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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Verítatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da rtossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


- Responderemos propóe aos seus leitores:
; aborda questóes da atualidade
'] controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xxxix Maio 1998 432
A Dama Sabedoria

A Igreja Católica acrescentou Livros á Biblia?

"Os Homens de Qumran" (García Martínez e


Trebolla Barrera)

"Karol Wojtyla me salvou a vida em 1945" (Edith


Zirer)

"O Inferno nao existe" (Leonardo Boff)

Ainda o Horóscopo

Símbolos religiosos e publicidade

"Vocé Decide": Incesto?

Plínio o Jovem a Trajano Imperador

O Canon dos Cristáos Orientáis Separados

Duas parábolas nao bíblicas


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAI01998
Publicacao Mensal N°432

SUMARIO
Diretor Responsável
Estéváo Bettencourt OSB A Dama Sabedoria 193
Autor e Redator de toda a materia Onde está a Verdade?
publicada neste periódico A Igreja Católica acrescentou Livros á
Biblia? 194
Diretor-Administrador:
A mais importante descoberta arqueológica:
D. Hildebrando P. Martins OSB "Os Homens de Qumran" (García
Martínez e Trebolla Barrera) 203
Administrado e Distribuicáo:
Magnanimidade e Coragem:
Edicoes "Lumen Chrísti'
"Karol Wojtyla me salvou a vida em 1945"
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501
(Edith Zirer) 210
Tel.: (021) 291-7122
Urna tresleitura bíblica:
Fax (021) 263-5679
"O Inferno nio existe" (Leonardo Boff)... 212
Endereco para Correspondencia: Forjas cegas e ocultas?
Ed. "Lumen Christi" Ainda o Horóscopo 216
Caixa Postal 2666 Desrespeito e abuso:
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Símbolos Religiosos e Publicidade 219

Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO Emocao e calor:


"Vocé Decide": Inoesto? 224
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
na INTERNET: http://www.osb.org.br No século II d.C:
e-mail: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET Plínio o Jovem a Trajano Imperador .... 230

O Canon dos Cristáos Orientáis


Impressüoe EncadernapSo
Separados 234

Procurando ver o Invisfvel:


Duas parábolas nao bíblicas 235

"marques saraiva- COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


GRÁFICOS E EDITORES Ltda.
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Clonagem humana (Pontificia Academia Pro-Vita).- «O Papa que venceu o Comunismo»


(B. Lecomte). - O caso Balasurija. - Os Mórmons: quem sao? - «Vita Brevis» (carta de
Flória Emilia a Agostinho). - Aborto e Academia de Medicina do Paraguai. - O valor do
silencio.

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Obs.: Correspondencia para: Edicdes "Lumen Christi"


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20001-970 Rio de Janeiro - RJ >
A DAMA SABEDORIA
Os livros tardíos do Antigo Testamento muito enaltecem a Sabedoria
de Deus,... Sabedoria que equilibra as criaturas entre si e faz a harmonía
das coisas dispares, ... Sabedoria em virtude da qual Deus permite que o
homem cometa suas falhas, pois sabe tirar dos males bens ainda maiores
(S. Agostinho). A tal ponto chegou a estima da Sabedoria Divina que os
autores sagrados a conceberam como Pessoa criada por Deus e assistente
do Altíssimo na obra da criacáo do mundo e no governo de todos os seres.
Na verdade, trata-se de imagens poéticas, pois os judeus nao admitiriam
alguma proposicáo que parecesse quebrar a sua fé monoteísta. Eis um dos
maís belos espécimens desse discurso poético:
"O Senhorme criouprimicias da sua obra, dos seus feitos mais antigos...
Quando os abismos nao existiam, eu fui gerada, quando nao existiam os ma-
nanciais das aguas. Antes que as montanhas fossem implantadas, antes das
colinas, eu fui gerada. Ele ainda nao havia feito a terna e a en/a, nem osprimei-
ros elementos do mundo. Quando firmava os céus, lá eu estava, quando traca-
va a abobada sobre a face do abismo, quando condensava as nuvens do alto,
quando se enchiam as fontes do abismo, quando punha um limite ao mar... eu
estava junto com ele como um mestre-de-obras, eu era o seu encanto todos
os días, todo o tempo brincava em sua presenca, brincava na superficie da
térra e me alegrava com os homens"'(Pr 8,22.24-32; cf. Sb 7,22s; Eclo 24,3-6).

No decurso do tempo, esta personificacáo poética da Sabedoria foi


entendida por autores cristáos como insinuacáo da segunda Pessoa da SS.
Trindade, que, conforme os teólogos, procede por via do intelecto ou como
Lógos ou Sabedoria do Pai; tenha-se em vista o próprio Sao Paulo em 1Cor
1,30: "Cristo Jesús se tornou para nos sabedoria proveniente de Deus".
Assim o Antígo Testamento, lido á luz do Novo Testamento, estaría prepa
rando a revelacáo do misterio trinitario.
Num passo ulterior, a Liturgia católica estendeu a aplicacáo dos textos
do Antigo Testamento a Maria SSma. Como e por qué? - A Virgem SSma.
é a Sede da Sabedoria e a obra-prima da Sabedoria Divina; por isto ela
participa do elogio que toca á Sabedoria Divina. Com efeito; Maria SSma.,
na sua qualidade de genitora do Verbo feito carne, tornou-se o tabernáculo
do Logos ou da Sabedoria eterna; é tida como a Virgem Sabia por excelen
cia, aquela criatura privilegiada em que a harmonía de paixóes e afetos
deixa transparecer a grandeza e a santidade do próprio Deus.
É esta faceta de Maria SSma. que se propóe particularmente á consi-
deracáo dos cristáCó neste mes de maio, dedicado a Maria. Se o predicado
de Máe de Deus e dos homens é de importancia capital, pode-se crer <}i¡e o
aspecto de Sede da Sabedoria é outrossim ponderoso neste momento de des-
concertos e desatinos sociais. A Sabedoria, visáo das coisas a partir da ek mi-
dade, só pode serenar os ánimos e abrir roteiro para que, no emaranhado dac
idéias da hora presente, o cristáo descubra o caminho do Absoluto e Definitivo.
E.B.

193

PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXIX - N9 432 - Maio de 1998

Onde está a Verdade?

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU


LIVROS Á BÍBLIA?

Em síntese: Certas correntes protestantes alegam que a Igreja


Católica, no sáculo XVI, acrescentou sete livros á Biblia, a saber: Tobías,
Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico, 1/2 Macabeus, além de frag
mentos como Ester 10,4-16,24 e Daniel 3,24-90; Daniel caps. 13 e 14. Tal
versáo da historia é falsa, como se deduz do estudo do canon do Antigo
Testamento, estudo realizado nao somente por autores católicos, mas por
mestres protestantes, cujos dizeres vao reproduzidos ñas páginas subse-
qüentes. * * *

A revista VINDE, protestante moderada, publicou em seu número


de novembro 1997, p. 39, urna noticia (alias, nao rara nos escritos pro
testantes) assim concebida:

«Se a produgáo de biblias católicas é semelhante a protestante em


termos de crescimento numérico, as semelhangas entre ambas param
por ai. As biblias católicas incluem os livros chamados deuterocanónicos
ou apócrifos, como Tobías, Judite, Macabeus e Sabedoria, que sao
rechazados pelos evangélicos. A Igreja Católica Romana aceita a autori-
dade desses escritos, que foram encontrados numa versáo grega das
Escrituras, mas excluidos dos cánones da Biblia hebraica pelo Sínodo
de Jamnia, por volta do ano 100 da Era Crista. Para os protestantes,
assim como os ortodoxos orientáis - outro ramo do cristianismo -, esses
livros, embora contenham relatos históricos verídicos, nao possuem a
necessária inspiragáo divina para legitimá-los como fonte de doutrina e
ensinamento. Tanto que ficaram quase 1.500 anos fora das Escrituras,
só voltando para a Biblia usada pelos católicos a partir do Concilio de

194
A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA? 3

Trento, no século 16, como parte da reagáo da Igreja Romana a Reforma


Protestante».

O autor da noticia refere-se aos sete livros que os católicos desig-


nam como deuterocanónicos e os protestantes tém como apócrifos.
Sao eles: Tobías, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, 1/2 Macabeus,
além de fragmentos como Ester 10,4-16,24; Daniel 3,24-90; 13-14. Tais
livros e fragmentos nao constariam da Biblia dos cristáos até o século
XVI, conforme certas correntes protestantes; o Concilio de Trento os terá
ai introduzido em 1546.

Tal acusacáo é grave e, além de grave, é falsa. Com efeito; os


próprios autores protestantes que estudam o assunto, atestam que os
livros deuterocanónicos passaram da biblioteca sagrada dos judeus de
Alexandria para a Biblia dos cristáos logo no inicio do Cristianismo. - Isto
será demonstrado ñas páginas subseqüentes, que exporáo: 1) a historia
do canon do Antigo Testamento (após breve explicacáo da terminología);
2) os testemunhos de estudiosos protestantes que corroboram tal versáo
dos fatos e nao deixam dúvida de que nao foi o Concilio de Trento que
acrescentou livros e fragmentos á Biblia; antes foram os protestantes
que retiraram tais escritos da Biblia dos cristáos.

1. Nomenclatura

Notemos os termos habitualmente utilizados neste estudo:

1) Canon, do grego kanón = regra, medida -> catálogo.

2) Canónico = livro catalogado - o que implica seja inspirado.

3) Protocanónico = livro catalogado protón, isto é, em primeiro


lugar ou sempre catalogado.

4) Deuterocanónico = livro catalogado déuteron ou em segunda


instancia, posteriormente (após ter sido controvertido).

5) Apócrifo, do grego apókryphon = livro oculto, isto é, nao lido


ñas assembléias públicas de culto, reservado á leitura particular. Em con-
seqüéncia, livro nao canónico ou nao catalogado, embora tenha aparén-
cia de livro canónico (Evangelho segundo Tomé, Evangelho da Infancia,
Assuncáo de Moisés...).

Os apócrifos, embora tenham sido, durante sáculos, tidos como


desprezíveis portadores de lendas, sao últimamente reconhecidos como
valiosos para a historia do Cristianismo, porque 1) através de suas afir-
macóes referem o modo de pensar dos judeus e cristáos dos séculos
pouco anteriores e pouco posteriores a Cristo (século II a.C. até século V
d.C); 2) podem conter proposicóes verdadeiras que nao foram consig-

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

nadas pelos autores sagrados (os nomes dos genitores de María SS., a
Apresentacáo de María no Templo aos tres anos de ídade, a assuncáo
corporal de María após a morte...); 3) contém sentencas de hereges, que
contribuem para a compreensao da historia do Cristianismo.

O Canon católico compreende 47 livros do A.T., se se conta como


unidade distinta a carta de Jeremías (= Baruque 6); se, ao contrario, é
considerada como o capítulo 6 de Baruque, o total é de 46 livros. No
Novo Testamento há 27 livros - o que perfaz 74 (73) livros sagrados ao
todo.

Examinaremos, a seguir, a historia do Canon ou a maneira como


se foi formando o catálogo do Antigo Testamento.

