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SEMINÁRIO MAIOR ARQUIDIOCESANO DE BRASÍLIA NOSSA SENHORA

DE FÁTIMA

Renato Vieira da Silva

SÍNTESE:
TEOLOGIA ESPIRITUAL - ESPIRITUALIDADE

BRASÍLIA / DF
2023
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 3
2. DEFINIÇÃO E NATUREZA DO TRATADO ........................................................................ 3
3. OBJETO E FINALIDADE DO TRATADO ............................................................................ 4
3.1. Fins da Vida Cristã ....................................................................................................... 4
3.1.1. A glória de Deus, fim último e absoluto da vida cristã ............................................. 5
3.1.2. A santificação da alma, fim próximo e relativo da vida cristã ................................. 6
4. A VIDA ESPIRITUAL ................................................................................................................ 7
4.1. Graça Habitual ou Santificante .................................................................................... 8
4.2. A Graça atual ................................................................................................................. 9
4.3. As virtudes infusas ......................................................................................................... 9
4.4. Os dons do Espírito Santo ........................................................................................... 10
4.5. Os frutos e as Bem aventuranças................................................................................ 11
5. ESPIRITUALIDADE E ESPIRITUALIDADES ................................................................... 12
5.1. Espiritualidade no singular e espiritualidades no plural ......................................... 13
6. OS FUNDAMENTOS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ ................................................ 14
6.1. Fundamento Trinitário ................................................................................................ 14
6.1.1. Fundamento Pneumatológico ................................................................................. 15
6.2. Fundamento Cristológico ............................................................................................ 15
6.3. Fundamento Eclesiológico ........................................................................................... 16
6.4. Fundamento Mariológico ............................................................................................ 16
7. AS FONTES DA TEOLOGIA ESPIRITUAL ....................................................................... 17
7.1. Sagrada Escritura ........................................................................................................ 17
7.2. A Tradição e o Magistério da Igreja .......................................................................... 17
7.3. A razão iluminada pela Fé .......................................................................................... 18
8. A DIREÇÃO ESPIRITUAL ..................................................................................................... 18
9. CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 19
1. INTRODUÇÃO

Todo homem é chamado à perfeição a semelhança do Pai que é perfeito (Cf. Mt. 5,48),
pois a vontade de Deus é a sua santificação (Cf. Its. 4,3), por isso “uma das maiores obrigações
de um cristão, para sê-lo verdadeiramente, é a de aspirar com seriedade ao pleno
desenvolvimento de sua vida sobrenatural iniciada no Batismo” (MARÍN, 2018, p. 21),
buscando a perfeição da vida cristã, pois, “a vida interior [...] é, em nós, algo mais profundo e
de mais necessário que a vida intelectual e cultural das ciências, que a vida artística e literária,
que a vida social ou política” (LAGRANGE, 2018, p.2), já que voltando ao seu interior, em
busca da Verdade e do Bem, o homem encontra a Deus, vencendo o egoísmo próprio por amor
à Ele.
No decorrer da história, vários nomes foram dados a esta ciência. Segundo Royo Marín:
Não há uniformidade de critério entre os autores para designar a ciência da perfeição
cristã com um nome comum. Alguns falam de vida interior; outros de vida espiritual
ou vida sobrenatural; outros de teologia espiritual ou teologia espiritual ascética e
mística; outros de ascética e mística ou teologia ascética e mística; e finalmente, outros
de perfeição e contemplação. (MARÍN, 2020, p.37)

Hoje em dia contudo, entre os nomes adotados o que mais se utiliza atualmente é o de
Teologia espiritual, por ter se tornado a denominação mais comum por conter expressamente
que se trata de uma disciplina teológica e que o seu objeto direto é a espiritualidade cristã.

2. DEFINIÇÃO E NATUREZA DO TRATADO

Dada a importância que tem a Teologia Espiritual por tratar da intima relação do homem
com Deus, dois elementos básicos são necessários serem considerados: Deus e o homem,
mesmo que de modo indireto, para dar uma definição mais adequada do que vem a ser esse
tratado. Diante disso, alguns autores propuseram algumas definições da Teologia da Perfeição
ou Teologia Espiritual.
O pe. Garrigou-Lagrange (2018, p. 9) diz a Teologia Espiritual “é sobretudo um
desenvolvimento do tratado sobre o amor de Deus e do tratado sobre os dons do Espírito Santo,
[...] para conduzir às almas à união divina”.
Para Adolphe Tanquerey que a chama de “ciência dos santos” ou “ciência espiritual”
vai dizer que é a “arte da perfeição, por ter como fim conduzir as almas à perfeição cristã”
(2017, p. 38).

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Mas é sobretudo Royo Marín que cunha, ao extrair os elementos substanciais dessas
diversas definições propostas por grandes autores, a definição mais completa do que vem a ser
a Teologia Espiritual, que ele chama de mística, propondo a seguinte definição:

É aquela parte da sagrada teologia que, baseando-se nos princípios da divina relação
e nas experiências dos santos, estuda o organismo da vida sobrenatural, explica as leis
do seu progresso e desenvolvimento, e descreve o processo que seguem as almas
desde o início da vida cristã até o ápice da perfeição.” (MARÍN, 2020, p. 21)

Tal definição deixa claro que também o tratado da perfeição cristã não é uma realidade
separa ou distinta da teologia, mas parte de um todo uno, que tem como fonte primordial a
revelação divina e a aplicação concreta desta realidade na experiência daqueles que trilharam
esse caminho de perfeição. Ressalta ainda o conhecimento e o aprofundamento dos dados
revelados como o fundamento da vida sobrenatural e o seu desenvolvimento e progresso nas
almas dos cristãos do início até a sua consumação.

