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O labelling approach e a seletividade penal como consequência da

falência do sistema

Resumo: O presente artigo tem como tema central o Labelling Approach e a


seletividade penal como consequência da falência do sistema prisional, que se
encontra, atualmente, em decadência; trata-se de um sistema falido. A partir
desse princípio, verifica-se como a teoria do etiquetamento contribui para este
fato e como a ressocialização poderia reverter ou pelo menos, amenizar esse
quadro que, em se tratando de fato social; portanto, de interesse público e de
enorme relevância para o direito e para a sociedade. Percebe-se que não há
interesse na mudança desta política criminal, uma vez que não atende interesses
políticos governamentais, o que tem trazido problemas na esfera de segurança,
família, sociedade num todo, e, principalmente, na impossibilidade de tratar o
que pratica o crime, com egresso na comunidade onde vivia; esses fatos por si
só, já trazem, e muito, a problemática em vigor e a importância de uma mudança
nesse trato.
Palavras Chave: Estigmatização. Seletividade. Sistema. Prisional.
Etiquetamento.

Abstract: This article's central theme is the Labeling Approach and criminal
selectivity as a consequence of the failure of the prison system, which is currently
in decline; it is a broken system. From this principle, it can be seen how the
labeling theory contributes to this fact and how resocialization could reverse or at
least alleviate this situation which, when it comes to a social fact; therefore, of
public interest and enormous relevance for law and society. It can be seen that
there is no interest in changing this criminal policy, since it does not serve
government political interests, which has brought problems in the sphere of
security, family, society as a whole, and, mainly, the impossibility of treating those
who practice the crime. crime, with egress in the community where he lived;
These facts alone already highlight the current problem and the importance of a
change in this approach.
Keywords: Stigmatization. Selectivity. System. Prison. Labeling.

Introdução
O crime como fenômeno social tem estabelecido seu papel dentro da sociedade,
como ponto marcante dos conflitos existenciais conviventes, dos seres
humanos. Numa análise teleológica , torna-se essencial, fazer com que aqueles
que são praticantes de atos delituosos, sejam levados às raias da justiça, a fim
de responder por seus atos; todavia, para que este ciclo criminoso possa
realmente ter um desfecho, faz-se necessário, apontar de fato e de verdade,
quem reproduziu a materialidade do crime, sem que haja nenhuma sombra de
dúvidas; afinal, indicar um ser humano como criminoso, pode mudar toda sua
vida, porque a partir desse momento, erroneamente, possuirá uma etiqueta
social, difícil de ser removida; daí a importância da apuração: séria, científica,
objetiva e realística, para não haver dúvida alguma sobre autoria.

Na esteira do que se observa, verifica-se a cadência da figura do etiquetamento


dos seres humanos que passaram pelo processo de serem aprisionados e
respondidos por seus crimes. Após a prisão, têm sido rigorosamente
abandonados, e o retrato que se percebe na sociedade é de apreensão.

Outrossim, segurança não tem atingido o prisma necessário, uma vez que nosso
sistema prisional, contempla a ideia basilar de não haver prisão de caráter
perpétuo; ou seja, aqueles que serão aprisionados voltarão para a sociedade.

Perante a ideia de retorno daquele que foi uma vez condenado e aprisionado, o
quadro que se tem a frente, é claramente desanimador, uma vez que a
sociedade não está preparada para receber o egresso na comunidade, tornando-
o novamente marginalizado; agora não mais pela prática de um crime, e sim;
porque ao pagar sua dívida com a sociedade, agora tem que ser reconduzido a
uma vida social, podendo fazer com que tenha trabalho e possa não voltar mais
para o crime. Nesta senda o que cumpriu sua pena, não consegue emprego, não
consegue se recolocar e, muito menos, não se sente mais pertencente à cidade,
ao bairro onde morou. Desta feita, percebe-se que há uma desconexão entre a
proposta de não haver prisão perpétua, e como a sociedade deverá tratar
aqueles que saem do sistema prisional.

Ao expressar a ideia de Labelling Approach, verifica-se ser uma postura tanto


governamental, como social, a de etiquetar as pessoas que passaram pelo
sistema carcerário, tornando muito difícil a volta delas ao convívio social e
principalmente não ter a possibilidade de se apoderar de uma nova vida.

Outrossim, a pesquisa conduzirá a abordagem sobre uma das principais


questões discutidas na contemporaneidade, pela sociedade brasileira, ao
estabelecer o crescimento do crime; e a morosidade do Estado, em combater,
de forma eficaz e eficiente, a conjuntura desse fenômeno.
Destarte é cabível apontar a relação que vem sendo estabelecida entre a
leniência das atuais políticas criminais de supostamente prevenir e combater a
criminalidade, e demonstrar as vísceras falidas do sistema prisional e sua
incapacidade de ressocializar os apenados e a seletividade penal e do Labelling
Approach.

Nesta máxima, a questão mencionada ultrapassa, e muito, o campo do direito


penal e processual; adentrando na seara da criminologia e suas ciências
correlacionadas, trazendo em sua esteira o direito constitucional.

Analisando este ponto, é oportuno expor, em destaque, que muito embora o


direito penal e a criminologia integrem o ramo das ciências criminais; essas
disciplinas, em seu bojo, divergem-se tanto em relação ao objeto, quanto no que
se refere a metodologia e forma de aplicação de ambas, no campo prático.
Assim, enquanto a primeira se responsabiliza por estudar o crime em si – o dever
ser –, a segunda, por sua vez, contribui com estudos sobre os fatores que levam
o indivíduo a cometê-lo – o ser.

Em síntese, a ressocialização seria um meio alternativo de evitar o inchaço e,


consequentemente, a falência do sistema prisional. Ocorre que, o indivíduo que
está ou já foi preso, não tem qualquer oportunidade para se ressocializar; isso
porque a sociedade lhe põe um rótulo: como se uma vez preso, bandido,
criminoso, sempre o será.

Contudo, tem-se na política criminal a estratégia e meios de controle social da


criminalidade (penais e não penais); ou seja, a Política Criminal compreende o
“conjunto de procedimentos por meio do qual o corpo social forma as respostas
ao fenômeno criminal”, em outras palavras, significa que a Política Criminal vem
sendo a forma de resposta ao crime, criada pela sociedade com intuito de punir
de maneira apropriada o indivíduo que infringir as leis.

O direito penal é, assim, elitista e seletivo, fazendo cair seu peso sobre as
classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que
detêm o poder de fazer as leis. Portanto, o sistema nada mais é do que uma
estrutura vertical, dominada por poderes existentes na sociedade, com tempo de
desigualdade e provocadora de desigualdade.
Sendo assim, a presente pesquisa tem como objetivo analisar o sistema
prisional, onde ocorre uma seletividade penal, tendo como consequência um
etiquetamento; pois funciona segundo os estereotípicos do criminoso, os quais
são confirmados pelo próprio sistema.

1. Estigmatização como consequência do etiquetamento

A Teoria do etiquetamento (Labelling Approach) teve seu destaque sociológico


entre 1960 e 1970. Tendo como referência Howard S. Becker, dessa corrente
internacionalista, tinha como interesse dois processos sociais: o primeiro sendo
o processo de criação e aplicação das normas (o que nos dá o conceito de
criminalização primária e secundária), e o segundo; sendo o processo de desvio
pessoal (o qual ocorre mediante o etiquetamento do desvio primário e
secundário).

