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A evolução do pensamento pós-moderno

Helen Pluckrose
Tradução livre da palestra “The Evolution of Postmodern Thought” presente no canal New Discourses

A justiça social soa como uma ideia tão boa. Quem não quer justiça social? Ninguém
diz: você sabe o que a sociedade realmente precisa? Menos justiça!
Quaisquer que sejam nossas políticas, nossa ética, nossas filosofias, nossas religiões
ou a falta de tudo isso, todos nós queremos geralmente fazer do mundo um lugar melhor. E
ainda assim, divergimos sobre como alcançar a justiça social e de como ela será. Essas
diferenças podem ser produtivas, as conversas que geram entre pessoas com visões muito
diferentes nos ajudaram a tornar nossas sociedades mais justas e mais acomodadas a todos
os tipos de pessoas.
Nos últimos 500 anos e rapidamente ganhando força nos últimos 200, e
particularmente nos últimos 50, criamos sociedades liberais seculares. Vou usar a palavra
liberal nesta palestra, mas porque sei que temos muitos americanos aqui, enfatizo que a
estou usando no sentido geral de liberdade, de abertura, o oposto de um liberal. Portanto,
não estamos falando de esquerda, como às vezes o termo é usado na América, ou de direita,
como às vezes é usado na Austrália, mas de um foco abrangente na liberdade individual e no
impacto positivo da livre troca de ideias.
Assim, nos últimos 500 anos, principalmente num passado mais recente, com os
movimentos de direitos civis, nós realmente entramos em uma era propriamente liberal:
liberdade de religião e liberdade da religião, igualdade de oportunidades para as pessoas,
independentemente de gênero, raça ou sexualidade. A ciência e a razão tornaram-se o
dominante ou, se não o dominante, pelo menos o modo mais respeitado de estabelecer o
que é verdade. E isso está sendo usado para fazer avanços notáveis na medicina e na
tecnologia. A noção de mercado de ideias em que todos poderiam tomar parte, tudo poderia
ser dito e, em princípio, as ideias são avaliadas por seus méritos e confirmadas.
Isso resultou nas sociedades mais avançadas do ponto de vista científico, médico e
tecnológico que a humanidade já conheceu. Isso resultou nas sociedades mais livres e mais
iguais que já existiram. A justiça social deu um salto adiante e, ainda assim, há um
movimento que presunçosamente se auto-denomina ​justiça social​, como se apenas ele
tivesse a chave para ela, como se todos os outros, na verdade, estivessem buscando algo
diferente. Esse movimento não é conservador, embora compartilhe alguns valores em torno
da segregação e da pureza com a extrema-direita. Não é liberal, embora fale uma linguagem
liberal de diversidade, pluralidade e inclusão, e não é marxista, embora contribua com um
discurso anti-capitalista.
A justiça social é um movimento altamente contraintuitivo que fala sua própria língua e
tem suas próprias concepções do mundo. Por isso, é frequentemente mal entendido, mal
categorizado e as tentativas de contrariá-lo fracassam com frequência. As concepções de
justiça social que estão enraizadas na teoria crítica não se parecem muito com o
entendimento comum de justiça social. As pessoas veem os sintomas do movimento de
justiça social muito claramente, podem se referir a eles como política de identidade, ou o
politicamente correto, ou ainda a cultura do cancelamento.
Tem sido difícil não ver as exigências de se descolonizar tudo, desde currículos a
penteados e até a demolição de estátuas, vandalizar pinturas. Os pronomes se tornaram
uma questão de suma importância política, também se tornaram muito mais difíceis de usar
corretamente tanto em seu senso político como no gramatical. É comum ouvir agora que
todos os homens são sexistas e que todos os brancos são racistas. Se alguém protesta
contra isso, é-lhe dito que é simplesmente impossível não ser por causa do sistema de
socialização no qual todos estamos submetidos. Parece que todos os dias ouvimos notícias
de um comediante sendo “cancelado” por uma piada problemática ou de uma celebridade
oferecendo um pedido de desculpas humilhante pelo uso indevido, não intencional, de uma
palavra, ou que se descobriu que uma pessoa pública disse algo há vinte anos atrás e que
agora é considerado racista, sexista ou homofóbico. Artistas de todos os tipos são
frequentemente reprimidos por críticas, seja porque seu trabalho não incluiu uma gama
diversificada de pessoas, caso em que há uma falha de representação, ou porque incluiu, e,
nesse caso, trata-se de apropriação cultural.
Qualquer pessoa que trate de questões políticas ou culturais está sujeita a atrair
multidões de ativistas da “justiça social” para problematizar, gritar, distorcer e deturpar seus
argumentos. Isso é tornado possível, em grande parte, pelas mídias sociais, onde os ativistas
podem se reunir e destacar os tweets ou ensaios com os quais eles têm um problema.
