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PALMEIRAS DE GOIÁS
2023
ANA LUIZA MACHADO
PALMEIRAS DE GOIÁS
2023
ANA LUIZA MACHADO
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Ao longo de todo o trabalho fora adotada a perspectiva do estruturalismo construtivista,
comungando o uso de saberes sociológicos, históricos e criminológicos para compreensão do
impacto das opiniões tratadas no decorrer do texto dentro da sociedade brasileira.
Enquanto objetivos, buscou-se de forma geral compreender o impacto social da opinião
pública na ideia de extermínio como política de Estado. E de maneira específica, denunciar a
execução sumária como ideologia de limpeza social.
Quanto a forma de abordagem, este trabalho foi desenvolvido através de pesquisa
quali-quantitava com análise teórica por meio de pesquisa bibliográfica e por meio de pesquisa
empírica, realizada por meio de coleta de dados realizada na cidade de Goiânia, entre os meses
de junho de 2022 a junho de 2023. Os objetivos se realizaram por pesquisa fenomenológica,
que como ensina Lakatos (2022, p.313), “ocupa-se de resgatar os significados atribuídos pelos
sujeitos aos fenômenos sob investigação. Objetiva descrever e entender os fenômenos com base
no ponto de vista de cada participante e da perspectiva construída coletivamente”. Quanto aos
procedimentos técnicos utilizados, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por meio de
literatura jurídica, sociológica e política nacional e internacional e pesquisa empírica, com a
técnica de pesquisa de entrevistas e exposição de dados.
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1. CRIME COMO FENÔMENO SOCIAL
Para dar início à análise do tema, primeiro é preciso buscar fundamentação. Nesse
intuito, entender-se-á que o estudo do crime como fenômeno social é tratado pela criminologia
como ponto fulcral de sua prática, uma vez que etimologicamente, a palavra criminologia deriva
do latim crimino (crime) e do grego logos (estudo), se igualando a estudo do crime. Por óbvio
que sua investigação excede a delinquência enquanto fato, alcançando outras três principais
vertentes: o delinquente, a vítima e o controle social.
Exposta a ferramenta de estudo, se faz forçoso pensar o objeto estudado. Para
melhor elucidação, nada mais justo do que recorrer a contextualização histórica. Nesse
propósito, é preciso entender que o pensamento criminológico, assim como qualquer outra
corrente de conhecimento, passou por algumas “reformas”. A concepção primeira que se
adotava em relação a figura do crime é a ligada à corrente conhecida como “Escola Liberal”,
que deu luz à Criminologia Clássica, a qual emergia em meados do século XVIII na Europa.
Nela foram desenvolvidos os pensamentos do classicismo penal, com a função da pena, a
natureza do ato criminoso e sobretudo, essa escola desenvolveu a visão de que o crime é uma
violação do direito, voluntária e consciente, merecedora de um castigo.
A respeito da Escola Clássica, têm se que essa concepção filosófica era pautada nos
ideais defendidos à época, de Filosofia Política do Liberalismo Clássico. Isso significa dizer
que eles entendiam o delito como conceito jurídico, ou seja, uma violação do pacto social com
o Estado. Andrade e Medeiros (2023, p. 49), discorrem de maneira muito clara a respeito da
metodologia utilizada à época para compreender o fenômeno delituoso:
Duas características são marcantes na Escola Clássica. A primeira é a
concepção do homem como um ser livre e racional, que comete os delitos por livre e
espontânea vontade [...] A segunda caraterística é a utilização do método abstrato
(lógico)-dedutivo, o que significa que, diferentemente do método empírico
experimental indutivo (utilizado na criminologia moderna), partia-se da norma, do
dogma, para a conclusão. Assim sendo, aspectos como o ambiente, fatores sociais e
outras características pessoais, envolvendo o mundo dos fatos ou do criminoso, eram
em grande parte desprezados, levando-se em consideração preponderantemente a
vontade humana de praticar o delito. Assim sendo, a Escola Clássica refutava qualquer
tipo de determinismo.
