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A cultura do Cancelamento, como máscara da intolerância

Autor: Marcos Antônio Duarte Silva


Doutorando em Ciência Criminal; Mestre em Filosofia do Direito
e do Estado (PUC/SP); Especialista em Direito Penal e
Processo Penal (Mackenzie/SP); Professor Universitário.

Resumo: A sociedade já vivenciou um período muito grande quando a regra era a intolerância
em todos os esteios. A lei era pálida frente a enormidade de preconceitos, de racismo em sua
mais diversa ordem e, não raro, premiava e glorificava quem fazia de sua vida a prática deste
conceito tão aterrador. Conviver com o diferente, com até algo que não compreendemos expõe
nossa urbanidade estendendo-se ao âmago de nossa raiz mais humana e profunda. Negar que
pessoas possam pensar diferente, possam agir diferente, possa até querer viver suas vidas de
forma livre e responsável não é digno de uma sociedade minimamente organizada; é salutar,
afinal, perceber que o igual, a maioria, nem sempre são aqueles que possuem razão, ao contrário
a diversidade, seja de que forma for manifesta, eleva ao sublime, pois demonstra personalidade
e liberdade de escolha. Outrossim, rever a história mais sombria, mais assustadora quando
qualquer comportamento, pensamento, manifestação fosse oposta as normas ditadas por uns
poucos, era suficiente para levar inclusive para as fogueiras, e não surpreende quando se
percebe que alguns poucos ainda pensem desta maneira.

Palavra-chave: Cultura. Cancelamento. Intolerância. Direito. Comportamento.

Abstract: Society has already experienced a very long period when the rule was intolerance in
all its mainstays. The law was pale in the face of the enormity of prejudice, of racism in its most
diverse order, and often rewarded and glorified those who made their lives the practice of this
terrifying concept. Living with the different, with even something we don't understand, exposes
our urbanity extending to the core of our most human and deepest root. To deny that people can
think differently, can act differently, may even want to live their lives freely and responsibly is not
worthy of a minimally organized society; it is salutary, after all, to realize that the equal, the
majority, are not always those who are right, unlike diversity, in whatever form is manifested,
elevates it to the sublime, as it demonstrates personality and freedom of choice. Furthermore,
reviewing the darkest, most frightening story when any behavior, thought, manifestation was
contrary to the norms dictated by a few, was enough to take even to the bonfires, and it is not
surprising when one realizes that a few still think this way.

Keyword: Culture. Cancellation. Intolerance. Right. Behavior.

The culture of Cancellation, as a mask of intolerance

Sumário: Introdução; 1.Um retrato do passado intolerante 2. A mudança de


paradigma para a cultura do cancelamento; 2.1 O que não se vê e nem se escuta;
2.2 O que se vê e sente-se; 2.3 O cancelamento não isolou; 3. A cultura do
isolamento como fonte de intolerância; Considerações Finais.
Summary: Introduction; 1. A portrait of the intolerant past? 2. The paradigm shift
towards the culture of cancellation; 2.1 What is not seen and heard; 2.2 What is
seen and felt; 2.3 The cancellation did not isolate; 3. The culture of isolation as a
source of intolerance; Finash considerations.

Introdução

Se pode se chamar de novos tempos algumas expressões que ainda não foram
avaliadas pela Lei, e nem tem o viés de trazer soluções aos problemas gerados
pelas mudanças bruscas sofridas nos últimos tempos e com a finalidade também
de ampliar ao alcance do que se pode presenciar todos os dias se busca, novos
termos, novas palavras para que se possa alcançar uma amplitude dos atos e
falas praticados.

Nesta senda a expressão, ou manifestação de intolerância, que visivelmente é


um termo pesado, consegue ser encontrada na expressão a Cultura do
Cancelamento. Aqui não há crítica sobre a nova expressão, pelo contrário há
respeito por estar sendo a questão da intolerância tratada não só como algo
ilegal, e outrossim, verificando que há um aspecto psicológico, que não isenta a
pessoa que pratique como inimputável.

Destarte, busca-se uma análise melhor e completa ampliando o horizonte da


pesquisa e também do combate a atitudes ilegais que devem ser dirimidas sobre
a luz da lei.

