Você está na página 1de 94

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEfvrrAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanza e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
W__ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
'... dissipem e a vivencia católica se fortaleca
■*■*" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
273
Declarado Ecuménica Sobre
María SS

E a Confissáo dos Pecados?

"Qual o Sentido Real da Eucaristía?

El Palmar de Troya...

I As "curas" do Dr. Edson de Quelr»

"Autoperfeicao com Hatha Yoga"

II "A glortficacSo"

MARCO-ABRIL — 1984
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
— 1984
Publicacao bimestral N?

Dlretor-Responsável:
SUMARIO
D. Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico BEBER O CÁLICE DO SENHOR

Diretor-Admlntetrador Sinal dos Tempos:

D. Hildebrando P. Martins OSB DECLARACAO ECUMÉNICA SOBRE


MARÍA SS

Ponto nevrálglco:
Admlnístracáo e distribuido:
E A CONFISSÁO DOS PECADOS?
Edic6es Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501 Um desafio:
Tel.: (021)291-7122 "QUAL O SENTIDO REAL DA EUCA
RISTÍA?"
Caixa postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - RJ Na Espanha, no Brasil...:
EL PALMAR DE TROYA — GREGO
RIO XVII — A MONTANHA SANTA
Pagamento em cheque nominal visado ou (MG) ,
Vale Postal (para Agencia Central/Rio),
enderezado as: O Dr. Fritz voltou...?:
EdigSes Lumen Christi AS "CURAS" DO DR. EDSON DE
Caixa Postal 2666 QUEIROZ

20001 - Rio de Janeiro - RJ Um livro multo difundido:


"AUTOPERFEICÁO COM HATHA
YOGA"

RENOVACÁO DE ASSINATURA Mate urna vez a Trilogía Analítica:


ATÉ DEZEMBRO:
"A GLORIFICACAO"
Sendo paga até 30 de
junho Cr$ 6.000,00 UVROS EM ESTANTE

Sendo paga após 1? de


¡ulho Cr$ e.000,00'
Anteriores a 1964 Cr$ 450,00
Números avulsos de 1984 Cr$ 1.000,00
NO PRÓXIMO NÚMERO
RENOVÉ QUANTO ANTES
A SUA ASSINATURA
274 — MAIO-JUNHO — 1984

A Terceira InstrucSo sobre a S. Liturgu


COMUNIQUE-NOS QUALQUER I Ching. — O caso de Hipada assasrinads
MUDANCA DE ENDERECO "O aborto". — Oracflo de Joao XXIII p
judeus. — "O Dia Seguinte".

Composfcte e Impressfio:
"Marques Saraiva"
Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro
Com aprovacáo eclesiástica
BEBER O CÁLICE DO SENHO
i

Os meses de margo-abril culminam na solenidade de Pás-


coa, que marcará também o encerramento do Ano Santo 1983-
-1984. Tanto agüela como este lembram ao cristáo a realidade
do pecado e a exigencia de expiagáo ou Redengáo; sim, o
pecado é desordem, que nao se apaga plenamente senáo pela
restauracáo da ordem ou do incondicional amor da criatura
ao Criador. Eis que Cristo, como Cabega, prestou em nome
do género humano o desagravo e a reparagáo ao Pai: cruci-
ficou a carne, instrumento do pecado, e fez urna nova cria
tura. A Redengáo de Cristo, pprém, deve desdobrar-se em
cada um dos membros do Corpo do Senhor, para que se con-
figurem á Cabega tanto na Paixáo como na Ressurreigáo.
Muito significativo é o caso dos filhos de Zebedeu: pediram ao
Senhor'que os colocasse á sua direita e á sua esquerda res
pectivamente no seu Reino; ao que Jesús respondeu; «Podéis
beber o cálice que hei de beber?» (Me 10,38). Beber o cálice
ó, sem dúvida, participar da Paixáo gloriosa do Senhor.

A Tradigáo crista tem profunda consciéncia destas verda


des, incutindo aos fiéis estrita ligagáo entre beber o cálice da
Eucaristia e beber o cálice da Paixáo de Cristo no desempenho
coerente da vida crista. Tenham-se em vista, por exemplo, as
palavras de S. Cipriano, bispo de Cartago (f 258): «Todos os
dias o cálice do sangue de Cristo lhes é dado a beber, para
que estejam em condigóes de derramar eles mesmos o seu san
gue por Cristo» (epist. 58). Quem comunga da Eucaristia,
deve dispor-se ao próprio martirio, se necessário, para nao
trair o Cristo.

Consciente disto, a Igreja quis, através do último Sínodo


Mundial dos Bispos, recordar a todos os fiéis a necessidade de
austeridade e penitencia na vida crista. Esta nao é penitente
apenas em funcáo de determinada cultura, como a antiga ou
a medieval; ela é, por sua própria índole, sempre penitente.
Alias, como lembrava o Instrumento de Trabalho do Sínodo,
o mundo de hoje sabe fazer penosos sacrificios em vista de suas
finalidades: ... o jejum para nao engordar, a concentragáo e
a aséese dos desportístas, o esforgo do estudo para passar nos
múltiplos concursos da vida profissional... Vé-se, pois, que
há capacidade de disciplina e autodominio entre aqueles que
correm no estadio em demanda de urna coroa perecível. • Como
entáo nao a haveria entre os discípulos do Senhor, aos quais
é proposta urna coroa imarcescível? Cf. ICor 9,27.

E.B.

— 89 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXV — N? 273 —, Marco-abril de 1984

Sinal dos tempos:

Declaracáo Ecuménica Sobre María SS.


Em síntese: Teólogos católicos, protestantes (luteranos, reformados,
anglicanos) e ortodoxos reunidos na ilha de Malta de 8 a 15/09/83 emitiram
urna declaracáo que, baseando-se na Biblia, expóe o significado e a justi
ficativa do culto a Mana. Existe, sim, entre Cristo e os cristgos urna
comunhio de vida e solidariedade, que nao é interrompida pela morte dos
cristaos peregrinos: os fiéis defuntos continuam solidarios com os vian
dantes deste mundo. Entre aqueles que participam da gloria celeste,
sobressai Mana SS., Intimamente associada a Cristo na qualidade de Mae.
Ela, que orava com os Apostólos na expectativa de Pentecostés há de
continuar a louvar a Deus e interceder pelos homens na liturgia celeste,
da qual fala o Apocallpse. A intercessáo de Maria em nada derroga á honra
devida a Deus só, pois é fruto da obra do Redentor e nada acrescenta á
única fonte de salvacáo que é Jesús Cristo.

Tal Declaracáo reveste-se de grande importancia, visto que procede


nao só de mestres católicos, mas também de teólogos protestantes (os
orientáis ortodoxos sempre veneraram Maria SS.)

* *

Comentario: Reuniu-se na ilha de Malta, de 8 a 15 de


setembro de 1983, um Congresso Mariológico destinado a estu-
dar o papel de Maria na historia da salvacáo; promovido por
mestres católicos, esse certame contou com a presenca de teó
logos anglicanos, luteranos, reformados (calvinistas) e ortodo
xos, que apresentaram suas contribuigóes ao aprofundamento
do tema. Ao fim do Congresso, quatorze participantes, de
diversas denominagóes cristas (como se poderá ver á pág. 92),
assinaram urna Declaracáo sobre a figura e a posigáo de Ma
ria SS. na piedade crista. Este documento reveste-se de
grande importancia, pois provém da reflexáo nao só de cató
licos, mas de irmáos protestantes, cuja tradieáo é infensa á
piedade mariana. Significa, pois, um passo momentoso na linha
de convergencia entre cristáos que últimamente vem sendo trl-
lhada em reafirmacáo dos artigos da fé.

Segue-se o texto portugués da Declaragáo em pauta, ao


qual se acrescentará breve comentario.

— 90 —
DECLARACAO ECUMÉNICA SOBRE MARÍA 3

I. Decláraselo

«Em prosseguimsnto dos cinco Congressos Mariológicos Inter-


nacionais precedentes, o Congresso de Malta (8-15 de setembro
de 1983) permitíu a um grupo de teólogos anglicanos, luteranos, re
formados e ortodoxos reunir-se com um grupo de teólogos católicos
para refletir sobre a Comunhño dos Santos e sobre o lugar que Maña
ali ocupa. Reconhecidos ao Senhor pelos encontros precedentes, e
pelas convergencias que surgiram, acreditam poder apresentar ao
Congresso as conclusoes do seu diálogo.

1 . Todos reconhecemos a existencia da Comunhao dos Santos


como' comunhao daqueles que na térra estao unidos a Cristo, como
como membros vivos do seu Corpo Místico. O fundamento e o
ponto central de referencia desta comunhao é Cristo, o Filho de Deus
feito homem e Cabeca da Igreja (Ef 4,15-16), para nos unir ao Pai
e ao Espirito Santo.

2. Esta comunhao, que é comunhao com Cristo e entre todos


os que sao de Cristo, implica urna solidariedade que se exprime
também na oracao de uns pelos outros; esta oracáo depende daquela
de Cristo, sempre vivo para interceder por nos (cf. Hb 7,25).

3. O fato mesmo de que, no céu á direita do Pai, Cristo ora


por nos, indica-nos que a morte nao rompe a comunhao daqueles que
durante a própria vida estíveram pelos lagos da fratemidade unidos
em Cristo. Existe, pois, urna comunhao entre os que pertencem a
Cristo, quer vivam na térra, quer, tendo deixado os seus corpos, estejam
com o Senhor (cf. 2Cor 5,8; Me 12,27).

4. Neste contexto, compreende-se que a intercessSo dos Santos


por nos existe de maneira semelhante á oracao que os fiéis fazem
uns pelos outros. A intercessáo dos Santos nao deve ser entendida
como um meio de 'informar' Deus das nossas necessidades. Nenhuma
oracao pode ter este sentido a respeito de Deus, cu¡o conhecimento
é infinito. Trata-se de urna abertura á vontade de Deus por parte de
si mesmo e dos outros, e da prática do amor fraterno.

5. No interior desta doutrina, compreende-se o lugar que per-


tence a María Mñe de Deus. £ precisamente a relacáo a Cristo que,
na Comunhao dos Santos, Ihe confere urna funcáo singular de ordem
. cristológica. Além disso, a oracao de María por nos deve ser consi
derada no contexto cultural de toda a Igreja celeste descrito no
Apocalipse, ao qual a Igreja terrestre quer unir-se na sua oracáo
comunitaria. María ora no seio da Igrefa como outrora o fez na expec
tativa do Pentecostés (cf. At 1,14). Por outro lado, quaisquer que

— 91 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

sejam as nossos diferencas confessionais, nao há raza o alguma que


impeca unir a nossa oracao a Deus no Espirito Santo com a da
liturgia celeste, e de modo especial com a da M6e de Deus.

6. Esta insereno de Maria no culto ao redor do Cordeiro


imolado (aspecto cristológico), associada a toda a liturgia celeste
(aspecto eclesiológico), nao pode dar lugar a alguma interpretacao
que venha atribuir a Maria urna honra que é devida só a Deus. Além
disso, nenhum membro da Igreja saberia acrescentar qualquer coisa á
obra de Cristo, que é a única fonte de salvacao; nao é possivel passar
sendo por Ele, nem recorrer a urna via 'mais cómoda' que a do Filho
de Deus, para se chegar ao Pai. Ao mesmo tempo é claro que Maria
tem o seu lugar na Comunháo dos Santos.

Ao término destas reflexoes, nos desejamos dar um testemunho


público da fraterna experiencia vivida nestes dias. Ela nao se limita
á atmosfera em que o diálogo se realizou, mas estende-se a todas as
atívidades do Congresso e á mentalidade religiosa do povo maltes,
que, no fervor da sua oracao com Maria, nos acompanhava. Cons
cientes de que há muitos problemas teológicos aos quais o diálogo
deverá aínda levar, nos declaramos a nossa vontade de continuar as
nossas reflexoes no Nome do Senhor.

Nao é supérfluo recordar, como se fez ao término do Congresso


de Saragoca em 1979, que os signatarios, como membros da Comissáo
Ecuménica do Congresso, nao querem senño empenhar-se, bem que
tenham trabalhado com a preocupacao constante de exprimir a fé
das suas respectivas Igrejas.

Malta, 15 de setembro de 1983.

WOLFGANG BOROWSKY, Luterano


HENRY CHAVANNES, Reformado
JOHN DE SATGE, Anglicano
JOHANNES IKALOGIROU, Ortodoxo
JOHN MILBURN, AngHcano
HOWARD ROOT, Anglicano
JOHN EVANS, Anglicano
FRANZ COURTH, S.A.C.
THEODORE KOEHLER, S.M.
CANDIDO POZO, S.J.
CHARLES MOLETTE, Sac (
ENRIQUE LLAMAS, O.C.D. '
STEFANO DE FIORES, S.M.M.
PIERRE MASSON, O.P.
Secretario»

— 92 —
DECLARACAO ECUMÉNICA SOBRE MARÍA

II. Comentario

Como se vé, o texto procura ater-se as afirmagóes bíblicas


a fim de depreender das mesmas o lugar que toca a María na
piedade crista.

Eis em poucas palavras o seu conteúdo:

1) AS. Escritura nos diz que Cristo é Cabega de um


corpo, do qual nos somos membros. Ora desta realidade de
Cabega-Corpo segue-se que existe comunháo de vida e de inte-
resses entre Cristo e os cristáos, como também entre os pró-
prios cristáos.

2) Comunháo é solidariedade. E solidariedade se exprime


pela oragáo: a) oragáo de Cristo por nos na medida em que é
nosso Sacerdote (cf. Hb 7,25) »; b) oragáo dos cristáos uns
pelos outros.

3) A morte de um cristáo na térra nao extingue essa


comunháo; por isto ela subsiste entre os fiéis peregrinos neste
mundo e aqueles que já passaram para a gloria do Pai.

A declaragáo fundamenta as suas afirmagóes no fato de


que Cristo está sempre vivo a interceder por nos (cf. Hb 7,25),
como também em textos bíblicos que professam a existencia
postuma dos «falecidos»: «O Deus de Abraáo, Isaque e Jaco
nao é Deus de mortos, mas de vivos!» (cf. Me 12,27); «os que
deixam a mansáo deste corpo, váo morar junto do Senhor»
(cf. 2Cor 5,8). — Poder-se-iam citar aínda duas outras pas-
sagens escrituristicas, que, embora nao sejam reconhecidas
como canónicas pelos protestantes, sao o testemunho das eren-
gas dos judeus nos.sáculos n/I a.C.

Em 2Mc 15,11-16, narra-se que Judas Macabeu teve urna


visáo na qual lhe apareciam Onias, sumo sacerdote já falecido,
e o profeta Jeremías, também já falecido, como intercessores
em prol do povo de Judá ao Senhor Deus. Eis o texto bíblico
em pauta:

"Cristo sempre pode conceder salvacfio perfelta aqueles que, por seu
Intermedio, se aproximan) de Deus, pois Ele permanece perpetuamente vivo
para interceder por nos" (Hb 7,25).

— 93 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

«Tal fo¡ o espefaculo que tocou a Judas apreciar: Onias, que


tinha sido sumo sacerdote, homem honesto e bom, modesto no trato
e de caráter manso, expressando-se convenientemente no falar, e desde
a infancia exercitado em todas as práticas da virtude, eslava com as
máos estendidas, ¡ntercedendo por toda a comunidade dos judeus.
Apareceu a seguir, da mesma forma, um homem notável pelos cábelos
broncos e pela dignidade, sendo maravilhosa e majestosissima a
superioridade que o círcundava. Tomando entao a palavra, disse
Onias: "Este é o amigo dos seus irmaos, aquele que muito ora pelo
povo e por toda a cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus' ».

O outro texto que vem ao caso, é o de 2Mc 12,40-45.


Atesta, por sua vez, que antes de Cristo os judeus admitiam a
comunháo entre os vivos e os mortos e a intercessáo daqueles
em favor destes. Julgam os teólogos que, em virtude da soli-
dariedade existente entre vivos e defuntos, Deus comunica a
estes as preces e os grandes interesses dos seus irmáos aínda
peregrinos na térra. De resto, Santa Teresinha de Lisieux
exprimía o senso de comunháo que ela trazia em seu íntimo,
ao exclamar:

«Se meus desejos forem atendidos, o meu céu decorrerá sobre


a térra até o fim do mundo. Sim; quero passar o meu céu a fazer o
bem sobre a térra. Isto nao é impossível porque na visáo beatífica
os anjos vigiam sobre nos. Nao; eu nao poderei tomar repouso até
o fim do mundo e enquanto houver almas a salvar. Mas, quando o
an¡o tiver dito¡ 'Já nao há mais tempo' (Ap 10,6), entao eu re-
pousarei; poderei gozar porque o número dos eleitos estará completo;
todos terao entrado na alegría e no repouso. Meu coracao exulta
com este pensamento» (Novissima Verba).

Nao há dúvida, a Santa usou de antropomorfismo ao dizer


que no céu nao descansaría enquanto houvesse tempo; desde
que entram na visáo beatífica, os Santos estáo plenamente
felizes.

4) A oracáo dos santos pelos fiéis peregrinos, como qual-


quer outra forma de oragáo, nao tem o papel de informar Deus
a respeito de necessidades nossas, como se Ele as ignorasse.
O Senhor Jesús recomendou-nos insistentemente o recurso á
oracáo (cf. Le ll,9s; Jo 14,13s; 16,23s), nao para «negociar-
mos» ou «barganharmos» com Deus, tentando dobrar a von-
tade do Pai ao nosso modo de ver, mas para que colaboremos
conscientemente com o plano de Deus. Com efeito; quem reza,
pode pedir a Deus tudo o que seja honesto, mas dirá sempre
no fim, com Cristo: «Faca-se a tua vontade, e nao a minha»

94
DECLARACAO ECUMÉNICA SOBRE MARÍA 7

(Me 14,36). Orar, portanto, é apresentar a Deus, de maneira


consciente e generosa, os nossos anseios de que se cumpram os
seus santos designios; e, para que se cumpram, sugerimos ao
Pai o que nos parece condizente com a sua santa vontade:
dé-nos o pao de cada dia, a saúde, a veste, a casa..., a ale
gría; pedimos sugerindo, pedimos supondo que tais objetos cor-
respondam realmente ao intento salvífíco do Pai; nao impera
mos. É assim que colaboramos com a Providencia Divina me
diante a oracáo.

5) Neste contexto percebe-se o lugar de María dentro da


piedade crista. Na qualidade de Máe do Redentor, Ela se acha
em especial relagáo com Cristo. Ademáis ela participa da litur
gia celeste de que fala o Apocalipse, como participou da ora-
gáo dos Apostólos na expectativa de Pentecostés. Por conse-
guinte, María ora na Igreja e com a Igreja e sua oracáo nao
pode deixar de ter especial graciosidade, visto que foi elevada
a dignidade singular dentro do plano de Deus.

6. A exaltagáo da figura de María qual Máe e Advogada


do género humano nao acarreta detrimento para a gloria devida
a Deus só. Nem María nem algum outro santo pode fazer algo
de grande em prol dos homens a nao ser que isto lhes seja con
cedido pelo próprio Deus mediante Jesús Cristo. É sempre a
obra do Redentor que vemos frutificar nos santos, inclusive na
intercessáo de María em favor do género humano.
A piedade para com María coaduna-se perfeitamente com
o Cristocentrismo que deve caracterizar o cristáo; com efeito,
este deve ter por programa procurar reproduzir em si a ima-
gem e a vida do Cristo; todavia, quanto mais assemelhado a
Cristo, tanto mais o cristáo há de nutrir para com María os
sentimentos de veneragáo e estima filial que Jesús alimentava
para com a sua Máe SS.; tanto mais ele será para María um
outro Jesús. Toma-se, pois, lógica a devocáo a María, desde
que o cristáo faga de Jesús o grande referencial da sua vida;
ela decorre naturalmente do Cristocentrismo.
Como se vé, a piedade mariana que, entre grupos protes
tantes mais recentes, se torna objeto de duros ataques, vem a
ser mais e mais entendida e justificada por parte de denomina-
góes evangélicas mais antigás e tradicionais; onde os ánimos
serenam, pondo de lado qualquer atitude fanática ou obcecada,
o olho da fé percebe mais nítidamente a verdade contida na
Biblia e na Tradigáo e se aproxima de María SS., a quem Jesús,
antes de morrer, confiou o género humano (cf. Jo 19,25-27).

— 95 —
Ponto nevrálgico:

E a Confissáo dos Pecados?


Em síntese: A confissáo dos pecados é praticada por individuos nao
crístSos a titulo de satisfacao ou reparagáo. No Cristianismo ela tem
fundamento ñas palavras de Cristo consignadas em Jo 20,23; Mt 16,16-19;
Mt 18,18: a reconclüacao dos pecadores faz-se mediante a Igreja, pois o
pecado de um cristSo nao é apenas ofensa a Deus, mas é também obra
de um fllho da Igreja contra a Igreja; Jesús quis, mediante o dom do
Espirito Santo, comunicar aos sacerdotes a faculdade de reconciliar os
homens com Deus e com os irmáos. Algumas denominacoes protestantes
reconhecem hoje o valor da manifestacSo da consciéncia a pastores devida-
mente credenciados.

O sacramento da Penitencia, incluindo a confissáo dos peca


dos ao ministro habilitado, é um dos pontos contestados pelos
irmáos separados e por outros muitos cristáos. Eis por que
abordaremos a temática neste artigo, considerando 1) o funda
mento natural ou humano, 2) o embasamento teológico remoto,
3) as premissas bíblicas da confissáo sacramental.

1. Fundamento natural

A psicología e as ciencias humanas póem em evidencia o


valor da katharsis ou da purificacáo da consciéncia que se faz
mediante o reconhecimento das próprias faltas. Reconhecendo
suas falhas, o pecador, de certo modo, sai do emaranhado em
que elas o envolvem; distancia-se das mesmas, deixa de se iden
tificar com suas faltas e comega a expiá-las. Tal atitude por
certo liberta a pessoa em causa e fá-la viver a verdade,... a
verdade que, no caso, é desagradável ou humilhante, mas que,
em última análise, é um valor. Dizia muito a propósito S. Am
brosio (t 397): «Pecar é comum a todos os homens, mas arre-
pender-se é próprio dos santos (culpara incidisse, natura» est;
diluisse, virtutis») (Apología David ad Theodosium Augus-

— 96 —
CONFISSAO DOS PECADOS

tum H, 5-6). Na verdade, ninguém tem motivo para se sur-


preender pelo fato de que um semelhante peque, pois a condi-
cáo de pecador é comum a todos os homens. Ha, porém, mo
tivo para surpresa e mesmo admiragáo quando alguém reco-
nhece o seu pecado, pois tal sinceridade nao é muito freqüente;
ela exprime a nobreza que nao existe em todo homem, emborá
em todo homem exista o pecado. A grandeza e a nobreza de
caráter de alguém se manifestam nao quando diz que nao peca
(isto geralmente é falso), mas quando aponta sinceramente o
seu pecado e se distancia dele, em vez de o encobrir com más
caras. Por máscaras no plano moral é menos digno do que
reconhecer a verdade quando necessário e propor reparar o
que haja de falho.

Note-se aínda o seguinte: o pecado, por sua própria índole


tende a furtar-se á luz: «Todo aquele que comete o mal, odeia
a luz, e nao vem á luz para que as suas obras nao sejam mani-
festas. Mas aquele que pratica a verdade, vem á luz» (Jo 3,20).
Mais: o pecado tende até a tomar as aparéncias do bem e da
luz. Por conseguinte, a confissáo do pecado ou a colocagáo do
pecado sob a luz adequada vem a ser o primeiro antídoto do
pecado: a confissáo desvenda e desmascara o mal com suas
simulacóes. Por isto toda conversáo ou mudanga de vida
comega pela confissáo das próprias faltas.

Nao bastaría, porém, a confissáo íntima, feita táo somente


a Deus? — Em resposta, e á luz táo somente dos valores antro-
pologicos, dizemos que a natureza psicossomática do homem
exige aütudes que manifestem sensivelmente (somáticamente)
o que ocorre em nosso psiquismo. A manifestacáo exterior do
que trazemos na alma contribuí para o amadurecimento dos
nossos afetos íntimos e para o mais pleno conhecimento de nos
mesmos. O que exprimimos sensivelmente, se imprime mais
nítida e profundamente em nossa própria consciéncia- «O que
só se projeta interiormente, nao derraba os muros da solidáo
em que se fecha o mal e, por conseguinte, nao liberta. É pre
ciso que o pensamento se encarne ñas palavras para que ele
se torne palpável e apareca aos nossos olhos em plena luz»
(A. Brunner, Aus dar Fínsternis zum Iicht Ueber das Be-
kenntnis der Simden, em Geist und Leben, t 23 [1950] p. 89).

mJ^ ¡Í^J?0 ^aramente ilustradas pelo seguinte depoi-


mento do Mahatma Gandhi, que fala nao como cristáo, mas
como homem reto:

— 97 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

«Eu tinha quinze anos. Cometí um furto. Tratava-se de um


pequeño fragmento de ouro tirado do bracelete de meu irmao. ..
Isto se tornou para mim pesado dentáis para que eu o pudesse
suportar.

Tomei a resolucao de nao mais roubar. Mas nao ousava falar


do que tinha feito. Nao por medo de ser esbofeteado por meu pai.
Ele nunca nos espancava. Mas eu tinha receio de penalizá-lo. Toda
vía eu sentía que tinha de arriscar, e que nao podía purificar-me sem
urna confissao completa.

Decidi-me, por fim, a redigir a confíssao, a apresentá-la a meu


pai e a pedir-lhe perdáo. Escreví-a sobre estreita faixa de papel, e
aprésentela a meu pai. Nessa nota, nao somente eu admitía a minha
culpa, mas pedia um justo castigo e terminava suplicando a meu pai
que nao se punisse ele mesmo por causa de mim. Prometía ¡á nao
roubar no futuro.

Todo trémulo, entreguei-lhe essa confissao. Meu pai entao sofría


de urna fístula e achava-se de cama, urna cama que nao era senao
urna simples prancha de madeíra. Senteí-me do outro lado da
prancha. Ele se pos a ler, e as lágrimas corriam-lhe ao longo da
face, molhando o papel... Essas pérolas de amor puríficaram-me o
coracáo e apagaram o meu pecado...

Essa especie de sublime perdáo nao estava nos hábitos de meu


pai. Eu julgara que ele se irritaría, diría palavras duras e batería na
testa. Mas ele permanecía estranhamente calmo; creio que isto era
devido á minha confissao completa.

Urna confissao acompanhada do desejo de nao mais pecar,


quando ela é feita diante de alguém que tem o direito de a receber,
é a mais pura especie de arrependimento. Sei .que a minha confissao
tirou a meu pai toda ¡nquietacao a meu respeito e aumentou des
medidamente a sua afeigao para comigo».