2. Historia do Canon do Antigo Testamento

As passagens bíblicas comecaram a ser escritas esporádicamente


desde os tempos anteriores a Moisés; é de notar que a escrita era urna
arte rara e cara na antigüidade. Moisés foi o primeiro codificador das
tradicóes oráis e escritas de Israel, no século XIII a.C. - Essas tradicoes
(leis, narrativas, pepas litúrgicas) foram sendo acrescidas aos poucos
por outros escritos no decorrer dos séculos, sem que os judeus se preo-
cupassem com a catalogacáo das mesmas... Assim foi-se formando a
biblioteca sagrada de Israel.

Todavía, no século I da era crista, deu-se um fato importante: co


mecaram a aparecer os livros cristáos (cartas de S. Paulo, Evangelhos...),
que se apresentavam como continuacáo dos livros sagrados dos judeus.
Estes, porém, nao tendo aceito o Cristo, trataram de impedir que se fi-
zesse a aglutinacáo de livros judeus e livros cristáos. Por isto, segundo
bons autores modernos, varios rabinos reuniram-se no sínodo de Jámnia
ou Jabnes ao Sul da Palestina, por volta do ano 100 d.C, a fim de esta-
belecer as exigencias que deveriam caracterizar os livros sagrados ou
inspirados por Deus. Foram estipulados os seguintes criterios:

1) o livro sagrado nao pode ter sido escrito fora da térra de Israel;

2)... nao em língua aramaica ou grega, mas somente em hebraico;

3) ... nao depois de Esdras (458-428 a.C);

4)... nao em contradicao com a Tora ou Lei de Moisés.

Em conseqüéncia, os judeus da Palestina fecharam o seu canon


sagrado, sem reconhecer livros e escritos que nao obedeciam a tais cri
terios. Acontece, porém, que em Alexandria (Egito) havia próspera colo
nia judaica, que, vivendo em térra estrangeira e falando língua estrangei-

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A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA? 5

ra (o grego), nao adotou os criterios nacionalistas estipulados pelos ju


deus de Jámnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os livros
sagrados hebraicos para o grego entre 250 e 100 a.C, dando assim ori-
gem á versáo grega dita "Alexandrina" ou "dos Setenta Intérpretes". Essa
edicáo grega bíblica encerra livros que os judeus de Jámnia nao aceita-
ram, mas que os de Alexandria liam como palavra de Deus; assim os
livros de Tobías, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico (ou Siracides),
1/2 Macabeus, além de Ester 10,4-16,24; Daniel 3,24-90; 13-14.

Podemos, pois, dizer que havia dois cánones entre os judeus no


inicio da era crista: a restrito da Palestina, e o ampio de Alexandria.

Ora acontece que os Apostólos e Evangelistas, ao escreverem o


Novo Testamento em grego, citavam o Antigo Testamento, usando a tra-
ducao grega de Alexandria, mesmo quando esta diferia do texto hebraico;
tenham-se em vista Mt 1,23 (-► Is 7,14); Hb 10,5 (-> SI 39,7); Hb 10,37s
(Hab 2,3s); At 15,16s (-> Am 9,11s). O texto grego tornou-se a forma
comum entre os cristáos; em conseqüéncia, o canon ampio, incluindo os
sete livros e os fragmentos citados, passou para o uso dos cristáos.

Verificamos também que nos escritos do Novo Testamento há cita-


cdes implícitas dos livros deuterocanónicos. Assim, por exemplo, Rm 1,19-
32 -> Sb 13,1-9; Rm 13,1 -> Sb 6,3; Mt 27,43 -> Sb 2,13.18; Tg 1,19 ->
Eclo 5,11; Mt 11,29s -> Eclo 51,23-30; Hb 11,34s -> 2Mc 6,18-7,42; Ap 8,2
->Tb 12,15.

Deve-se, por outro lado, notar que nao sao (nem implícitamente)
citados no Novo Testamento livros que, de resto, todos os cristáos tém
como canónicos; assim Eclesiastes, Ester, Cántico dos Cánticos, Esdras,
Neemias, Abdias, Naum, Rute, Proverbios.

Nos maís antigos escritos patrísticos sao citados os


deuterocanónicos como Escritura Sagrada: Clemente Romano (em cer
ca de 95), na epístola aos Corintios, recorre a Jt, Sb, fragmentos de Dn,
Tb e Eclo; o Pastor de Hermas, em 140, faz ampio uso do Eclo e do 2 Me
(cf. Semelhancas 5,3.8; Mandamentos 1,1...); Hipólito <t 235) comenta
o livro de Daniel com os fragmentos deuterocanónicos; cita como Escri
tura Sagrada Sb, Br e utiliza Tb, 1/2 Me.

Nos séculos II/IV houve dúvidas entre os escritores cristáos com


referencia aos sete livros, pois alguns se valiam da áutoridade dos ju
deus de Jerusalém para hesitar; outros deixavam de lado os
deuterocanónicos, porque nao serviam para o diálogo com os judeus.
Finalmente, porém, prevaleceu na Igreja a consciéncia de que o canon
do Antigo Testamento deveria ser o de Alexandria, adotado pelos Apos
tólos; sabemos que, das 350 citacóes do Antigo Testamento no Novo,

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

300 sao tiradas da versáo dos Setenta. Em conseqüéncia, os Concilios


regionais de Hipona (393), Cartago III (397), Cartago IV (419), Trulos
(692) definiram sucessivamente o Canon ampio como sendo o da Igreja.
Esta definicáo foi repetida pelos Concilios ecuménicos de Florenca (1442),
Trento (1546), Vaticano I (1870).

S. Jerónimo (t 421) foi, sem dúvida, urna voz destoante neste con
junto. Tendo ido do Ocidente para Belém da Palestina a fim de aprender
o hebraico, assimilou também o modo de pensar dos rabinos da Palesti
na neste particular.

Durante a Idade Media pode-se dizer que houve unanimidade en


tre os cristáos a respeito do canon.

No século XVI, porém, Martinho Lutero (1483-1546), querendo con


testar a Igreja, resolveu adotar o canon dos judeus da Palestina, deixan-
do de lado os sete Iivros e os fragmentos deuterocanónicos que a Igreja
recebera dos judeus de Alexandria. É esta a razáo pela qual a Biblia dos
protestantes nao tem sete Iivros e os fragmentos que a Biblia dos católi
cos incluí. Para dirimir as dúvidas, observamos que

- os criterios adotados pelos judeus de Jámnia para nao reconhe-


cer certos Iivros sagrados eram criterios nacionalistas; tal nacionalismo
decorria do fato de que desde 587 a.C. os judeus estavam sob dominio
estrangeiro, que muito os aborrecía;

- é o Espirito Santo quem guia a Igreja de Cristo e fez que, após o


período de hesitacáo (séc. I-IV), os cristáos reconhecessem como válido
o canon ampio.

Alias, o próprio Lutero traduziu para o alemáo os Iivros


deuterocanónicos: na sua edicáo alema datada de 1534 o catálogo é o
dos católicos - o que bem mostra que os deuterocanónicos eram usuais
entre os cristáos. Nao foi o Concilio de Trento que os introduziu no canon.
De resto, as Sociedades Bíblicas protestantes até o séc. XIX incluiam os
deuterocanónicos em suas edicóes da Biblia.

Para os católicos, os Iivros deuterocanónicos do Antigo Testamen


to sao táo valiosos como os protocanónicos; sao a Palavra de Deus
inerrante, que, alias, os próprios judeus da Palestina estimavam e liam
como textos edificantes. Por exempio, os próprios rabinos serviam-se do
Eclesiástico até o séc. X como Escritura Sagrada; o 1Mc era lido na festa
de Encénía ou da Dedicacáo do Templo (Hanukkah). Baruque era lido
em alta voz ñas sinagogas do séc. IV d.C., como atestam as Constitui-
cóes Apostólicas. De Tobías e Judite temos midrachim ou comentarios
em aramaico, que atestam como tais Iivros eram lidos na sinagoga.

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A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU UVROS Á BÍBLIA? 7

3. Os Testemunhos de Autores Protestantes1

Serao citados Edgard Johnson Goodspeed e Bruce M. Metzger.

3.1. "Como nos veio a Biblia" (Edgard J. Goodspeed)

Tal obra foi traduzida do inglés e enriquecida com notas por B. P.


Bittencourt; é edicáo da Imprensa Metodista, datada de 1981.

Diz o tradutor da obra no Prefacio:

«Edgar Johnson Goodspeed nao necessita apresentagáo. Nasceu


em 1871, doutorando-se na Univerisdade de Chicago em 1898. No mes-
mo ano tornou-se professorda Faculdade de Teología da mesma Univer-
sidade, no Departamento de Novo Testamento. Em 1915 foi nomeado
Professor Catedrático de Novo Testamento. Em 1933 foi designado "pro-
fessor distinto" da cátedra "Ernest D. Burton" de grego patrístico da qual
se tornou professor emérito ao aposentarse em 1953.

Visitei a Universidade de Chicago no veráo de 1954. Pelos corre


dores vetustos da Faculdade de Teología paira o espirito erudito do Dr.
Goodspeed. Sua obra é ¡mortal. Autor de mais de cincoenta volumes so
bre a Biblia e seu significado, é ele conhecido através do mundo inteiro».

Eis o que Goodspeed apresenta como resultado de seus estudos:

Páginas 61-63 da obra em foco:

«Enquanto os judeus da Palestina limitavam o conteúdo de suas


escrituras aos livros que conhecemos como o Velho Testamento, os ju
deus que falavam grego e que viviam no Egito nao pararam ai. Entre eles
creceu um considerável grupo de outros escritos históricos e religiosos,
em parte pela tradugáo de novas obras da literatura hebraica, ou pela
ampliagáo de livros do Velho Testamento tais como Ester e Daniel, no
decurso de sua tradugáo para o grego, e também por composigóes origi
nalmente escritas em grego. Esses livros associaram-se no Egito aos
livros do Velho Testamento já traduzidos e assim passaram a fazer parte
do Velho Testamento em grego, a chamada Versáo dos Setenta. E, quan-
do esta versáo tornou-se a Biblia da Igreja Primitiva, esses livros vieram
com ela.

Assim os livros apócrifos, como costumeiramente sao chamados,


espalharam-se através da Biblia grega da Igreja Primitiva, e dai passa
ram para a Biblia latina antes e depois do trabalho de revisáo de Jerónimo.
Eles passaram naturalmente, como já vimos, para a primitiva tradugáo

1 Os textos devem-se á cortesía do Dr. Celso de Almeida Kundlatsch, que os cedeu


gentilmente a PR. Esta revista exprime aquí a sua gratidáo ao colaborador amigo.

199
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

germánica da Biblia latina, feita na Boémia, no século catorze, e também


para a tradugáo inglesa feita por Wyclif e seus auxiliares em 1382-88.