“Dogpiles”1 são comuns e não parece importar se alguém é uma pessoa proeminente ou um
indivíduo particular compartilhando sua própria experiência em sua própria conta no Twitter.
Mesmo quando se fala por conta própria, é provável que você seja acusado de ditar ou falar
a pessoas marginalizadas ou pode simplesmente ir direto para o ‘supremacista branco,
misógino, transfóbico ou fascista’. É cada vez mais assustador falar publicamente,
particularmente para aqueles que gostariam de manter seus negócios ou empregos. A
abordagem dos ativistas de justiça social é pouco caridosa, desarrazoada, frequentemente
desinformada, injusta e sem misericórdia. Mas o que levou a este intenso enfoque na
identidade, no conhecimento, na linguagem e nas estruturas de poder? É sobre isso que
estou aqui para falar. Vou analisar onde estas ideias realmente se fundiram, como elas se
desenvolveram nos últimos 50 anos e o que vemos agora.
O problema subjacente ao ativismo de justiça social tem uma longa história de várias
maneiras diferentes, mas certamente nós o vimos se estabelecer realmente no final dos anos
60, 66, 68 até 1970. Esta foi uma época de grandes mudanças sociais. A sociedade estava
se recuperando das guerras mundiais, do nazismo e do fascismo, do genocídio e do
comunismo, e as pessoas ainda estavam lamentando seus mortos. Os impérios haviam
2
caído, Jim Crow havia terminado, a tecnologia estava avançando rapidamente e uma
vibrante cultura jovem estava se formando. Ideologicamente, o ativismo liberal, nas formas
dos movimentos de direitos civis, feminismo e orgulho gay, estava em pleno fluxo, ao mesmo
tempo em que uma nova esquerda furiosa e radical estava se mobilizando.
Em resumo, a sensação nesta época era não apenas de mudança, mas de uma
ruptura radical com o que já havia acontecido antes. As velhas certezas estavam sendo
desafiadas. As certezas sobre o avanço do progresso moral haviam sido abaladas pelas
guerras. Um novo reconhecimento das formas pelas quais os direitos das mulheres, minorias
raciais, pessoas LGBT tinham sido negados, estava sendo realmente sentido.

1
Um desacordo em um fórum de mensagens na Internet onde uma pessoa diz algo errado ou ofensivo e um
grande número de pessoas comenta em resposta para dizer à pessoa o quão errado e/ou horrível ela é, e
continuar a depreciar o comentador original além de qualquer limite de tempo razoável.
2
​As ​leis de ​Jim Crow (em inglês, ​Jim Crow laws) foram ​leis estaduais e locais que impunham a segregação
racial no sul dos Estados Unidos. Todas essas ​leis foram promulgadas no final do século XIX e início do século
XX pelas legislaturas estaduais dominadas pelos Democratas após o período da Reconstrução.
A religião estava em declínio, a música pop e a arte produzida em massa estavam
desafiando as noções do que conta como cultura. Havia a sensação de que as coisas
estavam se movendo muito rápido e se torna3ndo artificiais e produzidas em massa; isso fez
com que muitos intelectuais escrevessem sobre a perda de autenticidade. Essa nova era,
que estava se desdobrando, foi entendida como sendo a era da pós-modernidade.
O período moderno é entendido como aquele em que a realidade era simples,
compreensível, ordenada e coesa, uma história satisfatória de progresso constante e
aumento do conhecimento no avanço dos direitos humanos que podia ser contada de forma
direta. Nada disso parecia certo mais. Assim, a idéia de que uma era de pós-modernidade
estava começando se tornou um refrão repetido entre a ​intelligentsia esquerdista. Sem
dúvida, o que mais influenciou os acadêmicos foi a perda do marxismo. Essa visão há muito
tempo tinha formado a base do pensamento intelectual esquerdista sobre como fazer uma
sociedade melhor. Agora, para muitos, ela havia se tornado insustentável. Após as
atrocidades do regime comunista, a principal narrativa de fundo para a esquerda estava em
apuros.
Muitos sentiram que o marxismo, como tudo o mais, era uma narrativa simplista que
havia fracassado. Essa revolução resultou na perda de esperança de que qualquer outra
coisa pudesse ser confiável. A amarga falta de esperança e a desesperança de significado
permeiam os escritos dos primeiros pós-modernistas. Essa mudança causou um grande
tumulto na esquerda acadêmica. Tradicionalmente, a postura esquerdista era composta por
dois elementos. Um era o marxista ou socialista, que se concentrava nas condições
materiais, economia e classe. Ele queria revolucionar a sociedade, para redistribuir a riqueza.