Não se trata da infeliz expressão “politicamente correto”, hoje tratado nas


academias e nos meios de difusão intelectual, com desdém, não à toa, afinal, a
cultura deve crescer sem uma cartilha que se imponha o que é correto ou não
falar e até fazer, e a educação costuma erguer as pessoas de espírito limitado a
outra atmosfera, que naturalmente se afaste de palavras pejorativas (sim elas
existem), e de expressões que verguem a virtude e não a depreciação por
qualquer motivo que seja.

O que é digno de nota é se verificar nos dias atuais um número expressivo de


saudosos radicais, intolerantes, cultivadores da repressão a qualquer preço de
condutas que estão, na visão exclusiva deles fora da conformidade social. A
pergunta que se deve fazer é: quem escreve estas normas defendidas por eles?
Quem determina o que é certo e errado? Quem pode ser a régua moral para
traçar o que se permite ou não?

1. Um retrato do passado aparentemente intolerante

O Brasil vem de um período complexo com várias designações, nomes diversos


e até a questão de que esse período nem existiu. Livros de histórias contando
sobre este período, começaram a ser atacados, sugeriu-se até que fossem
refeitos, e não foram poucas bibliotecas que estes mesmo livros foram
vandalizados de várias formas inimagináveis.

A questão díspare é realmente reconhecer ter havido um período, não se


importando como chama-lo, saber que entre 1964 a 1985, houve um período de
eleições indiretas para os cargos majoritários eram escolhido através de um
colegiado. E por mais incrível que possa parecer, só presidia o Brasil, Generais
(nada contra as forças armadas de papel sempre relevante para a pátria), parece
que neste período específico não haviam cidadãos a altura deste cargo.

Para quem não produzia textos, pensamentos, filosofia, sociologia, antropologia,


ou qualquer pensamentos voltados para humanas foi um período tranquilo, pois
quem se concentrava nas exatas engenharia, arquitetura, e etc, também os que
lidavam com as ciências médicas (biológicas), não viram, quem não se ligava na
política estava tinha um salvo conduto natural. Não significa que todos estes
profissionais concordassem, com algumas façanhas e estranhas que ocorriam,
mas as manifestações eram de menor impacto.

Já os dedicados as humanas, ao pensamento, ao questionamento, estes tiveram


duas escolhas simples; ficar e lutar (o que nem sempre é salutar), ou então sair
do Brasil, para voltar quando e se houvesse anistia.

Se faz necessário apontar que houve censura a TV, cinema, teatro e livros (nem
tudo podia ser visto, lido ou assistido). É bom que se diga que não era
intolerância, era apenas uma forma de governo centralizado.
Dessa forma o Brasil foi sobrevivendo a este período por quase um período de
vinte anos, sem mudanças expressivas, sem se questionar os porquês.

(As ideias e afirmativas foram tirados do site https://www.infoescola.com/historia-


do-brasil/regime-militar/).

2. A mudança de paradigma para a cultura do cancelamento

Após um transcurso de tempo, vivendo uma democracia ainda nova, cheia de


assuntos pendentes a serem resolvidos, e com o uso da máquina midiática o
Brasil avançou rapidamente para contratações de especialistas em eleições, os
chamados “marqueteiros”, que produzia desde caracterização do candidato,
corte de cabelo, roupas, sapatos, discursos, o que dizer numa entrevista, e
principalmente o que não dizer, eles começam a fabricar em escala industrial
para as prefeituras, governos dos estados e presidência, o que pode muito bem
ser chamado, de Etiquetamento Eleitoral. (Vale conferir o livro de Erving
Goffaman, Estigma, 2004).

O livro apontado em si trata da identidade deteriorada, com um olhar para


sociedade que vive um período de Etiquetamento, por conta de onde a pessoa
mora, por ter ou não pai e mãe, por estar num ambiente que alguns preferem o
crime, e como a sociedade os enxergam. Nomes como elementos não são
incomuns, malandro, meliante, bandido e até não estar trabalhando com “carteira
assinada” eram tratados, conforme texto legal como estando em “vadiagem”
(Código Penal) etc,

No contexto maior da obra, se demonstra como há uma manipulação social, para


que estas pessoas sejam separadas e colocadas as devidas etiquetas, vivam
num círculo vicioso constante. Aqui não há defesa de pessoas que praticam
crimes, muito ao contrário, a lei está aí com propósito de para-las.

