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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorísun)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaieca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
8
Sumario

"TU NOS FIZESTE PARA TI..." 265

No XV centenario de Sao Bento:


SAO BENTO, HOMEM DE DEUS PARA TODOS OS TEMPOS 267

No campo da Psicología experimental:


AÍNDA A FALA DOS ANIMÁIS 275

Que quer dizer


OPgAO PREFERENCIAL PELOS POBRES ? 282

DECLARAgAO 291

Pouco se eabe a respeilo de


ANGOLA: SITUACAO ATUAL 292

Sujelto a mal-entendidos:
"RESPOSTA A JÓ"1 de Cari Gusiav Jung 301

LIVROS EM ESTANTE 306

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Psicología e Psicofonia. — "PsicanáMse e Religiáo", por Gre


gorio Lemercier. — Ainda o Batismo de criangas, a Crisma
e o casamento religioso. — "Como se faz um Papa", por
Andrew M. Greeley.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Número avulso de qualquer mes 32,00

Assinatura anual 320,00


Diresáo e Redagáo de Estéváo Bettencourt O.S.B.

ADMINISTRAgAO REDACAO DE PR
Llvraria Mlssionária Editora Calxa Postal 2.666
Rúa México, 111-B (Castelo)
20.031 Rio de Janeiro (RJ) 20MO Bl° * Jaaielro <BJ>
Tel.: 224-0059
"TU NOS FIZESTE PARA TI"...
Aos 2/06 pp., a imprensa publicou uma entrevista do famoso
físico brasileiro César Lattes,pesquísador de renome internacional,
que se diz agnóstico ou ateu. Enquanto discorria sobre a teoría da
relatividade, o cientista propós também "observacoes nostálgicas
sobre o maís fiel de seus amigos nos últimos anos, o cachorro
Artur Gaucho, morto de cáncer em outubro do ano passado".
E confessou:

"Passei seis meses completamente deprimido, sem poder trabalhar,


depois que Gaucho morreu. Sem ele, eu nao teria chegado ás conclusoes
a que cheguei. E toda a minha admiragao recente por S. Agostinho vem do
fato de o filósofo católico ter definido a existencia de alma nos bichos. Pois
bem, como Gaucho tinha alma, senti muito a sua morte" (Jornal do Brasil,
Cad.B, 02/06/80, p.1).

Estas declaracoes dao que pensar. ..


Primeramente, é de observar que S. Agostinho (t 430),
ao atribuir alma aos animáis, tinha em vista a alma vegetativo-
sensitiva, principio vital dos animáis irracionais, que é material,
pois as suas funcoes sao de índole material (nao ultrapassam o ám
bito das coisas sensíveise concretas).Todavía a mencaodealma que
nao é da aleada da Física, falou vivamente ao cientista brasileiro.
E por que?
- Cremos que por varios motivos:
1)A ciencia, por mais esmerada que seja, nao responde ás
indagacoes fundamentáis de todo homem. Este nao pode concul
car as perguntas: "De onde vimos? Para onde .vamos? Qual o sen
tido da vida?. . . do trabalho?. . . do sofrimento?. . . da morte?"
Sem elucidacáo para estas indagacoes, o homem é acometido
pela perplexidade e o desánimo, pois Ihe falta sólida motivacao
para lutar por seu ideal. Ora tais questoes só encontram resposta
nos planos da filosofía e da fé. Eis por que o cientista jamáis pode
ser meramente cientista ou prescindir de uma cosmovisao filosó
fica ou teológica.

2) O ateísmo e o materialismo sao posicoes artificiáis; vio-


lentam o ser humano, que experimenta espontaneamenie o apelo
do Transcendental ou o chamado a ultrapassar os valores mera
mente materiais para encontrar mais longe a resposta cabal ás
suas aspirácoes mais genuínas.

265
3) Por isto também é difícil encontrar um ateu que seja
realmente ateu ou materialista. Na verdade, o ateu nao tem provas
de que Deus nao existe; se ele professa o ateísmo, faz urna oppáo
que nao decorre de demonstracao ou da evidencia mesma da
posicáo assumida. Por isto nao é raro encontrarem-se, nos ateus,
expressoes de anseio por valores trans-materiais, que sao os valores
espirituais ou/e religiosos. Refere mesmo a historia recente que
muitos grandes homens, professos do -ateísmo, alimentaram em
seu foro privado crendíces e superstipoes, que sao falsos substi
tutivos da verdadeira fé.

4) Dentre todas as questoes de ordem metafísica, a que mais


importancia prática tem, para todo homem, é a da sorte postuma:
"A morte será realmente o fim do,ser humano? Ou existe algum
tipo de sobrevivencia no além?" é da resposta a tais questoes
que, em última análise, depende o encaminhamento da conduta
humana sobre a térra. Se a morte física poe fim ao ser humano
como tal, nao há dúvida de que este cedo ou tarde pode vir a
experimentar frustracao e desatino; em tal caso, o homem seria
urna criatura condenada a nunca encontrar a resposta as suas
aspirapoes á Vida, á Verdade, ao Amor, á Felicidade, a Justica...
5) Em última instancia, pode-se dizer que todo homem é
— conscientemente ou nao — um "atormentado de Deus". Tal
tormento é altamente sadio, porque revela o inconformismo da
criatura humana com os bens finitos e o seu legítimo anseio por
algo maior do que estes: "Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o
nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti", dizia S. Agostinho
(Confissoes I, 1). O "tormento de Deus" pode-se manifestar até
mesmo na depressao de um dentista que pranteia a morte de um
cao, mas se reconforta ao pensar que esse animal tinha alma1. Ao
homem é inclemente, e pode mesmo parecer absurda, a perspe
ctiva de que tudo acaba com a morte; ainda que alguém professe
tal tese com os labios, custa-lhe aceitá-la em seu íntimo.
Estas reflexoes sugeridas pela leitura da vida cotidiana sao
corroboradas neste mes de julho pela mensagem trazida pelo S.
Padre Joáo Paulo II ao Brasil. As muitas ¡mpressoese imagensco-
Ihidas pelo povo brasileiro em tal ocasiao sirvam para incentivá-lo
na profissao da verdadeira fé e na prática do genuino amor!
E. B.
1 A alma do cao, sendo meramente vegetativa e sensitiva ou sendo material, nao é
¡mortal. Como quer que seja, muitas vezes o conceito de "alma" na linguagem comum,
significa transcendencia em relacao á materia ou superacáo do materialismo.

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXI - N9 247 - Julho de 1980

No XY centenario de Sao Bento:

Aos 11 de julho do corrente ano a Igreja celebra a festa de


Sao Bento de Núrsia (480-543), de cujo nascimento ocorrem
precisamente 1500 anos. A obra de Sao Bento, codificador da
vida monástica no Ocidente, perdurou até os nossos días. E o
que mostrea pujanga da figura desse homem de Oeus.

A nossa revista,- associando-se as comemoracoes celebradas


neste ano centenario, publica, a seguir, o texto de urna conferencia
realizada por D. André Louf, abade cisterciense de Mont-des-Cáts,
na catedral de Notre-Dame de París, aos 16/12/1979, porocasiáo
da abertura do ano de Sao Bento naquela arquidiocese. O texto,
profundo e belo, vem a ser urna a presentapa o da vida monástica
em seus elementos essenciais, que estao muito arraigados na
S. Escritura e na Tradigáo da Igreja, ao mesmo tempo que corres-
pondem -fielmente aos anseios do homem contemporáneo.

SAO BENTO, HOMEM DE DEUS PARA TODOS OS TEMPOS

O título desta conferencia muito tería surpreendído a S. Bento. Quando


jovem provinciano, recém-chegado a Roma e destinado a carreira de estudos,
bruscamente volta as costas á cidade, rumando para o deserto, Bento Ja* nffo
alimenta ambicao alguma, nem para o presente, nem para o futuro. Abandona
a casa e os bens de seu pal, interrompe os estudos dé letras que mal havia
comecado. Por qué? Para renovar um gesto realizado tantas vezes antes dele, e
que outros repetiriam, mais tarde, seguindo-o: distanciarse em relacao ao
mundo e mergulhar na solidáb. Seu biógrafo assim o descreve: "Ele se retira,

267
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

sabio sem letras, ignorante conduzido pela sabedoria, querendo agradar só a


Deus". Quanto a seu futuro, Bento o ignora totalmente. Os discípulos que
atrairá em breve, a Regra que um dia escreverá, a influencia duradoura que
exercerá na Igreja, mesmo quinze séculos depois da sua morte, tudo isto nao
Ihe vem sequer ao espirito. Por ora, Deus Ihe basta.

Mesmo seu biógrafo, Gregorio Magno, Papa de Roma, pouco pressente


o brilho que seu próprio escrito conferirá ao obscuro abade de quem em-
preende narrar alguns fioretti. Gregorio é bispo e, como bispo, além de
comentar assiduamente a Palavra de Deus, entende dever mostrar a seu povo
aquelas Palavras de Deus ilustradas e vivas que sao os Santos. Deus fala a seu
povo por meio desse fiel no qual a sua Palavra deu fruto ao céntuplo, Bento
de Núrsia, que Gregorio saúda com o apelido de vir Dei, homem de Deus. Esse
nome Ihe cabe porque é ele um reflexo da Palavra de Deus e porque a imagem
que projetam reciprocamente a Palavra e o Homem, é a própria imagem de.
Deus, revelada em seu Filho Jesús.

Bento ainda está longe, por certo, de ser o Patriarca dos monges do
Ocidente, no momento em que Gregorio se poe a redigir a sua vida. Gregorio,
porém, já reconheceu um vestigio de Deus nessa presenca do Espirito Santo
que chamamos santidade. Bispo, está ele em condicoes de discernimento, deve
avaliá-la, atestá-la. Atrai a atencao de seus cristlos para este homem em quem
se manifesta o Espirito do único Justo, como diz, o Espirito de Jesús Cristo,
de cuja plenitude os santos tudo receberam (Dial. 8).

Este momento é importante na vida de urna Igreja. Na face de um


santo, a Igreja se reconhece a si mesma ou, antes, reconhece Jesús Cristo
continuando a caminhar no meio déla. Desse mutuo reconhecimento entre o
Povo de Deus e seus santos, a Igreja cada dia se nutre e se edifica. Assim ela
discerne cada vez melhor o caminho para si hoje, e onde Deus a espera. Como
um farol aceso na noite, o santo baliza o caminho. Ou, melhor, já que a sua
luz ná"o é senao o reflexo da luz de Deus, no santo é o próprio Deus que faz
sinal para a sua Igreja. Bem-aventurada Igreja, que, a cada instante da sua
historia, sabe discernir a santidade que Deus Ihe dispensa com tamanha
largueza I

É certo que cada época recebe santos que Ihe sao próprios, que tém
urna palavra bem precisa para entregar á sua Igreja. As formas exteriores de
santidade evoluem necessariamente para traduzi-la em sinal perceptfvel a cada
cultura. Na medida, entretanto, em que a santidade se nutre da medula do
Evangelho, é chamada a frutificar em todos os tempos; carrega urna men-
sagem que cada época deve decifrar para curar o mal que Ihe é peculiar
e para discernir os carismas que Ihe sao próprios.

Nao ignoráis como a Regra escrita por Sao Bento apenas para alguns

288
XV CENTENARIO DE SAO BENTO

monges reunidos em torno dele conheceu, na Igreja latina, urna fecundldade


excepcional e até hoje única, tanto no tempo como no espaco. Aínda hoje
muitos monges e monjas se ¡nspiram d¡rotamente dessa Regra e, graca»
a Deus, jovens continuam a reconhcer nela o atrativo que move os seus
coracoes. ■ :

Assim os monges de todos os tempos constituem um comentario


vivo da Regra e da mensagem de Sao Bento. Importa, no entanto, ná"o se
engañar quanto aos sinais que eles apresentam. Se os monges nunca faltaram
á Igreja, nao sao entretanto imutáveis. O monaquismo comporta urna face
externa que, de reforma em reforma, renovacao em renovacao, se ajusta
continuamente aos imperativos variáveis de épocas que se sucedem sem
nunca se assemelhar. Mas, sobretudo em sua graca interior, o monaquismo
progressi va mente assume matizes em harmonía com as correntes espirituais
suscitadas pelo Espirito na Igreja, que podem deixar de se identificar e se
reconhecer nele.

Essa variedade das formas do monaquismo é a riqueza deste, mas


ná*o deve ocultar a verdadeira fisionomía do mesmo. Assim houve um mona
quismo para eruditos e um monaquismo para simples; um monaquismo
salvador da cultura e um monaquismo desbravador de térras; um monaquismo
amante do esplendor litúrgico e um monaquismo cioso do despojamento
de suas formas; um monaquismo voltado para o tesouro da interioridade
contemplativa e um monaquismo de preferencia interpelado pela missSo e
pelo servico. Essas sucessivas maquilagens, se assim ouso dizer, que cumpre
ultrapassar, constituem urna chance para os monges de hoje. Pois, assim
como houve um monaquismo para tempos de Cristandade e para urna Igreja
das catedrais e das Cruzadas, também haverá hoje, e há, um monaquismo
para um tempo que se tornou secular, e para urna Igreja que se descobre
serva e pobre, que tomou distancia em relacfo a todo poder terrestre t
sobre a qual o bom Papa JoSo invocou urna nova efusSo do Espirito Santo.

Agora tentaremos decifrar a mensagem de Sao Bento para p nosso


tempo, em Igreja. A tentativa explorará sucessivamente e brevemente cinco
pistas.

1. Os monges sao a Igreja em contato com o deserto

NSo há dúvida, e nada poderia fazer que fosse deoutro modo: o primeiro
passo que Bento ensaia, assim que Deus Ihe aceña, parece ser de recuo; resolu
tamente ele volta as costas á cidade, seja ela Roma, coracao da Cristandade.