O outro é o liberalismo, que se concentrou em possibilitar ao indivíduo o acesso aos direitos
e oportunidades universais. O liberalismo procura reformar a sociedade em vez de
revolucioná-la. Tanto os marxistas quanto os liberais são modernistas. Ou seja, ambos
acreditam em uma realidade objetiva e na importância da evidência e da razão, embora
tenham chegado a conclusões diferentes sobre o caminho a seguir a partir daí. Ambos
acreditam que uma sociedade na qual todos são capazes de prosperar e colocar suas
habilidades em bom uso e estar financeiramente seguros, independentemente de sua raça

3
A vanguarda intelectual ou artística.
de classe, gênero ou sexualidade, é uma sociedade justa. Uma sociedade em que algumas
pessoas estão proibidas de fazer isso é uma sociedade injusta.
Apesar destes objetivos comuns, marxistas e liberais têm argumentado
incessantemente. Os marxistas acusaram os liberais de serem hipócritas sem convicção que
bem poderiam ser chamados conservadores. Os liberais acusaram os marxistas de serem
utópicos ilusórios que querem jogar o bebê fora junto com a água da banheira. Estes
argumentos têm sido muito ácidos, mas também têm sido produtivos na formação de uma
esquerda funcional.
Tudo isso mudaria com a chegada do pós-modernismo. No final dos anos 60, surgiram
de uma só vez, de diferentes disciplinas, os intelectuais que se tornaram conhecidos como
os pós-modernistas. Alguns são melhor entendidos como comentaristas sobre a condição da
pós-modernidade, ou seja, eles estavam observando a mudança e descrevendo-a.
O marxista americano ​Fredric Jameson lamentou a superficialidade da
pós-modernidade, a falta de coração para tudo, a constante reciclagem e repetição da arte.
Ele diagnosticou a nostalgia por qualquer coisa real e disse que o indivíduo havia se perdido.
Jean Baudrillard inclinou-se fortemente para o desespero niilista e seu livro
Simulacro e Simulação argumentou que a sociedade havia perdido completamente o real e
agora estava apenas produzindo infinitas cópias de cópias. No período moderno, afirmou ele,
tudo começou a ser padronizado e organizado, então a singularidade e a autenticidade
desapareceram. Mas no período pós-moderno da produção em massa e da simulação
tecnológica, não há nenhum original, disse. Tudo agora é hiper-real. Ele clamou
metaforicamente por atos de terrorismo sangrento e alegou que a morte era a única coisa
que era real.
Geils Deleuze e ​Felix Guattari argumentaram que os impulsos das pessoas eram
limitados por uma sociedade capitalista consumista em que a única coisa que fluía era
dinheiro. Eles viam os humanos como codificados em tempos diferentes para exigências
diferentes. Primeiro a família, depois os governantes despóticos, depois o capitalismo. Como
Baudrillard, eles argumentaram que a modernidade havia padronizado e sistematizado tudo
e que precisava ser desmontada. Para eles, não era a morte que era o epítome da realidade,
mas os desejos humanos e eles deveriam ser libertados. Deleuze acabou por cometer
suicídio. Isso foi, então, em grande parte um desejo desesperado por qualquer coisa
autêntica, não tinha metas realisticamente alcançáveis. Essas observações quase não eram
puramente descritivas.
No entanto, havia alguns teóricos franceses cujas ideias tinham propósito e eles
desenvolveram teorias. Eles são melhor entendidos como os pós-estruturalistas e
desconstrucionistas e foram mais longe no desenvolvimento de uma prática teórica.
Em seu livro pioneiro, ​The Postmodern Condition,​ ​Jean François Lyotard ​definiu o
pós-modernismo como um ceticismo em relação às meta-narrativas. Com isso, ele quis dizer
que todas as grandes histórias abrangentes que contamos a nós mesmos sobre como a
sociedade funcionava e o sentido da vida estavam se tornando menos confiáveis. Outra
descrição das meta-narrativas é que elas são narrativas histórica e culturalmente
não-situadas que, no entanto, são apresentadas como universais. Lyotard incluiu o
cristianismo e o marxismo em sua compreensão das meta-narrativas, mas ele também
incluiu a ciência. Como é típico dos pós-modernistas, seu trabalho se concentrava
intensamente no poder da linguagem. Ele viu isso em termos de diferentes tipos de jogos
que legitimavam o conhecimento. Ele afirmava que a linguagem da ciência era inseparável
da linguagem do poder e dos governos. Ao invés destas grandes meta-narrativas,
argumentou ele, precisamos de muitas mini-narrativas. Ao invés de conhecimento autoritário
legitimado por métodos científicos, precisamos de uma paralogia4 de legitimação, ou seja,
precisamos de múltiplos conhecimentos sem que nenhum seja mais valorizado que qualquer
outro. Isso é relativismo moral e factual.