O testemunho de Gandhi pode ser completado por nume


rosos outros, colhidos ñas tradigóes de diversos povos nao cris-
táos e coletados por R. Pettazoni, na obra La confessione dei
peccatí, 3 vols. 1935-36. Tais depoimentos manifestam o valor
psicológico da confissao ou do reconhecimento das próprias
faltas, segundo a cultura das mais diversas populacdes.

As reflexoes até aqui propostas preparam a subseqüente


consideragáo do pecado e do perdáo em perspectiva explícita
mente crista.

— 98 —
CONFISSAO DOS PECADOS 11

2. O embasamento teológico remoto

O pecado nao é ato que atinja Deus e o pecador apenas.


Todo pecado, por mais secreto que seja, tem, aos olhos da fé,
conseqüencias comunitarias ou sociais. Com efeito; Deus fez
os homens solidarios entre si nao só no plano natural (uns
dependem dos outros), mas também no plano dos valores cris-
táos; os fiéis estáo inseridos na chamada «Comunháo dos San
tos»; o que quer dizer: todos estáo unidos com Cristo e entre
si á semelhanga de vasos comunicantes.

Por isto o Senhor quis que a remissáo dos pecados no


Cristianismo tenha também um aspecto comunitario. Ela é
concedida a cada um mediante a Igreja ou por meio dos minis
tros da Igreja. Deus quer que os homens caminhem para Ele
e se santifiquem nao de maneira isolada, mas em comunháo.
«Aprouve a Deus santificar e salvar os homens nao singular
mente, sem conexáo de uns com os outros, mas constitui-los
num povo, que o conhecesse na verdade e santamente Lhe ser-
visse» (Constituigáo Lumen Gentium n» 9).

Alias, o misterio da Encarnagáo é central no Cristianismo;


por isto todas as propostas da fé crista reproduzem a índole
da encarnagáo. Com outras palavras: a graga divina vem sem-
pre por meio de cañáis humanos ou sensíveis, como a Divin-
dade se comunicou aos homens mediante a humanidade do Se
nhor Jesús. Ora, em vista da santificagáo «encarnada» ou ecle-
sial dos fiéis, Cristo instituiu os sacramentos, entre os quais
se aponta o da Reconciliacáo ou Penitencia, oferecido precisa
mente a quem necessita da graga de Deus após o pecado.

Está claro que, nos casos em que se torna impossível pro


curar a reconciliacáo sacramental, todo homem é recebido por
Deus e pode confiantemente pedir, no íntimo do coragáo, o
perdáo dos seus pecados.

Dirá alguém: mas por que confessar precisamente a um


sacerdote, e nao a qualquer cristáo, especialmente Aqueles que
se se distingam por sua santidade de vida?

A propósito observemos: pode e deve haver sacerdotes que


se dustingam pela santídade de vida; alias, todo sacerdote tem
o dever de cultivar as virtudes em grau eminente. Todavía,
abstramdo deste tópico, notemos quanto segué:

— 99 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

O cristáo que peca, peca como filho da Igreja e contra a


Igreja. Por conseguinte, é normal que ele se confesse á Igreja
e, por meio desta, receba o perdáo. Alias, a reconciliaQáo exige
mais do que o ministerio de um sacerdote da Igreja; exige,
sim, um sacerdote que tenha jurisdigáo explícita ou urna facul-
dade especial que o bispo local lhe deve outorgar e sem a qual
nao lhe é lícito absolver os pecados. O pecador fere a comuni-
dade; por isto, diante déla ou diante do seu pastor ou do repre
sentante credenciado desse pastor, deve procurar receber a
seguinte texto:

Examinemos agora a maneira como a Biblia apresenta a


reconciliagáo do pecador eom Deus e com os irmáos (a Igreja).

3. Fundamento bíblico

Citaremos tres passagens principáis.

3.1. Le 15,11-32

O Evangelho, mediante a parábola do filho pródigo (Le


15,11-32), ensina que nao há pecados irremissíveis. O jovem
que voltou a casa paterna depois de haver esbanjado a sua
porgáo de heranca, foi recebido de bracos abertos pelo pai
logo que reconheceu as suas faltas. O pai, tendo ouvido as
palavras de arrependimento do filho, mandou colocá-lo no lu
gar que lhe competía antes que deixasse a casa paterna; houve
festa por ocasiáo do retomo do filho que se perderá e voltava
vivo (cf. Le 15,24.32). A propósito podem-se considerar tam-
bém as parábolas da ovelha perdida e da moeda perdida (cf.
Le 15,1-10).

O Evangelho acrescenta algo sobre a maneira como o Pai


quer perdoar os pecados dos homens. Com efeito, veja-se o
seguinte texto

3.2. Jo i20,22$

Na noite de Páscoa Jesús apareceu aos Apostólos reunidos


e disse-lhes: «Assim como o Pai me enviou, eu também vos
envió». A seguir, soprou-lhes na face, e continuou:

— 100 —
CONFISSAO DOS PECADOS 13

«Recebei o Espirito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pe-


codos, serao perdoados. Aqueles a quem os detiverdes, serño detidos»
(Jo 20,22$).

Estas palavras significam que

1) os Apostólos, nao por efeito de sua santidade própria,


mas em conseqüéncia de um dom de Deus («Recebei o Espirito
Santo»), sao habilitados a perdoar os pecados.

2) A sentenga proferida pelos Apostólos é confirmada


pelo próprio Deus. As formas passivas «seráo perdoados»,
«seráo detidos» sao circunloquios que os judeus utilizavam para
nao proferir o santo nome de Deus ñas expressóes «Javé os
perdoará, Javé os reterá ou nao os perdoará».

3) Trata-se de perdoar pecados propriamente ditos, fa-


culdade esta que os israelitas atribuiam a Deus só. Jesús disse
ao paralítico: «Os teus pecados te sao perdoados» (Le 5,20).
Declarou também á pecadora anónima: «Perdoados te sao os
teus pecados» (Le 7,48). — Ora em Jo 20,23 diz o Senhor:
«Aqueles a quem perdoardes os pecados, seráo perdoados».
Nos tres casos, a palavra p&rdoar traduz o verbo grego aphíemi;
a palavra os pecados traduz o substantivo hamartíai (com o
artigo definido hai ou tas). Vé-se que as mesmas palavras de
Le 5,20 e 7,48 voltam em Jo 20,23. Ora, como naqueles casos
se tratava de pecados propriamente ditos, relacionados com a
consciencia da pessoa interpelada, assim em Jo 20,23 trata-se
também de pecados no sentido estrito da palavra ou de culpas
atinentes á consciencia. Donde se deduz que um poder próprio
de Deus («Quem pode perdoar pecados senáo Deus?», Le 5,21;
«Quem é este que até perdoa pecados?», Le 7,49) é outorgado
aos ministros do Senhor. Aq'uilo que Jesús fazia por si quando
peregrino na térra de Israel, Ele continua a fazé-lo depois de
glorificado mediante o servico dos seus ministros.

4) O poder assim outorgado por Jesús nao é concedido


á Igreja inteira, mas apenas aos seus ministros. Com efeito;
Jesús na noite de Páscoa soprou sobre a face dos Apostólos
apenas-e somente a estes dirighi as palavras subseqüentes;
alias, a estes tinha ele dito pouco antes: «Assim como o Pai me
enviou, assim também eu vos envió». É a estes mesmos que
Jesús também ordena consagrar o pao e o vinho em memoria
dele: «Fazei isto em memoria de mim» (Le 22,19). Trata-se,
pois, de pessoas especialmente chamadas por Jesús e, mais

— 101 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

aínda, enriquecidas por um dom especial («Recebei o Espirito


Santo...»), a fim de realizar um ministerio singular dentro
da Igreja.

5) Para que os Apostólos e seus sucessores possam exer-


cer a funQáo de perdoar os pecados, devem ter conhecimento
de causa. As razóes para nao absolver em nome de Deus sao
geralmente de ordem pessoal: falta de verdadeiro arrependi-
mento, falta do propósito de emenda (tal é o caso da pessoa
que leva vida dupla, mas nao tem a intengáo de se converter,
o caso de quem guarda raiva, rancor e desejos de vingánca
deliberadamente alimentados....). Em tais casos, o ministro'é
obrigado e adiar a absolvigáo, para que o penitente se dispo-
nha a recebé-la. Ora o exercício de tal discernimento supóe o
conhecimento da materia em pauta, conhecimento que só o
próprio penitente pode oferecer mediante confissáo. Eis por
que a Igreja deduziu das palavras de Cristo a obrigatoriedade
da confissáo dos pecados para poder ministrar o perdáo dos
mesmos. Essa obrigagáo incumbe nao somente aos fiéis leigos,
mas também aos presbíteros, aos bispos e ao próprio Papa;
nao há quem nao esteja sujeito ao sacramento da Reconcilia-
gao. — A Igreja, últimamente, tem permitido que, em circuns
tancias muito especiáis e com a devida autorizagáo do Bispo,
os sacerdotes possam absolver sacramentalmente sem confis
sáo previa; cf. PR 154/1972, pp. 435-444. Em tais casos, a
confissáo nao é abolida, mas apenas postergada, pois fica sem-
pre aos fiéis a obrigagáo de confessar posteriormente os peca
dos assim absolvidos; a confissáo é apenas deslocada, visto que
a Igreja nao tem o poder de extinguir uma prática que lhe é
imposta por direito divino (cf. Concilio de Trento, em Denzin-
ger-Schonmetzer, Enquiridio... n« 1679. 1706).

6) Do que foi dito, segue-se que o cristáo nao confessa


os seus pecados ao sacerdote porque julgue que este é isento de
faltas (tem-nas, como todo individuo humano); nem é da san-
tidade do ministro que ele espera receber absolvigáo. Nao; o
sacerdote, ao absolver, nada confere de seu, procede qual mero
instrumento a quem o Senhor gratuitamente conferiu o Espi
rito Santo para discernir o estado de alma do penitente e pro
ferir em nome de Deus o perdáo dos pecados. Desde que o
sacerdote, devidamente habilitado pela Igreja, tenha a inten-
Cáo de fazer o que Cristo faria, é realmente Cristo quem por
ele absolve, independentemente das virtudes ou dos defeitos do
respectivo ministro.

— 102 —
CONFISSÁO DOS PECADOS 15

7) Estas nocóes também concorrem para evidenciar que


a confissáo sacramental nao se pode confundir com psicoterapia
religiosa. Verdade é que entre os seus efeitos pode estar o ali
vio do ánimo do penitente, alivio proporcionado pelo «desa-
bafo» de consciéncia, pelos conselhos dados por um confessor
compreensivo, douto, virtuoso, etc. Contudo, mesmo que falte
ao sacerdote um tino psicológico esmerado (qualidade certa-
mente preciosa), o seu ministerio é válido e a confissáo dos
pecados frutuosa em yirtude da absolvigáo sacramental, por
que o encontró do penitente com o sacerdote ocorre num plano
transcendental, em que Deus age ultrapassando as capacidades
meramente humanas do seu ministro.

Já se tem dito que «a sociedade moderna é urna fábrica


de angustiados» (L. Cechinato). Muitos procuram alivio para
seus males no consultorio de um psicólogo ou de um analista.
Este pode realmente ajudar o paciente a descobrir a causa de
seus problemas e a superá-los. Todavía o cerne de nao poucas
angustias é o pecado; é a resistencia á voz de Deus, que fala
pela consciéncia. O pecado tira a paz de alma, pois é um N3k>
dito ao Amor Infinito explícita ou implicitamente reconhecido.
O genuino sentimento de culpa nao é algo de mórbido, mas
algo que tem fundamento na realidade e denota nobreza de
caráter. Tal sentimento nao se dissipa mediante conversa com
um profissional da psicología, nem se extingue com calmantes
ou com mudanga de clima, mas exige que a pessoa se volte
explícitamente para Deus no plano moral e receba do Senhor
a certeza de que os pecados Ihe estáo absolvidosi É precisa
mente o que ocorre no sacramento da Reconciliacáo. — Infeliz
mente aqueles que recusam a este, procuram nao raro um
substitutivo do mesmo na «confissáo psicanalítica», que nao
deixa de ser um desnudamente da personalidade do paciente
diante de um profissional freqüentemente pansexualista e ma
terialista. Tal desnudamente, se pode ter seus resultados posi
tivos, em muitos casos nao atinge o fundo do problema, que é
de índole ética e religiosa, como já observamos.

8) Vé-se também que diregáo espiritual e confissáo sacra


mental podem ser separadas urna da outra. A direcáo, que
consiste em orientar os fiéis no andamento geral de sua vida
interior, nao pertence propriamente ao rito do sacramento; por
isto a sua eficiencia nao é garantida pelo poder transcendente
das chaves, mas depende, em grande parte, das aptidóes natu-
rais, do cabedal de cultura e principalmente do grau de uniáo

— 103 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

com Deus que o diretor possua. Donde se vé que, embora todo


sacerdote aprovado pela Igreja possa ser confessor, nao qual-
quer um é apto diretor de consciéncia; tal há de ser escolhido
de acordó com o estado de alma de cada um dos fiéis.

9) As verdades ácima nos fazer ver também que a ati-


tude de quem se chega ao sacramento da Reconciliagáo, está
longe de ser urna atitude de auto-defesa, de reconhecimento
«mercadejado» das próprias faltas. Muito ao contrario, para
usufruir em grau máximo do perdáo que lhe é oferecido, o
penitente procura identificar-se, tanto quanto possível, com a
Justiga de Deus; procura desfazer-se do seu egoísmo e trans-
por-se para o lado do Senhor Santo, a fim de ver e apontar os
seus defeitos como Deus os vé e aponta. É, pois, em espirito de
sinceridade que nao sabe encobrir o mal, mas o denuncia para
dele se separar, que o cristáo se acusa no confessionário.

10) A fim de salvaguardar a pureza e grandeza do sacra


mento da Reconciliagáo, a Igreja exige dos confessores estrito
sigilo a respeito de tudo o que Ihes seja confiado no foro sacra
mental. Ao ministro nao é lícito, em hipótese alguma, fazer
uso dos conhecimentos que lhe advém pela confissáo sacramen
tal; esteja disposto a sofrer os mais penosos danos para jamáis
violar o segredo do sacramento. A constante praxe da Igreja
foi mais urna vez sancionada no novo Código de Direito Canó
nico, que reza:

«Cfinon 1.388 — % V O confessor que viola diretamente o


sigilo sacramental, incorre em excomunh&o lafae sentertíiae, reservada
á Sé Apostólica; quem o faz só indiretamente, se¡a punido conforme
a gravidade do delito».

Lafae sententiae é a pena infligida em conseqüéncia mesma


do delito sem necessidade de sentenga proferida em tribunal.

2.3. Mt 16,16-19; Mt 18,18

Os dizeres de Jesús em Jo 20,22s devem ser lidos á luz de


quanto o Senhor declara em Mt 16,16-19 e em Mt 18,18.

No primeiro destes textos o Senhor Jesús promete a Pe


dro as chaves do Reino dos céus, de tal modo que «tudo que
ligares na térra, será ligado no céu, e tudo que desligares na
térra, será desligado no céu».

— 104 —
CONFISSAO DOS PECADOS 17

Como se vé, a estrutura da frase é paralela á de Jo 20,23:


o que Pedro fizer na térra, será ratificado no céu ou pelo pró-
prio Deus.

Ora, como se sabe, «ligar-desligar» sao expressóes da lin-


guagem rabínica, que significam, no plano disciplinar, «usar
de rigor, excomungar« (ligar) ou «usar de brandura, suspen
der a excomunháo» (desligar). Ulteriormente significavam deci-
sóes doutrinárias ou jurídicas, que ou proibiam, declaravam
ilícito (Iigavam) ou permitiam, declaravam lícito (desligavam).
Na casuística judaica, dizia-se comumente: «Neste ponto Rabi
Chamai liga, Rabi Hillel desliga» — o que significava: «Cha-
mai proibe, Hillel permite».

Em Mt 18,18 Jesús outorga as mesmas faculdades de ligar


e desligar nao somente a Pedro, mas aos doze, ou seja, aos
onze Apostólos unidos a Pedro. O que quer dizer: o que Pedro
pode exercer a sos na Igreja» em materia doutrinária, jurídica
e disciplinar, podem-no exercer também os onze Apostólos uni
dos a Pedro. Todavía Pedro foi declarado Rocha sobre a qual
Cristo edificaría a sua Igreja — o que confere a Pedro urna
posigáo singular no conjunto da Igreja. Eis, porém, que urna
observagáo se impóe:

As faculdades concedidas por Jesús a Pedro só e aos onze


com Pedro sao distintas daquelas outorgadas em Jo 20,23.
Como se depreende dos verbos «ligar-desligar» (asar e sherá
ou Wthir, na linguagem rabínica), as faculdades mencionadas
em Mt 16 e 18 dizem respeito ao governo da Igreja em seu
foro disciplinar e doutrinário ou em seu foro externo; ao con
trario, as faculdades de que trata Jo 20,23, referem-se explíci
tamente ao perdáo dos pecados ou ao foro interno ou ao foro
da consciéncia. Há contudo um paralelo entre tais textos no
sentido de que mostram que Jesús quis servir-se do ministerio
dos homens para comunicar a sua graga e levar a termo a
sua obra.

ouuir «f^V"»8' QU0 Pe,dro e 80US 8UC0SS°res nfio costumam agir sem
ouvrtr os seus Irmfios no episcopado, os teólogos e a Tradlcfio crista em
geral.

— 105 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

3. A posigáo da Reforma protestante

Embora Lutero tenha rejeitado a confissáo sacramental,


hoje em dia entre os evangélicos o reconhecimento de faltas
diante de um representante de Deus é mais e mais valorizado.
Tenha-se em vista o livro do pastor Max Thurian, La Confes-
sion, 1953, que traz um prefacio do pastor M. Boegner.

Merece atengáo também o VII Congresso Evangélico Ale-


máo realizado em Francoforte de 8 a 12 de agosto de 1956:
um dos relatores apresentou eloqüente dissertagáo sobre o
valor da confissáo, da qual se pode destacar o seguinte trecho:

«Pertence á essencia do homem ser responsável. Nos, porém,


tendemos a nos desfazer da responsabilidade por expedientes
cómodos. Se confessamos nossas faltas a um irmao, entao, e somente
entao, tomamo-las a serio, trazemo-las á luz; elas nos custam rubor
e vergonha, somos obrigados a reconhecé-las e a reconhecer a nossa
responsabilidade. Em tal caso, porém, o pecado deixa de ser agradá-
vel, como agradável é a culpa acariciada e oculta; torna-se amargo.
Separamo-nos dele. O pecado, uma vez trazido á luz, perde muito
do seu poder sedutor.

Nao diga alguém 'Pequei' apenas. Nao te queiras entrincheirar


atrás de tao generalizadas confissSes como 'Todos nos somos pecado
res'. Tais sao muito freqüen(emente meros subterfugios mediante os
quais o homem quer escapar a uma intervencáo punitiva e santificante
de Deus. Fala daquilo que comeleste pessoalmente. Faze, para ¡sto,
uma confissáo individual. Esta ajuda o pecador a comecar de novo; a
confissáo deve concorrer para que o pecado nao continué a viver no
individuo» (Herder Korrespondenz, Oktober 1956, XII).

Como se vé, sao apenas razóes psicológicas ou psicoterápi-


cas que o orador cita em favor da confissáo; nao considera o
seu aspecto sacramental, ou seja, a comunicagáo da graga que
se faz independentemente do que o confessor e o penitente pos-
sam «sentir e experimentar». Contudo já esta atitude repre
senta grande novidade, se se considera que é tomada por
representantes de uma teología que a principio rejeitou peremp-
toriamente a confissáo individual dos pecados.

— 106 —
CONFISSAO DOS PECADOS 19

Por ocasiáo do mesmo Congresso de Francoforte, foram


praticadas a confissáo auricular e a abertura de consciéncia
em trinta lugares diferentes da cidade, as vezes até altas horas
da noite. Depois do Congresso, o pastor H. Schieber de Stutt-
gart declarou aos seus fiéis que, a partir do dia 23 de setembro
seguinte, na Paul-Gerhardt Kirche teriam diariamente a opor-
tunidade de se confessar entre 7h e 30min eShe 30min, antes
do Oficio religioso.

Tais fatos, inspirados pela sinceridade de pessoas que real


mente procuram a Deus, indiretamente atestam que a confis
sáo dos pecados nao é instituigáo de homens prepotentes, mas
é praxe espontánea á natureza humana, praxe que, além de
conferir beneficios de ordem psicológica, foi elevada por Jesús
Cristo á dignidade de sacramento ou canal pelo qual Deus nos
vem ao encontró.

(Continuagio da pág. 88)


batismo no Espirito Santo", sio tidos como metas que o crente deve atingir
quando se entrega corajosamente ao Senhor Jesús. Ora a vida crista como
tal nio Implica grapas extraordinarias. Os doutores da mística enslnam
que é preciso desconfiar dos dons extraordinarios; nSo os devemos alme-
]ar; nio Julguemos que ocorram com freqüéncia ou com facllidade. — A
vida crista implica, sem dúvida, grande uniSo a Deus, intensa vida de ora-
cáo, consolacoes (quando o Senhor as tem por oportunas), mas é vivida
normalmente num regime de fé, que é de "claro-escuro". O Senhor nunca
abandona os seus, mas nSo Ihes revela sensivelmente, por encomenda, a
sua presenca. Nenhuma oracSo feita em nome de Cristo é perdida; mas
Deus nem sempre nos alende nos termos que nos Ihe propomos; Ele nos
dá o que mais nos convém, mas nem sempre coincide com nossos anseios.
Tenha-se em vista a oracSo de Cristo, que, no horto das Olivelras, pediu
que o cálice passasse, mas nao fol atendido nos termos propostos, e, slm,
com a vltória sobre a dor e a morte, na resssurrelcSo gloriosa (cf. Hb 5,7).

Por estas razoes o livro em foco, por mais sucesso que tenha cau
sado entre fiéis católicos e protestantes, nao pode ser tldo como gula nem
como referencial para a piedade católica. Além de ser protestante, des-
vla-se do reto caminho por insinuar que a rellglfio é, quase necessaria-
mente, um servlco ao homem e um sistema de curas ou curanderismo.
"O Justo vive da fé" (Rm 1,17).

O fiel católico encontra nos grandes heróls da sua fé os modelos de


vida mais adequados. Lela a biografía de S. Joao Bosco, a de S. Jofio
María Vianney, a de Dom Orione, a de S. Francisco de Assis, a de Santa
Clara, a de S. Tereslnha de Llsieux, S. Teresa de Avila... e encontrará ai
exemplares válidos de fé heroica e profundamente unida a Deus..., tam-
bém alimentada por consolac&es,... consolacoes que o Senhor providen
cialmente dispensa aos seus amigos.
E.B.

— 107 —
Um desafio:

"Qual o Sentido Real da Eucaristía?"


por Huberto Rohden

,Em síntese: O presente artigo analisa as idéias propostas por H.


Rohden sobre a Eucaristía e, a fim de dissipar equívocos, explana a dou-
trina católica referente ao SS. Sacramento: fundamentos bíblicos da fé na
real presenca de Jesús na Eucaristía, conceito de transubstanciagSo e Física
moderna, aplicacáo da Missa pelos fiéis defuntos. Procura-se oferecer ao
leitor urna exposicao que abarque o tema em sua amplidáo e profundidade.

Comentario: Huberto Rohden é o autor de numerosos


escritos religiosos, que pretendem apresentar nova interpreta-
gáo do Cristianismo. Recorre para tanto a premissas da filo
sofía oriental e do pensamento filosófico moderno.

A trajetória intelectual de Rohden é longa e acidentada.


De origem gaucha, entrou na Companhia de Jesús, onde foi
ordenado presbítero; convidado a deixar a Companhia por nao
se identificar com a mesma, passou para o clero diocesano,
tentando incardinar-se no Rio de Janeiro. A seguir, abando-
nou a Igreja Católica; fundou urna Editora e pós-se a escrever,
independente de qualquer Escola, no Centro Filosófico Alvo-
rada, por ele fundado; a sua obra teve duas grandes sedes, em
Nova Friburgo (RJ) e Jundiai (SP) respectivamente. Faleceu
aos 7/10/1981 na cidade de Sao Paulo.

Dentre as obras de Rohden, é especialmente capciosa a


que tem por titulo «Qual o sentido real da Eucaristía?», 135 x
180 mm, 32 pp. Eis por que, ñas páginas subseqüentes, nos
voltaremos para esse escrito.

— 108 _
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 21

1. O oonteúdo da obra

O livro compreende duas partes.

Na primeira tenta desfazer a fé constante dos católicos na


Eucaristía; combate a praxe de celebrar a S. Missa como per-
petuagáo do sacrificio do Calvario, válido para sufragar os
fiéis defuntos. Ronden alega que a afirmagáo da real presenca
de Cristo na Eucaristía e que a celebrado da S. Missa, mor-
mente da S. Missa pelas almas do purgatorio, sao artificios do
clero desejoso de assegurar proventos para si. Na verdade, diz
Ronden, a doutrina eucarística foi forjada pelos teólogos para
justificar a praxe das esportillas do culto a partir do século IV
ou da época de Constantino (306-337). Nos tres primeiros
séculos, a Igreja terá usufruído do «divino carisma outorgado
pelo Cristo, de curar qualquer enfermidade e expulsar demo
nios pelo poder de Deus»; a partir de Constantino, porém,
ter-se-á deixado perverter pelos privilegios sociais, políticos e
financeiros concedidos pelo Imperador, de modo que «trocou
o poder do espirito pelo espirito do poder» (p. 11).

Na segunda parte do livro, o autor tenta explicar positi


vamente o que é a Eucaristía: nao urna panipresenga, mas oni-
presenga de Cristo. Ás pp. 16-18, recorrendo á ciencia mo
derna, esforga-se por mostrar que nao há transubstanciagáo ou
mudanga da substancia do pao e do vinho em substancia do
corpo e do sangue de Cristo. Com outeas palavras: Cristo nao
estaría realmente presente na Eucaristía.

Rodhen admite, pois, urna presenta meramente espiritual


de Cristo, presenga que nao se prende ao pao e ao vinho, mas
enche o universo inteiro; a comunháo com o Cristo cósmico
faz-se espiritualmente «pela fé e pelo amor» (p. 25). «Nao é
o Jesús físico que deve ser assimilado por nos, mas, sim, o
Cristo espiritual» (p. 23).

O estilo do autor é vivo e penetrante; nao raro recorre a


expressóes de mística, que aumentam a sua aparente forga
persuasiva. Pergunta-se, pois: que dizer?

