
direitos humanos estão enraizados em um Estado, em uma sociedade, e
quão democraticamente responsável esta sociedade está preparada para
lidar com autores de fatos puníveis.
194 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

III. Direito Penal como programa público de garantia da liberdade

1. Respeito à autonomia do ser humano, de forma generalizada e


representativa

As funções próprias de um Direito Penal esclarecido estão cada vez mais


fora de foco: limitação do poder do Estado e reação a elementares lesões
do Direito – estes fins o Direito Penal pode e deve realizar. O Direito
Penal não é criado para compensar interesses privados, ou mesmo situações
de risco sociais e transnacionais. Compensação de interesses e controle
de situações de risco estatais, ou transestatais e sociais, executam-se
primariamente no Direito Privado, Direito Social, Direito Administrativo
ou em outras áreas. Direito Penal público é garantia de liberdade e precisa
tornar o injusto publicamente conhecido. Injusto é a lesão da autonomia
subjetiva, em forma generalizada. Um Direito Penal de liberdade não
cuida de bens jurídicos materiais, no sentido tradicional, e também não
da garantia de interesses individuais, mas do respeito à autonomia do ser
humano, em forma generalizada e representativa.
Sancionar é, em relação a isto, secundário. Neste ponto, direitos
humanos e direitos fundamentais devem ser observados estritamente, e
não se deveria ignorar que a aplicação do Direito Penal produz sempre
massivos danos aos súditos do Direito. Para ser claro: Direito Penal não é
expiação material e vingança pessoal, mas programa público de garantia
da liberdade.

2. Privatização como abertura para arbitrariedade da intervenção


política

Os princípios jurídico-penais tematizados neste livro, que devem limitar


o poder estatal, mostram-se como núcleo do Direito Penal público. Nós
nos encontramos no meio de processos de erosão dos princípios centrais da
liberdade, através de modernas promessas político-sociais, que têm em vista
– na aparência – uma maximização da segurança dos cidadãos. Enquanto
o Direito Penal se arma e, com isto, oferece promessas de segurança, a
Política negligencia as consequências político-estruturais decisivas. O meio
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 195

de comunicação Direito Penal nebuliza a agonia político-estrutural da


arbitrariedade da intervenção política.

3. Desregulamentação e privatização: sinônimos do fracasso do controle


estatal

A legitimação para este fracasso estrutural dos projetos de bem-estar


estatais e da desorientação estrutural em face de situações de risco, não
se fez esperar por muito tempo. Esta se encontrava e se encontra no
projeto político-jurídico de desregulamentação e privatização: o
Estado se retira, desiste da intervenção, deixa interesses e influências
privadas dominarem plenamente. O Estado, em grandes setores de suas
áreas de configuração originárias, está a ponto de somente administrar
a si mesmo. O Estado parece se retirar do processo de controle social,
desiste de suas possibilidades de intervenção não somente em sentido
econômico, mas principalmente nas áreas que pertencem, de modo
clássico, ao seu monopólio de poder. Instituições de execução penal são
privatizadas, serviços privados de segurança controlam o espaço público
em medida crescente e, por fim, pessoas particulares ganham cada vez mais
independência no interior do processo penal: no papel do perseguidor, que
atua no lugar dos órgãos estatais de persecução penal, e no papel da vítima,
que investiga com independência e cujas competências no processo penal
são, em geral, aumentadas.

F. O princípio do processo justo como fundamento do processo penal


no Estado de Direito liberal

Justiça no processo penal é o fundamento de todos os princípios do


processo penal do Estado de Direito. O processo penal é visto como
sismógrafo da livre constituição de uma sociedade.
Justiça é um desejado recurso dispendioso, que representa – não raro,
com extremo esforço para a Justiça penal – a livre constituição de um
Sistema de Justiça Criminal. É um traço da atual Política criminal, na
ignorância deste ponto de partida, prometer alívio aos Juízes mediante
196 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

intervenções no Direito Processual e na estrutura de organização do Sistema


de Justiça Criminal, poupadoras de custos e esforços. Mas desencargos
jurídico-processuais somente são legítimos se deixam intactos, ou mesmo
fortalecem, princípios fundamentais imponderáveis do processo penal
do Estado de Direito. É de se exigir, em defesa de um Direito Processual
do Estado de Direito, ou seja, orientado por princípios constitucionais
imponderáveis, que os direitos de liberdade dos cidadãos, em relação à
persecução penal estatal, devem ser conservados e fortalecidos.
Os seguintes princípios processuais, que traduzem o princípio da Justiça
em particularidades de aplicação prática do Direito, constituem, cada
um por si, uma condição irrenunciável de um processo penal justo. Na
Convenção Europeia de Direitos Humanos, o princípio do justo processo
legal está exposto no art. 6°, capítulo 1. Justo processo – “fair trial” – é uma
conceituação fundante do conjunto do ordenamento jurídico europeu,
com as mais altas consequências práticas (compare, além disto, em detalhes,
Rzepka, 2000). Seus componentes particulares são numerosos. A seguir
serão apresentados cinco componentes centrais de Justiça, que têm suas
raízes em uma cultura europeia geral do Direito.

I. O princípio nemo tenetur: liberdade do dever de autoincriminação

Significação e decadência deste princípio deixam-se demonstrar em


um importante caso para a Jurisprudência da Corte Federal de Justiça.
A decisão deste caso tornou-se conhecida como a chamada “sentença da
armadilha de escuta” (BGHSt (GS) 42, 139 s.; compare, porém, o modelo
do BGH, StV 1996, 242 s.).

Uma testemunha delata um amigo à Polícia, por ter cometido um roubo. O amigo
descreveu o fato à testemunha, numa conversa telefônica privada, não destinada
a terceiros. A Polícia provoca, então, um outro telefonema privado, que é ouvido
em conjunto pela Polícia e um intérprete. Durante a conversa, o amigo suspeito faz
novamente indicações mais detalhadas sobre o fato. Imediatamente após, o intérprete
é perguntado, como testemunha, sobre o conteúdo do telefonema. O acusado é
preso, depois condenado. Tudo que foi dito no telefonema, o Ministério Público e a
Justiça utilizaram em prejuízo do acusado. Sem suas declarações autoacusatórias em
face de seu amigo, o acusado não poderia ter sido condenado.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 197