E seria absurdo imaginar não cumprir a lei em detrimento de quem seja, daí a
importância de não haver separação de qualquer espécie: políticos, ricos,
famosos, jogadores de futebol, artistas, etc.
Destarte, observar o etiquetamento frente a cultura do cancelamento, quando
uma deixa uma marca indelével na pessoa (ou grupos de pessoas), e a cultura
do cancelamento, quando se foca numa pessoa discretamente sem deixar visível
uma marca, ao contrário, sutilmente, destaca a pessoa praticando atos que se
aproxima muito do assédio psicológico.

2.1 O que não se vê e nem se escuta

Numa forma de quase defesa (há de se enxergar mais ataque), as prisões foram
se enchendo de pessoas que cultivavam o hábito criminoso, contudo, e ao
mesmo tempo, surgiram presos políticos que passaram a doutrinar vários destes
encarcerados, e que aprenderam muito sobre guerrilhas e como praticamente se
misturar no mundo político, e conseguir através de doações buscar aqueles que
tivessem disposição para flexibilizar o movimento que começava a surgir dentro
dos presídios: o crime organizado.

O primeiro destes neste período se instalou nos presídios cariocas (Rio de


Janeiro) e ganhou força e fama, com assassinato, tráfico de drogas e exploração
de prostituição.

Como não bastasse os crimes em suas diversas versões, esta facção criminosa
começou a adentrar na política, e por óbvio não foi difícil encontrar pessoas com
este perfil querendo se candidatar e sem dinheiro, se socorrerem nesta nova
organização que necessitava de espaço para poder crescer (AMORIM, Assalto
ao poder. 2012).

O livro em pauta demonstra de forma clara, objetiva, como surgiu, o crime


organizado, atrelado a política, que se une com objetivo de conseguir dinheiro
para partidos que não compunham a cúpula do congresso e assim pudessem
despontar.

Esta situação estava ocorrendo em torno da década de 80 (1980), na cidade do


Rio de Janeiro. Ao chegar a década de 90 (1990), começa a surgir na capital de
São Paulo uma outra espécie de crime organizado, pautado por um líder que
primava pela ordem, centrado em projetos bem construídos e numa hierarquia
muito semelhante ao exército do império romano. (AMORIM, Cv Pcc - a
Irmandade do Crime, 2003).
Na esteira desta formação, não houve no entanto, uma divisão, a princípio tanto
a facção do Rio de Janeiro e a de São Paulo, se chamavam de “primos”, e
durante um período houve uma trégua entre as duas organizações.

Percebe-se que a princípio este não foi um motivo de alarde nos meios
investigativos da segurança pública das duas cidades.

2.2 O que se vê e sente-se

Tudo corria razoavelmente bem, sem alarde destas facções dentro dos Presídios
até maio de 2006.

Cumpre observar a descrição pormenorizada do que aconteceu;

Há seis anos, em 11 de maio, a Secretaria de Administração Penitenciária


decidiu transferir 765 presos para a penitenciária de Presidente Venceslau
após escutas telefônicas terem levantado suspeitas de que facções estariam
planejando rebeliões para o Dia das Mães, que ocorreria dali a dois dias. No
dia seguinte, após a transferência do líder do PCC Marcos Willians Herba
Camacho, o Marcola, motins foram realizados em penitenciárias do Estado
de forma articulada. Na noite do dia 12 de maio, integrantes da organização
criminosa deram início ao maior atentado contra as forças de segurança
pública do Estado da história. Essa ação deixou mais de 20 mortos.
Delegacias, carros e bases da Polícia Militar, Polícia Civil e metropolitana e
até o Corpo de Bombeiros foram atacados. No dia seguinte, a onda de
ataques foi intensificada e ocorreram atentados no litoral e interior de São
Paulo”. (http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2012-06-24/em-2006-onde-
de-ataques-amedrontou-sao-paulo-relembre.html). apud (DUARTE, Das
penas Sanguinárias à docilidade do corpo, 2017, p.58).