Mas Lutero traduziu o Novo Testamento grego e o Velho Testa


mento hebraico e quando ele terminou sua obra, verificou haver certo
número de livros no Velho Testamento em latim e alemáo, deixados de
lado. Jerónimo fez a mesma verificagáo muito antes e havia chamado
esses livros de "Apócrifos" - livros secretos ou ocultos. Lutero deu-lhes o
mesmo nome e logo os traduziu do texto grego, exceto um, Segundo
Esdras, do qual nenhuma versáo grega se encontrou, mas somente a
latina. Comojá vimos em capítulo anterior, quando ele terminou sua tra
dugáo da Biblia em 1534, colocou-os num grupo a parte no fim do Velho
Testamento, ou depois deste. Seu exemplo foi logo seguido por Coverdale
ao imprimirá primeira Biblia em inglés no ano seguinte. Daipara a frente
todas as grandes Biblias históricas em inglés seguiram o mesmo proce
der, fazendo desses livros um grupo em separado e colocando-o depois
do Velho Testamento-a Biblia de Thomas Matthewde 1537, a de Tavemer
de 1539, a Grande Biblia de 1539, a Biblia de Genebra de 1560, a "Bishops'
Bible"de 1468, eado Reí Tiago de 1611. Somente no Velho Testamento
Católico de 1610, que foi traduzido da Vulgata Latina, eles permanece-
ram espalhados através do Velho Testamento, como aínda se encontram
na Biblia de Douai da Igreja Católica.

Quais foram esses livros táo altamente estimados pelos cristáos


por tantos sáculos, e que aínda fazem parte de qualquer edigáo Autoriza
da da Biblia?»

Página 72:

«Há perigo em ficar-se com urna falsa apreciagáo da historia religi


osa crista e judaica se tentarmos passar diretamente do Velho Testamen
to ao Novo omitindo os livros apócrifos. Eles fízeram parte dos fundamen
tos literarios do movimento cristáo. Eles nos introduzem a personagens
dramáticas do Novo Testamento - santos e pecadores, fariseus e
saduceus, anjos e demonios. Sua influencia se exerceu em cada livro do
Novo Testamento.

Página 112:

«A Biblia latina foi traduzida para o alemáo no século catorze, e,


naturalmente, esses apócrifos foram traduzidos como parte da mesma.
Assim ñas numerosas Biblias alemas impressas que apareceram entre
1466 e 1522 e ñas Biblias Católicas em alemáo que se seguiram, esses
apócrifos foram incluidos.

Eles também encontraram lugar na primeira Biblia inglesa conheci-


da, aqueta produzida por John Wyclif e seus auxiliares, Hereford e Purvey,

200
A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA? 9

em1382. Esta Biblia foi traduzida da Vulgata Latina e, naturalmente, incluía


os livros a que chamamos de apócrifos».

Páginas 119-121:

«De maior importancia foi a influencia de Lutero sobre o lugar dos


apócrifos na Biblia inglesa. Seu procedimento em juntando esses livros e
os colocando como um grupo depois do Velho Testamento foi seguido
por todas as antigás Biblias inglesas, excegáo feita ao Velho Testamento
Católico de 1610, no qual, naturalmente, eles foram espalhados por todo
o Velho Testamento, pois aqueta tradugáo foi feita da Vulgata Latina, e a
seguiu na colocagáo dos livros.

As Biblias inglesas continuaram a imprimir os apócrifos juntos, en


tre o Velho e o Novo Testamentos, até que a repugnancia Puritana a
muitas coisas sobre eles levou-os a serem deixados de lado silenciosa
mente na Biblia de Genebra. Isto aconteceu muito cedo em 1599. Até
mesmo exemplares da Biblia do Reí Tiago de 1611 surgiram que os coló-
cavam de lado ocasionalmente, e isto bem cedo em 1629. Mas eles ain-
da continuam teóricamente como partes da Biblia completa.

Foi na realidade a influencia de Lutero que levou praticamente os


livros apócrifos a serem retirados da Biblia, pois se ele nao houvesse
primeiro segregado esses livros, os puritanos nao os haveriam eliminado
táo fácilmente e de urna vez.

Hoje difícilmente se pode encontrar urna Biblia inglesa que possa


ser tomada pela máo e que seja publicada do outro lado do mar, que
inclua a Biblia inteira, Velho Testamento, Apócrifos e Novo Testamento.
A Imprensa das Universidades de Cambridge e de Chicago sao os úni
cos editores meus conhecidos que possuem tais edigoes. E, quer queira-
mos ou nao, os apócrifos formam parte integrante da historia bíblica in
glesa, desde Coverdale até a do Rei Tiago, epara qualquer estudo litera
rio, estético ou religioso da Biblia, eles sao indispensáveis».

3.2. Prof. Bruce M. Metzger

Mestre de Princeton, Bruce Metzger é um dos responsáveis por


urna edicáo grega do Novo Testamento juntamente com Kurt Aland, de
Münster, Matthew Black, de Saint Andrews (Escocia) e Alien P. Wikgren,
de Chicago.

Escreve no seu Prefacio aos Livros Apócrifos/Deuterocanónicos


na nova e revista Standard Bible:

"PREFACE TO THE APOCRYPHAL/DEUTEROCANONICAL BOOKS


IN THE NEW REVISED STANDARD VERSIÓN

When the King James or Authorized Versión of the Bible was

201
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

published in1611, it contained, between the Oldand the New Testaments,


the books of the Apocrypha. These are books andportions ofbooks that
appear in the Latín Vulgate, either as part of the Oíd Testament or as an
appendix, but are not in the Hebrew Bible. With the exception of2 Esdras,
these books appear also in the Greek versión of the Oíd Testament that is
known as the Septuagint.

In the course of time printers began to issue editions of the King


James Bible without the books of the Apocrypha, and when the Amerícan
Standard Versión ofthe Bible was published in 1901, it did not include the
Aprocrypha. After the Revised Standard Versión of the Bible was issued
in 1952, a request carne from the General Convention ofthe Protestant
Episcopal Church that the Standard Bible Committee undertake also the
revisión of the English translation of the Apocrypha. This work was
accomplished in 1957. It was on the basis ofthis versión that the text ofa
"Common Bible", approved by both Román Catholics and Protestants,
was issued in 1973».

Em tradu?áo portuguesa:

"Quando a versáo da Biblia Autorizada ou Biblia do Reí Jaime foi


publicada em 1611, continha, entre o Antigo e o Novo Testamentos, os
livros apócrifos. Estes sao livros e fragmentos que aparecem na Vulgata
Latina, seja como partes do Antigo Testamento, seja como Apéndice, mas
nao estáo na Biblia hebraica. Com excegáo do 2B de Esdras, esses livros
aparecem também na versáo grega do Antigo Testamento conhecida como
'dos Setenta'.

No decorrer dos tempos, os editores comegaram a publicar edi-


góes da Biblia do Reí Jaime sem os livros apócrifos; quando a Versáo
Standard Americana da Biblia foi publicada em 1901, ela nao incluía os
apócrifos. Depois que a Versáo Standard Revista da Biblia foi publicada
em 1952, a Convengáo Geral da Igreja Protestante Episcopal solicitou
que a Comissáo da Standard Bible empreendesse também a revisáo da
tradugáo inglesa dos Apócrifos. Esta tarefa foi realizada em 1957. Foi na
base desta Versáo que foi publicado em 1973 o texto de urna Biblia Co-
mum (Common Bible), aprovado tanto pelos católicos como pelos pro
testantes".

Interessa, neste texto, a observado segundo a qual os


deuterocanónicos estavam ñas edicóes da Biblia até 1611 e somente
após esta data foram retirados das edicoes protestantes do Livro Sagrado.

Como se vé, o estudo dissipa os preconceitos e as falsas acusa-


coes. A ignorancia os alimenta.

(Ver Apéndice deste artigo á pág. 234 do presente fascículo)

202
A mais importante descoberta arqueológica:

"OS HOMENS DE QUMRAN"


por García Martínez e Trebolle Barrera

Em síntese: O livro em foco apresenta urna visao panorámica de


Qumran (localidade situada no deserto que cerca o Mar Moño): seus
habitantes (monges essénios), com sua Regra de vida, seus rituais, seus
escritos sagrados... Aborda a questáo da "conspiragáo do silencio", ex
pondo os cinco fatores que explicam a demora na publicagao do texto
dos manuscritos de Qumran; mostra como as origens do Cristianismo
nao precisam de ser retidas ou repensadas como se em Qumran dados
¡novadores tivessem sido descobertos; póe em evidencia os pontos de
contato e as diferengas que há entre os escritos de Qumran e os do Novo
Testamento. - Em suma, dá a ver urna face do judaismo pré-cristáo des-
conhecida a muitos cristáos e altamente elucidativa para a historia da
Revelagáo judaico-cristá.

A Editora Vozes publicou interessante livro intitulado "Os Homens


de Qumran. Literatura, Estrutura e Concepcoes Religiosas"1; deve-se a
dois mestres espanhóis, especialistas na materia: Florentino García
Martínez e Julio Trebolle Barrera. Na verdade, a obra é urna coletánea de
artigos publicados por esses dois autores em periódicos diversos; perfa-
zem urna certa unidade, oferecendo um panorama variado e rico de ¡n-
formacóes sobre aquilo que se tem conceituado como "a mais importan
te descoberta de manuscritos deste sáculo" (W. E. Albright)

Pode-se dizer que cada capítulo do livro é interessante, pois


descortina para o leitor um mundo pouco explorado, em torno do qual se
tém levantado conjeturas dos mais diversos tipos. Ñas páginas subse-
qüentes seráo postas em relevo algumas noticias relativas á descoberta,
ao conteúdo e á publicacáo do texto dos manuscritos de Qumran.

1. A Descoberta dos Manuscritos

Já em PR 166/1973, pp. 424-426 foi apresentada a historia da des


coberta dos manuscritos de Qumran, como ela é habitualmente relatada.
Por isto no presente artigo será resumida apenas para que o leitor tenha
0 fundo de cena da problemática.

1 Tradugáo de Luís Fernando Gongaives Pereira. - Ed. Vozes, Petrópolis 1996, 160
x 230 mm, 299 pp.

203
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

As minucias da historia sao tidas pelo Prof. Trebolle como lendári-


as. Como quer que seja, pode-se dizer que a N. O. do Mar Morto (térra de
Israel) um pastor árabe da tribo Ta'amireh, chamado Mohammed Adh-
Dhib, descobriu em 1947 uns jarros de cerámica que continham rolos de
pergaminho. Achavam-se escondidos numa gruta. O pastor, analfabeto
como era, nao soube identificar a escrita gravada naqueles rolos, mas,
suspeitando que fossem algo de valor, foi vendé-los a uns antiquários de
Belém. Um deles, chamado Khalil Iskander Shahin, mais conhecido como
Kando, adquiriu urna parte dos rolos e em julho de 1947 vendeu ao
metropolita Atanásio Y. Samuel, do mosteiro Sirio ortodoxo de Sao Mar
cos em Jerusalém quatro dos sete manuscritos; o preco ajustado foi 24
libras esterlinas. Os tres manuscritos restantes foram comprados prova-
velmente de Kando no final de 1947 pelo Prof. Eleazar L. Sukenik da
Universidade Hebraica de Jerusalém.