Deus o convida a abandonar, a deixar, a sair. Para ser capaz de reco


nhecer o desejo em que arde, para pertencer inteiramente a esse amor nas-
cente que já é seu tormento, é-lhe necessário iniciar um éxodo, ir habitar no

269
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

deserto. Seguindo casualmente o curso do rio Amano, pequeño riacho á


saída de Roma, Bento acaba por descobrir urna gruta, suspensa ácima da
aldeia de Subiaco, na qual se oculta, desconhecido dos homens, exceto de um
monge que, do alto da falésia, Ihe faz descer provisdés, conhecido s6 de Deus,
como diz Gregorio: "Sob o o'lhar da Suprema Testemunha" (cap. 8).

Bento ai persevera durante tres anos, subtraido aos olhos do mundo,


oculto bem junto da face de Deus em urna térra ainda desconhecida, para
onde transplantou todas as suas forcas vivas, a f im de que ai se enraizem, na
térra do deserto, que 6 a térra de Deus.

Fazendo isto, Bento encontra as fontes do Povo de Deus e as da Igreja.


Em AbraSo, chamado a urna vida nómade, em Moisés e no povo liberto do
Egito, lancado nos caminhos de um interminável éxodo, de deserto em
deserto, o Povo de Deus progrediu através dos tempos. O deserto permanece
gravado em sua memoria, prova suas recordacoes, anima seus projetos. A cada
curva da historia sagrada, os judeus sao impelidos ao deserto para ai viver a
Páscoa e preparar a nova passagem. Jesús, por sua vez, irresistivelmente, no
momento de iniciar a sua missao, é conduzido pelo Espirito de Deus á solí-
dSo, como todos os seus Pais, que sabiam que os caminhos de Deus sao
preparados no deserto e que ai sao concebidos os frutos do Espirito.

Também a Igreja, ainda hoje, continua em contato com o deserto. Ai


mergulha suas ratees como em um solo de Deus, na térra materna do éxodo
e da Páscoa. Tem ela ai seus antecedentes, a partir dos quais pode operar.

O primeiro a descobrir Bento em sua gruta foi um sacerdote. Ele estava


nSo em busca de solidao, mas como enviado expressa'mente, diz S. Gregorio,
por um anjo.. Era um dia de Páscoa e Deus quis assim proporcionar a Bento
urna refeicao festiva conveniente. A narracao nío carece de encanto e humor.
Pois S. Bento, o primeiro beneditino que existiu, está tafo longe de tudo, e
até da santa Liturgia, que ignora completamente ser Páscoa aquele dia. Á
saudacSo pascal do sacerdote replica com urna palavra cuja caridura so é
comparável. á extrema profundidade teologal: "Sim, é Páscoa, já que tenho
a alegría de te ver" (cap. 19).

Eis o sinal de que Bento acaba de atingir o termo, de que seu deserto
está para florescer. Na solidao, ele completou o grande ciclo pascal. Fez suas
Páscoas com o Cristo, urna vez que, na face do primeiro irmao que encontrou,
reconhece as primicias da ressurreicao e do mundo novo: "Sim, irmSo, é
mesmo Páscoa, já que tenho a alegría de te ver".

2. Os monges sao a Igreja á escuta de Deus

Por que atrai Deus sua Igreja ao deserto? Quer seduzi-la, diz-nos o

270
XV CENTENARIO DE SAO BENTO

profeta Oséias, como se seduz a mulher amada, e levá-la ao deserto para


falar a seu coracao (Os 2,16). O deserto é lugar para os que amam.

E, quando alguém ama outra pessoa, como nao o comunicar um ao


outro? As palavras de amor entre criaturas sao lentas, hesitantes. Por longo
tempo balbuciamos, como que envolvidos pela ternura e, ao mesmo tempo,
por estranho temor, sem saber se nos fazemos compreender. Entre Deus
e n6s, o diálogo nao é mais fácil. Nao nos cabe comecá-lo. Ele mesmo se
antecipa. Sua palavra de amor desembarazará nosso coracao, despertá-lo-á
do sonó, feri-lo-á por um sentimento simultáneamente de docura e de dor.
Sete vezes ao dia e urna vez á noite, os monges infatigavelmente repetem
essas palavras nos salmos, escutam-nas ñas leituras que, no conjunto, consti-
tuem a trama do Oficio Divino. Um dia, eles perceberáo dentro de si mesmos
um outro murmurio, o do Espirito Santo, com urna outra Palavra que devem,
por sua vez, articular. A resposta ao amor de Deus Ihes é assim dada antecipa-
damente por Ele, em sua Palavra e no coracao deles.

Antecipadamente, é ceno, mas nao de ¡mediato, o caminho da oracao


passa por urna espera, por urna ¡ncansável escuta ("ausculta, escuta, meu
fitho" sá*o as primeiras palavras da Regra), por urna paciencia posta á prova.
Também a oracao, antes de se tornar júbilo, atravessa um deserto. O monge
revive af fraternalmente a travessia da própria Igreja na Historia. O monge e
a Igreja tém de atravessar um deserto onde Deus está ausente na aparéncia,
mas que é vestíbulo obrigatório d¿ toda contemplacao. No coracao da histo
ria, a Igreja busca o sinal da passagem de Deus e seu dedo, que a faz sempre
progredir. O monge, na profundidade do seu coracao, está á espreita daquele
poco onde todo ser humano se lanca em Deus e de onde a oracao brota e
corre como da fonte.

3. Os monges sao a Igreja que se reúne como irmáos

De toda parte, vém pessoas a Bento, e o homem de Deus a ninguém


recusa. O mosteiro é cidade pasca I; acolhe todos os que, mesmo secretamente,
se reconhecem nele. Mas, se a todos abre os bracos, nao os fecha sobre nin
guém. Nao se identifica com nenhuma nacao, com nenhuma carnada da
sociedade, com nenhum setor da Igreja. Pretende ser universal, como tende a
ser o Homem novo em Jesús Cristo.

Com efeito, na vida de Bento, aparece toda especie de gente, originaria


da sociedade cosmopolita que foi o Imperio decadente entregue a seus novos
senhores bárbaros. As classes e os das sao ai numerosos e bem marcados.
Deixaram disso vestigios até na Regra de Bento, considerada como acolhedora
de todos. O filho de nobre, que traz um rico dote ao mosteiro, está ai ao
lado da enanca de origem pobre, recebida por amor a Deus. Há patricios

271
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

livres e servos habituados a executar ordens; homens de letras e iletrados;


clérigos e leigos; vocacoes de criancas e vocacoes mais velhas. Há, enfim, os
de origem latina e os filhos convertidos dos antigos invasores, ess.es bárbaros
mal latinizados, gaguejando com dificuldade urna língua gloriosa que eles
contribuem para corromper. Ninguém é excluido, cada qual encontrará um
lugar.

Com a condicao de que esqueca seus antecedentes. Atravessando o


limiar da casa de Deus que é o Mosteiro, o candidato rompe com a sociedade
fortemente hierarquizada, onde ocupava a posicao que suas origens ou seu
saber Ihe haviam adquirido. Deve até apagar o nome que tinha o direito de
trazer. Sfio Bento é absolutamente estrito neste ponto. Nenhum monge
será chamado por seu nome de outrora, esse nome civil do qual bastava a
forma ou a grafía para atrair origens ilustres ou modestas, ou até estrangeiras:
"Que o homem livre, precisa Sao Bento, nao seja colocado antes do que
vem da escravidffo.. ., pois, escravos ou livres, somos todos um so corpo em
Cristo" (cap. 21). Urna nova pos¡ca"o cabera a cada uní: a da precedencia na
conversfo ao Senhor. Um novo nome Ihe é dado, apelativo evangélico e
familiar ao mesmo tempo, impregado de respeito e de ternura: "Nonmii"
isto é, vovozinho, se for idoso; frater, irmSo, se for mais jovem.

Novo pertencer a nova cidade, valeu isto aos monges de todos os


tempos sua capacidade legendaria - diga-se: seu carisma — de hospitalidade e
acolhimento.

"Honorare omnes nomines", pede S. Bento: prestar honra a todos os


homens (cap. 4). Cada um é acolhido assim que bate á porta. Mal se deu
a conhecer, o porteiro dá grapas, exclamando: "Deo gratiasi" E todos os
irmaos, a comecar pelo abade, precipitam-se para saudá-lo e para "honrar
nelm o Cristo, urna vez que é Ele que vem recebtdo nos hospedes" (cap. 53).
Urna só excecao em favor: para os pobres e os peregrinos, "pois á neles
sobretudo", comenta S. Bento, "que se recebe o Cristo". E acrescenta, nao
sem um piscar de olhos e urna pitada de humor: "Quanto aos ricos, o temor
que impiram, atrai por si as honras".

4. - Os monges sao a Igreja de pecadores perdoados

Bento acolhe, em primeiro lugar, os pobres e os peregrinos, aqueles


que foram lancados ñas estradas por urna grapa de penitencia. Essa preferencia
traz urna experiencia pessoal. Ele se senté próximo dos que lutam e caem, e
que nao tém outra forca onde se apoiarem a nao ser a de jamáis desesperar
da misericordia de Deus.

"Jamáis desesperar da misericordia de Deus" (cap. 4) é, ao pé da


letra, um dos mais importantes conselhos que Bento dá aos monges logo

272
XV CENTENARIO DE SAO BENTO 9

no inicio da sua Regra. Sem dúvida, ele sabe de que está falando e quer amai
nar o entusiasmo dos recrutas falsamente atraídos por algum sublime ideal de
sobre-humana pefeicao. O monge nada tem de um super-homem. Nem sequer
é um justo, um daqueles para os quais Jesús nao veio. Ele se coloca entre os
pecadores e deve aprender a necessidade que tem de misericordia, como
qualquer um.

De sua própria fraqueza, Bento fizera dolorosa experiencia em seus


primeiros anos de solidáo, quando, tentado pela carne, — cito literalmente
S. Gregorio - "já cogitava deixar o deserto, vencido pelo desejo, mas, de
repente, foi favorecido pela grapa divina e voltou a si" (cap. 2). Desse quase
fracasso, dessa meia-vitória em que nao ele, mas a graca de Deus acabara
por triunfar em sua fraqueza, Bento guardará a lembranca. O monge de sua
Regra será um homem de coracao contrito e humilde, mas exultando sempre
por causa da misericordia. Ao abade, levado a corrigir seus ¡rmaos, recomen
dará que se lembre de sua própria fragilidade, faca prevalecer sempre a mise
ricordia sobre a justica, a fim de também ele merecer um dia ser tratado do
mesmo modo; tudo disponha na vida dos ¡rmaos para que os mais fracos
na"o desanimem; acorra a toda necessidade, aos enfermos, aos velhos, mas
sobretudo em busca da ovelha perdida, dos pecadores e dos delinquientes,
que nunca faltam em urna comunidade segundo o Evangelho.

De fato, o lugar do pecador no mosteiro é, verdaderamente, surpreen-


dente. Mesmo quando Ihe é aplicado um real rigor, é palavra de amor. Mesmo
quando excluido do oratorio e da mesa, ocupa um lugar privilegiado para
onde se voltam os olhares e os coracoes, assim como a oracáb de todos os
¡rmaos, para que af se renovem as maravilhas da misericordia, para que a
ferida de um só valha a todos um milagre.

5. Os monges sao a Igreja que liberta no Espirito Santo

O arrependimento é o primeiro fruto da vida nova depositada em nossos


coracoes e chamada a se desenvolver na forca do Espirito Santo. Ele é mesmo
um sinal certo de que o Espirito já está ai presente. Bento, o homem de
Deus, foi também o homem do Espirito - pneumatikós, espiritual -, o
verdadeiro espiritual, em contato com o sopro de Deus e apto a ¡nsuflá-lo em
outros.

A experiencia monástica, para além das instituicSes e da observancia


que tendem sempre a enrijecer, é, antes de tudo, transmissao dessa vida. É
misterio de paternidade e de maternidade, de geracao e de nascimento.
Semeia ela corpos e coracoes para Deus, fecha, cresce, cria raizes, brota,
eleva a haste, desabrocha, dá flores e, mais tarde, frutos em abundancia.
Pois recebe de dentro de si um impulso secreto que Ihe vem da vida de Deus,
do sopro criador, do Espirito Santo, que a acompanha continuamente, vela,
torna-se pouco a pouco sensivel ao coracao. Finalmente, essa docura do
Espirito Santo ensina tudo ao monge, ajuda-o a discernir, torna-se seu guia

273
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

único e sua única Regra, Regra viva e interior, inscrita em seu coracáo que se
tornou coracáo de carne, ¡sto é, vulnerável e maleável á máo de Deus.

"E onde está o Espirito de Deus, ai está a liberdade" (2Cor 3, 17).


O monge de S. Bento, a exemplo de seu pai, torna-se um homem disponivel
e doado. Homem de Deus pela obediencia a toda palavra de Deus, deixa ele
que o Espirito complete em si a obra de Deus - opus De¡ - no coracSo da
Igreja de hoje; obra que é indissoluvelmente confissao e louvor, ¡ntercessáo
e servico fraterno em um amor humilde e sincero.

Em preparacao ao Ano de S. Bento, um vasto inquérito foi lancado


entre mongos e monjas do mundo inteiro, pedindo-Ihes que ¡ndicassem os
valores da Regra de S. Bento que mais houvessem marcado suas vidas. Na
Franca, urna das respostas mais comoventes se resumía numa só frase, tragada
com máo fatigada e trémula. Em baixo da folha, urna outra máo mais jovem
acrescentara: "Esta resposta foi escrita por nosso Padre X alguns dias antes
de morrer, na idade de 92 anos". A resposta indicava duas curtas passagens
da Regra: "O fim do prólogo e o fim do capítulo Vil".

Permiti-me á guisa de conclusáo unir minha voz ao testemunho desse


velho monge, venerável e muito amado, que de tal modo quis prestar home-
nagem a S. Bento e, ao mesmo tempo, ao Espirito Santo.