3. OBJETO E FINALIDADE DO TRATADO

Partindo da natureza própria do que vem a ser esse tratado, se deduz o seu objeto que
está intimamente ligado com a finalidade da Ascética e Mística. Segundo Tanquerey (2017, p.
37) “o objeto próprio da Teologia Ascética e Mística é a perfeição da vida cristã”; e nesse
sentido a sua finalidade própria “é expor a doutrina da perfeição cristã em toda a sua amplitude
e extensão” (MARÍN, 2020, p. 37), tendo em vista apresentar e fazer conhecer os meios para
alcançar tal perfeição, uma vez que eles são especificados pelo seu fim, para a maior glória de
Deus e apara a salvação das almas.

3.1. Fins da Vida Cristã

O pe. Adolphe Tanquerey nos lembra que toda a vida do homem está sempre em busca
de se aperfeiçoar, e tal realidade se dá na medida em que se aproxima do seu fim. É fundamental
então que o homem saiba onde quer chegar, qual o fim que pretende alcançar. Ora, uma vez
que o homem busca sempre a Verdade e o Bem, e nessa busca só a encontra em Deus, a
perfeição absoluta só se dará na íntima união com Deus, que só será plena na visão beatifica no
céu. Aqui na terra então, o homem só alcançará uma perfeição relativa, por meio da busca
incessante da união íntima com Deus, que dispõe e prepara o sujeito para a visão beatífica (Cf.
TANQUEREY, 2017, p. 37).

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Daí podemos então identificar qual é o fim da vida cristã, e, portanto, também o fim da
teologia espiritual, que se apresenta em duas modalidades diferentes: “um fim último ou
absoluto e outro próximo ou relativo. O primeiro é a glória de Deus; o segundo, nossa própria
santificação” (MARÍN, 2020, p. 52), deixando claro também o elemento da missão, ou seja,
qual é a missão do homem.

3.1. A glória de Deus, fim último e absoluto da vida cristã

No que se refere a glória de Deus, se pode distinguir n’Ele uma dupla realidade, isto é,
uma glória intrínseca fruto de sua vida íntima que proporciona a si mesmo na relação que possui
no seio da Trindade, onde o Pai conhecendo a si mesmo gera o Filho, que é a expressão do
conhecimento de Deus sobre si, que ao contemplarem-se, amam-se infinitamente com um amor
divino, resultando deste modo o Dom Incriado, que é o resultado do amor de Deus por si mesmo
(Cf. TRESE, 1999, p. 28).
É exatamente “este conhecimento e amor de si mesmo, este louvor eterno e incessante
que Deus prodigaliza a si mesmo no mistério incompreensível de sua vida íntima, [que]
constitui a glória intrínseca de Deus, rigorosamente infinita e completa” (MARÍN, 2020, p. 52),
glória está que somente o próprio Deus pode dar a si mesmo e que nenhum ser existente possa
acrescentar n’Ele, afinal, “Deus é infinitamente bem-aventurado em si mesmo e em
absolutamente nada necessita das criaturas, pois estas não podem aumentar a sua felicidade
íntima.” (MARÍN, 2020, p. 53).
Mas, mesmo que as criaturas não acrescentem nada à Deus, por causa de seu Amor, e
sendo Ele, o sumo Bem, realidades estas que tendem sempre a expandir, Ele cria todas as coisas,
comunicando “suas infinitas perfeições às criaturas, intentando, com isso, sua própria glória
extrínseca” (MARÍN, 2020, p. 53), pois, “o mundo foi criado para glória de Deus [...] não para
aumentar a sua glória, mas para a manifestar e para a comunicar” (CEC. 293). Nota-se que
Deus, ao realizar a obra admirável da criação, não buscou a sua própria utilidade, mas quis, por
seu amor imenso, unicamente comunicar-lhes e a sua bondade infinita, já que “a glória de Deus
está em que se realize esta manifestação e esta comunicação da sua bondade, em ordem às quais
o mundo foi criado” (CEC. 294).
É, portanto, a glória da Santíssima Trindade, o fim último e absoluto de tudo o que existe
e de toda a vida cristã, onde, “absolutamente nada deve prevalecer diante dela, nem sequer o
desejo da própria salvação e santificação, que deve vir em segundo lugar, como o meio mais

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certo para lograr plenamente aquela” (MARÍN, 2020, p. 55), “pois a glória de Deus é o homem
vivo, e a vida do homem é a visão de Deus [...]. O fim último da criação é que Deus Pai, criador
de tudo, tornar-se-á 'tudo em todos' (1 Cor 15, 28), procurando, ao mesmo tempo, a sua glória
e a nossa felicidade” (CEC. 294).

3.2. A santificação da alma, fim próximo e relativo da vida cristã

“Depois da glorificação de Deus, e perfeitamente subordinada a ela, a vida cristã tem