1. Direito e conteúdo

O princípio nemo tenetur contém o relevante direito do acusado de


calar. O cidadão não deve precisar acusar a si mesmo de um fato punível.
Esta liberdade do dever de autoincriminação é um elemento essencial do
justo processo. Para poder perceber esta liberdade, o acusado precisa saber
“o que acontece com ele”. Ele necessita, sobretudo, de uma informação
sobre isto, que ele é acusado. Para previsibilidade do exercício do poder
estatal pelo Direito Penal e para evitação de arbitrariedade, não devem
existir surpresas, e astúcias somente em medida muito limitada. O direito
de calar do acusado é configurado em preceitos centrais do processo de
investigação e garantido mediante proibições de prova. Infrações contra
o dever de informação e contra a proibição de coação podem, em
determinadas constelações de casos, acarretar uma proibição de prova. Se
fatos são somente de tal modo investigados, que a liberdade do dever de
autoincriminação foi lesionada, então estes fatos não podem ser usados
contra o acusado. Esta é a exigência do princípio nemo tenetur. Esta
exigência vale em toda Europa e possui uma significativa tradição europeia,
em geral.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

a) A notável Jurisprudência da Corte Federal de Justiça


A realidade parece outra, e a “sentença da armadilha de escuta”
comprova esta realidade diferente de um modo consternável. Alguma coisa
como inaproveitável deveriam ter sido fatos que foram obtidos por um
procedimento de astúcia contrário ao processo. A confiança, que o acusado
desenvolveu em relação a uma pessoa de algum modo próxima a ele, os
órgãos estatais de persecução penal aproveitam em seu favor. A persecução
penal estatal está oculta no fundo, o acusado não pode avaliar a situação,
na qual ele não sabe o que faz. Com argumentos sutis, a Corte Federal
de Justiça apaga o dever de informação e o princípio nemo tenetur. O
dever de informação pressuporia uma situação de interrogatório oficial,
que não existira nas conversas entre particulares. Os órgãos de investigação
seriam, em princípio, livres na escolha de seus métodos. Isto incluiria
também um procedimento secreto contra o suspeito do fato. O princípio
198 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

nemo tenetur não poderia atingir declarações no âmbito privado, porque


o suspeito não se manifesta por causa de uma coação real ou simulada.
Em face de uma pessoa particular, o indivíduo não se sentiria obrigado
a uma declaração. Por isso, não poderia existir – pensa a Corte Federal
de Justiça – nenhuma dúvida sobre a espontaneidade da declaração. Se o
Estado provoca no acusado um erro sobre a situação da conversa, então
não deve residir nisto nenhuma lesão do princípio nemo tenetur. Não
obstante, é ignorado: o núcleo do princípio consiste precisamente nisto,
que o acusado precisa conhecer as condições sob as quais ele se manifesta,
porque somente assim é garantida a espontaneidade da declaração. Estes
defeitos de vontade encontram consideração por todo o Direito Penal
– por exemplo, no consentimento. A Corte Federal de Justiça ignora o
problema do defeito de vontade. Com isto, o próprio núcleo do princípio
nemo tenetur é lesionado.

b) A liberdade do dever de autoincriminação em face da limitação da


proporcionalidade
Vê-se que, na práxis jurídica, cabe ao princípio nemo tenetur tão pouca
eficácia, quanto aos princípios da legalidade penal, da culpabilidade ou
da legalidade processual. Pré-questionamentos informativos, o emprego de
investigadores secretos, a multiplicação da vigilância telefônica: tudo isto
são métodos de investigação que são dependentes, para sua eficácia, de
que o acusado se manifeste “de livre vontade”, sem conhecer a situação
da manifestação. As declarações, que com isto são obtidas, em princípio
também devem ser aproveitáveis, em todo caso, quando se trata do
esclarecimento de um fato punível de relevante significado, e a investigação
da situação de fato, mediante o emprego de outros meios, teria sido
significativamente menos promissora ou essencialmente dificultada.
Vê-se que a limitação do princípio nemo tenetur deve ser abrandada
mediante ponderações, conforme o princípio da proporcionalidade.
Uma intervenção é justificada, se o interesse de segurança da coletividade
prepondera sobre o direito de liberdade individual. Em caso de dúvida,
o princípio nemo tenetur precisa ceder ao interesse geral da persecução
penal. Na continuidade, isto ameaça o conteúdo essencial – o núcleo – da
liberdade do dever de autoincriminação.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 199

II. O princípio de igualdade de armas

A política do Direito, na Europa, é tradicionalmente caracterizada


por uma alta medida de propósito reformista. Uma recente proposta da
política governamental do Direito refere-se ao modelo de um denominado
processo consensual (Caderno de Notas para a 25a Jornada do Defensor
Penal 2001, 147 s.; compare abaixo § 21).

O “modelo consensual” possui o seguinte contexto normativo: ao acusado e ao


seu Defensor é dada oportunidade de participação reforçada perante a Polícia e o
Ministério Público. O acusado e seu Defensor devem ser incluídos, desde o início,
no procedimento de investigação policial e do Ministério Público. Em troca, eles
quase não devem mais poder “fazer cara feia” na audiência principal. Se o acusado
confessa o fato a ele reprovado, é de se contar até com a benevolência do Ministério
Público e do Juiz. Finalidade do consenso é a aceleração do processo. Mas o que
acontece com os direitos daquele que aceita este consenso? Não existe na aceitação, ao
contrário, uma subordinação da parte processual mais fraca em relação à mais forte?
Neste ponto, é invocado o princípio da igualdade de armas.

1. Direito e conteúdo

Igualdade de armas no processo penal significa que Ministério Público


e acusado se encontram no mesmo plano. Contra os meios de poder de
que dispõe o agente do Ministério Público, o acusado precisa poder se
defender. Apenas uma forte Defesa pode construir um contrapeso efetivo
ao monopólio de acusação do Ministério Público. Este contrapeso precisa
tornar-se sensível e visível em todas as fases do processo. Sempre, com
razão, os Defensores indicam que eles precisam tomar uma posição de
igualdade no processo em face do Ministério Público e, por isso, também
precisam ter, pelo menos, direitos aproximadamente iguais aos daquele.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos também participa deste ponto
de vista. O artigo 6º, capítulo 1, oração 1, da CEDH, garante o direito
de igualdade de armas de todo acusado. Disto resultam exigências muito
concretas junto ao processo penal, como por exemplo: dever de defesa em
casos graves, suspensão e adiamento da audiência principal por ausência
de um Defensor, tempo adequado de vista dos autos para o Defensor e
200 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

deveres de proteção assim como deveres de indicação da Justiça, com vista


aos direitos de postulação do acusado.
Em todo processo penal, onde o acusado está exposto à intervenção estatal
e ameaçam intervenções nos direitos de liberdade, o Defensor criminal
precisa constituir um contrapoder em favor do acusado. A proteção da
liberdade não se realiza por si mesma – a exigência dos princípios jurídicos
europeus vale também precisamente em sentido prático. Somente um
Defensor que pode atuar no mesmo plano com as outras partes do
processo penal – Ministério Público e Polícia, Justiça, além disso, também
a acusação colateral e advogados da vítima – garante a realização prática
destes princípios. Não é patético dizer que o Defensor é o guardião dos
direitos de liberdade do acusado. Qualquer limitação da Defesa, em sua
posição como contra-poder social, também afasta o processo penal da
realização das garantias do Estado de Direito.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