Em resposta, abordaremos, antes do mais, a questáo:

— 109 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

2. Jesús Cristo: como conhecer a sua mensagem?

O autor parece respeitar Jesús Cristo. É difícil dizer se o


considera como Deus feito homem no sentido de Jo 1,1-14 e
da Tradigáo crista. Como quer que seja, Rohden propóe a
«comunháo diaria» com Cristo (cf. p.31) e aceita Jesús como
Mestre (cf. p. 32).

Se assim é, deve-se indagar: como se pode reconhecer


auténticamente o pensamento e a doutrina de Cristo?

Respondemos: Jesús entregou a sua mensagem aos Apos


tólos e discípulos. Estes a foram transmitindo oralmente (como
Jesús a transmitiu) e a consignaram ocasionalmente por escrito,
dando assim origem aos livros do Novo Testamento. É, pois,
destas fontes objetivas que se deve depreender o pensamento
de Cristo; mais precisamente: ó da Escritura Sagrada lida e
entendida á luz da Tradigáo oral (que antecedeu, bergou e até
hoje acompanha a S. Escritura) que se deve deduzir a doutrina
de Cristo.

Jesús Cristo nao fala ao mundo por vias secretas, nem pela
Escritura interpretada segundo criterios subjetivos, pois, em
tal caso, a sua mensagem correría o risco de ser distorcida
segundo o «bom senso» subjetivo de cada leitor; haveria tan
tos Cristianismos quantos «iluminados» leitores da Biblia. O
fato de que a Escritura é posterior á pregagáo oral e depende
desta como eco da mesma, faz ver que só se pode entender a
S. Escritura se colocada no contexto da Tradigáo oral, que é
o intérprete mais abalizado da Palavra escrita.

Postas estas premissas, indagamos:

3. Eucaristía: que diz a Escritura?

A Escritura apresenta textos concementes 1) á promessa,


2) á instituigáo e 3) á celebragáo da Sagrada Eucaristía, textos
qije atestam a fé da Igreja nascente na real presenga do Se-
nhor no sacramento do altar.

Percorramos as principáis dessas passagens.

— 110 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 23

3.1. A promessa da S. Eucaristía

A promessa se acha consignada em Jo 6. O quarto Evan


gelista, escrevendo mais de trinta anos após os demais, ou seja
por volta do ano 100, nao quis reiterar a narrativa da institui-
Cao da Eucaristía já apresentada por S. Mateus, S. Marcos,
S. Lucas e S. Paulo (ICor 11); procurou, antes, desenvolver o
profundo significado doutrinário do gesto de Jesús, referindo
a promessa que o Senhor fizera do Pao da Vida.

Qual seria entáo o conteúdo de Jo 6?

Reúne tres episodios harmoniosamente concatenados a fim


de incutir urna grande tese ou o misterio da Eucaristía- a mul-
tiplicagáo milagrosa dos páes (w. 1-15) significa o poder de
Jesús sobre o pao; o caminhar sobre as aguas (w. 16-21)
incute o poder do Senhor sobre o seu corpo e os elementos da
natureza; por fim, o sermáo sobre o Pao da vida (w. 22-71),
utilizando os ensinamentos dos dois quadros anteriores, anun
cia um pao que será o próprio corpo de Cristo.

Nesse sermáo, que nos interessa de modo particular, Jesús


se propoe diretamente como o pao que dá a vida verdadeira
ímortal. Alguns exegetas julgam que na primeira parte do dis-
curso (w. 22-50) o Senhor tem em vista o consumo mera-
mente espiritual, que se dá mediante a fé: quem eré, come
Tal interpretagáo é aceitável; nao se poderia, porém, estender
a segunda parte do sermáo (w. 51-71), a qual visa claramente
ao consumo sensível de um pao que é a verdadeira carne de
Cristo; tenham-se em vista, por exemplo, as expressóes muito
vivas e concretas do trecho 6,51-56:

51 « 'Eu sou o pao vivo que desceu do céu; se alguém comer


deste pao, vivera eternamente)

O póo que eu dareí é a minha carne, entregue para a vida do


mundo'.

52 Puseram-se, entao, os judeus a disputar entre si: 'Como pode


esse dar-nos a comer (phagain) a sua carne?'

53 Retomou Jesús: 'Em verdade, em verdade, vos digo: Se nao


comerdes a carne do Filho do Homem e nao beberdes o seu sangue,
nao tereis vida em vos.

— 111 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

54 Quem come (ho trogon) minha carne e bebe meu sangue,


tem a vida eterna e eu o ressusátarei no último día.

55 Porque minha carne é verdadeira comida e meu sangue é


verdadeira bebida.

56 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece


em mim, e eu nele' ».

A clareza e a insistencia destas palavras exigem sejam


entendidas em seu pleno realismo. Note-se que no v. 52 os
judeus perguntavam como Jesús lhes poderia dar a sua carne
a comer (phagein, em grego); entáo, visando a esclarecé-los,
Cristo, longe de enveredar por uma explicagáo alegorista, rea-
firmou o sentido literal das suas palavras, utilizando no v. 54
expressáo ainda mais forte, isto é, o verbo trogo, que significa
«mastigar, dilacerar com os dentes», sem sentido pejorativo,
mas num realismo extremo.

Quem quisesse interpretar metafóricamente os dizeres do


Mestre, deveria comprovar explícitamente a sua tese o que
seria difícil ou impossível, pois o sentido metafórico que as
expressóes de Jesús podiam ter em linguagem semita é inad-
missível no contexto de Jo 6: «comer a carne de alguém» sig
nificaría metafóricamente «ofender essa pessoa, persegui-la até
a morte» (cf. SI 26,2); «beber o sangue de alguém» equivale-
ria a «arder de odio para com tal pessoa». Ora está claro que
Jesús, em Jo 6,54, nao podía convidar os seus ouvintes ao
odio para com o Divino Mestre, prometendo-lhes em troca a
vida eterna.

Os ouvintes de Cristo entenderam naturalmente as pala


vras do Senhor em sentido literal, perguntando conseqüente-
mente, cheios de admiragáo: «Como nos pode dar a comer a
sua carne?» (v. 52). Ora acontecía que, quando os discípulos
se enganavam a respeito das afirmagóes do Divino Mestre,
tomando ao pé da letra expressóes que deviam ser entendidas
metafóricamente, o Senhor tratava de desfazer o equivoco (cf
Jo 3,3-8; 4,32-34; 11,11; Mt 16,6-8); no caso, porém, de
Jo 6, Jesús, visando a esclarecer seus ouvintes surpresos, nao
somente nao atenuou o realismo de suas palavras, mas, ao
contrario, o acentuou: nos w. 53 e 54 acrescentou, em sua
resposta, a mengáo de «beber o sangue do Filho do Homem»
e de «mastigar, dilacerar com os dentes a sua carne». O Se-

— 112 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 25

nhor manteve assim a sua posigáo, muito embora soubesse que,


em conseqüéncia, varios dos seus ouvintes haveriam de O aban
donar (cf. v. 66); Cristo nao hesitou mesmo em intimar os
doze discípulos a definir a sua atitude com toda a clareza: ou
crer no realismo das palavras anteriormente proferidas pelo
Senhor e, conseqüentemente, acompanhá-Lo, ou negar fé e,
conseqüentemente, afastar-se (cf. v. 67).

Eis, porém, que o v. 63 tem causado dificuldades exegéti-


oas: «É o espirito que vivifica; a carne para nada serve. As
palavras que Eu vos disse, sao espirito e vida». Que tinha em
vista o Senhor com esta advertencia?

Jesús apenas visava a remover um entendimento grosseiro


de suas afirmagóes, o entendimento chamado «cafarnaítico»
(porque característico dos ouvintes de Cafarnaum, onde Jesús
falava): nao se tratava de comer carne enquanto tal (está
claro que esta por si só nao santifica o homem) nem de comer
a carne do Senhor em suas condigSes terrestres (como se come
a carne do agougue), mas, sim, de receber a carne de Cristo
glorificada e elevada aos céus, emancipada das leis do espago
e do tempo. É a carne nessas circunstancias novas que Jesús
chama «espirito»; é espirito, porque está toda penetrada pela
Divindade (na verdade, é a Divindade de Cristo que, mediante
a carne, vivifica os fiéis na Eucaristía).

Acrescentou o Senhor que as suas palavras sao espirito,


nao como se tivessem de ser entendidas em sentido figurado,
mas pelo fato de terem um alcance espiritual e de exigirem um
entendimento de fé; sao vida também, porque nos revelam o
meio de termos a vida em nos.

S. Agostinho (f 430), táo explorado pelos simbolistas, pro-


póe de maneira admirável a exegese de Jo 6,63:

«A carne para nada serve, se eto está só. Que o Espirito {<= a
Divindade} se ¡unte a ela, como a caridade se pode ¡untar á ciencia,
e entao ela servirá muito. Pois, se a carne para nada servisse, o Verbo
nao se teria feito carne para habitar entre nos. Se Cristo muito nos
valeu encarnando-se, como é que a carne para nada serve? Es
contudo que o Espirito se empenhou em nossa salvacSo mediante a
carne. A carne foi o receptáculo: considera o que ela confín ha, nao
o que ela era... O Espirito é que vivifica, a carne para nada serve:
minha carne, que dou a comer, nao é a carne tal como eles a con-
cebiam {<= como carne de acougue)» (In lo tr 27,5).

— 113 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Sao Joáo Crisóstomo (t 407) diz o mesmo sob nova forma:

«Se aquele que nao come a carne de Jesús e nao bebe o seu
sangue, nao tem a vida em si, como seria verdade que essa carne,
sem a qual ninguém possui a vida, para nada serve? Vés, por con-
seguinte, que a frase 'A carne para nada serve' significa nao a carne
de Jesús, mas o modo carnal como eles escutavam» (In lo 6,30 hom. 47,
ed Migne gr. LIX 265).

De resto, o sentido realista de Jo 6 é reconhecido por nao


poucos autores liberáis e até protestantes (Zahn, Schanz, Bauer,
Loisy).

E á luz de Jo 6 que se háo de entender os episodios abaixo


referidos.

3.2. As narrativas da instituicáo

As narrativas da instituicáo durante a última ceia do Se-


nhor empregam, por sua vez, palavras muito claras: «Isto é
meu corpo... Isto é meu sangue».

Jesús naquela ocasiáo, ao deixar as derradeiras instrugóes


aos discípulos, terá evitado qualquer termo de sentido ambiguo
(ñas horas supremas e decisivas os homens costumam recorrer
a linguagem precisa). Cristo, assentado á mesa com os Apos
tólos, tinha diante dos olhos todas as geragóes cristas através
da historia; sabia previamente que de maneira geral, durante
sáculos e sáculos, os seus discípulos haviam de interpretar os
seus dizeres em sentido realista, prestando adoragáo ao SS. Sa
cramento. Nao obstante, segundo as hipóteses racionalistas,
Cristo, «que nao quería ensinar a real presenca na Eucaristía»,
teria usado termos ambiguos, induzindo em erro seus primei-
ros discípulos, homens simples e rudes, e, depois deles, urna
multidáo de fiéis cristáos! Diga-se mais; Cristo teria usado
termos aparentemente claros para ocultar um simbolismo
assaz difícil de se apreender; com efeito, é arduo definir qual
o significado metafórico que Jesús possa ter tido em mira
ao proferir as suas palavras simples sobre o pao e o vinho; em
1577, sessenta anos após o surto do luteranismo, Sao Roberto
Belarmino dizia ter aparecido, havia pouco, um livrinho que
apresentava duzentas interpretagóes dos protestantes para as
palavras: «Isto é meu corpo»!

— 114 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 27

Contra a perspectiva de um Jesús a induzir em erro os


seus discípulos, insurgia-se em 1529 o humanista, crítico iró
nico, Erasmo de Rotterdam, que escrevia a Bero a propósito
das diversas sentencas «eucarísticas» dos Reformadores (Lu-
tero, Zwingli):

«Jamáis me pude persuadir de .que Jesús, a Verdade e a Dondade


mesmas, tenha permitido que por tantos sáculos a sua Esposa, a Igreja,
hoja prestado adoracdo a um pedaco de pao em lugar de adorar a
Jesús mesmo».

Ademáis a fórmula de consagrarlo do vinho soa, segundo


Mt e Me: «Isto é o meu sangue, o sangue da Alianca que será
derramado por muitos» (Mt 26,28; cf. Me 14,24); frase que faz
eco as palavras de Moisés: «Este é o sangue da Alianga...»
(Ex 24,8). Ora nao há dúvida de que o Legislador do Antigo
Testamento, ao falar assim, tinha diante dos olhos o sangue
de urna vítima a selar a Alianca sinaitica. Donde se pode con
cluir que Jesús, ao falar na última ceia, tinha em vista verda-
deiro sangue, o seu próprio sangue.

Contudo costumam-se propor objecóes á interpretacáo


obvia das palavras de Jesús. Assim:

rr-cta) VáriCf ?á°,0S textos da Agrada Escritura em que


Cristo ou os Apostólos empregam o verbo «ser» no sentido de
«significar, simbolizar». Sirvam de exemplo

Jo 14,6: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida»;

Jo 15,1: «Eu sou a verdadeira vídeira, e meu Pai o vinhaleiro»;

ICor 10,4: «A pedra era o Cristo» (texto particularmente


utilizado pela exegese protestante).

Em resposta, far-se-á observar que o texto de tais versí


culos indica suficientemente tratar-se de alegoría ou locucáo
figurada, donde natural e evidentemente decorre o sentido sim
bolista do verbo ser nessas passagens. No contexto, porém, da
ultima ceia, falta todo indicio de simbolismo; arbitrario por
tante, e avesso aos principios básicos da interpretacáo de qual-
quer trecho literario seria, na exegese de tais episodios, fugir
ao sentido obvio e literal do verbo ear.

— .115 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Além disto, verifica-se que ñas frases citadas o sujeito é


um pronome pessoal ou um substantivo, sujeito bem determi
nado e por si mesmo diverso do respectivo predicado; a aproxi-
macáo entre sujeito e predicado em tais sentengas só pode ser
figurada ou metafórica. Ao contrario, ñas frases da consagra-
cáo eucarística o sujeito é um pronome demonstrativo, pronome
que por si mesmo é indeterminado e vai receber sua determi-
nacáo do substantivo com o qual ele é relacionado, podendo
mesmo identificar-se com o significado deste substantivo. Na
frase de Cristo, portanto, o pronome demonstrativo touto (em
grego), isto ou este, relacionado com corpo, nao somente nao
se opóe 'á identificacáo com corpo, mas exige-a, de tal modo é
simples e clara a cópula é. Em outros termos: na afirmacáo
do Senhor, o pronome «isto» (touto) designa urna substancia
existente sob as aparéncias externas do pao, substancia cuja
natureza é enunciada pelo predicado «meu corpo». De resto,
nota-se que «¡sto (ou este) é meu corpo» equivale a «Eis aquí
meu corpo», como incute a comparacáo de Ex 24,8 com Hb 9,20
(a fórmula «Este é o sangue» de Ex reaparece em Hb como
«Eis o sangue»).

No tocante a ICor 10,4, onde Sao Paulo aplica a metá


fora do Rochedo a Cristo, note-se que este texto nao pode ser
vir para ilustrar a fórmula da consagracáo eucarística, pois o
Apostólo em ICor 10 exprime formalmente sua intencáo de
recorrer a urna metáfora: «Nossos pais todos beberam do
mesmo alimento espiritual: bebiam, com efeito, de um Rochedo
espiritual que os acompanhava; e o Rochedo era o Cristo». O
adjetivo «espiritual», duas vezes ocorrente nestes dizeres e dire-
tamente associado a «Rochedo». indica bem aue o hagiógrafo
quer empregar urna figura de linguagem. Sao Paulo mesmo,
sem negar a realidade da historia do éxodo, declarou explíci
tamente que ele a considerava em ICor 10 como figura do
que se dá com os cristáos do Novo Testamento (cf. v. 10).
— Na fórmula de consagracáo eucarística, ao contrario, falta
todo e qualquer indicio de uso metafórico das palavras.

b) O Senhor mandou repetir a ceia sagrada em sna me


moria (cf. ICor U,24s). Ora, dizem, o memorial só se pode
referir a pessoa ausente, nao a presente. Cristo, por conse-
guinte, nao está presente sob os véus eucarísticos.

Responderemos que nao é absurdo falar de memorial de


um ser presente, desde que este nao apareca aos sentidos; com
efeito, dizemos que nos lembramos de Deus, embora Deus nos

— 116 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 29

esteja sempre presente (cf. SI 76,3 na Vulgata e na trad de


Almeida); análogamente fazemos o memorial de Cristo, que de
maneira invisível, mas bem real, se acha no sacramento da
Eucaristía.

c) Conforme Paulo e Lucas, Jesús disse: «Este cálice é


a nova Alianga em meu sangue, que será derramado» (Le 22,20;
cf. ICor 11,25). Ora, assim como o cálice continuou a ser
cálice após estas palavras, dir-se-á que também pao e vinho
nao deixaram de ser pao e vinho após os dizeres que, conforme
Mt e Me, Jesús proferiu sobre eles. Que replicar a isso?

Na realidade a fórmula de Pl e Le coincide com a de Mt


e Me quanto ao sentido doutrinário, incutindo ambas a real
presenga; apenas se diferenciam no plano filológico ou estilís
tico, ao passo que Mt e Me empregam urna construgáo de
frase muño lisa e clara, a tradigáo de Paulo e Lucas recorre
a dois artificios de redagáo, mencionando sucessivamente o reci
piente em lugar do respectivo oonteúdo (o cálice em lugar da
substancia da vinho que ele continha) no sujeito da frase, e o
ereito em lugar da causa (a Nova Alianca em lugar do sangue
que a tornou possivel e a selou) no predicado da mesma frase;
por conseguinte, se quiséssemos fazer abstragáo dos artifi
cios de estilo, teñamos em Pl e Le a construgáo: «Isto (ou
esta substancia que se acha contida no cálice) é o meu sangue,
o sangue que acarreta e sanciona a Nova Alianga entre Deus
e os homens». A construgáo artificiosa de Sao Paulo e Sao
Lucas serve para exaltar a realidade da Alianga selada pelo
corpo e o sangue de Cristo imolados, enquanto a formulagáo
simples de Sao Mateus e Sao Marcos realga principalmente a
realidade da presenga do corpo e do sangue do Senhor que
selara essa Alianga.

d) Em ICor 11,26 lé-se: «Todas as vezes que coméis


desse pao e bebéis desse cálice, anunciáis (katangéuete) a
morte do Senhor até que Ele venha». Nao quer isto dizer que
nao está presente na ceia eucarística Aquele cuja vinda aínda
se espera no porvir?

No texto ácima, Sao Paulo recorda o íntimo nexo que liga


a ceia sagrada com a morte do Senhor (o verbo katangéltete
no indicativo presente, conforme o autor protestante J. Weiss,
implica mesmo a idéia de realizagáo). A seguir, diz-nos o Apos
tólo que esse «anuncio» sacramental da imolacáo do Senhor é
permanente ou se efetua todas as veases que se celebra a ceia

— 117 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

eucarística, até que o Senhor Jesús haja por bem encerrar o


atual regime da fé e dos sacramentos, tornando-se presente de
maneira visível entre nos. Como se vé, o Apostólo estabelece
distincáo entre «presenga de Cristo glorioso, manifestó», tal
como é aguardada tima vez para o fim dos tempos, e «presenga
do Senhor sacramental, velada» (mas bem real, como se deduz
no contexto já analisado), tal como a temos na Eucaristía
«todas as vezes», isto é, todos os dias. Nao é o binomio «pre-
senga-auséncia» que o hagiógrafo quer focalizar, mas, sim, a
distingáo entre «presenga visivel (a ser obtida urna vez)» e
«presenga invisível (que se verifica muitas vezes, permanente
mente) ».

3.3. A celebrado da S. Eucaristía

1. Há urna passagem principal que, atestando a celebra-


gáo da Eucaristía na Igreja nascente, dá claro testemunho da
fé na presenga real do Senhor:

«Todo aquele que comer desse pao e beber do cálice do Senhor


indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Por con-
seguinte, examine-se cada um e entfio coma desse pao e beba do
cálice. Pois todo aquele que come e bebe indignamente, como e bebe
a própria condenacao, por nao discernir o corpo e o sangue do
Senhor. £ por ¡sso que há muitos doentes e enfermos entre vés e
muitos ¡á morreram» (ICor 11,27-30).

Neste texto o Apostólo deduz conseqüéncias gravíssimas


da profanagáo do pao e do vinho eucarísticos; a razáo de tais
penas é o fato de que se torna profanador do corpo mesmo e
do sangue do Senhor quem viola o sacramento; a malicia de
tal pecado e a condenacao á morte, tanto temporal como eterna,
de que fala Sao Paulo, nao se entenderiam se a Eucaristía
fosse mero símbolo do corpo e do sangue de Cristo. Donde
concluí Goguel (o qual, nao obstante, é adversario da presenga
real, por ter Sao Paulo na conta de grande inovador dentro do
Cristianismo primitivo):

«Bachmann observa com razao que, se o Apostólo diz 'réu do


corpo e do sangue do Senhor', e nao apenas 'réu penante o Senhor',
isto se deve ao fato de que, para Paulo, o pao-corpo e o cálice-
-sangue sao realmente o Senhor, e nao (meros) símbolos. O caráter
realista da concepcao paulina explica também as conseqüéncias que,
aos olhos do Apostólo, tem a comunháo indigna» (L'Eucharfstie des
origines á Justin martyr. París 1910, 178).

— 118 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 31

3.4. Urna objefáo

Eis, porém, que contra a infcerpretagáo atrás proposta


parece levantar-se urna objegáo por parte de Hb 9,12.15.26.28
e 10,10.12. O autor sagrado ai ensina que o sacrificio redentor
de Cristo se realizou urna só vez, em oposigáo aos sacrificios Üa
Lei de Moisés. Sendo assim, como se pode dizer que a Missa
é o mesmo sacrificio da Cruz renovado diariamente sobre os
altares?

1. Nao há dúvida, a epístola aos Hebreus inculca solene-


mente a unicidade do sacrificio de Cristo oferecido outrora no
Calvario: nesse documento Cristo aparece como o Sacerdote
Ünioo (cf. 4,13; 6,20; 7,21.23s) a se oferecer como Vítima
Ünica e Perfeita (cf. 7,28) numa oblacáo definitiva (cf. 9,11-14.
25-28; 10,10.14). O Senhor Jesús nao precisa de se oferecer
muitas vezes, mas sua oblagáo foi feita urna vez por todas,
porque, á diferenga do que se dava com os sacrificios de ani
máis irracionais do Antigo Testamento, a oferta de Cristo pos-
sui valor infinito, capaz de expiar todos os pecados, passados,
presentes e futuros, do género humano; cf. 4,14; 7,27: 9,12.
25.28; 10,12.14.

2. Junto, porém, com a epístola aos Hebreus, devem-se


considerar os textos do Novo Testamento que referem a última
ceia do Senhor. Nesta, dois tragos chamam a nossa atengáo:

a) Jesús se apresentou na última ceia como Sacerdote e


Vitima. Deve-se mesmo dizer: colocou-se em estado de Vítima
que se oferecia ao Pai pelos pecados do mundo;

b) mandou aos discípulos reiterassem tal rito.

Com efeito. Jesús, ao dar aos Apostólos o pao e o vinho


consagrados, apresentava-lhes o seu corpo entregue (didóme-
non, em grego; cf. Le 22,19) e o seu sangue derramado, ekchn~
nómenon, pela remissáo dos pecados (cf. Mt 26,28; Me 14,24;
Le 22,20). Ora no estilo bíblico as duas expressóes «entregar,
dar o corpo (ou a alma)» e «derramar o sangue (pelos peca
dos)» indicam a imolagáo de um sacrificio propriamente dito.
Quanto a «dar o corpo, a alma», veja-se Is 53,12; Mt 20,20;
Rm 8,32; Gl 1,4; 2,20; Ef 5,25; lTm 2,6; Tt 2,14; Hb 10,10.
O sentido sacrifical e expiatorio de «derramar o sangue (pelos
pecados)» depreende-se de Rom 3,25; 9,5; Ef 1,7; Hb 9,7;
lPd 1,19; Uo 1,7.

— 119 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Merece atengáo o fato de que na última ceia o Senhor nao


ofereceu apenas o seu corpo e o seu sangue aos discípulos como
alimento, mas ofereceu-os pelos discípulos, em favor destes
(hyper hymoon), o que incute o caráter sacrifical do rito
(cf. Le 22,19s). Mais ainda: ao falar do sangue da Nova
Alianca na ceia, Jesús aludía a Ex 24,8, texto em que Moisés
aprésente o sangue da Antiga Alianga («Este é o sangue da
alianca que Javé pactuou convosco»); Cristo assim se oferecia
como Vítima para selar a definitiva Alianca, em lugar da
vitima irracional cujo sangue selara a primeira alianca no Si-
nai; Jesús assim opunha sangue a sangue, sacrificio a sacri
ficio, imolagáo realizada na última ceia a imolagáo realizada
outrora no deserto. A última ceia destarte aparece como a
Nova Páscoa, a qual, mediante o sangue do Verdadeiro Cor-
deiro imolado pelos pecados do mundo (cf. Jo 1,29), faz ces-
sar os numerosos e imperfeitos sacrificios do Antigo Testa
mento.

Leve-se agora em conta que Cristo mandou aos Apostólos,


reiterassem o rito da última ceia, última ceia á qual Jesús atri
buía o significado ácima exposto; cf. Le 22,19; ICor 11,24. Desta
ordem concluíram os Apostólos e as geragóes subseqüentes que,
todas as vezes que renovavam a ceia do Senhor (também cha
mada Eucaristía), realizavam a oblagáo de urna Vítima (Cristo)
ou de um sacrificio. Este, porém, nao podia (nem pode) ser a
repetigáo do sacrificio da Cruz, pois Jesús se imoiou urna vez
por todas, conforme a epístola aos Hebreus. A ceia, por con-
seguinte, nao poderá ser senáo o ato de «tornar presente» (sem
multiplicar) através dos tempos, e de maneira incruenta, o
único sacrificio do Calvario oferecido cruentamente há vinte
séculos atraás. Concluir-se-á, portante:

a) na quinta-feira santa Jesús perante os discípulos tor-


nou presente de modo real, mas incruento, o sacrificio que Ele
no día seguinte devia realizar cruentamente na Cruz; tornou-o
antecipadamente presente;

b) atualmente em cada S. Missa Jesús torna presente


de modo real, mas incruento, esse mesmo e único sacrificio que
Ele já realizon cruentamente na cruz.

Justamente este «tornar presente» a todos os tempos, sem


implicar repetigáo nem multiplicagáo, constituí o «misterio da
fé», título dado por excelencia á S. Eucaristía. Para facilitar a

— 120 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 33

aceitagáo deste misterio, pode-se recordar que a oblagáo de


Cristo passou para o plano do além, no qual as categorías de
tempo nao existe como tais.

