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Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília Nossa Senhora de Fátima

Disciplina: Síntese Dogmática Professor: Pe. Hélio Cordeiro


Aluno: Diác. Luís Eduardo Santos do Nascimento
SÍNTESE DE TEOLOGIA DOGMÁTICA
TRATADO DE ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA (GRAÇA)
Diác. Luis Eduardo Santos do Nascimento

1. INTRODUÇÃO
O tratado da graça é o ápice e o ponto culminante de toda a teologia cristã, visto que, é o
tratado onde vemos a participação do homem na vida divina. Nesta síntese abordaremos os
temas que permeiam o tratado da graça, mas sem procurar entrar a fundo nas questões aqui
levantada. Por mais que existam temas que exigiriam muito tempo de explicação, aqui
tentaremos conceituar o problema, apresentar a doutrina da Igreja e partir para o próximo,
visto que, não é o intuito esgotar os assuntos aqui levantados. Portanto, a proposta é mostrar
de forma simples e de fácil entendimento os temas aqui abordados.

2. DEFINIÇÃO DA GRAÇA
2.1 Definição profana
Graça em seu sentido profano significa “um favor concedido gratuitamente”1, outro
significado de graça no sentido profano é em relação a alguma “qualidade, prenda, que torna
amável, interessante”2. Ainda pode ser entendida como um indulto, ou seja, quando uma
pessoa recebe como punição a morte e na hora da execução o executor desiste de fazer a
sentença.

2.2 Definição teológica


Dentro da definição teológica de graça podemos recorrer primeiro a sagrada escritura. Na
Sagrada Escritura podemos falar de graça (χάριϛ, gratia) em sentido objetivo e sentido
subjetivo. No sentido subjetivo: “o sentimento de condescendência, de benevolência que tem
uma pessoa mais elevada com respeito a outra de condição inferior; e em particular, a que
Deus tem com o homem (gratia = benevolência); cf. Gn 30,27; Lc 1,30.”3. Em sentido

1
BOULENGER, 2021, p. 12
2
Idem
3
OTT, 1962, p. 342. (Tradução nossa para todas as citações da presente obra).
objetivo graça significa “o dom gratuito (gratia = beneficium o donum gratis datum), que
procede desse sentimento de benevolência. O dom, como tal, é o elemento formal; cf. Rm
11,6”4. Pode-se ainda ter o significado de “encanto, atrativo; cf. Sl 45,3; Pr 31,30”5, e ainda de
“agradecimento pelos benefícios recebidos; cf Lc 17,9; ICor 10,30”6.
No sentido teológico graça significa “um dom sobrenatural que Deus, por sua livre
benevolência, concede a uma criatura racional para sua eterna salvação”7. Ao tratar da sua
definição é importante citar as causas da graça, a causa eficiente principal e instrumental,
causa meritória, a causa final primária e secundária:

A causa eficiente principal da graça é a Santíssima Trindade; a causa eficiente instrumental


é a humanidade de Cristo e os sacramentos; a causa meritória da graça dispensada à
humanidade caída, é o Deus-Homem Jesus Cristo por razão de sua obra redentora; a causa
final primária é a glorificação de Deus; e a causa final secundária é a salvação eterna do
homem.8

2.3 Definição clássica de Graça


A graça é um dom de Deus do qual recebemos gratuitamente para a nossa salvação, mas
para precisar essa definição vamos usar a definição de Boulenger e as explicações de cada
termo da definição clássica de graça: “A graça é um dom sobrenatural que Deus nos outorga
por causa dos méritos de Jesus Cristo, como meio que nos leve à eterna bem-aventurança.”9 A
graça é um dom pois é uma oferta gratuita que não nos é devida, é sobrenatural, pois, está
relacionada com a glória do paraíso, sendo assim, “a graça é o meio, o céu é o fim. Ora, a
felicidade celestial ultrapassa as exigências de qualquer criatura”10, ou seja, sobrenatural. Nos
é outorgada po Deus, pois só Ele pode nos conceder o que só Ele possui. Por causa dos
méritos de Cristo “o qual se ofereceu na cruz mesmo com este propósito, como Redentor e
restaurador da primitiva justiça”11. Como meio que nos leve à eterna bem-aventurança, “para
conseguirmos a felicidade do céu, há só um meio”12.
2.4 A divisão da Graça
2.4.1 Graça incriada e graça criada
A graça incriada é o favor de Deus, ou seja, é a bondade que existe em Deus. Segundo
Ludwig Ott, a graça incriada “é Deus mesmo, como Ele predeterminou em seu amor desde

4
Idem, p. 343.
5
Idem
6
Idem
7
Idem
8
Idem
9
BOULENGER, 2021, p. 13
10
Idem
11
Idem
12
Idem
toda a eternidade os dons da graça, em quanto se tem comunicado a si mesmo (graça de união)
na encarnação a humanidade de Cristo.”13 A graça criada consiste nos dons e nos efeitos
produzidos em nós pelo favor que Deus nos concede, “ o ato da união hipostática, da
inabitação e da visão beatífica de Deus é, por certo, uma graça criada, pois teve começo no
tempo.”14

2.4.2 Graça do criador e graça do redentor


A graça de Deus, ou a graça do criador, é aquela concedida por Deus a Adão e Eva no
paraíso terrestre, com graça do estado original. A graça do redentor é aquela que cura o
homem caído em pecado, ou seja, é a graça que Deus nos concede em Jesus Cristo. Esta graça
eleva o ser humano a um novo estado de existência (elevans)e, além disso, cura as feridas
pelo pecado (sanans).