a) Desigualdade real de armas entre Defesa e acusadores


Estas limitações constituem, contudo, o cotidiano da Defesa penal.
Resultam da mudança estrutural geral do processo penal. Se não interessa
mais observar o princípio da legalidade processual, portanto iniciar – de
modo repressivo – investigações no caso de existente suspeita inicial de um
fato punível, mas controle antecipado e defesa do perigo codeterminam
substancialmente o processo penal, então o Defensor penal não consegue
acompanhar este desenvolvimento. Por um lado – o lado dos controladores
e perseguidores –, existe um vasto “arsenal de armas”, que parece quase
inesgotável. O acusado e seu Defensor, via de regra, também não alcançam
os recursos financeiros das instâncias estatais. Investigadores secretos,
interceptações de linhas telefônicas, sistemas de processamento de dados
na pesquisa em rede, logo dados biométricos e possibilidades de análise de
códigos genéticos, proporcionam uma vantagem à Polícia e ao Ministério
Público, que não pode mais ser alcançada. Em face disso, reivindicações
do lado dos Defensores penais, por um direito de exame dos autos no
procedimento de investigação, apresentam-se como extremamente
modestas.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 201

b) Defesa penal: o contra-poder sem poder


Mas também a ideia geral de que o Defensor penal pode constituir um
contra-poder, encontra não somente desconfiança, é também desrespeitada
na práxis cotidiana. A desconfiança existe, porque se imputa ao Defensor
penal que ele irá abusar dos direitos que o ordenamento processual
penal lhe atribui. Defesa penal significaria, sobretudo, procrastinação
processual, frustraria a rápida persecução penal e execução penal. Esta
desconfiança é visível desde a origem do ordenamento processual penal.
Como consequência desta desconfiança, um forte direito de postulação
de prova foi progressivamente desgastado, em contrapartida ampliaram-
se as possibilidades da Justiça excluir inteiramente o Defensor (§§ 138
a s. CPP – introduzidos em vinculação à incumbência legislativa (caso
Schily) formulada ao Tribunal Federal Constitucional 34, 293 s.), ou de
limitar o direito a um Defensor de eleição. A possibilidade de exclusão
do Defensor foi ampliada nos anos setenta do último século, quando se
presumia os Defensores ao lado do terrorismo da RAF (Fração do Exército
Vermelho). Na metade dos anos setenta, encontrou grande aceitação a
convicção política de que, para os integrantes da RAF não precisaria existir,
propriamente, nem Defesa penal, nem garantias de Estado de Direito. Se o
Estado reclama bastante alto sobre segurança, a reivindicação de igualdade
de armas pode não conseguir mais nenhum ouvido.
Retornemos ao modelo de processo consensual mencionado no
começo. Na atual discussão, à igualdade de armas ameaça perigo, não
apenas através de um confrontador esforço de segurança do Estado, mas
também de modelos de processo que querem compreender e politicamente
cultivar o processo penal como local de harmonia e cooperação aparentes.
Conforme estes modelos (art. 3° da Primeira Lei de Modernização da Justiça;
BGBl. 2004 I, página 2198, 2200 s.), deve haver a seguinte “barganha”:
pretende-se fortalecer os direitos do Defensor no procedimento de
investigação. O Defensor deve ser incluído nas investigações no momento
mais cedo possível. Em contrapartida, Defensor e acusado renunciam a
garantias de Direito na audiência principal. Se o Defensor pode contraditar
a valorização de provas no procedimento de investigação, não deve ser
possível, sem mais nada, fazer valer a proibição de provas no processo
principal, se não houve a contradição contra um determinado acolhimento
202 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

de provas. O consenso “harmônico”, que substitui o conflito, acontece às


custas do acusado. Esta concepção é suportada pela representação de que o
Defensor seria – assim como o Ministério Público ou o Juízo – um “órgão
da Justiça”. Assim compreendido, o Defensor penal deve ser incluído nas
exigências de uma “proteção funcionalmente eficaz do Direito Penal”. O
problema é que o processo penal nunca é pensável como lugar harmônico.
Aqui se trata do próprio conflito originário entre Estado e indivíduo, entre
interesses da persecução penal e direitos fundamentais. O consenso pode ser
apenas simulado, porque os participantes do consenso não possuem igual
posição de partida, não dispõem de iguais possibilidades para determinar o
conteúdo do consenso. Como “órgão da Justiça”, o Defensor penal deixa-
se disciplinar até um ponto, que corresponde às exigências da segurança
interna. Nisto reside uma distância não mais superável para o princípio de
igualdade de armas, como forma de proteção da liberdade. Sobre isso, os
modelos de processos consensuais não podem e não devem enganar.

III. O princípio de presunção de inocência

Um grande jornal diário alemão concedeu oportunidade, há não muito tempo, ao


então presidente da Associação dos Juízes alemães, de apresentar sua compreensão do
Estado de Direito, sob a rubrica “Plumas alheias”, a um amplo público (Mackenroth,
FAZ de 01.08.2002). O presidente – que ocupava, ao mesmo tempo, a Presidência
dos Juízes e dos membros do Ministério Público alemães – mostrou-se profundamente
satisfeito com a qualidade da atividade de investigação da Polícia e do Ministério
Público, na Alemanha: “Com propriedade” – enfatizou ele –, “muitas vezes já o
início das investigações”, o “oferecimento da denúncia, o mais tardar a abertura de
um processo principal”, significaria o “fim de qualquer carreira” dos atingidos por
medidas de investigação estatais.

1. Direito e conteúdo

O Direito Processual Penal não tem somente a tarefa de verificar, com


meios conformes à Justiça, a suspeita de fato, mas também tem de tomar
providências precisamente para que nenhum inocente seja condenado. O
acusado tem direito a isto, que seja interferido tão pouco quanto possível
em seus direitos pessoais de liberdade, precisamente tão pouco quanto
ainda é compatível com o objetivo de esclarecimento do fato. Este direito
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 203