Brevemente o Concilio de Trente (1545-1563) define as


relacóes do rito eucaristico com o sacrificio da cruz nos seguin-
tes termos:

«Há (em ambos) urna só e mesma Hostia, um mesmo Sacerdote,


que se oferece agora pelo ministerio dos presbíteros depois de se ter
oferecido Ele mesmo outrora sobre a cruz; apenas a maneira de ofe-
recer é diferente» (sess. 22, c. 2).

Em conseqüéncia, vé-se que impropria é a expressáo: «A


Missa renova o sacrificio da Cruz». Preferir-se-á a seguinte
terminologia:

A Missa torna presente sobre os altares (sem o multipli


car) o único sacrificio da Cruz.

A Missa, porém, renova e repete a última ceia de Cristo.

Estas ponderacóes dáo a ver claramente que, antes de


Constantino, ou seja, desde o tempo dos Apostólos, a Igreja
professa a fé na real presenca de Cristo na Eucaristía e renova
a ceia do Senhor para tornar presente sobre os altares o sacri
ficio de Cristo oferecido no Calvario.

A Tradifiáo crista reafirmou a doutrina bíblica, celebrando


inmterruptamente a Eucaristía nos termos assim definidos.

Quanto 'á era de Constantino, é gratuita e preconcebida a


ínterpretacao que Ronden apresenta. Nao se pode dizer que
a Igreja antiga vivia de carismas portentosos ou de dons
extraordinarios (poder de curas, prerücóes e outros prodigios)
concedidos pelo Espirito Santo e que, sob Constantino, «se
ínstalou» em moldes humanos recorrendo ao espirito do poder
Os mal-entendidos a respeito da época de Constantino já forani
considerados em PR 271/1983, pp. 468-473. Por isto remete
mos o leitor a esse fascículo. Objetivamente falando, deve-se
afirmarque a era de Constantino nao teve interferencia ñas
concepcoes da Igreja relativas á S. Eucaristía.

Póem-se agora outras perguntas sugeridas por Rohden:


— 121 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

4. Transubstancragao: que é?
E a Física moderna que diz?

A presenga real do Senhor na Eucaristía é professada como


conseqüéncia da transubstanciagáo do pao e do vinho, ou seja,
conseqüéncia da conversad da substancia do pao e do vinho no
corpo e no sangue de Cristo.

O termo transubstanciacáo, na linguagem teológica, só se


tornou corrente a partir do séc. XII, embora a realidade por
ele expressa já fosse professada pela S. Escritura e pelas sub-
seqüentes geragóes cristas. Esse vocábulo representa todo o
esforgo da inteligencia crista que, procurando no decorrer dos
tempos urna ilustragáo racional do depósito revelado ou do
misterio da fé, finalmente a encontrou, e encontrou muito pro
funda e harmoniosa.

4.1. Que é transubstandasáo?

Pergunta-se entáo: quais as idéias que se prendem ao termo


transubstanciacáo?

Partamos das nocóes de substancia e acidentes tais como


o bom senso nó-las sugere. Em todo ser há fundamento para
distinguir entre um conjunto de notas contingentes, mutáveis,
tais como o tamanho, a cor, o peso, o sabor, etc., e um substrato
permanente que, conservando-se sempre o mesmo, dá unidade
e coesáo ao sujeito manifestado por suas notas sucessivas e
variadas, ou seja, por seus acidentes. Esse substrato é, em Fi
losofía, chamado substancia (= o que sub-está, o que suporta).
Em qualquer pedago de pao, por conseguinte, há um conjunto
de notas acidentais, como a cor, as dimensóes, o sabor, a posi-
gáo no espago, notas que podem sobrevir, mudar-se e desapa
recer numa substancia que as sustenta; esta substancia, nin-
guém a vé como tal, pois só pode ser apreendida através das
notas acidentais que dáo a configuragáo externa a tal pedago
de pao; a substancia, porém, é urna realidade cuja existencia
se impóe ao raciocinio.

Pois bem; a fé ensina que, quando as palavras da consa-


gragáo sao pronunciadas sobre o pao, a substancia deste se
muda ou converte totalmente em substancia do corpo humano
— 122 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 35

de Jesús (donde o nome «transubstanciagáo»), fícando, porém,


os acidentes ou as notas externas do pao; sendo assim, sem
mudar de aparéncia, o pao consagrado já nao é pao, mas é
substancialmente o corpo de Cristo. Análogo fenómeno se dá
com o vinho ao serem pronunciadas sobre ele as palavras da
consagragáo; sua substancia se converte na do sangue do Se-
nhor. — Nao há dúvida, é este um caso de intervengáo da
Onipoténcia divina que nao tem par em toda a ordem da natu-
reza. Vé-se, porém, que, embora único, o fenómeno da tran
substanciagáo nao é absurdo; antes, tem seus pontos de con
tato com as categorías da filosofía e da inteligencia humanas.

A concepcáo ácima explica muito bem como o corpo de


Cristo possa simultáneamente estar presente em diversas hos
tias consagradas e em regióes múltiplas. Com efeito, Jesús
nao está presente na Eucaristía segundo as suas notas aci-
dentais (entre as quais se enumera o ubi ou a localizacáo no
espago); o ubi do corpo eucarístico de Cristo é-lhe dado pelo
pao (isto é, pelo acídente ubi do pao). Ora, já que os frag
mentos de pao se multiplican! com o seu ubi ou a sua locali-
zagáo própria no espago, v§-se que, onde quer que naja um
pedago de pao consagrado, ai pode estar, e de fato está, o
corpo eucarístico de Cristo.

Em linguagem precisa, dir-se-á: a presenga de Cristo euca


rístico é presenca, no espaco, mas nao é presenca espacial ou
local:

é presenga no espago, porque, nao há dúvida, o Cristo


eucarístico entra nos nossos espagos, mas mediatamente, isto é,
mediante o espago que o pao ocupa;

nao é presenca espacial ou local, porque Cristo na Euca


ristía so existe como substancia, substancia da qual os aciden-
tes «quantidade» e «localizagáo no espago», por disposigáo da
Qnipoténcia divina, nao exercem seu efeito próprio. A subs
tancia, enquanto substancia, é um puro principio de ser como
o lugar ou o espago mediante o acídente chamado «quantidade»
que lhe dá sua extensáo e as suas dimensoes próprias.
Isto faz que a presenca do Cristo eucarístico se possa mul
tiplicar (sem que p corpo de Cristo se multiplique), desde que
se multipliquem os fragmentos de pao consagrados ñas mais
diversas térras do globo. Nao há buocacáo nem nraltilocacáo
do corpo de Cristo, porque símplesmente nao há lbcacáo do
mesmo, mas apenas locacáo e muItilocacSo do pao consagrado.

— 123 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

As idéias aqima também explicam que o corpo de Cristo


nao se parta nem se divida quando se divide a hostia consa
grada. O corpo de Cristo sob os acidentes do pao nem tem
extensáo nem quantidade próprias; por conseguinte, nao se
pode dizer que a tal fragmento da hostia corresponda tal parte
do corpo de Cristo (é obvio que as dimensóes de urna hostia
pequenina nao seriam eomensuráveis com as do corpo do Se-
nhor). Por conseguinte, quando o pao consagrado é partido,
só se parte a quantidade do pao, nao o corpo mesmo de Jesús.

Assim muitas hostias e muitos fragmentos de hostia nao


constituem muitos Cristos — o que seria absurdo —, mas mui
tas «presengas» de um só e mesmo Cristo. Análogamente a
multiplicagáo dos espelhos nao multiplica o objeto original,
mas multiplica a presenca desse objeto; também a multiplica
gáo dos ouvintes de urna sinfonia nao multiplica essa sinfonia,
mas apenas a presenga da mesma.

A luz de quanto acaba de ser dito, entende-se outrossim


que, quando se deteriora o pao eucarístico por efeito do tempo,
dos sucos digestivos ou de um agente corruptor, o que se
estraga sao apenas os acidentes do pao: quantidade, cor, fi
gura... (estes acidentes é que evidentemente sao atingidos
pela deterioragáo); quanto ao corpo de Cristo, simplesmente
deixa de estar presente sob os véus eucaristicos desde que
estes sofram alteragáo tal que, segundo o bom senso, nao pos-
sam mais ser identificados como tais; foi as especies ou as
aparéncias de pao e vinho, nao as de algum outro corpo, que
Cristo quis assegurar a sua presenca sacramental.

4.2. Transubstanciacóo e Física moderna

A doutrina exposta nao sofre contestagáo por parte da


Física moderna.

Na verdade, a linguagem e a conceituagáo desta nao inter-


ferem na linguagem e na conceituagáo da Filosofía e da Teolo
gía. Ao falar de substancia e materia, por exemplo, o ñsico nao
tem em mira a mesma realidade que o filósofo e o teólogo.
O físico descreve substancia, materia e, em geral, os corpos
(a massa) de acordó com as reagóes dos mesmos ou os fenó
menos que ele pode observar com os sentidos. O filósofo, ao
contrario, entende por substancia das coisas materiais urna

— 124 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 37

entidade muito real, mas só perceptível pela inteligencia. Os


fenómenos, objeto único de que se ocupa o físico, sao, para o
filósofo, acidentes da substancia; por conseguinte, as teorías da
Física moderna, com as suas grandes inovacóes, se referem
áquilo que em Filosofía se chama «acidentes», ao passo que a
doutrina eucarística tem por objeto a substancia, elemento de
que as ciencias naturais nao tratam, porque nao é objeto ¡me
diato de observaeáo empírica.

Note-se, porém, que o magisterio da Igreja, professando


repetidamente a doutrina da transubstanciagáo (cf. Denzinger-
Schónmetzer, Enchiridion 700. 802. 860. 1151. 1320, 1652), de
modo nenhum associou o dogma a determinada escola filosó
fica. Embora os conceitos de substancia e acídente tenahm sido
filosóficamente elaborados pelo Aristotelismo, é no seu sentido
obvio, acessível ao senso comum, que a Igreja entende estes
dois vocábulos. Com efeito, mesmo a gente simples apreende
o que é urna substancia: a realidade que faz que um corpo seja
e permanega tal sob as mudangas de superficie (ou acidentais)
que lhe possam ocorrer. Assim como o comum dos homens
compreende o que se quer dizer quando se afirma que um corpo
permanece substancialmente o mesmo sob as variagóes aciden-
tais que se lhe possam infligir, assim entende também o que
se quer asseverar quando se diz que, na Eucaristía, há mu-
danga de substancia, enquanto as aparéncias acidentais perma-
necem invariadas.

Resta agora perguntar: que sentido tém...

5. ... as Missas pelos defuntos? E as esportillas?

A resposta procederá por tres etapas:

5.1. Vida postuma e purgatorio

1. A Escritura dá a entender que mesmo os homens que


morram com o coragáo voltado para Deus, podem nao entrar
imediatamente na posse do Senhor, mas talvez aínda necessi-
tem de urna preparagáo ou purificacáo postuma.

Um dos testemunhos mais. explícitos a esse respeito é o


de 2Mc 12,40-46. Judas Macabeu encontrou ñas vestes de
seus companheiros israelitas, mortos em guerra, ídolos que

— 125 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

esses soldados num gesto de fraqueza haviam aceito de povos


pagaos. Judas entáo e os seus puseram-se a orar para que os
defuntos obtivessem o pleno perdáo de seu pecado. Mais- fize-
ram urna coleta de 2.000 dracmas, que enviaram a Jerusalém
a fim de que lá se oferecesse um sacrificio expiatorio por tal
pecado. O autor sagrado acrescenta a esta noticia o seguinte
comentario: «Essa obra (a coleta) foi digna e santa, inspirada
pela crenca na ressurreigáo. Pois, se Judas nao esperasse que
os mortos ressuscitariam, teria sido váo e supérfluo orar por
eles. Acreditava que urna bela recompensa aguarda os que
morrem piedosamente. Era este um pensamento santo e pie-
doso. Por isso mandou oferecer um sacrificio expiatorio para
que os mortos fossem livres das suas faltas».

Este texto já foi comentado em PR 126/1970, pp. 246s,


assim como os do Novo Testamento, que costumam ser aduzi-
dos para fundamentar a doutrina do purgatorio: ICor 31016-
Mt 5,25s. ' '

2. Fazendo eco á constante doutrina da Tradicáo e do


magisterio da Igreja, o Concilio do Vaticano II afirmou explí
citamente tres estados em que se possam encontrar os discí
pulos de Cristo 1) o de peregrinagáo na térra; 2) o de puri-
ficagáo postuma; 3) o de glorificagáo no céu, conseqüente da
visáo de Deus face-a-face:

«Até que o Senhor venha na sua Majestade. . ., alguns dos seus


discípulos peregrinam sobre a térra; outros, ¡á passados desta vida,
estao-se purificando, e outros vivem ¡á glorificados,' contemplando
claramente o próprio Deus, uno -e trino, tal qual é» (Const. «Lumen
Gentium» n» 9).

Embora se achem em situagóes diversas (em via de con-


sumagáo ou consumados), os fiéis constituem urna só grande
familia, ou seja, «a comunháo de todo o Corpo Místico de Jesús
Cristo» (ib. n» 50), pois «todos os que sao de Cristo, tendo o
seu Espirito, formam urna só Igreja e nele estáo unidos entre
si» (n» 49). A morte nao acarreta interrupcáo da comunháo
eclesial; ela nao extingue a comunháo vital existente entre os
fiéis peregrinos na térra, os irmáos que já se encontram na
gloria celeste, e aqueles que estáo aínda a purificar-se após
a morte (cf. ib. n» 51). Ao afirmar esta proposigáo, o Concilio
do Vaticano II apela explícitamente para os Concilios de
Nicéia II (787), Florenga (1439-1444) e Trento (1545-1563).

— 126 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 39

3. Quais seriam as condigóes das almas dos defuntos que


estao no purgatorio? Como se pode explicar ou, de algum modo
ilustrar o purgatorio?

A resposta procederá por partes:

a) Dissipe-se toda concepgáo de que o purgatorio está


sujeito as dimensóes de espago e tempo. O purgatorio e sem
düvida, urna reaiidade, todavia nao ligada a topografía e cro-
noiogia. O Papa Alexandre VII (1655-1667) rejeitou a opiniáo
segundo a quai ninguém tica mais ae vinte anos no purgatorio-
intencionava assim remover a ideia de auragao cronológica do
purgatorio. Neste, o que conta é o grau da uitensiüade, respon-
sabuidade e proíundiaade dos atoa da criatura.
b) Em termos mais positivos, diga-se:

As almas do purgatorio estáo na paz e no amor de Deus;


a sua sorte está definitivamente decidida, pois optaram pela
comunháo com Deus e com os homens retos. Todavía elas aínda
nao estáo plenamente aptas para o coloquio direto com Deus
contemplado face-a-face. Isto se entende pelo fato de que
mesmo as pessoas mais retas aqui na térra sao constantemente
ameacadas pela concupiscencia e o pecado: indolencia, negli
gencia, incoeréncia, distragóes, infidelidade, dureza de coragáo,
hesitagáo, mesquinhez, egoísmo acompanham constantemente
os atos do homem neste mundo, tendendo a contaminá-los. A
psicología das profundidades dá a saber que essas tendencias
nem sempre sao conscientes, mas muitas vezes atuam no nosso
subconsciente ou no inconsciente. Nao raro, é a partir do
desejo mesmo de fazer o bem que o homem declina para o mal,
pois ele nem sempre é capaz de sustentar a justa medida e o
equilibrio: por exemplo, querendo beneficiar a quem precise,
pode alguém (talvez inconscientemente) exercer dominio inde-
vido sobre esse seu irmáo.

c) Leve-se em conta também que, mesmo após haver re-


cebido o perdáo de seus pecados, o homem fica sendo respon-
sável pela desordem que o pecado geralmente acarreta para o
próximo e o mundo. As palavras e as agóes de um homem tém
freqüentemente dimensóes muito mais ampias do que as do
momento presente; seus efeitos escapara as previsóes e ao
controle de quem as conduz. Nao é raro que no decorrer de
sua peregrinagáo terrestre o homem deixe marcas de sua ati-
vidade que continuaráo atuantes mesmo depois da morte do
respectivo sujeito.

— 127 —
Í2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

d) Estas reflexóes dáo a ver quanto é difícil alguém, nos


anos que passa na térra, chegar a ser totalmente penetrado
pelo amor de Deus, de modo a estar em condigóes de, logo
após a morte, desfrutar face-a-face a presenga de Deus; pode-se
admitir que muitos homens (mesmo entre os que sao gene
rosos) encerram seus dias na térra com tendencias ainda des-
regradas e contraditórias; o amor de Deus e a Deus nao se
implantou neles até as últimas conseqüéncias, nao penetrou
até o fundo ou o mais íntimo de sua personalidade.

Ora, passando pela morte, o homem toma profunda cons


ciéncia do que Deus para ele deve significar. Em conseqüéncia,
nao pode deixar de experimentar profunda dor por verificar
que ainda nao está plenamente em condigóes de sustentar face-
-a-face a presenga de Deus. O amor existente nessa criatura
faz com que sinta quáo amargo e doloroso é ceder á negligencia
e á incoeréncia frente a Deus. Esse amor entáo, após o fim
da peregrinagáo terrestre, deverá penetrar até os mais pro
fundos recantos do respectivo sujeito; deverá queimar todo res
quicio de egoísmo, mesquinhez, covardia, egocentrismo, a fim
de abrir por completo a criatura ao Criador, habilitando-a a
amar no sentido puro e pleno da palavra. Essa tarefa toma o
nome de purificagáo ou purgatorio; ela se faz ora com mais,
ora com menos intensidade, de acordó com o grau de arraiga-
mento do amor próprio e do egoísmo com que o respectivo
sujeito termina a vida presente. Tal processo é simultáneamente
doloroso e feliz: doloroso, porque, á medida que o amor se
purifica, mais senté ainda nao poder fruir face-a-face da visáo
de Deus; feliz, porém, porque a crescente proximidade de Deus
nao pode deixar de ser extremamente jubilosa.

É preciso agora investigar as relagóes dos fiéis peregrinos


na térra com os do purgatorio.

5.2. Comunháo dos Santos

O texto de 2Mc 12 incutia a importancia da oragáo dos


vivos pelos defuntos. Os textos da mais antiga Tradigáo da
Igreja e da Liturgia traduzem a convicgáo de que os vivos
devem orar por seus irmáos defuntos. Em última análíse, esta
proposigáo se deriva da consciéncia de que existe a «comunháo
dos santos»: esta implica estrita solidariedade e comunicagáo
entre os fiéis no plano da graca, de tal modo que as obras e as

— 128 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 41

omissdes, a palavra e o silencio, o amor e o desamor de um


podem afetar os outros; Sao Paulo compara tal solidariedade
com a que existe entre os membros de um Corpo, cuja Cabsga
no caso seria Cristo (cf. ICor 12). Na verdade, Deus quer
levar salvagáo a uns mediante outros. Este relacionamento nao
é extinto pela morte física; os vínculos existentes entre os
fiéis peregrinos na térra e os defuntos transcendem o plano
meramente biológico. Desta verdade se segué que, assim como
os homens podem ser úteis uns aos outros enquanto peregrinam
sobre a térra, também os vivos podem servir a seus irmáos
falecidos.

Como o fazem?

Fazem-no, oferecendo a Deus suas preces e seus méritos,


a fim de que as almas do purgatorio sejam mais e mais pene
tradas pelo amor de Deus, ou a fim de que o Senhor intensi
fique ñas almas dos defuntos a disponibilidade para o amor e
o repudio cada vez mais vivo a toda incoeréncia e ambigüi-
dade, incoeréncia e ambigüidade que infelizmente os homens
váo carregando em si aqui na térra, porque sao atitudes por
vezes cómodas e facéis. Nao se diga, porém: «os fiéis na térra
oram a fim de que Deus abrevio o estágio das almas no pur
gatorio», pois neste nao há duracáo, nem sucessáo de dias e
noites. As preces e os méritos dos vivos pelos defuntos sao
aceitos por Deus e aplicados as almas do purgatorio segundo
criterios que somente a Sabedoria Divina conhece; a Igreja
militante na térra nao tem jurisdicáo sobre as almas dos de
funtos; por isto Ela nao pode proferir sentenca (absolver ou
nao absolver) sobre tais almas; conseqüentemente as preces
e os méritos que Ela oferece em favor dos fiéis falecidos, tomam
o nome de sufragios \

A maneira mais eficaz de sufragar as almas do purgatorio


é o oferecimento do S. Sacrificio da Missa pelas mesmas. A
S. Missa é o sacrificio do Calvario perpetuado sobre os altares
e oferecido por Cristo e pela Igreja todos os dias, para que os
frutos da Redencáo sejam aplicados aos fiéis através dos
séculos. — Pergunta-se, porém: a maneira de aplicar os frutos
da S. Missa aos fiéis defuntos nao será de índole comercial e
simoniaca? Daí o novo subtítulo que agora se propoe:

i A palavra «sufragio", na llnguagem civil, significa «voto, expressao


«ñ» « !fe,Me H9U«ém> °Kprniao' P?recer"- Dat «omar, na llnguagem ecleslás-
tica, o sentido de «oracSo, prece".

— 129 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

5.3. Apl¡ca;6o da S. Mirsa pelos defuntos

Na exposicáo do tema, procedemos por etapas;

5.3.1. AplicasSo da S. Missa

Cada S. Missa, sendo o sacrificio da Cruz oferecido por


Cristo com a Igreja ao Pai, produz ricos frutos aplicareis aos
homens. Por conseguinte, a Igreja e, de modo especial, o re
presentante imediato da Igreja — o sacerdote celebrante da
Missa — podem fazer a aplicagáo desses frutos a intengoes
determinadas, como, por exemplo,

— honrar e glorificar a Deus por todos os beneficios con


cedidos aos homens ou... por haver concedido a tal ou tal
santo as grabas da santificacáo,

— pedir a Deus Pai queira conceder semelhantes gragas


aos fiéis peregrinos na térra,

— conceder a tal ou tal alma que se suponha estar no


purgatorio, o dom de tim amor cada vez mais conseqüente e
intenso...

Os cristáos herdaram do antigo povo de Israel o costume


de orar pelos fiéis defuntos. Este costume foi iluminado pela
Revelacáo de Cristo. Os cristáos nao oravam pelos mártires,
mas, sim, pelos outros irmáos falecidos, pois os mártires, tendo
dado prova de amor muito intenso, eram considerados como
participantes da visáo de Deus face-a-face logo após a morte.
As preces eram oferecidas a Deus em favor dos irmáos que
pudessem ter falecido com amor aínda mesclado de egoísmo ou
tendencias desregradas; tais irmáos estavam no estado de puri-
ficagáo postuma ou no purgatorio.

A aplicacáo dos frutos da S. Missa há de ser profundamente


agradável a Deus, já que o sacrificio de Cristo perpetuado sobre
os altares na Eucaristía é o ato central do Cristianismo. Note-se
também que tal aplicagáo pode ser feita independentemente de
qualquer espórtula ou oferta monetaria; ela nao está por si
ligada a dinheiro, pois nao é comerciável nem vendável.

Leve-se agora em conta outro elemento importante.

— 130 —
«QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?» 43

5.3.2. Esportillas ou honorarios

1. Nos primeiros decenios do Cristianismo, por motivos


diversos, era costume só se celebrar urna S. Missa em cada
igreja por domingo ou por dia. Entáo todos os fiéis manifes-
tavam sua participagáo na Missa oferecendo o pao e o vinho
do rito sagrado ou outras dádivas naturais (trigo, uvas, óleo,
leite, mel, frutas...) destinadas ao sustento do clero e dos
irmáos necessitados. Os cristáos se empenhavam generosamente
por fazer sua oblagáo na S. Missa.

Aos poucos o número de presbíteros e de fiéis foi-se aumen


tando, de sorte que urna só Missa nao bastava em cada igreja
para satisfazer as necessidades e á devogáo do povo de Deus.
Em conseqüéncia, tornou-se impossível que todos os fiéis
oferecessem sua oblagáo em cada S. Missa. Mais aínda: o
número de celebragóes eucarísticas se foi aumentando para
atender a intengóes próprias de um criatáo ou de urna comuni-
dade em particular: sepultamento ou aniversario de um de-
funto, agáo de gragas por beneficios recebidos, súplicas espe
ciáis... As Missas assim celebradas eram chamadas votivas.
Por ocasiáo destas, os fiéis interessados é que ofereciam a mate
ria do sacrificio eucarístico, ao mesmo tempo que indicavam a
intengáo pela qual seria oferecida a S. Missa.
2. Quanto á oferta de dinheiro na igreja, pode-se notar
o seguinte:

Ñas igrejas antigás havia geralmente um tronco ou um


cofre destinado a receber as esmolas dos fiéis que beneficiariam
os ministros do altar e os pobres da comunidade edesial. Aínda
no século IV, S. Agostinho, fazendo eco a testemunho de bis-
pos e escritores anteriores, atesta o costume de se darem
esmolas em dinheiro no cofre de cada igreja.
Aos poucos as oblagóes de dons naturais feitas por ocasiáo
da S. Missa foram sendo, em parte, substituidas pela oferta de
dinheiro. Os motivos para tanto foram varios: era mais fácil
manipular o dinheiro do que pao, vinho, óleo, leite, frutas (sim-
plificava-se e facilitava-se assim a procissáo de ofertorio)- o
número de comunhóes foi diminuindo a partir do século IV, de
modo que se tornaram desnecessárias grandes ofertas de 'pao
e vinho (aos pobres da paróquia se poderia atender mediante
dinheiro, e nao necessariamente dons naturais). S. Agostinho
refere que, em certos lugares, se levavam quantias de dinheiro
ao altar por ocasiáo do ofertorio das Missas por defuntos.

— 131 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Tal é a origem das esportillas. Na verdade, a espórtula nao


e o prego da Missa; ela nao significa «troca de bens materiais
por realidades espirituais». Positivamente, ela exprime a fé e
a generosidade cristas de quem a oferece; ela significa mais
intima participagáo do doador na celebragáo da S. Missa. Em
conseqüéncia dessa mais íntima participagáo, compreende-se
que o doador tenha parte também mais íntima e ampia na apli-
cagao dos frutos da S. Missa; a intengáo ou as intengóes por
ele indicadas sao especialmente beneficiadas pela celebragáo da
S. Eucaristía (o Senhor atende aos seus fiéis na proporgáo das
disposigóes com que estes O invocam). É, pois, como símbolo
de fe e generosidade que se deve considerar a espórtula da
S. Missa. É para desejar que quem oferece a espórtula, o faga
em profundo espirito religioso, lembrando-se de que assim par
ticipa de maneira especial da oblagáo e, por conseguinte, também
dos frutos da S. Missa (seria altamente oportuno que os doa-
dores de espórtula nao se limitassem a dá-la, mas estivessem
presentes a celebragáo mesma da S. Missa). Deve-se lamentar
que a consciéncia disto nem sempre se encontra viva ñas pessoas
que pedem a celebragáo da Missa; muitos sao aqueles que apenas
dao sua espórtula, sem comparecer posteriormente ao ato litúr
gico (quando bem o poderiam fazer).