Na esteira desta discussão há a questão central de controle social, algo difundido


e mantido há muito tempo entre Estado e seus cidadãos, afinal, a sociedade de
controle, punge a ideia de estender o etiquetamento, além do imaginado,
postulando uma marginalização em larga escala, de pessoas por questões de
terem cumprido pena, ou terem sido condenadas a algum tipo de crime e, por
fincar a questão de que uma vez marcado, estará de forma definitiva etiquetada,
sem a menor chance de mudar esta situação.

Segundo citação tem-se uma grande referência nesse enfoque, em que o


mesmo destaca;

O enfoque do etiquetamento (Labelling Approach) alcançou grande


ressonância sociológica entre 1960 e 1970. Howard S. Becker
(Chicago, 1928), referente essencial dessa corrente interacionista,
centrou seu interesse em dois processos sociais que tinham passado,
até então, bastante despercebidos: o processo de criação e aplicação
de normas (que dará lugar aos conceitos de criminalização primária e
secundária) e o processo de desvio pessoal (que será explicado
mediante os mecanismos do etiquetamento e o desvio primário e
secundário). (ELBERT, 2009, p.170 apud Howard S. Becker).
Becker sustentava que aqueles que possuem poderes suficientes para
configurar as regras, criminalizam aqueles que não possuem os mesmos
poderes. Partindo desse princípio, surgem ideias de que tais regras, de certo
modo, incidem no comportamento da sociedade, levando em consideração o
interesse sociológico, e levando em conta que esse etiquetamento é o resultado
dessas regras, em determinados indivíduos.

Assim aponta se pode observar;

Essa corrente sustentará que a criminalidade é criada pela sociedade,


mediante a imposição de “etiquetas criminais” a certos indivíduos. Tal
processo teria lugar mediante uma criminalização primária
(estabelecimento de normas) e uma secundária (imposição dessas
normas ao sujeito responsável, etiquetando-o). (ELBERT, 2009, p.
171).

Nos dizeres de Ruther, citado para o destaque do etiquetamento;


Não há criminalidade como existe um pedaço de ferro, pois este se
apresenta como um objeto físico independente da valoração e
descrição que os humanos lhe podem dar. Como tal, este ferro não se
transforma, mesmo quando se altera sua valoração e descrição. A
criminalidade, ao contrário, existe preponderantemente nos
pressupostos normativos e valorativos dos membros da sociedade. [...]
A criminalidade que realmente existe em uma sociedade é aquela cuja
imagem pode ser transportada para a realidade em virtude de uma
fixação concreta (estabelecimento) e aplicação (imposição) de normas.
(ELBERT, 2009, p.173).

Partindo dessa premissa, tem-se como compreender o Labelling Approach com


a Seletividade Penal, uma vez que o crime não é definido pela conduta do
agente, mas pelas suas circunstâncias, tendo em vista que nem todos os crimes
são perseguidos pela sociedade e/ou Estado, punindo-se assim, somente parte
dos crimes e das pessoas, o que chamamos de seletividade.

Ao receber o rótulo, fica difícil de viver em sociedade novamente, acarretando


uma série de fatores negativos com o agente selecionado, ocorrendo a
desestruturação do pensamento social de que bandido será sempre bandido, ou
seja, retirando-se a etiqueta que se impõe no delinquente.

Para certificar e aprofundar esta questão de etiquetamento, pode se perceber


como a prisão é voltada de forma particular àqueles que são presos,
condenados, criminalizados:
A tese central dessa corrente pode ser definida, em termos muito
gerais, pela afirmação de que cada um de nós se torna aquilo que os
outros veem em nós e, de acordo com essa mecânica, a prisão cumpre
uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume,
finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo
com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para
essa rotulação e para o reforço desses papéis. (Zaffaroni,1996, p.60)

Na linguagem majorada de Zaffaroni descrita acima, “[...] a prisão cumpre uma


função [...]”, dar vazão à questão de separar, selecionar pessoas que passam
pelo seu interior como prisioneiros daqueles que simplesmente, por questão
muitas vezes de possuir posses e contratar ótimos profissionais, embora tenham
praticado crimes, se são presos, na pior das hipóteses, receberão tratamento
totalmente diferenciado. Só por esta realidade cruel, pode-se enfatizar a
demanda de perceber que há uma divisão clara na sociedade, quando se trata
de determinados grupos de pessoas e, um grupo homogêneo que pode ser
considerado a “nata da sociedade”. Há inúmeros casos no país, um bom
exemplo é o caso do índio Galdino, à guisa clássica de como ainda pode ocorrer
casos espúrios na justiça;

É o resumo que a promotora que cuidou do caso do índio Galdino,


Maria José Miranda Pereira, faz do processo. Há 15 anos, cinco jovens
de classe média colocaram fogo no pataxó Galdino Jesus dos Santos,
de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro
nobre de Brasília. Ele morreu em consequência do crime bárbaro. Com
trânsito no Judiciário e dinheiro para contratar os melhores advogados,
os jovens assassinos tiveram benefícios e regalias que outros presos
não possuem e ficaram atrás das grades pouco mais da metade do
tempo a que foram condenados. (MARQUEZ, 2012. Disponível em:
<http://noticias.r7.com/brasil/noticias/assassinos-do-indio-galdino-
tiveram-tratamento-diferenciado-diz-promotora-20120420.html>
Acesso em: 12.05.2018).

Essa separação, esse etiquetamento, não ocorre com qualquer pessoa, e muito
menos em qualquer classe social. Não é diferente o que acontece com tais
indivíduos de classe menos favorecida; que em algum momento em suas vidas,
devido à determinadas circunstâncias, fazem com que fiquem propícios para
infringir as leis; ou seja, as regras impostas pela sociedade e pelo ordenamento
jurídico.

Nesta mesma direção pode se observar como há descrição desta condição nas
seguintes palavras;
Todos os grupos sociais fazem regras, em certos momentos e em
algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situações e
tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas
ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma
regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser
vista como um tipo especial, alguém de quem não se esperava viver
de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é
encarada como um outsider. (HOWARD, 2008, p. 15).

Criminalidade é criada pela sociedade, mediante a imposição de “etiquetas


criminais” aos indivíduos que cometem crimes, desta forma seria possível
digredir que direito penal é assim, elitista e seletivo, fazendo cair seu peso sobre
as classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que
detêm o poder de fazer as leis, como se observou no caso do índio Galdino.

O indivíduo, estigmatizado / rotulado como delinquente, recebe assim, um status


social, que fará com que as pessoas futuramente aceitem esse papel de
desviante, ou seja, assumindo assim uma personalidade que a sociedade, de
modo geral, lhe atribuiu, dano início a uma carreira criminosa.

Segundo), o desvio se torna para o indivíduo uma definição de suas reações;

A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado


pode, agora, ser explicada. É uma questão do que é com frequência,
embora vagamente, chamado de "aceitação". Aqueles que têm
relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a consideração
que os aspectos não contaminados de sua identidade social os haviam
levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa
negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem.
(GOFFMAN, 2003, p.11).