por finalidade a santificação da nossa própria alma” (MARÍN, 2020, p. 55), uma vez que Deus,
em sua infinita bondade, além de sua própria glória, “criou livremente o homem para fazê-lo
participar de sua vida bem-aventurada [...]. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a
amá-lo com todas as forças” (CEC.1). Em outras palavras, depois de O ter adorado e
glorificado, este Deus “de infinita majestade, inclina-se para nós como o pai mais amante para
seu filho e convida-nos a amá-lo, a dar-lhe o nosso coração” (TANQUEREY, 2017, p. 89).
Ainda segundo TANQUEREY (2017, p. 90) “este amor levar-nos-á, pois, à imitação da
Adorável Trindade”, realidade está que se inicia com o Batismo, que é a “porta de entrada da
vida cristã, [e que] semeia em nossas almas uma ‘semente de Deus’: a graça santificante
(MARÍN, 2020, p. 55), fazendo de nós “filhos adotivos de um Pai infinitamente santo, templos
vivos do Espírito Santo” (TANQUEREY, 2017, p. 90). E diante dessa realidade, o próprio
Filho, Jesus Cristo, nos propõe um ideal de perfeição, ao chamar cada homem a ser perfeito,
como o Pai Celeste é perfeito (Cf. Mt. 5, 48).
Aquele germe divino, colocado em nossas almas, “é chamado a desenvolver-se
plenamente, e essa plenitude [...] é, definitivamente, a santidade” (MARÍN, 2020, p. 55) a qual
todos os homens são chamados. E uma vez que “somos filhos adotivos do Pai, e que Ele vive
em nossa alma, para nela imprimir a sua imagem e colaborar em nossa santificação,
compreenderemos que nobreza obriga e que é um ver aproximar-nos incessantemente das
divinas perfeições” (TANQUEREY, 2017, p. 90).
Está santidade de vida, segundo Royo Marín (2018, p. 19-20), baseando-se nas Sagradas
Escrituras, nos Santos Padres da Igreja e os grandes místicos, consiste:
a) Em nossa plena configuração com Cristo, em nossa plena cristificação;
b) Na perfeição da caridade, ou seja, na perfeita união com Deus pelo amor;
c) Em viver de uma maneira cada vez mais plena e experimental o mistério inefável da
inabitação trinitária em nossas almas;

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d) Na perfeita identificação e conformidade de nossa vontade humana à vontade de
Deus.
Sintetiza muito bem o pe. Tanquerey (2017, p. 91) ao concluir que “a vida cristã
consiste, antes de tudo, numa união íntima, afetuosa e santificante com as três divinas
Pessoas”, fonte e origem, meta e fim de nossas vidas.

4. A VIDA ESPIRITUAL

A vida espiritual, também chamada de vida interior ou vida sobrenatural do cristão,


desde o seu nascimento no Batismo, é chamada a crescer e a desenvolver-se, mediante àquela
semente da graça divina semeada na alma de cada batizado, tendo em vista o chamado universal
à perfeição da vida cristã feita a cada indivíduo de modo integral.
Essa vida espiritual consiste “em uma generosa tendência da alma para Deus, na qual,
pouco a pouco, o diálogo íntimo de cada um consigo mesmo se eleva, se transforma, e se torna
um diálogo íntimo da alma com Deus” (LAGRANGE, 2018, p.57). Está vida cristã “não é e
não pode ser outra coisa senão uma consequência, uma derivação, uma ressonância analógica
em nós da própria vida de Cristo” (MARÍN, 2020, p. 517), uma vez que esta vida supõe o estado
de graça, e “Cristo é para nós a fonte única de nossa vida sobrenatural” (MARÍN, 2018, p.69),
pois é somente d’Ele que nos vem toda e qualquer graça sobrenatural.
De modo sintético então, a vida sobrenatural, nas palavras de Royo Marín (2018, p. 69),
“em sua raiz fundamental, consiste na graça santificante, que nos dá uma verdadeira e real
participação da natureza mesma de Deus”, pois ela “eleva-nos ao plano divino, dando-nos uma
participação física e formal na natureza mesma de Deus” (MARÍN, 2020, p. 569).
Contudo, “a graça santificante não é imediatamente operativa [isto é], não obra, não faz
nada por si mesma” (Ibdem.), sendo necessário para isso a colaboração individual do sujeito
com está graça para que ela possa produzir os frutos esperados. É para isso que “Deus previu e
dotou a alma de todos os elementos necessários para que ela possa realizar atos sobrenaturais
[...]; infunde na alma uma série de energias sobrenaturais capazes de produzir os atos
sobrenaturais correspondentes a essa vida divina” (Ibdem.), ou seja, “desta graça [santificante]
derivam as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo, que aperfeiçoam as nossas faculdades
e nos dão o poder imediato de praticar atos deiformes, sobrenaturais e meritórios”
(TANQUEREY, 2017, p. 91).
Abordemos então, a modo de síntese, cada um desses elementos.

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4.1. Graça Habitual ou Santificante

Segundo o Catecismo da Igreja Católica (nª. 2000) a graça santificante é “um dom
habitual, uma disposição estável e sobrenatural para aperfeiçoar a própria alma e torna-la capaz
de viver com Deus, agir por seu amor, [isto é], disposição permanente para viver e agir
conforme o chamado divino”. Deus, para elevar o homem à participação na sua condição divina,
infunde na alma de cada pessoa humana, está graça, para fazê-lo participar de sua vida intima
e de sua natureza divina, elevando a vida cristã natural à uma vida essencialmente sobrenatural.
Ela é chamada de santificante “porque santifica realmente a todo aquele que tenha a
felicidade de possuí-la” (MARÍN, 2018, p. 70); é chamada de habitual porque é “a graça que
permanece em nossa alma [ou seja], é um dom que fica: é qualidade inerente à alma”
(BOULENGER, 2021, P.25). A graça santificante “é como um enxerto divino recebido na
própria essência de nossa alma para sobrelevar sua vitalidade e leva-la a produzir, não mais
apenas frutos naturais, mas frutos sobrenaturais, atos meritórios que merecem para nós a vida
eterna” (LAGRANGE, 2018, p.59).
É importante ressaltar que, fazendo-nos participantes da natureza divina, não significa
que faz de nós iguais a Deus, “mas unicamente seres deiformes, semelhantes a Deus; dá-nos,
não a vida divina em si mesma, que é essencialmente incomunicável, senão uma vida
semelhante à de Deus” (TANQUEREY, 2017, p. 93).
Uma vez recebido tal graça no Batismo, e devolvida a nós no Sacramento da Penitência,
quando temos a infeliz sorte de perdê-la por causa do pecado mortal, dela deriva e se desenvolve
na alma de cada cristão as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo, “que constituem, com
a raiz da qual procedem, o nosso organismo espiritual ou sobrenatural” (LAGRANGE, 2018,
p.60).
Conclui-se então, que existem três condições referentes a graça santificante, na qual
somo s chamados a cumpri-los em vista da perfeição da vida cristã: “primeiro, que a
conservemos permanentemente até o fim; segundo, que a recuperemos imediatamente se a
perdemos pelo pecado mortal; terceiro, que procuremos crescer em graça, com a ânsia de quem
vê o céu como meta” (TRESE, 2014, p. 95). Não são condições fáceis de realizar, mas que deve
ter de nossa parte um comprometimento sincero, nos afastando da sedução do mundo e do
pecado. E se por desventura, perdemos tão preciosíssimo dom, o próprio Deus concede ao
homem auxílios especiais, para mover a alma em busca da recuperação da graça santificante,
que são as graças atuais.