As duas passagens descrevem sobriamente, mas com precisSo, o momen


to exato da experiencia monástica em que, grapas aquilo a que damos hoje o
nome de choque carismático, ¡sto é, urna intervencáo particular do Espirito
Santo, nossas vidas, comumente táo confinadas e laboriosas na carne, súbita
mente passam a batanear na maravilhosa liberdade e leveza dos f ilhos de Deus:

"A medida que o monge se adianta na vida monástica e na fé, o coracSo


se dilata e, na indizfvel docura do amor, corre no caminho dos ensinamentos
divinos... "(prólogo da S. Regra).

Com efeito, diz Sao Bento na segunda passagem: "Urna vez galgados
todos esses degraus de humildade, o monge chegará rápidamente a tal cari-
dade de Deus que, perfeita, expulsa o temor. Por ela, tudo o que antes ele
observava nao sem apreensfo, comeca agora a guardar, sem nenhum esforco,
como que naturalmente e por hábito, nao mais por pavor do inferno, mas
por amor a Cristo, por hábito adquirido e alegría da virtude. Eis o que o
Senhor se dignará manifestar, pelo Espirito Santo, em seu operario" (cap. 7),
operario que 6 um pecador perdoado e restaurado na luz do Senhor.

Esta é a palavra de Sao Bento, palavra do Evangelho para todos os


temóos. Sua luz ilumina o crepúsculo do segundo milenio e anuncia a aurora
do terceiro, cujo frémito pressentimos em nossos coraedes, inquietos, 6 certo,
mas - e tomo urna última palavra de Sao Bento — "jamáis desesperando da
misericordia de Deus" (cap. 4).

274
No campo da Psicología experimental:

aínda a fala dos animáis

Em simase: O presente artigo continua o de PR 232/1979, pp. 135-150, em que


se expunham as experiincias da psieóloga Francine Patterson a respeito da linguagem
dos animáis (simios); a pesquisado» era francamente propensa a admitir qüa os macacos
falam. Todavia ulteriores estudos realizados por psicólogos, lingüistas e antropólogos
nos últimos tempos tém lancado em descrédito a tese da psieóloga norte-americana.
Julgam os cientistas atualmente que a linguagem dos macacos náfo é sango mímica
ou a imitacáo de gestos do homem ou, ainda, ref lexos condicionados. O lingüista Noam
Chomsky assegura que a capacidade de falar é exclusiva do ser humano, embora haja,
sem dúvida, quem sustente o contrario.

As novas experiencias sobre a fala dos macacos vieram permitir um julgamento


mais objetivo do fenómeno em pauta. Com efeito, todo pesquitador, ao observar um fe
nómeno, tanda a interpretá-lo a partir de suas premissas filosóficas; Fr. Patterson tara,
pois, interpretado as reacSes da gorila fémea Koko a partir de suas premissas filosóficas,-
ora tal subjetividade, sujeita a erren, ó corrigida quando muitos pesquisado»* se debru-
cam sobre o mesmo problema. Foi o que se deu no caso da linguagem dos animáis; o
julgamento da muitos estudiosos veio projetar nova luz sobre os fstos, mostrando que
estes sato expticaveis a partir dos próprios mecanismos instintivos dos simios.

Comentario: Já em PR 232/1979, pp. 135-150,noticiamos as


experiencias realizadas pela psieóloga norte-americana Francine
Patterson com a fémea de gorila chamada Koko. Tais experiencias,
que tinham seus precedentes, pareciam levar á conclusao de que
os animáis infra-humanos podem chegar a falar, ná"o com palavras,
mas-mediante a linguagem dos sinais, própria dos surdo-mudos.

Ao referir tais noticias, notávamos que o conceito de lingua


gem, segundo a psieóloga Patterson, náfo correspondía ao de um
falar racional ou inteligente. O animal pode, sim, fazer sinais
para pedir ágüa ou gulozeimas, todavia nao é capaz de definir
"agua" ou "gulozeima"; a associacSo de imagens, mediante a
memoria sensitiva, e os reflexos condicionados explicarían! a
linguagem dos animáis.

275
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

Ora eis que novas noticias aparecem neste setor. A revista


Time, march 10, 1980, pp. 46s, relata ulteriores experiencias
assim como pareceres de outros psicólogos no tocante á fala dos
animáis. O título do artigo já insinúa suficientemente a maneira
como se formula hoje o problema: "Are those Apes really talking?
Skeptics say it is mostly a lot monkeyshines (será que tais macacos
falam realmente? Os céticos dizem que se trata principalmente de
urna serie de brincadeiras de macacos).

Dada a importancia do artigo em pauta, transmitiremos, a


seguir, o seu conteúdo, acrescentando-lhe algumas observacoes.

1. Os animáis falam realmente ?

1. O articulista comeca observando que, há poucos anos


atrás, a resposta a tal pergunta haveria sido um inequívoco Sim.

Com efeito, na década de 1960 o casal de psicólogos Alien e


Beatrice Gardner, da Universidade de Nevada, ensinou ao chimpan-
zé Washoe 132 sinais da linguagem dos surdos-mudos (os simios
nao tém a configuracáo bucal necessária para emitir a gama de sons
que constituem a linguagem oral; da/ a necessidade de recorrer
a mímica dos gestos). Diziam mesmo os experimentadores que
Washoe inventara urna expressáo própria para designar o cisne, a
saber: water bird, pássaro da agua.

Na mesma ocasiáo, o Prof. David Premack, da Universidade


de Santa Bárbara na California, concebeu símbolos plásticos de
diversas formas e cores para significar palavras, e ensinou-os á
sua pupila Sarah; esta terá aprendido assim 130 palavras e formu
lado algumas frases.

No "Yerkes Regional Primate Resarch Center" de Atlanta,


o casal de pesquisadores Duane e Susan Rumbaugh inventou urna
linguagem própria chamada Yerkish e conseguiu que dois chim-
panzés comunicassem entre si através de tal código.

Todavía a mais ¡mpressionante de todas as experiencias foi a


de Francine Patterson já mencionada em PR 232/1979, pp. 135-150:
a psicóloga afirmou que Koko chegara a combinar sinais para in
sultar (You nut, vocé louca), para compor rimas (bear hair, squash

276
AÍNDA A FALA DOS ANIMÁIS 13

wash), para exprimir metáforas (eye hat para dizer máscara),


finger bracelet, para anel)...

2. No comeco da década de 1970, difundiu-se com grande


aceitacao as conclusoes dos mestres em favor da linguagem dos
animáis (simios), apesar do ceticismo de outros pesquisadores.
Nos últimos anos, porém, tal tese foi sendo revista: nao poucos
dentistas sugerem que o comportamiento dos animáis em foco
nao é mais do que imitacao dos mestres; .aos animáis falta a com-
preensáfo da sintaxe (they have no comprehension of syntax).
Mais: julgam tais cientistas que os experimentadores sao tao
ávidos de comprovar a linguagem dos animáis que muitas vezes,
e inadvertidamente, fazem sugestoes aos "pupilos"; estes, sem
demora, captam através destas qual a resposta em troca da qual
poderiam receber alguma gulozeima. O lingüista Noam Chomsky,
do Massachusetts Institute of Technology, defende mesmo fir
memente a tese de que a aptidáo para a linguagem é exclusiva
do ser humano.

Um dos estudiosos que últimamente mais se empenharam


por esclarecer o problema, é o Prof. Herbert Terrace, psicólogo
da Universidade de Colúmbia, qué realizou experiencias com um
jovem chimpanzé chamado Nim. Terrace, sua assistente Laura
Petitto e a respectiva equipe, submeteram Nim a intensivo treina-
mento da linguagem dos sinais durante 44 meses; ministraram
também a esse animal o mesmo tratamento que teríam oferecido
a urna crianga. Em muitos casos o chimpanzé comportou-se como
estudante perspicaz; chegou mesmo a realizar o seguinte diálogo
com a mestra sobre um gramado:

Nim (estendido no gramado): "Fágame cócegas".


Laura: "Onde?"
Nim (apontando para a perna): "Aqui".
Laura (depois de Ihe fazer cócegas): "Agora vocé me faga
cócegas".
Nim (fazendo-lhe cócegas): "Eu fago cócegas Laura".

Nim aprendeu 125 sinais. Todavia nunca mostrou conhecer


os rudimentos da gramática ou da construcao de sentencas. O lin-
guajar do chimpanzé, á diferenga do da crianga, nao evoluiu nem
progrediu; Nim também se evidenciou pouco criativo ou espontá-

277
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

neo; em 88% dos casos, ele falou táo somente para responder
a perguntas bem definidas formuladas por seu treinador.

3. Estes resultados levaram o Prof. Terrace a examinar os re-


latórios e os filmes produzidos por outros experimentadores. Um
estudo atento de tal documentagao convenceu-o de que as experien
cias realizadas com outros simios nao eram mais persuasivas do
que aquelas que ele mesmo efetuara: raramente ocorriam afirma-
coes espontáneas por parte dos animáis; os gestos que, á primeira
vista, pareciam sentencas origináis, eram comprovados, após minu
cioso exame, como respostas a perguntas ou i mi tacao de sinais efe-
tuados pelo mestre ou repeticao rotineira de combinacoes de sinais
guardadas na memoria. Por exemplo, f icou averiguado que, quan
do Lana, um chimpazé de Yerkes, dizia: "Please machine give
apple" (por favor, máquina dé mapa), as tres primeiras palavras
nao eram, para o animal, senáo um preludio rotineiro para obter
qualquer coisa. Em conseqüéncia, o Prof. Terrace afirma ém seu
livro Nim publicado em 1979:

"Quanto mais minuciosamente estudo, tanto mais considero os'muitos


exemplos de linguagem dos animáis como truques requintados que os simios
efetuara para obter alguma recompensa".

4. Outra crítica seria e objetiva as conclusoes de pesquisado-


res anteriores foi proposta pelo lingüista Thomas Sebeok e sua es
posa, a antropóloga Donna Jean Umiker-Sebeok, ambos da India
na University. Publicaram em margo 1980 o livro Speaking of
Apes (Palando de macacos): este apresenta urna colega o de relató
nos e ensaios a respeito da linguagem dos primatas e das respecti
vas experiencias; tal colecáo é acompanhada de ¡ntroducáo, na
qual os autores afirmam que mu ¡tos fenómenos tidos como hábil
linguajar dos simios podem ser explicados pelo efeito Clever Hans
(Clever Hans effect): este foi averiguado num cávalo, chamado
Clever Hans, de circo alemao de fins do sáculo passado; o animal
surpreendia o público assinalando com as patas respostas muito
exatas a complexos problemas de matemática ou de linguagem.
Após muitos ensaios bem sucedidos, finalmente um psicólogo ale
mao descobriu que o cávalo Clever Hans captava sugestóes incons
cientes ou nao intensionais da parte do treinador (alteracoes ñas
expressoes da face, no modo de respirar e até mesmo no formato
ou no tamanho da pupila dos olhos); tais sugestóes comunicavam
aó animal quando equantasvezes devia bater com as patas (ou, maís

278
AÍNDA A FALA DOS ANIMÁIS 15

precisamente, quando devia comecar e terminar os seus golpes).

Também se levanta a hipótese de que muitos dos relatos fa-


voráveis á linguagem dos animáis sao inspirados pela subjetividade
dos pesquisadores. Assim, por exemplo, o casal Sebeok notou que,
quando a chimpanzé fémea Koko era solicitada a fazer o sinal de
beber e, em vez de tocar a boca, tocava o ouvido, a psicóloga Fran-
cine Patterson interpretava o gesto nao como um erro, mas como
urna brincadeira do animal. Quando Koko, solicitada a franzir as
sobrancelhas, sorria, Patterson admitía que o animal estava exer-
cendo sua capacidade de exprimir contrastes. Feitas estas observa-
coes, o casal Sebeok afirmou que o diálogo entre o ser humano e o
simio é, antes, materia de ficcáo... !

Tal pronunciamento nao podia deixar de provocar reacoes.


Os psicólogos Alien e Beatrice Gardner asseveraram que o Prof.
Terrace deveria ser processado por causa de suas "insinuacoes"; a
psicóloga Francine Patterson acusou Terrace de "usar metodología
derivada de cabeca confusa".

Nao obstante, os próprios defensores da tese da linguagem


dos animáis estáo revisionando as suas posicoes. Premack, por
exemplo, atualmente professor da Universidade da Pensilvánia, jul-
ga que a tática, de Terrace, de tratar o chimpanzé como urna enan
ca foi "tola e mal inspirada", mas reconhece que os animáis sao
incapazes de conversa espontánea. O casal Rumbaugh garante que
as suas mais recentes experiencias excluem a possibilidade de que
os treinadores comuniquem sugestoes aos animáis, mas professa
reservas quanto á capacidade de linguagem dos simios: "Nao há
sólida evidencia, ajufza Duane Rumbaugh, para afirmar que o
macaco é apto a usar de sintaxe com alguma competencia".

Eis os principáis testemunhos publicados pela citada revista


Time. Como se vé, a tese que impressionou o público há cerca de
dez anos, está hoje sendo posta em descrédito, em nome de mais
apurados e objetivos estudos. Alias, tal fato tem seus análogos na
historia das ciencias: proposicoes e hipóteses que "empolgaram",
subitáneamente perderam a sua voga...

Passemos agora a urna

279
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

2. Reflexao final

1. Quanto noticiamos as conclusoes de Francine Patterson,


que realizou experiencias com a gorila fémea Koko, dizíamos que
seria desejável que "outros pesquisadores levassem a efeito seme-
I hantes estudos a fim de se terem dados mais copiosos e mais rela
tónos a respeito do fenómeno. A base para reflexao seria mais am
pia e segura" (cf. PR 232/1979, p. 135).

Ora realmente o fato de outros estudiosos se terem aplicado a


pesquisas paralelas as de Francine Patterson contribuiu para proje
ta r luz sobre o fenómeno. Os pesquisadores podem hoje distinguir
melhor entre os fatos na sua objetividade e as interpretacoes subje
tivas que inevitavelmente o estudioso associa aos fatos averiguados,
desde que os queira entender e transmitir ao público.