Sao estas algumas consideragóes que o livro de Huberto


Ronden sobre a Eucaristía sugere; deu ensejo a detida expla-
nagao da temática. Quem conhece bem a esta, verifica que
Ronden ficou na superficie do assunto, guiado mais por pre-
conceitos do que por objetividade e seriedade científicas

CORRESPONDENCIA BREVE

Teresa Batalha (Salvador, BA): Embora toda S. Missa, como tal tenha
^tOiPute^° SaCrlfíf'° de CriSl0)- a aP|ícaSa° d0¿ ftSSda Missa
Í3S S é "Illlada' ou seja' condicionada pela fé e o amor dos homens
™L™~1 £¡ "? home2?,M5 0ua's se destinam tais frutos. Com outras
palavras: a Míssa é o sacrificio de Cristo, que se oferece com a sua Igreia
istp é, conosco, com os homens. Ora nos, somos sempre pecadores nunca
estamos peritamente Identificados com Cristo Sacerdote e Hostia Por
isto nos limitamos a frutuosidade de cada S. Missa, condlclonando-a ao
nosso grau de Identificacao com Cristo.

É por esta razfio que se celebram multas S. Mlssas por urna so intencáo
(pelo mesmo defunto ou para obter determinada grasa).

(Continua na pág. 66)

— 132 —
Na Espanha, no Brasil...

El Palmar de Troya
Gregorio XVII
A Montanha Santa (MG)

Em sintese: O presente artigo apresenta o histórico da Ordem Car


melita da Santa Face, oriunda de "aparlgoes" que teriam ocorrido em El
Palmar de Troya (Espanha). Essa Ordem constituí hoje urna "nova Igreja"
com seu "Papa" próprio: Gregorio XVII, outrora Clemente Domínguez Gómez
Este "Pontifico" terá sido instituido diretamente por Cristo numa visSo no-
turna em Bogotá (Colombia). Já emitiu dezenas de decretos de teor
tradicionalista, avesso ao Concilio do Vaticano II; nesses decretos está pre
vista, entre outras coisas, a próxima instaurado do Sacro Imperio Palma-
riano e Hispánico, do qual Gregorio XVII deverá ser o Papa-Imperador Com
este "prelado" encerrar-se-á a historia da humanidade, pois o flm do mundo
está ¿s portas.

Os acontecimentos de El Palmar e Bogotá tiveram sua repercussáo no


Brasil, onde existe um santuario da Ordem Carmelita da Santa Face na
Montanha Santa perto de Guiricema (MG); neste local dizem os devotos ter
recebido mensagens do Senhor Jesús e de Maria SS mensagens que
Incluem a distribulcáo Invisivel da Comunháo Eucarfstlca por parte de
Cristo.

É evidente a índole fantasiosa e aberrante das aparicSes de El Palmar


e da Montanha Santa; a emotividade ai prevalece sobre a razio e a fé, de
modo que nSo há por que se deter na anállse dos particulares dos aconte-
clmentos e da mensagem respectivos.

Comentario: Já em PR 208/1977, pp. 153-163 foi publi


cado um artigo a respeito de El Palmar de Troya (Espanha) e
de pretensas aparig5es de Nossa Senhora naguele lugar. O
intervalo de sete anos (1977-1984) deu ocasiáo a que os aconte
cimentos evoluissem, fazendo-os repercutir ainda mais sensivel-
mente no Brasil. Eis por que as páginas seguintes apresentaráo:
1) urna síntese da historia recente e da mensagem de El Palmar
de Troya; 2) os ecos no Brasil.

— 133 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

1. O histórico recente: Clemente Domínguez

El Palmar de Troya é pequeña localidade situada a 40 km


de Sevilha (Espanha).

Aos 29/05/1968, as meninas Josefa, Ana Rafaela e Ana,


tendo entre oito e doze anos de idade, entravam num bosque
para colher flores. Lá viram um vulto estranho, que a principio
nao souberam identificar claramente, mas acabaram definindo
como o de urna mulher...: esta mais tarde veio a ser identifi
cada com a Virgem María, que teria aparecido pousando os pés
sobre pequeño arbusto chamado «lentisco». O arbusto foi, sem
demora, despojado de suas folhas pelos devotos, que naquele
lugar fincaram urna cruz. A populagáo dos arredores continuou
a afluir a El Palmar, julgando tratar-se de mais um lugar de
aparicóes marianas, apesar de advertencias em contrario da
parte das autoridades eclesiásticas.

Entre os devotos, contava-se um homem chamado Clemente


Domínguez Gómez, que desempenharia papel relevante na
sucessáo dos acontecimentos, acontecimentos que, a seguir,
seráo narrados objetivamente de acordó com a documentagáo
forrrecida pelos adeptos das visóes de El Palmar.

Clemente nasceu em Sevilha aos 23 de abril de 1946; pare


cía condenado a morrer logo depois de nascido; mas, levado sem
demora á pia batismal, foi instantáneamente curado. No de-
correr das semanas seguintes, teráo aparecido sobre a língua
da crianca letras avulsas, urna de cada vez, que perfizeram a
palavra GLORIA.

Descendente de franceses, espanhóis e israelitas, Clemente,


ainda jovem, era inquieto. Certa vez, quando viajava em
ferrovia, caiu sobre o leito do trem, ficando ai desacordado.
Embora tenha passado horas a fio em tais condigóes, escapou
da morte porque os comboios subseqüentes se atrasaram em
seu horario.

Em 1969, Clemente foi pela primeira vez ao lugar do len


tisco das «aparÍQóes»; todos os «videntes», por ocasiáo de seus
éxtases místicos, ouviam a Virgem SS. dizer que Clemente
receberia mais tarde avisos do céu, mas que muito teria de
sofrer. Certa vez, María SS. terá pousado as rnáos sobre a
cabeca do rapaz.
EL PALMAR DE TROYA 47

Em vista da celeuma levantada no local das aparicóes,


Clemente, angustiado, fez o propósito de o abandonar, a nao
ser que Nossa Senhora o chamasse. Ora, quando já se achava
a caminho de casa, viu levantar-se no horizonte, á hora do
crepúsculo, urna forte luz, que se dirigiu para o lugar do len
tisco sob forma de cruz e que pousou sobre um tapete de flores
luminosas, causando profunda emogáo no vidente. — Doravante
as «visóes» foram-se sucedendo no local, aonde Clemente
costumava retornar:

30/09/1969: Clemente terá visto Nossa Senhora e o Padre


Pió, que o foram iniciando nos segredos da sua futura vocagáo
e da sorte da Igreja.

8/12/69: Clemente terá percebido nítidamente a presenca


e a voz de Jesús e de María SS., acompanhados por Sao
Domingos.

13/04/70: por volta de 3 h da manhá, Clemente recebeu


em casa de novo o Pe. Pió de Pietralcina, que lhe transmitiu as
chagas das máos, rogando-lhe que oferecesse tal sofrimento
pelo Santo Padre Paulo VI.

23/12/70: Jesús «determinou» que Clemente fundasse a


Ordem dos Carmelitas da Santa Face, com ramos masculino e
feminino e sede geral em Sevilha; os frades seriam irmáos leigos
(nao ordenados sacerdotes).

02/04/71: as 6 h da manhá, Jesús terá passado pelas


portas trancadas do quarto em que Clemente dormia; acordou-o,
chamando-o pelo nome e, após abencoá-lo, entrou em diálogo
com o jovem: perguntou-lhe se consentía em oferecer seus sofri-
mentos pela conversáo dos pecadores, pelo S. Padre o Papa e
pela Igreja — ao que Clemente terá respondido afirmativa
mente. Cristo entáo assinalou-lhe a fronte com tuna cruz de
sangue visível.

03/03/72: as 21 h e 55 min Clemente recebeu urna chaga


no lado direito do peito, com 5 a 6cm de profundidade, como
se resultasse de um golpe de langa.- Quinze testemunhas pre
sentes, tomadas de espanto por verem a roupa e o chao
ensangüentados, nao ousaram sequer transportar o vidente.

— 135 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

14/03/73: reabriu-se a chaga do peito, sangrando 16 horas


ininterruptamente. Exame de laboratorio atestou nao se tratar
do sangue de Clemente, mas de grupo sanguíneo desconhecido.
Estes fenómenos reforgaram a «credibilidade» das aparicóes.

14/03/74: Mais urna vez a chaga do lado se abriu. Cle


mente percorreu passo a passo todo o caminho da cruz até a
crucifixáo, com grande emogáo dos companheiros carmelitas e
de centenas de fiéis.

01?/01/76: «Atendendo a Instrugóes pormenorizadas da


Santíssima Virgem Maria, a Divina Pastora, diretamente ditadas
ao Sr. Arcebispo Pedro Martínez, da Igreja Católica, este orde-
nou sacerdotes Clemente Domínguez Gómez e mais tres jovens
da comunidade da Santa Face» \ Clemente, urna vez ordenado,
passou a chamar-se Padre Fernando.

11/01/76: Clemente (Padre Fernando) foi ordenado


bispo, juntamente com tres presbíteros espanhóis e dois ameri
canos; o mesmo Arcebispo vietnamita era responsável pelo
rito. — Tal cerimónia, como as ordenagóes sacerdotais anterio
res, foram ilícitas, pois a Igreja proibe a ordenagáo de presbí
teros sem autorizagáo do Ordinario do lugar e a de bispos sem
mandato da Santa Sé.

Mons. Pedro N. Ngo Dinh Thuc estava de visita aos santua


rios marianos da Espanha, quando chegou a El Palmar. Anciáo
como era, impressionado pelos progressos do materialismo e da
impiedade, deve-se ter deixado interpelar pelo ambiente de fer
vor daquele povoado. Em conseqüéncia, deu crédito as pre
tensas revelacóes particulares de El Palmar e, por isto, resolve.u
atender as solicitacóes de Clemente, que lhe pedia, em nome da
SS. Virgem, a ordenagáo episcopal.

O Sr. Cardeal-arcebispo de Sevilha, Mons. Bueno y Monreal,


já se havia publicamente manifestado contra as ocorréncias de
El Palmar aos 18/05/70, 15/03/72 e 02/01/76. Advertiu pre-

lAssim se 16 no opúsculo intitulado "Gregorio XVII", da autoría de


P.F., Buenos Aires, feverelro de 9179.

O arcebispo Pedro Martínez é o antlgo pastor da diocese de Hué


(Vietnfi), cujo nome completo é Pedro Marín (forma espanhola: Martínez)
Ngo Dinh Thuc.

— 136 —
EL PALMAR DE TROYA 49

viamente o Arcebispo Ngo Dinh Thuc a respeito da ilegitimidade


dos atos que estava para praticar; misteriosamente, porém, o
prelado vietnamita nao lhe deu ouvidos. Incorreu, pois, em
excomunháo, da qual foi absolvido pela Santa Sé após haver
reconhecido o seu erro e ter mostrado profunda contrigáo pelo
mesmo.

Alguns teólogos julgam que as ordenagóes pratícadas por


Mons. Ngo Dinh Thuc foram válidas, embora ilícitas, pois o
ordenante era verdadeiro bispo e aplicou o ritual que a Igreja
utilizou até depois do Concilio do Vaticano II. Outros teólogos
perguntam se as ordenagóes conferidas fora da comunháo da
Igreja corresponden! á intengáo de Cristo, ministro principal
de qualquer sacramento; jamáis se poderia supor, da parte do
Senhor Jesús, a intengáo de dividir o seu Corpo Místico.

Retomando a historia de Clemente, registra-se ainda:

29/05/76: Clemente perdeu, por completo, os dois olhos


num acídente de automóvel. A Virgem Maria, em mais de urna
ocasiáo, lhe terá prometido olhos novos e haverá exortado os
fiéis a rezar ardentemente para obter táo estupendo milagre.

19/06/78: as 5h e 20min, Clemente recebeu os estigmas


da coroa de espinhos na testa. A fronte ainda sangrava quando
chegou ao Brasil no dia seguinte.

Ocorre agora o «ponto alto» da vida de Clemente.

2. O histórico recente: Gregorio XVIIl

«6 de agosta de 1978. Cidade de Santa Fé de Bogotá, capital


da Colombia. Festa da Transfigúratelo de Nosso Senhor Jesús Cristo.

No dia 06/08/1978, estando o Padre Fernando (Clemente Do


mínguez Gómez) a cumprir missao imposta pelo Senhor em Bogotá,
aconteceu a triste morte do nosso Santíssímo Padre o Papa Paulo VI...
O queridíssimo Sumo Pontífice... tao estimado pela Ordem dos Car
melitas da Santa Face, faleceu por cerca das 14h 40min (hora da
Colombia.).

i O texto que se segué entre aspas, é traducao brasileira de um


documento oficial publicado em castelhano pela Ordem da Sagrada Face de
El Palmar de Troya.

— 137 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Nesse mesmo dio, ... na cápela do Convento de Sao José...


da Ordem dos Carmelitas da Santa Face em Bogotá, apareceu Nosso
Senhor Jesús Cristo, tendo á direita e á esquerda respectivamente os
Apostólos Sao Pedro e Sao Paulo, por volta das 20h 45m¡n (hora da
Colombia).

Nosso Senhor Jesús Cristo disse: HABEMUS PAPAM (Temos Papa).

Depois dirigiu-se a Dom Clemente, perguntando:

— 'Tu me amas?

— Sim, Senhor; eu Te amo.

— Apascenta meu rebanho'.

Nova pergunta:

— 'Tu me amas.

— Sim, Senhor, eu Te amo; bem o sabes.

— Apascenta meu rebanho1.

Pela terceira vez:

— 'Tu me amas mais que todos?

— Sim, Senhor; Tu sabes tudo, sabes que Te amo.

— Apascenta meu rebanho.

Meu querido filho! Agora acompanhado pelos Apostólos Pedro


e Paulo, vou impor sobre ti a Santa Tiara (o Senhor depositou mística
mente a tiara papal sobre a cabeca de Dom Clemente e Ihe entregou
o báculo papal) l.

Filho meu diletíssimo e amantíssimo Vigário! Cumprem-se as


profecías. Morreu o excelso mártir do Vaticano por permissao do
Altíssimo. Desta forma libertou-se da sua prisao. Já reina contigo.
Todo o seu purgatorio, Ele o sofreu durante o seu pontificado, ponti
ficado repleto de amcrgura e dor. Foi martirizado cruelmente por meus
¡nimigos. Esses inimigos sao membros da Curia Romana.

10 nome do novo "Papa" seria Gregorio XVII.

— 138 —
EL PALMAR DE TROYA 51

Agora goza, no céu, de grande gloria... Tornou-se o grande


intercessor da Ordem dos Carmelitas da Santa Face. .. Nunca cometeu
o erro de condenar os Carmelitas da Santa Face. Sempre em seu
coracao aprovou... o episcopado de El Palmar de Troya. E com
esses bispos ele contava sempre como continuacSo da Igreja Santa.
Por isto morreu em grande felicidade, sabedor de que a Igreja iría
odiante por meio de El Palmar de Troya. Ele conhecia perfeitamente
o seu sucessor legítimo: o Papa Gregorio, a Gloria dos Oliváis. Na
solenidade de Nossa Senhora Auxiliadora, aos 24 de maio, ele o re-
conheceu e viu nele repousar a l,gre¡a.

Grande é a alegria no céu neste dia da Transfiguracao no monte


Tabor. E doravante o monte chamado Cristo Reí em Palmar se trans
figura no Tabor, pelo esplendor que vai viver a Igreja nesta apocalíp
tica hora das catacumbas... Comeca agora o reinado da Gloria das
Olivas. Grandes sofrimentos te esperam, meu querido filho... muito
maiores do que a própria cegueira: a cruz da incompreensao e da
perseguido.

Terás que condenar todas as heresías. Te ras que elevar aos altares
tantos e tantos e tantos.. .

Quantos mártires da Santa Cruzada de Franco seráo elevados aos


altares neste pontificado! ... Comecando pelo grande cruzado meu
servo Francisco Franco, o qual intercederá constantemente pelos Car
melitas da Santa Face, como já vem fazendo.

Comeca urna época de ouro para a historia da Espanha. O res-


surgir dos valores, a canonizacáo de valorosos mártires da Espanha...

Comeca o grande pontificado da Gloria das Olivas. O Papa


anunciado por muiros místicos, por muitas profecías. O Papa que
associa em si... o nobre sangue de Espanha com o auténtico sangue
da Franca e com o sangue do povo escolhido, povo judeu... Nao
falta muito para que empunhe a espada e cumpra a missao de Impera
dor, de Grande Monarca. Tudo acontecerá em seu tempo, se fores
fiel e corresponderes á graca.

(Apareceu entao o Papa Paulo VI, falecido horas antes, para


abracar o novo Papa. Apareceu multidao de an¡os. Apareceu o
Espirito Santo. Também se fez presente a Virgem Santíssima)».

O novo Papa será Imperador, como consta do 40* documento


de Gregorio XVII, onde se lé?

— 139 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

«Nos, com a «utorídade de que estamos revestidos, proclamamos


o seguinte padroado:

Declaramos o excelso e sontíssimo José Profetor e Guardiao do


patria espanhola.

O título de José Santíssimo como Protetor e Guardiao da patria


espanhola e estensivo ao futuro sacro PalmarJano e Hispánico Imperio.

Colocamos sob o patrocinio de José Santíssimo todos os prepora-


t vos do Grande Imper.o, para que ele, em uniao com nossa Mae de
El Palmar coroada, chef.e o exército do Papa-Imperador.

Sob a chefia da Santíssima Virgen, María e de José Santíssimo


T ddaSCrhchefia
7'Hde' tao
°~POteÓtíCa A$ tf° d i¡¡
excelso Par». "ó
.novof.Pap? deverá ser ° úWmo na respectiva serie ee
a ao fim dos tempos; ele preparará a segunda vinda do
Si cOr?/, • percorrendo a lis*a dos lemas papáis atri-
So^tn Ma¿aSu|as de ¿"«agh (t 1148), os palmarianos
muito sutilmente julgam que o lema «De gloria olivae» (Gloria
das Ohveiras) designa Gregorio XVII, oriundo da Andalúzia;
Sí ?af (ÍJveiras; G^ório XVH seria a gloria de sua provín-
Í ^^^fquencia, afírmam os palmarianos que o fim
mUlt0 pr0Xim° (0 Papa Pedro n' q^ encerra a
aqTa ^^
Mais: os documentos palmarianos afírmam que Paulo VI
foi o ultimo Pontífice legítimo que tenha governado a Igreja em
Roma; os seus sucessores Joáo Paulo I e Joáo Paulo H sao
tidos como antipapas; a sede de governo da Igreja universal
seria atualmente El Palmar de Troya. O próprio Paulo VI terá
sido vitima de seus mais próximos assessores; estes desde 1970
lhe terao ministrado drogas e venenos, a fím de dominar o seu
raciocinio e parausar as suas pernas; sob Paulo VI, dizem, a
Igreja foi subyugada pelo Cardeal Giovanni Benelli que era
macom, assim como muitos outros Cardeais e prelados eram
(e aínda sao) macons; os palmarianos possuem listas de nomes
de clérigos da alta hierarquia que, segundo os mesmos, se filia-

o.C£". Píi8rarÍl JeSU8 responde a um padre (sem data e seni lugar de


ediSSo.£.
— 140 —
. EL PALMAR DE TROYA 53

ram a Lojas Magónicas. Jesús Cristo terá permitido os maus


tratos infligidos a Paulo VI em punicáo do fato de ter ele doado
a tiara papal, «único emblema dos Papas durante séculos» No
lugar de Paulo VI, os prelados macons teráo colocado um Pana
impostor, um ex-ator de teatro, cujas iniciáis eram PARA
confusáo entre o verdadeiro Paulo VI e o falso Paulo Vi'(culos
retratos os palmarianos julgam poder apresentar) se terá aera
vado pelo fato de que o genuino Paulo VI também doou o anel
do pescador, dotado de selo que autenticava os documentos
emitidos pelo verdadeiro Papa; a conseqüéncia deste gesto terá
sido a diñculdade de identificar os documentos pontificios fide
dignos; nao poucas Bulas e Cartas haveráo sido forjadas
levando a falsa assinatura de Paulo VI.

3. Outras apari^Ses

Como se pode perceber do atrás exposto, a comunidade


eclesial de El Palmar de Troya procura sua fundamentacáo em
visoes, apangóes e revelagóes particulares. Apela nao somente
para as que deram origem á Ordem Carmelita da Santa Face
e a figura do «Papa Gregorio XVU», mas baseia-se também
em outros relatos de aparigóes, das quais váo algumas aqui

^ /'io^"»"^—7 NY» a Virgem Maria terá aparecido


desde 18/06/1970 a Verónica Lueken, nascida em I9237e máe
de familia. As aparigóes se registraram a noite, em datas mar
cadas com antecedencia por Nossa Senhora; cada noite de
apangao foi consagrada por oragáo das 21 as 24 horas- en-
quanto o povo cristáo rezava, Verónica ouvia as mensageñs da
Virgem; depois relatava quanto vira e ouvira, ficando tudo re
gistrado em gravador. Entre outras coisas, a Senhora do Céu
tera pedido a restauragáo da Missa tridentina e a abolicáo da
Comunhao ñas máos; terá predito o flagelo da peste para a
Inglaterra e a Italia, o desencadeamento próximo da terceira
guerra mundial, terrível agáo de Satanás; cataclismas jamáis
vistos na face da térra; frió onde nunca o houve anteriormente-
ondas de calor sobre localidades que nunca as experimentaranv
abalos e terremotos em áreas nunca atingidas em tempos
passados...

2) Em Heroldsbach, Alemanha OcidentaJ, ter-se-áo regis


trado apangoes de Nossa Senhora, de 9/10/1949 a 25/07/1951
a oito meninas de urna aldeia da Baviera, na vizinhanca dé
— 141 —
5! «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Nurenberg. As mensagens de Heroldsbach foram examinadas


por urna comissáo de teólogos, a pedido do Sr. Bispo Landgraf
Asconclusoes da comissáo, desfavoráveis á autenticidade das
visoes, foram aprovadas pelo S. Padre Pió XH, que proibiu fo
mentar as referidas mensagens. Em conseqüéncia, o Senhor
Deus tera incumbido a Sra Teresa Obermayer, irmá terciaria
franciscana, de oferecer desagravo pelos culpados; por con-
segúrate, narra-se que Teresa, em suas visóes, recebeu comuni-
cagoes de prelados falecidos que haviam colaborado para
condenar Heroldsbach e que se retratavam de tal gesto. O Papa
Fio xn, no terceiro aniversario do seu falecimento, lhe haverá
dito:-

«O ,que tu, querida irmá terciaria franciscana, sofres e expías por


mim, te será abundantemente creditado no céu... Oferece o sangue
de Jesús em favor de meus ¡ndizíveis sofrimentos... Lembra-fe das
almas sacerdotal, pois sou o responsável pelo sofrimento délas, por
causa do infeliz decreto que eu aprovei sem o devido exame.. O
Bispo auxiliar de Bamberg, Dom Landgraf, nos informou erradamente
sobre este assunto. Ele terá que expiar duramente pela gravíssima
culpa dentro da Santa Igreja».

3) Também no México, na vizinhanca da capital a San-


tissima Virgem terá aparecido, desta vez a urna Religiosa Mí
nima Franciscana, entre 1969 e 1978. As respectivas mensa
gens foram publicadas pela revista mensal ESTRELA e dizem
entre outras coisas:- '

«Meu filho e eu queremos que luteis... afastando-vos dos falsos


Pastores e Profetas. Que todos combatam com Miguel e seus onjos
contra os vossos inimigos, que sao os anjos caídos» (Aviso em
5/08/69).

Nessa serie de vis5es ter-se-á manifestado o próprio Cristo


pedindo insistentemente a fundagáo da Ordem do Desagravo
que Ele chamava «a mais querida do meu coragáo e a última
Ordem a ser fundada no mundo.... a Ordem precursora da
segunda vinda».

4) Os escritos palmarianos valorizam outrossim as apari-


goes de Garabandal (1961-1965), que foram explícitamente
condenadas pelo episcopado espanhol; San Damiano, na Italia,
com inicio em 16/10/1964; Muriaé (MG), 1971-1979; Nativi-
dade (RJ), 1967-68; Fríburgo (Suica), 1965; Lituania, 1962;
Eslováquia, 1958; Siracusa, 1953; Amsterdam (Holanda), 1945J
— 142 —
EL PALMAR DE TROYA 55

Da Codosera (Espanha), 1945; Bonata (Italia), 1944; Kericinen


(Bretanha), 1938; Heede (Alemanha), 1937-1940; Banneux
(Bélgica), 1933; Ezquioga (Espanha), 1931-34; Beauring (Bél
gica), 1923-33...

As mais recentes dessas mensagens caracterizaram-se pelos


seguintes tragos referidos com certa unanimidade:

«SITUA?AO DE PAULO VI

Coacao física e moral do Sanio Padre Paulo VI.


Ordens, decretos, licencas falsificadas na Santa Sé.
Apelos repetidos para que se reze pelo Papa Paulo VI, pela sua
vida e libertacao.

Cisma após a morte de Paulo VI. Um Anti-Papa.

SITUADO DOS BISPOS

Humildade! Oracao!

Apelos para manterem a Tradicao.


Apelos para porem em ordem a Casa de Deus.

Apelos para nao se comprometerem com as heresias.


Advertencias sobre a infiltracáo macónica, comunista e judaica
na Igreja.

A vocacáo carismática dos bispos de El Palmar de Troya, Espanha,


na otual situacdo: libertar o Santo Padre, apoiar o verdadeiro Papa
contra o próximo Anti-Papa. Quem seria o verdadeiro Papa, quem
seria o falso, ver adiantel

OUTROS AVISOS

A segunda vinda de Jesús é para breve. Sinais.

Mario Santíssima prepara a segunda vinda. Triunfo do seu


Imaculado Coráceo, previsto em Faiima.

A Terceira Guerra. O Globo da Redencao.

— 143 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Voltar á oracáo do Rosario. Nao comungar na mao. Nem


comungar pela mao de quem nao for padre. Senhoras e mocas
osorem trajes femininos e nao masculinos. Padres e Freirás voltarem
ao uso do hábito eclesiástico.

Nao obedecer a Pastores que desobedecam».

(Extraído do livro de P. Ferrari, Jesús responde a uní Padre nova


edicao, p. 99).