2.4.3 Graça interna e externa


A graça externa está ordenada a graça interna, esta constitui sempre o fim próprio de cada
graça. Concretamente,a graça externa pode ser, por exemplo, uma pregação que nós
escutamos, um conselho que recebemos, um bom exemplo que vemos, etc. A graça interna é
“quando Deus influi diretamente na inteligência e na vontade: pensamentos bons, santos
desejos, resoluções piedosas”15.

2.4.4 Graça data e faciens


A graça data é a graça concedida não em vista da própria pessoa que a recebe, mas em
função de outros, por exemplo, os carismas concedidos pelo Espírito Santo a fim de que a
pessoa possa exercer os diversos serviços e tarefas na edificação da Igreja. A graça faciens é a
graça concedida a todos os seres humanos, em vista da santificação pessoal. Com esta graça a
pessoa torna-se agradável a Deus (gratum), é preparada para a santificação pessoal ou é
formalmente santificada (sanctificans).

2.4.5 Graça atual e habitual


A graça atual é uma influência sobrenatural transitória de Deus na alma, para o
cumprimento de um ato salutar que tem como fim a aquisição da graça santificante ou a

13
OTT, 1962, p. 344
14
Idem
15
BOULENGER, 2021, p. 15
conservação e aumento desta. A graça habitual é uma qualidade sobrenatural inerente à alma,
uma disposição estável e permanente da alma, que santifica internamente o homem e o torna
justo e aceitável a Deus. Também é chamada de graça santificante, graça justificante, graça
deificante.

2.4.6 Graça illuminationis e inspirationis


É a graça atual enquanto ilumina nossa inteligência (illuminationis) ou que move nossa
vontade (inspirationis) a fim de nos auxiliar na realização de todos os atos salvíficos.

2.4.7 Graça praeveniens, operans, concomitans, cooperans e subsequens


Trata-se das várias graças atuais, sempre necessárias para vencermos o mal e realizar o
bem. Assim, temos a graça preveniente (praeveniens), que nos dispõe ao ato bom; temos a
graça que nos ajuda a realizar o ato bom (concomitans, cooperans); e temos também a graça
que nos dá a constância, ou seja, que sustenta nossa perseverança no bem (subsequens).

2.4.8 Graça sufficiens e efficax


A graça que recebemos de Deus é sempre suficiente, ou seja, nos dá sempre a capacidade
para realizar o ato salvífico. Esta graça suficiente torna-se eficaz quando realizamos, de fato, o
ato salvífico que devemos cumprir.

3. GRAÇA NO ANTIGO E NOVO TESTAMENTO


A graça no AT aparece como favor, mas o seu significado completo só virá no NT com a
vinda de Jesus Cristo. A graça aparece como um favor de Deus para o seu povo, as vezes
pode ser entendida como dom que Deus dá, como deu para os profetas, e o favor quem dá
também é Deus, mesmo que o povo peça quem dá é Deus. A graça em Deus pode ter vários
significados, pode ser a misericórdia que se interessa pela miséria (hen), pode ser a justiça
inesgotável (sedeq) entre outros significados. A manifestação da graça de Deus se dá através
da gratuidade, p.e, a terra que Deus dá ao povo de Israel, o alimento e entre coisas, é
importante dizer que essa gratuidade de Deus não precisa de um fim, ele dá porque ama. Deus
age aqui principalmente a favor do seu povo eleito, as demonstrações da graça de Deus em
favor de seu povo é eminente na história de Israel desde a saída do Egito até a chegada na
terra prometida, no envio dos juízes, dos profetas e nas intervenções diretas, buscando que seu
povo volte a comunhão com Ele. No AT a palavra graça aparece 190 vezes, com vários
significados ( hén, ráson, rahamin, oiktirmós, splanchnal, bammeh, biglal e haláq). Todas
esses significados entra em contexto em um particular evento na história do povo de Israel,
seja com os profetas, seja com o povo, seja com os juízes, Deus sempre distribui os seu
favores, a sua graça. Aqui destaco a palavra hén que designa a atuação de Deus, lembremos
aqui de Noé, Davi e tantos outros que Deus atuava por meio deles, até mesmo os castigos ao
povo de Israel era visto como ação da graça de Deus. A literatura sapiencial destaca a graça
como recompensa pelas obras, renúncia, recompensa pela fidelidade e a graça do martírio
como vimos na família dos Macabeus, a literatura sapiencial nos mostra uma teologia da
graça mais elaborada em relação ao pentateuco.
Entretanto, no NT temos a graça em sua forma final, vamos dizer assim. No NT a palavra
graça aparece 155 vezes, menos que no AT, principalmente, nas cartas paulinas que aparece
100 vezes. A graça no Evangelhos Sinóticos e nos Atos dos Apóstolos, nos Evangelhos
vemos que quem usa a palavra graça é Lucas, mas sempre relacionada a Jesus e a Maria, em
relação a Jesus como uma recompensa escatológica e em referência as palavras de graças de
Jesus mostrando características de Jesus como sua autoridade e sua valentia de sua
predestinação. Já em relação a Maria temos o termo agraciada como principal novidade
dogmática. Nos Atos a graça aparece como força de Deus aos apóstolos em sua missão.
No Evangelho de João a graça aparece somente no prólogo e somente 4 vezes, e seu
principal conceito é de graça como cháris. Já o apóstolo Paulo entende graça como a
recapitulação da ação salvífica de Deus em Jesus Cristo, apresenta também uma antítese entre
a graça e a lei, e tudo o que se desdobra dessas duas, vemos em vários textos: Rm 3,21-31;
4,2-25; 5,15-21; 6,12-23; 11,5s; 2Cor 1,12; Gl 2,21; Gl 5,1-6. Paulo determina que a graça é
algo dado por Deus e que ela age na debilidade humana. Essa graça (charízomai) recebida é
um dom gratuito de Deus, esse dom gratuito culmina em seu Filho Jesus Cristo.
Em geral a graça de Deus se revelou em Jesus Cristo, e isso é ato da generosidade divina,
na pessoa de Cristo vemos o dom supremo do Pai, todos os atos de Jesus em favor do homem
demonstra a misericórdia e a ternura de Deus pelo seu povo, que agora não é somente Israel,
mas todos aqueles que ouvem e praticam a Palavra de Deus. Outra característica bem notável
é a gratuidade da graça, e os diferentes tipos de efeitos que ela tem, p. e,em determinadas
Igrejas, como na Macedônia e nos Filipenses que vivem a generosidade e o apostolado,
respectivamente, isso mostra também os carismas que Deus concede ao homem em favor dos
homens. E a última característica da graça de Deus é a fecundidade 1Cor 15,10, a graça
produz no homem um novo jeito de ver a Jesus Cristo, dá uma vida nova, uma vida de
seguimento a Jesus Cristo, e todo cristão vive esse chamado a graça, isso promove no homem
atos de amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, não se trata de força própria do homem, mas que
auxilia mandando sua graça. Para Paulo era clara essa visão da fecundidade da graça na vida
dele, Paulo se tornou um novo homem quando deixou que a graça de Nosso Senhor Jesus
Cristo penetrasse nele, assim a graça deu frutos na vida de Paulo.