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Ele argumenta que a transição entre sociedades tradicionais para sociedades industriais
modernas resultou em um colapso das normas e valores tradicionais que anteriormente
proporcionavam coesão social. Isso fez com que se desenvolvesse um estado de anomia, onde
seus indivíduos foram deixados sem uma noção clara de propósito. Durkheim ainda explica que
a ideia de bem-estar social, que serve como pilar de uma sociedade saudável, precisa atender
necessidades materiais e morais, impostas pela própria sociedade para se concretizar, evitando
essa quebra de harmonia. Isso porque uma vez quebrado esse ciclo, o indivíduo tende a se
rebelar e reivindicar o alcance dessas necessidades, independente da forma que as conseguirá,
como estabeleceu o autor: “Qualquer ser vivo só pode ser feliz ou até só pode viver se suas
necessidades têm uma relação suficiente com seus meios. Caso contrário, se elas exigem mais
do que lhes pode ser oferecido ou simplesmente algo diferente, estarão constantemente em atrito
[...]” (DURKHEIM, 2000, p. 311). Partindo desse entendimento, têm-se que para a
criminologia, é justificado o uso da teoria da anomia ao passo que ela fundamenta a origem do
comportamento desviante da impossibilidade social de atingir metas pessoais e sociais que são
impostas ao indivíduo, fazendo com que ele negue as normas vigentes no consenso coletivo.
Posteriormente, o americano Robert K. Merton publica o artigo “Estrutura Social e
Anomia”, no ano de 1938 estabelecendo um marco nos estudos da origem do comportamento
desviante na sociedade moderna. Sua tese se baseia principalmente em como as metas culturais
socialmente compartilhadas pelos indivíduos, quando não podem ser satisfeitas, geram uma
espécie de tensão social. Merton sugere que os indivíduos que experimentam anomia estão sob
pressão para alcançar o sucesso e podem se sentir impedidos de alcançá-lo por restrições
sociais, econômicas ou culturais. Ele argumentou que isso pode levar a uma sensação de tensão
ou frustração que motiva o comportamento desviante. O autor explicita a ideia acima elucidada
da seguinte maneira:
É apenas quando um sistema de valores culturais exalta, virtualmente acima de todo
o resto, certos símbolos comuns de sucesso para a população em geral, enquanto sua
estrutura social restringe rigorosamente ou elimina por completo o acesso aos modos
aprovados de se adquirir esses símbolos para uma parte considerável da mesma
população, que o comportamento antissocial acontece em uma escala
considerável.(MERTON, 1938, p.680)
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uma vez que a própria ideia de anomia remonta a concepção do crime como fenômeno social,
posto que a percepção de “sucesso” e bem-estar social estariam diretamente ligadas ao
reforçamento das metas de ascensão social e essas aspirações ilimitadas geram uma certa tensão
social, levando a inadaptação normativa e ao comportamento delinquente.
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O processo de criminalização seletivo que é exercido pelo poder punitivo do Estado
desempenha caráter essencialmente discriminatório, pautado em uma ideologia de defesa
social, como fora discutido ao longo deste tópico. A partir dessa concepção é possível perceber
então, como o sistema penal em si é representado pela desigualdade e estigmatização, e
encoberto por um discurso legitimador, que tenta passar uma ideia de naturalidade a esse
discurso. Desse modo, entende-se que a estruturação do sistema penal pátrio é desenvolvida
levando em conta seu público-alvo, o sistema penal foi pensado para criminalizar um grupo
específico e sobre ele exercer controle.