Pode se dizer que até então, ao menos para a população em geral, não havia
uma noção exata do que acontecia atrás das grades, porque tudo que se
noticiava era rebeliões, quando na verdade, se descobriu mais tarde era o
controle dos Presídios paulistas por esta facção.

Os cidadãos estavam ainda cegados para o poderio e a quantidade de membros


desta organização, até este dia.

A forma como os jornais em todo Brasil e mundo noticiaram os acontecimentos


que advieram desta transferência, no mínimo em impensada, calou a maior
metrópole da América do Sul;

Sexta-feira, 12 de maio: anoiteceu em São Paulo. E iniciava-se a maior onda


de violência já promovida no Estado por uma facção criminosa, o PCC
(Primeiro Comando da Capital), conhecido entre os detentos como o
"Partido". Em oito dias, o governo contou 373 ataques. Oficialmente, 154
pessoas morreram, sendo 24 PMs, 11 policiais civis, nove agentes
penitenciários, 110 cidadãos - 79 deles suspeitos de ligação com o PCC.
Tratava-se de uma resposta da facção a uma tentativa da polícia de isolar
seus principais líderes em presídios de segurança máxima no interior do
Estado, num total de 765 presos removidos. Na mesma sexta-feira, oito
detentos - apontados com o núcleo da facção - foram levados à sede do Deic
(Departamento de Investigações sobre Crime Organizado), na capital
paulista. Já na sexta-feira, em todo o Estado ocorreram rebeliões em 24
unidades. Internos da Febem também se rebelam. Articulados, homens
abriram fogo contra bases da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana,
viaturas, delegacias, Grande São Paulo e interior. Ocorreram ataques
também a endereços comerciais, agências bancárias, estações de Metrô e
ônibus, incendiados pelo Estado. Outras duas séries aconteceriam em julho
e agosto, ambas com menor intensidade em relação a maio. Durantes as
ações, a população de São Paulo viu o comércio baixar as portas, escolas e
universidades cancelarem aulas, expediente encerrado mais cedo, shoppings
fechados. O comércio registrou queda nas vendas de 90%. A pressa do
paulistano ganhou outros contornos. Havia ansiedade de chegar em casa. A
vida noturna da capital deixou de existir. Tradicionalmente congestionadas,
as principais vias da cidade ficaram intransitáveis bem antes do horário do
"rush". Pessoas espremiam-se ainda mais no metrô e em ônibus, outros alvos
da facção. São Paulo parou.... Nas manchetes da imprensa internacional.
(http://noticias.uol.com.br/ultnot/retrospectiva/2006/materias/pcc.jhtm). Apud
(DUARTE, Das penas Sanguinárias à docilidade do corpo, 2017, p.59).

No dia 15/05/2006, a situação não mudou, a cidade de São Paulo, literalmente


parou a população, os comerciantes, escolas, faculdades, empresas, ônibus
urbano e intermunicipal, tudo parou a cidade se transformou num deserto a céu
aberto.

Ninguém circulava nas ruas, todos com receio ficaram em casa para verificar o
governo tomando providências, que não foram imediatas.

No Brasil até aquela data, nunca havia acontecido um ataque tão orquestrado,
tão pontual, pois os alvos eram os policias militares, e de forma tão sistemática
que parou São Paulo.

O que se observa neste caso em especial, foi a imprudência de não perceber


que silenciosamente e de maneira crescente, o número da organização havia
crescido de modo tão extenso que não se poderia tratar uma transferência nos
moldes pretendidos.

A maior cidade do país cair de joelhos para o crime organizado gerou sem dúvida
efeitos devastadores, podendo se observar: 1. Força; 2. Armamento melhores;
3. Preparo; 4. Organização; 5. Um contingente considerável. Poderia se apontar
outros aspectos, contudo, há de se convir ser humilhante demais ter havido tudo
isso, vindo todas as ordens e planos de pessoas que estavam presos.
E nenhuma autoridade poderia menosprezar como foi feito o que estava
ocorrendo, porque quase 10 anos atrás, perceba o que já escrevia sobre o crime
organizado;

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na


medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta
características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder
com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe
permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca
danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendo
uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas;
dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um
intricado esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede
subterrânea de conexões com os quadros oficiais da vida social, econômica
e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder
de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em
resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os Poderes do próprio Estado.
(GOMES, 1997, p. 75)

Se em 1997, há descrição tão clara e cristalina do que era o crime organizado,


por que em 2006, não se tomou providência para não acontecer o massacre?
Houve sem dúvida a subestimação sobre a organização e poder de alcance que
se a facção criminosa paulista poderia alcançar.