Para ​Jacques Derrida​, o foco era ainda mais intenso na linguagem. Ele era
radicalmente cético quanto à possibilidade de transmitir significado pela linguagem. Para ele,
as palavras só se referiam a outras palavras, de modo que o significado é adiado
indefinidamente (‘casa’ é compreensível em relação a cabanas e mansões). Derrida também
acreditava que as palavras são usadas comparativamente para atribuir superioridade a um
com relação a outro. Ou seja, os homens são definidos como não sendo mulheres e também
​ ulheres. Ele defendeu ironicamente a inversão desses binários para
são superiores ​às m
torná-los visíveis e desafiar as hierarquias de poder. Isso pode ser bastante inofensivo e
bastante incômodo. Eu mesma já substitui ​‘o mundo e sua esposa’5 por ‘o mundo e seu

4
Do grego paralogía, “falsa analogia”
5
‘the world and his wife’ é uma expressão idiomática que significa ‘um grande número de pessoas’ ou ‘a maior
parte das pessoas’
marido’, mas isso também pode levar a um lugar bastante sombrio. Se sua concepção de
sociedade é uma concepção na qual as mulheres e as minorias raciais e sexuais são
constantemente sujeitas a discriminação e abuso e então você quer reverter essa relação
binária, você provavelmente acabará no sexismo contra os homens, no racismo contra os
brancos, e para que isso seja moralmente justificável como uma espécie de reequilíbrio, isso
se afasta da objetividade na direção da subjetividade. Também prejudica o padrão de pessoa
razoável sobre o qual se baseia muitas leis e decisões judicial.
Sobretudo, havia ​Michel Foucault. De todos os teóricos, suas ideias são as que mais
se enraizaram em nossa cultura. Suas ideias-chave ecoam tanto o ceticismo de Lyotard em
relação às meta-narrativas quanto a suspeita de Derrida sobre a confiabilidade da linguagem
para transmitir um significado estável. Os conceitos dele que melhor sobreviveram e foram
adaptados nos últimos 50 anos são ​episteme​, saber-poder, discursos e biopoder.
No uso comum, o conhecimento (saber) é definido como uma compreensão precisa de
uma realidade objetiva. Se consideramos que sabemos algo, em vez de acreditar, suspeitar,
esperar ou pensar que é provável, queremos dizer que nos foi dada razão suficiente para
aceitar que é verdade, que corresponde à realidade. Enquanto as percepções culturais
podem variar e as ideias podem mudar com o tempo, algo que é objetivamente verdadeiro é
verdadeiro para todos. Poderia ser descoberto que algo foi pensado como verdadeiro e na
verdade era falso, mas isto não significa que uma vez tenha sido verdadeiro e depois tenha
se tornado falso, significa que foi cometido um erro e nós somos capazes de reconhecer isso
por causa de novas evidências, que mostram isso. Um exemplo disso poderia ser que se
pensava que o Sol orbitava a Terra, mas mais tarde foi descoberto que a Terra orbita o Sol.
Sempre foi esse o caso e não depende da crença humana. Esse é um entendimento
modernista do que seja conhecimento e não foi assim que Michel Foucault o entendeu. Sua
compreensão do conhecimento era como uma construção cultural. Ou seja, nós decidimos o
que é verdadeiro e o que é conhecido através de categorias e narrativas criadas e aplicadas
culturalmente. Ele se referiu a isto como uma ​episteme,​ um sistema culturalmente concebido
que forneceu os parâmetros para o que poderia ser considerado verdadeiro ou falso.
Os que estão no poder definem a ​episteme​. Portanto, o que é entendido pela
sociedade como conhecimento (saber) é, na verdade, apenas um exercício de poder. É
saber-poder, é uma palavra e não duas, com uma relação semelhante. O saber-poder é
construído e perpetuado por formas de falar das coisas, por discursos. Algo é legitimado
como conhecimento pela maneira como é falado, e isso então se torna a maneira de falar
sobre as coisas. O principal entre esses discursos legitimadores é a ciência. As sociedades
ocidentais aceitam amplamente as descobertas da ciência como as fontes mais substanciais
de conhecimento. Isto para Foucault foi uma prova de que era saber-poder.
Ele chamou este tipo particular de saber-poder de biopoder. Essa é agora uma idéia
dominante na teoria do Queer, estudos de deficiência e estudos de fatos. Estas ideias
continuam a nos atormentar hoje em dia, por isso, vale a pena tomar o tempo necessário
para tentar realmente entendê-las.