A luz de novas experiencias, verificam varios estudiosos que a


"linguagem" dos animáis nao ésenáoreflexo condicionado..., con
dicionado talvez inconscientemente pelo próprio operador, interes-
sado em provar a fala dos animáis infra-humanos.

2. é de notar a proposicáo do lingüista Noam Chomsky se


gundo a qual a linguagem espontánea é propriedade exclusiva do
ser humano. —Como provar tal afirmacao?

A linguagem consiste em exprimir mediante sinais sensíveis,


concretos (sons, gestos. . .) conceitos abstratos ou universais.
Quem fala, tem idéias ou conceitos na mente (as idéias, por exem-
plo, de pai, máe, irmao, agua...), que tal pessoa associa convencio-
nalmente a determinados sons ou vocábulos; os vocábulos podem
variar de idioma para idioma (pai, pére, father, ab. . .; filho, son,
hyiós, ben. . .; céu, Himmel, ouranós. . .) sem que por isto o con-
ceito mental ou a idéia varié; daí a possibilidade de se traduzir um
vocábulo, urna frase, um livro de um idioma para outro. Quem tra-
duz, muda totalmente a ressonáncia sensi'vel ou a roupagem aci
dental do discurso, mas conserva as mesmas nocoes e exprime as
mesmas proposicoes essenciais.

Por conseguinte, a linguagem supoe no sujeito que fala, a fa-


culdade de abstrair das percepcoes concretas nocoes imateriais;
aínda a fala dos animáis 17

supóe, sim, a capacidade de se emancipar do concreto, individual


para conceber o abstrato, universal; os conceitos de pai, máe, filho,
agua, chuva, sol.. . sao os mesmos em todos os homens, embora
os respectivos vocábulos sejam diversos de um povo para outro.

A faculdade que produz tal operacao, concebendo nocoes


universais, abstratas, a partir dos objetos concretos apreendidos pe
los sentidos, é a inteligencia. Esta é exclusiva do ser humano e,
por isto, também a linguagem espontánea é exclusiva do ser huma
no. Só este — dotado de inteligencia como é - concebe as nocoes
de fim, de meios e as proporcoes entre aquele e estes; por isto tam
bém só o ser humano progride em sua civil ¡zacao, passando da
habitagáo em cavernas para as palafitas, as choupanas, as casas de
pedra e os arranha-céus. . . Só o ser humano é capaz de emergir
ácima das suas situacoes concretas, a fim de revé-las e corrigi-las;
ele pode mesmo, em conseqüéncia da sua revisao, destruir o que
fez para refazer obra melhor, guardando sempre a mesma finalida-
de e os elementos essencíais dentro de quadros acidentaís diversos
e com recursos ou instrumentos sempre renovados.

O animal infra-humano é incapaz disto. É incapaz de abstrair


do concreto, individual, ao qual está preso pelos sentidos, é incapaz
de distinguir entre o essencial e o acidental; é incapaz de perceber
proporcoes; por isto é incapaz de formular nocoes universais ou
definieres. Por isto também ele nao fala; ele nao cria palavras ou
sinais para exprimir nocoes universais e ¡materiais, mas apenas
reproduz por mímica os gestos e sinais que ele observa no ser
humano ou que Ihe sao incutidos por treinamento provocador de
reflexos condicionados.

é nestas ponderacoes que está o cerne do problema. Urna re-


flexao objetiva e serena sobre o "falar" dos animáis mostra que
este nao pode ser equiparado, como algo de congénere, á lingua
gem humana.

281
Que quer dlzer

op0o preferencial pelos pobres?

Em slntese: A opcffo preferencial pelos pobres, apregoada pelos bispos latino


americanos reunidos em Puebla, tem sido objeto de controversias. Na verdade, ela
significa atencJo especial a todos os carentes, sendo.que os carentes no plano material
sao mais desprovidos de recursos para se promover do que os abastados ou nao carentes
no plano material. "Pobres", no caso, sao nffo apenas os que nao possuem os bens deste
mundo, mas tambero os que ná"o encontram o sentido da sua vida, os que se entregam ás
drogas, ao crime, os que sofrem pela velhice, pela doenca, pela orfandade...

A expressSb "opcSó" ná*o é exclusivista. Por conseguinte, nunca seja pretexto pa


ra menosprezar algum ser humano, qualquer que seja a sua condicffo social.

Note-se outrossim que, antes de qualquer outra opcSo, os bispos em Puebla reafir-
maram as grandes verdades da fé a respeito de Jesús Cristo, da Igreja e do homem. Em
funcáb desta opcáb primeira e básica (opcáTo de fé) e que foram formuladas as demais
opcdes (pelos pobres, pelos jovens, pela familia, pela catequese. . .». O Documento de
Puebla foi urna renovacffo enfática da fé dos pastores latino-americanos ñas grandes ver
dades do Credo frente a tergiversacCes recém-ocbrridas em nosso continente.

Comentario: Muito se tem talado de opcao preferencial pelos


pobres realizada pelos bispos latino-americanos em Puebla (feverei-
ro 1979). Tal expressáo nao é clara, á primeira vista; daí prestar-se
a interpretagóes diversas, é o que explica, procuremos, ñas pági
nas subseqüentes, -penetrar no sentido que Ihe quiseram dar os pas
tores latino-americanos reunidos em Puebla.

Examinaremos sucessivamente os termos "opcao" e "po


bres"; ao qué acrescentaremos reflexfies complementares.
282
OPCÁO PREFERENCIA!. PELOS POBRES 19

1. Op;So

A palavra "opgáo" significa propriamenteescolha, perferéncia.

Os bispos em Puebla fizeram opcoes:

1. A sua opcáo primeira e fundamental voltou-se para Cristo,


a Igreja e o homem, vistos á luz da fé; cf. Documento de Puebla
(DP) n°' 170-334, ou seja, o cap. 1 da Parte 11, A fídelídade dou-
trinária ou a conservagao íntegra e pura da verdade da fé preo-
cuparam o S. Padre Joáo Paulo 11 e os pastores reunidos em Puebla.
Após anos de hesitagoes entre teólogos, tanto o papa como os bis
pos latino-americanos empenharam-sevivamente na III Conferencia
do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) por reafirmar
as verdades fundamentáis da fé católica. Alias, referindo-se espe
cialmente á reta doutrina cristológica, dizia Joao Paulo II aos
bispos reunidos em Puebla:

"Do conheci mentó vivo desta verdade (sobre Jesús Cristo) dependerá o
vigor da fé de milhoes de homens. Dependerá também o valor da sua adesao á
Igreja e da sua presenta ativa de cristáos no mundo. Desse conhecimento deri-
var-se-ao opcoes, valores, atitudes e comportamentos capazes de orientar e
definir nossa vida crista e de criar homens novos e, por conseguinte, urna
humanídade nova pela conversáo da consciéncia individual e social. De urna
sólida Cristologia descera luz sobre muitos temas e questSes doutrinais e
pastorais que vos propondes examinar nestes días".

A opcao por Cristo foi certamente urna opcáo de fé baseada


ha Tradigao dos Concilios da Igreja:

"É nosso dever anunciar claramente, sem deixar dúvidas ou equívocos,


o misterio da Encarnacáo: tanto a Divindade de Jesús Cristo, tal como a pro-
fessa a fé da Igreja, como a realidade e a forca de sua dimensfo humana e
histórica" (Documento de Puebla n° 175).

Ora precisamente á luz da fé haveriam os pastores de exami


nar todas as demais questSes propostas na pauta dos estudos da
Assembléia. Recordava-lhes oportunamente o Papa Joao II no
seu discurso inaugural da Assembléia:

"Vos vos congregáis aqui nao como um simposio de peritos, ná*o como
um congresso de dentistas ou técnicos, por mais importantes que possam ser

283
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

estas reunioes, mas como um fraterno encontró de pastores da Igreja. E,


como pastores, tendes a viva consciéncia de que vosso dever principal é o de
ser mestres da verdade. Nao de urna verdade humana e racional, mas da
verdade que vem de Deus".

2. Tais observacoes ajudam-nos a compreender urna das


opcoes especiáis feitas pelos bispos no decorrer da Assembléia
e registrada no documento de Puebla nos seguintes termos:

"A Conferencia de Puebla volta a assumir, com renovada esperanca na


forca vivificadora do Espirito, a posicao da II Conferencia Geral que fez uma
clara e profética opcao preferencial e solidaria pelos pobres, nao obstante os
desvios e as interpretares com alguns desvirtuaram o espirito de Medellin"
{n9 1134).

A propósito do termo "opcáo, note-se que foi controvertido


entre bispos em Puebla pelo fato de que podía sugerir exclusao.
Ora justamente para evitar tal mal-entendido, os pastores quiseram
precisar que a opcáo nao se opunha á unive'rsalidade da missáo da
Igreja, que é voltada para todos os homens sem excecao, como a
Encarnapáo do Filho de Deus beneficiou a todos sem excecao:
"por causa de nos, homens, e da nossa salvacao... nasceu de María
Virgem" (Credo niceno-constantinopolitano, 381). Eis, as determi-
nacoes que os bispos em Puebla acrescentaram ao tempo "opcáo":

"O servico dos pobres é medida previlegiada, embora ná*o exclusiva, de


nosso seguimento de Cristo" (n° 1145).

"Com seu amor preferencial, mas nao exclusivo, pelos pobres, a Igre
ja..." (n9 1165).

"Jesús Cristo, Salvador dos homens, difunde seu Espirito sobre todos,
sem acepcao de pessoas. Quem, ao evangelizar, excluí do seu amor a inda que
seja uma única pessoa, nao possui o Espirito de Cristo. Por isto a acao apos
tólica tem de compreender todos os homens, destinados a se tornarom f ilhos
de Deus" (n9 205).

Se alguém, através da sua atividade em prol dos pobres, chega


a dar a impressáo de estar esquecendo ou menosprezando os nao
pobres, contraria ás intensoes dos bispos em Puebla. Estes, com
efeito, deixaram a propósito duas observacoes, que na sua brevi-
dade sao suficientemente significativas:

"A Igreja tem intensificado seu compromisso com os setores desfavore


cidos f ¡nanceiramente, advogando a sua promocfio integral. Esta atitude dá a
alguns a impressa*o de que ela deixa de lado as classes abastadas" (n° 147).

284
PREFERENCIAL PELOS POBRES 21

"A acao positiva da Igreja em defesa dos direitos humanos e o seu


comportamento em relacao aos pobres tem levado grupos económicamente
poderosos, que se consideram líderes do catolicismo, a se sentirem como que
abandonados pela Igreja, que, segundo eles, teria deixado a sua missáo 'espi
ritual' " (nP 79).

Por certo, entre as pessoas abastadas e económicamente pode


rosa há muitas que tém sinceras disposicoes cristas e desejam servir
fielmente a Cristo, á Igreja e aos seus irmaos, mas se sentem fre-
qüentemente feridos e como que rechagadas pelas atitudes (apa
rentemente) exclusivistas de certos agentes de pastoral; Jesús
mesmo teve amigos da alta sociedade judaica, como Nicodemos e
José de arimatéia, dos quais nao exigiu o despojamento de seus
bens (cf. Jo 3, 1; 19, 38); as mulheres mencionadas por Le 8,1-3
serviram a Jesús "com os seus bens"; Lázaro, Marta e María nao
parecem ter sido pobres — o que nao impedia Jesús de nutrir viva
amizade por eles. Sao Paulo faz recomendacoes aos cristaos "ricos
deste mundo" (1 Tm 6, 17-19), mas nao manda que se tornem
materailmente pobres.

Por conseguinte, se "o pea o" no caso nao é exclusao, deve ser
entendida como a atencáo especial que o. pastor deve dispensar ás
ovelhas mais carentes do rebanho precisamente pelo fato de serem
mais carentes ou necessitadas.

Alias, é em sentido análogo que se deverao entender as


demais oppoes particulares realizadas pela catequese. .. Nada tém
de exclusivo, mas apontam valores a serem especialmente acompa-
nhados e fomentados na pastoral latino-americana.
Examinemos agora quem sejam, no contexto de Puebla,

2. Os pobres

Mais de urna interpretacao foi proposta pelos* comentadores


do vocábulo antes e depois de Puebla:

1. Os pobres seriam os proletarios, de acordó com a análise


e a ideología marxistas. Com outras palavras: segundo alguns intér
pretes, a Igreja deveria optar pelos pobres, isto é, pelas classes po
pulares ou pela classe explorada. Esta precisa de ser conscientizada
e organizada contra os seus exploradores, já que a sociedade está

285
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

dividida em duas classes antagónicas. Por consiguinte, optar pelos


pobres vem a ser optar pelos explorados da classe proletaria contra
os exploradores do sistema vigente. Os pobres, entendidos como
classe social no sentido do marxismo, devem ser agucados para a
luta de classes e aderir ao socialismo.

Tal seria a interpretacao política, classista e revolucionaria da


opcao pelos pobres.

A identificacao ideológica entre pobres e proletarios já era


apregoada antes da Assembléia de Puebla por autores católicos
latino-americano e europeus, fautores da teologia da libertacao.
Entre outros, merece ser citado Giulio Girardi:
"É preciso amar a todos, mas nao do mesmo modo: aos oprimidos
amamos libertando-os; aos opressores amamos, combatendo-os. . . O amor
tem que ser classista para ser universal".

Gustavo Gutiérrez, autor latino-americano, escreveu:

"A unidade da Igreja é considerada, com razáfo, por L. Althusser como


um mito que deve desaparecer se quer que a Igreja reconverta ao servico dos
trabajadores na luta de classes. . . Sao cada vez mais numerosos os cristfos
que pensam que a auténtica unidade da Igreja passa necessariamente pela
opcSo pelos oprimidos e explorados deste mundo. O futuro da Igreja depende
do número e do valor dos cristáos que cada dia reconhecem a necessidade da
luta e se unem ás fileiras do proletariado mundial" (Teologia de la liberación
p. 346 s).