o acusado deve agradecer à chamada presunção de inocência. Esta é


deduzida, entre outros, do artigo 6°, capítulo 2, da CEDH e possui nível
constitucional. Afirma que “até prova legal de culpabilidade, presume-se
que o acusado de uma ação punível é inocente”. Disto resulta não somente
um direito de imparcialidade do Juiz. A presunção de inocência deve,
igualmente, garantir o acusado de desvantagens que equivalem a uma
sentença condenatória ou a uma pena, em face das quais, contudo, não
precedeu, conforme a ordem processual do Estado de Direito, nenhum
processo para comprovação de culpabilidade e medição da pena. Estes
princípios fundamentais foram evidentemente esquecidos pelo presidente
da Magistratura e do Ministério Público alemães. Percebe-se já, igualmente
num piscar de olhos, que a tendência a um processo consensual está em
contradição insuperável com os princípios fundamentais do processo penal
do Estado de Direito: o objetivo de consenso exige do acusado confissões
de culpa, num momento em que, por força de lei, permite-se presumir
como inocente, isto com todas as consequências para a conduta processual,
até a coisa julgada. A pressão pelo acordo, que é reclamada através de uma
exigência de consenso legal, deixa esvaziar, finalmente, a presunção da
inocência.
É de se lembrar: o ônus da prova no processo penal pertence ao Estado.
Não é o acusado que é considerado como culpado desde o início, não
compete a ele provar sua inocência, mas o Estado precisa provar ao acusado
sua possível culpa. Se existem dúvidas sobre a culpabilidade do acusado
antes da proclamação da sentença, então este deve ser absolvido. Este
princípio é reconhecido em toda Europa sob a fórmula “in dubio pro reo”
(na dúvida, em favor do acusado), que é compreendido, na maior parte,
como concretização da presunção de inocência. Para que um suspeito
não seja afetado em seus interesses mais do que o incondicionalmente
necessário, todas as medidas coativas do Estado precisam ocorrer de modo
precisamente verificado, controláveis e em moldes rigorosos, porque
elas são, antes de tudo, medidas coativas contra um cidadão presumido
como inocente. A presunção de inocência somente pode ser superada pela
sentença, como conclusão do processo, desse modo, quaisquer penas ou
medidas semelhantes à pena, antes da sentença transitada em julgado, são
proibidas.
204 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

Justamente nos tempos após o 11 de setembro de 2001, portanto,


pelos temores de ataques terroristas, pode-se verificar como o medo e a
necessidade de segurança das pessoas são usados para anular fundamentos
do Estado de Direito. A pesquisa em rede, parcialmente reintroduzida para
estes objetivos, comprova a intervenção em direitos de cidadão.

a) Pesquisa em rede
Na pesquisa em rede, conforme o direito estadual, não se trata da
busca de autores penais, por causa de fatos puníveis já cometidos, mas de
medidas preventivas através das quais devem ser impedidos fatos violentos
futuros. Portanto, não se atua por causa de uma suspeita ou de um perigo
concreto, mas de modo simplesmente preventivo – sem consideração de
limites de intervenção. Com estas medidas policiais antecipadas, ocorre a
intervenção em direitos fundamentais de uma grande quantidade de pessoas
insuspeitas: no direito de autodeterminação da informação. Além disso,
terceiros não participantes caem na mira dos órgãos de persecução penal,
no que reside um reforço da infração contra a presunção de inocência,
porque não se intervém somente nos direitos fundamentais de suspeitos,
mas já mesmo nos direitos fundamentais de uma grande quantidade de
pessoas completamente insuspeitas. A presunção de inocência do Estado de
Direito inverte-se, desse modo, em uma geral presunção de culpa, mediante
impressão de computador. Os implicados são levados assim à obrigação
de se justificar, de precisar comprovar sua inocência perante os órgãos de
investigação. A presunção de inocência é levada ad absurdum: cabe aos
suspeitos potenciais se libertar do peso da culpa. Eles precisam provar ao
Estado que são inocentes. A mais recente limitação da pesquisa em rede,
pela atitude negativa de alguns Tribunais alemães, é um sinal encorajador,
pelo que é de se esperar, também, que esta linha seja amplamente seguida,
no interesse do Estado de Direito. O então Governo de coalizão do Estado
de Hessen criou, contudo, um novo fundamento legal para a pesquisa
em rede, sustada judicialmente no Hessen. Em lugar da existência de um
“perigo atual”, no futuro já a “prevenção de fatos puníveis de relevante
significado” deve justificar a medida.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 205

b) A “impressão digital genética”


Ao lado do problema da pesquisa em rede, a presunção de inocência
é tangenciada em numerosas áreas problemáticas do Direito Penal, do
processo penal, também da Execução penal e da Política criminal. Com
isto, o princípio da presunção de inocência ocupa penalistas em diferentes
áreas profissionais. Considerando situações problemáticas particulares
pode-se perceber, contudo, que o princípio não goza de nenhuma elevada
posição de valor. Decide-se, com frequência, em favor da segurança e
em prejuízo da proteção da liberdade. A atual Política criminal discute,
por exemplo, a coleta obrigatória de amostras de saliva – chamada
impressão digital genética – em todos os cidadãos, ou também somente
em cidadãos autores de fato punível, com o que fica evidente que quase
todo mundo é transformado em suspeito potencial, e que todo um povo,
ou também somente a população masculina, é colocado sob suspeita geral.
O Legislador, no intervalo, com ampla maioria parlamentar, decidiu uma
agravação dos pressupostos de aplicação e a introdução dos chamados testes
genéticos em série (Lei sobre a novação da análise forense do DNA, BT-Drs.
15/5674, de 14.06.2005). Se terá sido bastante, de modo duradouro, com
esta decisão/compromisso, segundo o ritual legislativo comum (agravação
lenta, imperceptível, depois de legislação inicial moderada), é improvável.
A reserva de Juízo está, pois, sempre no caminho de uma impulsiva política
interna, e sua queda procura apenas pelo motivo justo.

c) A mídia
A presunção de inocência não é discutida somente na relação Estado-
cidadão, mas também na relação da mídia (compare também Marxen,
1980, 365 s.) com o indivíduo. Assim, com frequência, a culpa do acusado
já é assumida na mídia antes do julgamento e, por isto, é transmitida
ao espectador ou leitor a impressão de que o acusado seria, sem dúvida,
o autor. Porque aqui colidem dois princípios constitucionais, a saber, a
dignidade da pessoa humana e a liberdade da imprensa, o poder de queixa
do indivíduo muitas vezes não basta para garantir proteção jurídica
em face da todo-poderosa mídia. Contudo: o artigo 8° da CEDH, que
protege a vida privada e, com isto, o direito de personalidade, obriga o
Estado a colocar à disposição possibilidades jurídico-civis para proteção
206 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

contra publicações da imprensa, que facultem a toda pessoa reagir contra


condenações antecipadas da mídia.

d) Outras áreas problemáticas


Além disto, a Jurisprudência tem se ocupado com a compatibilidade
da presunção de inocência em caso de informações defeituosas no
procedimento de investigação, de excessos de prazo na prisão provisória,
de consequências de acordos no processo penal, de consequências
relacionadas com a extinção sem julgamento do processo penal, de
decisões sobre custos e, também, de problemas relativos à suspensão
condicional da pena.
Resta para considerar que, de cada dois procedimentos de investigação
passíveis de denúncia, um é arquivado pelo Ministério Público e, ao
lado disto, 25 por cento dos processos são encerrados por causa de não
comprovação da suspeita do fato. Portanto, não se trata apenas de uma
minoria, mas de centenas de milhares de cidadãos que, anualmente,
confiam nas garantias da presunção de inocência. Resta esperar que, para
a maioria, um processo penal arquivado não tenha conduzido ao fim de
sua carreira de cidadão, o que ocorreria não “pelo Direito”, mas “contra o
Direito” – contra a presunção de inocência.