Imagem 1
Neste trabalho o termo controle social deve ser entendido como controle
comportamental da coletividade visando a manutenção do status quo. Para a Criminologia,
pode-se definir o controle social, a luz dos ensinamentos de Shecaira (2020, p. 56) “como o
conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e
normas comunitários”. Entende-se ainda que existem duas formas de controle social, uma
formal que se traduz pela atuação de instituições formais do Estado, e uma informal que é
pautada em instâncias da sociedade civil. De acordo com o entendimento adotado para a
redação deste trabalho, Shecaira (2020, p. 57) também explica que “este controle social formal
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HONÓRIO, Gustavo. Título da notícia. Portal G1, São Paulo, 22 dez. 2022. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/12/22/chavoso-da-usp-tem-foto-colocada-em-album-de-
reconhecimento-de-suspeitos-da-policia-civil-surpreso-e-sem-entender-diz-estudante.ghtml>. Acesso em: 7
mai. 2023.
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é seletivo e discriminatório, pois o status prima sobre o merecimento. Ademais ele é
estigmatizante, desencadeando desviações secundárias e carreiras criminais.”
A partir das considerações feitas ao longo do primeiro capítulo sobre a construção da
figura de um indivíduo delinquente, tendo justificado que o etiquetamento a que esse sujeito
está exposto, e que é operado com intuito de estigmatização desse mesmo indivíduo, entende-
se dedutivamente que a classe detentora do poder de produzir esse padrão de estigmatização
tem algum interesse em exercer dominação, e aqui subentender-se-á como o controle sobre
essas classes a quem domina.
Nessa perspectiva de dominação, entendida como a manutenção de uma ordem injusta
que opera em favor de uns e em detrimento de outros, à luz dos ensinamentos de Pierre
Bourdieu, em sua obra O Poder Simbólico, enquanto discorria sobre as produções simbólicas
como instrumentos de dominação, o autor afirma que:
[...] as ideologias enquanto produto coletivo e coletivamente apropriado, servem
interesses particulares que tendem a apresentar como universais, comuns ao conjunto
do grupo. A cultura dominante contribui para a integração fictícia da sociedade no seu
conjunto, portanto, à desmobilização das classes dominadas; para a legitimação da
ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções e para legitimação
dessas distinções.
Importante ressaltar que nesse trecho o autor trabalha com o termo “sistemas
simbólicos” para explicar a forma com que o poder simbólico vai ser legitimado. Esses sistemas
simbólicos se traduzem através do que ele chama de “estruturas estruturantes”, como a própria
linguagem, a arte, a religião e etc. Isso se mostra através da forma que essas estruturas se
configuram como instrumento de conhecimento e construção do mundo dos objetos. E segue
afirmando que “a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das
subjetividades estruturantes” (BOURDIEU, 1989, p. 8). Bourdieu entende que o instrumento
metodológico que capacita a análise de qualquer fenômeno, parte da compreensão da estrutura
a que ela se sujeita. Em sua obra, fica asseverado que “os sistemas simbólicos, como
instrumento de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante
porque são estruturados”, levando o leitor à compreensão da relação de interdependência que
existe entre a ocorrência de um fenômeno e da ordenação que o motiva e o precede.
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O conceito de Poder Simbólico desenvolvido por Bourdieu em sua obra supracitada
compartilha muito bem a ideia desenvolvida ao longo deste trabalho. Para o autor, esse Poder
Simbólico difere de um exercício direto de poder efetuado pelo Estado, ao passo de que é oculto.
Ele não tem aparência de coerção, não mostra ao indivíduo a quem domina, que o está
dominando. Se trata desse “poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU,
1989, p. 7).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, é possível perceber que o ponto principal em
discussão reside na ideia de Poder. Essa capacidade de deliberar arbitrariamente e que é
essencial e intrínseca às relações sociais, foi tratada nas filosofias de Hannah Arendt (2016, p.
52) como “instrumento de domínio”, levando sua existência à um “instinto de dominação”.
Utilizando-se do poder como instrumento de domínio, e através da influência dele
perpetuando os ideais de poderio simbólico, se põe disposta a equação entre a estigmatização
de determinados indivíduos e a justificativa de segregação dessa mesma população, para fins
de controle social e além disso, a perpetuação da estrutura de dominação de uma classe
dominante.