Numa sociedade de tolerância com aqueles que são criminalizados, julgados e


condenados, é perto de zero, afinal, parece existir no coeficiente mental
daqueles que vivem em sociedade “que uma vez criminoso, sempre criminoso”,
esta dura característica aplicada de forma coordenada não limita ou separa os
praticantes de crimes, por exemplo, de menor potencial ofensivo; daqueles que
praticam os de maior potencial ofensivo. Assim pode se entender que há
unanimidade no aspecto de estigmatizar e etiquetar.

A priori é bom notar que ao se tratar da questão criminalidade, deve-se levar em


conta que o efeito do aprisionamento pode reproduzir uma atmosfera dentro dos
presídios, bem como, quando o cumprimento da pena é satisfeito, e é necessário
voltar para a sociedade;

Sustenta-se que a criminalidade primária produz a etiqueta ou rótulo,


que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A
etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha
corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por
impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta
venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e
aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez
condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que
gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da
sociedade, rotinas de cárcere etc. (FILHO, 2014, p.74).

Esse processo que é submetido àqueles que praticaram crimes, também


chamado de processo “institucionalizador”, recria naquela pessoa que passa seu
tempo no cárcere, o etiquetamento, mesmo que nunca mais volte a delinquir,
estará marcado para sempre, porque sua condenação restará como algo que o
assolará em sua trajetória, não é sem sentido que ao se divisar tal quadro,
percebe-se não haver programas para facilitar o acesso aos egressos; tentando
no mínimo oferecer oportunidade para não se tornar reincidente. Sem uma
política criminal, que volte seus esforços nesta direção, será pouco provável que
o número de reincidentes no Brasil, seja mudado, haverá continuidade em
crescer como se percebe a cada ano, o número alarmante de reincidentes.

Destarte nesta mesma tônica é importante perceber qual reação social é


causada após o episódio, prisão, para um indivíduo); afinal, algo marcante e que
acaba por desconstruir a personalidade social, acaba por ocorrer, quando a
pessoa é confinada numa cela, dentro de um presídio, como se pode ver no
comentário a seguir:

[...] sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem-se


em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a
concepção reeducativa da pena. Na verdade, esses resultados
mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas
detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente
determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade
desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria
carreira criminosa. [...] pode-se observar, as teorias do labelling
baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário,
não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio
primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos
na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação
social [...]. (BARATTA, 2002, p. 90-91).
Como se pode observar as mudanças produzidas no período em que se passa
preso, vêm acompanhadas com o período subsequente que ocorre, quando a
pessoa tem a sua liberdade e volta à sociedade. Primeiro, ele encontra as
pessoas muito diferentes em relação a ele, há um preconceito que nem de longe
é disfarçado; e em segundo, essa reação das pessoas em relação ao egresso
causa uma sensação de não pertencimento, o que fatalmente assola aquele que
é rotulado e etiquetado como alguém que é criminoso.

1.1. Os mecanismos sociais


A sociedade ao longo dos anos desenvolveu alguns mecanismos como forma de
proteção própria, além de estender sua preocupação com a não solução de
alguns casos, e terminantemente, verificar a efetiva participação na questão da
segurança pública, tem-se verificado um comportamento em bloco, ou seja,
agrupado em matéria criminal.

Entretanto é inegável que o Direito Penal exerce um controle social, na tangência


de verificar os crimes e sua afetação à sociedade, sendo um subproduto do meio
que se vive, das imagens projetadas e de forma capilar a engrenagem motora
da expressão de vontade;

Ora, durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê


aparecer algo de novo, que é uma outra tecnologia de poder, não
disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui a
primeira, que não exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que
a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la
implantando-se de certo modo dela, e incrustando-se efetivamente
graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa técnica não suprime a
técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está em outra
escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliada por instrumentos
totalmente diferentes. (FOUCAUL, 2000, p. 288-289).

Destarte ser um mecanismo necessário para manter a situação sobre controle,


tem que se imaginar a atmosfera que se poderia ter, caso não fosse exercida
esta postura protetiva. É certo que quando se fala de controle, aparentemente,
se pensa estar maculando a democracia, mas sem dúvida, é um ledo engano,
uma vez que para se ter liberdade, e mais propriamente, direito, se faz
necessário haver certo acompanhamento ao comportamento desenvolvido na
sociedade.

É evidente que não se pode fazer o que quiser, muito menos imaginar ser cada
pessoa única, até porque, quando se trata de sociedade, vive-se com toda
variação de pessoas; multiculturais, com pensamento e comportamentos
diferentes do que se pode pensar ou desejar, contudo, mesmo assim, há de se
respeitar, manter a tolerância em destaque e aceitar, mesmo o que se imagina
ser diferente.

Nesta senda cumpre observar o que se extrai do filósofo Foucault, observando


a dominação e tratando da questão desse poder, uma vez reconhecer a
existência desta forma de exercício de poder, e mais, como ele penetra no tecido
social, alcançando a população de um modo geral; e alguns grupos de forma
específica, sem nenhuma cerimônia;

É preciso não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço


e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os
outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o
poder não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e
o detém exclusivamente e aqueles que não os possuem. O poder deve
ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas
mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O
poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos
não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder
e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder,
são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se
aplica aos indivíduos, passa por eles. (Foucault, 2004, p. 193),

Há nesta esteira de apreciação mecanismos sociais; alguns desenvolvidos pela


própria racionalidade humana, ou irracionalidade, que está além do poder
comentado por Foucault, esses são ferramentas que sinalizam como é a reação
da pessoa social, no contexto do crime, como reage àqueles que são acusados,
condenados por determinados crimes, e como passa a ser sua vida, após a
condenação. O labelling approuch tem sido sinalizado como uma forma de
etiquetamento e até mesmo rotulação, como um paradigma movido pela reação
social, e a priori uma forma de controle social.

Observa-se um destaque neste tema para Howard em seu livro Outsiders;

[...] não importa qual seja a importância da operação de rotulação


executada pelos empreendedores de moral, não se pode
absolutamente considerá-la como a única explicação do que fazem de
fato os desviantes. Seria absurdo sugerir que os ladrões à mão armada
atacam as pessoas simplesmente porque alguém os rotulou com
ladrões à mão armada, ou que tudo que faz um homossexual é
decorrente do fato que alguém o rotulou como tal. Entretanto, uma das
mais importantes contribuições desse enfoque foi chamar a atenção
sobre as conseqüências que implicam, para um indivíduo, o fato de ser
rotulado como desviante: torna-se mais difícil para ele prosseguir as
atividades habituais de sua vida cotidiana, e essas dificuldades o
incitam às ações ‘anormais’[...] O grau em que o fato de ser qualificado
de desviante conduz a essa consequência (sic) deve ser estabelecido
em cada caso, por um procedimento empírico e não por um decreto
teórico. (BECKER ,2008, p. 203).

Há, sem margem de dúvidas, uma disposição atual e eminente sobre a questão
de etiquetar e rotular a pessoa indicada como autor do crime, todo cuidado deve
ser tomado, uma vez ser esta a postura da sociedade, o simples fato de estar
respondendo por crime, gera um cenário aterrador, e se não, a pessoa acusada,
o autor do crime, o estigma que se coloca sobre seus ombros, faz com que nem
uma vida inteira de práticas boas possa retirá-lo. Infelizmente esta pessoa estará
rotulada para sempre.