3.1 Graça em São Paulo


São Paulo fala da redenção do homem tendo em vista a justificação do pecador, vemos isso
em dois livros de São Paulo, na Carta aos Romanos e na Carta aos Gálatas, mas não significa
que ele não aborde o tema nos outros livros paulinos. São Paulo fala que através do pecado, o
ser humano perdeu a justiça e a santidade original, sendo assim o homem deixou de se amigo
de Deus e passou a ser seu inimigo. O único meio de o homem recuperar a possibilidade de
aproveitar desígnio salvífico de Deus é através do Evangelho da graça:

Somente mediante o Evangelho da graça o ser humano é de tal modo interpelado por Deus e
preenchido de tal sorte pelo Espírito de Deus, que ele pode, na fé, em conexão com a
obediência de Cristo, acolher a justiça doada por Deus e realizar plenamente a esperança e o
amor (cf. Gl 5,6)16

O modo como Deus nos justifica é através de Jesus Cristo, no texto de Rm 3,23-26, São
Paulo nos fala que somos justificado em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus. Assim
nos explica Müller sobre a justificação em São Paulo:

A justiça mediante a qual Deus nos justifica em sua livre graça chega ao ser humano em
Jesus Cristo. Por nós, Deus o fez pecado (2Cor 5,21). Em seu sangue, ou seja, na obediência
até a morte na cruz (Fl 2,8), Cristo realizou aquela expiação que o cuidado gracioso de Deus
para com o ser humano e a acolhida de Deus na obediência da aliança possibilitam. Por
meio de sua obediência substitutiva, Cristo tornou-se a origem da aptidão de todos para a
acolhida, no coração, da graça salvífica no Espírito.17

A justificação não é pura e simplesmente o cumprimento legalista da lei, mas por meio da
fé como um puro dom da graça. O homem justificado em Cristo “tornou-se nova criatura
diante de Deus (2Cor 5,17; Gl 6,15; Rm 6,4) chamado a ‘participar da natureza e da imagem
de seu filho’ (Rm 8,29)”.18 Além disso há outros benefícios daqueles que são justificados em
Cristo:
“Nele habita o Espírito de Deus” (Rm 8,9). “A lei do pecado e da morte” já não tem poder
sobre aquele que vive em Cristo e no Espírito Santo. Ele vive sob a “lei do Espírito e da
vida”, que o libertou em Cristo (Rm 8,2). Libertados pelo Cristo para a liberdade, os que
creem em Cristo pode, “aguardar a esperada justiça em virtude do Espírito e em razão da fé”
(Gl 5,1.5). Viver na graça do Espírito Santo (Gl 5,25) significa “ter fé, que age pela

16
MÜLLER, 2019, p. 547
17
Idem
18
Idem
caridade” (Gl 5,6). O fruto do Espírito é: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei” (Gl 5,22).19

3.2 Graça em São João


A graça em São João se apresenta com uma comunhão com Deus, para São João a
natureza da graça pode ser resumida deste modo: “Ora, a vida eterna é esta: que eles te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo”20. A graça é
comunhão com Deus, e esta comunhão é entendida como koiononia do Pai, do Filho e do
Espírito, mas é em Jesus Cristo que os discípulos tem acesso a essa graça:

Em Jesus Cristo, os discípulos reconheceram a Palavra do Pai encarnada e contemplaram a


glória do Filho único do Pai cheio de graça e de verdade (cf. Jo 1,14). Como luz, vida e
verdade, Jesus Cristo é a graça de Deus em pessoa e em sua história humana. Da autodoação
de Deus no Filho encarnado provém o dom que consiste no poder de “tornar-se filhos de
Deus” (Jo, 1,12).21

Sendo a graça comunhão com Deus, ela é “comunicada através da Palavra de Cristo e de
seu Espírito, que dá vida (Jo 6,63) e por meio do batismo” 22. Quem está em comunhão com
Deus, crer Nele e no seu Filho tem a vida eterna (Jo 6,40).