Imagine que não exista uma verdade objetiva. Os seres humanos são tábulas rasas
que são preenchidas com uma história. Os grupos poderosos da sociedade decidem o que é
essa história, todas as tábulas, uma vez escritas, contam a mesma história, mas de uma
perspectiva diferente, dependendo de onde estão em relação ao poder. Assim, se a história
inclui a afirmação de que os homens são dominantes e as mulheres são submissas, tanto
homens quanto mulheres falarão neste discurso, mas a partir de uma posição dominante ou
submissa. O mesmo vale para a afirmação de que a heterossexualidade é natural e a
homossexualidade não-natural, que os brancos são adequados para alguns trabalhos
profissionais, os negros para trabalhos manuais. O imperativo, portanto, da abordagem
pós-moderna é estudar os discursos da sociedade para encontrar o conhecimento
foucaultiano do poder, inverter os binários derrideanos e fortalecer as mininarrativas
liotardianas.
Esse é agora um plano. Este é o quadro geral e não é fácil entendê-lo imediatamente.
Portanto, vou expor as ideias essenciais como uma espécie de lista.
● Não há maneira de se obter a verdade objetiva.
● Tudo é construído culturalmente.
● A sociedade é dominada por sistemas de poder e privilégio que as pessoas
simplesmente aceitam como senso comum.
Estes variam de cultura para cultura e subcultura para subcultura. Nenhuma delas é
correta ou superior a qualquer outra. As categorias que usamos para entender coisas como
fato e ficção, razão e emoção, ciência e arte, masculino e feminino são falsas. Elas operam a
serviço do poder, precisam ser examinadas, quebradas e complicadas. A linguagem é
imensamente poderosa e é usada para construir realidades sociais opressivas. Portanto,
deve ser considerada com desconfiança e examinada para encontrar os discursos do poder.
A intenção do orador não possui mais autoridade do que a interpretação do ouvinte.
A idéia de um indivíduo autônomo é um mito. O indivíduo é também uma construção
cultural programada por seu lugar em relação ao poder. A idéia de uma natureza humana
universal é também um mito, ela é construída pelas forças que se considera serem o
caminho certo; portanto, ela é branca, ocidental, masculina e heterossexual. Estas são
algumas ideias centrais do pós-modernismo que sobreviveram. No mundo acadêmico, o
pós-modernismo é largamente afirmado como tendo morrido, mas a maioria de vocês
reconhecerá estas ideias nos estudos acadêmicos de justiça social e no ativismo que vemos
hoje. ​Isso porque elas não se extinguiram, elas evoluíram​.
Nem todos acreditam que o pós-modernismo tenha sobrevivido até os dias de hoje ou
que a justiça social seja fundamentalmente um movimento pós-moderno, mas são fatos. A
primeira onda do pós-modernismo desapareceu em meados dos anos 80. Foi muito forte e
também sem objetivo, niilista, na verdade. Podemos pensar nisso como a fase alta
desconstrutivista do pós-modernismo. Era irônica e pessimista, brincalhona e bastante
desesperançosa. Quebrou tudo, mas uma vez que estavam em pedaços por todo o chão,
não havia muito mais que se pudesse fazer. Não havia confiança na possibilidade de
reconstrução, pois isso só produziria novas estruturas de poder opressivas.
No entanto, no final dos anos 80, uma nova geração de acadêmicos de esquerda
havia surgido e estavam inclinados a não serem tão sem rumo, nem pessimistas. Nessa
época, os movimentos de direitos civis tinham começado a mostrar retornos decrescentes.
Em 20 anos, tinha se dado um enorme avanço na igualdade, ironicamente, essa era a
mesma época em que os pós-modernistas originais diziam que era hora de desistir do mito
do progresso, mas as mulheres tinham ganho controle sobre sua reprodução, leis de
igualdade salarial tinham sido aprovadas, legislação semelhante, criminalização de
discriminação com base em raça, homossexualidade masculina tinha sido descriminalizada
com igualdade legal amplamente obtida, o que restava era que atitudes preconceituosas
fossem abordadas. Naturalmente, o pós-modernismo era perfeito para isso, ou quase. Assim
como a primeira onda de pós-modernistas tinha se fundido todos de uma só vez de
diferentes disciplinas, o mesmo aconteceu com a onda seguinte no final dos anos 80.
Na verdade, o pós-colonialismo surgiu pouco antes disso, como um ramo do
pós-modernismo. Ele foi liderado pelo foucaultiano Edward Sayid, que argumentou que o
Ocidente tinha construído o Oriente como seu inferior para se construir em nobres termos.
Ele disse que era hora dos povos anteriormente colonizados reconstruírem o Oriente para si
mesmos. Gayatri Spivak e Homi Bhabha seguiram seus passos, embora fossem mais
Derrideanos. Tendo adotado seu desespero com relação à capacidade da linguagem de
transmitir significado, eles são em grande parte incompreensíveis. Entretanto, o objetivo de
reconstruir tinha começado.