Em decorrência deste fenômeno social, consoante, é fácil observar como se


pode etiquetar a pessoa a ponto de gerar um estigma sobre sua vida, selando
sua existência com este rótulo que jamais abandonará o estigmatizado;

[...] desse processo de socialização/ é aquela na qual a pessoa


estigmatizada aprende e incorpora o ponto de vista dos normais,
adquirindo, portanto, as crenças da sociedade mais ampla em relação
à identidade e uma idéia geral do que significa possuir um estigma
particular. Uma outra fase é aquela na qual ela aprende que possui um
estigma particular e, dessa vez detalhadamente, as conseqüências de
possuí-lo. A sincronização e interação dessas duas fases iniciais da
carreira moral formam modelos importantes, estabelecendo as bases
para um desenvolvimento posterior, e fornecendo meios de distinguir
entre as carreiras morais disponíveis para os estigmatizados. Poderá
se mencionar quatro desses modelos. (GOFFMAN, 2004, p. 30).

Há, sem dúvida, um momento em que a pessoa percebe estar etiquetada, que
há um controle absoluto sobre sua vida, que aceita esta rotulação e passa a viver
sob esta égide sem se preocupar de estar ou não fazendo o que indicam ser o
correto, seus valores assumem uma estrutura diferenciada, e fica sugestionado
a entender que sua existência é capitaneada por um código distinto daquele
seguido pela sociedade num todo. Como afirma Howard Becker, assume uma
conduta desviante que será seu Norte doravante.

2. A seletividade penal como consequência da ineficácia


A aplicação da justiça criminal é elitista e seletiva, fazendo cair seu peso sobre
as classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que
detêm o poder de fazer as leis e de aplicá-las.

Assim sendo, fica por óbvio, claro, que vencer esse sistema de coisas não é algo
de natureza fácil, ao contrário, é uma lástima de que admitir, mas várias pessoas
que passaram por essa seletividade, dificilmente conseguirão se sair bem,
quando sair da prisão; será um ser humano marcado, etiquetado e, dificilmente
conseguirá sair do ciclo, crime/condenação igual prisão, ficando nesse ciclo
vicioso, sem conseguir progredir e se afastar definitivamente do crime, como
retrata;

Segundo esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o


crime prescindindo da própria reação social, do processo social de
definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como
criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes,
recíprocos, inseparáveis. A infração não é uma qualidade intrínseca da
conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de
complexos processos de interação social, processos altamente
seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente,
supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria
definição da criminalidade. Esta – se diz – não é como um pedaço de
ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de
interação (definição e seleção): existe somente no pressuposto
normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma
sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária),
senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social
o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se
desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como
infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e
funcionamento do controle social ou a gênesis da norma e não os
déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos
processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do
denominado paradigma do controle. (MOLINA,1996, p. 226-227).

Dá-se a teoria do Labelling Approach ou etiquetamento social, quando a partir


do que será punido e quem será punido, levando-se uma relação com a
seletividade penal.

O nosso sistema penitenciário é um retrato dessa seletividade, onde se tem


determinada catalogação dos criminosos, deixando de fora outros tipos de
delinquentes.

Como bem menciona Zaffaroni (1991, p. 130) “estes estereótipos permitem a


catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à
descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência
de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.)”, ou seja, não basta praticar um
crime para ser levado às raias da justiça e a possibilidade de uma condenação,
verifica-se também a espécie de crime praticado, e infelizmente numa sociedade
permissiva e protecionista de personagens que são coadjuvantes, os atores
principais podem quase tudo, sem a devida penalização prevista.

Neste elã é possível imaginar o seguinte quadro, estereotipado por aquele que
segundo a sociedade assume uma conduta desviante;

Para ser rotulado de criminoso só é necessário cometer um único


crime, isso é tudo a que o termo formalmente se refere. No entanto a
palavra traz consigo muitas conotações que especificam traços
auxiliares característicos de qualquer pessoa que carregue o rótulo.
[...]. Assim, a detenção por ato desviante expõe uma pessoa à
probabilidade de vir a ser encarcerada como desviante ou indesejável
em muitos aspectos. (BECKER, 2008, p. 45):

Apreciando ou não a razão de ser do poder, é estabelecer quem é o comandado,


aquele que servirá à mesa do rei, que se conformará em ser apenas uma pessoa
sem importância e, quando mudar este status será para assumir outro muito pior,
que é o de ser criminoso. Assim tem sido na história da humanidade, com
algumas poucas exceções, pode-se observar que infelizmente há uma casta
mundial de pessoas que estarão à margem de possibilidades de poder sair de
seu centro rudimentar.

Aproveitando-se de uma maneira de produzir um efeito devastador na figura


daquele que pratica crime, foi-se estabelecendo e emoldurando um modelo que
poderia atravessar séculos, como bem coloca;

Desde sua própria origem o poder punitivo mostrou uma formidável


capacidade de perversão, montada – como sempre – sobre um
preconceito que impõe medo, neste caso sobre a velha crença vulgar
europeia da maleficia das bruxas, admitida e ratificada abertamente
pelos acadêmicos de seu tempo”. Também entende que “a infinita
bondade do dominus se manifestava em sua generosa empresa
libertadora dos males cósmicos que ameaçavam todos, e que se
expressavam em Satã, através da bruxaria ou da heresia. ”.
(ZAFFARONI, 2007, p.4).

Na esteira desta citação podem-se contemplar algumas palavras que reafirmam


o que Zaffaroni afirma de maneira cálida, por exemplo, a palavra penitenciária é
de flagrante alocução ser algo incrustrado para se fazer um paralelo com
penitência, algo comum, frequente e conhecido; pena derivada da mesma ideia
ligada à religião, como algo a ser conquistado através de um ser mítico,
sobrenatural, em primeira análise Deus, e em um plano não tão secundário o
Estado, na figura de seu monarca, hoje presidente.

Contribuindo para esta dicção, encontra-se que do alto de sua filosofia histórica
e arquitetônica, traz lampejos de como se originou esta trama a respeito do
castigo e punição àqueles que desobedeciam às leis;

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão


publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia
ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola,
carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na
dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será
erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas,
sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio,
queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se
aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e
enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e
desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos
ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.1
Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam].2 Essa
última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não
estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso
colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para
desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as
juntas... Afirma-se que, embora ele sempre tivesse sido um grande
praguejador, nenhuma blasfêmia lhe escapou dos lábios; apenas as
dores excessivas faziam-no dar gritos horríveis, e muitas vezes repetia:
“Meu Deus, tende piedade de mim; Jesus, socorrei-me”. Os
espectadores ficaram todos edificados com a solicitude da cura de
Saint-Paul que, a despeito de sua idade avançada, não perdia nenhum
momento para consolar o paciente.” (FOUCAULT, 2008, p. 9),

Assim, atingindo o auge do martírio, encontrando-se desvalido a quase perder a


consciência, neste momento sem nenhum pudor, sem nenhum constrangimento,
exigia-se que o condenado fosse levado a confessar seus erros, para poder ter
uma morte mais rápida, e aqueles que não eram condenados à morte, o suplício
durava horas a fio, levando o condenado a uma violência tão brutal que
suscitasse nos que assistiam a este “espetáculo” a temer a prática criminosa. Tal
fato nunca aconteceu, os crimes e criminosos sempre existiram e há quem diga
que na época da dívida de sangue, do suplício, os crimes eram tão sangrentos
e violentos quanto era a punição pública.