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4.2. A Graça atual

A graça atual é “um movimento sobrenatural de Deus, ao modo de qualidade fluida e


transitória, que dispõe a alam a obrar ou receber algo em vista da vida eterna” (MARÍN, 2020,
p. 582). Ela está sempre em vista a obra da santificação e a salvação da alma, sendo, portanto,
“um socorro transitório que Deus concede à alma, para ajudá-la a evitar o mal e praticar o bem”
(BOULENGER, 2021, p. 14).
Conforme Leo Trese, diante da realidade da perda da graça santificante por causa do
pecado mortal, a graça atual age nas faculdades da alma – inteligência e vontade – afim de
iluminar a mente do pecador para que veja e reconheça o mal que fez, dele se arrependa por
meio de um ato de contrição e procure o mais breve possível o Sacramento da Penitência, para
recobrar a graça santificante que havia perdido (Cf. TRESE, 2014, p. 96-97).
De acordo com Royo Marín (2018, p. 74) a graça atual é “um auxílio sobrenatural
interior e transitório com que Deus ilumina o nosso entendimento e a nossa vontade para
realizar atos sobrenaturais procedentes das virtudes infusas ou dos dons do Espírito Santo”.
Nesse sentido, o próprio autor vai afirmar que as graças atuais possuem três funções ou ofícios,
a saber:
a) “dispõem a alma para receber a graça santificante e os hábitos operativos infusos;”
b) “servem para agir sobre eles quando já estão em união com a graça habitual [...]
acarreta o aperfeiçoamento dos hábitos infusos e, [...], o crescimento e desenvolvimento de toda
a vida sobrenatural;”
c) “evitar que os hábitos infusos desapareçam da alma por causa do pecado mortal.”
(MARÍN, 2020, p. 585).

4.3. As virtudes infusas

Outra realidade de dispõe o cristão para o crescimento e aperfeiçoamento na sua vida de


santidade, “consiste na prática e exercício cada vez mais perfeito das virtudes cristãs,
sobrenaturais ou infusas” (MARÍN, 2018, p. 79). São chamadas de infusas, porque assim como
a graça santificante e atual, não são adquiridas por parte do esforço pessoal, baseado na
repetição dos atos, mas porque são infundidos pelo próprio Deus na alma de cada cristão.
Vale relembrar que “virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite
à pessoa não só praticar atos bons, mas dar o melhor de sim. [...] Tende ao bem, o procura e o
escolhe na prática. O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus” (CEC. 1803).
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Com essa noção em mente, as virtudes infusas então são “hábitos operativos infundidos
por Deus nas potências da alma, para dispô-las a obrar sobrenaturalmente segundo o ditame da
razão iluminada pela fé” (MARÍN, 2020, p. 571). E aqui duas realidades se destacam: o
primeiro pelo fato de como essas virtudes podem ser adquiridas sobrenaturalmente, somente
pela infusão divina; o segundo, mesmo que o objeto material é o mesmo das virtudes naturais,
se distinguem pelo seu objeto forma, ou motivo sobrenatural, que é o amor a Deus e segue os
ditames da razão iluminada pela fé.
Quanto ao número, as virtudes infusão são muitos, mas podemos dividi-las em dois
grupos: virtudes teologais e virtudes morais infusas. “As teologais [...] são unicamente três: fé,
esperança e caridade. As morais se subdividem em cardeais – que são unicamente quatro:
prudência, justiça, fortaleza e temperança – e potenciais ou derivadas dos cardeais, que são
muitas” (MARÍN, 2018, p.81)
Não há dúvidas que as virtudes infusas contribuem para que possamos viver e agir de
modo sobrenatural, vivendo a própria vida divina da graça, contudo, não em toda a sua força e
perfeição, fazendo-se necessário o auxílio dos dons do Espírito Santo, que inclusive
aperfeiçoam as próprias virtudes infusas, elevando a vida na graça à toda a sua grandeza e
perfeição.

4.4. Os dons do Espírito Santo

Quando falamos dos dons do Espírito Santo, podemos falar em sentido amplo e em
sentido próprio e restrito. Quando se fala em sentido amplo, “tudo quanto recebemos de Deus
são dons do Espírito Santo” (MARÍN, 2017, p. 119 e quando falamos em sentido próprio e
restrito, falamos de “certos hábitos sobrenaturais infundidos por Deus nas almas juntamente
com a graça santificante e as virtudes infusas.” (Ibdem.).
Tratando especificamente em sentido restrito, podemos definir os dons do Espírito Santo
como “hábitos sobrenaturais infundidos por Deus nas potências da alma para receber e auxiliar
com facilidade as moções do próprio Espírito Santo ao modo divino e sobre-humano” (MARÍN,
2017, p. 122). Nota-se, que nesse sentido, os dons, assim como as virtudes infusas, são
“qualidades ou disposições infusas permanentes” (LAGRANGE, 2018, p. 86), e, portanto,
“coincidem genericamente com as virtudes infusas que sempre acompanham, mas seu
mecanismo e funcionamento são completamente diferentes” (MARÍN, 2020, p.574).