Os pesquisadores que foram tomando conhecimento desses per-


gaminhos, reconheceram a antigüidade e o conteúdo bíblico ou religioso
de tais documentos, de modo que os avaliaram como precioso tesouro.

A consciéncia disto levou beduinos e arqueólogos a investigar ul


teriormente as grutas das cercanías do Mar Morto, sendo que os beduinos
geralmente se antecipavam ñas buscas por conhecerem melhor a re-
giáo. Veio assim á tona um enorme acervo de manuscritos, grandes e
pequeños, que despertaram os interesses de estudiosos de varios paí
ses. Foram sendo adquiridos por quem os podia comprar, sendo que o
seu preco ia sendo mais e mais elevado: se em 1947 quatro manuscritos
valiam 24 libras esterlinas, em 1954 passaram a ser vendidos pela cifra
redonda de 250.000 dólares. A fim de evitar a dispersáo de táo importan
te material, o Museu Rockefeller de Jerusalém convidou algumas institui-
cóes académicas para contribuirem financeiramente na edicio dos ma
nuscritos em troca de determinados direitos. Responderam positivamen
te a este apelo as Universidades McGill do Canadá, de Manchester e de
Heidelberg, a Biblioteca do Vaticano, o McCorkick Theoiogicai Seminary
de Chicago, a Real Academia das Ciencias dos Países-Baixos, a Escola
Bíblica de Jerusalém, The All Soul's Church de Nova lorque e a Universi
dade de Oxford.

Nos anos seguintes as primeiras descobertas nao cessaram de


aparecer novos manuscritos. A última gruta foi explorada em Janeiro de
1966, sendo entao a 11a de Qumran (11Q). Nao se pode esquecer que,
para além de Qumran, ainda em torno do Mar Morto, os beduinos explo-
raram Wadi Murabba'at e Massada, encontrando ai material precioso para
a historia do judaismo.

«A partir de 1955, a equipe de dentistas tinha diante de sium verda-

204
"OS HOMENS DE QUMRAN" 13

deiro quebra-cabega composto duns 40.000 fragmentos de manuscritos.


Para recompó-lo, eles deram-se um prazo de dez ou doze anos. O cálcu
lo resultou demasiado otimista. Passaram-se mais de quarenta anos e o
quebra-cabega continua ocupando os 55 membros que atualmente com-
póem a equipe internacional encarregada da edigáo oficial dos manuscri
tos. A primeira tarefa que era preciso realizar, consistía em desdobrar e
¡impar os fragmentos resgatados do pó das grutas e classificá-los em
grupos, segundo o colorido do couro ou do papiro utilizados, a tinta, o
tipo de escrita, etc.' Urna vez classificados, passava-se a fotografá-los,
utilizando em muitos casos o sistema infravermelho para alcangar maior
contraste e assim tomar mais fácil a leitura de textos que com o tempo
tinham enegrecido, a ponto de a sua leitura, em certas ocasióes, tornar
se quase desesperante. O trabalho de classificar os manuscritos trazia
junto consigo o de identificar os textos, isto é, determinar a que obra
pertenciam os fragmentos encontrados. Urna vez que se conseguía iden
tificar um texto, ficava mais fácil relacionar uns fragmentos com outros e,
inclusive, casá-los entre si, completando aos poucos o texto conservado
da obra em questáo. Se se tratava de textos bíblicos, a identificagáo nao
era demasiado difícil; a consulta a 'Vocabularios' do texto hebraico do
Antigo Testamento, isto é, a listas alfabéticas completas, já existentes, de
todas as palavras utilizadas na Biblia, permitía identificar todo o restante
do material conservado daquele manuscrito. Tampouco ficava muito difí
cil identificar os fragmentos que correspondiam a urna obra hebraica per
dida, mas da qual se conservavam tradugóes antigás em outras línguas
como o grego, latim, siríaco, etiópico, etc. A identificagáo era muito difícil
e ainda o é, quando se trata de textos de que nao se conhece nenhuma
outra copia ou tradugáo e de que nao se conservam mais que fragmentos
pequeños e desconexos» (pp. 36s).

Os manuscritos encontrados sao, na medida em que puderam ser


identificados, de índole bíblica ou parabíblica. No total mais de oitocen-
tos manuscritos foram recolhidos ñas grutas. A quarta parte deles con-

1 «A análise do ADN da pele de cabra ou de ovelha em que estáo confeccionados os


pergaminhos de Qumran permite saber quais fragmentos de pele ou pergaminho
correspondem a um mesmo animal. Desse modo, é possível casar uns fragmentos
com outros e, em conseqüéncia, uns textos com outros. Os fragmentos duma mes-
ma pele correspondem em principio a um mesmo escrito. Nao cabe imaginar que o
escriba ordenasse o sacrificio dum animal para cada tira de pergaminho, para escre-
ver sobre ela urna coluna de texto, levando-se em conta que um escrito podía ter a
extensáo de 50 ou mais colunas. O estudo do ADN dos pergaminhos permitirá con
trolaros resultados já obtidos mediante o estudo paleográfico dos manuscritos. Frag
mentos soltos cujo texto nao foi identificado, poderáo ser adstrítos a um conjunto de
fragmentos que procedem de urna mesma pele e correspondem a mesma obra lite
raria» (p. 30).

205
t4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

siste em copias de diversos livros do Antigo Testamento, mais ou menos


completas e mais ou menos diferentes do texto conhecido, com excecáo
do livro de Ester, do qual nao se encontrou nenhum fragmento. Os outros
seiscentos manuscritos representam textos seletos da literatura religiosa
da época.

«Há numerosas composigóes apócrifas, muito semelhantes, quan-


to ao estilo e conteúdo, aos livros do Antigo Testamento, mas que nao
conseguiram entrar no canon da Biblia. Algumas délas, como o livro de
Henoc ou o livro dos Jubileus, eram-nos conhecidas por terem-nos sido
transmitidas (em tradugáo) por alguma das Igrejas cristas posteriores.
Muitas outras mais eram-nos antes completamente desconhecidas. En
tre estas encontramos todos os géneros literarios que aparecem nos di
ferentes livros do Antigo Testamento: obras narrativas que recontam a
historia santa, composigóes poéticas ou hínicas, obras sapienciais, his
torietas edificantes, composigóes litúrgicas, apocalipses diversos, etc. Mais
curiosas e interessantes aínda resultam toda urna serle de composigóes
que refletem o pensamento, as polémicas, a interpretagáo bíblica, a prá-
tica religiosa, a organizagáo social e a forma de vida dum grupo (ou de
varios grupos) judeu que se sinta aparentemente á margem do judaismo
oficial e que nos proporcionam urna visáo do judaismo muito distinta da
que conhecíamos através dos escritos rabinicos posteriores» (p. 16).

A edicáo dos manuscritos maiores e mais bem conservados come-


cou em 1958; foram publicados o texto quase completo do profeta Isaías,
um comentario do livro de Habacuque e urna colecáo de normas que
regulavam a vida da comunidade de monges que viviam em Qumran.
Alias, deve-se notar que os manuscritos de Qumran pertenciam a mon
ges que viviam naquela localidade em um mosteiro do qual se encontra-
ram ruinas bem conservadas; ao fugirem dos invasores romanos em 68
d.C, esconderam sua preciosa biblioteca ñas grutas da regiáo, na ex
pectativa de achá-la de novo quando voltassem - o que nunca se deu.

Coloca-se agora urna pergunta que, para muitos observadores, se


reveste de grande importancia.

2. Por que tanta demora na publicacáo dos manuscritos?

2.1. O Problema

Na década de 1980 (e um pouco menos na de 1990) registrou-se,


por parte de estudiosos como também por parte de jornalistas, um cla
mor "escandalizado": por que após quarenta e mais anos da descoberta
dos manuscritos de Qumran nao foram todos eles publicados? Imagina-
ram urna "corispiracao do silencio" na qual estariam interessadas autori
dades religiosas cristas (inclusive a Igreja Católica) e judaicas, pois o

206
"OS HOMENS DE QUMRAN" 15

documentário de Qumran subverteria as concepcoes vigentes sobre a


origem do Cristianismo e sobre a esséncia do judaismo. Em particular,
salienta-se a tese de Robe ti Eisenman, da State University da California,
e de Barbara Thiering, da Universidade de Sidney (Australia); afirmavam
que os manuscritos de Qumran procedem de urna seita judaico-cristá ou
de um grupo judeu de tendencias zelotas, e teráo sido escritos nos anos
da revolta dos judeus contra Roma (68-70 d.C); conteriam informacóes
que modificariam profundamente as nocóes de historia das origens do
Cristianismo. Segundo Eisenman, o Mestre de Justica que os manuscri
tos mencionam, seria Jesús de Nazaré ou talvez Joao Batista ou o apos
tólo Tiago. Para B. Thiering, o chamado "Sacerdote ímpio" terá sido Sao
Paulo ou mesmo Jesús de Nazaré!...

Na verdade, porém, a tese de que os manuscritos se referem á


origem do Cristianismo peca por anacronismo, pois está comprovado,
pelo teste do Carbono 14 e outros meios, que os manuscritos se devem
a épocas mais recuadas.

2.2. Quais seriam as razóes do atraso da publicacáo...?

Apontam-se cinco fatores principáis:

2.2.1. A situacáo política do Oriente Medio

«Um dos mais decisivos fatores foi determinado pela situagáo polí
tica do Oriente Medio, crítica em tantas ocasioes desde o inicio das des-
cobertas. Os primeiros achados tiveram lugar no ambiente em torno da
guerra entre árabes e judeus no ano de 1948. No ano de 1956, a crise do
Canal de Suez e a ocupagáo por parte de Israel da península do Sinai
criaram na parte árabe de Jerusalém um tal clima de tensáo que obrigou
os estudiosos estrangeiros a abandonarem temporariamente a cidade.
Por razóes de seguranga, os manuscritos da Gruta 4 foram trasladados
para o Banco Otomano, em Ama, capital da Jordania. No ano seguinte,
foram devolvidos ao Museu Rockefeller em Jerusalém, mas alguns ma
nuscritos voltaram em estado irrecuperável» (p. 42).

2.2.2. O ótimo é inimigo do bom

«Outra das razóes do atraso foi, numa medida nao-desprezível, o


tipo de edigáo escolhido pelos responsáveis. Estes podiam-se ter limita
do a publicar as fotografías dos manuscritos, apresentar urna transcrigáo
do texto em caracteres hebraicos e justapor a correspondente tradugáo
numa língua moderna. Os responsáveis pela edigáo optaram por urna
edigáo acompanhada de ampios estudos e comentarios. Á medida que
se incrementava o número de textos que era necessário comparar, tanto
da literatura qumránica como da literatura judaica e nao-judaica dos perí-

207
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

ocios persa, helenístico e romano, a tarefa adquiría proporgdes inacessí-


veis» (p. 43).

2.2.3. O fator económico

«Nao se deve esquecer o fator económico. Até o ano de 1960, a


equipe internacional pode disporpara o seu trabalho de recursos da Fun-
dagáo Rockefeller. Naquele ano, o grupo dispersou-se e os membros
regressaram as suas respectivas universidades ou centros de investiga-
gao, onde haveriam de simultáneamente darconta do trabalho de Qumran
e de suas docencias, além de muitos outros compromissos de trabalho
em campos bastante dispares» (p. 43).