Examinemos agora mais detidamente o conteúdo das


«aparicóes» de Nossa Senhora em Minas Gerais.

4. No Brasil: Minas Gerais

No Estado de Minas, narra-se que María SS. foi vista em


Munaé e na serra da Motuca, hoje dita «Montanha Santa» a
100 km de Muriaé, junto á cidade de Guiricema. Vejamos suces-
sivamente a mensagem de urna e outra aparieáo.

4.1. Na Montanha Santa1

Vao extraídos da respectiva fonte (Catecismo ») os


seguintes trechos:

«Nossa Senhora insistía muito na oracao e penitencia pela con-


versáo dos pecadores e pela salvacao do mundo.

Revelara varios sinais dos tempos, por exemplo:

— Aínda faltam 24 anos para que se realize a palavra de Deus


e o Juízo! Até lá muito castigo vai acontecer (1/02/1976) 2...

Jesús está se retirando das Hostias consagradas!

... Os padres sem batina estao formando a lei comunista no


Brasil. Os que gostam de usar temos em vez de batina, seráo todos
encostados! ( 23/07/76).

1 A fonte de informa$6es é o livro «Catecismo das aparleees de Nossa


Senhora em Minas Gerais, Brasil. O que é e o que nSo él", por D. Matías
M. Fsrrflri, 1980.

2 Esta data significa que o fim do mundo é esperado para o ano 2000
sem que se possa justificar tal precIsSo de data. ■

— 144 —
EL PALMAR DE TROYA

Existem doís Papas, como se diz: um em Roma e outro na Espanha


A qual dos dois María SS. mandou obedecer?»

Diz o narrador:

«Elg citou mais de urna vez a Gregorio XVII, da Espanha, como


o Santo. D.SSe aínda que, quanto aos dois Papas, um deles 'era

<<É verdade que o Papa Gregorio foi visto na Santa Montanha


mais de urna vez?»

«Sím, por bilocaefio... Ele estova de ¡oelhos de frente para o


altar da ermida, usava gorro bronco e falava castelhano».

«O Santo Padre Gregorio tem alguém que possa represenrá-lo no


Brasil?

— Sim. Através de repetidos anuncios de Nossa Senhora, tanto


em Muriaé quanto na Montanha Santa, o povo veio a saber que um
sacerdote seria investido em cargos de responsabilidade, e que depois
veio a cumprir-se até nos menores detalhes o que Nossa Senhora
falou».

Por outros documentos (folhas xerocadas e impressas) é


dado a saber que

a) as aparicóes de Nossa Senhora na Montanha Santa


comegaram em 1966, desde 02/02, em favor de urna crianca
chamada Geralda;

b) posteriormente foi «agraciada» com visees no mesmo


lugar.a Sra. Nelvina Sérgia de Lima, que em 1976 tinha trinta
e seis anos, como consta de laudo médico publicado pelo Ser-
vico de Divulgacáo da Montanha Santa;

c) além da Virgem SS., o próprio Cristo tem aparecido


e falado na Montanha Santa desde 1976.

, Ji) S Sr- Bispo D' Gerardo Reis e a Conferencia Nacio


nal dos Bispos do Brasil (esta, em 1982) pronunciaram-se con
tra a autenticidade das visdes.

e) Na Montanha Santa é praticada a «devocáo da Per


manencia Eucarística», que se acha assim descrita em folheto
proprio:

— 145 _
•>§ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

«A devocao da Permanencia Eucarística consiste em a pessoa


ficar com a presenca eucarística de Jesús por 24 horas. .. depois da
S Comunhao alguns dias do ano, prestando homenagem a Jesús
Hostia em atos interiores de adoracao e agradeciente, sem impedi
mento dos trabalhos normáis.

... Para pertencer a esta devocao, é preciso a pessoa ter sido


aprovada.

Nossa Senhora aprovou diversas pessoas e o Menino Jesús também


tem aprovado varias outras ñas aparicoes dele a urna senhora na
Montanha Santa (Vilas-Boas-Guiricema, Minas Gerais, 36525).

... O Menino Jesús esfabeleceu em 1979 na Santa Montanha


que todas as pessoas desta devocño podem receber a Sagrada Co
munhao das mños dele até diariamente: podem se confessar com Jesús
e nao precisam assistir Missa em portugués.

Para receber a Sagrada Comunhño (invisível, mas real e eucarís


tica) das maos do Menino Jesús, a pessoa, entre 6 h e 7 h e 30 min ou
entre 18 h e 19 h e 30 min acende urna vela de cada lado de urna
cruz (de terco mesmo) e pede a Ele. a Sagrada Comunhao. Nao é
preciso ¡ejum.

As pessoas da Permanencia Eucarística nao comungam de pé


(irreverencia) nem da mao de 'ministro1 (comunhao inválida e sacri
lega), nem na palma da mao (comunhao inválida e sacrilega).

... E recomendável homenagem especial de devocao a Nossa


Senhora, principalmente na prímeira recepcño da Permanencia
Eucarística».

Estas noticias fináis sao altamente significativas da men-


sagem e dos acontecimentos da Montanha Santa.

4.2. Em Muriaé

O teor das aparicoes em Muriaé, em favor do vidente José


Geraldo, é semelhante ao das outras «revelacóes» da Virgem
Sejam destacados apenas os seguintes tópicos, extraídos do
livro «Jesús responde a um Padre» (nova edicáo):

— 146 —
EL PALMAR DE TROYA

«1-12-74

Palovras de Nossa Senhora:

., rNmM° das aP<"'«>« marcadas prometo fazer um pequeño


m logre! Mas prev.no ma.s urna vez pora os castigos. Haveré trevas
relámpagos e tempestades e outras coísas maís. Haverá multo choro
e ranger de dentes, e espanto para os que estiverem em má cons-
c.enaa. Ocorrerao fenómenos no sol, nos astros, no céu e na térra
Tremores de term. Confusao entre país e filhos, ¡rmaos, parentes
e amigos...!

23-6-76

Relacionamos tres assuntos ho¡e:

1' — Nossa Senhora recomendó aos Srs. Padres, em diálogo


particular, que guardem prudente silencio sobre determinado Aviso
por enquanto.

j-. f«JT^A°S doentes' s°bre'"d° de cáncer, indica a erva medicinal


aira POfcJO.

3» — Narra para todos, com pormenores, a visita anónima de


seu Divino Filho Jesús a um sacerdote doente em Sao Paulo, fornecendo
nome e endereco do miraculado. O enfermo recebeu a Jesús nada
supondo. Jesús saiu, assim como chegou, sem se identificar, dirigindo
palavras amovéis ao doente, e na despedida levou com Ele os remé-
dios de sobre a mesa, alegando que nao feria necessidade de
medicamentos.

Após a informacao de Nossa Senhora, um sacerdote ali presente


durante a mensagem procurou localizar em Sao Paulo o citado padre.
Conferiu tudo. As informac5es dadas na mensagem eram exatas. Mas
o ex-doente alega ,que a visita foi do jardineiro» (pp. 148-152).*
Pergunta-se agora:

5. Que dizer?
Referimos os fatos e as mensagens com minucias (que
poderiam ser multiplicadas, dada a grande quantídade de ma
terial existente) para que o leitor possa perceber com certa
precisao o teor da questáo em pauta. Tentaremos sintetizar
em dois pontos as reflexóes que nos ocorrem.

— 147 —
60
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

5.1. Revela$5es particulares

Como se vé, os acontecimentos eclesiais de El Palmar de


Troya eda Montanha Santa sao baseados em «aparicóes» e
«revelagoes» do Senhor Jesús e da Virgem SS.

oví-ÍÍh— F^Cóes particulares e, em geral, os fenómenos


extraordinarios sao algo de suspeito, segundo a teologia cató
lica. Esta claro que Deus pode diretamente ou por intermedio
de algum santo comunicar-se extraordinariamente com os ho-
mens para advertUlos a respeito da sua vida de té ou da mo
ral. As autenticas revelacóes nao fazem senáo incutir clássicas
verdades do Credo e da ética do Catolicismo; apenas dáo énfase
a um ou outro ponto negligenciado, como a oracáo e a peni
tencia.

A Igreja é muito sobria diante das noticias de tais fenó


menos; ida nunca os reconhece oficialmente, embora permita
o culto legítimo a Deus e aos Santos nos lugares de aparigóes.
A reserva da Igreja deve-se ao fato de que muitas vezes
tais fenómenos sao meras expressoes do psiquismo dos viden
tes. Com outras palavras: sao íreqüentemente a projegáo de
teses que os videntes trazem em seu subconscientete e que eies
desejam ver respetadas, atribuindo-as ao Senhor Jesús e a
Nossa Senhora.

Nos casos de El Palmar de Troya e da Montanha Santa,


ha evidente motivo de rejeigáo dos fenómenos registrados dado
que o conteúdo das mensagens destrói a íé revelada por Jesús
Cristo e professada pela sua Santa Igreja: é, sim, contrario
aos ensmamentos de Cristo quebrar a sucessáo apostólica e
afastar-se da linhagem espiritual de Pedro ou dos bispos de
Roma (cf. Mt 16,16-19; Le 22,31s; Jo 21,15-17). Os videntes
em pauta e seus seguidores tencionam combater abusos come
tidos pelo clero e pelos fiéis após o Concilio do Vaticano II,
mas nem por isto tém o direito de rejeitar tal Concilio e as
normas emanadas do mesmo, pois se trata de legislagáo sabia
e equilibrada.

Ademáis basta considerar as narragóes das visóes em foco


para se perceber o que tém de fantasioso e inverossímil- Jesús
tera instituido diretamente o «Papa» Gregorio XVII- este é
destinado a reger, como Imperador, o Sacro Imperio'Palma-
nano e Hispánico...; o fim do mundo está próximo; Jesús
mesmo distribuí a Sagrada Comunháo invisível...! Em suma-
nao há como levar a serio a mensagem de El Palmar e da
— 148 —
EL PALMAR DE TROYA

Montante Santa, subjetiva e imaginosa


ga comocomo é.
é. Quanto
Quanto á
á
nóó séLToSwíd
LTSí ¿W^ é ITSa fOrjada
fOjd Oficiosamente
Ofii
14/19591, pp.^84 ' COm° Se P&de ler em PR
Sabiamente as autoridades eclesiásticas rejeitaram a men-
sagem palmanana e a da Montanha Santa. Observe-se, porém-
um folheto emitido pelo santuario da Montanha Santa preco
niza recurso a Nunciatura contra o Bispo diocesano de Muriaé

E£T £¿2288%representa °s*— ^


que a Nunciatura representa o S
nao Gregorio XVII!

5.2. A lgre¡a após o Concilio

O Concilio do Vaticano II (1962-1965) deu ocasiáo a ati-


S21ÍSE12 K?^S?^_«*«- * P-te de
maturas ou mesmo gravemente erróneas da parte de
nírff ehleÍgH°S "a Ig^?a CatÓ1ÍCa' Isto' P°rém. n¿ é motivo
para se abandonar a única Igreja de Cristo.

A renovacáo da Liturgia foi concebida segundo os mais


gemimos criterios de volta as fontes: o uso do virnáSloVdis
tnbuicáo da Comunháo ñas máos, o comungal™^é . £o
praticas dos pnmeiros séculos do Cristianismo, que a Igreja
ííe?fm ? STm rest?uradas desde que se obseYvem Cfrt2
"^ ^^ Se b
É totalmente infundada a informacáo de que Paulo VI foi
drogado por seus assessores,... assessores estes que se teriam
passado para a Maconaria. A documentacáo palmariana pode,
a primeira vista, üudir o público; mas nao impressiona a quem
d«se,a usar de senso crítico, pois assevera sem provar o que
diz; toda assergao que pretenda obter crédito, especialmente se
acusa, deve ser acompanhada de auténticos documentos-fontes.
O que aos fiéis católicos toca fazer nesta hora acidentada
S v^Ja' e Precisan2ente ^ovar sua fidelidade ao Concilio
do Vaticano n e ao Papa, evitando todo subjetivismo e oarti-
cijansmo. Nao é licito aos homens fundar alguní"gV^dto
crista depois que Cristo fundou a Igreja e a entregoS a Pedro
e seus sucessores. Os abusos sao Iamentáveis; eremos, porém
que o Senhor navega na barca de Pedro (cf. Me 4,36-41) em
mera a tempestade e acalmará os ventos daninhos quando Ele
o julgar oportuno, como, alias, os acalmou em outrls ocasióes
da historia da Igreja e os tem acalmado em
em nossos
nossos dias
dias.

— 149 —
O Dr. Fritz voltou... ?

As "Curas" do Dr. Edson de Queiroz


Em sintese: Tem chamado a atencáo a figura do Dr Edson de
Queiroz, do Reciíe (PE), que diz realizar ¡ntervenc5es cirúrgicas sob a
orientacSo do Dr. Adolfo Fritz, médico do espago. Em tais casos, aparente
mente portentosos, registram-se, entre outros, o fenómeno da incorporacao,
que a ciencia parapsicología tem investigado: nao se trata de intervenga^)
do além, mas da projecáo de nogóes guardadas no inconsciente que levam
o sujeito a assumir comportamento novo conforme modelos já conhecldos
através de jomáis, revistas, filmes, etc.

Quanto a "curas", é temerario falar de intervéngaos do além, se nao


se tem certeza de que houve realmente cura. Por ¡sto seria preciso sub-
meter os pacientes assim "curados" a exames médicos objetivos e prolonga
dos para se poder estudar os respectivos casos e tentar urna explicacSo
para os mesmos. Os efeitos do curanderismo sao, em grande parte, expli
cados pelo poder da sugestao, que funciona em alta escala nos casos de
medicina mediúnica.

Comentario: Está nos programas de televisáo e nos co


mentarios públicos a figura do Dr. Edson de Queiroz, médico
e médium do ítecife (PE,) que, segundo se diz, pratica curas
maravilhosas, incorporando o Dr. Adolfo Fritz, «médico do
espago». Este ter-se-á «desencarnado» em 1914, voltou á térra
através do médium de Congonhas do Campo (MG) José Arigó;
atualmente, como se afirma, trabalha com urna equipe de
2.000 espirites, «desencarnados» e encarnados, atendendo á
humanidade sofredora por intermedio do Dr. Edson de Quei
roz; quando recebe a «incorporagáo», o médium médico fala
com sotaque alemáo mesclado de espanhol e francés; enfia
aguihas no corpo dos pacientes sem que sintam dor; faz inter-
vencóes cirúrgicas sem assepsia, extraindo tumores e outras
coisas...

Dada a grande repercussáo de tais fatos, é nosso intuito


comentá-los ao menos sumariamente.

— 150 —
«CURAS» DO DR. EDSON QUEIROZ 63

Refletindo.. .

A fenomenologia apresentada pelo Dr. Edson de Queiroz


sugere algumas ponderagóes:

1) Observando geral

Até meados do século XX, os fenómenos de «incorpora-


gáo», curas funcionáis, telepatía... podiam ser atribuidos á
intervengáo de entidades do além, pois que a ciencia ainda nao
tinha investigado sistemáticamente tal fenomenologia. Toda
vía, depois das pesquisas de Joseph Rhine (Duke University,
U.S.A.) e de Robert Amadou (París), os parapsicólogos con-
seguem produzir os mesmos fenómenos sem recurso a ritual
ou a evocagáo de mortos, ou seja, únicamente dentro de labo
ratorio ou em palco de teatro. Assim a táo significativa feno
menologia está hoje em dia desmitificada; só pode seduzir a
quem nao esteja a par das investigagóes mais recentes ou a
quem, por principio dogmático, queira explicá-la mediante teo
rías «místicas».

2) Incorporado.

A parapsicología é a ciencia que estuda o comportamento


psíquico mais ampio do que o normal (para, em grego, quer
dizer «ao lado de...»). Na verdade, a psique humana lida
apenas com 1/8 dos seus conhecimentos; ela traz em seu
inconsciente 7/8 de nogóes adquiridas desde a infancia através
dos olhos, dos ouvidos, do tato..., mas nunca utilizadas por
que guardadas ñas profundidades da psique. Todavía, sempre
que alguém é colocado em estado de transe, de sonó hipnótico
ou de sugestionamento, essas nogóes podem vir á baila, tor-
nando-se conscientes e motivando um comportamento novo,
aparentemente «estranho» aos olhos do próprio sujeito e dos
seus acompanhantes; este toma atitudes que parecem nao ser
dele ou do seu verdadeiro en, mas de um eu que nele penetrou
ou «se incorporou». Na verdade, em tais casos nao se trata de
incorporagáo, mas apenas de erupgáo de nogóes contidas no
inconsciente do sujeito; este assume entáo um comportamento
novo, de acordó com os modelos que outrora captou em con
versa de familia, de rúa, em programa de televisáo, em filmes
de cinema, em romances ou novelas, etc.

— 151 —
j>4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

É á luz de tais dados que se há de considerar o caso do


Dr. Edson de Queiroz. Espirita desde os quatro anos de idade,
este profissional terá acompanhado os fenómenos produzidos
por Zé Arigó, no qual «se incorporava» o Dr. Fritz. Urna vez
falecido Arigó, Edson, talvez inconscientemente, terá imagi
nado que chegara a sua vez de «incorporar» o Dr. Fritz. Ten-
do-se sugestionado neste sentido, o médium comecou a repro-
duzir em si o comportamento de um pretenso médico do espago,
inclusive assumindo o sotaque estrangeiro misto de alemáo,
espanhol e francés. — Este fato nao nos leva a admitir a exis
tencia de um médico do espago; pode ser explicado pelo jogo
de psiquismo do Dr. Edson, como acabamos de expon
Os mesmos fenómenos de «incorporagáo» ocorrem tam-
bém na Umbanda, onde se diz que tal ou tal médium recebeu
o espirito do «preto velho« ou do «cabloco» ou do «vovó indio».
Trata-se exclusivamente da projegáo de nogóes já existentes
no inconsciente do médium, projegáo provocada pela expecta
tiva de receber um espirito do além.

3) As curas

No tocante as curas «maravilhosas» será preciso distinguir


entre doengas funcionáis e doengas orgánicas.
As doengas funcionáis sao aquelas que dependem de um
trauma ou bloqueio psíquico; este impede o bom funcionamento
do organismo. Elas sao curadas desde que intervenha um fator
de desbloqueio ou algo que dissipe o trauma ou a sugestáo
negativa que domina o paciente. Tal desbloqueio ocorre quando
a pessoa é colocada em presenga de um curandeiro e deste
recebe um tratamento que o paciente julga ser eficiente; tal
tratamento, as vezes simplório, é capaz entáo de desbloquear
a pessoa e permitir-lhe o gozo normal de suas fungóes orgá
nicas. Nao há ai a mínima intervengáo do além.
Quanto as doengas orgánicas (tumores, dilaceragáo de
tecidos...), sao tratadas mediante intervengáo «cirúrgica» na
clínica espirita do Dr. Edson de Queiroz. A propósito será pre
ciso fazer ulterior distingáo:

a) Alguns dos casos de «cirurgia espacial» ou também


«a distancia» versam sobre males que podem ser eliminados
sem grande aparato de cirurgia científica. Tal é o caso, por
exemplo, do pterigio, especie de pele triangular, cujo vértice,
a partir da glándula lacrimal, vai avangando para o meio da
superficie do olho. Observa a propósito o Pe. Osear Quevedo:
— 152 —
«CURAS» DO DR. EDSON QUEIROZ

«Para extrair-se um pferígio o 'curandeiro-cirurgiao' nao faz


ma.s que raspá-lo um pouco até se desprender, o que é fácil cortando
a pelezinha...

... Sem anestesia, após ter esfregado bem as tesooras ou a


agulha oo a faca na sola do sapato, mesmo ¡numeras vezes tenho
raspado minha esclerótica ou a córnea ou tenho introduzido esses
mesmos instrumentos no ángulo interno do olho e, virando-o para
tras, movimentado o instrumento. Em mim mesmo ou em qualquer
voluntario. A técnica nao tem nada de mérito. É tao fácil quanto
antiga. Em menos de um minuto pode aprender-se, evitando-se todos
os riscos.

Quanto á assepsia, ... nao se deve esquecer que urna gofa de


lagrima misturada com um litro de agua ainda mostra seu poder
desinfetante (lizocima, descoberta por Flemingl). Neste sentido da
assepsia, o olho oferece vantagens ao 1curande¡ro-c¡rurg¡5o1, além da
espetacularidade e impressao .que o manuseio do olho causa aos
observadores» (Curanderismo: um mal ou um bem?, pp. 276s).
b) Outros casos de cirurgia do «Dr. Fritz» devem ser
submeüdos a rigorosos exames médicos. Nao se pode falar de
cura extraordinaria se nao se tem certeza de que houve real
mente cura. Em conseqüéncia, diante das noücias de cura por-
tentosa, e preciso, antes do mais, reunir toda a documentacáo
que permita diagnosticar o mal do paciente antes da «inter-
vencao cirúrgica»; depois desta, é mister submeter o enfermo
«curado» a exames médicos durante um ano aproximadamente
para se averiguar a duracáo da pretensa cura. Ora isto nao
costuma ser feito quando se trata das operacóes espiritas: com
facüidade prodama-se a cura e postuia-se a intervencáo de
um medico do espaco. Um estudioso serio e objetivo nao pode
afirmar coisa alguma se nao tem documentacáo e comprovan-
tes para aquilo que pretende afirmar. "wvan
Além disto, será preciso mencionar que, em nao poucos
casos de curas espiritas, foi evidenciada a fraude ou o truque
da parte dos medmns; estes serviram-se da tripa ou de moela
de galinha introduzida no organismo do paciente e, a seguir
extraída, para dizer que haviam retirado do mesmo unmpel¿
cula ou um corpo estranho. ^
4) Insensibilidade a dor

«nr^Síf^-!,?*0 de qUe ** intervenc5es cirúrgicas do


«Dr. Fntz» sao indolores, embora se finquem grossos Ilfinetes
no corpo do paciente.

— 153 —
66
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 273/1984

A propósito podemos observar que existe nao só a anes-


TS?' masí?mbém a hiPnótica ou sugerida. Nos casos
venfica-se a anestesia por sugestáo indireta: o
recomenda ao paciente pense em Jesús Cristo e pro
™ ""ÍV Efe dUrante a ^rvengáo; a atencáo vo°-
para o Senhor Crucificado faz que o paciente nao per-
ceba a dor que ele em outras circunstancias perceberia O bom
efeito da anestesia por sugestáo depende da confianza que o
CSteSn:POdereS eXtraordinários» *> -randei?o ou
Comenta o Pe. Osear Quevedo:

«Leriche informa como a certos componeses russos bastava dar


um icone, ao qual pudessem rezar durante a operacao, para que esta
se real.zasse sem analgésico algum. Desta forma, o próprio Doutor
Leriche amputou tres dedos de um cossaco e o pé d« oufro sem que
os pacientes, completamente acordados, sentissem dor.

Helena Stewart. . . padeció certa vez de urna doenca aue


embota sem gravidade, era muito doloroso. Aplicando sobre o locaí
dolondo e mchado urna carta escrita por urna pessoa qüe Ihe era
muito simpática, a dor cessou ¡mediatamente» (ob. citada, p. 293).
A propósito recomenda-se a leitura do üvro «C
S tnm d0 Pe'Oscar Queved0-Ed-

(Continuado da pág. 44)


CORRESPONDENCIA BREVE

■H
'AnidH
— 154 —
Um livro muito difundido:

"Autoperfeicáo com Hatha Yoga"


por Hermógenes

pessoas; do ponto de vista da fé crista, nada há a Ihe objeta A cotmovtefio


ee .Ko'oE0 '.é Pa"teísta:,!denf¡«« a Divindade com o'homam e o mundo
apregoa o retorno do eu humano ao Nirvana ou ao Eu verdadeiro

r'SS íísse rcrekos mestres indianos Z


^e associam. Reconhecemos a Hermógenes o direito de expor o seu pensa-
mento; todavía Julgamos que nao deveria citar frases do Evangelho pira
pretensamente apoiar as suas premissas pantelstas; o Evangelho e o C?ls*
«amsmo propoem um conceito de Deus transcendental, disthito do mundo
do qual Ele é criador. A honestidade científica leva o estudioso a ouardar"
o Evangelho na sua identidade, e nao insinuar que a cosmovisáo mntotota
da loga e a doutrina da fé crista se podem coadunar entre s\ Panteísta
• • •

Comentario: Está na 25a edicáo o livro do Prof. José


Hermógenes de Andrade intitulado «Autoperfeigáo com Hatha
Yoga». O autor diz ter beneficiado milhares e milhares de pes
soas inclusive sacerdotes e Religiosas, tanto no Brasil como
em Portugal, na África portuguesa e em o.utros países ainda-
a loga vem resolvendo problemas de coluna, poliartrite, puU
moes, diabetes..., além de dissipar angustias, timidez, tedio da
vida, etc.

Acontece, porém, que muitas pessoas que seguem os cur


sos ou os exertícios da loga, percebem que, através das respec
tivas licoes de treinamento físico e psíquico, é ministrada urna
filosofía ou urna cosmovisáo religiosa que nao é crista Urna
das expressóes mais típicas desse procedimento vem a ser o
livro do Prof. Hermógenes «Autoperfeicáo-aiffiflBllTa^XDea»
cuja leitura é fácil e acompanhada
quadros. ^

R. G. S. CC
f® «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984
Ñas páginas subseqüentes, analisaremos a obra em foco e
lhe teceremos alguns comentarios.
. O conteúcb do livro
A.palav.ra *?Sa vem da raiz sánscrita yuj, cujo sig
e jugo, juneaJo, uniao, integraba©... Praticar a loga
portante), equivale a religar-se, unir-se, juntar-se, comungar'
unificar-se em si mesmo.
Hatha Yoga quer dizer «Yoga do Sol e da Lúa», sendo
que em sánscrito Ha significa sol e tha, Lúa. Donde se vé que
Hatha Yoga é um tipo especial de loga; tem por fim «o aper-
feicoamento do corpo e da mente e a utilizagáo das imensas
potencialidades que dormem no homem e que ele desconhece»
(p. 23).
Com outras palavras: «a saúde de cada pessoa depende do
equilibrio entre o impulso nervoso ortossimpático, que é esti
mulante (Ha), e o vaso simpático, frenador (Tha); entre o
anabolismo e o catabolismo; entre a excitacáo e a depressáo
nervosa; entre a acidez e a alcalinidade...» (p. 25). Ora a
loga, mediante exercícios respiratorios, posturas físicas, regime
dietético..., procura promover tal equilibrio, que redunda em
maior vigor corpóreo e grande paz interior.
Todavía, segundo o Prof. Hermógenes, a finalidade da
loga nao e apenas proporcionar saúde física e psíquica- quem
a pratica somente em vista destes objetivos, está sendo infiel á
própna loga; faz desta urna panacéia. Com efeito; em última
analise, a loga tende a emancipar o homem do seu eu pequeño
para levá-lo ao Eu grande ou ao verdadeiro Eu ou ao Divino,
Infinito, Eterno, também chamado Alma Universal e Nirvana.
O eu pequeño se fecha no egoísmo (ahamkara); é preciso supe
ra"10 até poder dizer: «O Pai e eu somos um só» (Jo 10,30).
Cf. p. 196.
Por conseguinte, a unificacáo ou integracáo a que a loga
aspira, equivale a volta do sujeito ao Todo inicial, que é a
única substancia verdadeira; nesta nao existe maya ou a ilu-
sio de crer que «eu sou um outro e que nao sou vocé que lé
este livro» (p. 195s).
— 156 —
HATHA — YOGA 69

«Quando o homem consegue vencer a ilusao de que ele e seos


semelhanfes sao simples ondas, consegue sentir-se como sendo o
propno océano... Quando os dez mil seres sao vistos em sua unidade
essenaal, retornamos á Origem e permanecemos onde sempre esti-
vemos (Sem I' sem)» (p. 196).