Tais autores alegam que os pobres nao se interessam propria-


mente por valores de fé, mas, sim, por qu estoes de ordem econó
mica, social e política, em virtude das quais sao marginalizados e
oprimidos. Por isto a resposta que se Ihes deve dar, é o incitamento
a revolucáo social, e nao apenas a modif¡cacao acidental das estru-
turas vigentes; é o socialismo revolucionario, e nao o desenvolvi-
mento económico até hoje apregoado. — Quanto aos temas explí
citamente religiosos, fiquem subordinados aos interesses da acáo
revolucionaria.

Nao será necessário tecer consideracóes para evidenciar


quao despropositadas safo tais concepcoes; solapam as proposicoes
fundamentáis do Evangelho e da fé católica.

2. Em íntimo nexo com a ¡nterpretacáo ácima, pode-se


mencionar a seguinte: os "pobres" sao os "em-pobre-cidos", ou
seja, os despojados e oprimidos por classes dominantes. Assim, por

286
OPCÁO PREFERENCIAL PELOS POBRES 23

exemplo, se exprime urna equipe de teólogos da CLAR (Conferen


cia Latino-Americana dos Religiosos):

"O amor ao pobre, há que traduzi-lo hoje na América Latina como


amor ao em-pobre-cido, isto é, ao despojado e oprimido. A pobreza aparece
como o resultado de livres decisóes dos homens" (Pueblo de Dios y comuni
dad libertadora. Bogotá 1977, n9 49).

"Nossa reflexáo lanca raízes no solo dos pobres: este é o lugar social
donde dirigimos as nossas perguntas ao Evangelho. Fazemos isto, conscien
tes de que os pobres na América Latina nao sao simplesmente pobres, mas,
sim, o resultado do pecado social que consiste em injusta organizacao da
sociedade" (ib. nP 189).

Ora vé-se que também este conceito é tendencioso e ideoló


gico: nao resulta de análise objetiva da realidade. Com efeito,
existem injusticas, opressoes e violencia, que empobrecem a
muitos; mas levem-se em conta outrossim as situacoes que geram
pobreza independentemente da livre decisáo dos homens: assim as
condicoes dos órfáos, a velhice, as enfermidades, as secas, as
inundacoes, os terremotos. . ., que sao as genuínas e únicas causas
de muitos quadros de pobreza. O documento de Puebla mesmo
reconhece tais outros fatores no final do trecho seguinte:

"Ao analisar mais a fundo tal situacao, descobrimos que esta pobreza
ná*o é urna etapa casual, mas sim o produto de determinadas situacoes e
estruturas económicas, sociais e políticas, embora haja também outras causas
da miseria" (n9 30).

Consideremos agora urna terceira ¡nterpretacáo:

3. Pobres safo todos aqueles que carecem. . ., sendo que os


pobres, materialmente talando, merecem especial atencao porque
nao somente carecem, mas geralmente nao possuem os recursos
culturáis e humanos para sair da sua carencia.

Nesta acepcao, "pobres" safo também aqueles que, embora


possuam bens materiais, carecem de bens espirituais ou de orien-
tacao e sentido de vida; sao aqueles que experimentam o desánimo
e o desespero dentro de habitacoes luxuosas. ..; os que procuram
urna resposta para seus anseios no libertinismo, na droga, no prazer
desenfreado. . .; sao os que se entregam ao crime porque nunca
tiveram a educacao que pai e mae oferecem de maneira insubsti-
tuível. . . O próprio documento de Puebla explica a sua concepcáo

287
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

de "pobre", que, no caso, independe de condicao social. Assim,


por exemplo, se lé em tópicos diversos:

"Preocúpamenos as angustias de todos os membros do povo, qualquer


que seja a sua condicao social: sua solidao, seus problemas familiares, a falta
de sentido que nao poucos véem na vida. E mais especialmente queremos
hoje compartilhar as augústias que nascem de sua pobreza" (n° 27).

"Angustias provocadas pela violencia da guerrilha, do terrorismo e


dos seqüestros, efetuados por extremistas de sinais diversos, que compróme-
tem igualmente o convivio social" {nP 43).

"Os Religiosos. . . acompanham os que sofrem por causa da injustica,


por causa da falta do senso profundo da existencia humana e por causa da
fome de paz, verdade e vida" (n° 743).

Em conseqüéncia, o documento de Puebla afirma que o


melhor servipo a ser prestado aos pobres é o da evangelizacao:

"O melhor servico ao irmao é a evangelizacao, que .o dispde a realizar-se


como filho de Oeus, o liberta das injusticas e o promove integralmente"
(n9 1145).

Como se vé, a evangelizacao tem em mira o homem todo, seja


no plano espiritual, seja no corporal. Antes do mais, ela o leva á
vida de filho de Deus, cultivando a dimensao religiosa, que é con-
génita em todo homem e que, por certo, existe também nos pobres
e oprimidos. Mas ela se interessa outrossim para que o filho de
Deus viva em condicóes condizentes com a sua dignidade, usu-
fruindo de todos os direitos que Ihe tocam. Nao há, pois, dicoto
mía entre o anuncio religioso e o atendimento material; este,
alias, sem aquele nao poderia satisfazer as aspiracoes do pobre.

Faz-se mesmo oportuno dizer: a tarefa de dispor alguém a


tornar-se filho de Deus ou a converter-se do pecado á grapa é a
tarefa palmar, própria e específica da Igreja. Quanto á luta contra
as injustipas e a promocáo do homem, a Igreja se empenha por tais
objetivos, porque o homem nao é apenas espirito, mas tais metas
nao sao exclusivamente próprias da Igreja; esta nao pode prometer
a rea I ¡zapa o perfeita de todas as aspirapoes económicas e profis-
sionais dos homens, pois "a missao da Igreja nao é de ordem
política, económica ou social" (Constituicao Gaudium et Spes
n° 42). A Igreja sabe que nao tem competencia para propor
modelos alternativos á sociedade (DP n9 1211). Diz oportuna
mente Paulo VI na encíclica "Populorum Progressio" n° 13:

288
OPgÁO PREFERENCIAL PELOS POBRES 25

"Fundada para estabelecer desde já o Reino dos céus e nao para con
quistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois campos
sao distintos um do outro, da mesma maneira como sao soberanos os dois
poderes, o eclesiástico e o civil, cada qual no seu terreno próprio".

Foi'por tais motivos que o S. Padre Joao II, ao dirigir-se aos


operarios de Monterrey (México), ponderou o seguinte:

"Jesús Cristo. . ., antes de transformar a existencia cotidiana, soube


falar ao coracao dos pobres, libertá-los do pecado, abrir seus olhos para um
horizonte de tuz e enché-los de alegria e esperanza" (texto citado pelo DP
n« 1153).

Esta afirmacáo tem importancia especial se se leva em conta


o seguinte: Ludwig Feuerbach asseverava que o importante nao é
interpretar o mundo, mas transformá-lo. Desta te¿e se segué o
primado da praxis ou acáo sobre a reflexáo. Ora a posicao de
Feuerbach foi adotada (talvez com matizes) por pensadores
cristaos; estes quiseram dar a primazia á acáo transformadora
da sociedade, ficando as proposicoes da fé em plano secundario,
dependente da praxis: para tais pensadores, "conscientizacao"
significaría "tornar o pobre mais consciente da sua dor" ou mais
amargurado e, em conseqüéncia, mais atipado para a acao revolu
cionaria. — Ora bem; frente a tais concepcoes o S. Padre Joáo
Paulo II e, com ele, os bispos em Puebla quiseram lembrar que
a missáo de Cristo e, por conseguinte, do cristao tem em mira
nao só as estruturas sociais, mas também, e primeiramente, o
fntimo do homem pobre e a sua conversao para urna vida nova,
oferecendo-lhe a libertacao do pecado e da morte.
Enfatizando esta verdade, observa o documento de Puebla:
"A neccessária mudanca das estruturas sociais, políticas e económicas
injustas nao será verdadeira e plena se nao for acompanhada pela mudanca de
mentalidade pessoal e coletiva com respeito ao ideal de urna vida humana
digna e feliz, que por sua vez dispde á conversao" (n° 1155).

Destas afirmacoes do documento de Puebla seguem-se, entre


outras, algumas conclusoes, que vale a pena rea lea r especialmente:

1) O Pobre (materialmente talando), pelo simples fato de ser


pobre, nao é santo, como também o rico (materialmente falando),
pelo fato de ser rico, nao é répobro. Talvez o pobre, por ser pobre,
tenha o coracao mais livre e desimpedido do que o rico, sujeito a
se deixar embotar e iludir pelas riquezas (cf. Mt 19, 22). Mas.

289
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

como quer que seja, todos precisam de se converter a Cristo e a


uma vida nova, professando explícitamente as grandes verdades
dafé.
2) Nao se pode dizer, portanto, que o pobre sem fé, por
ser pobre, é um "cristao anónimo" (. . . anónimo, porque ignora
o Cristo, mas cristao, porque presumivelmente tem as virtudes
características do cristao). Do mesmo modo, nao se pode dizer
que o marxista, pelo fato de lutar contra as injusticas vigentes, é
um "cristao anónimo" (tal seria o caso de Che Guevara). Nao;
nao é o pertencer a uma classe social que torna alguém cristao.

3) Alguns teólogos da libertacáo apregoaram o primado da


atividade política sobre as demais tarefas do homem; conforme
tais autores, o compromisso político deveria condicionar de
maneira totalitaria e radical todas as expressoes do ser humano.
Ora o documento de Puebla leva a ver que a militáncia política
partidaria está longe de ser um valor absoluto, donde se derive
o sentido da vida humana. Nao se pode sustentar a prímazia da
atividade política partidaria sobre as demais; mesmo que nao se
engaje na luta política, o cristao concorre para o bem da polis ou
da sociedade, se cultua a Deus e cumpre os seus deveres religiosos
e civis.

4) Há quem queira contrapor "Igreja oficial" e "Igreja


popular", nascida do povo. A Igreja oficial seria a da hierarcjuia,
que (dizem alguns injustamente) está comprometida com as
classes dominantes e colabora com a opressao. Ao contrario,
a Igreja popular brotaría do povo explorado, disposto a lutar
por sua libertacao sócio-económica; essa Igreja popular seguiría
o exemplo de um Cristo político, guerrilheiro e revolucionario.

Vé-se quáo deletéria é tal distincao. Há uma só Igreja, que é


também o povo de Deus, comprometida com o Cristo, o Evan-
gelho, a verdade e a justica. Essa Igreja una e única é fundada por
Jesús Cristo; somente através déla Cristo exerce a sua acao santi-
ficadora e sacramental. Separar-se dessa única Igreja significa
constituir uma sociedade meramente humana, composta de
pessoas unidas entre si e polarizadas por um ideal, mas desti
tuida da acao santificadora e sacramental de Cristo.

5) Condicáo indispensável para auténtico servico aos pobres


é a conversáo pessoal de cada cristao ao Evangelho e aos seus
ditames. £ necessário que todos aqueles que se propoem anunciar

290
OPCÁO PREFERENCIAL PELOS POBRES 27

a Boa-Nova saibam levar estilo de vida austera e despojada, conver-


tendo-se de uma conduta pecaminosa ou, ao menos, fútil e leviana
para um comportamento seriamente inspirado pelas exigencias de
renuncia e compreencao imposta pelo Senhor Jesús aos seus se
guidores, é o que, em ma¡s de um tópico, afirma o documento
de Puebla, como se pode depreender abaixo:

"O servico do pobre exige converca*o e purif¡cacao constantes, em


todos os cristáos, para conseguir-se uma ¡dentificacáo cada dia mais plena
com Cristo pobreecom os pobres" (nP 1140;cf. n9 1147.1157s).

Eram estas algumas considerares que convinha propor


ao público estudioso a respeito da controvertida expressao "opcao
pelos pobres". Vé-se que esta nao contradiz á mensagem do Evan-
gelho, que é sempre universal ou destinada a todos os homens.

Ver a respeito:

KLOPPENBURG, B., Puebla: opción preferencial por los pobres. CELAM Bogotá
1979.

TRUJILLO, A. L.. Perfiles de Puebla. CELAM, Bogotá 1979.

ALMEIDA CUNHA, R. I., A opcSo preferencial pelos pobres, em: Convergencia,


a. XIII (1980), n? 130, pp. 93-121.

DECLARADO
Tendo em vista o fato de que num programa de televisfo uma decía-
racfo minha nao foi suficientemente entendida, desejo esclarecer o meu
pensamento: nao negó em .absoluto a existencia do céu e do inferno, pois
se trata de realidades que a S. Escritura e o magisterio da Igreja professam
com nitidez; basta citar, por exemplo, o episodio de Mt 25, 31-46, onde o
Senhor Jesús distingue a sorte dos homens que amam a Deus e ao próximo,
da sorte dos que se fecham ao amor de Deus e do próximo. Todavia — foi
isto que eu quis dizer — nao se devem conceber as realidades do céu e do
inferno em termos fantasistas e imaginosos, como o faz o poeta Dante
Alighieri na "Divina Comedia". Nem se devem educar as enancas e os ado
lescentes num regime de pavor religioso, apresentando a imagem de um
Deus vingativo, pronto a punir a todo momento. Deus retribuirá a cada
um segundo as suas obras, como diz Sao Paulo (Rm 2, 6-9); tenhamos,
porém, confianca e esperanca em Deus; Este jamáis abandonará a criatura
que sinceramente o procure; também quandp nos julga, Ele é o Amor que
exerce a justica. De resto, aproveito o ensejb para renovar minha incondi
cional adesáo a todas as verdades da fé tais como as ensina a S. Igreja Católica
Apostólica Romana. ....... -_-
H Pe. EstévSo Bettencourt OSB

291
Pouco se sabe a respeito de

angola: situacáo atual

Em tíntese: O presante artigo reproduz as observares de alguém que conheceu


Angola antes da "libertacao" e a visitou após a instalacfo do regime comunista. O autor,
em tom caloroso, refere a deteriorado e a decadencia do país, cujas riquezas naturais
vSo sendo exploradas e exportadas por ocupantes russos e cubanos; a "descolonizacSo",
para Angola, significou táo somente a mudanca de um senhorio colonial para outro!