IV. Juiz legal

Mesmo para um Procurador Geral do Estado pode haver desconforto no Estado


seguro. Brota algo como resistência, que comprova de modo impressionante a seguinte
notícia de um jornal diário suprarregional, de 11.05.2002: “Os Procuradores Gerais do
Estado alemães consideram com ceticismo a instituição de um Ministério Público
europeu”. O Procurador Geral do Estado de Württemberg é citado como segue: “Na
verdade, seriam necessárias instituições europeias comuns, porque a criminalidade
se torna cada vez mais internacional. Mas seria de se temer, por exemplo, que o
agente do Ministério Público europeu arranjasse suas ordens de prisão no Estado-
Membro em que isto seria o mais fácil possível. Em relação às prescrições rigorosas
da Alemanha, isto seria preocupante”. Estas dúvidas são ainda mais importantes, em
face do contexto da concepção de dois funcionários ministeriais europeus, publicada
num artigo científico (Brüner/Spitzer, 2002, 397), quando estes recomendam que
o Ministério Publico europeu deveria poder acusar no Estado-Membro, onde uma
condenação seria mais fácil de ser obtida. Aqui nós estamos no cerne do princípio
do Juiz legal, que não é apenas uma “rigorosa prescrição alemã”, mas um princípio
fundamental da estatalidade jurídica europeia. O que diz este princípio?
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 207

1. Direito e Conteúdo

a) Correlação com a independência da Justiça (art. 97, Constituição)


O princípio do Juiz legal é regido por um axioma fundamental do
Estado Democrático de Direito: a independência da Justiça. Juízes legais
são Juízes independentes, e vice-versa. Juiz legal e Juiz independente são
inseparáveis. A independência do Terceiro Poder é uma coluna estrutural
de todos os ordenamentos jurídicos liberais da Europa. Está regulada
no art. 97, da Constituição. O significado deste princípio resulta, não
por último, das experiências históricas com o seu contrário – a função
instrumental da Justiça, no Estado totalitário. A estas experiências,
a Constituição contrapõe o programa do Iluminismo, resultante dos
movimentos de liberdade do século 19. Na Alemanha, este programa já foi
assentado na Constituição da Igreja de Paulo, de 1848. Esta Constituição
nunca entrou em vigor, mas estabeleceu critérios materiais vinculadores
do futuro desenvolvimento constitucional, em relação aos quais não
havia mais nenhum retrocesso. Na época, como hoje, três elementos
cunhavam o princípio da independência judicial, a saber, independência
material, pessoal e interna (compare abaixo § 24 I). O Juiz independente
conhece apenas um limite de decisão: a lei da liberdade.

b) Princípio do Juiz legal (art. 101, seção 1, oração 2 da Constituição)


Sem o princípio do Juiz legal, a independência judicial não é
realizável. No Direito alemão, o princípio está ancorado no art. 101,
capítulo 1, oração 2 da Constituição. Para o Direito Penal significa que
não se pode escolher o Juízo que decidirá sobre o fato. Ao contrário,
o Juízo competente já está previamente determinado. A Corte Federal
de Justiça, em sua decisão “Al Qaida” de 04.04.2002, enfatizou a
importância do princípio do Juiz legal (BGH NJW 2002, 1589 s.). A
competência material, territorial e funcional precisa ser, por força de
lei, previamente fixada. Igualmente, a composição do Juízo precisa ser
anteriormente determinável. Com isto deve ser evitado, que a pessoa
do Juiz da decisão seja escolhida segundo critérios materiais estranhos,
portanto, arbitrários. O objetivo primordial da determinação é impedir
intervenções de terceiro na Justiça, para assim assegurar imparcialidade e
208 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

vinculação objetiva do Terceiro Poder. Se um Juiz incompetente decide,


e existe com isto a possibilidade de que uma decisão diferente teria sido
tomada, isto tem por consequência a anulação da decisão proferida.

2. Sobre a realidade jurídica na Alemanha

Política criminal e legislação penal, desde o começo do Iluminismo,


têm-se afastado continuamente deste modelo de independência judicial.
Do ponto de vista das relações políticas, jurídico-constitucionais e teórico-
jurídicas da independência judicial, diz a tese central: o Terceiro Poder – em
especial, a Justiça penal – vê-se exposto à intervenção de interesses político-
criminais e administrativos. A consequência desta intervenção é grave:
consiste na perda de efetivo controle do poder estatal e social (Macke, 1999,
481 s.). Esta intervenção é facilitada por uma teoricamente provocada e
politicamente desejada carência de uma concepção normativa, jurídico-
constitucionalmente fundada, da independência judicial. A intervenção
de interesses ocorre em quatro níveis. Primeiro, pela informalização do
processo penal, preparada e realizada pelo Ministério Público (compare
abaixo § 19 C). Segundo, pelas exigências políticas dirigidas à Justiça,
de instituir a segurança pela prevenção (compare abaixo § 25 C).
Terceiro, está em jogo a entrega ao poder da Polícia no processo penal
(sobre policialização do processo penal, compare abaixo § 15 III), que
desprende o Juiz independente da necessária vinculação com a lei penal.
Finalmente – quarto –, ocorre profundo esvaziamento da prerrogativa
judicial das decisões, essencial para a conformidade à Justiça do processo
– por exemplo, nas graves intervenções em direitos fundamentais, como a
vigilância telefônica.

a) Prerrogativa judicial esvaziada de conteúdo


Justamente a Política criminal nunca está livre de falsas promessas.
Uma destas falsas promessas diz que as graves intervenções nos direitos
de liberdades civis, ligadas com as autorizações de investigação secreta,
seriam compensadas pelas possibilidades de controle judicial, na forma de
prerrogativa do Juiz. A decisão judicial deve tornar suportáveis os déficits
de Estado de Direito, que ameaçam com o procedimento secreto. Se esta
pretensão normativa já é questionável, subjacente a esta existe ainda a ideia
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 209

de que a Justiça está integrada no plano do procedimento sigiloso. Na


práxis, a prerrogativa do Juiz fracassa no seu serviço (Asbrock, 1997, 255
s.; compare também a pesquisa empírica de Backes/Gusy, 2003). Aumenta,
desimpedida, a quantidade de vigilâncias telefônicas. Muito raramente,
juízes indeferem medidas de investigação requeridas. Além disso, escapa
à prerrogativa do Juiz a utilização, muito difundida, das competências de
urgência do Ministério Público e da Polícia. Resta esperar, que a decisão
do Tribunal Federal Constitucional de 20.02.2001 (BverGE 103, 124
s. – perigo de demora) conduza à advertida restrição das competências
de urgência e, com isto, a um fortalecimento da prerrogativa do Juiz. O
fracasso prático da prerrogativa do Juiz está em relação com a pressão do
tempo, que a competição da política de segurança impõe ao Juiz. Por causa
desta pressão do tempo, decide-se com base em fatos que foram preparados
apenas do ponto de vista da Polícia e do Ministério Público. Em conclusão,
a prerrogativa do Juiz representa uma delgada folha de figueira do Estado de
Direito, para a impertinência jurídico-constitucional do processo secreto.