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A diferença se encontra no fato de que as virtudes aperfeiçoam o homem na medida em
que elas são guiadas pela razão iluminada pela fé, enquanto que nos dons, é “o próprio Espírito
Santo, usando-os como seus instrumentos diretos e imediatos” (MARÍN, 2020, p.574), que os
regulam e governam, tornando “o homem prontamente dócil às inspirações divinas”
(LAGRANGE, 2018, p. 86).
Além de fazer com que o homem se torne “capaz de receber prontamente a inspiração
divina” (LAGRANGE, 2018, p. 85), os dons do Espírito Santo tem a finalidade de “ajudar as
virtudes infusas em casos imprevistos e graves, nos quais a alma não poderia lançar mão do
discurso lento e pesado da razão” (MARÍN, 2020, p. 576), e acima de tudo “sem serem mais
perfeitos que as virtudes teologais e sobretudo que a caridade, aperfeiçoam o exercício de todas
elas” (TANQUEREY, 2017, p. 101), “dando-lhes a modalidade divina própria dos dons, muito
superior à atmosfera ou modo humano a que têm que se submeter quando os controla e regula
a simples razão natural iluminada pela fé” (MARÍN, 2020, p. 576).
Tendo em vista a dupla finalidade dos dons, é que se nota a necessidade dessas
perfeições infusas, tanto para a salvação, quanto para a própria perfeição cristã. Diante da
realidade das tentações violentas e súbitas, “os dons são necessários para a salvação da alma e
agem sem falta em todos os cristãos em graça se a alma não se tornar indigna deles” (Ibdem.);
no segundo aspecto, isto é, em relação à perfeição das virtudes, os dons “são absolutamente
indispensáveis para alcançar a perfeição cristã” (Ibdem.)
Baseando-se na versão grega dos Setenta, como na Vulgata Latina do texto de Isaías
11,1-3, se enumera os dons do Espírito em Santo em sete, onde “cada um deles tem como
missão direta e imediata a perfeição de uma das setes virtudes fundamentais (teologias e
cardeais)” (MARÍN, 2020, p. 577). A saber: o dom de Sabedoria, de Entendimento, de Ciência,
de Conselho, de Piedade, de Fortaleza, e de Temor de Deus, que aperfeiçoam, respectivamente:
a virtude da Caridade, da Fé (tanto o Entendimento quanto a Ciência), da Prudência, da Justiça,
da Fortaleza, e por fim da Esperança e da Temperança (ambas pelo dom de Temor).

4.5. Os frutos e as Bem aventuranças

Quando a alma do cristão deixa-se mover pela ação divina dos dons, e corresponde a
esta moção fielmente, “Aquele que nos enxertou na verdadeira vida nos fará produzir os frutos
do Espírito” (CEC. 736), isto é, “atos excelentes de virtude que podem ser comparados aos
frutos sazonados de uma árvore” (MARÍN, 2017, p. 132). Segundo o Catecismo da Igreja

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Católica (nª. 1832) “os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós
como primícias da glória eterna”.
Os frutos do Espírito podem ser muitos, mas baseado em São Paulo (Cf. Gl. 5, 22-23)
“a Tradição da Igreja enumera doze: caridade, alegria, paz, paciência, longanimidade, bondade,
benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência, castidade” (CEC. 1832).
“Mais perfeita ainda que os frutos são as bem-aventuranças evangélicas” (MARÍN,
2017, p. 133) que, assim com os frutos, também são atos de perfeição que procedem tanto das
virtudes infusas como dos dons, “mas são tão perfeitos que deve-se atribuí-los aos dons, mais
do que às virtudes” (Ibdem.). Segundo o Catecismo, “as bem-aventuranças respondem ao
desejo natural de felicidade [...] e desvendam o objetivo da existência humana, o fim último dos
atos humanos” (CEC. 1718-1719).
É no Sermão do Senhor na Montanha (Cf. Mt. 5, 3-10) que são apresentadas as oito
Bem-Aventuranças evangélicas: “pobreza de espírito, mansidão, lágrimas, fome e sede de
justiça, misericórdia, pureza de coração, paz e perseguição por causa da justiça” (MARÍN,
2017, p. 133).

5. ESPIRITUALIDADE E ESPIRITUALIDADES

Todo cristão é chamado a viver segundo o espírito (Cf. Rm. 8, 9) que é “um viver
segundo Deus que informa toda a conduta do cristão: os seus pensamentos, desejos e obras
ajustam-se ao que o Senhor pede dele em cada instante e realizam-se sob o impulso das moções
do Espírito Santo” (NAVARRA, 1990, p. 576). A espiritualidade então, consiste exatamente
nesse modo de viver segundo o espírito, ou ainda, pode-se dizer que consiste na “vida de Deus
em nós ou a vida de Jesus em nós” (TANQUEREY, 2017, p. 81).
Chamada também de vida sobrenatural ou ainda vida interior, a espiritualidade consiste
em “uma participação da vida divina, conferida pelo Espírito Santo que habita em nós, em
virtude dos méritos de Jesus Cristo, a qual devemos cultivar contra as tendências opostas”
(Ibdem.). Ou ainda “é a vida do próprio Jesus Cristo em mim, pela fé, pela esperança e pela
caridade” (CHAUTARD, 2017, p. 22), o que envolve uma resposta fundamental e um processo
sincero e permanente de conversão e crescimento à pessoa de Jesus ao ponto de ter em si mesmo
os mesmos pensamentos e sentimentos de Cristo (Cf. Fl. 2, 5).
Uma vez que essa vida no espírito consiste exatamente na vida da própria Trindade que
habita cada alma, então a espiritualidade cristã “se baseia na Revelação cristã tal como é