«Ser forte, ser puro, ser tranquilo sao apenas condicoes com
que o aspirante pode caminhar para a Divindade» (p. 42).

Diz aínda Hermógenes, sintetizando seu pensamento:

«loga é urna filosofía, urna ciencia, urna técnica de vida, que


ha milhares de anos vem servindo de estrada de volta aqueles que
anseiam por, novamente, se fundirem na plenitude de onde proma-
naram» (p. 22).

A loga, portante, professa que só há urna grande subs


tancia ou realidade, que se encontra apoucada ou diminuida
em cada individuo e que tende a reabsorver em si pela loga
cada urna dessas individualidades. Por isto refere-se Hermó-
genes ao monismo hindú como fundamento da Hatha Yoga:

«Q monismo hindú, fundamento da Hatha loga, ensina que espi


rito e corpo nao sao mais que aspectos diferentes de urna mesma
unidade essencial» (p. 24).

Na base destas idéias pode-se entender que o iogue reze


nos seguintes termos:

«Tu és meu e eu sou Teu. Tu és eu; eu sou Tu. és meu cerebro.


Ele é lúcido e sao, pois Tu és a luz e a saúde» (pp. 202s) K

l£ de notar, alias, que o Prof. Hermógenes, como os pantefstas em


geral, caem na contradigo de orar a Olvlndade como se fosse um Tu dis
tinto do orante. Dizemos que isto é contradicáo, pois o logue é convidado
a convencer-se de que "eu sou Tu e Tu és eu". Tenha-se em vista a segulnte
prece das pp. 2018, que se confundirla fácilmente com urna oracáo crista:

M,f»it'ü?Z"S0S qUf "lanca8' p«l. P?fe «lelas é Teu Reino. Tu nos queras
perfeltos. Como és Tu perfelto, assim o somos... Tu és perfelto, Pal e
somos fllhos teus".

A razSo desta contradlcéo é o fato de que custa ao homem conven


cer-so de que ele é realmente Deus; custa-lhe crer que nfio há nlnguém
ácima dele.

— 157 —
«Eu sou Tu. Tuéseu... Eu soo Teu filho, feito por 1?¡ « »«a
imagen, e semelhango, portento sou herdeiro da perfeicoW e da
felicidades..

Acrescenta Hermógenes:

«Quanfo mais convicto (da sua paulatina integraco<v,. mais


próximo da realizacño» (,pp. 198s).

A volta á Divindade nao se faz de urna só vez m*s atra-


ves de encarnagóes sucessivas:

«Faz parte fambém da doutrina iogue o desapego a esto */¡*»én-


cía material, que, sendo efémera, nada mais é do que urna *«se na
cadeia de existencias, que um dia terminará com a Fifc«r»acao
total» (p. 42).

2. Postas estas premissas filosóficas, o livro de /í«rmó-


genes ensina as mais diversas técnicas e posturas (ry/ses do
peixe, do arado, do arco, da pinga, da foice, do leáo dfj paváo,
da cobra, da cegonha, do gafanhoto, da bananeira do trián
gulo, do lótus...), que, perseverantemente praticada», devem
levar a pessoa a crescente integragáo ou unificagáo tfll ainda
superagáo do eu pequeño. As pp. 210s tem-se o Quadro Geral
das Técnicas, e as pp. 212-230 as Tabelas correspondentes a
tnnta e urna ligóes de loga.

Estes dados já sao suficientes para se tentar avallar a


mensagem da loga.

2. Ponderando...

Faz-se mister, antes do mais, distinguir entre a íoga no


sentido pleno do vocábulo (como exercícios e filosofía) e a
loga na acepgáo reduzida da palavra (como exercícios «penas).
— 15R _
HATHA — YOGA

2.1. A loga no sentido pleno

1. Os exercícos da loga foram concebidos e, a principio


praticados na india por mestres de filosofía monista ou pan-
teísta1. Estes professavam haver urna só substancia divina,
que, mediante o treinamento iogue, deveria recompor a sua
unidade esfacelada (ao menos superficialmente) pela multidáo
de individualidades ou de eu pequeños que habitam este mundo.
Em conseqüencia, a justificativa mais freqüente da técnica da
loga está nesse monismo do seu berco. É fácil, por isto, com-
preender que a explanado dos exercícios iogues implique, em
grau ora mais, ora menos explícito, a exposigáo da cosmovisáo
monista ou panteísta da india.

Ora tal cosmovisáo é incompatível com a mensagem da fé


crista. Esta é monoteísta: afirma que há um só Deus, distinto
do mundo e do homem, Criador de todos os seres visíveis e
invisíveis. Entre Deus e a criatura (mundo irracional e homem)
nao há continuidade de ser, pois Deus é o Absoluto e a cria
tura é relativa; Deus é necessário e a criatura é contingente-
Deus é eterno e a criatura é temporal; Deus é por si, a cria
tura é por outrem.

É ilusorio dizer que o Eterno pode vir a ser ou pode evo-


luir. ;. Se Ele evolui, muda; se muda, nao possui toda a sua
existencia simultáneamente (como exige o conceito de eterni-
dade)... A eternidade nao conhece passado nem futuro; nao
e urna sucessáo indefinida de momentos; mas é um presente
que traz em si toda a sua riqueza ou que é incapaz de adquirir
ou de perder algo.

_ V§-se, pois, que o monismo e o panteísmo nao somente


nao se coadunam com a fé católica, mas também sao contra
rios aos ditames da lógica ou da filosofía racional.

o i. .« M.ontomo designa doutrlnas segundo as quals há um só tipo de


substancia ou realldade. "É característico do monismo... reduzlr qualquer
substancia á que se julga ser a única existente, declarando que é única
mente urna aparéncla da substancia ou do tipo de substancia existente"
22628)rater M°ra' DIcelonarl0 dB R'«»«>fla, vol. 3. Madrid 1979,
"Panteísmo é a doutrina que, dlante dos dols termos — Deus e
mundo —, procede á IdentlficacSo de um com o outro. Neste sentido o
panteísmo ó urna forma de monismo" (Ib., p. 2.483).

— 159 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

2. A sá razáo exige outrossim que se estabeleca urna


distmgao real (sem antagonismo, poréxn) entre materia e espi
rito. A materia é corpórea, quantitativa, dimensional ao
passo que o espirito é um ser nao quantitativo ou dimensional
dotado de inteligencia e vontade.

O Prof. Hermógenes admite como intermedio entre o corpo


físico e a mente o duplo etérico ou corpo pránico ou corpo
bioplasmático. Este seria um organismo energético que con
torna o corpo físico á semelhanca de urna aura; tena as fun-
cóes de permear, alimentar, organizar, comandar, vivificar o
corpo físico; «estaría em permanente contato e interacáo com
o campo energético universal, do qual faz parte, dele assimi-
lando maior ou menor quantidade de energía» (p. 58). Ora
a cosmovisáo crista só conhece materia e espirito; estes se
unem diretamente entre si, como o corpo e a alma do homem-
o que nao é materia, é espirito.

Seja mencionada também a inadequada nocáo de espirito


professada pelo Dr. Amaro Azevedo, autor da Introducáo do
livro:

«Podemos iluminar-nos com o Espirito, esta vibracao que anima


todas as formas do universo, desde os milhoes de átomos do grao de
areia ao recóndito abrasador do sol» (p. 16).

Dizemos: Espirito nao é vibragáo, pois nao é corrente


nem fluxo nem energía quantitativa, mas é um ser incorpóreo
e nao quantitativo, dotado de inteligencia e vontade.

3. O livro do Prof. Hermógenes nem sempre dá a ver


a incompatibilidade entre «o monismo hindú, fundamento
filosófico da Hatha-Ioga» (p. 24) e o Cristianismo. Ao contra
rio; insinúa que o Cristianismo e a loga convergem entre si,
pois nao raro cita o Evangelho para apoiar suas afirmacóes
básicas; assim, por exemplo, as pp. 22, 96, 205, 206... As
passagens do Evangelho sao assim violentadas como se signi-
ficassem o que na verdade elas nao significam: a parábola do
füho pródigo (Le 15,11-32), citada & p. 22, nada tem que ver
com retorno á Alma Universal ou ao Nirvana; quando Jesús
diz que o Pai e Ele (Jesús) sao um só (Jo 10,30), tem em mira
a consubstancialidade própria das pessoas da SS. Trindade, ou
a vida do próprio Deus transcendente. Nao tem sentido a se-
guinte frase do Dr. Amaro Azevedo, autor da Introducáo do

— 160 —
HATHA — YOGA 73

livro (p. 16), pois mistura conceitos heterogéneos- «A obra


do Prof. Hermógenes nos envia a meditagáo em AUM, a sinto
nizar com Deus Pai, Deus Filho e Deus Espirito Santo».

Também nao se vé por que colocar na mesma serie Budha


Krishna e Cristo como sendo «os mais sublimes exemplos de
enviados que desempenharam a missáo de reconduzir os seres
humanos as trilhas cósmicas que levam á Suprema Libertacáo»
(p. 191; cf. p. 18). A missáo de Cristo tem certamente signi
ficado muito diferente daquele que toca a Budha e Krishna
(figuras do panteísmo).

4. Pergunta-se;, será que o Prof. Hermógenes nao percebe


a diferenga de premissas e de cosmovisáo existente entre o
Cristianismo e o hinduismo? É de supor que, em sua cultura
geral, ele conheca bem tal diferenca; se assim é, pode-se-lhe
censurar, em nome da honestidade doutrinária, o fato de
insinuar que Cristianismo e hinduismo se coadunam entre si.

Quando o Prof. Hermógenes afirma que sacerdotes, monges


e freirás católicos foram seus discípulos (pp. 9s), deveria ser
mais preciso, pois tais Religiosos apenas adotaram as técnicas
logues e nao a cosmovisáo respectiva; os dizeres de Hermógenes
insinuam que, sem mais, alguém pode ser cristáo e iogue (prati-
cante de exercícios e panteísta). Alias, o título mesmo do livro
do Pe. Monchanin que o Prof. Hermógenes cita á p. 20, insinúa
bem que o padre adaptou a loga á cosmovisáo crista, e nao
a adotou em sua amplidáo.

Em conclusáo: verifica-se que o leitor que absorva, sem


mais, quanto o Prof. Hermógenes propóe em seu livro, abraca
urna filosofía religiosa que, apesar das aparéncias que o autor
lhe quer prestar, nao se compatibiliza com a mensagem crista.

Levemos agora em consideracáo

2.2. A loga como técnica

Os exercícios físicos emanados pela loga possuem embasa-


mento na anatomía e na fisiología humanas; podem ser úteis
a quem os pratique. Todavía os cristáos que se submetem ao
tronamenta da loga em escolas e cursos ou através de leituras
nao de estar alertas para a necessária distincáo entre a técnica

— 161 _
ü «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

e a cosmovisáo da loga, de modo que conservera seus principios


monoteístas. A propósito, pode-se recomendar o livro de Yves
Moncnamn: Yogain da Christ. La voie du silence (existe em
tradugao portuguesa), que abstrai do fundo panteísta da losa
propondo apenas os respectivos exercícios.

Muito sabiamente escrevia Sao Paulo palavras que se


aplicam a atitude a ser assumida pelo cristáo perante a loga:

«Examinen tudo; conserva? o que é bom. Afcstai-vos de toda


espede de mal» (lTs 5,21 s).

* * *

CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDENCIA


A Escola de Fé e Catequese «Mater Ecclesiae» está para
lancar um Curso Bíblico por correspondencia destinado a agen
tes de pastoral e ao laicato em geral.

Compreenderá quatro etapas: 1) Introducáo Geral á S Es


critura (12 ligóes); 2) Introdugáo Especial ao Novo Testa-
mentó; 3) Introdujo Especial ao Antigo Testamento- 4) Exe-
gese de textos seletos. '

As inscricóes poderáo ser feitas em qualquer época do


ano. O cursista receberá ligóes acompanhadas de questionário
atinante a materia. Depois de estudar, responderá as ques-
toes e enviará as respostas á Escola. Esta as devolverá corri-
gidas, com novo bloco de ligóes. Se, ao fim das tres primeiras
etapas, obtiver 75% de acertos, receberá certificado da Escola
«Mater Ecclesiae».

As inscricóes podem ser feitas desde já, com indicacáo do


nome e do enderego do cursista e o pagamento de Cr$ 1 000 00
pela primeira etapa (12 ligóes). Enviar inscrigáo e pagamento
(em cheque bancário) ao seguinte enderego:

Escola «Mater Ecclesiae»


Rúa Benjamín Constánt 23, 3» andar
20241 RIO DE JANEIRO (RJ)

Pede-se a todos queiram fazer a possível divulgagáo desta


iniciativa pastoral.

— 162 —
Mais urna vez a Trilogía Analítica:

"A Glorificado"
por Norberto Keppe

Em símese: O livro "A Gloriflcacáo" propde urna s[rítese do pensa-


mento científico-religioso da Trilogía Analitica, escola de terapia que ten-
clona respeitar ou mesmo cultivar os valores religiosos. Acontece, porém,
que a síntese da Trilogía é deficiente, tanto do ponto de vista religioso
como sob o aspecto científico. A negacSo do inconsciente, que, em última
análise, vem a ser substituido pela atuacáo do demonio, é um dos pontos
nevrálgicos do sistema trllógico. Este, nos últimos meses, val tomando
características de fanatismo religioso, que anuncia ao mundo um certo
messianismo; a Trilogía estarla para libertar do demonio a humanldade, que
desde as suas origens vem pactuando com o Maligno. — Há nesta pro-
posicfio algo de irracional, que corresponde a outras manifestacOes de
irracionalismo da nossa época; dlr-se-la que os homens de nossos tempos,
saturados e desiludidos do racionalismo dos decdnios passados, se Incllnam
fácilmente para propostas mágicas, tidas como mais eficientes do que as da
ciencia e da filosofía. — A fé, neste contexto, assume funcáo de enorme
importancia; seja, porém, urna fé apoiada em criterios de credlbilidade
devidamente examinados pela razio.

Comentario: Já em PR 270/1983, pp. 433-440 foi abor


dado, aínda que sumariamente, o tema da Trilogía Analítica;
tratava-se de ecos do Simposio de Demonologia, realizado pela
Sociedade Brasileira de Psicanálise Integral em Sao Paulo (SP)
aos 13 e 14/08/83. Visto que o assunto continua suscitando
grande interesse, voltamos ao mesmo, analisando um dos livros
mais expressivos da Trilogia: «A Glorificagáo», da autoría do
Dr. Norberto Keppe \

1. O livro: conteúdo

O autor diz que, desde enanca, procura Deus. Foi semina


rista católico, convidado a se afastar do Seminario, pois o Reitor
o achava «muito evoluido». Procurou Deus também nos siste-

1 Editora Protón, SSo Paulo, 140 x 210 mrn, 168 pp.

— 163 —
11 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

mas de filosofía, entusiasmando-se principalmente pelos filósofos


medievais (Agostinho, Anselmo e Tomás de Aquino) Por
ultimo, pos-se a pesquisar dentro das ciencias, nao só as físicas,
mas tambera as psicológicas; finalmente no campo da psicotera-
pía, comecou a perceber melhor Deus, «pois o encontrei basica-

?^Z^\$°Slhumano> a ^predosa criagá0 do


Atualmente o Dr. Norberto Keppe parece ser um hornera
religioso, mas desligado de qualquer instituicáo, dando interpre-
tacao pessoal aos conceitos de fé, pecado, virtude, possessáo
diabólica, vida eterna, etc. Ele chega a ser muito critico em
relacao a certas facetas do Catolicismo, como a ascese a Vida
Religiosa regular, o magisterio da Igreja.

Vejamos como o autor propóe a sua mensagem:

1.1. Trilogía: o nome

A escola de N. Keppe tem o nome de Trilogía, porque ten-


ciona associar entre si o sentimento, o pensamento e a acáo
que, segundo Keppe, correspondem respectivamente á Religiáo
a Filosofía e á Ciencia. Por conseguinte, em toda a sua obra
Keppe fala de temas religiosos como Deus, Jesús Cristo o
Evangelho, a vida eterna... '

A Trilogía de Keppe traz o adjetivo «analítica», pois o autor


e um analista que passou dezoito anos na escola de Sigmund
Freud; depois transferiu-se para a de Vflrtor Frankl, que res-
peita o concertó de Deus; finalmente, exerce a psicoterapia a
seu modo, ou seja, urna psioanálise dita «integral», desvinculada
de qualquer corrente piscanalítica da atualidade.

. A Trilogía parte do conceito de inversa», que Norberto


Keppe diz ter descoberto em setembro de 1977 e que «le assim
explica:

1.2. Inversóo e conversáo

Desde que existe, o homem tem contato com o mundo, que


se Ihe revela aos poucos; é isto que se chama «revelacáo»- a
pessoa que nao aceita essa realidade como ela é, sadia boa e
bela, mas a julga iníqua (como se fosse um castigo imposto

— 164 —
«A GLORIFICACAOs

pela vida), sofre de um processo de inversáo. Por conseeuinte


a inversáo consiste em «colocar tudo ao contrario em nossó
interior»: a realidade seria nociva; o amor, um prejuízo- o odio
um bem; a paciencia, um desgaste; a intolerancia, um pro-
gresso, etc. (cf. p. 16). p

Pela inversáo o homem foge da realidade ou da verdade


e vive da fantasía: «Nao há problema algum que nos cause
daño, mas todo o perigo está em nossa atitude de nao querer
ver o que existe, colocando em seu lugar a fantasía aue
criamos» (p. 17). o a yuc

Para remediar á inversáo, requer-se, da parte do homem


a conversao: «Diante da verdade, pederemos ter urna atitude de
inversáo ou outra de conversao. E, como a própria palavra diz,
mverter e o ato de transtomar, de colocar a realidade de pernas
para o ar-ea conversao é a atitude de estar com a versáo,
isto e, de aceitar a coisa exatamente como é» (p. 91).

. .. f, c°nversáo é favorecida pela psicoterapia, que ajuda o


individuo a se libertar da fantasía e «a recolocar cada coisa (que
deslocamos) novamente na sua devida posigáo» (p. 14).

1.3. Inveja, Teomania e Consciéncia

2. Outro mal que aflige o homem, é o da inveja, enten


dida no sentido de «invidencia» ou «nao querer ver» (in, pre-
fixo negativo; videro, ver), o invejoso nao quer ver a realidade
como criatura de Deus e faz-se ele mesmo Criador; torna-se
assim teomamaco (tem a mania de ser Deus) ou megalomaníaco
(tem a mania de ser grande). Diz N. Keppe:

«O século XX apresentou-se com um aspecto tenebroso: «vemos


duas guerras mundiais, e estamos no perigo de urna terceira, que seria
a ultima. Temos um aumento impressionante de crimes, seqüestros
roubos e delinqüéncias de toda especie. As grandes florestas estáo
sendo dizimadas, os rios e mares poluídos. Estamos em.perigo de
pereamento pelos próprios alimentos que plantamos e pelas carnes
e peixes que comemos, envenenando-os antes. Entao existe alguma
coisa de muito errado na dvilizacao atual — esta coisa errada vem
do pensamento do ser humano que, por forca, quer pensar que qual-
quer perigo será dominado a tempo. A isso eu chame! de Teomanía,
isto é, a idéía de que feriamos o poder de deuses; no momento em
que quisermos, por um passe de mégica, colocaríamos cada coisa no
seu lugar. Mas nao é assim» (p. 21).

— 165 —
.78 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

.- ?' ° remédio para essa teomania é a tomada de oons-


riéncia da verdade ou da realidade: «O problema fundamental,
na atitude do homem, é o seu esforgo para apagar a consciéncia
de qualquer problema... Ao conscientizar um problema, já
estamos no caminho de resolvé-lo» (p. 22).

Como se vé, Keppe, neste contexto, nao entende oonsciéncia


no sentido de guia interior que nos orienta na vida moral, mas
em sentido psicológico.

Na base de tais premissas, a Trilogia nao aceita a nocáo de


inconsciente tal como Freud e a psicanálise em geral a propóe
O inconsciente (o Id ou o Es) seria a fonte explicativa de muitas
atitudes erróneas do homem; os traumas ou complexos guar
dados inconscientemente ñas profundidades do psiquismo expli-
canam gestos agressivos e comportamentos desordenados do
respectivo individuo. Ora N. Keppe julga que o inconsciente,
sendo algo de negativo, nada elucida; da negagáo nada procede:
«A psicanálise... incorre no seu maior erro ao colocar em algo
negativo o fundamento de toda a existencia psicológica É
mteressante essa inversáo (realizada por Freud)... a rejeicáo
á consciéncia nao é sinal de que exista um inconsciente» (p. 10).
Ademáis Keppe julga que o binomio inconsciente-cons
ciente redunda em dualismo semelhante ao dualismo (antago
nismo) que PlatSo estabelecia entre corpo (mau) e alma (boa) •
«Freud, ao incentivar o interesse por um inconsciente, repetiü
o velno dualismo antigo e medieval, ao querer ver urna fonte
de bem (o consciente) e outra do mal (o inconsciente). E este
roí tambem o seu engaño básico» (p. 76).

1.4. A origetn da doenea na vontade

«O ser humano, diante da realidade, só poderá ter, de doa$, urna


atitude: aceita-la, ou entSo negá-la, tentar omiti-la, ou deturpá-la.
Neste último caso, temos o individuo doente, psíquica ou orgánica
mente» (p. 32). «Parece que adoecemos só porque atacamos a
realidade... devido ao nosso desejo de esconder o que realmente tem
valor, pela ¡nveja (alienacao) ao trabalho de Deus» (p. 33).

A deturpacáo da realidade, que torna o homem doente, é


também a atitude dos espirites malignos ou dos demonios;
cf. pp. 92s. Por isto julga Norberto Keppe que as doengas tém
algo de demoníaco ou que as pessoas enfermas sao endemonia-

— 166 —
«A GLORIFICACAO» 79

das. Quanto mais grave é a doenga, mais aguda é a presenga


do demonio no paciente. A Trilogía admite com freqüéncia a
agáo do Maligno entre os homens, principalmente entre os
doentes e os criminosos ou malfeitores; tenha-se em vista o
Simposio, sobre Demonologia realizado em Sao Paulo (SP) de
13 a 14 de agosto de 1983, do qual existe breve relatório em
PR 270/1983, pp. 433-440.

A conseqüéncia de tais premissas é que a cura das doencas


que afetam o homem se obtém principalmente pela psicoterapia
trilógica; esta desvia o homem da imaginacáo, da alienacáo e do
melaRomania e fá-lo tomar consciéncia da realidade-verdade.
Eis como se exprime N. Keppe:

«O que somos? Nossa neurose, psicose, doenca, engaño, erro?


Nao; o que somos é a verdade, a realidade, a maior magnificencia
de toda a criacao — e o chamado mal é apenas urna atitude de
omissáo, negacao ou de deturpacao dessa maravilhosa realidade.

Estamos (¡gados a tudo o que é maior, mais belo e melhor do


que nos — nossa doenca é só a afitude de querer desligar essa incrf-
vel uniao. Nao.nascemos para o infortunio e a desonra, mas para a
gloria e felicidade; nossa verdadeira existencia nao é o martirio e o
sofrimento, mas a alegría e satisfacáo; nao nascemos para o próprio,
mas para a realizacao, pois nosso Criador é o que de mais rico existe,
o que de melhor, mais belo e agradável poderia haver» (p. 74).
Norberto Keppe repete algumas vezes que o mal nao é urna
entidade ou um ser positivo, mas apenas a privagáo do benv
cf. pp. 13. 89.125. Á p. 89, declara;. «Há dois anos atrás, depa-
rei com um conceito dos tempos do apogeu do cristianismo,
que dizia ser o mal apenas a privagáo do bem — parece que
emitido pela primeira vez por Orígenes de Lessa, mas já pre
nunciado por Tatian no sáculo ü». — Ora no caso trata-se de
Orígenes de Alexandria, escritor cristáo falecido em 256, e nao
do poeta Orígenes Lessa, membro da Academia Brasileira de
Letras!... Na base de tais conceitos, N. Keppe é muito oti-
mista em relacáo á cura de pacientes afetados nao só por
doengas psíquicas, mas também por males orgánicos. A Trilogia
Analítica seria a chave para livrar tais enfermos, atuando nao
mediante remedios farmacológicos, mas mediante a reestrutu-
ragáo do psiquismo do interessado. Segundo a terapia trilógica,
o paciente passa pelas etapas da Revelagáo, da Ascensáo e da
Glorificagáo, chegando a uniáo com Deus, para o qual foi feito:
«nascemos para o Divino, e só nos sentimos bem quando o
aceitamos» (p. 131).

— 167 —
_§2 «rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Tal é, em síntese, o conteúdo do livro «A Glorificacáo»-


apresenta numerosas repeticóes, que incutem sobejamente as
ideías do autor, mas tornam a leitura desnecessariamente
cansativa.

Procuremos agora formular

2. Urna avalia^ao

Salientaremos dois aspectos globais: o religioso e o


científico.

2.1. Catéter religioso

Quem lé o livro «A Glorificagáo», percebe que os conceitos


religiosos (Deus, Jesús Cristo, fé, Evangelho, vida eterna )
o perpassam de ponta a ponta. Isto nao pode deixar de atrair
para a Tnlogia muitos pacientes, que precisamente sao pessoas
de fe necesitadas de psicoterapia, mas incompreendidas pela
psicanalise pansexualista e materialista da escola freudiana É
esta nota religiosa que certamente leva murtas pessoas a Dro-
curar a Trilogía. y

_ Todavia é de observar que os conceitos religiosos cristáos


sao manipulados pelo Dr. Keppe de maneira multo subjetiva
de modo que, guardando a linguagem da fé, o mestre elimina*
ou desfigura o conteúdo dessa linguagem. Tenham-se em vista
os seguintes tópicos:

a) Fé seria «a fidelidade á verdade (que é o nosso im


pulso básico)... A verdade nao está apenas em um templo,
Universidade ou instituicáo; ela está em toda parte, principal
mente no proprio interior (psicológico). Deste modo, o meio
para vive-la plenamente é pela aceitacáo da vida psíquica aue
carrega táo incrível realidade» (p. 87).