b) Função de vigilância da Justiça


A realidade do Direito na Alemanha prova, de modo quase dramático,
que a independência do Juiz legal está mal cultivada. Seria necessária uma
compreensão do papel do Juiz, que lembra, autoconsciente, das esquecidas
ideias do Iluminismo. Esta compreensão de papel precisa conduzir o Juiz
a perseverar na observância dos princípios do Estado de Direito. A Justiça
precisa estar consciente de sua função de vigilância em face da Política
e da Administração. A Justiça não se pode permitir atrelar à carreta dos
interesses da política de segurança, mas é baluarte contra o espírito da
época, de exclusiva orientação de segurança.
O Tribunal Federal Constitucional, na sua decisão de 18.7.2005 sobre
ordem de prisão, reforçou claramente este modo de consideração (2 BvR
2236/04m Rz. 102 ss).

V. Princípios formadores do processo judicial: imediação, oralidade,


publicidade
Imaginemos o seguinte: encontramo-nos em um processo penal alemão.
O Ministério Público gostaria de proteger sua principal testemunha de
210 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

acusação, um informante infiltrado com dificuldade em determinado


lugar, e não quer nem revelar seu nome, nem apresentá-lo visualmente. O
Juízo não gostaria de renunciar a um questionamento. Ministério Público
e Juízo entram em acordo sobre o seguinte procedimento: a testemunha
fica sentada dentro de uma caixa grande, por ninguém reconhecível, mas
perceptível acusticamente. Porque a testemunha recebeu, também, de
parte do Ministério do Interior, apenas uma limitada permissão para depor,
senta-se conjuntamente na caixa seu acompanhante, o chamado diretor da
testemunha. Às perguntas do Juízo responde sempre uma voz, pelo que
resta incerto se respondeu a testemunha ou o diretor da testemunha. O
Juízo não está satisfeito com o resultado desta produção de prova. O que
pensar desta caricatura de direito a um justo processo, em face do contexto
de princípios formadores do processo judicial liberal, que são sacrificados à
eficiência do processo em favor da segurança do Estado? Sobre isto, deveria
existir somente uma resposta.

1. Direito e conteúdo

Imediação, oralidade e publicidade devem assegurar para o acusado


um justo processo. Cada princípio tem, por si mesmo, funções e tarefas
próprias, ao mesmo tempo estão, na verdade, em estreita relação. A
infração contra um dos princípios é, igualmente, também infração contra
os outros dois princípios. Um processo penal público somente pode ser
significativamente garantido, se a audiência ocorre imediata e oralmente
diante do Juízo competente.

a) Imediação
A imediação está inscrita no § 250 CPP, que pressupõe que o Juiz,
mas também os outros participantes do processo, devem obter uma
impressão pessoal do acusado e dos meios de prova, que forma o posterior
fundamento da sentença. A imediação mostra-se de dois modos: por um
lado, a sentença somente pode se apoiar em conhecimentos da audiência
principal. Matéria processual, que não foi objeto da audiência principal,
não pode ser usada na sentença. Por outro lado, o Juiz precisa valorizar
sempre a prova mais concreta, portanto, ouvir uma testemunha, antes de
valorizar apenas um indício.
§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 211

b) Oralidade
Este princípio pretende assegurar que somente matéria processual
discutida oralmente na audiência principal será considerada na
fundamentação da sentença. Diversas prescrições da legislação processual
penal exigem isto (§§ 250 s., 261, 264, CPP). O Juiz precisa tirar sua certeza
subjetiva da substância da audiência principal, assim enuncia o princípio
da livre valoração da prova do § 261 CPP. Isto exige: testemunhas, acusado
e peritos precisam, em princípio, prestar declarações orais em Juízo.
Exceções estritas valem somente para o caso em que uma testemunha não
é acessível, por exemplo, está morta ou seu paradeiro não é averiguável.

c) Publicidade
Este princípio está ancorado na Lei de Organização Judiciária
(GVG). Segundo este, deve-se garantir a todos o acesso à sala do Juízo.
Contudo, transmissões de rádio, de som ou de televisão são proibidas
durante a audiência. Também existem outras exceções para proteção
dos participantes do processo, por exemplo, em processos penais contra
adolescentes ou em audiências de Justiça de família. De modo geral, pelo
princípio da publicidade deve ser possível um controle do Terceiro Poder.
O significado deste princípio é destacado pelo seguinte, que uma infração
contra a produção da publicidade vale como absoluto fundamento de
revisão, ou seja, nenhum julgamento possui, então, existência (§ 338 n.
6, CPP).
Trata-se, quanto aos princípios processuais de imediação, oralidade e
publicidade, de normas fundamentais do processo penal, desenvolvidas na
história da cultura europeia. Hoje, estes princípios valem como pressupostos
mínimos para um processo penal legítimo e justo. Não queremos ocultar:
a observação consequente destes princípios, no cotidiano do processo
penal, é trabalhosa, dispendiosa e demorada, mas conforme aos Direitos
Humanos.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

Direito e conteúdo dos três princípios condutores do processo são, na


realidade do Direito, colocados em questão por diferentes influências e
desenvolvimentos, que precisam ser considerados criticamente.
212 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

a) Influência da mídia
A primitiva pura publicidade imediata da sala do Juízo deformou-se
com o desenvolvimento da mídia, numa publicidade mediata dos meios
de comunicação de massa (Riepl, 1998, p. 42). A Justiça tem-se oposto de
modo consequente, até agora, à exigência de tornar públicos os processos
pelo rádio ou televisão. Esta recusa é de se avaliar positivamente, porque as
influências de uma curiosidade pública desenfreada, que frequentemente
é movida por apetites sensacionalistas, prejudicaria significativamente a
busca da verdade. Aliás, a influência negativa da atenção da mídia, dirigida
por preconceito, não é mesmo de avaliar, tanto mais que manipula todos os
participantes do processo – muitas vezes mesmo de forma inconsciente. É
tarefa da jurisdição independente contrapor-se a este perigo de manipulação
em todos os níveis e esclarecer sobre isso as partes do processo. Não por
último, é de se promover o autocontrole dos meios de comunicação, que
têm grande responsabilidade na percepção da função de controle, no
quadro do princípio da publicidade.