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transmitida: na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição” (SANTOS, 2019, p. 42), isto é, “a
espiritualidade cristã se apoia de forma integral e essencial na doutrina de Jesus,
complementada com a de seus Apóstolos imediatos” (MARÍN, 2019, p. 15), o que nos permite
então afirmar que a espiritualidade cristã diz respeito a viver os valores do Evangelho, de Cristo,
do Espírito Santo.
É, enfim, “utilizar os dons divinos, para vivermos em Deus e para Deus, para vivermos
em união com Jesus, imitando-o” desenvolvendo a vida da graça que brota da ação permanente
do Espírito Santo, em cada circunstância concreta do dia a dia, pois “temos a obrigação de o
fazer crescer por meio dos atos meritórios e da fervorosa recepção dos sacramentos”, até que a
nossa alma e o nosso coração possa reclinar e descansar sob aquilo que é o essencial.

5.1. Espiritualidade no singular e espiritualidades no plural

O termo espiritualidade hoje, é empregado para designar uma diversidade de modos de


vida no Espírito, mas é preciso lembrar que “existe apenas uma espiritualidade cristã”
(SANTOS, 2019, p. 42), pois sua fonte e origem é única, já que “há um só Corpo e um só
Espírito [...], há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos” (Ef.
4, 4-6).
É por isso que a vida cristã é radicalmente uma só, e desse modo também “é sempre a
mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e,
obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre,
humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória” (LG. 41).
Portanto, “a espiritualidade cristã-católica é uma só se considerarmos sua substância, a
santidade, e os meios fundamentais para nela crescer” (SANTOS, 2019, p. 43).
Contudo, nesta única espiritualidade cristã, há também uma diversidade de
espiritualidades particulares, baseado no modo em que cada cristão vive aquela única vida no
Espírito, pois, “as modalidades de santidade são múltiplas e, portanto, as espiritualidades são
diversas. Uma espiritualidade comum e várias espiritualidades peculiares que são acentos de
algo na espiritualidade comum” (Ibdem.).
Nota-se então que há “uma só fonte, uma só meta, mas diversos carismas, situações,
ministérios, condições e itinerários” (Ibdem.), fazendo com que “assim como há diversos
modos de viver a única espiritualidade cristã, também há diversos caminhos e cada batizado

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pode optar por aquele ao qual se sinta chamado por Deus, que mais lhe convenha, segundo suas
necessidades e inclinações. E nesse sentido podemos distinguir as espiritualidades em:

de época (medieval, barroca, etc, de estado de vida (ativa, contemplativa, matrimonial,


familiar, etc.), de dedicação principal (cuidado dos pobres, dos doentes, dos jovens,
etc.), de missões (ad gentes, operários, intelectuais, profissionais de uma área
específica, etc.), de tarefas e ministérios, de escola (beneditina, carmelita, franciscana,
etc). (SANTOS, 2019, p. 43-44).

Mas no fim, apesar dessa gama de realidades diferentes, os cristãos são impulsionados
pela única vida que é Jesus Cristo.

6. OS FUNDAMENTOS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

Toda a vida espiritual está embasada em um fundamento ou motivo cristológico,


trinitário, pneumatológico, eclesiológico e mariano.

6.1. Fundamento Trinitário

Como já vimos, a perfeição cristã consiste em uma participação verdadeira e real da


vida divina, por meio da graça santificante. Ora, se torna claro então, que somente o próprio
Deus é que pode nos conferir tal realidade. Consequentemente, esta graça habitual, “leva
sempre consigo, inseparavelmente, outra realidade absolutamente divina e incriada, que não é
outra coisa senão o próprio Deus, uno e trino, que vem inabitar no fundo de nossas almas”
(MARÍN, 2017, p. 91).
Tal realidade é atesta nas Sagradas Escrituras, ao afirmar que aquele que ama e guarda
a palavra do Verbo, o Pai o amará e ambos farão morada nele (Cf. Jo. 14, 23), se tornando deste
modo o cristão em templo de Deus, na qual o Espírito Santo habita (Cf. Icor. 3, 16-19). E deste
modo, “a Santíssima Trindade contribui para a nossa santificação de duas maneiras: vem habitar
em nossa alma, e produz nela um organismo sobrenatural, que sobrenaturalizando esta alma,
lhe permite fazer atos deiformes” (TANQUEREY, 2017, p. 83).
Daí que a inabitação trinitária em nossas almas nos faz “participantes de sua vida íntima
divina” (MARÍN, 2017, p. 97), o que “não é nos mais que uma participação, “consortes”, uma
semelhança, uma assimilação que faz de nós, não deuses, mas seres deiformes”
(TANQUEREY, 2017, p. 85); e para nos dar a plena possessão de Deus e o gozo fruitivo das
divinas pessoas” (MARÍN, 2017, p. 101), o que é fundamental para a nossa vida espiritual.
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6.1.1. Fundamento Pneumatológico

Pode se falar também de um fundamento pneumatológico por apropriação da inabitação


trinitária, uma vez que a vida da graça é uma obra comum da Santíssima Trindade, e “por ser
uma ad extra, atribui-se, contudo, especialmente ao Espírito Santo, por ser uma obra de amor”
(TANQUEREY, 2017, p. 83).
E habitando em nossa alma, o Espírito Santo age de modo ativo e operante, “para
desdobrar nela uma atividade vivíssima, orientada a aperfeiçoá-la de grau em grau e conduzi-
la, se ela não colocar obstáculos a sua divina ação, até os cumes mais elevados da união com
Deus, em que consiste a santidade” (MARÍN, 2017, p. 113); em outras palavras, esse Dom
Incriado, habita em nossas almas e dá-se todo a nós, “para nós podermos cumprir os deveres
para com Ele, gozar de sua presença e deixar-nos conduzir por Ele com docilidade, a fim de
alcançarmos as disposições e virtudes de Jesus Cristo” (TANQUEREY, 2017, p. 83).
A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade conduz e realiza em nós em perfeição cristã,
infundindo na alma de cada justo a graça santificante e os hábitos sobrenaturais infusos, as
virtudes e os dons do Espírito Santo.