O que realmente importava era o Estado demonstrar seu poder através de seus
tentáculos e escrutínios; afinal, dominar é seu grande objetivo, como se pode
observar na citação;
Abandonando o arcabouço dessas ideias medievais, o Estado assume
a política interna e há então necessidade de um poder de polícia. Surge
um Estado de polícia voltado às pessoas residentes no Estado e que
necessitam serem controladas. Surgem tratados de polícia, com
diferentes normas sistematizando o objeto da polícia – sendo este
quase infinito. Em suma, quem governa o Estado e tem que controlar
os súditos através do poder público, passa a ter um objetivo ilimitado,
pois se trata de um estado de equilíbrio sempre desequilibrado para
manutenção de seu povo, em que a relação Estado/ Súdito é sempre
frágil, deixando assim os habitantes do Estado sempre a necessitar do
governo de forma total e segura – não para o povo, mas para quem
governa. Nesse Estado de polícia não há limitação em seus objetivos,
demonstrando ser a razão do Estado atingir em seu apogeu uma forma
ilimitada de controlar seus habitantes. (DUARTE, 2014, p. 33).

Nas palavras de Carlos;

[...]. Pode-se reiterar que as normas são resultados dos conflitos e das
relações de poder que se desenvolvem na sociedade, e que, por
consequência, os grupos com maior poder estabelecem normas que
os favorecem, prejudicando outros que, ainda majoritários, têm menos
ou nenhum poder social. (ALBERTO, 2009, p. 171):

Nesta divisão, a priori é evidente que há uma maneira de se perceber que os


grupos têm uma sobreposição de outros grupos que não compõem o
suprassumo do poder. Quem cria as normas e leis, o faz, protegendo a si e aos
seus, para numa eventual possibilidade de transgressão daqueles que estão à
frente de toda a sociedade e que criam mecanismos para prevenir qualquer
eventualidade, não sejam punidos.

2.1 A política criminal e seu papel no etiquetamento


O Direito Penal tem em sua gênese sociológica a ideia de estender além da lei,
a compreensão do momento social que se está vivenciando para poder agir com
maior rigor, ou mais flexibilidade. Pode - se observar desta postura, uma maneira
de respeitar a dinâmica do Direito Penal e seu livre exercício dentro das esferas
que se propõe existir, como indica Guilherme de Souza;

Política criminal: para uns é ciência; para outros, apenas uma técnica
ou um método de observação e análise crítica do direito penal. Parece-
nos que política criminal é um modo de raciocinar e estudar o direito
penal, fazendo-o de modo crítico, voltado ao direito posto, expondo
seus defeitos, sugerindo reformas e aperfeiçoamentos, bem como com
vistas à criação de novos institutos jurídicos que possam satisfazer as
finalidades primordiais de controle social desse ramo do ordenamento.
“Todo Direito penal responde a uma determinada Política criminal, e
toda Política criminal depende da política geral própria do Estado a que
corresponde” (MIR PUIG, Estado, pena y delito, p. 3). A política
criminal se dá tanto antes da criação da norma penal como também
por ocasião de sua aplicação. Ensina HELENO FRAGOSO que o nome
de política criminal foi dado a importante movimento doutrinário,
devido a VON LISZT, que teve influência como “tendência técnica, em
face da luta de escolas penais, que havia no princípio deste século na
Itália e na Alemanha. Essa corrente doutrinária apresentava soluções
legislativas que acolhiam as exigências de mais eficiente repressão à
criminalidade, mantendo as linhas básicas do Direito Penal clássico”.
(NUCCI, 2017, p. 21).

Discorrendo sobre esse tema é de valia observar que há inteligência quando se


percebe que em síntese, política criminal “é um modo de raciocinar e estudar o
direito penal”, ou seja, uma forma racional de entender o momento, e aplicar a
uma espécie de dosagem para aquela época, ou momento para conduzir a
situação, margeado dentro de uma postura relativamente coerente, assim é dito;

Trazendo a atenção algo de suma importância: Estabelecendo a


diferença entre política criminal e criminologia, Sérgio Salomão
Shecaira diz que “aquela implica as estratégias a adotarem-se dentro
do Estado no que concerne à criminalidade e seu controle; já a
criminologia converte-se, em face da política criminal, em uma ciência
de referências, na base material, no substrato teórico dessa estratégia.
A política criminal, pois, não pode ser considerada uma ciência igual à
criminologia e ao direito penal. É uma disciplina que não tem um
método próprio e que está disseminada pelos diversos poderes da
União, bem como pelas diferentes esferas de atuação do próprio
Estado”. (NUCCI, 2016, p. 55).

A política criminal tem seu papel importante na formação e crescimento da


sociedade, contudo, não se pode remediar em nome desta estrutura da questão
ser humano e suas necessidades não se podem transigir da exigência mínima
de respeito aos Direitos Humanos e sua demonstração cristalina na Constituição
Federal, no caso de ser estritamente necessária a prisão, deve possuir no
mínimo, o necessário para retirar a ideia de castigo e punição, e se transformar
num momento de reabilitação, há uma ideia central;

O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos


é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto,
foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno
quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e
“humanidade”. Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes
ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade?
Talvez. Mudança de objetivo, certamente. Se não é mais ao corpo que
se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então,
se exerce? A resposta dos teóricos — daqueles que abriram, por volta
de 1780, o período que ainda não se encerrou — é simples, quase
evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o
corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder
um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a
vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo: Que o
castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo.
(FOUCAULT, 2008, p. 18).

Houve certamente uma mudança na forma de aplicar a pena, saindo do cenário


litúrgico, o suplício, e entra agora a alma, que é atingida em cheio na maneira de
ferir, de impingir uma marca indelével, sem a dor alucinante, porém, agora se
pune o interior, o conceito de como se pode ser visto um ser humano, como se
pode torturá-lo, sem colocar um único dedo sobre sua pele.

Com vistas na busca do equilíbrio normativo, há de se lembrar que o Direito


Penal é a ultima ratio, não deve se transformar na primeira e muito menos na
mais importante. Como se pode confirmar no texto a seguir;

Sob a influência do Movimento de Lei e Ordem, o direito penal, ultima


ratio, vem se tornando a prima ratio na tentativa desenfreada de se
materializar a justiça. Entretanto, ao invés de conferir maior eficácia ao
sistema penal, tais soluções têm produzido um efeito inverso, contrário
à essência do Estado Democrático de Direito, violando alguns dos mais
básicos princípios consagrados por nossa Constituição Federal.
(BOLDT, disponível em , acesso em: 24 maio 2018, 2006).

O texto de cores escuras e tom imperativo é um convite a tratar dos assuntos


pertinentes à questão de política criminal, como algo de suma importância e na
ordem do dia, e não como algo estipulado, sem calcular os danos que pode
haver, resta comprovado de forma clara nas palavras de;

Destarte, passamos a conviver com algumas leis que representam um


verdadeiro retrocesso no que tange aos direitos e garantias individuais,
verdadeira concessão aos postulados do movimento da law and order,
que defende medidas drásticas no combate à criminalidade, como, por
exemplo, penas mais severas, que deverão ser cumpridas em regime
fechado, proibição de liberdade provisória e o desprezo de certos
direitos e garantias processuais. O exemplo mais significativo dessa
tendência é a Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos [...].
(ALMEIDA, 2004, p. 97).