b) Ameaça da imediação pelos acordos informais (Deal)


A tendência para informalização, que identificamos como máxima
de desencargo junto ao Ministério Público, também ao nível da práxis
judicial tampouco prossegue com tendência positiva, ao contrário, com
tendência para erosão do Estado de Direito. Por causa da filtragem pelo
Ministério Público não chegam mais processos às barras da Justiça,
senão processos mais complicados. Casos criminais econômicos e
ambientais complexos, casos penais de envergadura e, com isto, também
especial atenção do interesse da mídia, induzem todas as partes do
processo a acordos. Do ponto de vista da sobrecarga de trabalho, isto é
apenas compreensível, do ponto de vista dos princípios dirigentes, ao
contrário, não. O processo penal do Estado de Direito é desnaturado
ao ponto de uma farsa. Considerando os acordos no processo penal
(BGHSt 43, 195 s.; 49, 84 s. e BGHSt (GS) decisão de 3 de março
de 2005 (GSSt 1/04)), faltam garantias legais de que os resultados
conseguidos fora da lei (“praeter legem”) também serão cumpridos
(compare abaixo § 22 II).
§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 213

Em resumo: a crescente carga de trabalho da Justiça, por causa da


diminuição dos recursos pessoais e materiais, deixa estiolarem os princípios
fundamentais formadores do processo penal do Estado de Direito.

G. Resultado

Se pretendêssemos ampliar o conceito, cunhado por Naucke, de um


Direito Penal que ele designou como “Direito de limitação do combate
ao crime” (1982, 564), então os princípios de direito apresentados
neste capítulo se deixam ler como um conteúdo programático deste
conceito plástico. Também a Criminologia não pode parar, em face desta
compreensão jurídico-constitucional. Uma Criminologia aplicada tem
de respeitar estas barreiras como limites de intervenção, uma reflexiva
Criminologia autônoma tampouco pode desconsiderar isto. O objeto do
interesse de pesquisa está cercado por barreiras jurídico-constitucionais,
que protegem o indivíduo de intervenções estatais, científicas e quaisquer
outras.

§ 10. O contínuo processo de erosão


do Direito Penal do Estado de Direito – um resultado

Pretendemos encerrar o Capítulo 3 com um resumo que possibilite


uma visão de conjunto. As linhas históricas, que são identificáveis,
devem esclarecer esquematicamente os objetos de mudanças jurídico-
penais e criminológicas e as representações de possibilidades de controle
jurídico.

I. Da dominação à destruição do Direito

1. Direito metafísico do soberano na época do Pré-Iluminismo

O Direito Penal se libertou no século 18, de forma lenta e penosa,


das garras do Pré-Iluminismo (compare acima § 6 A I). Como direito
214 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

metafísico do soberano, tinha-se atrelado à luta do Bem contra o Mal


(Deus versus Diabo). A legitimação residia no poder de punir do soberano
absoluto, os súditos do Direito tinham que suportar este poder de punir,
através de consentidas penas corporais e físicas, como sujeitos da luta contra
o Mal. No primeiro plano, estava a estabilização do domínio mundano e
religioso, mediante imposição inquisitorial do Direito.

2. A teoria penal absoluta como emancipação do Direito

O Direito Penal clássico do século 18, que foi inaugurado com o


Iluminismo, tinha como ponto de partida o conhecimento emancipatório
de que não o homem (soberano), mas somente o Direito racional
teria de dominar (compare acima § 6 A II). O Direito Penal tinha,
nesta visão, exclusivamente a função absoluta de retribuir a lesão do
Direito, como reintegração do Direito e, na verdade, vinculada ao
indivíduo, vinculada à culpabilidade e vinculada à lei. Do ponto de vista
ideal-típico existia, na versão do Direito Penal clássico, uma rigorosa
relação de fato. Esta relação de fato se esgotava em um modelo de
Direito repressivo-limitador, que se prendia, novamente de forma ideal-
típica, ao princípio de uma legalidade dirigida pela razão. O modelo
do Direito Penal clássico era um modelo teórico. Por detrás desta
pretensão ocultava-se, com frequência, no curso da história, garantia de
domínio autoritário, e não, ao contrário, legalidade no sentido de uma
generalizada e representativa autonomia dos cidadãos. Direito Penal
absoluto era, por isso, em sua configuração histórica, com frequência,
Direito Penal estatal em roupagem autoritária.

3. As teorias penais relativas como expressão de orientação do Estado


social

No século 19, na controvérsia e delimitação de um Direito Penal clássico,


surgiu a Moderna Escola de Direito Penal, perfilhada no Programa de
Marburg de Franz v. Liszt (compare acima § 6 B). O pensamento preventivo
de fim foi o padrinho deste desenvolvimento das teorias penais relativas, que
§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 215

tomavam em consideração, de agora em diante, a utilidade social da pena e


não mais a razão da pena, e através de uma ideal-típica rigorosa relação de
autor, atrelava na disposição de adaptação do indivíduo. Este foi também
o local de nascimento da Criminologia científica orientada pelo autor, que
desenvolveu, com auxílio da individualização e moralização, um modelo
de Direito preventivo-configurador: o preço da orientação pela variável
utilidade social da pena foi, mais tarde, uma oportunidade carregada de
Estado Social, que já colocou em questão, fundamentalmente, a pretensão
de validade geral e de aplicação igual do Direito.

4. O Direito Penal simbólico: crises sistêmicas e orientação sistêmica

As esperanças frustradas sobre o Estado do Bem Estar abalado por crises


dão uma nova direção ao desenvolvimento do Direito, no final do século 20
(compare acima § 6 C). Os riscos incalculáveis da sociedade industrial, que
não são mais de dominar por mecanismos de controle estatal, em especial
pelo controle jurídico racional ou orientado pelo fim, precipitam-se em
legislação simbólica. O simbólico Direito Penal do risco não mais tem em
vista a referência de autor do Direito Penal preventivo, mas exclusivamente
uma orientação sistêmica. Com o modelo empiricamente não demonstrável
da chamada prevenção de integração, ou seja, com a orientação para a
consciência normativamente estabilizante da coletividade, este modelo
de Direito introduz – de novo, em forma ideal-típica – uma rigorosa
relação com o sistema. A despedida da generalidade e da igualdade da
aplicação do Direito introduz a informalização do Direito. O aplicador
do Direito pode aplicar o Direito, se quiser, mas pode também deixar de
aplicar. Esta oportunidade do Direito conduz a um conceito de Direito
sem conteúdo, que se apresenta, em conclusão, lesivo da igualdade e
arbitrário. Este processo de desenvolvimento do Direito é acompanhado
por um crescente desinteresse em uma Criminologia orientada pelo autor,
porque a orientação para proteção sistêmica precisa conduzir a uma
desindividualização. A individualização conduz apenas, ainda, no caso da
sanção seletiva, a uma vantagem de uso político: serve, para o falho sistema
político, à rejeição da responsabilidade estrutural.
216 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