4. A GRAÇA ATUAL
Já definimos o que é graça atual, mas dentro do tratado da graça não podemos ficar sem
explorar, um pouco que seja, esta tão rica definição. Seguiremos aqui a definição de
Boulenger: “A graça atual é um socorro transitório que Deus concede à alma, para ajudá-la a
evitar o mal e a praticar o bem na ordem da salvação.”23 A definição de Boulenger nos fará
abordar vários temas complicados e importantes dentro do tratado da graça, como a
necessidade da graça e o livre arbítrio.
Boulenger segue um caminho bem didático ao explicar cada termo da definição de graça:

A graça atual é: - a) socorro transitório. É auxílio da hora, prestado numa ocasião certa,
e não propriedade inerente à alma; - b) que Deus concede à alma, ou, querendo, às
faculdades da alma. 1. Pode ser um fulgor que nos ilumina o espírito: são jorros de luz
que se projetam na inteligência e manifestam a clareza da verdade... 2. Pode ser impulso,
excitação da vontade. Esta recebe, da graça atual, orientação firme nos rumos da
salvação. É impelida a trilhar a estrada real, e, se for dócil, haure alentos sobrenaturais
que a amparam e animam. - c) Para ajudá-la a evitar o mal e a praticar o bem, na
ordem da salvação. Quer nos alumie a mente, quer nos mova o coração, sempre a graça

19
MÜLLER, 2019, p. 548
20
Jo 17,3
21
MÜLLER, 2019, p. 546
22
Idem
23
BOULENGER, 2021, p. 14
atual se propõe desviar-nos do mal, isto é, do pecado, e promover o nosso bem, isto é,
obras de salvação.24

A graça atual tem dois modos, segundo Boulenger, ela pode ser interior e exterior, interior,
quando Deus influi diretamente na inteligência e na vontade e exterior quando é indireto este
influxo de Deus para a nossa santificação. Pode-se apresentar a hora em que a graça atual
aparece em socorro, essa poder ser proveniente, ou antecedente, ou excitante, concomitante
ou coadjuvante e subsequente. Ainda apresenta-se os efeitos da graça, que pode ser suficiente
e eficaz.
4.1 Necessidade da graça atual
Iremos abordar agora a necessidade da graça, faremos um caminho de primeiro mostrar as
heresias contra a graça, depois falaremos da doutrina católica sobre a necessidade da graça e
por fim recorreremos a Sagrada Escritura.
Podemos separar em duas categorias as heresias contra a graça. Na primeira categoria
temos os pelagianos, semipelagianos e os racionalistas. Na segunda categoria temos os
prostestantes, baianistas e os jensenistas. Esses grupos em geral buscavam questionar a
doutrina católica da graça com “um pretexto de magnificar e endeusar o livre arbítrio, avultam
os poderes da nossa natureza e negam, ou minimizam, a necessidade, a influência da graça;
outros, ao contrário, fazem muito grande a nossa debilidade moral, e o papel da graça”.25
Os pelagianos rejeitavam a transmissão do pecado original, portanto, a necessidade do
Batismo e da graça e julgavam que o homem, gozando de plena liberdade, pode muito bem,
sozinho, vencer as tentações e observar os mandamentos. Já os semipelagianos admitem que a
graça é indispensável para nos salvarmos; porém afirma que podemos merecê-la, esta em
específico foi condenada no Concílio de Orange, em 529. Os racionalistas tem uma teoria
mais radical, eles não querem saber do fim sobrenatural do homem, nem de pecado original;
nem, portanto, da necessidade da graça, sendo que o homem, com as próprias forças,
preencherá cabalmente seus destinos26.
Os protestantes, especialmente Lutero e Calvino, falam que a natureza humana, viciada
pelo pecado original e esbulhada do livre arbítrio, vai praticando, necessiariamente, o mal, da
mesma forma que o homem justificado vai praticando, pelo império da graça,
necessariamente, o bem. Os bainistas falam que não há que distinguir ordem natural e ordem
sobrenatural, graça e glória é tudo parte integrante da natureza humana, sendo assim, o

24
Idem, p. 14-15
25
Idem, p. 15
26
cf. BOULENGER, 2021, p.16
homem é essencialmente prejudicado na sua natureza pelo pecado original, é incapaz, de
realizar obra boa sem a graça santificante. Os jansenistas deram uma repaginada nos erros de
Lutero e Calvino, em suma os jansenistas afirmam que o homem não participa de graça
alguma, antes da graça da fé, portanto, as ações do infiel e, em geral, de quem não for
justificado, não poderão ser moralmente boas.
A doutrina católica buscou e se firmou no concílio de Trento as respostas para as duas
categorias, a primeira categoria exalta o lado exagerado do homem, enquanto o segundo
grupo exalta o lado da graça. Contra o primeiro grupo temos o que o homem não pode realizar
sem a cooperação da graça. Assim, na primeira proposição apresentada por Boulenger contra
a primeira categoria temos a seguinte afirmação proveniente do Concílio de Trento: “Sem a
graça, o homem decaído, e ainda não justificado, nada pode fazer na ordem da salvação
(Concílio de Trento, sess. VI, cân. 3)”27. A graça é necessária para o início como para o
crescimento da fé, sendo mais direto a graça é necessária para o princípio e fim da nossa
salvação, podemos ainda basear essa afirmação na Sagrada Escritura com o testemunho de
Nosso Senhor em Jo 6,44: “Ninguém pode vir a mim, se, meu Pai que me enviou não o atrair”
e em Jo 15,4-5, também vemos no testemunho de São Paulo em 1Cor 4,7, em 2Cor 3,5, em
1Cor 15,10, em Fl 2,13, em Rm 3,24 e em Rm 11,6, podemos ainda basear essa afirmação na
razão, pois, “os meios hão de ser sempre adequados ao fim”28. Agora vamos elencar as
proposições que Boulenger sugere para a necessidade da graça em resposta a primeira
categoria:

2° Proposição. Sem o auxilio da graça, não pode o homem decaído cumprir, por muito tempo,
toda a lei natural, nem debelar todas as tentações graves. 3° Proposição. O justo precisa da
graça atual para perseverar muito tempo no estado de graça santificante. 4° Proposição. Sem
privilégio extraordinário, o justo não pode evitar, durante a vida inteira todos os pecados
inclusive os veniais. 5° Proposição. A perseverança final é um dom particular de Deus.29

No segundo grupo temos aqueles que exageraram a favor da graça, o papel da graça,
contra esses temos que falar o que o homem pode fazer sem a graça. O número de
proposições apresentadas por Boulenger é bem menor, são duas: a primeira é que “o homem
decaído pode, antes da justificação, conhecer verdades de ordem natural e praticar ações
moralmente boas. Art. de fé, definido pelo Concílio de Trento, sess. VI, cân. 7.”30 A segunda

27
BOULENGER, 2021, p. 17
28
Idem
29
Idem, p. 18-19
30
Idem, p. 19
proposição é que “não são pecados todos os atos dos infiéis, nem vícios as virtudes dos
filósofos.”31
Vimos a necessidade da graça atual na vida do homem e que não se pode exagerar nem
para a total independência do homem em relação a graça e nem para a total predominância da
graça sobre o homem. A graça é necessária para a salvação, ou seja, “não se realiza a salvação
sem a graça e que esta é um dom absolutamente gratuito.”32 Ao tratar desse tema sobre a
salvação ser necessária para a nossa salvação, o enfoque do autor é estabelecer os meios que
Deus nos concede através de proposições. A proposição geral é baseada em 1Tm 2,4: “Deus
quer a salvação de todos os homens”, para isso Deus dá graças suficientes, nesta dinâmica, de
que Deus concede a todos graças suficientes, mas não significa que Deus distribui a todos
graças idênticas, sendo assim, vamos ver essa graça distribuída entre quatro classes de
indivíduos: justos, pecadores, infiéis e crianças:

1° Proposição: Aos justos, Deus envia graças verdadeiramente suficientes, para cumprirem
todos os preceitos e resistirem às tentações. De fé, Concílio de Trento, sess. VI cân. 18,
contra Lutero, Calvino e Jansênio. 2° Proposição: A todos os pecadores, Deus proporciona
graças suficientes para que possam penitenciar-se. 3° Proposição: Aos infiéis, pagãos e
hereges, Deus concede as graças suficientes para a salvação. 4° Proposição: Até para as
crianças que morrem antes do Batismo, Deus preparou todos os meios de salvação. Se não
forem aproveitados esse meios, é porque intervieram fatores estranhos e naturais, e Deus não
tinha obrigação de removê-los, a poder de milagres33

4.2 A graça e o livre arbítrio


A graça relacionada como o livre arbítrio é a graça eficaz, ou suficiente, como vimos nos
efeitos da graça atual, segundo Boulenger. A questão levantada é que a graça eficaz tira a
liberdade do homem quando a recebe de Deus, pois a graça produzirá fatalmente o que o
pretende. A doutrina católica no fala que “seja qual for a natureza da graça eficaz, não
suprime o livre arbítrio. De fé, Concílio de Trento, sess. VI, cân. 4.”34 Nesta linha temos duas
linha principais a serem seguidas a de Santo Tomás e a do jesuíta espanhol Molina, é mister
lembrar que os dois distinguem graça eficaz de graça suficiente, e os dois falam que a graça
eficaz não suprime o livre arbítrio:

a) para os tomistas, a graça eficaz difere intrinsecamente da graça suficiente. Quer dizer: não
se torna eficaz porque o homem a ela corresponda; mas o homem corresponde a ela porque é
eficaz. Acontece o que eles chamam premoção física. Quer dizer, a graça é causa fpisica das
nossas boas ações, determina fisicamente a vontade do homem, ainda que em plena
conformidade com a natureza da própria vontade, isto é, livremente. - b) Para os molinistas,

31
Idem
32
Idem, p. 20
33
Idem, p. 21-22
34
Idem, p. 22
é certo quee há duas espécies de graças. Entretanto, a graça suficiente difere da graça eficaz
só extrinsecamente, não intrinsecamente. Explicam os congrístas, ou molinistas moderados
(Suarez), que a eficiência da graça lhe vem das disposições ótimas da vontade na hora em
que esta graça aparece: por isso lhe chamam graça côngrua, ou socorro que vem
apropositado, quando convém, e que será aproveitado como Deus prevê. Deste modo,
sucederia que a mesma graça, suficiente para tal pessoa, vinha a ser eficaz para outra, por
esta estar mais bem disposta a recebê-la. Seja como for, a graça eficaz é sempre benefício
maior por ser concedida em circunstâncias favoráveis, prevendo Deus que o homem há de
corresponder.35

Para podermos receber a graça temos que colaborar com a graça, ou seja, existe uma
necessidade da nossa cooperação. O homem pode resistir à graça e parte também de suas
escolhas prestar ou negar a sua cooperação com a graça, a graça eficaz pode passar a ser
ineficaz. Por fim temos a predestinação a glória, essa predestinação a glória é um decreto
eterno de Deus “que promove os eleitos à celeste ventura”36. Sobre a predestinação podemos
afirmar duas coisas: “1. que Deus quer a salvação dos que se salvam; e 2. que permite a perda
dos outros, sem a querer; não existe predestinação ao inferno”37
5. A GRAÇA HABITUAL
A definição de graça habitual é a seguinte: “A graça habitual é a que permanece em nossa
alma, tornando-a justa e santa aos olhos de Deus”38. Esta definição que nos apresenta
Boulenger nos leva da mesma forma como a definição de graça atual a refletir sobre os outros
problemas da graça, aqui em específico trataremos da justificação, dos méritos e a divinização
do homem. De graça habitual deriva-se outros nomes que é a graça justificante e graça
santificante. Boulenger explica os termos da definição do seguinte modo:

Graça habitual é: - a) a graça que permanece em nossa alma. Ao passo que a graça atual é
auxílio essencialmente transitório, a graça habitual é um dom que fica: é qualidade inerente à
alma; - b) tornando-a justa. A graça habitual faz a alma sair do estado de pecado mortal e
entrar no estado de justiça ou estado de graça; - c) e santa aos olhos de Deus. Além de
justificar a alma, a graça habitual santifica-a.39

5.1 Justificação
Um tema muito importante para nós é a justificação da alma. A noção de justificação
relacionada a Deus é tornar justo, sendo assim, podemos definir a justificação como “o ato
divino pelo qual são remitidos os pecados, original e atuais se for o caso, e que traz os
pecadores do estado de culpa ao estado de graça e de justiça”40

35
Idem, p. 24
36
Idem
37
Idem, p. 25
38
Idem
39
Idem
40
Idem
Ao tratar da justificação temos que falar das disposições para requeridas para receber a
justificação, as crianças recebem a justificação por meio do batismo, mas o adulto recebe a
justificação de modo diferente, o adulto tem que ter as disposições necessárias para receber a
justificação, essas disposições foram definidas no concílio de Trento:

Segundo o Conícilio de Trento, sess. VI, cap. VI, as disposições exigidas são: - a) a fé, ou
assentimento do nosso espírito a todas as verdades reveladas, e em especial ao dogma da
justificação do pecador pela graça devida à redenção de Jesus Cristo; - b) a esperança ou
confiança nas promessas divinas, que nos assegure da vinda das graças merecidas pelo
Redentor; - c) um começo de amor de Deus, amado como fonte de toda a justiça; - d) a
contrição ao menos imperfeita, dos pecados mortais, com o desejo de receber o sacramento
do Batismo (ou da Penitência); não sendo possível a recepção destes sacramentos, é de
necessidade o ato de caridade perfeita ou de contrição perfeita.41

A justificação não é simplesmente suprimir os pecados, mas os pecados são realmente


redimidos e apagados dos que são justificados.

5.2 Concílio de Trento e a justificação


Foi no concílio de Trento, especificamente na 6° sessão, que saíram os decretos sobre a
justificação, divididos entre 16 capítulos e 33 cânones. Devido a sua importância para definir
a justificação e graça seguirá aqui os capítulos sobre a justificação.
Capítulo 1: A impotência da natureza e da lei para justificar os homens
O homem não tem a capacidade de alcançar a justificação somente pela sua própria
natureza, devido a perda da inocência original com o pecado de Adão, a natureza corrompida
homem não leva por si só a justificação. O decreto fala também que somente a lei não é
suficiente, a lei observada de modo literal, aqui temos o exemplo dos judeus que seguiam as
leis de Moisés e que muitos deles não a alcançaram a justificação.
Capítulo 2: A economia da salvação e o mistério da vinda de Cristo
A vinda de Cristo é um mistério muito importante para nós, vemos ao longo da história da
salvação a ação de Deus sobre o povo de Israel e como que Deus preparou a plenitude dos
tempos, que foi quando estava tudo preparado para a vinda de Cristo. Cristo veio para resgatar
os judeus que estavam sob a lei, para ficar claro Cristo não veio abolir a lei, mas lhe dar pleno
cumprimento, Cristo com sua vinda elevou a condição humana, pois assumiu a condição
humana, isso tudo para que o homem pudesse novamente voltar ao Pai, participar da alegria
do céu.
Capítulo 3: Os justificados por Cristo