Seguindo desse conhecimento, têm-se que o poder simbólico, dado através de sistemas
simbólicos, é capaz de moldar uma realidade, criando e se retroalimentado em si mesma. E a
grande problemática que se busca denunciar aqui é o fato da reprodução dessas ordens sociais
naturalizar e dissimular as desigualdades presentes na sociedade.
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2- A OPINIÃO PÚBLICA
O termo opinião pública, está conceitualmente ligado com a capacidade de julgamento,
e advém do termo em Latim Opinionis, ligada aos termos critérios ou pontos de vista. Sócrates,
se valia da expressão Doxai quando se referia a opinião, dado seu caráter subjetivo. Portanto,
no plano do sensível, o máximo de conhecimento que atingimos se baseia nas opiniões (doxai)
acerca daquilo que os sentidos captam via imaginação e crença, sem alcançarmos um
conhecimento seguro e verdadeiro, pois o sensível é considerado por Platão uma cópia
imperfeita, mutável, instável do verdadeiro encontrado apenas no plano inteligível. (SILVA,
2016, p. 48).
Nesse mesmo diapasão, cabe trazer as reflexões de Bordieu a respeito do Habitus, por
ser através dele que se legitimam os discursos dominantes. Da forma que estabelece em sua
obra:
habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário
come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de
praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem
sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes ao do empresário
industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação,
princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem a diferença entre
o que é o bom ou é mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar,
etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou
o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para ouro e
vulgar para um terceiro (BOURDIEU, 1996, p. 22).
Entende-se para os fins deste trabalho que o exposto pelo autor como definição de
habitus se trata de mais uma estrutura estruturante imposta ao indivíduo que dá a ele a
capacidade de enxergar o mundo a partir do ambiente em que está inserido e levando em conta
as situações a que está exposto.
Pode-se inferir a partir do exposto que a opinião é uma forma de reprodução do habitus
e quando se une esse entendimento ao que o filósofo Mbembe propõe em seu estudo sobre a
necropolítica, de que o Estado ao adotar uma política de exceção e criar um inimigo comum ao
público, vende a imagem desse inimigo através de discursos que legitimam a aceitação da morte
como forma de controle social.
A espetacularização do sistema penal, que é concebida na doutrina como populismo
penal midiático é responsável por criar um sentimento de medo e de urgência nas pessoas. O
sentimento de insegurança e impunidade alimentado pelos meios de comunicação por meio da
encenação de programas criminais exerce influência na formação da opinião pública acerca dos
limites punitivos estatais. Schecaira, (1996, p. 16) nesse mesmo entendimento propõe que a
“[...] mídia é uma fábrica ideológica condicionadora, pois não hesita em alterar a realidade dos
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fatos criando um processo permanente de indução criminalizante, e de violação da dignidade
humana”.
Existe ainda uma correlação entre a sensação de insegurança ante a um delito e a atuação
da mídia, como formadora da opinião pública: os meios de comunicação transmitem uma faceta
de realidade, confundindo o julgamento do espectador quanto ao que está distante do que está
próximo. Esse tipo de situação evoca um sentimento de impotência, uma vez que aproxima o
observador do fato ocorrido ao passo que não lhe é dada a condição de agir para impedir ou
remediar a situação.
Claramente existem situações cotidianas de delitos que são vivenciadas por qualquer
cidadão e que também, ou em grau semelhante de influência, gere esse descontentamento. Mas
o objetivo desse tópico é a denúncia do quão perigosa é a influência que opiniões genéricas
exercem quando conseguem ser disseminadas em uma certa frequência. A reprodução de ideias
em massa é em si, um mecanismo.
Com o objetivo de fortalecer a arguição aqui exposta, serão dispostas em seguida, a
transcrição de trechos de algumas entrevistas realizadas na cidade de Goiânia, onde o
entrevistador dialogava com motoristas de aplicativo a respeito da criminalidade em geral na
cidade.