2.2.4. Morte prematura de alguns pesquisadores

É de notar a morte prematura dos dois primeiros diretores do proje


to de edigáo (Roland de Vaux e Pierre Benoít) e de varios editores (Patrick
Skehan, Ygael Yadin e Jean Starcky), desaparecidos antes de terem ter
minado seu trabalho.

2.2.5. Dificuldades de leitura dos pequeños fragmentos

«Quando os textos em questáo se conservam em fragmentos rela


tivamente extensos, a tarefa de leitura, tradugao e interpretagáo nao é
extremamente complicada, podendo inclusive textos previamente deseo-
nhecidos ser publicados com relativa velocidade. Porém, mesmo nesses
casos, a rapidez de publicagáo pode ter resultados funestos, como o pro-
va a publicagáo do primeiro grupo de textos da Gruta 4. Sua edigáo na
serie oficial, a cargo de John Allegro, foi ¡angada com grande rapidez em
1968, mas essa edigáo apressada (com apenas 90 páginas de texto) é
táo defeituosa que nao pode ser utilizada sem as mais de 100 páginas de
corregóes publicadas em 1971 pelo atual diretor da equipe internacional
de edigáo dos textos, John Strugnell, da Universidade de Harvard.

Quando, dos textos origináis, só se conservou um fragmento de


mínimo tamanho, com muito pouco texto escrito, a tarefa de reconstrugáo
desse quebra-cabega gigantesco de mil pequeñas pegas sem unióes di
retas é desesperante. Sem esquecer que os fragmentos ¡solados admi-
tem múltiplas interpretagóes e que todas elas devem ser avalladas antes
de proceder á edigáo.

Terminare! com um exemplo do que nao se deve fazerpara acele


rar a publicagáo dos materíais ainda inéditos: o caso de 4QTherapeia.
Esse pequeño fragmento de forma quase triangular, com resquicios de
11 linhas aparentemente completas, foi destinado para publicagáo a
Joseph Milik. Pensando tratarse dum texto extraordinariamente impor
tante, cuja publicagáo se mantivera secreta porque podía servir de base

208
"OS HOMENS DE QUMRAN" 17

para urna interpretagáo gnóstica da iniciagáo crista mediante a ungáo


com o esperma (rito ao qual Jesús teria submetido seus discípulos), Allegro
publicou-o em 1979 no apéndice dum livro sobre o mito cristáo. Segundo
sua interpretagáo, o fragmento qumránico conservaría as anotagóes das
visitas dum médico essénio, numa estranha mistura de grego, hebraico e
aramaico, com os tratamentos que o citado médico Ormiel teria aplicado
a um ceño Caifas. Em vista da escassez de textos médicos judaicos do
período pré-cristáo, um texto desse tipo seria efetivamente muito impor
tante, independentemente de toda interpretagáo simbólica. O texto seria
aínda ma'ts espetacular se a receita que o médico Ormielprescreve e usa
para curar Caifas fosse, como pretende Allegro, a aplicagáo do semen
dum cabrito. Infelizmente, porém, o fragmento qumránico nao tem nada a
ver nem com medicina, nem com o emprego de semen de cabrito como
rito de iniciagáo em misterios (como supóe Allegro), nem como simples
remedio (como postula Charlesworth numa monografía dedicada a esse
texto em 1985). O texto (como provou Joseph Nave e como reconheceu
o próprio Charlesworth numa retratagáo pública) é um simples exercício
de escrita, feito pelo escriba sobre um resto de pele para acostumar a
máo antes de comegar a copiar seus textos e nao contém nada além
duma lista de nomes hebraicos em ordem alfabética. Esse enorme erro
de interpretagáo é um triste exemplo das conseqüéncias a que conduz a
obstinagáo com o mito da conspiragáo do silencio para interpretar textos
qumránicos» (p. 224s).

Sao estas algumas amostras do conteúdo do livro de García


Martínez e Trebolle Barrera. Evidenciam o valor da obra, que trata ou-
trossim de como viviam e pensavam os homens do Mar Morto, que Re-
gra de vida seguiam, que conceitos de messianismo professavam, que
ritos adotavam, que tipo de escritos sagrados liam e meditavam, que
relacionamento podem ter tido com os cristáos (sao comparados entre si
textos de Qumran e textos do Novo Testamento, pondo-se em evidencia
os pontos de contato e as diferencas).

A leitura de tal obra é muito instrutiva nao só por seus aspectos de


erudicao, mas também porque, de modo geral, traz a tona urna face do
judaismo pré-cristáo desconhecida ao comum dos cristáos.

CARO(A) LEITOR(A), SE ESTA REVISTA LHE FOI ÚTIL, QUEI-


RA DIVULGÁ-LA ENTRE OS SEUS FAMILIARES E AMIGOS, QUE
TALVEZ ESTEJAM DESEJOSOS DE INFORMACÓES SOBRE TE
MAS DA ATUALIDADE. SABEMOS QUANTO A SOCIEDADE DE
HOJE É SACUDIDA POR TEORÍAS FILOSÓFICO-RELIGIOSAS, QUE
DEIXAM AS PESSOAS SEQUIOSAS DE CONHECER MELHOR OS
VALORES EM FOCO. NOSSA REVISTA TEM POR FINALIDADE
SERVIR A QUEM PROCURA.

209
Magnanimidade e Coragem:

"KAROL WOJTYLA ME SALVOU A VIDA EM 1945"


(Edith Zirer)

A nossa revista recebeu pela Internet duas mensagens comple


mentares referentes a um episodio desconhecido: no final da segunda
guerra mundial ou em fevereiro de 1945, o sacerdote Karol Wojtyla (hoje
Papa Joáo Paulo II), com 25 anos de idade, salvou abnegadamente a
vida de urna senhora judia recém-libertada de um campo de concentra-
gao e prestes a encerrar seus dias. É a própria beneficiada quem o narra,
domiciliada no Estado de Israel, onde vive tranquilamente.

Visto o caráter muito significativo do fato (que, alias, está perfeita-


mente na linha das atitudes habituáis do Santo Padre), publicamos, a
seguir, as duas versoes do episodio, agradecendo ao remetente Ervino
Martinuz a gentileza das noticias.

1. Fala Edith Zirer (I)

Jerusalém, 07 fev (SN) - "Lembro-me como se fosse hoje. Tinha


13 anos, sozinha, doente, fraca. Tinha acabado de passartrés anos num
campo de concentracáo alemáo, e estava a ponto de morrer. E Karol
Wojtyla me salvou a vida, como um anjo, como um sonho vindo do céu:
deu-me de beber e de comer e depois me carregou ñas costas uns qua-
tro quilómetros, na nevé, antes de tomar o trem rumo á salvacáo".

Edith Zirer conta o fato: Era urna fria manha dos primeiros dias de
fevereiro de 1945. A menina judia, única sobrevivente da familia deixou-
se levar pelos bracos de um jovem sacerdote de 25 anos, alto, forte, que,
sem Ihe pedir nada, simplesmente Ihe deu um pouco de esperanca. Hoje,
segundo ela, aquele sacerdote é o bispo de Roma. Edith gostaria de
agradecer finalmente aquele gesto. "Só um simples 'muito obrigado em
polonés' por aquilo que fez, pela maneira como o fez, para Ihe dizer que
nunca me esqueci dele", afirma de sua bonita casa perto das colinas do
Carmelo, na periferia de Haifa.

Edith tem 66 anos e dois filhos. Reconstruiu a vida em Israel, onde


chegou em 1951, quando aínda padecía a tuberculose e os traumas da
guerra. Durante este tempo guardou para si este fato. Quando, em 1978,
Karol Wojtyla foi eleito Papa, sentiu a necessidade de falar, de contá-lo a
alguém, de mostrar seu agradecimento.

210
"KAROL WOJTYLA ME SALVOU A VIDA EM 1945" 19

As perguntas que nascem diante desta versáo, sao muitas, e os


próprios jornalistas do "Kolbo", de Haifa, que publicaram o episodio na
última quinta-feira, as fizeram. E chegaram á conclusáo de que o fato
"parece verídico". Táo verídico que a Embaixada de Israel junto á Santa
Sé já se está movimentando para encontrar urna data e favorecer o reen
contró entre a senhora Zirer e o Papa que a salvou.

2. Fala Edith Zirer (II)

Jerusalém, 07 fev (SN) - O fato fala por si mesmo. "A 28 de Janeiro


de 1945, os soldados russos libertaram o campo de concentracáo de
Hassak, onde fiquei presa quase tres anos trabalhando numa fábrica de
municóes", explica Edith, que na época tinha treze anos. Estava atordo-
ada e sem forca por causa da doenca. "Dois dias depois, cheguei a urna
pequeña estacáo ferroviaria entre Czestochowa e Cracovia. Estava
convencida de ter chegado ao final de minha viagem. Caí por térra, num
canto da grande sala onde estavam dezenas de ex-prisioneiros, que aín
da vestiam seus uniformes com os números dos campos de concentra
cáo. Entáo veio até mim Wojtyla, continuou Edith. Veio com urna grande
xícara de cha, a primeira bebida quente que experimentava ñas últimas
semanas. Depois me trouxe um pouco de queijo e um pedaco de pao
polonés, divino. Eu porém, nao podia comer; estava demasiado cansa
da. Ele me obrigou. Depois me disse que teria que caminhar para pegar
o trem. Tentei, porém caí no chao. Entao, pegou-me em seus bracos e
me carregou durante bastante tempo. Enquanto isso, a nevé continuava
caindo. Lembro seu paleto escuro, a voz tranquila, que me contou a mor-
te de seus pais e seus irmáos, a solidáo que sentía, e a necessidade de
nao se deixar levar pela dor, e de combater para viver. Seu nome ficou
gravado para sempre em minha mente".

Quando finalmente chegaram até o trem destinado a levá-los até o


Ocidente, Edith encontrou urna familia judia, que tomou conta déla: "Cui
dado, os padres tentam converter as criancas judias", Ihe disseram. Ela
teve medo e se escondeu.

"Só depois compreendi que o que ele quería mesmo, era ajudar-
me. E gostaria muito de agradecer-lho pessoalmente".

Estas narrativas póem em relevo mais urna vez os traeos de mag-


nanimidade e coragem que tém caracterizado a pessoa e a vida de um
homem que, por sua influencia na historia geral, bem poderá ser consi
derado "o Homem do Século XX".

211
Urna tresleitura bíblica:

"O INFERNO NAO EXISTE"?


(Leonardo Boff)

Em síntese: Leonardo Boff declarou á revista Rio Artes ng 21,


1997, que o inferno nao existe; o conceito respectivo terá sido elaborado
por teólogos, que nao levaram em conta a figura feminina de Deus, que é
misericordiosa. Em linguagem irreverente o autor escarnece a nogáo bí
blica de inferno, que ele parece ter esquecido, embora outrora mostrasse
conhecer o conteúdo da Biblia. Na verdade, o inferno nao é o que Dante
e a imaginagáo popular concebem, mas é conseqüéncia de livre opgáo
do homem, o qual se condena a nao amar a Deus, que sempre o amará.