41
Idem, p. 26
Cristo por meio da cruz justifica todos os homens que renascem por meio da paixão de
Jesus Cristo, por mais que Cristo tenha se sacrificado por todos, o homem pode ficar sem a
justificação por não aceitar ou por não renascer em Cristo Jesus, sendo assim, por meio de
Cristo todos recebem a justificação, mas nem todos aceitam essa justificação.
Capítulo 4: Esboço de descrição da justificação do ímpio e de seu modo de entrar no
estado de graça
O modo como o ímpio recebe a justificação é pelo batismo, pelo batismo o ímpio passa do
estado do pecado original para o estado do homem purificado e pronto para receber o Cristo
que justificou a todos.
Capítulo 5: Necessidade para os adultos de preparar-se para a justificação; e de onde deriva
É necessário que os adultos se prepararem para a justificação. Deve-se estar sempre
disposto a graça de Deus seja a graça interna ou externa, aquela graça que dá o primeiro
impulso e que nos faz permanecer em Deus, tem que se estar disposto a conversão. A
justificação é um convite de Deus e uma resposta do homem, que quer passar de um estado
injustiça pra um estado de justiça, Deus que chama Zc 1,3 e o homem que usa de sua
liberdade responde Lm 5,21.
Capítulo 6: Como se preparar
Há uma aproximação movida pela liberdade do homem para se alcançar a justiça, a
aproximação aqui é em relação a Deus. O homem tem que se reconhecer necessitado da graça,
reconhecer os próprios pecados, sabendo da misericórdia divina, por tendo um temor pela
justiça divina, para finalmente chegar a amar o próprio Deus. Para que amando a Deus possa
odiar os próprios pecados, fazendo a penitência que lhe é devida e por fim procurar o batismo
e observar os mandamentos divinos.
Capítulo 7: O que é a justificação do ímpio e quais as suas causas
Na justificação o ímpio não deve buscar somente a remissão a do pecado, mas a sua
santificação e renovação do homem interior que vem mediada pela graça e os dons que Deus
dispõe livremente, para que possa se trona um homem justo e ter a esperança da vida eterna.
As causas da justificação são cinco: a causa final que é receber a glória de Deus e de Cristo e
a vida eterna; a causa eficiente é a purificação e a santificação que se recebe gratuitamente de
Deus; a causa meritória é que merecemos ser justificados por causa dos méritos de Cristo;
causa instrumental que é o sacramento do batismo sem a qual ninguém alcança a justificação
e a causa formal que é a justiça de Deus. A justificação é um a da Santíssima Trindade que
cada pessoa da Trindade tem o seu papel na justificação do ímpio, sendo obra da Santíssima
Trindade recebemos os dons infusos que é a fé, a esperança e a caridade.
Capítulo 8 Como se entende que o ímpio é justificado pela fé e gratuitamente
A fé é necessária ao homem para poder acreditar em Deus, essa fé é necessária, pois, ela é
o princípio da salvação humana, o fundamento e a raiz de toda justificação, sendo assim, a fé
é o caminho que o faz o seu primeiro contato real com Deus e é através da fé que o homem
cresce no amor a Deus.
Capítulo 9: Contra a vã confiança dos hereges
Os pecados são perdoados somente por Deus por meio do sacramento da penitência.
Jamais na Igreja Católica se acreditou que os pecados fossem perdoados por causa da
confiança que o homem tem de que seus pecados serão perdoados e permanecer neles sem
nenhum remorso. A justificação e a absolvição se dão somente por Deus, e por isso se deve
confiar em sua infinita misericórdia.
Capítulo 10: O aumento da justificação recebida
A justificação cresce mediante a mortificação e pela observância dos mandamentos, mas a
mortificação tem que ser oferecida como armas da justiça para a santificação, ou seja, tem que
se visar com a mortificação a santificação, já a observância dos mandamentos tem que estar
acompanhada das boas obras. Esse aumento da justificação fica provado em Tg 2,24 quando
se fala do aumento da fé, esperança e caridade.
Capítulo 11: A observância dos mandamentos e sua necessidade e possibilidade
Ao homem justificado é sempre importante observar os mandamentos, por ser justificado
ele não está isento de observar os mandamentos, Deus não deixou os mandamentos como um
fardo pesado, mas mandamentos que somos capazes de seguir e de cumprir, Deus jamais
deixaria um fardo pesado demais que não tivéssemos condição de carregar, por isso o justo
deve seguir os mandamentos com amor e deve pedir a Deus força para isso, pois, se com o
auxílio de Deus somos capazes de suportar os maiores sofrimentos, quem dirá cumprir os
mandamentos do próprio Deus. O justo ainda está sujeito aos pecados veniais, mas mesmo
com esses pecados o justo não deixa de ser justo, por isso ele invoca todo dia o perdão de
Deus. O justo deve andar na justiça, para progredir por meio de Jesus Cristo, sabendo que
Deus não nos abandona. Erra aquele que diz que o justo peca por realizar uma boa obra
visando o medo de uma condenação ou por fazer disso uma competição buscando o prêmio
que é a salvação, e erra ainda mais aquele que afirma que por esses motivos os justos
merecem as penas eternas.
Capítulo 12: É preciso precaver-se contra a presunção temerária da predestinação
O justo jamais deve cair na vã doutrina da predestinação, o justo não deve crer que se
pecar deve contar com um arrependimento seguro ou pensar que já está salvo por mérito
próprio, pois não se sabe quem Deus escolheu a não ser por revelação do próprio Deus.
Capítulo 13: O dom da perseverança
“Quem perseverar até o fim, será salvo” Mt 10,22; 24,13. O dom da perseverança é dado
por Deus, pois Deus sustenta aquele que está de pé, ao que está de pé tem que cuidar para não
cair, por mais que Deus esteja sustentando podemos cair por não confiar em Deus. Devemos
permanecer em pé através nas fadigas, nas vigílias, nas esmolas, nas orações e nas ofertas, nos
jejuns e na castidade, devemos ser perseverantes na luta contra a carne e contra o mundo,
afinal aquele que perseverar até o fim será salvo. O justo deve buscar a todo instante viver o
dom da perseverança.
Capítulo 14: Os pecadores e sua recuperação
Depois de justificados o justo vier a perder a graça da justificação por meio do pecado
procure o sacramento da penitência para que possa recuperar a graça da justificação. Está é a
forma dos pecadores recuperar a graça da justificação, confessando os seus pecados. É
necessário ensinar para o cristão a penitência depois da queda é diferente da penitência
batismal, para que possa entender que depois da queda é necessário fazer uma confissão
sacramental, sendo assim, tem que acusar os seus pecados diante de um padre e receber a
satisfação pelos pecados cometidos, além de ter um firme propósito de nunca mais cometer os
mesmos pecados.
Capítulo 15: Com qualquer pecado moral se perde a graça, mas não a fé
Apesar do pecado mortal cortar qualquer relação que podemos ter com Deus, o pecado
mortal não nos tira a fé. O que está em pecado mortal, os infiéis e os fiéis fornicadores, estão
excluídos do reino de Deus, mas nunca foram desamparados pela graça de Deus, que no
momento do pecado Deus deu graça para que pudesse ser evitado.
Capítulo 16: O fruto da justificação ou o mérito das boas obras e a razão deste mérito
O fruto da justificação é a vida eterna, o justo que permanece com Deus até o fim pode
deslumbrar a vida eterna. O próprio Cristo acompanha o justo nesse caminho de salvação é
Ele que a força para os justificados, para abdicando das alegrias terrenas alcance as alegrias
eternas, por isso não podemos ignorar a justiça de Deus, ela é inerente em nós visto que o
próprio Deus a infundiu em nós pelos méritos de Cristo. Mais dois conselhos surge para
aqueles que buscam a justificação, o justo jamais deve confiar ou gloriar-se em si mesmo, mas
somente no Senhor, pois se estamos abertos a graça, Deus age em nossas vidas, e o outro
conselho é em relação a penitência, o justo jamais deve confiar o perdão dos pecados pelo
próprio juízo, o juízo que recebemos é divino do próprio Deus.