Comentario: Pouco se sabe a respeito da vida cotidiana dos


países sujeitos a regime marxista. As noticias oficiáis, emitidas
pelo respectivo Governo, sao, muitas vezes, lacónicas e revelam
apenas urna ou outra faceta da realidade. A melhor fonte de
¡nformacoes a propósito sao relatos de viajantes que tenham tido
a possibilidade de contato direto e minucioso com a populacao
local assim como de observacáo de sítuacoes características dos
países comunistas.
Ora Angola, ex-colonia portuguesa na África, é hoje um
territorio regido pelo marxismo-leninismo, lá alimentado por
ocupantes russos e cubanos. - A revista PR transmite hoje aos
seus leitores as observarles de um viajante que conheceu o país
antes da penetracao soviética e que o foi visitar após esta. Tal cró
nica foi publicada em francés pela revista "Le Christ au monde",
vol. XXIV, nP 6, novembro-dezembro 1979, pp. 376-381, de
onde a traduzimos.
O cronista poderá talvez parecer veemente ou passional. .
Mas, como quer que seja, está transmitindo aspectos da realidade
angolana que nao poderao ser negados; as suas observacóes fazem
eco fiel as de outros visitantes de países recém-descolonizados;
todos estes.jornalistas mostram que a descolonizacáo, na verdade,
nao foi, em muitos casos, senao urna troca de colonizadores, é
isto que importa realcar aquí, para que o público possa julgar
com realismo e objetividade os slogans da propaganda soviética.

292
SITUAQÁO DE ANGOLA 29

Fo¡ conservado o título dado pelo próprio autora süa crónica.

COISAS VISTAS EM ANGOLA

OBSERVARES DE UM VISITANTE

"Por ocasiao da aterrissagem, o olhar do viajante é atraído


pela presenca de avioes russos e cubanos. . . e pelos numerosos
destrocos de naves aéreas que recobrem parte do aeroporto de
Luanda.

As formalidades do desembarque ocorrem sem complicacoes,


mas, por tras dos que chegam, há sempre um ou dois individuos
mesticos ou cubanos que supervisionam tudo.

Desde o primeiro contato com a televisao de Luanda, torna-se


evidente que é, antes do mais, urna sucursal da de Havana; as
noticias comunicadas sao as do Partido.

Acabo de saber que o ano passado foi o ano da escola cu


bana. . . e que isto se tornou um lamentável fracasso cultural. Em
nome da inteligencia, nao poderia a UNESCO ou a ONU responder
a esse desafio, que é também um absurdo? Os d i re itos fundamen
táis do ser humano sao conculcados.

De outro lado, tive a ocasiao de ver em toda parte restaurado


o trabalho forcado. . .. em vista da 'producao', palavra que é
pronunciada desde a primeira emissao radiofónica da man ha.
Caminhoes transportam jovens de ambos os sexos e adultos,
deixando-os muito longe das suas aldeias ou das suas cidades. A
liberdade, nesse sistema, é violada. . ., mas trata-se sempre de
'libertacao', no jargao da propaganda oficial.

Um aspecto que nao se pode silenciar, é a fome, que prati-


camente existe em quase toda parte. Um dos síntomas muito
visíveis que impressiona todo visitante, sao as longas filas de
pessoas que tentam conseguir algo que tapeie o estómago.

Ao contrario, por ocasiao da festa dos cubanos, viam-se estes


ocupantes refestelar-se enquanto a populacao local continuava
carente. Existiam, sim, reservas alimentares, mas eram destinadas

293
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

aos cubanos; estes sao chamados "cucos" pelo povo, em alusao a


esses pássaros parásitas que expulsam do ninho os outros e o
ocupam ¡ndevida mente.

A presenga dos ocupantes pesa notavelmente sobre todo


o aparato administrativo e sobre toda a vida agonizante desse
belo e simpático país.

Fatos impressionantes

Registra-se penuria de agua. Há cortes de agua que se pro


longa m por dias inteiros e até por varios dias consecutivos... exce-
to em Lubango e Benguela.

Também se senté a escassés de pao e dos alimentos básicos. A


carne? o peixe? — Quase nao se encontram; e isto num país em
que se contavam aproximadamente sete milhoes de cabecas de
gado pesado antes da ocupacao russa e cubana, e num territorio
banhado pelo mar mais piscoso do globo. Até o café.. . nao é o
de Angola. De vez em quando servem Nestlé em pó, considerado
produto de luxo.

Que aconteceu, pois?

Os russos saqueararn e levaram os estoques de café e conti-


nuam a requisitar praticamente tudo o que a lavoura, já em ritmo
bem mais lento, permite colher. O ouro, os diamantes seguem na
mesma direcao: URSS. Os produtos do mar? Dezenas e dezenas
de embarcacoes praticam a pesca em alta escala ao longo do lito
ral de Angola; noite e dia, estao a traba I ha r. O método utilizado
é o da succao. Tudo é objeto de levantamento (pepas grandes e
outras, até o plancton das aguas); a fauna assim vai sendo des
truida. Trata-se de um auténtico saque de piratas.

Mas os russos onde estafo? Alguns deles sao bem visíveis,


principalmente nos postos de controle administrativo. Lá estáo,
silenciosos, supervisionando tudo. Nao fazem outra coisa. Nao
sao propriamente técnicos; o seu comportamento assemelha-se
ao de policiais; os angolanos estao traumatizados com isto.

Os outros russos, menos visíveis, mas mais influentes, super-


SITUAQÁO DE ANGOLA 31

visionam as estrategias e dirigem o conjunto da máquina ideoló


gica. Preparam os planos de acao psicológica e os impoem. Quanto
á execucao desses planos, os cubanos a assumem.

Segundo os relatos dos diversos viajantes que nos últimos


tempos tiveram a ocasiao de circular pelo país inteiro, podem-se
avahar, sem risco de erro, em mais de 35.000 os efetivos dos
cubanos. A maioria é de militares ou congéneres, mas há também
médicos, professores...

Tornou-se ¡ntolerável a presenca de todos esses ocupantes —


russos e cubanos. O fenómeno de rejeicao marica em toda parte é
muito forte; mas que pode fazer urna populacáo faminta e desar
mada diante de ocupacao estrangeira que se apoia em grande
aparato de carros de combate e de avioes?

Atividades criminosas

Alguns fatos, devidamente documentados, revelam a incom


petencia ou mesmo o comportamento criminoso de varios desses
'técnicos' cubanos. Por que é que, em muitas muiheres que foram
dar á luz em Luanda, varios desses médicos praticaram sistemáti
camente, com e sem razio, operacoes cesarianas, que tiveram por
resultado espantoso a morte de centenas de muiheres e das crian-
gas? Por causa de urna simples infeccao na ponta do dedo, corta-se
a mao inteira? E como qualificar a ligadura de trompas imposta
habitualmente, por ocasiao do parto, as muiheres jovens que
tenham escapado de intervencao cesariana? — Algumas testemu-
nhas destes fatos tacharam-nos de genocidio.

Mas quem organiza ou premedita esses operacoes? Qual a


cabeca pensante, qual o cerebro dessa estrategia? Sao russos?
Sao cubanos? Os dirigentes de Havana sonharam fazer de Angola
urna térra em que eles se pudessem expandir fora dos limites da
sua ilha? Eis questoes abertas...

Outros fatos: por que, por exemplo, os aparelhos de radio


grafía mais modernos e mais aperfeicoados existentes em certos
hospitais foram transferidos para Havana?

No plano da educacáo, o ano cubano da escola, como dis-

295
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

sernos, foi um fracasso total, principalmente por causa da incom


petencia do pessoal cubano e da politizacáo, pois safo promovidos
os que mais se distinguem por sua militáncia marxista, e nao os
jovens que freqüentaram assiduamente os cursos e que realmente
estudaram.

Ocupa;5o estrangeíra

Os cubanos circulam apenas sobre os grandes eixos. Os sol


dados ou congéneres vivem nos antigos quarteis ou em colegios
ou outros edificios requisitados. Os civis cubanos agrupam-se
em algumas casas ou locáis da cidade.

Á primeira vista, esses ocupantes nao irradiam alegria. Mas


entáo? Quem comanda? Que faz o Governo? Que pode fazer o
Governo? Será este livre?

Na verdade, á colonizarlo sucedeu-se a ocupacao por tropas


estrangeiras. E o territorio angolano fica sendo o teatro de opera-
coes de guerrilhas. FNLA ao Norte, MPLA principalmente no
centro, UNITA ao Sul, eis os grupos armados que controlam
numerosas regioes. . . ñas quais nao se podem aventurar nem
os russos nem os cubanos nem as tropas do exército do Governo.

Intoxicando ideológica

0 pior é a tentativa de ¡ntoxicacáo ideológica levada a efeito


com grandes despesas por todo o sistema. A ¡mposicao do marxis
mo-leninismo é algo de obvio e evidente para aiguns, que o
reívindicam como ideología do Governo. Esse marxismo-leninismo,
os cubanos o ensinam e propagam ñas escolas e os militantes
comunistas angolanos tentam obter-lhe a adesao forcada da po-
pulacao mediante reunioes obrigatórias e na base de slogans.
Evidentemente as emissoras radiofónicas nacionais o transmiten!.
Estas sao manipuladas por um grupo de comunistas portugueses,
indesejáveis no seu país de origem, que operam passionalmente
em Angola sob a alta direcao de técnicos russos e cubanos. As
pessoas de cultura julgam-nos severamente como malfeitores e
como traidores da patria.

296
SITUAQÁO DE ANGOLA 33

Por certo, Angola aspirava legitimámente á independencia,


mas nenhum angolano ¡maginava que a libertacao acabaría na
opressao e na escravidao ideológica de terror, fome e genocidio,
que atualmente está em curso.

Mais do que nunca, Angola aspira hoje a auténtica inde


pendencia, independencia de urna grande napáo livre para escolher
e conduzir o seu destino, segundo a sua alma. . ., que recusa o
materialismo ateu.

O marxismo-leninismo nao é científico.


O marxismo-leninismo nao é humano.
O marxismo-leninismo nao é africano.
O marxismo-leninismo nao é angolense.

£ absurdo, destrói o homem, aniquila toda a africanidade e


o melhor do que é Angola. Numa palavra: é bárbaro, é urna fla
gelo. Mais: é importado do estrangeiro. Comprova-se como o ini-
migo mais pérfido de um povo da África. Para as populacoes lo
cáis, é sinónimo de escravidao.

Acontecimentos perturbadores

Citemos, entre outros, alguns fatos particularmente inquie


tantes.

Assim a descoberta de morticinios em certos lugares.

Os jovens desaparecem da localidade de... Cada familia está


á procura de um dos seus e, ás vezes, de varios dos seus. Certo dia,
um anciao aventürou-se na direpao de um pantano situado a algu-
ma distancia da aldeia, lugar habitualmente pouco freqüentado:
qual nao foi a sua surpresa quando descobriu ali um corpo, depois
outro e ainda outros! Entao voltou á aldeia e, tendo conseguido
ajuda, fez a macabra descoberta de que estavam todos lá. Ora
o número era considerável. Diante disto, as autoridades, alertadas
por esse mesmo anciao, tentaram negar a realidade dos fatos, mas,
levadas ao lugar, o responsável da regiao admitiu que csses assassí-
nios eram a própría realidade. No dia seguinte, as tropas de ocu-
pagao partiram para longe de lá, pois o odio da populacao para

297
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

com elas chegara ao auge. - Alias, o anciáo tomara previamente


a cautela elementar de declarar que, se Ihe acontecesse qualquer
coisa, o responsável da regiao seria ¡mediatamente indigitado e
pagaría com a vida todo atentado ou ato de violencia cometido
contra a pessoa do anciao; a populacáo local fora devidamente
informada desta advertencia.

Por que as prisoes estao superlotadas com tanta gente ¡no


cente?

Os encarceramentos sao arbitrarios, as condicóes carcerárias


sao desumanas. Em cubículos muito estreitos, as pessoas sao
amontoadas como animáis, contra todas as regras da higiene.
Famintas, sem noticias do seus, sao submetidas a interrogatorios
extenuantes, que se prolongam dia e noite, acompanhados pelas
mais bárbaras torturas. Muitos nao resistiram a tal regime e morre-
ram; numerosos sao aqueles que vegetam, depois de maltratados
únicamente na base de suspeitas ou de simples denuncias. As
regioes próximas ao cenário das guerrilhas sao as mais atetadas;
todavía, desde que alguém pareca nao dar provas de zelo marxis-
ta, é margínalizado, preso e, muítas vezes, brutalmente eliminado.
Os assassinatos políticos sao moeda corrente. Qual a explicacao?
Seria o medo? — O terror só pode gerar a violencia.

— Por que há tantas regioes isentas de controle? As minas


escondidas pelos guerrilheiros tornam ai a circulagao impraticável
aos nao iniciados.
— Por que o genocidio cometido impunemente pelos
médicos cubanos ainda nao foi objeto de censuras e protestos
da parte de organismos ¡ntemacionais, como, por exemplo, a
O. M. S. (Organízacao Mundial de Saúde}?

— Por que a fome?


— Por que o trabalho farpado e as requisícoes?
— Os direitos fundamentáis da pessoa humana sao lamenta-
velmente conculcados.

No plano cultural, a presenca cubana é um absurdo trágico.