Nesse primeiro trecho, o motorista falava da preparação da força policial goiana no
combate à criminalidade:
Polícia aqui. Eles não brinca não meu amigo. Quando eles pega eles mata mesmo. [...]
Aqui não é brincadeira não. Os policial aqui é muito bem treinado, sabe? [...] os
PMzinho aqui, fi se pegar aqui já era, eles mete bala mesmo. [...] Por isso que diminui
a criminalidade. Muita gente fala assim ó: ‘matar o bandido não é a solução’. Desculpa
mano. Deus, o senhor me perdoe. Mas é. É a solução. [...] Depois quando a polícia
começou a fazer isso, melhorou, tipo, 90%. [...] Querendo ou não, eu penso que tem
que fazer um penteado em uns primeiro, pros que sobrar falar assim: ‘não, não vamo
mexer não que os cara dá problema. (Entrevista realizada dia 14 de junho de 2022, em
Goiânia).
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matar. Entendeu? Infelizmente é. (Entrevista realizada dia 12 de junho de 2022, em
Goiânia).
Outra problemática apontada por esse estudo, e que também exerce grande relevância
quando se trata de um estudo científico, é a disponibilização de dados. O Estado de Goiás se
destacou por subnotificação de informações no ano de realização desse estudo: “algumas UF
não enviaram o número detalhado de MDIP por município ou há maior perda de informação
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neste campo da base de dados. Dentre estas, destacam-se Goiás e Ceará, para os quais temos
apenas informação para o total de MDIP ocorrido nas suas capitais” (MARQUES; PACHECO;
BUENO, 2020, p.64) A taxa de letalidade goiana já é alta e nem se quer contempla a todos os
municípios.
A ação policial nas comunidades pobres revela sistemáticas violações de direitos
humanos. Os casos repetidos de execuções sumárias e uso desproporcional da força por agentes
do Estado, assim como o modelo de mega-operações policiais, inserido na política de segurança
pública, evidenciam a trágica repetição de práticas que naturalizam as violações de direitos
humanos e que são também criminalizadoras da pobreza. (OMCT, 2009, p. 31). Não é diferente
do que ocorre em Goiânia, por exemplo.
Para colaborar com a concretização dos temas tratados, é imprescindível que se fale a
respeito do papel que o racismo desempenha em toda essa estrutura. No âmbito da discussão
criminológica, é importante ressaltar como a mudança de paradigmas que culminou nas teorias
de seletividade penal demonstram o caráter estruturalmente desigual do sistema de justiça
criminal. As agências de controle penal atuam sob viés racista, como apontam dados divulgados
por pesquisa publicada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2022 que divulga
o percentual da população encarcerada, apontando que 46,4% dos presos têm entre 18 e 29 anos
e desses, 67,5% são de cor/raça negra, como é demonstrado no gráfico a seguir:
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Cabe ressaltar a relação de interdependência que existe nas relações de raça, violência
e criminalidade. Uma das críticas mais contundentes à atualidade das pesquisas desenvolvidas
no âmbito da Criminologia Crítica é quanto a questão racial. Como ficou demonstrado, a raça
opera como fator político determinante na ideia de seletividade penal e na maneira como opera
o controle social que ela exerce. O problema aqui é que não basta denunciar a raça como apenas
mais um aspecto a ser estudado, mas sim “como um dos pilares metodológicos e
epistemológicos, situando a categoria raça como prisma analítico e como chave interpretativa
da realidade.” (ORTEGAL, 2016, p. 537-538).
Apresenta-se na obra do atual Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, intitulada
justamente de “Racismo Estrutural”, os pontos de que a raça é um elemento essencialmente
político e que a noção de raça é utilizada para naturalizar desigualdades e legitimar a segregação
e o genocídio de grupos sociologicamente considerados minoritários (ALMEIDA, 2021, p. 31).