No debate pequeno, sem responsabilidade com o passado e nem se importando


com o futuro, escuta-se de forma amedrontadora, que a solução para o crime é
penas mais altas e as punições mais severas e, quando se chama a razão,
percebe-se o descontrole em demonstrar que há muito mais como, expressões
aposentadas e naufragadas por um horizonte satisfatório que se firmava e que
por conjunturas estão à deriva.

Destarte mesmo diante do infortúnio, cumpre lembrar a maneira como pessoas


são levadas às prisões que não contribuem com nenhum processo de
ressocialização e muito menos em reabilitar aquele que ali adentra.

3. O sistema prisional brasileiro e suas falências por falta de políticas


públicas

Para compreender o sistema prisional brasileiro, sua falência e superlotação,


coloca-se em tela a falta de estrutura, contendo-se em nossos presídios celas
superlotadas, com a mínima condição adequada para os infratores; levando em
conta a decadência do sistema penitenciário brasileiro que atinge não somente
os apenados mas também as pessoas em que estão em contato direto e
indiretamente com essa realidade carcerária.

Há uma indicação não tão antiga que demonstra como o sistema carcerário em
sua plenitude, na maioria dos países se encontra fragmentado, veja o comentário
que parece contemporâneo, mas é da década de 70/80, que Foucault faz sem a
menor cerimônia;

Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do


mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu
desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal. Eram
revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século:
contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as
paredes velhas, contra a fome, contra os golpes. Mas eram também
revoltas contra as prisões-modelos, contra os tranqüilizantes (sic),
contra o isolamento, contra o serviço médico ou educativo. Revoltas
cujos objetivos eram só materiais? Revoltas contraditórias contra a
decadência, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas,
e ao mesmo tempo contra os psiquiatras? De fato, tratava-se realmente
dos corpos e de coisas materiais em todos esses movimentos: como
se trata disso nos inúmeros discursos que a prisão tem produzido
desde o começo do século XIX. O que provocou esses discursos e
essas revoltas, essas lembranças e invectivas foram realmente essas
pequenas, essas ínfimas coisas materiais. Quem quiser tem toda
liberdade de ver nisso apenas reivindicações cegas ou suspeitar que
haja aí estratégias estranhas. Tratava-se bem de uma revolta, ao nível
dos corpos, contra o próprio corpo da prisão. O que estava em jogo
não era o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar demais
ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua materialidade na medida
em que ele é instrumento e vetor de poder; era toda essa tecnologia
do poder sobre o corpo, que a tecnologia da “alma” — a dos
educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras — não consegue
mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de
seus instrumentos. É desta prisão, com todos os investimentos
políticos do corpo que ela reúne em sua arquitetura fechada que eu
gostaria de fazer a história. (FOUCAULT, 2008, p. 29).

Não tão longe do tempo que se chama hoje, o presente não tem em nada,
mudado este cenário que carrega por si, um misto de apreensão e pessimismo,
aparentando que o ser humano num todo não consegue se sobrepor, subir e não
retornar às origens horrendas.

Fazendo um aporte no que era o sistema prisional, e como esta é de grande


valia, nota-se o que Foucault em sua maneira única de enxergar aponta;

Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desaparecimento dos


suplícios. Hoje existe a tendência a desconsiderá-lo; talvez, em seu
tempo, tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade
ou com exagerada ênfase como “humanização” que autorizava a não
analisá-lo. De qualquer forma, qual é sua importância, comparando-o
às grandes transformações institucionais, com códigos explícitos e
gerais, com regras unificadas de procedimento; o júri adotado quase
em toda parte, a definição do caráter essencialmente corretivo da pena,
e essa tendência que se vem acentuando sempre mais desde o século
XIX a modular os castigos segundo os indivíduos culpados? Punições
menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer,
um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de
ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo
apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior
profundidade? No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de
anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado,
marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto,
dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da
repressão penal. (FOUCAULT, 2008, p. 12):

A marca, ou símbolo ou etiquetamento, hoje prestado àqueles que entram no


sistema carcerário, ficam impressos na alma da pessoa; além de uma ficha
negativa, exposta a cada momento que é parado numa blitz, ou na procura de
um emprego que lhe é solicitado o atestado de antecedentes, entre muitas coisas
que o marcam para o resto de sua vida. Há também o fato do ambiente onde
ficam, verdadeiros depósitos humanos.

Para se poder aproximar com uma lupa de como funciona internamente o


sistema carcerário brasileiro se fazem propícias nas seguintes palavras;

Como só isso não bastasse há dados que demonstram a forma como a


pessoa que entra no sistema carcerário é tratada. Além de ser algo
inimaginável, é também impensável em qualquer possibilidade mínima de se
quer pensar em ressocialização, ou de não haver índices altos de
reincidência. Foi admitida uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que
trouxe o seguinte relatório inicial: “Em suas diligencias, a CPI se deparou com
situações de miséria humana. No distrito de Contagem, na cela n° 1 um
senhor de cerca de 60 anos tinha o corpo coberto de feridas e estava
misturado com outros 46 detentos. Imagem inesquecível! No Centro de
Detenção Provisória de Pinheiros em São Paulo, vários presos com
tuberculose misturavam-se, em cela superlotada, com outros presos
aparentemente “saudáveis”. Em Ponte Nova, os presos usavam creolina para
curar doenças de pele. Em Brasília, os doentes mentais não dispunham de
médico psiquiátrico. Na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, presos
com gangrena na perna. Em Santa Catarina, o dentista arranca o dente bom
e deixa o ruim no lugar. Em Ponte Nova e Rio Piracicaba, em Minas Gerais,
registrou-se a ocorrência de 33 presos mortos queimados. ” (DUARTE, 2017,
p. 142).

Dentro ainda desta perspectiva, mensurando como a superlotação tem


atravancado de forma brutal o sistema, pode-se requerer, rever este mesmo
relatório supracitado, para avançar na questão carcerária; afinal, há muito
comentário de como é as entranhas de um presídio, mas sem dúvida, poucas
pessoas conhecem como funciona e principalmente como é seu escrutínio
dentro do sistema;

A penalização não é mais pública, não há espetáculos públicos


reunidos na praça, estes foram substituídos por outra espécie de
tratamento, um diferente de exposição pública, nos dias atuais a forma
é outra, como se pode se ver no relatório: “A superlotação é talvez a
mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário. Celas
superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins, rebeliões,
mortes, degradação da pessoa humana. A CPI encontrou homens
amontoados como lixo humano em celas cheias, se revezando para
dormir, ou dormindo em cima do vaso sanitário. Em outros
estabelecimentos, homens seminus gemendo diante da cela entupida
com temperaturas de até 50 graus. Em outros estabelecimentos, redes
sobre redes em cima de camas ou do lado de fora da cela em face da
falta de espaço. Mulheres com suas crianças recém-nascidas
espremidas em celas sujas. Celas com gambiarras, água armazenada,
fogareiros improvisados, papel de toda natureza misturados com
dezenas de homens. Celas escuras, sem luz, com paredes encardidas
cheias de “homens morcegos”. Dezenas de homens fazendo suas
necessidades fisiológicas em celas superlotadas sem água por dias a
fio. Homens que são obrigados a receberem suas mulheres e
companheiras em cubículos apodrecidos.” Na chamada política
criminal, não enxerga a tragédia que se contrapõe a este sistema tão
desumano como possa parecer, é evidente que nenhuma pessoa do
executivo vai querer se interpor e construir novos presídios e
estabelecer um critério de ambiente salubre, e com celas com um
número muito menor do que temos nos dias atuais, isso seria decretar
que o crime está vencendo o Estado, essa mea culpa jamais o
executivo irá assumir, tratará o problema como algo localizado e não
como algo que perdeu o controle. (DUARTE, 2017, p. 143).
A superlotação carcerária, por sua vez, é um mal que corrói o sistema
penitenciário, conforme preleciona Rogério;

A superlotação carcerária é um fato de risco não somente para os


presos, que cumprem suas penas em situações deprimentes, como
também para os funcionários encarregados de sua vigilância, pois o
sistema penitenciário transforma-se em um verdadeiro barril de
pólvora, pronto a explodir a qualquer momento. (GRECO, 2015, p.
228).