O ex-Fre¡ Leonardo Boff publicou na revista Rio Artes, n9 21,1997,


o artigo "O Inferno nao existe"; terá sido elaborado o conceito de inferno
por homens, á revelia da nocao de Deus, que é Máe misericordiosa. Vis
to que o artigo fez alarde e deixou leitores perplexos, será comentado
ñas páginas que se seguem.

1. Os Dizeres do Autor

Eis palavras textuais de Leonardo Boff:

"O inferno é urna imagem religiosa, exigencia da cultura do homem-


varáo. Mas que Deus é esse, que nao tem poder sobre o mal? Nao é ele
onipotente? Existe a justiga, que condena os perversos. É seu inferno.
Mas tratase apenas de um drama maior. Deus prepara um outro ato, o
da vitória adequada á sua natureza divina de amor e perdao... Essa re-
presentagio feminina maternal de Deus ultrapassa o inferno...

A misericordia revela um aspecto essencial da natureza divina: o


lado feminino de Deus. Misericordia significa, etimoiogicamente, possuir
um coragáo que se compadece da miseria do outro, porque a senté pro
fundamente como sua. Em hebraico é aínda mais forte, pois a palavra
misericordia significa terentranhas como urna máe e possuir seios como
urna mulher...

A existencia do inferno é a eterna vergonha para Deus. É como se


pudéssemos ver os diabos do inferno alegrándose com sua vitória parci
al sobre Deus, mostrando a Iíngua e o traseiro para Deus e fazendo-ihe
trejeitos com as máos sobre o nariz".

212
"O INFERNO NAO EXISTE"?

Nao pode deixar de surpreender o leitor a linguagem usada por um


autor que outrora escrevia num "teologués" de fundo germánico. Tem-se
aqui urna linguagem de baixo caláo, pouco digna da temática abordada e
do leitor merecedor de respeito.

O autor levanta o problema da conciliacáo da existencia do inferno


com a misericordia de Deus. A abordagem deste problema requer no-
coes claras de um e outro dos termos que compóem o binomio. Faz-se
mister, portanto, procurar elucidar os dois conceitos em pauta.

2. Inferno existe? Que é?

2.1. Existe...

A existencia do inferno é explícitamente afirmada nos escritos do


Novo Testamento - o que afasta a hipótese de ter sido criada pela imagi-
nacáo dos homens.

Com efeito,

Em Mt 25,31-46 Jesús descreve o quadro do juízo final, em que é


dito aos infiéis: "Afastai-vos de mim... para o fogo eterno preparado para
o diabo e seus anjos, porque tive fome e nao me destes de comer..." (vv.
41 s). Sem dúvida, nesta passagem o Senhor recorre a linguagem parti
cularmente forte, que é preciso entender como tal. Como quer que seja,
significa que há urna sancáo condenatoria para os que renegam a Deus.

Em Mt 13,40-42 Jesús termina a parábola do joio e do trigo, dizen-


do: "Como se junta o joio e se queima no fogo, assim será no fim do
mundo: o Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharáo do seu
Reino todos os escándalos e os que praticam a iniqüidade e os lancaráo
na fornalha ardente. Ali haverá choro e ranger de dentes". É evidente
neste texto o uso de metáforas (fornalha ardente, choro e ranger de den-
tes), mas nao é menos evidente que o Senhor se refere a urna sorte
punitiva que tocará ao joio ou aos infiéis no além.

Seja mencionada ainda a passagem de Jo 5,28s: "Nao vos admiréis


com isto: vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvi-
rao a voz do Filho do Homem e sairáo; os que tiverem feito o bem para
urna ressurreicáo de vida, e os que tiverem cometido o mal para urna
ressurreicáo de julgamento". Ver ainda Ap 21,8; 22,15.

É claro assim que a nocáo de duas sortes postumas diferentes,


correlativas ao tipo de vida de cada individuo, é bíblica, e nao somente
própria do Novo Testamento; já os judeus anteriores a Cristo professa-
vam a mesma concepcáo, como se depreende de Dn 12,2:

"Muitos dos que dormem no pó da tena, acordaráo, unspara a vida


eterna, e outros para o opróbrio, para o horror eterno".

213
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

Conseqüentemente torna-se difícil explicar como alguém que co-


nhece as Escrituras, possa dizer que a nocáo de inferno foi criada por
teólogos.

É de notar, porém, que o grande obstáculo á aceitacao do inferno,


para muitas pessoas, sao as imagens fantasiosas que a poesía e a fanta
sía popular críaram a respeíto do inferno. Na verdade, para muitos o in
ferno é um tanque de enxofre fumegante com diabínhos e tridentes a
torturaros condenados. Ora tal ¡magem é falsa. Os conceitos materiais e
grotescos tém que dar lugar a concepcóes mais puras e dignas de Deus.
Daí a pergunta:

2.2. Em que consiste o inferno?

a) Antes do mais, é preciso afastar a idéia de que Deus criou ou


cría o inferno... Este nao é um espaco dimensional nem é um lugar, mas
sim um estado de alma,... estado de alma no qual o próprio individuo se
projeta quando rejeíta radicalmente a Deus pelo pecado grave; comeca
entao o estado infernal, do qual o pecador se pode insensibilizar pelo
fato de nao dar atencáo ao seu íntimo ou a sua conscíéncia, mas que
saltará á tona quando ele nao mais puder escapar á voz da consciéncia.
Vé-se, pois, que nao é Deus quem condena ao inferno; ao contrarío, o
Senhor Deus quer a salvacáo de todos os homens, como afirma Sao
Paulo em 1Tm 2,4. É a própria criatura que lavra a sua sentenca ou que
se condena quando diz um Nao total a Deus, que é o Sumo Bem, o único
Bem que o ser humano nao pode perder.

b) Mais precisamente: o inferno é o vazio absoluto ou a suprema


frustracáo. É o nao amar... nao amar nem a Deus nem ao próximo. Todo
homem foi feíto para o Bem Infinito, como notava S. Agostinho (t 430):
"Senhor, Tu nos fizeste para Tí, e inquieto é o nosso coracao enquanto
nao repousa em Ti" (Confissóes I 1). Quem nao repousa em Deus, in-
quieta-se e angustía-se, á semelhanca da agulha magnética, que foi feíta
para o Norte, que a atrai; quando alguém a desvia do seu Norte, ela se
agita e só para quando se Ihe permite voltar-se para o Norte.
c) Conseqüentemente, vé-se que o inferno é mesmo algo de lógi
co, pois é a violencia que o homem comete contra si mesmo. Verdade é
que ninguém pode definir quantas pessoas morrem avessas a Deus. Bem
pode acontecer que na hora da morte muitos pecadores obstinados se
convertam e recebam a graca da reconciliacio com Deus, como se'deu
no caso do bom ladráo. Afínal nínguém sabe quantos "bons ladroes" exis-
tiram e existiráo através dos séculos. Possivelmente um grande núme
ro... para surpresa de quem só considera a face aparente da historia.
3. E a Misericordia de Deus?

L. Boff apela para a misericordia de Deus e julga que a existencia

214
"O INFERNO NAO EXISTE"? _23

do inferno seria motivo de vergonha para Deus... O diabo zombaria do


Senhor Deus pelo fato de haver seres humanos condenados ao inferno.

Deve-se responder que, sem dúvida, Deus é infinitamente miseri


cordioso, mas nao é "tiránicamente" misericordioso. Com outras pala-
vras: Deus nao impóe a sua misericordia ou o seu perdáo a quem nao o
pede ou nao o quer receber. Deus nao obriga o homem a amar a Deus.
Nisto consiste precisamente a grandeza e a nobreza de Deus. Ele nao
violenta nem forca a criatura a se abrir para a misericordia. Ora na outra
vida nao há possibilidade de conversáo. A morte fixa o ser humano em
sua última opcáo, de modo que após a morte ninguém pode mudar suas
atitudes. Assim o inferno, em vez de ser motivo de vergonha para Deus,
é o testemunho de que Deus respeita a sua criatura e nao Ihe tira a liber-
dade que Ihe deu para dignificá-la.

Pode-se ir mais longe, e dizer que o inferno é a conseqüéncia do


amor irreversível de Deus. Tal amor se dá e nao volta atrás; nao pode
voltar atrás precisamente porque é divino e nao pode contradizer a si
mesmo (cf. 2Tm 2,13). Por isto Deus ama a criatura que nao O ama e se
afastou dele. O fato de que Deus continua a amar, é que atormenta o
reprobo; este percebe que se incompatibilizou com o Supremo Bem e o
Sumo Amor. Donde se segué que o inferno é compatível com a Grande
za e a Santidade de Deus. Urna ¡magem servirá para ilustrar de algum
modo o que é o inferno: observe-se o caso de um jovem que foge de
casa para ir viver com seus colegas numa república de estudantes, por
que "papai é cafona e mamáe é quadrada"... Pai e máe que amam o filho,
se preocupam, e resolvem enviar recados, perguntando ao jovem como
está,... se precisa de alguma coisa,... quando voltará... Estas interpela-
coes do amor incomodam ou atormentam o filho; este se daria por mais
tranquilo se pai e máe desistissem de o amar e o esquecessem. O fato,
porém, é que pai e máe nao podem deixar de amar seus filhos e de
mostrar-lhes o seu amor. Paralelamente Deus nao pode deixar de amar
suas criaturas, mesmo quando elas se afastam do Pai celeste; a cons-
ciéncia desse amor atormenta o pecador que se incompatibilizou com
Deus. Se o Senhor retirasse ou cancelasse o seu amor, o reprobo nao
sofreria tanto, porque estaría totalmente voltado para seus ídolos, sem
ser atraído pelo Bem Supremo. Mas, como dito, Deus nao se pode desdi-
zer ou nao pode dizer Nao após ter dito Sim (aquele Sim proferido quan
do criou cada ser humano). Nisto está a nobreza de Deus, que é parado-
xalmente motivo de tormento para quem nao responde ao amor divino.
Em suma, é altamente consolador ser amado por Deus, mas também é
assustador ser amado por Deus e nao O amar.

Eis o que, em poucos parágrafos, se pode responder a Leonardo


Boff, a quem Deus queira conceder suas melhores luzes e gracas!

215
Forcas cegas e ocultas?

AÍNDA O HORÓSCOPO

Em síntese: O presente artigo propóe sete razóes que evidenciam


a fragilidade dos oráculos da astrologia. Esta se acha fundamentada em
concepcoes científicas uitrapassadas. Na verdade, notase em pleno
sáculo XX a persistencia da mentalidade mágica: o homem contemporá
neo fácilmente se deixa assujeitar por pretensas forgas misteriosas ou
ocultas, quando ele foi criado á imagem e semelhanga de Deus para
dominar a tena e seus elementos.

A revista francesa "Science et Avenir", Janeiro 1998, pp. 52s, publi


ca o artigo de Gilíes Moine intitulado "Pour en finir avec l'Astrologie...
(Para acabar com a Astrologia...). É de alto nivel científico e destinado a
público de estudiosos - o que confere autoridade ás observacoes de
Gilíes Moine.