A concepção estruturalista, e que será a adota neste trabalho, traz consigo uma denúncia
que parte de todo o raciocínio que fora trabalhado ao longo do texto. Ocorre que, apesar de as
instituições reproduzirem padrões de comportamento racista, elas não são as criadoras diretas
destes: a sociedade gera o racismo que será reproduzido pela instituição. O autor estabelece
conceitualmente que “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo
normal com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, o
racismo é estrutural.” (ALMEIDA, 2021, p. 50)
Assim como o crime, o racismo também é uma expressão natural da sociedade, que se
mostra como manifestação de vontades políticas e econômicas arraigadas de forma profunda,
socialmente. Essa concepção é importante ao raciocínio que vem sendo desenvolvido aqui ao
passo que contribui à corrente ideológica estruturalista adotada para desenvolvimento
metodológico de todo o trabalho, tanto quando faz-se entender que o racismo é um elemento
político de dominação. Por exemplo, a notícia exposta no capítulo anterior que escancara como
a ideia de seletividade está intrinsicamente ligada ao racismo estrutural e se torna uma forma
pelo qual o Estado e as demais instituições alastram seu poder sobre a sociedade.
Convém trazer também o termo cunhado pela teoria do Filósofo Achille Mbembe,
denominado de necropolítica. Em sua obra, de mesmo nome, Mbembe trabalha as ideias já
estabelecidas por Foucault de biopoder, o qual gira e torno da forma que o Estado promove
soberania através do exercício do domínio sobre as chances de vida dos indivíduos, fortalecendo
essa teoria ao passo que a relacionou aquele discurso de poder a uma prática racista realizada e
perpetuada pelo Estado. “Com efeito, em termos foucaultianos, racismo é acima de tudo uma
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tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder. [...] Na economia do biopoder, a função
do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado.”
(MBEMBE, 2016, p. 128).
O racismo, portanto, é o elemento que, ao mesmo tempo serve como critério de
hierarquia, é a ferramenta que reaparelha o direito de matar no Estado moderno. Ao demarcar
as distâncias entre os indivíduos, o racismo estabelece lados opostos, na medida em que a raça
de um grupo ameaça a qualidade da raça do outro (AMARALE; VARGAS, 2019, p. 125).
Nessa teoria o autor traz a ideia de que a estipulação de situações excessivas, que demandem
medidas excessivas do Estado, para garantir a segurança de seus cidadãos são ferramentas
perfeitas de legitimação de políticas de morte.
No cenário nacional é possível perceber a aplicação dessa teoria ao passo que não é mais
necessária a formulação de discursos voltados para a vida, com o fim de justificar a morte
(AMARALE; VARGAS, 2019, p. 127). É possível identificar em discursos, em campanhas
políticas e na opinião pública a defesa do livre exercício do poder de matar.
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3- CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho,
sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria
subsistência mediante ocupação ilícita.
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cidadania está intrínseco o ser cidadão, que implicam diretamente nos direitos à moradia,
dignidade, saúde educação e trabalho.
Apesar da pobreza ser um importante identificador social na construção da
criminalidade no Brasil, ela não é a única. A condição de ser “pobre” é agravada por alguns
outros descritivos que se sobrepõem, tais como ser “jovem” e “negro”. (OMCT, 2019, p. 17).
A ONG “Todos pela Educação” realizou levantamento com base em dados do IBGE
entre 2012 e 2022 e concluiu que os indicadores para os jovens pretos e pardos são os mesmos
que os brancos possuíam há uma década: para pretos e pardos, a taxa de matrículas no Ensino
Médio entre jovens de 15 a 17 anos e a parcela de jovens de 19 anos que já haviam completado
o Ensino Médio, em 2022, alcançaram as porcentagens vistas entre jovens brancos há 10 anos,
em 2012. Ou seja, enquanto 72,3% dos jovens pretos e 73,5% dos pardos hoje estão no Ensino
Médio, 73% dos brancos estavam matriculados em 2012. Já em relação ao encerramento da
etapa, 61% dos jovens pretos e 62,4% dos pardos de 19 anos a tinham concluído em 2022,
porcentagem próxima a que brancos alcançaram em 2012: 62% (TPE, 2023).