5.3 Efeitos da graça habitual


Os efeitos da graça habitual são cinco, segundo Boulenger. O primeiro efeito da graça
habitual é que nos tornamos amigos de Deus. O segundo efeito é que a graça nos torna filhos
adotivos e herdeiros de Deus. O terceiro efeito nos faz participantes da natureza divina, aqui
temos que diferenciar essa participação, ela não é uma participação substancial, mas uma
participação acidental, “quer dizer que a semelhança divina está impressa em nossa alma.”42
O quarto efeito, o justo passa ser templo da Santíssima Trindade, “a alma, aformoseada com a
graça, é, por assim dizer, tabernáculo sagrado no qual moram as três Pessoas divinas”43, essa
morada é atribuída ao Espírito Santo. Esses efeitos podemos relacionar todos com a
inabitação da Santíssima Trindade no homem. O quinto efeito da graça habitual é uma espécie
de cooperação entre as virtudes infusas, teologais e morais, com os dons do Espírito Santo,
junto com as graças atuais, constitui em nós uma vida nova, a vida sobrenatural, uma espécie
de divinização do homem, principalmente do seus atos. E por último a graça habitual torna-
nos aptos a praticar ações meritórias para o céu.

5.4 Mérito
Por fim vamos falar do mérito. O mérito no vocabulário comum “é o direito a uma
recompensa, adquirido por uma obra livre e moralmente boa.”44 Mas, a intenção aqui é falar
do mérito sobrenatural, portanto, sua definição é “qualquer ação feita pelo impulso da graça e
que dá direito a uma recompensa sobrenatural”45. O mérito que recebemos é de acordo com o
valor dos nossos atos
Existe duas espécies de méritos: o de justiça e o de conveniência:

O merecimento é dito de justiça, quando a obra tem um valor moralmente igual à


recompensa, com direito a ela, por equidade estrita e rigorosa. Para que exista, deve haver
compromisso formal por parte de Deus. É o merecimento perfeito, o dos justos - b) No
mérito chamado de conveniência, o prêmio excede o valor da obra. É devido apenas por
causa de tal ou qual oportunidade. Este merecimento imperfeito, também o podem ter os
pecadores.46

42
Idem, p. 28
43
Idem
44
Idem
45
Idem
46
Idem, p. 29
Vale ressaltar que o merecimento de conveniência não se origina, nem no valor da obra,
nem da promessa divina, ela se origina da pura benevolência de Deus, porque qualquer ato
sobrenatural é digno, perante a bondade de Deus, de alguma consideração.
As condições do mérito de são separadas em duas partes em relação ao mérito de justiça e
ao mérito de conveniência. As condições do mérito de justiça se divide em três: a primeira
que se refere ao homem temos duas condições relacionadas a ele, o estado de vida presente e
o estado de graça; a segunda é por parte da obra e essa é dividida em três, a obra tem que ser
livre, moralmente boa e sobrenatural; a terceira é por parte de Deus, pois o merecimento de
justiça supõe a vontade de Deus manifestada por promessas. As condições do mérito de
conveniência segue a mesma estrutura da de justiça, menos o estado de graça e a promessa de
Deus.
Por fim vamos finalizar com a medida, a perda e a restituição do mérito:

2°. Medida. Uma obra será mais meritória ou menos, conforme o maior ou menor grau
de pureza do motivo que a inspira. Ora, esse grau de pureza depende da relação que tem
o motivo com a caridade. Cresce o merecimento, de acordo com o ardor desta caridade, -
ou amor de Deus. É por isso que uma ação humílima, insignificante na estima dos
homens, terá para Deus preço inestimável, muito superior a uma façanha heroica, desde
que aquela foi inspirada por motivos mais perfeitos que esta.
3°. Perda e restituição. - Os méritos mantém estreita conexão com a graça habitual: dela
dependem, como o fruto depende dos ramo. E perdem-se, está visto, quando se perde a
graça santificante pelo pecado mortal. Também se recuperam com ela, e são-nos
restituídos por meio da caridade perfeita e do sacramento de Penitência.47

6. CONCLUSÃO
A graça nos faz participar da vida divina, não de modo substancial, mas acidental, e nos
mostra o quanto Deus ama o homem dando tantos dons para que o homem possa alcançar a
felicidade eterna. A graça nos faz participar da vida divina, nos faz ser amigos de Deus, nos
dá meios para que possamos alcançar a salvação. Além disso a graça nos mostra uma nova
vida, a vida sobrenatural ao qual temos acesso pela graça habitual, ajudada pela graça atual
potencializando as virtudes infusas, teologais e morais, e os dons do Espírito Santo. A graça é
um dos tratados mais importantes da teologia dogmática, por isso , deve ser estudada e
revisada regularmente.

47
Idem, p. 30-31
BIBLIOGRAFIA
Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. 5ª impressão. São Paulo: Ed. Paulus,
2008.
BOULENGER, Auguste. Doutrina Católica, Tomo III: Meios de Santificação. São
Caetano do Sul, SP: Santa Cruz - Editora e Livraria, 2021
DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral.
São Paulo: Ed. Paulinas e Loyola, 2015.
MÜLLER, Gerhard Ludwig. Dogmática Católica: teoria e prática da teologia. Petrópolis:
Ed. Vozes, 2015.
OTT, Ludwig. Manual de Teología Dogmática. Barcelona: Editorial Herder, 1962.

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