A seguir, seráo propostos os principáis tópicos do artigo e breve


comentario ao mesmo.

1. Sete Consideracóes

1) O número de planetas reconhecido pelos astrólogos até 1781


era de seis. Tem aumentado; em 1781 foi descoberto o planeta Urano,
em 1846 Netuno e em 1930 Plutonio. E quem garante que nao se desco-
brirá um décimo planeta do nosso sistema solar? - Ora póe-se a pergun-
ta: se os astros exercem influencia sobre o comportamento dos seres
humanos, eles a exercem mesmo quando nao sao conhecidos pelos ter
restres. Como pode entáo o astrólogo definir a conduta ou o destino de
alguém, se este é influenciado por forgas desconhecidas?

2) A astrologia parte do principio de que certos corpos celestes,


como sao os astros, exercem sobre o recém-nascido urna influencia de
vida á forca da gravidade e coisas semelhantes. Mas, pensando bem,
pode-se observar que o médico obstetra e a parteira devem exercer aín
da maior influencia sobre a criancinha, porque estáo mais próximos déla;
exercem urna forca gravitacional seis vezes mais importante do que a do
planeta Marte. Verdade é que a massa corpórea do médico ou da partei
ra é muito menor do que a de um planeta, mas, em compensacáo, estáo
muitíssimo mais perto do bebé que nasce.

3) A Física ensina que o poder de atrair que tém os corpos, vai


diminuindó á medida que aumenta a distancia entre os corpos. Ora aconte-

216
AÍNDA O HORÓSCOPO 25

ce que a astrologia julga que a influencia dos astros é independente da


sua distancia; em conseqüéncia, a influencia de Marte sobre os recém-
nascidos seria a mesma quer o planeta Marte esteja do mesmo lado do
Sol que a Térra, quer esse planeta esteja do outro lado do Sol, sete vezes
mais longe da Térra. Tal concepcáo contradiz as leis da Física e se deve,
em parte, á ¡magem geocéntrica dos antigos astrólogos.

4) Conseqüentemente ainda se pergunta: se a influencia dos as


tros é independente das distancias, por que a astrologia nao leva em
conta a possível influencia de estrelas e galaxias esparsas pelo univer-'
so? - Está claro que, se os astrólogos fossem considerar tais eventuais
influencias, a astrologia se tornaría táo complexa e complicada que dei-
xaria de ser cultivada. A astrologia só pode ter tido origem em época
muito recuada, na qual pouco se conheciam os astros, e só pode subsis
tir se se faz abstracáo de tantos astros descobertos após a origem das
astrologia.

5) Questiona-se ainda: por que a influencia dos astros só se exerce


a partir do momento em que a crianca nasce, e nao a partir do momento
em que é concebida no seio materno? Quando a astrologia comecou a
ser praticada, julgava-se que o nascimento era o momento "mágico" do
surto ou da origem da vida. Hoje, porém, sabe-se que a vida da criancinha
comeca nove meses antes, em conseqüéncia da fecundacáo do óvulo
pelo espermatozoide. É notorio também o fato de que o bebé ou o feto
ouve a voz de sua máe e é sensível aos choques e ao barulho violento.
Na verdade, a data do nascimento é algo de evidente a todo ser humano,
ao passo que a data da fecundacáo do óvulo pelo espermatozoide é mis
teriosa e nao poderia ser levada em conta pelos astrólogos.

6) Surge ainda a indagacáo: por que é que os astrólogos nao sao


mais ricos? Explicando a pergunta um tanto maldosa, há quem observe
que os astrólogos afirmam nao poder predizer acontecimentos pontuais
e precisos, mas apenas grandes tendencias. Em conseqüéncia, nao po-
deriam predizer o número que será sorteado na Lotería, mas poderiam
prever as oscilacóes e as inflexóes que váo tomando as Bolsas de Valo
res. Como teria sido vantajoso se tivessem previsto a queda das Bolsas
asiáticas e se pudessem predizer como evoluirá a problemática da eco
nomía mundial em 1998!

7) Aponta-se outrossim o fenómeno da precessáo dos equinóxios.


Com efeito; o signo do Cáncer tem as datas de 22 de junho a 22 de julho.
Outrora o Sol estava na constelacáo do Cáncer; mais precisamente, há
dois mil anos... Hoje ele está na constelacáo de Gémeos, a 10e do limite
da constelacáo do Cáncer, ou seja, vinte vezes o diámetro da Lúa. Tal
fenómeno é dito "a precessáo dos equinóxios"; consiste em que o eixo
de rotacáo da Térra percorre um círculo completo em 25.000 anos; em

217
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

conseqüencia, a Térra se deslocou em relacáo as constelacóes do Zodíaco.

2. Refletindo...

As consideracóes até aqui propostas levam a ver que nao há por


que dar crédito ao horóscopo e a semelhantes processos de adivinhacao
do futuro. O ¡nteresse pelo horóscopo como também por Taró, I Ching,
Numerologia, Cabala, jogo de búzios, cartas, etc. é alimentado por men-
talidade que se pode dizer "mágica". Quem se entrega á prática de tais
processos de adivinhacao, de certo modo acredita estar subordinado a
fo reas cegas e misteriosas; o cliente de tais instancias se amedronta e
dobra diante de poderes ficticios - o que nao é cristáo. A propósito seja
citado S. Agostinho {t 430):

Certa vez, em sua igreja de Hipona (Norte da África), Agostinho se


referia a um chaváo daquela época e também dos dias atuais: "Os tem
pos sao maus, sao ingratos! Como era feliz o passado!". O santo Bispo
respondeu: "Os tempos somos nos. Sejamos bons e os tempos serlo
bons. Quais formos nos, tais seráo os tempos". Tais palavras merecem
atencáo. Muitos sao aqueles que se queixam de que os tempos nao sao
propicios a urna auténtica vida crista, reta e honesta, porque incitam á
desonestidade; tais pessoas quase se dobram diante de um preconceito,
como se fosse impossível remové-lo. Ora Agostinho nota que nos somos
maiores do que os tempos, porque nos é que fazemos os tempos ou
damos aos tempos o seu colorido próprio. Vale a pena ter consciéncia
disto. Alias, já dizia Roger Garaudy em sua trajetória de simpatizante
com o Cristianismo: "O homem foi criado criador".

Em outra ocasiáo S. Agostinho comentava as ameacas dos godos


contra a cidade de Roma. Os homens da época julgavam que, se Roma
caísse sob os golpes de invasores, o mundo acabaria; tal era o apreso
que a populacáo do Imperio devotava a Roma. A seus fiéis assustados
Agostinho respondeu: "Que é Roma? Roma nao sao pedras; Roma sao
os romanos; se os romanos nao cairem, Roma nao caira". E acrescen-
tou: "Quem colocou pedra sobre pedra para construir as muralhas de
Roma, sabia que as pedras cairiam. Nao nos surpreende o fato de elas
desmoronarem. Mas o essencial de Roma sao os seus cidadáos, pois
sao eles que fazem a grandeza de Roma". Também aqui se exprime pro
funda sabedoria. O homem é maior do que as pedras, é maior do que os
fatos que o ameacam. A grandeza e a riqueza do ser humano estáo den
tro dele; sao a dignidade do caráter, a fidelidade ao dever, a coragem de
enfrentar dificuldades e desafios, a aspiracáo a nobres ideáis. Se estas
qualidades nao desfalecem, o essencial nao está perdido, mesmo quan-
do os furacóes tentam desarmar e desatinar a pessoa humana. Em suma:
Roma nao caira, se os romanos nao cairem. O Brasil, nossa comunidade
nao cairao, se os brasileiros ou se nos nao cairmos!

218
Desrespeito e abuso:

SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE

Em síntese: O Presidente da Conferencia dos Bispos da Franga e


Presidente da Associagáo Croyances et Liberté publicou em fevereiro
de 1998 urna Carta dirigida ao Presidente do Grupo Volkswagen-Franga,
protestando contra o uso indecoroso de símbolos e fórmulas religiosas.
Isto fere o senso religioso de numerosos cidadáos numa atitude de des
respeito, que exige desagravo ou reparagáo. - Tal Carta val, a seguir,
publicada, juntamente com a respectiva resposta e trechos de um Docu
mento do Pontificio Conselho para as Comunicagóes Sociais, que trata
de Ética e Publicidade. O assunto interessa muito de peño ao Brasil,
onde os cartazes publicitarios e os préstitos carnavalescos violam o bom
senso e o respeito devido aos cidadáos do país.

A Associagáo católica Croyances et Liberté (Crencas e Liberda-


de) foi fundada pela Conferencia dos Bispos da Franga para "defender a
liberdade religiosa, o direito ao respeito das crencas..., a doutrina da Igreja
assim como as suas instituigoes". No Estatuto dessa Associagáo, pro
mulgado em 1996, lé-se o seguinte:

"A Associagáo tem por principal objetivo proteger e defender os


católicos contra os assaltos aos seus sentimentos religiosos ou as suas
convicgóes de fé, que Ihes possam provir do radio, da imprensa, dos
filmes, da televisáo, das artes pictóricas ou de qualquer outra fonte. Tem
outrossim a tarefa de defender e promover a nogáo de dignidade huma
na, tal como a professa a Igreja Católica".

Sao membros natos da Associagáo o Presidente, o Vice-Presiden-


te, os integrantes do Conselho Permanente da Conferencia dos Bispos
da Franga, assim como todos os Bispos que o solicitem.

Essa Associagáo realizou urna assembléia plenária em Lourdes


aos 7/11/97. Posteriormente houve por bem, em nome da Conferencia
Episcopal Francesa, enviar ao Sr. Presidente do Grupo Volkswagen-Fran
ga urna carta datada de 4/2/98, em que faz serios reparos a urna campa-
nha publicitaria de tal empresa por abusar de símbolos e fórmulas religi
osas a fim de promover a venda de novo tipo de veículo.

Mais precisamente: a partir de 28/1/98 foram espalhados dez mil


cartazes pela Franga, relativos a um novo modelo de carro Golf: apre-

219
28 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

sentavam a Última Ceia de Cristo em versao deturpada: ai um homem, re


presentando Jesús Cristo, nao proclamava "Tomai e bebei; isto é o meu
sangue", mas "Meus amigos, alegremo-nos porque nasceu um novo Golf!

A carta é assinada por Mons. Louis-Marie Bulé, Presidente da Con


ferencia dos Bispos da Franca e da referida Associacáo. O seu teor, tor
nado público, reza o seguinte:

A CARTA1

"Senhor Presidente,

A empresa Volkswagen se empenha atualmente pela promogáo de


novo modelo de carro mediante uma campanha publicitaria. Serve-se
deliberadamente de imagens e de fórmulas características da fé crista.
Numerosos fiéis ressentiram como ofensa grave uma tal
instrumentalizagáo dos símbolos da sua fé, instrumentalizagáo contra a
qual formulo vigoroso protesto.