2.3 O cancelamento não isolou

Na senda sinuosa do que se tentou fazer sem sucesso, percebe-se que só esta
cultura de cancelamento em matéria de pessoas presas, pode funcionar
aparentemente, e a sociedade num todo, pode até concordar com algumas falas,
discursos e atos demonstrando o fosso que existe entre as pessoas, marcadas
pela sua cor, pelo seu posicionamento político, por não ter votado neste ou
naquele candidato, e pelo que alguns tentam sem sucesso chamar de ideologia,
sem se quer saber o que significa a palavra em seu sentido mais amplo.

É no mínimo temerário observar até algumas pessoas cultas (pouquíssimas)


defendendo ideias tão fora do contexto global, da modernidade que o Brasil devia
estar vivendo, sendo desgastante hoje entrar numa sala de aula de uma
faculdade e propor assuntos que poderia e deveria ser temas de trocas de ideias,
e não um confronto como temos vivenciados todos os dias.

A cultura do isolamento não só vem empobrecendo os cursos universitários,


como está tirando a possibilidade de crescer com ideias diferentes, com pessoas
opostas a proposta de um grupo, com pessoas com escolhas pessoais; que
chega a ser temerário o futuro da próxima geração, que abraçou ideias que o
mundo globalizado está dizendo não.

É salutar a expressão do professor Tércio;

Neste sentido, a primeira característica de uma relação de poder é que ele se


dispensa produzir as condições de sua instauração e de sua perpetuação.
Quando essas condições ocorrem o poder é legitimo [...] pois uma autoridade
que precise se justificar-se perdeu a autoridade [...] (FERRAZ, 2003, p.61).

Assim como o sistema não conseguiu criar uma “sociedade paralela”, entre
presos e livres, não há condições de criar uma engenharia por mais que se fale
e discurse, que haverá uma mudança radical na forma de toda uma população
mudar seus princípios e valores adquiridos em suas casas, nas escolas livres de
substituir uma ideologia por outra, por universidades que fazem os alunos pensar
e decidir, dentro dos seus critérios o que é mais adequado.

Como foi transcrito, pelo Dr. Ferraz, um poder que precisa a todo momento pôr
na rua pessoas para defende-lo, já perdeu seu poder. Afinal, um estadista
quando fala em rede nacional, consegue convencer, no mínimo seu eleitorado.

Outrossim, quando o líder apela, não assume a culpa por suas decisões, sempre
tem alguém como bode expiratório, não assume suas incoerências, o que se
pode esperar?

A intolerância tremula na pátria amada isolando tudo que conquistou ao longo


de 36 anos, a Constituição Federal, que tem sido pisoteada, (cancelada), as
instituições que mantém o país como democrático (STF, Ministério Público
Federal, Policia Federal, etc), se todo arcabouço se prostrar a um governo que
seja, acabou a democracia e a república.

Muito se tem falado num Estado diferente, havendo controle, obediência e


principalmente, rigor. Com frequência assustadora, se houve dizer, estado de
polícia, o que vem a ser?

[...] Surge um Estado de Polícia voltado as pessoas que precisam ser


controladas. Surgem tratados de polícia, com diferentes normas
sistematizando o objeto polícia – sendo este quase infinito. [...] deixando
assim os habitantes do Estado sempre a necessitar do governo de forma total
e segura – não para o povo, mas para quem governa. [...] (DUARTE, 2014,
p.33).
Controle, disciplina, submissão, aceitar tudo que se imponha é a proposta para
esta Cultura do Cancelamento, principalmente da personalidade, das ideias
próprias, do direito de não concordar, e nem se opor.

O governo que se propõe a lutar por mais liberdade para ele próprio não está
pensando no povo, está pensando em si mesmo e aqueles que o servem, é foi
e será sempre um descalabro, buscar tal governo para controlar a corrupção,
para deter a ordem e, principalmente para afirmar que está começando algo
novo.