Sabe-se que o sistema prisional brasileiro se encontra falido, pois não é de hoje
que os meios de comunicação divulgam constantemente imagens de presos em
quase todos os Estados do nosso país, cumprindo pena em situações
desumanas e convivendo com o problema da superlotação carcerária.

A sociedade de forma geral não se importa com esse fato, pois acreditam que
os presidiários merecem tais tratamentos, esquecendo-se que todos nós
estamos sujeitos a entrar nesse sistema, ou ainda, que, aquelas pessoas, um
dia voltarão ao convívio em sociedade.

Não obstante a ineficiência e crueldade do sistema prisional tem-se também a


criminalidade como um resultado de um processo de imputação, ou seja, a
criminalidade é uma etiqueta.

A Constituição Federal assegura em seu artigo 5o, caput e inciso lll, que a vida
é inviolável e ninguém será submetido à tratamento desumano e degradante
atendendo assim, o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil disposto no art. 1º, inciso lll, da Carta Magna.

A Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), por seu turno, dispõe, em seu artigo
85 que: “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com sua
estrutura e finalidade”.

Em síntese da decadência que ocorre em nosso sistema penitenciário brasileiro,


tem-se a noção de que não atinge somente os que estão inseridos dentro do
sistema, como também a sociedade de forma direta ou indireta.

O Estado tornou-se ausente, pois visa levar para o lado penal. É muito fácil
colocar culpa no modelo penal do que mudar realmente nosso sistema, nosso
modelo, e ressocialização. Falta mais interesse entre o Estado, visar a devida
adequação que os presos realmente necessitam, pois, uma hora ou outra eles
sairão das cadeias e caberá ao Estado, se sairão da mesma forma que entraram
ou se quer foram ressocializados.

Por si só, essa é uma realidade condenável, mas a torna ainda mais inaceitável,
o agravante de que esses detentos são despejados num sistema viciado,
dominado por facções criminosas e pela promiscuidade entre presos e agentes
públicos corruptos, no qual, em vez de ações efetivamente correcionais,
prevalecem práticas que acabam transformando os réus de baixa periculosidade
em bandidos irrecuperáveis. Mantê-la vai de encontro a movimentos, defendidos
e levados a efeito por órgãos da Justiça, para reduzir a alta ebulição de um
caldeirão que tem emitido, à custa de violência e tragédias humanas, sinais de
combustão.

Se houvesse uma devida distribuição de orçamentos, a fim de melhorias para o


nosso sistema prisional, proporcionando melhores condições para os presos,
fazendo com que sintam a verdadeira vontade de ressocializá-lo; porque se
houvesse essa verdadeira distribuição, haveria também uma melhoria nos
trabalhos dentro do sistema, nas celas, em suas comidas, e eles perceberiam
que existe sim; um Estado que visa uma melhoria para os mesmos.

A ressocialização do egresso é uma tarefa quase impossível, pois não existem


programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a
sociedade, hipocritamente, não perdoar àquele que já foi condenado, por ter
praticado uma infração penal.

A falta de verbas para a construção de novos presídios é mais um dos fatores


que contribuem para a superlotação carcerária, tendo em vista, o número
excessivo de infrações penais praticadas em geral. Com base nisso, Rogério
Greco (2015, p. 228) afirma que “não fosse a corrupção praticada pelos
detentores do poder, os desvios de verbas, aliados a um Direito Penal máximo,
cujo simbolismo é reconhecido por todos esses seria um problema a menos na
lista de ocupações do Estado. ”

Com efeito, a superlotação, a falta de capacitação dos agentes, a corrupção que


ocorre dentro do próprio sistema, a falta de higiene e assistência ao condenado,
são fatores que contribuem para a falência do sistema penitenciário brasileiro.
O art. 88 da Lei n. 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal) diz que:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,


aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) Salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de


aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência
humana;

b) Área mínima de 6,00m² (seis metros quadrados).

Não obstante o art. 38 do Código Penal diz que “o preso conserva todos
os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas
as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

Sendo assim, a influência do sistema prisional brasileiro e sua ineficácia em


devidas políticas públicas, vem gerando diretamente e/ou indiretamente na
seletividade penal do indivíduo, o que o torna como uma vitrine, ou seja, uma
etiqueta perante nossa sociedade.

Em nossa sociedade, dependemos de normas como resultadas dos conflitos e


das relações em que se desenvolvem nela. Não obstante, temos os grupos que
detêm um maior poder; a eles, qualificamos como delito de colarinho branco, e
os que obtêm menor poder ficam prejudicados, pois para eles ocorrem um menor
ou nenhum poder social.

Consoante Goffman;

Deve estar claro que os ajustamentos primários e secundários são


problemas de definição social e que uma adaptação ou um incentivo
legítimo em determinado período de determinada sociedade podem
não ser legítimos em momento diferente de sua história ou em outra
sociedade. (GOFFMAN, 1961, p.163).

Destaca ainda, que a carga de significados atribuídos à característica diferencial


é construída socialmente. Assim, uma mesma característica pode ser vista como
um estigma ou confirmação de normalidade, a depender da sociedade na qual o
indivíduo se encontra;

Essa teoria dirige seu interesse à gestação de normas por ser o


primeiro passo nos processos de etiquetamento: estabelecer uma
definição (lei vigente) que estipule as condições que deve reunir uma
conduta para ser delito. Logo segue o processo de aplicação, que é a
atribuição a um sujeito do caráter de delinquente. Complementando o
jogo dos dois processos anteriores, também intervêm agentes que
interagem com o sujeito e etiquetam-no como criminoso, inclusive
antes que uma sentença lhe imponha uma definição oficial. (ELBERT,
2009, p.171).
Lombroso explica como, na realidade, os criminosos teriam alguma coisa que os
diferenciavam fisicamente das pessoas comuns, diferenciação essa que era feita
e o que os tornava menos evoluídos do que as outras pessoas.

Nessa mesma esteira encontra se;

Lombroso estabelece uma Antropologia Criminal centrando sua


atenção em caracteres somáticos e biológicos de delinquente,
convencido de que atavismo e degeneração se combinam de tal modo
que, em cada delinquente, pode detectar-se um bom número de
características degenerativas, como a relação peso-altura, a
capacidade craniana ou detalhes externos como visão estrábica,
orelhas grandes, assimetrias, lábios leporinos, verrugas etc. Esse foi o
modelo da denominada Antropologia Criminal. (ELBERT, 2009, p.68).