6.2. Fundamento Cristológico

Sendo Cristo o único caminho que leva ao Pai (Cf. Jo. 14,6), todo cristão deve ter como
modelo da perfeição da vida cristã nesta única meta que é o próprio Cristo, de modo que “toda
a preocupação do cristão deve consistir em viver a vida de Cristo, em incorporar-se a Ele, em
deixar circular em suas veias, sem a menor resistência, a seiva vivificadora de Cristo” (MARÍN,
2020, p. 74).
Jesus realiza um papel profundamente essencial na vida espiritual de cada cristão, pois,
segundo Tanquerey, Ele é a causa meritória e exemplar da nossa vida espiritual, é a Cabeça de
um Corpo Místico e fonte de vida.

Pelos seus méritos, Jesus reconquistou os nossos direitos à graça e à glória; pelos seus
exemplos, mostra-nos como devemos viver, para nos santificarmos e merecermos o
céu; mas é, antes de tudo, a cabeça de um corpo místico de que nós somos os membros;
é, pois, a causa meritória, exemplar e vital da nossa santificação (TANQUEREY,
2017, p. 106).

É deste modo, e é por isso, que cada cristão levará a cabo o chamado de Deus à
santificação de cada homem, por meio de sua configuração intima e pessoal com Jesus Cristo.

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6.3. Fundamento Eclesiológico

Uma vez que a Igreja é o Corpo Místico de Cristo (Cf. Cl. 1, 18; Icor. 12, 12-23), e
portanto, Sacramento Universal de Salvação (Cf. CEC. 849), “ela completa e encerra o ciclo da
obra salvífica de Deus com relação ao homem e estabelece o ponto de partida e de nosso retorno
a Deus” (MARÍN, 2020, p. 99).
É também, por conseguinte, fundamento necessário para aquela vida perfeita à qual
todos são chamados, pois “ninguém pode se salvar sem estar vinculado a ela de alguma
maneira” (MARÍN, 2018, p. 317). Uma vez que a vida no espírito requer a íntima união com o
Deus Uno e Trino, que age em nós nos santificando pelo Espírito, por meio da perfeita imitação
do Filho, inclui deste modo a participação nesta Sociedade Perfeita que é o Corpo Místico do
Senhor, na qual “a esta sociedade da Igreja estão incorporados plenamente aqueles que,
possuindo o Espírito de Cristo, aceitam a totalidade de sua organização e todos os meios de
salvação nela estabelecidos, e em seu corpo visível estão unidos com Cristo” (Ibdem.).
Estando unido a Cristo, está também unido a Igreja, onde inclusive, encontramos todos
os meios ordinários e necessários para uma autêntica vivência cristã da doutrina evangélica e
da vida espiritual.

6.4. Fundamento Mariológico

Por fim, ainda no que se refere aos fundamentos da vida espiritual, “não se pode tratar
da ação de Cristo, mediador universal, sobre seu Corpo místico, sem falar também da influência
de Maria Medianeira” LAGRANGE, p. 143), que desempenha um papel tão importante em
nossa vida espiritual, já que foi “constituída Mãe dos homens” (TANQUEREY, 2017, p. 117),
e como “mãe espiritual de todos os homens deve dar-lhes a vida espiritual [...] moralmente,
pelo mérito de conveniência (LAGRANGE, 2018, p. 150).
Não há dúvidas de que “Maria é, simplesmente, o caminho mais curto e seguro para
chegar a Cristo, e por Ele ao Pai, e nisso está contido toda a nossa santidade” (MARÍN, 2020,
p. 89). A devoção a Ela, constitui assim, algo fundamental na vida de todo e qualquer cristão,
pois, Deus mesmo “quis associar de tal modo Maria na obra divina da redenção e santificação
do gênero humano que, na atual economia, sem ela, não seria possível conquista-las” (Ibdem.)
E ela cooperou nesta obra redentora de seu Filho, desde o seu “fiat” livre até a
consumação; “mas foi sobretudo ao pé da Cruz que Maria cooperou com o sacrifício de Cristo,

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unindo-se a ele pela satisfação ou reparação e pelo mérito, mais intimamente do que se poderia
exprimir” (LAGRANGE, 2018, p. 147)
Por fim, se a vida espiritual consiste também na imitação de Jesus Cristo, depois d’Ele,
“Maria é o maior belo modelo que é possível imitar [pois] o Espírito Santo que, em virtude dos
merecimentos de seu Filho, nela vivia, fez dela uma cópia viva das virtudes desse Filho”
(TANQUEREY, 2017, p. 118).

7. AS FONTES DA TEOLOGIA ESPIRITUAL

Visto que a Teologia Espiritual é um dos ramos da Sagrada Ciência, também ela possuiu
as mesmas fontes comuns a toda a teologia.