Em 1989, superando estudos jurídicos críticos e a teoria racial crítica, Kimberlé
Crenshaw começou a desenvolver seu conceito de interseccionalidade. Ela descreveu isso
como política contemporânea ligada à teoria pós-moderna. Crenshaw percebeu que o
construtivismo cultural do pós-modernismo era útil no que diz respeito a gênero e raça como
construções culturais. Mas devia haver alguma realidade objetiva para que alguém
conseguisse alguma coisa, a existência de construções culturais opressivas em torno do
gênero e da raça foi decidida para ser o que era objetivamente real. Além disso, o
liberalismo, como alegou ela, era inadequado, apesar das provas maciças de que era, de
fato, muito bem sucedido. O liberalismo era universal demais para ser politicamente
produtivo e era hora de um foco mais intenso na política de identidade. Naquele mesmo ano,
Mary Pavan estava tentando conciliar as abordagens desconstrutivistas com o feminismo.
Como Crenshaw, ela argumentou que os métodos eram úteis, mas eles precisavam ser um
reconhecimento de uma realidade objetiva. Como podemos defender a igualdade para as
mulheres a menos que as mulheres sejam uma categoria de pessoas que existe
objetivamente? Ela defendeu uma abordagem de caixa de ferramentas na qual as técnicas
pós-modernas seriam usadas quando úteis e não quando não o são.
Enquanto isso, na expansão dos estudos sobre gays e lésbicas, Judith Butler afirmava
que na verdade as mulheres não precisam ser uma categoria de pessoas que existe
objetivamente. Na verdade, afirmar que as categorias existem objetivamente é o problema.
Nasceu a teoria do queer. Ela se baseou amplamente no trabalho de Foucault e pode-se
afirmar que é a mais pura forma de pós-modernismo atualmente existente. Entretanto, a
teoria queer evitou o destino de se desconstruir até chegar ao esquecimento tornando a
desconstrução de categorias uma forma de ativismo. A teoria ​queer6 reifica a ​queerness7 e
toda uma gama de identidades ​queer​, mas desconstrói qualquer coisa normativa. Dessa
forma, sente-se as pessoas que não se encaixam no ‘homens masculinos atraídos por
mulher’ ou ‘mulheres femininas atraídas por homem’ não sentem a pressão para fazer isso.
Podemos simplesmente desconstruir todas essas categorias de uma vez.
Assim como aquele pós-modernismo tinha se tornado energizado e politicamente
acionável, chamamos essa fase de pós-modernismo aplicado. Já não estava mais
desconstruindo a realidade e negando a existência de uma verdade objetiva, era agora
objetivamente verdade que a realidade social era culturalmente construída por sistemas
específicos de poder. O pós-modernismo agora tinha metas. Ele reconhecia e justificava
explicitamente seu distanciamento dos pós-modernistas originais, muitas vezes alegando
que eles eram homens brancos privilegiados que tinham pouca necessidade de efetuar
mudanças no mundo.
Essa nova forma de pós-modernismo era muito mais amigável. Consequentemente,
ela poderia quebrar os limites da Academia da mesma forma que o pós-modernismo original
não poderia. A esquerda radical moribunda o adotou por esta razão. Enquanto grande parte
da teoria pós-colonial e da teoria queer permanecia incompreensível para o leigo, a teoria
racial crítica e o feminismo interseccional foram escritos em linguagem bastante clara desde
o início. Isto se deve provavelmente à sua base na teoria do direito e não na filosofia, assim o
ativismo pela igualdade de gênero e racial foi capaz de se basear em suas ideias.
A teoria crítica da raça está fundamentada em fortes linhas de pesquisa desenvolvidas
por estudiosos liberais, humanistas e marxistas, que apontaram que a identidade branca
havia sido formada às custas da identidade negra. É essencial notar que a Teoria Crítica da
Raça é originalmente um fenômeno americano e a evidência de que a América era uma
sociedade racialmente dividida com negros como cidadãos de segunda classe até muito
recentemente é indiscutível. No entanto, com sua recente descida à análise do discurso
pós-moderno e às concepções de sociedades inteiramente sustentada por sistemas de
supremacia branca operando de formas misteriosas, a teoria crítica da raça tornou-se

6
Para a teoria ​queer​, discriminação de gênero não é a exclusão de mulheres pelo patriarcado, mas a exclusão
de não-heterossexuais por normas heterossexuais.
7
O termo, intraduzível para o português, designa a “essência” de ser ​queer,​ como para nós a masculinidade se
refere ao masculino e a feminilidade ao feminino.
bastante perturbadora. Ela ameaça desfazer muito do progresso que tem sido feito com
relação à igualdade racial. O uso de métodos que assumem que o racismo está presente em
qualquer interação entre uma pessoa branca e uma pessoa de minoria racial resulta em
sempre encontrá-lo e em reforçar ainda mais a crença em uma supremacia branca sempre
presente.