Ora a doutrina católica ensina que a fé é a adesáo do


nomem a Deus, que se revela, comunicando á criatura o misté-
no da sua vida e o seu designio de salvagáo; tais verdades, como
se entende, ultrapassam a capacidade de compreensáo da razáo
humana e poem o homem no plano sobrenatural \ Donde se vé

»Sobrenatural nfio quer dlzer "milagroso", mas ó aqullo aue trans-


ceiníe as exigencias da criatura como tal. q q °

— 168 —
«A GLORIFICACAO» 81

que a fé, para Norberto Keppe, nao tem exatamente o mesmo


significado que para a doutrina católica. — Ademáis, para o
fiel católico, existem dogmas de fé ou verdades que a razáo
humana nao pode nem provar nem refutar, porque transcendem
os limites do raciocinio — o que nao parece corresponder ao
pensamento do Dr. Keppe (cf. p. 77).

A Trilogía mostra-se contraria ao uso da razáo como o


entende o pensamento católico; com efeito, a teología, segundo
o Catolocismo, vem a ser a penetragáo da verdade revelada por
Deus mediante o instrumental da razáo e da Filosofía. Nor
berto Keppe impugna com veeméncia a obra de S. Tomás de
Aquino, o grande teólogo que procurou ilustrar as verdades da
fé mediante os recursos do raciocinio; cf. a revista «Psicanálise
Integral» ano VI, n» 11 (1983), pp. 27-36.

b) Pecado: «Se cometemos algum erro, que as religióes


convencionaram chamar de pecado, será algo contra nos, e
mais ninguém — se trata apenas de urna privagáo contra
nossa pessoa — o que significa urna atitude de recusa ao que
nos é precioso e mais caro» (p. 69).

Diante desta sentenga, a doutrina católica lembra que o


pecado e também um Nao dito a Deus; é urna recusa do convite
feito ao homem para participar da comunháo com a vida do
Pai, do Filho e do Espirito Santo.

O pecado dos primeiros pais é mencionado as pp 13s-


segundo Keppe, refere-se «á atitude de todos nos em relacáo á"
verdade... nao algo que houve um día e agora estaría nos
condenando, mas como urna decisáo diaria da vida». Também
este conceito nao condiz com o da doutrina católica: o pecado
dos primeiros pais é um fato real passado; abstracto feita das
imagens de linguagem, pode-se dizer que implicou num ato de
soberba dos primeiros homens, que, convidados por Deus para
o consorcio da vida divina na qualidade de filhos, preferiram
ser auto-suficientes ou ser como Deus sem Deus (cf. Gn 3,5).

c) Sofrimento. A Trilogía nao sabe acolher a realidade


do sofrimento dentro de urna conccpcáo otimista. Parece que
o sofrimento ai é sempre decorrente de urna deformagáo de
atitudes do homem ou talvez, em última análise, algo de
demoníaco. — A fé crista vé no sofrimento outra faceta; é ins
trumento de redengáo e santificagáo do homem. Já a cruz de

— 169 —
82 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Cristo foi tal; tal é também a cruz de cada cristáo. É isto que
explica a atitude otimista e confiante do cristáo diante do sofri-
mento. A mortificagáo voluntaria também tem sentido positivo
pois significa a procura do autodominio ou da purificacáo in
terior; por ela a nova criatura vai-se afirmando com detrimento
para o velho homem ou as paixóes desregradas (cf. Gl 5,24;
*Oor 4,16; 5,17).

d) Igreja, Norberto Keppe julga que «só houve um legí


timo Cristianismo até o século IV, enquanto permaneceu no ar
a magia maravilhosa do Deus que desceu á térra» (p 128)
Pergunta-se;. que significa essa «magia maravilhosa»? Áp 128
diz o autor: «No século IV (os cristáos) tentaram unir o cha-
mado poder espiritual ao temporal. Creio que, daqui por diante
o Cristianismo foi mesdado com elementos falsos, que o vém
prejudicando» (cf. p. 76). Estas palavras fazem eco a repetido
«chavao», que vé na era de Constantino Imperador (336-337)
a deturpagao da mensagem crista; a propósito já foram tecidas
longas consideragóes em PR 271/1983, pp. 468-473, onde se
mostra que tal opiniáo supde tendenciosa interpretagáo dos
fatos; nao parece necessário voltar ao assunto neste fascículo.

Após a publicagáo de «A Glorificagáo» (1981), o pensa-


mento de N. Keppe evoluiu, pois o autor atualmente afirma que
a deturpagáo do Cristianismo comecou com o próprio Sao Paulo
na primeira geracáo; com efeito, o Apostólo terá introduzido no
Cnstianismo a concepgáo de que é preciso lutar contra a carne
(cf. ICor 9,25-27; Rm 6,6.12.13.16) — o que, para Keppe, é
dualismo gnóstico a ser removido pela Trilogía Analítica, que
assim reabilita o pensamento de Jesús Cristo! Vé-se fácilmente
quáo despropositada é tal opiniáo. O cristáo nao repudia o
corpo, mas apenas procura, mediante seria disciplina, torná-lo
harmonioso, de modo a exprimir os elevados ideáis de pureza
e santidade concebidos pelo Cristianismo.

Em geral, Keppe se mostra pouco amigo das instituigóes


religiosas, inclusive da Igreja Católica; apregoa urna religiosi-
dade subjetiva e vaga.
e) O homem, segundo Norberto Keppe, é «chamado ser
absoluto» (p. 73); é «eterno» (pp. 130 e outras). Rigorosa
mente entendidas, estas palavras implicam panteísmo; a divin-
dade e o homem seriam urna só substancia, que se manifesta
diminuida ou apoucada em cada ser humano e tende a se re
constituir no nirvana. Sabemos que N. Keppe nao é panteísta,

— 170 —
«A GLORIFICACAQ 83

mas registramos a imprecisáo de linguagem. Qutras improprie-


dades de expressáo teológica se encontram nos escritos da
Trilogía; esta muito lucraría se nao entrasse tanto pelo campo
da teología, que é urna área de trabalho dotada de métodos
próprios e requer especializagáo, que os arautos da Trilogía nao
possuem.

2.2. O aspecto científico

Se do ponto de vista teológico a doutrina da Trilogia muito


deixa a desejar, também do ponto de vista científico é insufi
ciente ou mesmo aberrante. N. Keppe nega a realidade do
inconsciente como fonte de comportamentos deformados, e
pretende reduzir estas deformagóes, próxima ou remotamente,
ao demonio. Ora a existencia do inconsciente é fato real com-
provado pela experiencia dos pesquisadores desde o comego do
século XX; realmente é no inconsciente marcado por traumas
e complexos que muitas vezes está a raíz das condutas inade-
quadas de um paciente. A designagáo «inconsciente» nao sig
nifica que se trate de um nada ou de algo meramente negativo;
na verdade, o inconsciente consta de impulsos espontáneos la
tentes ñas profundidades do psiquismo humano,... impulsos
reais, dos quais o sujeito ignora a existencia e a potencialidade;
a negagáo, no caso, recaí apenas sobre o conhecimento que o
individuo deveria ter de tais instintos, nao, porém, sobre a reali
dade dos mesmos. Esses instintos sao, pois, algo de positivo e
forte, capaz de gerar tensóes dentro e fora do homem.

Postular a agáo do demonio nos individuos para explicar


doencas e deficiencias moráis é totalmente gratuito; por certo,
nao corresponde á doutrina católica. Esta aceita a realidade do
demonio; afirma que Deus pode permitir-lhe tente os homens
a fim de acrisolar e comprovar as suas virtudes, mas nao vé
por que atribuir todos os males — físicos e moráis — á inter-
vengáo do demonio na vida dos individuos: desequilibrios de
hormónios e de metabolismo, disritmia cerebral, taras heredita
rias. .. sao explicáveis pela agáo da própria natureza humana,
que é criatura limitada e falivel. Seria outrossim falso julgar
que as molestias físicas e psíquicas tém necessariamente causas
moráis ou se devem <k maldade ética do respectivo paciente; a
própria S. Escritura, no livro de Jó, desmente esta concepcáo,
apresentando a figura do homem justo e inocente ferido por
grave doenga.

Dito isto, passemós a urna

— 171 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

3. Gonclusao
1. A Trilogía Analítica tem dois aspectos que podem
atrair pacientes:
a) procura cultivar a psicanálise numa perspectiva de
respeito a Deus e aos valores religiosos; esforga-se mesmo por
aliar a psicoterapia e a religiáo entre si o que nao pode deixar
de seduzir muitos pacientes;
b) desperta os seus clientes para os valores moráis, ultra-
passando o relativismo ético que a escola de Freud e outras
apregoam:. a Trilogia pode contribuir para que os individuos
se libertem dos desmandos de comportamento, afirmando que
por esta via também superarlo os seus males físicos, psíquicos
e moráis.
Estes dois fatores explicam, em grande parte, o éxito que
a Trilogia vem obtendo.
2. Todavía faz-se mister formular serias restrigóes á
Trilogia Analítica:
a) A síntese que o Dr. Norberto Keppe tenta realizar
entre Ciencia, Filosofía e Religiáo redunda num amalgama que
nao satisfaz nem as exigencias da Ciencia nem as da Filosofía
nem as da Religiáo. Com efeito, tanto do ponto de vista teoló
gico como do ponto de vista científico, é falho o sistema tri-
lógico, como atrás observamos1. Acompanhando a evolugáo
da Trilogia de ano para ano, há quem diga que ela assume cada
vez mais as feigóes de urna corrente religiosa mística «megalo-
maniaca» ou «teomaníaca», pois pretende ser a salvagáo da
ciencia e do Cristianismo, restaurando o auténtico pensamento
de Cristo e promovendo a expulsáo do demonio atuante no
mundo desde as origens da historia humana. Um certo fana
tismo move os seus dirigentes e apodera-se dos seus seguidores,
para os quais um novo messianismo está surgindo no limiar do
terceiro milenio. Estas concepgóes sao expressas mais nítida
e freqüentemente em palestras e coloquios do que nos escritos
oficiáis da Trilogia; estes ainda guardam certa sobriedade em
seu linguajar, enquanto as afirmacóes oráis dos dirigentes da
Trilogia váo bem mais longe na linha do «messianismo» e do
sectarismo!
Depoini2ntos oráis atestam um certo endeusamento da
figura do Dr. Norberto Keppe. Este, dizem, é um homem sadio
e feliz, porque moralmente íntegro, invulnerável ao demonio. O

Msto nao quer dlzer que nao seja possível realizar tal slntese; a
avaliagSo incide apenas sobre a modalldade apresentada pelo Dr. Keppe.

— 172 —
«A GLORIFICACAO» 85

mestre, segundo referem, fala com Deus de modo muito especial,


para obter as gracas que quer; ele mesmo está para expulsar o
demonio do mundo. Também Nossa Senhora se lhe manifesta,
geralmente em fim de dia, urna ou duas vezes por ano. Segundo
tais testemunhos, o Dr. Norberto Keppe terá sido fotografado
certa vez enquanto proferia urna conferencia; ora na imagem
revelada terá aparecido a figura de Cristo gravada sobre as
máos do conferencista! — Nao poucas das pessoas que passam
pela Trilogia, sofnem um processo de fanatizagáo resultante do
aspecto «mistico» que essa corrente adota.
b) De modo especial, o fanatismo se manifestou no
Simposio sobre Demonologia realizado em Sao Paulo, agosto
de 1983. Foram entáo apresentadas certas teses, que as publi-
cacóes da Trilogia ainda nao divulgavam: o demonio estaría na
raíz de todos os males que afligem a humanidade: encarcerados,
drogados, enfermos tanto físicos como mentáis, seriam vitimas
do demonio. Este foi (e é) apresentado como instigador do
homem ao mal; após haver induzido ao pecado, o demonio
mesmo pune seus seguidores, de modo que fácilmente os men
tores da Trilogia falam de intervencáo de demonio na vida de
alguém. Até mesmo os contestadores das teses apresentadas
pelo fato mesmo de contestaren! — estariam endemoniados!
Tal atitude obceca quem a assume e cría certa pressSo sobre os
clientes ou os ouvintes; incute o medo e o pavor, de um lado,
e urna certa esperanca, esperanca, porém, limitada e falsa, pois
estritamente ligada á figura do fundador e mentor da Trilogia
Analítica. Este aparece como o Salvador da humanidade.
Há um certo irracionalismo nesta atitude dos mentores e
dos seguidores da Trilogia. Tal irracionalismo, alias, caracteriza
fortemente a nossa época, que aparece saturada e desiludida
do racionalismo que marcou os decenios anteriores. Tem-se a
impressáo de que os homens de nosso tempo se inclinam pra-
zerosamente para as propostas mágicas, as quais atribuem a
eficiencia que as sentencas racionáis nao parecem ter. A
Trilogia possuiria finalmente a solucáo para livrar do Maligno
o mundo que pactua com o diabo desde os seus primordios!?
Vé-se, pois, como é importante conservar a fé, elemento
oongénito e vital para todo ser humano; a fé em nossos dias
carentes da Boa-Nova do Evangelho desempenha papel de
especial importancia. Nao seja, porém, urna fé desligada do
raciocinio, pois seria entáo capaz de degenerar em crendice e
fanatismo! O Cristianismo passa pela Igreja que Cristo fundou.
Estévao Bettencourt O.S.B.
— 173 —
livros em estante
Anatomía de um Espectro, por Alain Besancon. Tradugáo de Alejandro
M. Franco e Gerardo Dantas Barreto. Colegáo "Política e Sociología"
— 1. — Ed. Presenga, Rúa do Catete 204, gr. 302, Rio de Janeiro, 1983,
140 x 210 mm, 130 pp.

"So quem passou pelo Partido (comunista) adquire criterios para


poder julgar com objetividade a URSS", escreve Edgard Morin no livro que
acaba de publicar intitulado Essence de I'URSS. Reivindica assim o conhe-
cido sociólogo francés um monopolio de abordagem do comunismo sovié
tico, que estaria reservado aos antigos militantes do Partidao, ainda mar-
xistas ou já ex-marxistas. Quem nao realizar essa condigáo sine qua non,
isto é, quem nao tiver a garantía, a consagragáo do Partido; quem, por
conseguinte, pertencer ao centro ou — horriblle dlctu — á direita, ¡ncorre
no risco de ser tachado de anticomunista primario e, portanto, de nao
poder tratar de nenhum tópico relacionado com o comunismo lato sensu.

Convivio do autor com o comunismo

Pols bem, Alain Besangon pertence — na estranha criteriologia de seu


patricio — ao pequeño número dos eleitos que podem pronunciar-se e
escrever sobre a URSS. Com efeito, homem de esquerda (cujos posslveis
valores auténticos ainda defende), nao fugiu ao ritual da passagem pelo
Partido. Foi até mais longe: em numerosas peregrinagoes ás fontes do
novo mundo socialista, isto é, a Moscou e adjacéncias, adquiriu um conhe-
clmento direto, profundo, alicoreado em ampia experiencia pessoal, do que
é o comunismo real, de como se aprésenla o marxismo filtrado pela alma
russa e traduzido numa praxis soberana pelos atuais sucessores do impe
rialismo czarista.

As licdes que Alain Besangon tira de sua longa convivencia com o


comunismo, assim francés como russo, sSo deveras Ilustrativas, e ofere-
cem — sobretudo ao leitor que nSo é marxlsta nem antl-marxista — abun
dante e incomparável repositorio de Informacóes, que seguramente Irte per-
mitem chegar por conta própria a conclusSes definitivas. SSo dados escia-
recedores e desabonadores referentes tanto aos aspectos políticos, ideoló
gicos e éticos do comunismo em marcha, quanto especialmente aos de suas
potencialidades na área da economia.

Desinformacio do leitor comum

No seu último llvro (de urna serie de quinze, em que vem estudando
o fenómeno do marxismo e do comunismo internacionais) intitulado Ana
tomía de um Espectro, que as "EdicSes Presenga" estao langando em por
tugués, Besangon trata ex professo da economia soviética. O autor nao o
escreveu apenas para o Intelectual requintado, senfio tambóm para as pes-
soas simples, sequiosas da verdade dos fatos. O mais superficial leitor de
jomáis ficará suficientemente informado sobre a fundamental discrepancia
entre os éxitos soviéticos nos planos da política Internacional, da estrategia
militar, do armamento, da anexagSo de territorios, da propaganda, da desin-
formagáo, etc., — setores esses que superam de tres para um, quando nSo
de dez para um, o rival americano — e a desastrosa situagSo de sua eco
nomía coletivizada.

— 174 —
LIVROS EM ESTANTE 87

A falsa imagem da economía soviética

A esta altura, as estatfsticas soviéticas nao sao mais conliáveis. Per-


deram a credibilidade. Comecam a desmoronar. Com excecáo dos faná
ticos, já ninguém confia nelas. Os meios de comunicagao de massa encar-
regaram-se de progressivamente desmistificar e reduzir á simples aparéncia
a imagem, por longos anos vendida ao Ocidente, de urna economía de abun
dancia soviética. Assim, nao é mais segredo que a Espanha produz mais
automóveis que a URSS; que os eletrodomésticos das familias soviéticas
sao de baixfssima qualidade, comparados, por exemplo, aos de uso na
Franga, na Inglaterra ou na Alemanha Ocidental; que a rede ferroviaria sovié
tica quase nao ultrapassa a da India; que a rede rodoviária é muito inferior
á da Franca; que a produgáo de ago está muito aquém dos 145 milhdes de
toneladas da propaganda do Kremlin. Por outro lado, moradia, servicos
médicos significam, para o ocidental, habitagóes decentes e um atendimento
hospitalar de boa qualidade. Nao evocam, como assinala Besangon, o
apartamento comunitario, o dormitorio coletivo, a fracao de um quarto ou
"vaga" em que vivem milhoes de soviéticos, nem tampouco os i movéis mal
localizados que entram em ruina logo que comegam a ser habitados, nem
a medicina rudimentar, os agentes sanitarios, a farmacopéia de pobres.

Só a ponta-pés

E que dizer dos sucessivos fracassos da agricultura soviética, das


macicas importagóes de trigo, de mil no, de soja? Besangon chega ao
ponto de declarar, quanto ao que enche a cesta da dona de casa sovié
tica, que por seu conteúdo a dona de casa espanhola nao ofereceria nem
duas pesetas. Magas podres, batatas geladas, carne mal cheirosa — eis o
que nao se encontra nunca nos mercados de Madrid. E o autor ainda
observa que mesmo esses produtos de má qualidade sao escassos nos
mercados de Moscou, e há que fazer filas para obté-los. E prossegue nosso
autor: "Se, por um lado, contam-se horas e horas de trabalho necessá-
rias para adquirir na URSS um aparelho de televisáo, um par de sapatos,
um aspirador de pó; por outro, ainda há que ter presente que se trata de
urna televisáo como se encontrarla entre nos nos bazares de beneficencia,
sapatos que um ¡migrante marroquino recusaría usar, aspirador de pó que
só a ponta-pés funciona" (p. 15).

Rússia = Bangladesh

"Nao há comparacSo possivel entre a sórdida realldade soviética e


a cotidiana, nao raro alegre e ¿s vezes espléndida realidade espanhola.
Nao serla com a Espanha, com a Grecia, a Italia que teriamos de fazer
comparacSes, mas com a india, o Bangladesh, o SudSo — e mesmo assim
a Rússia sairia perdendo! Os funcionarios soviéticos em atividade nos
pafses do Terceiro Mundo nSo regressam jamáis á Rússia, onde os aguar-
dam as situagoes privilegiadas do Partido e do K.G.B., sem carregarem
cestas chelas de tomates, grosas de esferográficas, quilos de presunto e
dúzlas de "blue-jeans", como se retornassem de verdadelros Xangrllás.
Contudo, prudencial Rejeitar a comparacao com a Espanha n9o equivale
de modo algum a tornar válida a comparacSo com o Blangladesh. Se
entrássemos nos pormenores do confronto, descubriríamos qué nao há com-
paracio possivel. Só renunciando decididamente á abordagem compara-
tlsta é que podemos esperar apreender o cerne do fenómeno soviético"
(p- 15).

— 175 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 273/1984

Marx traído

0 desastre económico soviético é tanto mais doloroso e difícil de ser


admitido quanto atinge o ¿mago, o próprlo cerne do marxismo: Marx ensi-
nou que a economía é tudo na explicacáo da sociedade, nao passando o
resto de pura logomania. Quando afirmou — dogmáticamente, definitiva
mente — que a ¡nfraestrutura económica determina as demais estruturas
(política, jurídica, filosófica, teológica), ele garantiu, ao mesmo tempo, que
a tomada do poder pelo proletariado la mudar radicalmente a economía,
transformando-a numa fonte perene de abundancia e felicidade para todos.
O paraíso comunista, segundo ele, ia passar obrigatoriamente, nao pelas con
tra-verdades da propaganda, nem pelas invasóes manu militari, nem pelos
massacres milionários (80 milhoes na Rússia, 130 milhoes na China, um
terco de toda a populacao cambojana, etc.), mas simplesmente pelos éxitos
da economía, que estariam sintetizados nesta fórmula: riqueza para todos.

O trigo capitalista salva a URSS da fome


Ora, em materia de éxitos económicos — depois de setenta anos de
Indiscutivel regime comunista — a URSS sofre o terrível dissabor de ter
que importar milhoes de toneladas de trigo anualmente do mundo... capi
talista, justamente aquele que — pelas profecías de Marx, reforjadas pelas
promessas de Stalin e pelas juras de Kruschov — deveria estar demolido,
desmoronado, há já muito muito tempo. E — suprema humilhacio — o
paraíso soviético só sobrevive, em termos de allmentacáo e hnow how tec
nológico, devido á ajuda do Inferno capitalista.
Como explicar tamanho paradoxo?
É exatamente o que Alaln Besancon tenta — e consegue — des
vendar em seu breve, lúcido e contundente ensaio que, sem v& retórica, a
nosso ver foi até o fundo do ponto essencial — e também o mais vulne-
rável — do mundo comunista: a economía.
Alejandro Franco

Louvor que liberta, pelo Capelio Merlin R. Carothers. Traduc&o de


Myriam Talltha Lins. — Ed, Loyola, Sao Paulo, 1976, 105 x 178 mm, 90 pp.
Este livro é composto e Impresso pela Editora Betánia (protestante),
que reserva a si os direitos autorais.
Narra a historia de um jovem norte-americano que levava vida libertina.
Um balo dia, quando participava, á revelia, de culto protestante, ouviu urna
voz que Ihe falava ao ouvldo, chamando-o a converter-se a Cristo. Mais e
mais Impelido por chamados Interiores e por grande bem-estar, fol aderindo
cada vez mais a Cristo nos tempos subseqüentes. Fez-se pastor metodista
e capelSo militar. Depois comecou a integrar movimentos pentecóstais pro
testantes; diz ter sido batizado no Espirito Santo e julga haver recebldo o
dom das Ifnguas. Passou entao a obter curas maravllhosas pela oracáo.
Tais experiencias sio descritas pelo próprlo capeláo, que é o autor do livro.
£m suma, trata-se de um caso dos mais extremados do pentecosta-
lismo protestante, que tem seus paralelos, por vezes, entre fiéis católicos.
A propósito notemos o segulnte:
Freqüentemente nos movimentos de despertar ou reavivamento (como
sfio os movimentos pentecóstais, tanto protestantes como católicos), con-
fundem-se fenómenos psicológicos de euforia, desbloqueio psíquico, loqua-
cldade... com carismas do Espirito Santo. Os dons extraordinarios das
línguas, das curas rápidas mediante ImposicSo das mSos e oracSes, o
(Continua na pág. 19)

— 176 —
EDICOES "LUMEN CHRISTI"
MOSTEIRO DE SAO BENTO
Rúa Dom Gerardo 40, — 5? andar — Sala 501
Caixa Postal 2666 — Tel.: (021) 291-7122
20001 — Rio de Janeiro — RJ

A ESPECIAL ATENQAO DOS NOSSOS LEITORES


ASSINATURA ANUAL DE 1984

Quem renovar alé 30 de junho pagará Cr$ 6.000,00 (até dezembro).


Quem renovar depois de V> de julho pagará Cr$ 8.000,00 (alé dezembro).

ÍNDICES de PR.:
de 1957 a 1977 — em xerox Cr$ 2.000,00
de 1978 a 1982 — impresso Cr$ 1.000,00
Número avulso de 1984 Cr$ 1 000,00
Números de anos anteriores •■ Cr$ 450,00
Ano de 1983 encadernados em percalina Cr$ 12.000,00

ACABAM DE SAIR :
"REZEMOS AO SENHOR" : Orac6es

Livro de bolso, 140 p., contendo urna coletanea de Oracfies


para as 'mais diversas ocasioes do dia-a-dia. Com
aprovagao do Sr. Cardeal Dom Eugenio Sales para
1.000,00
uso na Arquidiocese Cr*
"LITURGIA PARA O POVO. DE DEUS" (3* ed., 1984),
Dom Cario Fiore, SDB, TraducSo ampliada e atuall-
zada por Dom Hildebrando P. Martins, OSB. E um
breve manual para estudo da Constttulcáo Litúrgica
do'Vaticano II: A Missa e os Sacramentos, 216 p. .. Cr$ 2.000,00

"O MOVIMENTO LITÚRGICO NO BRASIL" (Estudo histó


rico) por Fr. José Ariovaldo da Silva, OFM —
7.000,00
Ed. VOZES — 400 p. Cr*

MISSAL DOMINICAL (Gráfica de Coimbra) Cr$ 7.000,00


7.000,00
MISSAL FERIAL (Gráfica de Coimbra) ■ cr*
"PERSONA Y ACCIÓN", Karol Wojtyla (Jo§o Paulo II) —
18.720,00
Ed. BAC 1972, 350 p • Cr*
"TEOLOGÍA DE LA CARIDAD", Antonio Royo Marin (BAC),
13.500,00
686 p. CrS
"SAN PÍO X: La llama ardiente", Wllhelm Huernemann
7.200,00
(Herder), 365 p Cr$
"TEOLOGÍA DE SAN PABLO", José Maria Bover, SJ (BAS),
17.250,00
844 p Cr$
"LA VIRGEN MARÍA": Teología y espiritualidad marianas, _ __
O LIVRO QUE FALTAVA

PARA ESCLARECER

CATÓLICOS E PROTESTANTES

8"

i
8
Cl^L
A SAIR EM MARCO

280 págs.

Você também pode gostar