7.1. Sagrada Escritura

Segundo Royo Marín (2020, p. 47) “os livros inspirados proporcionam os princípios
fundamentais sobre os quais deve ser construída a teologia da perfeição”; mesmo que não
encontremos neles a síntese da teologia espiritual, encontramos, contudo, riquíssimos
conteúdos soba forma de “doutrinas especulativas sobre Deus; [...] uma doutrina moral
composta de preceitos e conselhos; [...] orações para nos alimentar a piedade e a vida interior;
[...] exemplos que nos arrastam à prática da virtude” (TANQUEREY, 2017, p. 43).

7.2. A Tradição e o Magistério da Igreja

A Tradição “é outra fonte primária da teologia em todas as suas partes, que vem
completar o depósito da divina revelação contido nas Sagradas Escrituras” (MARÍN, 2020, p.
47), “transmitindo-nos verdades que não estão contidas nesta, e ademais interpreta-a de uma
maneira autêntica” (TANQUEREY, 2017, p. 44).
Para Marín (2020, p. 47) a Tradição “conserva-se e se manifesta autenticamente pelos
ensinamentos da Igreja, seja por seu Magistério solene (definições dogmáticas, símbolo e
profissão de fé), seja pelo seu Magistério ordinário, exercido sobretudo pelos ensinamentos e
pregações dos pastores da Igreja”.

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7.3. A razão iluminada pela Fé

O homem, que por natureza é um ser racional, pode chegar ao conhecimento da verdade,
tanto natural como sobrenatural, por meio deste dom dado por Deus, que é a razão natural.
Contudo, os princípios fundamentais para o estudo da espiritualidade são verdades reveladas, é
preciso que a razão natural seja “guiada e aperfeiçoada pelas luzes da fé” (TANQUEREY, 2017,
p. 45), “uma vez que é preciso deduzir as conclusões virtualmente contidas nos princípios”
(MARÍN. 2020, p. 47), e “aplicar os princípios e regras gerais a cada pessoa em particular”
(TANQUEREY, 2017, p. 46), tendo em vista a integralidade e a totalidade de cada indivíduo.

8. A DIREÇÃO ESPIRITUAL

Uma vez que o caminho da santidade está repleto de dificuldades, “a direção espiritual
é moralmente necessária para alcançar a perfeição cristã” (MARÍN, 2018, p. 43), pois ela é um
grande auxílio “para adquirir virtudes e extirpar defeitos, e, principalmente, de crescimento na
intimidade com Deus e cumprimento de sua vontade” (SANTOS, 2019, p. 23), certos de que
“todos são chamados à santidade, e a direção espiritual é um meio excelente de resposta a esse
chamado divino” (Ibdem. p. 34). Podemos dizer, como definição que:

A direção espiritual é a ajuda dada por um cristão (diretor) a outro (dirigido), ajuda
essa que capacita o dirigido a prestar atenção à comunicação pessoal de Deus com ele,
a responder a esse Deus pessoalmente comunicante, a aumentar a sua intimidade com
Ele e a viver as consequências desse relacionamento (SANTOS, 2019, p. 28).

Da própria definição se que “o objetivo da direção espiritual consiste principalmente em


ajudar a discernir os sinais da vontade de Deus” (Ibdem.), ou seja, “assinalar às almas o
verdadeiro caminho que devem percorrer progressivamente, desde o começo da vida espiritual
até os cumes mais elevados da união íntima com Deus” (MARÍN, 2018, p. 42).
Visto que a direção espiritual fala da ajuda dada por um diretor, convém dizer que “o
diretor espiritual é o sacerdote encarregado de conduzir uma alma até a santidade ou perfeição
cristã” (Ibdem. p. 46), ressaltando sobretudo, que não é uma exclusividade única e própria de
quem recebeu o grau da Ordem para o sacerdócio, mas pessoas maduras na fé, de oração e com
boa formação intelectual; “é aquele a quem se abre a alma, e que desempenha a função de
mestre, de médico, de amigo que acompanha pela vida, de bom pastor nas coisas que se referem
a Deus” (SANTOS, 2019, p. 38).

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Nesse sentido, o diretor espiritual deve ser sábio, discreto, experimentado, discreto,
versado nas ciências dogmáticas e moral, ascética e mística, vida espiritual, intensa piedade,
zelo ardente pela santificação das almas, grande bondade e suavidade de caráter, profunda
humildade, profundo desinteresse e desprendimento (Cf. MARÍN, 2018, p. 47-54).
Por outro lado, o dirigido é “toda pessoa que, aspirando seriamente à perfeição cristã,
se colocou voluntariamente sob o regime e o governo de um diretor espiritual” (Ibdem. p. 55).
Para que a direção espiritual possa cumprir com maior êxito possível o seu objetivo, além das
qualidades do diretor, exige também algumas qualidades e deveres dos dirigidos, que podemos
dividir em duas categorias (Cf. Ibdem, p. 57 – 61):
a) Com relação à própria direção: o dirigido tenha plena sinceridade e abertura de
coração, plena docilidade e obediência, perseverança e discrição absoluta;
b) Com relação ao diretor: tenha o dirigido, respeito, confiança e amor sobrenatural.

9. CONCLUSÃO

Diante do apelo incessante de Deus à que sejamos santos, o tratado a Teologia Espiritual,
que tem por finalidade própria expor a doutrina da perfeição cristã em toda a sua extensão,
apresentando inclusive os meios para isso, mostra-nos também, que é um dever moral de cada
cristão responder com sinceridade e se esforçar ao máximo no caminho da configuração total à
Cristo, rumo a santidade de vida. Mas para que cada cristão possa atingir e realizar tais meios,
é preciso que conheçam, não meramente no âmbito intelectual ou ideal, mas que uma vez
conhecendo possam amar e fazer uma experiência profunda de mudança de vida, pois cabe a
cada cristão desenvolver a graça recebida no Batismo até chegar à idade adulta.

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