Como é que pessoas incapazes de alfabetizar a sua ilha sao promo
vidos a educadores dos africanos? Os angolenses sabem-se e sen-
tem-se desprezados por todos esses ocupantes; mas quem os líber-

298
SITUAQÁO DE ANGOLA 35

tara? A UNESCO nao pode ignorar que outrora Angola e a Nigeria


eram as regioes mais alfabetizadas de toda a África, chegando á
cota de 80%. Que faz esse organismo, do qual certas atividades
sao maravilhosas.. ., nesta fase de destruicao de toda cultura num
¡menso territorio?

A lista destes fatos ou acontecímentos inquietantes poderia


ser prolongada indefinidamente. Evidentemente os mercadores de
diamantes, de café, de acucar, de minérios preciosos, assim como
os petroleiros, continuam a fazer negocios altamente lucrativos
naquele contexto planetario de equilibrio do terror entre forcas
do Oriente e do Ocidente.

— Por que as emissoras radiofónicas estao totalmente


politizadas e ao servico da pressao marxista-leninista e dos 'téc
nicos' e das tropas de ocupacáo?

Os contrastes estridentes ou a evolugoo regressiva

Os viajantes que tiveram a ocasiao de conhecer Angola an


tes da invasao dos russos e dos cubanos, padecem verdadeiro cho
que ao verificar certas situacoes. A todo ser racional e de boa fé,
torna-se evidente que imensa deterioracao se produziu naquele
país prodigiosamente simpático e dotado de grandes recursos
humanos. Os angolanos caracterizam-se, em geral, por inteligencia
penetrante, sensibilidade viva, coracao generoso, acolhida ao
estrangeiro, sentido agucado de hospitalidade. As riquezas do seu
territorio figuram entre as mais cobicadas do mundo. Os grandes
eixos Norte-Su I e Leste-Oeste ofereciam urna rede rodoviária
asfaltada única em seu género, complementada por aeroportos
confortáveis e seguros, disseminados um pouco por toda parte,
com urna frota aérea suficiente, conservada em bom estado eficaz.

Diamantes, café, minérios de toda especie, petróleo, pescado,


canaviais, urna política florestal e agrícola de resultados espetacu-
lares. . ., todos estes trunfos importantes, ñas maos de dirigentes
livres, competentes e conscienciosos, deveriam ter favorecido o
progresso.

As escolas eram freqüentadas com alegría; os hospitais e as


unidades de saúde esparsas através do pafs eram bem administradas

299
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

e faziam face ás necessidades; as molestias (impaludismo, tubercu-


lose, lepra...) estavam em recuo.

Todo este capital foi dilapidado, saqueado, de tal modo que


os amigos estrangeiros, com o coracáo enfurecido, váo tomando
consciencia de trágica decadencia. Somente os ocupantes puderam
tirar proveito de tal situacao caótica.

E as grandes potencias? A sua passividade é sinónimo de cum-


plicidade, dado que tais dramas humanos se desenvolvem aos olhos
e com o conhecimento de todos. Elas nao tém desculpa. Na reali-
dade, o papel das grandes potencias é atrozmente mortífero para
a África, mas, em última instancia, será comprovadamente um
papel suicida para os próprios grandes, a prazo mais ou menos
breve.

Quanto aos meios de común ¡caca o social, quem poderá


esclarecer o enigma da sua espantosa conspiracao de silencio?
Inconsciencia ou ignorancia, crime, covardia e negociatas sórdidas,
gotejantes de sangue?"

Mais uma vez realpamos o tom um tanto patético do cronista,


mas eremos que as suas informacoes sao válidas e úteis ao estu
dioso sereno.

300
Sujelto a mal-entendidos:

resposta a jó"
de Cari Gustav Jung

Em tintase: O presente artigo considera as "blasfemias" proferidas por C. G. Jung


em sau livro "Respotta a Jó". Na verdado, tais passagens irreverentes nffo ha*o de ser
entendidas senlb como a interpretábalo do psiquismo do homem colocado diante do
sofrimento. Jung nSo pretende fazer a exegese do livro de Jó, nem escravar um tratado
de Teología ou de Filosofía, mas tenciona apenas dizer que o homem sofrJdor concebe
Deus como déspota prepotente (sem que isto implique Oeus se]a tal). — De resto, Jung
respeitava os sentimentos religiosos como algo de congSnito e indelével em todo homem,
segundo atestan) passagens de suas obras transcritas ñas páginas subseqüentes.

Quanto ao problema do sofrimento, n£o contradiz á santidade e justica de Deus,


poli Deus nao é nem pode ser causa do mal. Esta tem sua raiz na própría limltacío da
criatura. Frente ao mal, o papel de Deus é sabiamente enunciado por S. Agoitinho quando
diz: "Deus nunca permitiría o mal se Ele nffo soubesse tirar do mal bens aínda maioras".
A dor vem a ser urna escola, que engrandece e nobllita o ser humano, desde que este a
aceite com paciencia e amor, unido a Cristo na certeza da rejiurreicáb e da vida eterna.

Comentario: O livro "Resposta a Jó" do famoso psicólogo e


analista Cari Gustav Jung1 suscita problemas ao leitor nao ini
ciado na mentalidade junguiana; parece, na verdade, conter urna
serie de blasfemias e irreverencias a Deus.

Com efeito. Jung, comentando o texto do livro bíblico de


Jó, apresenta o Senhor Deus como déspota oriental, que se or-
gulha da sua onipoténcia e fecha os olhos ás injustipas com que
Ele mesmo acabrunha o homem justo. Sim, conforme o livro em
pauta, Javé tolera Sata em sua corte; escuta as ¡nsinuacoes deste
e permite-1 he por o homem reto á prova, sem que este tenha
violado sua fidelidade ao Senhor. Jó, porém, acredita na sabedo-
ria e na justica de Deus; por isto julga que Deus Ihe dará razáo e
o apresentará como homem reto e bom perante os seus amigos;

1Antwort auf Hiob. TredueSó brasüelra do Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha
O. S. B. Revisfib técnica de Dora Ferrelra da Silva. - Ed. Vozes, Petrópollt 1979,
140x21 Omm, 127 pp.

301
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

todavia nada disto acontece; Javé se compraz em humilhar o


homem aflito. Diante disto, Jó se inclina e cala, dando provas
de urna consciéncia moral muito mais pura e elevada do que a
do próprio Deus. Ao observar isto, Javé se convence de que nao
pode mais comportar-se como um déspota todo-poderoso e uni
lateral.

Tal é o conteúdo do livro "Resposta a Jó" que deixa per-


plexo o leitor e o leva a crer que o psicólogo deturpa o conceito
de Deus, reduzindo-o á imagem de um ser humano movido por
veementes paixoes. . ., paixoes que o próprio homem muitas
vezes reprime ou sublima, de modo a ser mais santo ou perfeito
do que Deus.

Diante desta possfvel perplexidade do leitor, faz-se mister


observar quanto segué:

1. Psicología analítica, nao Teologia

O Lívro "Resposta a Jó", o penúltimo de Jung, resume a


posicao do autor frente aos valores religiosos, posicao que assim
pode ser formulada:
Jung nao pretende entrar no campo da Metafísica ou no da
Teologia, mas tem em mira restringir-se ao setor da Psicología. Por
isto ele nao pretende falar de Deus como Este é em si, na sua reali-
dade divina, santa e pura, mas fala de Deus como o homem em seu
psiquismo o costuma ver. Com outras palavras: Jung nao fala de
Deus em termos objetivos, mas, sim, em linguagem meramente
humana e subjetiva; ele diz, alias, explícitamente no inicio de
"Resposta a Jó" que nao tem em vista "urna exegese fria e pon
derada", mas únicamente deseja expor "a reacáo subjetiva" do
homem diante de Deus, principalmente diante dos flagelos e
desgrapas que Deus parece enviar ao homem:
"Nao me proponho a apresentar urna exegese fria e ponderada. . .;
muito pelo contrario, expressarei minha reapSo subjetiva" (p. 7).
Com outras palavras: Jung nao negaría a visao de Deus justo,
santo e perfeito, mas símplesmente nao quer cultivar tal tipo de
reflexao (filosófico-teológica); o que Ihe interessa, é tao somente
exprimir a maneira (fraca e deficiente) como o homem, em sua
subjetividade, considera Deus ñas horas dif icéis.

302
'RESPOSTAAJÓ" 39

Comentando este procedimento de Jung, o psicólogo cató


lico Raymond Hostie observa:

"Jung nao se preocupa em facilitar a tarefa dos seus leitores. No prefa


cio ele acentúa, como de costume, que nao quer falar de Deus, mas única
mente das representacoes que os homens fazem de Deus, de Javo, de Cristo,
etc. Todavia no decorrer da sua exposic¿*o Jung emprega as palavras Deus,
Javé, Cristo, sem ulterior especificacao. Desta maneira, ele obriga o leitor
a urna transposicao continua do texto. . . Quando nos defrontamos com
textos deste tipo: 'Javé é menos consciente do que o homem' ou aínda
'Deus nfo se dá conta da sua conduta unilateral', devemos entender: 'O
homem concebe Javé como urna pessoa que é menos consciente do que o
próprio homem' ou 'O homem se dá. conta da índole unilateral da sua con-
cepcáb de Deus'. Esta 'traducáV, que deve ser praticada do inicio ao fim
do livro, torna a leitura desse livrinho um verdadeiro exercfcio de alta volta-
gem intelectual, mesmo para o leitor que seja formado em disciplinas psico
lógicas" (Du mythe á la Religión. La psychologie analytique de C. G. Jung.
Desclée de Brouwer 1955, p. 195, nota 1).

Estas ponderacoes contribuem para dissolver o problema


dos mal-entendidos do livro "Resposta a Jó".

2. Jung e a ReligiSo

Pessoalmente, Jung admitia e respeitava os sentimentos


religiosos, que ele dizia congénitos e indeléveis no ser humano,
embora, como psicólogo, nao professasse determinado Credo re
ligioso. Sao dignas de notas as seguintes afirmacóes do psicólogo:

"As concepcoes da leí moral e da Divindade pertencem i indelével


estrutura da alma humana...

No estudo da Física podemos dispensar-nos da imagem de Deus, mas no


da Psicología esta 6 urna grandeza definitiva, com a qual temos que contar"
(Die Dynamik des Unbewussten, p. 316).

Em conseqüéncia, podia Jung constatar:

"Entre todos os meus doentes na segunda metade da vida, isto é, tendo


mais de trinta e cinco anos, nao houve um só cujo problema mais profundo
nSo fosse constituido pela questáo de sua atitude religiosa. Todos, em última
instancia, estavam doentes por ter perdido aquilo que urna religiSo viva
sempre deu em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum curou-se real
mente sem recobrar a atitude religiosa que Ihe fosse própria" (extraído do
livro Jung citado na bibliografía deste artigo, p. 141 s).

303
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980 .

Jung elucidou sua posicao religiosa certa vez, quando decla-


rou numa entrevista á BBC de Londres, dois dias antes de comple
tar oitenta anos de idade: "Nao necessito crer em Deus; eu sei
(I know)". Estas palavras causaram forte celeuma, o que levou
Jung a esclarecé-las por carta, na qual afirmava que nao tencio-
nara dizer: "Conheco um certo Oeus (Zeus, Jeová, Allah, o Deus
Trinitario. . .)", mas: "Sei com seguranca que me confronto com
um fator desconhecido em si, ao qual chamo Deus. . . Desde que
experimento minha col ¡sao com um poder superior dentro do
meu próprio sistema psíquico, eu tenho conhecimento de Deus"
(ib. p. 152).

Observe-se ainda que Jung mandou gravar em pedra, no alto


da porta da sua casa em Küsnacht, as palavras do oráculo de Delfos:
"Invocado ou nao invocado, Deus estará presente".

Por conseguinte, Jung, á diferenga de Freud (que destruiu


os sentimentos religiosos e a Religiao), respeitava a Religiao; era
mesmo um homem religioso, como ele julgava que todo homem
é por sua própria natureza. Apenas ele nao professou em suas
obras e declaracoes de psicólogo um Credo definido. — De passa-
gem, notemos: na verdade, o sentimento religioso nao pode ser
algo de meramente instintivo ou cegó. Com efeito; o homem,
além de seus instintos, tem urna inteligencia lúcida feita para
captar a verdade e distingui-la do erro, nao só em materias profa
nas, mas também no setor da Teología e da Religiao. Daía neces-
sidade — também natural - que incumbe a todo homem, de
professar determinada fé ou Credo, distinguindo tal Credo de
outros Credos, como se distingue a verdade das aproximacoes
e contrafacoes da verdade.

3. O problema do mal

Conceber um Deus prepotente, arbitrario, injusto ou vinga-


tivo é aberracao aos olhos da Lógica; é configurar Deus á seme-
I nanea de um homem ou, em outros termos, é destruir o conceito
de Deus. Antes professar explícitamente o ateísmo do que admitir
um Deus sádico ou déspota.

Deus, se existe (e Ele existe, como o universo o comprova),


só pode ser o Perfeito, o Santo, o Justo, o Sabio, o Misericordio
so. .. por excelencia. Nao há outra maneira racional ou lógica de

304
'RESPOSTA A JO" 41

conceber Deus. Qualquer outra nocáo merece a legítima recusa da


inteligencia e do bom senso.

Como entáo conciliar o mal no mundo com a bondade de


Deus?

A resposta a tal pergunta pode ser encaminhada através de


tres pistas:

1) Há males que se derivam da própria limitacao das cria


turas irracionais ou que tém sua explicacao suficiente ñas cria
turas inferiores ao homem. Assim as enchentes, as secas, certos
incendios, varias molestias e deficiencias físicas. . . As ciencias
naturais e a medicina indicam geralmente as causas de tais males;
decorrem da acao e da interacao das criaturas mesmas.