As coisas que foram listadas como micro agressões racistas incluem: elogiar uma
pessoa negra por sua eloquência, dizer que você não vê as pessoas em termos de raça ou
que você acredita que a melhor pessoa para um trabalho deve conseguir isso. É claro que
este é um campo minado. É claro que as pessoas mais afetadas por serem treinadas para ler
tudo dessa maneira são as minorias raciais. Greg Lukianoff e Jonathan Haidt descrevem
todo este método como uma forma de terapia cognitivo-comportamental reversa. A terapia
cognitivo-comportamental ensina as pessoas a não problematizar e a não colher significados
negativos em tudo. Isto diminui a ansiedade e melhora o desempenho de alguém no mundo.
O pós-modernismo aplicado treina as pessoas a fazer exatamente o contrário: ele não ajuda
porque aumenta a ansiedade e diminui a capacidade de desempenho. Lukianoff e Haidt
fornecem muitas provas de que é isso que está acontecendo. Um padrão semelhante surgiu
dentro do feminismo, onde, novamente, tudo é visto em termos deste sistema oculto de
patriarcalismo, que se esconde sob uma superfície benigna. O trabalho das feministas é
detectá-lo. É improvável que passar pela vida a detectar maneiras pelas quais os homens
estão menosprezando você leve ao empoderamento feminino. Ensinar às jovens mulheres
que a sociedade é hostil a elas, provavelmente não vai aumentar o engajamento das
mulheres com a esfera pública. Uma maneira pela qual a compreensão pós-moderna das
estruturas ocultas de poder funciona na sociedade é ver tudo em termos de escala. Tenho
certeza de que alguns de vocês já viram algumas dessas imagens de pirâmides onde, na
parte inferior, você tem ‘pedir café a uma mulher ou elogiá-la’ e na parte superior ‘estupro e
assassinato’, porque isso é entendido como um grande sistema de cultura patriarcal de
estupro.
As suas manifestações são vastas e cada vez mais tortuosas. Isto tem em grande
parte a ver com o que tem acontecido na academia nos últimos trinta anos, desde o início e
diversificação de vários tipos de teoria. Quando uma linha de pesquisa é fechada à crítica
externa, como estas teorias geralmente têm sido, e quando a evidência e a razão não são
necessárias em primeiro lugar, um corpo de trabalho pode rapidamente se tornar bastante
desarranjado. O que aconteceu nos últimos trinta anos é que os conceitos foram construídos
sobre conceitos que levam a uma montanha gigantesca de Teoria, nenhuma das quais
jamais nasceu muito relacionada à realidade.
Um estudioso escreve um artigo argumentando pela existência de privilégios brancos,
Peggy McIntosh. Ela faz algumas boas observações, mas afirma que ser simplesmente
branca confere grandes benefícios a um indivíduo sem nenhuma consideração de classe ou
riqueza.
Essa ideia “pega” e os teóricos da raça se baseiam nela até que esteja bem
estabelecida. Então, outra estudiosa, Barbara Applebaum, leva-a um passo adiante. Ela
argumenta que o Privilégio Branco permite aos brancos escapar do racismo, porque eles
podem se absolver de seu privilégio, reconhecendo-o. Por isso, agora precisamos de outro
conceito para colocar em cima disso, que é a Cumplicidade Branca, na qual os brancos
nunca podem se absolver de sua responsabilidade pelo racismo, mas estão implícitos nele,
simplesmente por existirem. Portanto, esta idéia é aceita e se constrói sobre ela.