5. O pós-preventivo Direito Penal de segurança: segurança antes da


liberdade

A continuidade na erosão do Direito impõe-se, cada vez mais, na virada


para o século 21 (compare acima § 6 D). Um pós-preventivo Direito
Penal de segurança, carregado por orientações globais de segurança,
como desafios em relação a formas desenfreadas de violência (designadas,
segundo a perspectiva, como terrorismo), aspira, de modo claro, garantia
de domínio global. O conceito de segurança experimenta uma inequívoca
prioridade diante da proteção da liberdade. Com uma intervenção de
segurança independente de suspeita, o pós-preventivo Direito Penal
de segurança recorre mesmo a meios de militarização da segurança
interna (emprego do Exército para persecução penal internacional, ou
para perseguição de finalidades de segurança interna). Ideal-típico para
esta orientação global de segurança é a invocação de sacrifícios especiais,
como dever geral dos cidadãos, em favor da segurança total, que não
existe mais. O pós-preventivo Direito Penal de segurança não está mais
interessado, nem remotamente, em orientações criminológicas. Trata-se
apenas da multiplicação de puras medidas legais de segurança, que são,
mesmo, aclamadas pela maioria da população. Neste desenvolvimento
existe, sem dúvida, um claro modelo de negação do Direito, até mesmo
de aniquilação do Direito.
§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 217

Modelos de controle do Direito Penal


e papel da Criminologia na evolução histórica

Sequência Efeitos sobre o


Direito Penal Papel da Criminologia Teorias penais Modelo de Direito
cronológica sujeito

Penas corporais
Direito
consentidas como
Inquisitorial para
Direito Metafísico Vinculação metafísica Poder penal do luta contra o Mal
Pré-Iluminismo estabilização do
do Soberano (Deus/Diabo) soberano absoluto
domínio mundano
Modelo ideal:
e religioso
destruição

Vinculados ao
Irrelevância de
indivíduo, à Repressivo-
conhecimentos Teoria penal
culpabilidade, limitador
Direito Penal empíricos sobre causas absoluta
Século e à lei
Clássico (Immanuel da criminalidade;
19 • Princípio da
Kant) • Reação retributiva
Modelo ideal: legalidade
Antropologia de à lesão do direito
rigorosa relação
conteúdo
de fato

Utilidade social;
Teoria penal relativa Preventivo-
Criminologia disposição de
Escola Moderna de configurador
tradicional orientada adaptação
Séculos Direito Penal (Franz • Nascimento da
pelo autor:
19/20 von Liszt, Programa ideia de finalidade • Oportunidade
* Individualização Modelo ideal:
de Marburg) preventiva no carregada de Estado
* Moralização rigorosa referência
Direito Penal Social
de autor

Informalização
Consciência da
Prevenção de
comunidade • Conceito de
Simbólico Direito Orientação sistêmica; integração
estabilizadora da Direito sem
Penal do Risco: Crescente desinteresse
Final do norma conteúdo,
criminológico: • Prevenção geral
século 20 • Lesão da
Legislação * Desinvididualização positiva como
Modelo ideal: igualdade,
simbólica * Proteção sistêmica estabilização do
rigorosa relação • Aplicação
sistema
sistêmica arbitrária do
Direito

Garantia de
dominação global
Orientação global de Intervenção de Pura Medida de
(dominância da
segurança; segurança operativa prevenção
segurança diante da
Direito Penal da independente de
Virada para o liberdade)
Segurança pós- Ignorância política suspeita • Negação do
Século 21
preventivo em relação aos Direito,
Modelo ideal:
conhecimentos • Militarização da • Aniquilação do
sacrifício especial
criminológicos segurança interna Direito
como dever geral do
cidadão
218 Capítulo 3 - Proteção da liberdade

II. Consequências práticas do processo da erosão do Direito: esper-


anças de uma mudança na Europa dos cidadãos

Ao breve esboço da continuidade de construção do Direito até, enfim,


a aniquilação do Direito, subjaz um modelo de desenvolvimento que se
apresenta como historicamente encerrado nas primeiras quatro etapas.
Como já mostra a sequência cronológica, não existe nenhum quadro de
separação temporal nítida para as etapas particulares. Isto é igualmente
verdade para as explicações teórico-penais, para os efeitos sobre os súditos
do Direito e para o papel da Criminologia em relação às exigências
jurídico-penais. Com isto devem, apenas, ser esclarecidas – em forma ideal-
típica – as premissas e condições do contínuo abandono de um modelo
de Direito de conteúdo, isto é, de um modelo de validade geral e de
aplicação igual. O rigor deste modelo não precisa conduzir a um fatalismo
em relação ao desenvolvimento do Direito. Nós nos encontramos no meio
de um processo político de desconstrução do Direito, em sentido clássico.
Em todo caso, a informalização do Direito marca o cotidiano jurídico em
extensão crítica, isto é certo.
É missão de uma política de Estado de Direito reconhecer a proteção
do Direito, no âmbito nacional e internacional, como tarefa central. O
Direito já não é mais democraticamente legitimado no processo de criação.
No Direito Penal, por exemplo, o desenvolvimento europeu do Direito
desvincula-se continuamente da legitimação através do Legislador nacional,
na melhor das hipóteses nasce um puro Direito de adesão, sem consideração
aos contextos reais. O Direito é configurado tão flexível quanto possível,
para uso de qualquer um e aberto a toda influência política.
Impressionante prova disto é a decisão do Legislador alemão, distante
do Direito Constitucional, que está claramente pronto a pagar o preço da
renúncia de postulados constitucionais centrais, em apressada obediência
para uma unificação europeia. A resposta do Tribunal Federal Constitucional
cai como uma bofetada: legislação nula! O Legislador pode, na consciência
de sua “liberdade normativa”, encontrar uma nova formulação conforme
aos direitos fundamentais (BverfG, decisão de 18.07.2005, 2 BvR 2236/04,
Rz. 116 e 146 (opinião divergente do Juiz Bross)).
§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 219

O que deveria ajudar, é:


• uma explicação científica sobre a tradição de um liberal Direito Penal
europeu, que se baseia em princípios de liberdade,
• que, por causa de sua exigente orientação de Estado de Direito, somente
pode reagir ao puro injusto nuclear do Estado de Direito,
• que é libertado de suas excessivas exigências de controle em sentido
sistêmico e
• que é imposto por um forte Judiciário independente em face dos dois
outros poderes do Estado.

Para proteção e fortalecimento de um semelhante Direito Penal


orientado por princípios precisa trabalhar a atenção de um público europeu
esclarecido. Que isto pode conter a continuidade da erosão do Direito, é a
esperança de uma ciência do Direito Penal do Estado de Direito.

Você também pode gostar