Não há nada de novo, há o velho e péssimo costume de poder ilimitado, para


prender, para uma fiscalização acima do permitido, para tomar de assalto tudo
que não considere de acordo.

3. A cultura do isolamento como fonte de intolerância

Nesta estrada traçada é perceptível a vulnerabilidade do país a discursos


voltados a violência, a liberação de armas, de chamar aqueles que discordam de
palavras que não podem ser reproduzidas.

A intolerância como se transformou em ternos e palavras pesadas, aos poucos


foi se introduzindo uma expressão mais amena, com efeito igual ou até pior.

Quando se Cancela algo, significa que praticamente deixa de existir, não tem
mais sentido fazer parte de, não tem objetivo, não serve para nada de
importante.

O que se pode admitir ser a troca de uma expressão por outra muito mais forte,
mais ampla e de alcance muito maior.

Não há a tão sonhada evolução, nem mesmo em meio uma pandemia mundial.
(2020/2021)

E como se não bastasse, ainda se pode verificar nas redes sociais esta cultura
do cancelamento em massa e de maneira muito mais veloz, destruir a reputação
da pessoa, por algo que disse, ou sua opinião, se transformou em algo tão
comum (é bom que se diga normalmente por alguma espécie de preconceito),
que tem se tornado banal.

Foucault, na Microfísica do Poder, traz a ideia de se tomar cuidado com os


micropoderes, aqueles que controlam grupos, espaços na internet, que viram
ícones do dia para noite e começa a se colocar, através dos seus seguidores,
detentor de sugestões, de opiniões, ou ideias que devem ser acolhidas.
(FOUCAULT, 2008, Microfísica do poder).

Isso em si quer dizer de forma transparente;

Uma vez posta a moldura no quadro fica evidente a substituição de um poder,


que apenas aglutinava ao seu redor condições para ter mais poder; por outro,
com igual ânsia. No fim, não há uma mudança no objetivo e sim uma
roupagem aparentemente diferente em sua nomenclatura. Seu fim é o
mesmo de todos os outros sistemas governamentais – desejo de poder, o
monopólio e o controle absoluto. (FOUCAULT, 2008, p. 46).

O pior é quando para manter seu público leal, a pessoa que se elege falando de
forma tão contundente, sobre Cancelar “aqueles que são minorias, e que a
maioria tem que se impor” (parafraseada).

Chega-se neste momento a uma situação difícil, quando todos os micropoderes


se apoderam desta mentalidade e começam a tratar, pessoas que tomam
vacinas como separados, aqueles que usam máscara como contra a sociedade,
e ainda, que há tratamento preventivo quando toda comunidade cientifica do
mundo diz não haver.

A história da vacina é antiga, não é essa contra esse vírus que deu origem a
vacina;

A história da vacina iniciou-se no século XVIII, quando o médico inglês


Edward Jenner utilizou a vacina para prevenir a contaminação por varíola,
uma doença viral extremamente grave que causava febre alta, dores de
cabeça e no corpo, lesões na pele e morte. A varíola foi a primeira doença
infecciosa que foi erradicada por meio da vacinação.
(https://brasilescola.uol.com.br/biologia/a-historia-vacina.htm)

Quantas pessoas foram salvas por meio desta vacina e não contraíram varíola?
Mas não foi fácil aquela época e, parece em época nenhuma vacinar, havia
sempre alguém que se levantava contra e criava as estórias mais mirabolantes
possíveis.

O Brasil não ficou distante do problema da varíola e da febre amarela, e aqui o


médico e sanitarista, Osvaldo Cruz, trabalhou muito para que muitos a época
que eram contra, começando o movimento chamado à época Revolta contra
vacina trouxe uma série de conflitos com as forças de segurança, pois a vacina
era obrigatória, contra os que diziam que não se devia tomar a vacina.