Então outra estudiosa, Robin DiAngelo, leva isto ainda mais longe. O Privilégio Branco
e a Cumplicidade Branca ainda são conceitos centrais para seu trabalho, mas ainda há um
problema, porque alguns brancos discordam deles. Precisamos agora da Fragilidade Branca
para completar essa lacuna. A Fragilidade Branca é quando os brancos respondem a quem
lhes diz que são privilegiados e cúmplices do racismo, fazendo uma de três coisas: discordar,
ficar calado ou ir embora, ou seja, a única maneira de não ser frágil é ficar exatamente onde
está e concordar. Isto não é ciência. Isto é uma armadilha de Kafka8. Simplesmente não há
maneira válida de discordar desta concepção de sociedade, de moderá-la, de qualificá-la, de
concordar com algumas delas, de apontar problemas, só se deve concordar. Também é
notável que a linguagem de Robin DiAngelo seja tão simples e clara que poderia ser lida e
compreendida por uma criança de dez anos. Ela também fala em termos de certeza
absoluta. Isto também tem acontecido ao longo do tempo nas outras teorias, mesmo na
teoria do queer e na teoria pós-colonial. O tipo de escrita que era famosa e incompreensível
há décadas atrás tornou-se muito mais clara e segura de si mesma. À medida que os
estudos produzidos cresceram e os estudiosos foram capazes de indicar a qualquer um que
discordasse deles um crescente referencial teórico, a confiança desse campo em sua própria
retidão cresceu. Enquanto os primeiros pós-modernos falaram em termos de dúvida radical e
os pós-modernistas aplicados permaneceram hesitantes e levantaram questões na forma de
perguntas para evitar fazer afirmações contestáveis, os atuais estudiosos estão
absolutamente convencidos da verdade objetiva de sua visão de mundo. Esta nova fase de
absoluta certeza, clareza e recusa de aceitar o desacordo como qualquer outra coisa que
não seja um desejo de negar privilégios começou há cerca de 10 anos e tem se intensificado
rapidamente desde 2015. Essas ideias originais dos primeiros pós-modernistas são agora
um credo sagrado, de que não se pode duvidar. Ouça estes princípios fundamentais
desenvolvidos por um grupo de ativistas acadêmicos, incluindo Robin DiAngelo. Foi lido na
Conferência Nacional de Raça e Pedagogia da Universidade de Puget Sound, em 2015.

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O termo "armadilha de kafka" descreve uma falácia lógica que é popular no feminismo de gênero, políticas
raciais e outras ideologias de vitimismo. Ele ocorre quando você é acusado de um crime de pensamento como
sexismo, racismo ou homofobia. Você responde com uma negação honesta, a qual é usada como confirmação
adicional de sua culpa.
● O racismo existe hoje tanto nas formas tradicionais quanto nas modernas.
● O racismo é um sistema institucionalizado, com múltiplas camadas e múltiplos níveis
que distribui poder e recursos desiguais entre pessoas brancas e pessoas de cor,
como socialmente identificadas, e beneficia desproporcionalmente os brancos.
● Todos os membros da sociedade são socializados para participar do sistema de
racismo, embora em locais sociais variados. ​(Lembre-se de nossas tábulas com
diferentes versões da história).
● Todos os brancos são beneficiados pelo racismo, independentemente de suas
intenções.
● Ninguém escolheu ser socializado no racismo, portanto ninguém é mau, mas ninguém
é neutro.
● Não agir contra o racismo é apoiar o racismo.
● O racismo deve ser continuamente identificado, analisado e desafiado. Esse trabalho
é sempre inacabado.
● A questão não é "O racismo ocorreu?", mas "Como o racismo se manifestou nessa
situação?". O ​status quo racial é confortável para a maioria dos brancos. Portanto,
qualquer coisa que mantenha o conforto dos brancos é suspeita.
● Os oprimidos racialmente têm uma visão mais íntima por meio do conhecimento
experimental do sistema racial do que seus opressores raciais, mas eles não são
maus. Entretanto, os professores brancos serão vistos como tendo mais legitimidade.
Portanto, a posicionalidade deve ser intencionalmente engajada. ​(Você deve sempre
mencionar sua raça, gênero e sexualidade, e como isso impacta no que você está
dizendo).​
● A resistência é uma reação previsível à educação anti-racista e deve ser abordada de
forma explícita e estratégica.
Este é um credo, estas são declarações de absoluta certeza e de conhecimento
objetivo. Portanto, chamamos esta etapa de pós-modernismo reificado. De certa forma, este
último desenvolvimento é altamente alarmante, lê-se como um chamado às armas. É
facilmente compreensível para qualquer jovem idealista que queira consertar o mundo e sua
presença é mais forte nas Universidades onde eles se encontram. De outra forma, esta nova
clareza, confiança e certeza é exatamente o que nós precisamos para dar um contra-golpe.
Podemos chegar a essas ideias agora. Não é preciso “ter um doutorado” para entender as
reivindicações e contrariá-las. Por muito tempo, a construção desse tipo de estudo foi
tornada possível porque a grande maioria das pessoas não sabia do que se estava falando.
Mesmo os liberais não sabiam do que se estava falando. Os acadêmicos liberais em outros
campos não sabiam do que se estava falando.
A maioria esmagadora das pessoas que contra-atacaram eram conservadoras. Os
liberais assumiram que porque estava a serviço da justiça social devia ser uma coisa boa e
algo liberal, e se os conservadores não gostavam, provavelmente era as duas coisas. Agora
está ficando cada vez mais claro que não é uma coisa boa ou uma coisa liberal. Os liberais
podem agora contra-atacar mantendo completamente seus princípios liberais. Em minha
palestra desta tarde, vou sugerir que podemos fazer isso analisando os princípios centrais da
justiça social, reconhecendo o quanto dela é bom e o quanto está indo mal, como podemos
fazer melhor.
Obrigado.

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