Dados disponibilizados também pelo IBGE demonstram que a taxa de desocupação é
maior entre a população preta e parda contra 6,8% entre a população branca. Em 2021, o
rendimento médio domiciliar per capita da população branca (R$ 1 866) era quase duas vezes
o verificado para a população preta (R$ 965) e parda (R$ 945), tendência que se manteve desde
2012 (IBGE, 2022, p. 5)
Entre a população residente em domicílios próprios, 20,8% das pessoas pardas e 19,7%
das pessoas pretas residiam em domicílios sem documentação da propriedade, enquanto a
proporção encontrada entre as pessoas brancas era cerca de metade desse valor (10,1%). Pretos
e pardos enfrentam, portanto, uma situação de maior insegurança de posse e de informalidade
da moradia própria. (IBGE, 2022, p. 6)
Um aspecto de grande relevância é a violência a que essa parcela da população está mais
exposta, ainda em um comparativo de dados do IBGE entre os anos de 2012 e 2020, nesse
ultimo ano as pessoas de cor ou raça parda apresentaram taxa de 34,1 mortes por 100 mil
habitantes e as de cor ou raça preta de 21,9 mortes, o que representa quase o triplo e o dobro,
respectivamente, da taxa observada entre as pessoas de cor ou raça branca, 11,5 mortes por 100
mil habitantes. Ressalta-se que a diferença entre as taxas de homicídios de pardos e brancos
aumentou ao longo da série, dado que em 2012 era de 2,4 vezes. E a violência atinge muito
mais os homens de 15 a 29 anos do que os homens de outras faixas etárias, com uma taxa de
homicídios de 96,7 mortes por 100 mil habitantes (IBGE, 2022, p. 11-12).
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Demonstradas essas disparidades, fica evidente a situação de vulnerabilidade e que a
criminalização da pobreza em muito se relaciona com a segregação espacial e que esses são
fatores decorrentes de uma desigualdade estrutural perpetuada pelo Estado.
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5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Necropolítica. Esse princípio se aplica na realidade nacional quando se observam os dados
relativos à morte, encarceramento e consequente exposição à violência de da parcela negra da
população. A desvalorização da vida e permissibilidade da morte de determinadas pessoas,
baseados em características econômicas, geográficas e consequentemente raciais, reforça a
dicotomia entre inferioridade e superioridade de classes.
Todos esses aspectos convergem na concepção de criminalização da pobreza, apesar de
não se reduzirem a ele. O Estado brasileiro, desde a sua emancipação não soube e não se
preocupou em tratar corretamente a população que ele mesmo marginalizou e segregou. Isso
não poderia ter resultado diferente do atual, ainda mais com tantos anos de políticas racistas e
segregacionistas, negligência social, científica e acadêmica em relação as vidas negras.
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. L. Racismo Estrutural – São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2021.
264p. (Feminismos Plurais / Coordenação de Djamila Ribeiro) ISBN 978-85-98349-74-9
IBGE. Desigualdades sociais por raça ou cor no Brasil. Estudos e Pesquisa – Informação
Demográfica e Socioeconômica, n°48, 2022. ISBN 978-85-240-4547-9
MERTON, R. K. Social Structure and Anomie. American Sociological Review, Vol. 3, No.
5. (Oct., 1938), pp. 672-682. https://doi.org/10.2307/2084686.Disponível em:
<https://www.jstor.org/stable/2084686> . Acesso em: 01 de maio de 2023.
SHECAIRA, S. S. A mídia e o Direito Penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n.45, ago.1996.
WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: F. Bastos, 2001, Revan, 2003. ISBN 85-353-0218-2
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