Em 1904, o Rio de Janeiro sofria com a falta de saneamento básico,


apresentando ruas cheias de lixo e tratamento de água e de esgoto
ineficientes. Esse quadro desencadeava uma série de epidemias, inclusive
de varíola. Nesse contexto preocupante, o então presidente da República,
Francisco de Paula Rodrigues Alves, deu início a diversas medidas para
melhorar o saneamento e reurbanizar o Rio de Janeiro. [...] A obrigatoriedade
da vacinação imposta por Oswaldo Cruz e a falta de informação sobre a
eficácia e segurança das vacinas causaram grande descontentamento na
população, que já estava sofrendo com a reestruturação da cidade. Por essa
razão, várias pessoas saíram às ruas em protesto contra a vacinação
obrigatória. O Rio de Janeiro vivenciou grandes confrontos entre a população
e as forças da polícia e exército. Esses confrontos, que ocorreram no período
de 10 a 16 de novembro de 1904, causaram a morte de um grande número
de pessoas. Essa semana de tensão tornou-se o maior motim da história do
Rio, configurando aquilo que ficou conhecido como Revolta da Vacina.
(Https://brasilescola.uol.com.br/biologia/a-historia-vacina.htm). (Destaques
nossos).

Em pleno início do século (1904) haviam os contrários que “Cancelavam”,


aqueles que insistiam em tomar vacina. Muitas pessoas morreram por não
tomarem a vacina, e só depois de muito tempo desta situação, as vacinas
começaram a fazer parte do calendário escolar e todos eram vacinados.

Nesta senda, só em 1902, na cidade do Rio de Janeiro, morreu cerca de mil


pessoas vítimas da febre amarela (não sendo estes números finais).
(http://brasilianafotografica.bn.br/?p=19095). E se não houvesse uma
intervenção imediata, teria à época sido uma tragédia de proporções
gigantescas.

Um dos exemplos mais catastrófico, foi a febre espanhola, que só no Brasil de


1918 matou 35 mil brasileiros e no mundo próximo a 50 milhões de pessoas;

Aqui no Brasil, a doença chegou em setembro de 1918, durante sua segunda


onda, e afetou todas as regiões do país. Os dois locais mais afetados foram
São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país no começo do
século. Ao todo, a gripe espanhola causou a morte oficial de 35 mil brasileiros,
estando entre eles Rodrigues Alves, vencedor da eleição presidencial de
1918. Ao todo, a gripe foi responsável pela morte de, pelo menos, 50 milhões
de pessoas no mundo.
(https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/cinco-doencas-que-
marcaram-a-historia-da-humanidade.htm).

O número final desta doença é assustador, e faz um alerta sonoro para aqueles
que mal informados se dedicam a retransmitir informações falaciosas,
mentirosas, e que não se adequam ao problema maior que é relembrar a história
e verificar que ela tem algo a nos ensinar.

Considerações Finais

A proposta inicial foi demonstrar como a cultura do cancelamento tem um viés


semelhante a intolerância e que mesmo que pessoas bem intencionadas estão
a usando com finalidades outras, não se pode admitir seu uso apenas para
aparentemente ser mais suave que a palavra cunhada e utilizada a exaustão
nestes últimos anos.

Nesta linha aproveitou-se para demonstrar que há várias maneiras de


intolerância, disfarçada de “cancelamento”, contudo, o fim principal é atingir as
pessoas, marca-las, etiqueta-las, e separa-la da sociedade.

E de forma alguma isso pode ser tolerado em nenhuma hipótese, nem mesmo
como paródia (piada), nem como meio de se dirigir a pessoa, e rotula-la, por
preconceitos hoje não aceitos no mundo civilizado.

Ínsito é que mesmo com um quadro aterrador de pandemia mundial, o Brasil de


maneira particular não tem aprendido as lições necessárias para aproveitar o
momento e se renovar, afastar esta doença que se chama de
preconceito/intolerância de nossa vida social.

É imprescindível que se mude as atitudes, dos jovens de maneira particular, por


serem o “futuro da nação” e cresçamos como uma sociedade unida.

Os exemplos estão nas mídias, nos meios de comunicação e só olhar e


aprender, de forma que o caráter da próxima geração, seja melhor desta que se
perdeu em alguma lugar.

Não há como tolerar como país, sociedade e como pessoas mais este cordel de
impropérios falados sem haver ao menos uma manifestação contrária, se
opondo a este discurso que perdeu há muito o sentido.

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