2) Há outros males que se derivam da livre acao do homem;


poderiam nao ocorrer, mas os homens os desencadeiam por seu
comportamento (responsável, semi-responsável ou mesmo irres-
ponsável): assim os crimes, as guerras com os flagelos daf decor-
rentes (fome, peste, desabrigo, desemprego. . .); o egoísmo e a
ganancia de certos homens sa*o freqüentemente causa de sofrí-
mento físico e moral para outros seres humanos.

Deus, portanto, nao é o autor do mal. Nem o poderá ser,


pois, por definicao, Ele é o Ser de absoluta Bondade, que nao age
deficientemente.

3) Pergunta-se, porém: entao qual o papel do Senhor Deus


diante do sofrimento dos homens no mundo?

— Deus ná*o quer o sofrimento, mas o permite, visto que


este decorre das modalidades do comportamento das criaturas.
Todavia, como diz muito sabiamente S. Agostinho, "Deus nunca
permitiría o mal se Ele náfo soubesse tirar do mal bens ainda
maiores". Deus, portanto, nao impede o desencontro das cria
turas, pois isto significaría tornar o mundo artificial ou de "mario-
netes". Todavia Ele nao é indiferente diante da dor dos homens;
Ele faz do sofrimento urna escola de grandeza e nobilitacáo para
o homem ou urna ocasiao de surto de bens ainda mais ponderá-
veis. Os antigos gregos tinham consciéncia tao viva desta verdade
que a exprimiam em trocadilho: páthos-máthos (sofrimento = es
cola, aprendizagem).

305
42 PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 247/1980

De resto, a obra de Cristo, que assumiu a dor humana em seus


aspectos mais atrozes e ressuscitou, fazendo da cruz a passagem
para a vida e a gloria, vem a ser a resposta mais cabal que o Cristia
nismo tem a dar ao problema do sofrimento. Na verdade, este nao
se elucida plenamente se o consideramos apenas dentro dos limites
da vida presente. Somente se o colocamos na perspectiva da
ressurreicáo e de outra vida, podemos apreender o seu significado.

Eram estas as observacoes que o Hvro "Resposta a Jó" e o


próprió livro bíblico de Jó sugeriam para as páginas de PR.

Vara propósito:

HOSTIE, R., Du Mythe a la Religión. Desclée de Brouwer 1955.

SILVEIRA, N. DA, Jung. Vida e Obra. - Ed. Paz e Térra. Rio de Janeiro 1978
(6? edMb).

Estévao Bettencourt O.S.B.

livros em estante
Antropología teológica. Historia, problemas, perspectivas, por Bañista
Mondin. Traducao de María Luiza Jardim de Amarante. - Ed. Paulinas, Sao
Paulo 1979,130 x 200 mm, 306 pp.

Bañista Mondin é um dos grandes teólogos da atualidade; sabe associar


ampio conhecimento dos autores contemporáneos com fidelidade á Tradicáo
e ao magisterio da Igreja.

No livro em pauta aborda o problema "homem" sob o aspecto teoló


gico. Passa primeiramente em revista as características e aspiracoes do homem
moderno (mutabilidade, antidogmatismo, liberdade, secularizacao, pragma
tismo. . .). Depois o autor percorre a Tradicáo patrística e escolástica refe
rente á ¡mago Dei (imagem de Deus), passando logo para a teología contem
poránea, cujas principáis tendencias vém recenseadas com minucias e precisáo.
A seguir, o autor se volta para a questao do pecado original, a doutrina da
graca, a das virtudes, a da libertacao crista" e a do destino eterno do cristáo. O
livro se caracteriza por oferecer ao leitor rica ¡nformacá*o sobre o pensamiento
de teólogos de todos os tempos, especialmente sobre os arautos da teología
contemporánea, tanto católicos como protestantes; assim a obra se torna
panorámica ou enclopédica no seu género.

306
LIVROS EM ESTANTE 43

De modo particular, realcamos as consideracoes de B. Mondin sobre a


libertacao crista e a sorte final do homem, temas estes assaz controvertidos
em nossos dias. A respeito de Mbertacáo, o autor mostra em que sentido
deva ser entendida e quais os perca Icos que a teologia da libertacfo pode
ter que enfrentar {pp. 301 •340). No trecho tocante ao destino do cristfo,
Mondin analisa a tese da imortalidade da alma e a da ressurreicá*o; adota,
com toda a Tradicao e o magisterio, a doutrína de que a alma humana é
¡mortal por ser espiritual; por conseguinte, ela sqbrevive quando o corpo é
destruido pela morte; será de novo unida ao corpó na ressurreicao dos mor-
tos, como ensinam os documentos da fé (assim é posta de lado a tese segundo
a qual o homem morre todo e, conseqüentemente, tem que ressuscitar. logo
apos a morte para que nao haja hiato na existencia do individuo); cf. pp.
371-388.
Recomendamos vivamente a leitura desta obra de Mondin, cuja erudi-
cafo poderá ser assimilada sem grande dificuldade por um leitor de certa
cultura religiosa.

O culto a María, por Von Balthasar, Beinert, Jungclaussen, Klein,


Lippert, Nordhues, Petri, Scheffczyk, Schulz e Voss. Traduca*o de Luiz
JoSo Gaio. Colecao "Teologia hoje" n9 17. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1980,
126 x 200 mm, 337 pp.

Este livro vem a ser uma coletánea de estu'dos elaborados sob a direcao
de Wolfgang Beinert, professor de Teologia Dogmática e Historia dos Dogmas
na Universidade de Ruhr (Alemanha). Teólogos de renome internacional
colaboram para elucidar o sentido profundo do culto a Nossa Senhora nos
tempos atuais, depois de anos de hesitacao a respeito na piedade católica. A
obra compreende tres partes: a primeira justifica teológicamente o acesso a
María, enfatizando o relacionamento da Vírgem María com Jesús Cristo e
com Deus Paí. A segunda parte considera as celebracoes marianas ocorrentes
na Liturgia latina, explanando os fundamentos dogmáticos e os temas de me-
dítacSo característicos de cada festa manaría. A terceira parte se fixa ñas
devocoes paralitúrgicas, como o Ángelus, o Rosario, as celebracoes de maio
e outubro, as peregrinajes, etc.

Por este sumario percebe-se quanto o livro é valioso. A devogao a


María pertence ao tesouro da piedade católica, da qual jamáis poderá ser
apagada. Importa, poís, oferecer ao povo de Deus os subsfdios para cultuar
Nossa Senhora de maneira consentánea com os documentos da fé, evitando
o sentimentalismo e a superficíalídade, que prejudicam a verdadeira devocao
e dificultam o reencontró dos irmáos separados. Estes também reconhecem
o lugar singular que Maria ocupa no plano de Deus, como salienta W. Beinert
logo no limiar da obra, onde se lé a seguinte declaracáo de um catecismo
evangélico para adultos:

307
44 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 247/1980

"María faz parte do evangelho... É apresentada como aquela que ouviu


de maneira exemplar a palavra de Deus, como a serva do Senhor que diz Sim
á palavra de Deus, como a cheia de graca que de si mesma nada é, mas que é
tudo por bondade de Deus. É, com efeito, o modelo original dos homens que
se abrem a Deus e se deixam enriquecer por Ele, o modelo original da comuni-
dade dos crentes, da Igreja..." (p. 11).
Fazemos votos para que o livro em pauta contribua para a consolidacao
e a difusao da auténtica piedade mariana entre os fiéis do Brasil.

A Carta aos Hebreus, por F. Dattler. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1980,
130 x 200mm, 175 pp.

O leitor brasileiro senté especial prazer quando descobre mais um livro


de comentario da S. Escritura. Temos, sem dúvida, bons compendios de intro-
ducao á Biblia, mas nos faltam comentarios do texto sagrado. - O Pe. Dattler
acode á carencia, presenteando o público com estudo e comentario da epís
tola aos Hebreus {Hb).
O livro se abre com "Estudos preliminares", que consideram algo dos
santuarios e do culto de Deus sob o regime da Antiga Leí; tenciona assim
propor o paño de fundo sobre o qual se coloca a temática da epístola aos
hebreus. Esta apresenta Jesús Cristo qual Sumo Sacerdote, consumador do
sacerdocio e do ritual israelita, como bem mostra o comentario que Dattler
tece ao texto da carta, lida versículo por versículo. O Pe. Dattler inicia o
leitor também na crítica do texto sagrado, dando-lhe a conhecer as princi
páis variantes dos manuscritos de Hb.
Em suma, .a leitura do livro em foco será muito proficua, pois o autor
sabe apresentar sínteses claras dos episodios históricos do Antigo Testamento
que concorrem para a boa compreensao de Hb. Expoe com nitidez a funcao
de Jesús Cristo, que entrou nao em um santuario terrestre, mas que "se
assentou á direita do trono da Majestade no céu, liturgo das coisas santas e
da tenda verdadeira que armou o Senhor, e nao um homem" {Hb 8, 1s). Na
próxima edicao, poderá o autor estender e aprofundar os seus comentarios
ao texto de Hb, pondo em relevo, entre outras coisas, a mentalidade platónica
alexandrina do hagiógrafo; embora Dattler julgue perda de tempo conjecturar
em torno dos possíveis nomes do autor de Hb (pp. 59s), nao pode menos-
prezar os traeos platónicos e alexandrinos deste escritor.
Congratulamo-nos com o autor por mais esta valiosa obra exegética.

O Aborto, pelo Dr. J. C. Willke e Sra. Traducao de Mylnen Negrao


Fazzio. - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1980,135 x 205mm, 240 pp.

Este livro, baseado nos estudos e ñas experiencias de um casal de médi


cos norte-americanos, poe em evidencia a iliceidade do aborto. Este é sempre
um homicidio ou um crime. Os autores se detém minuciosamente sobre o

308
exame deste aspecto da questáo: afirmam que, desde a fecundacao do óvulo
pelo espermatozoide, existe um ser humano com todo o seu potencial (e
ná*o apenas um potencial de ser humano); basta alimentar o ovo fecundado
para que se torne enanca visfvel e adulto. Quanto ao argumento pro-aborto
derivado da explosáo demográfica, os autores asseveram que o aborto nao
contribuíu até hoje para conter o aumento populacional; julgam, porém,
que melhor distribuicao da renda nos países subdesenvolvidos seria fator
capaz de deter o aumento da natalidade, como tem ensinado a experiencia.
O livro aborda o assunto sob os mais variados aspectos: gravidez nao
desejada, violacao e incesto, eutanasia pré e pos-natal, direitos legáis da en
anca. . ., usando de estilo fácil, ilustrado por numerosos exemplos concretos,
dados estatísticos, referencias á legislacao de diversos países, fotografias. . .
A importancia do livro pode ser avaliada pelo grande número de edicSes que
conheceu em inglés e pelo fato de estar traduzido para sete línguas (inclusive
a chineza e amalaia).
é para desejar que a obra do casal Willke se difunda em ampios círculos,
pois contribuí para mostrar que é intolerável o aborto perante a ciencia como
também perante a consciéncia de todo cidadá"o esclarecido. Os autores se
revelam outrossim bons conhecedores da doutrina católica.

Em busca do mesmo Deus. Textos para reflexao e oracao selecionados


da sabedoria universal, por P. Sciadini. Traducáo de Isabel F. Leal Ferreira e
José Fernandes. - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1980, 130 x 200mm, 193 pp.

Eis urna antología de oracSes coletadas em fontes cristas e nao cristas;


exprimem os genuínos anseios da alma humana feita para Deus e.sequiosa
de fruir cada vez mais da sua presenca. Os 263 textos escolhidos nao sao
longos, nem há propriamente predominancia de um autor sobre os outros,
de modo a conservar á coletánea a sua índole variegada e agradáve!. Apenas
sugerimos a Frei Sciadini que, na próxima edicto, indique sempre a época
dos autores ou das fontes citadas bem como a respectiva orientacáo filosófico-
religiosa, pois, como afirma Frei Patricio, nessa coletánea há textos de escri
tores que nao tiveram fé. Seria para desejar outrossim que o autor da colecao
tentasse agrupar em subcolecoes e sob títulos especiáis os textos que tivessem
mais afinidade entre si: os de adoracao, os de suplica, os de perplexidade, os
de revolta. . . Em tal caso o leitor manusearia mais fácilmente a obra. Mas,
como quer que seja, o cristao poderá enriquecer sua vida de oracao e medí-
tacao mediante o uso de tao precisoso florilegio na sua forma atual.
E.B.
GUÍAME

GUIA-ME, DOCE LUZ,


EM MEIO ÁS TREVAS QUE ENVOLVEM.

GUIA-ME, LEVANDO-ME SEMPRE MAIS PARA A FRENTE!


NEGRA É A NOITE E DISTANTE A CASA.

GUIA-ME SEMPRE MAIS PARA A FRENTE!


DIRIGE OS MEUS PASSOS:
NAO DESEJO VER COISAS DISTANTES;
BASTA-ME UM PASSO DE CADA VEZ.

NEM SEMPRE ESTIVE EM TAIS DISPOSICOES,


NEM SEMPRE REZEIATI
A FIM DE QUE ME CONDUZISSES SEMPRE
MAIS PARA A FRENTE.

EU GOSTAVA DE ESCOLHER O MEU CAMINHO;


MAS AGORA GUIA-ME TU.
SEMPRE MAIS PARA A FRENTE!
TEU PODER SEMPRE ME ABENCOOU;
HOJE TAMBÉM, E CERTAMENTE,
SABERÁ CONDUZIR-ME SEMPRE MAIS PARA A FRENTE:
POR PANTANOS E CANAVIAIS,
POR MONTES ESCARPADOS
E ESTREITOS COM TORRENTES,
A FIM DE QUE A NOITE SE DESFACA
E PELA MANHÁ ME SORRIAM
AQUELES SEMBLANTES DE ANJO
HA MUITO TEMPO AMADOS
E POR UM MOMENTO DESAPARECIDOS!

GUIA-ME, DOCE LUZ,

GUIA-ME TU,
LEVANDO-ME SEMPRE MAIS PARA A FRENTE!

AMÉM
JOHN H. NEWMAN

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