Todo ser humano é capaz de cometer um delito, o que falta para que o mesmo
prossiga em diante é a oportunidade. Levando em conta tal consideração, é que
analisamos que esses indivíduos estigmatizados tiveram a oportunidade, a qual
resultou em um delito, conforme;

O crime passa a ter um rosto e este a ser marginalizado através de


toda sorte de preconceito há anos estampados na sociedade, que
perniciosamente não perdoa, e muito menos alivia a sobrevivência de
quem já passou por agruras e em suma, já pagou a dívida contraída
com a sociedade e estado, não poderia por força de lei e de perspectiva
social, continuar a ser cobrado, uma vez que está quites com a
sentença imposta e cumprida. (DUARTE, 2017, p.140).

O fato de se impor um rosto, uma face, demonstra a fragilidade do sistema que


não se adequa ao ponto mais importante, que é ressocializar, tornando a pessoa
adaptada ao convívio social, podendo contribuir com trabalho e sair de vez do
mundo do crime, mas o que tudo indica é que investir no criminoso é melhor que
em educação, saúde e na própria segurança preventiva e ostensiva.

O estigmatizado nada mais é do que um atributo negativo, ou seja, é algo em


que se conecta com as relações ou uma característica diferenciadora de outro
indivíduo.

Tem-se em nosso sistema penal uma seletividade, o que podemos chamar de


cifra oculta do crime, onde o crime não chega ao conhecimento da autoridade,
ou seja, um processo seletivo. O senso comum, com a ajuda da mídia vem
fazendo com que os nossos governantes, no intuito de acatar ao que seria uma
certa justiça e/ou vingança, vejam o problema como algo a parte.

Nesse sentido, entende que:

A causa do preso, definitivamente, não angaria a simpatia dos


governantes que, mesmo veladamente, no fundo, a aceitam como
forma de punição para aquele que praticou a infração penal. Na
verdade, o comportamento dos governantes é um reflexo daquilo que
a sociedade pensa sobre o tratamento que deve ser dirigido aos
presos. (GRECO,2015, p.226)

A população, em geral, vem clamando para que os indivíduos que estão


inseridos em nosso sistema prisional sofram, além de suas condenações
impostas por sentença. A ressocialização se tornou uma tarefa árdua, pois não
existem programas governamentais para a reinserção destes na sociedade,
outrossim, porque a sociedade hipocritamente não consegue perdoar, de fato,
àqueles que praticaram alguma infração penal.

Para Ferri, o homem era uma verdadeira máquina, condicionada por distintos
fatores, e não podia escolher seus comportamentos. As teses de Ferri (apud
ELBERT, 2009, p. 71) sobre a conduta delitiva afirmavam que o homem é uma
máquina, que não fornece em seus atos nada mais do que recebe do meio físico
e moral em que vive.

A política criminal nada mais é do que um conjunto de princípios e regras, nos


quais o Estado tem, ou pelo menos, deveria ter, o intuito de promover a
prevenção e a repressão das infrações penais. Não obstante, abrange-se a
compreensão dos métodos que são aplicados na execução das penas e medidas
de segurança, tendo em vista não apenas a reinserção do condenado, mas
também o interesse social.

Conforme observa;

A resposta, na verdade, encontra-se em um conjunto de ações. Não


basta, tão somente, tentar melhorar a vida dos presos dentro do
sistema penitenciário. Temos que pensar em programas sociais, que
antecedem à pratica da infração penal, como também em programas
destinados à ressocialização do preso que, certamente, após algum
tempo, nos países que não adotam a pena de morte e a pena de prisão
perpétua, voltará ao convívio em sociedade. (GRECO, 2015, p. 241).
A Política Criminal tem-se com sua participação, o intuito do direito que deve
vigorar. Em síntese, ela é, ou deveria ser, aquilo em que o Estado faz contra as
infrações penais. O Estado no intuito de atingir o fim do crime, usar tal política
criminal; ou seja, ela se torna um meio de prevenção e repreensão do crime.

Ademais, a Política Criminal estuda de certo modo as táticas e meios de como


controlar a criminalidade em nossa sociedade; ou seja, ela compreende os
procedimentos (penais e não penais) os quais de certo modo seriam as
respostas do fenômeno criminal, em outras palavras, a política criminal é uma
forma de responder o crime, em que se criou pela sociedade, no intuito de punir
os indivíduos que violarem as leis.

Visando que a sociedade de classe, que entende o sistema punitivo, esteja


ligada à organização, ideologicamente; ou seja, tem-se a finalidade de proteger
os interesses de cada classe que se predomina.

No entanto, nota-se que o direito penal, de certo modo tornou-se seletivo e ou


elitista, com isso, sobressai o peso sobre as classes menores, assim, sua
atuação não é aplicada devidamente para aqueles que detêm o poder de criar
as leis.

Sendo assim, o sistema se encontra como um esqueleto vertical o qual é


dominado pelos poderes existentes da sociedade, perante a desigualdade e
provocando, de certo modo, a desigualdade.

Considerações finais
O presente artigo buscou analisar a importância de um estudo minucioso no
processo de construção das ideias no que diz respeito à seletividade e
etiquetamento de pessoas que vão para os presídios sem pelo menos ter tido
um verdadeiro diagnóstico de seu crime e/ou delito, porque depois que a mesma
é levada para o presídio, é praticamente impossível retirar a marca de preso,
bandido, criminoso. Visto que a sociedade de certo modo se tornou parceira na
contribuição, fazendo de modo direto ou indireto que o preso entre num ciclo
vicioso de criminalidade, não lhe dando oportunidade de refazer a vida ao sair
dos presídios.
Não obstante, ao receber a liberdade, continua carregando o estereótipo de
delinquente; tirando dela a possibilidade de regeneração e/ou ressocialização. A
sociedade não perdoa o infrator e não vê que se o sistema prisional oferecer o
melhor para ele; isso irá refletir de forma positiva dentro da mesma.

Por outro lado, os governantes não têm como objetivo melhorar as condições de
vida de quem cometeu uma infração, porque são eles que criam as normas e
regras, sendo assim, esse conjunto de princípios regem interesses, não de
todos, mas apenas da minoria privilegiada. Essa minoria compreende aqueles
que possuem um padrão de vida elevado na sociedade. E por mais que as leis
mudem, nunca chegam à homogeneidade.

Portanto, faz-se necessário que o sistema prisional do nosso país, passe por
uma formulação no pensamento filosófico de que o infrator tem o que merece; e
tenha um comprometimento maior com a sociedade, de forma geral, a fim de
apresentar propostas de melhoramento, não só para o preso, mas visando
combater essa apreensão e insegurança que o sistema prisional tem causado à
sociedade; fazendo com que a mesma se sinta refém não só do delinquente,
mas daqueles que detêm o poder.

Conclui-se que, nesse estudo percebe-se que o Labelling Approach deixará de


existir no sistema prisional, se os governantes atentarem para a igualdade social,
onde o crime será visto de igual modo, independente da classe social do infrator.
Uma vez que muitos exemplos de seletividade são vistos diariamente na mídia,
mostrando que esse modelo prisional atual, na verdade é modelo de princípio
antigo, vigente na atualidade, conservador e dominador.

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