Será que a empresa Volkswagen precisa, para promoverá venda e


a qualidade de seus carros, de transpor os limites do mais elementar
respeito? Na medida do que sei, todas as firmas de automóveis estáo
atentas a proteger os seus modelos contra os maleficios da contrafagáo
ou da delinqüéncia industriáis. Como entáo uma dessas firmas ousa apo
derarse do que nao Ihe pertence? Com efeito, existe uma Iinguagem dos
sinais e dos símbolos que, aos olhos de todos, pertencem a fé crista.
Sem dúvida, estáo a disposigáo de todos os cidadáos, nao, porém, para
fazerem deles um uso qualquer. O problema nao consiste no fato de que
a Volkswagen quer vender seus carros; tal é a sua incumbencia, incum
bencia mediante a qual ela presta á sociedade um servigo entre outros. O
problema está, antes, no fato de que, para promover a venda, a empresa
desvia do seu sentido e da sua finalidade imagens e palavras cujo alcan
ce é tal que nao podem ser postas a servigo de finalidades comerciáis,
por mais legítimas que sejam.

Queiram ou nao os publicitarios a quem recorrestes, há imagens


que fazem violencia a fé crista e agridem aqueles que a vivenciam; e nao
somente a estes..., mas também a varios daqueles cidadáos que, sem
vivencia da fé, pressentem que existem limites intransponíveis. Naquele
acontecimento que a imagem da Última Ceia representa - Última Ceia de
Cristo antes da sua morte, ato pelo qual Ele fundou e instituiu a Eucaris
tía - muitos homens e mulheres encontram um sentido para a sua exis
tencia e uma ajuda para a sua vida; nao se pode, por conseguinte, travestir
impunemente tal acontecimento. Por certo, um mural como aquele que
representa a Última Ceia de Cristo, poderla parecer nao mais do que
' Tradugáo portuguesa feita na base do original francés publicado por SNOP, nB 1025,
de 13/2/98 (boletim oficial dos Bispos da Franga).

220
SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE 29

urna piscada de olhos inofensiva a fé crista; na verdade, porém, ele re-


baixa a fé ao piano de artificio publicitario e a torna ridicula.

Conseqüentemente, em nome da responsabilidade que me toca,


dirijo-me ao Tribunal da Grande Instancia de París, a fim de abrir um
debate diante da Justiga e obter a devida reparagáo do prejuízo sofrido
pelos crístáos.

Fico-vos á disposigáo, pedindo-vos, Sr. Presidente, que aceitéis a


expressáo da minha mais elevada consideragáo.

Louis-Marie Billé

Presidente da Conferencia dos Bispos da Franga

Presidente da Associagáo Croyances et Liberté"

COMENTANDO...

A intervencáo de Mons. Louis-Marie Billé é corajosa e importante,


pois toca um problema que afeta nao somente a Franca, mas também
outros países, inclusive o Brasil. Caracteriza-se por tres pontos:

1) Protesta contra o desrespeito a símbolos e fórmulas religiosos,


que, para numerosos cidadáos, tém valor decisivo ou constituem o sinal,
do grande referencial da sua vida. A ninguém é lícito vilipendiar ou
"travestir" o bem alheio, agredindo os vizinhos, nem mesmo a título de
legítima propaganda comercial; os interesses publicitarios nao de ater-
se aos limites que o bom senso e a cortesía Ihes impóem.

2) Observa-se que as próprias firmas distribuidoras de automóveis


exigem respeito as suas insignias f rejeitam qualquer contrafacáo ou
abuso das mesmas. E com razáo defendem-se contra tal tipo de agres-
sáo. Nao abusem, pois, das insignias alheias.

3) O caso nao diz respeito apenas ao foro religioso, como se fosse


únicamente urna ofensa aos cidadáos que tém fé. Tal abuso tem implica-
cóes de foro civil, pois fere a boa ordem da sociedade e os direitos, dos
cidadáos, de nao ser injustamente agredidos. Daí a conveniencia de le
var o debate as instancias judiciárias civis de París e exigir reparacáo ou
desagravo da injuria cometida contra os direitos da populacao civil; a
esta é lícito ter sua filosofía de vida e as respectivas expressóes, desde
que nao firam o bem comum.1

Seria para desejar que as advertencias de Mons. Billé encontras-


sem ressonáncia também em nosso país.

1 A Associagáo Croyances et Liberté pede indenizagáo e a publicagáo de urna sen-


tenga de retratagao em cinco jomáis diarios.

221
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

UM DOCUMENTO DA SANTA SÉ

Em fevereiro de 1997 o Pontificio Conselho para as Comunicacoes


Sociais publicou o documento "Ética na Publicidade", no qual chama a
atencáo para a exploracao de temas religiosos na publicidade. Eis al-
guns de seus tópicos mais salientes:

"13... A publicidade suscita problemas específicos quando trata de


religiao ou de questóes que tém dimensáo moral. No primeiro caso, os
publicitarios comerciáis incluem, por vezes, temas religiosos ou recorrem
a personagens ou imagens religiosos para vender seus produtos. Isto
pode ser feito de modo respeitoso e oportuno, mas tal prática é nociva e
injuriosa quando explora a religiao ou quando a trata libertinamente...

23. Em última análise, onde existe liberdade de palavra e comuni-


cagáo, os publicitarios sao chamados a assumir urna atitude ética res-
ponsável, condizente com a sua profissáo. Deveriam nao somente evitar
os abusos, mas também reparar os danos publicitarios na medida do
possível; isto é feito, por exemplo, pela publicagáo de notas corretivas,
pelo ressarcimento dos prejuízos causados aos cidadáos... Quando as
práticas ¡moráis se propagam e se arraigam no público, os publicitarios
conscienciosos nao evitaráo os sacrificios pessoais necessários para as
corrigir.. Mesmo as pessoas que desejam proceder com retidáo moral,
devem estar prontas a sofrer danos e desvantagens pessoais antes que
causar o mal a alguém.

Á luz destas reflexóes, convidamos os publicitarios, assim como todos


os que estáo comprometidos com tarefas congéneres, a adotar normas éti
cas sólidas, que protejam a veracidade, a dignidade humana e as responsa
bilidades perante a sociedade. Deste modo ofereceráo sua contríbuigáo es
pecífica e preciosa ao progresso da humanidade e ao bem comum".

Possam tais normas repercutir favoravelmente também no Brasil!

O FIM DA PENDENCIA
Pouco depois dos fatos atrás registrados, a Volkswagen e os Bis-
pos da Franca se entenderam, de modo que aos 10/2/98 publicaram o
seguinte

COMUNICADO

"A Associagáo 'Croyances et Liberté' levou á Justiga Volkswagen e


sua agencia de publicidade DDB por causa da campanha publicitaria em
favor do novo carro Golf.

Ela quis assim suscitar um debate sobre a possibilidade de utilizar,


para fins publicitarios, no pleno respeito devido aos crentes e as suas
crengas, símbolos concementes aos elementos fundamentáis da Tradi-

222
SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE

gao crista e ás suas representagóes iconográficas, que fazem parte do


patrimonio comum da nossa civilizagáo.

A Associagáo 'Croyances et Liberté', as sociedades Volkswagen e


DDB se aproximaram entre si. Estas duas últimas lamentaran) ter podido
chocar as convicgóes dos católicos.

Volkswagen e DDB reafirmaram que queriam respeitar os valores


essenciais da sociedade assim como os valores que tocam o fundo ínti
mo das crengas; é segundo tal principio que tencionam pautar seu com-
portamento.

Foi neste espirito que Volkswagen decidiu retirar ¡mediatamente os


muráis, a fim de manifestar seu respeito pela féea sensibilidade expres-
sas por ceños fiéis.

Cada qual das partes tomou consciéncia da boa vontade recíproca


e das concessóes feitas por urna e outra parte, de modo que 'Croyances
et Liberté' resolveu desistir da agáo judicial.

DDB e Volkswagen desejam fazer urna doagáo a 'Secours


Catholique' (Socorro Católico) em vista de atendimento de urgencia e de
proximidade a pessoas carentes".

(Extraído do Boletim SNOP, da Conferencia dos Bispos da Franga, ne


1026, de 27/2/98)

Ao verificar tais fatos, nao podemos deixar de registrar o anseio de


que no Brasil semelhantes atitudes de desagravo ocorram sempre que
for lesada a fé católica pela publicidade.

Encontros de Catequese - Crisma, por María Lucia de Carvalho


Pagnoncelli. Paulus, Sao Paulo 1996, 140 x 210 mm, 157 pp.

O livro destinase á formagáo de crísmandos. Já está em terceira


edigáo; aprésenla urna síntese doutrinária que nao contém erros teológi
cos, mas é falha por suas omissóes, especialmente graves por se tratar
provavelmente da última instrugáo religiosa oficial que os jovens rece-
bem. Assim a p. 67, quando se fala do pecado, há urna alusáo ao pecado
dos primeiros pais, mas nao ocorre a expressáo "pecado original": o dos
primeiros pais (dito "originante") e o dos descendentes (dito "originado").
Áspp. 102s, ao falar de María SSma., o texto se refere á Maternidade de
María sem falar de sua virgindade, nem de sua Imaculada Conceigáo;
nem mesmo a expressáo "Máe de Deus" ai ocorre. Falta toda e qualquer
alusáo aos últimos acontecimentos (novíssimos), que tém valor decisorio
para a vida do cristáo. Em suma, o livro, que nao se dirige a criangas,
parece superficial; os temas poderíam ser aprofundados, especialmente
os que se referem a Jesús Cristo e outros artigos da fé.

223
Emocao e calor:

"VOCÉ DECIDE": INCESTO?

Em síntese: O programa da TV-Globo "Vocé Decide" apresenta


casos perplexos, cuja solugáo é solicitada ao grande público. Este tem-
se manifestado em favor de alvitres surpreendentes, que violam os con-
ceitos mais rudimentares da Moral: foi o que se deu em novembro pp.,
em prol do homossexualismo, e em Janeiro pp. em prol do incesto. Este é
rejeitado nao só pela fé, mas também pela lei natural, como demonstram
as tribos primitivas cujos membros praticam casamentos endógenos (en
tre próximos consanguíneos), dos quais nasce prole deficiente. Na ver-
dade, a Moral nao se decide por plebiscito, especialmente nao por um
público colocado sob o impacto colorido e sonoro da televisáo. - Nao se
pode apelar para os filhos de Adao e Eva (Gn 5,4) para justificar o casa
mento entre irmáos. Nem se podem tomar como cifras matemáticas os
números de anos atribuidos aos Patriarcas bíblicos, visto que se trata de
números simbólicos.

O programa "Vocé Decide" da TV-Globo vem apresentando casos


perplexos, cuja solucáo é solicitada ao grande público sob o impacto do
aparato visual e sonoro de um espetáculo televisivo.

Já em novembro pp. foi exibido o caso de duas jovens, amigas


desde a infancia, que desejavam unir-se em uniáo lésbica, como se fos-
sem constituir um verdadeiro casal. O público apoiou esta iniciativa por
140.000 votos contra 15.000 aproximadamente. Tal resultado causou
surpresa na opiniáo pública, pois enorme maioria de telespectadores
abonava assim o homossexualismo.

Aos 27/01/98 algo de semelhante ocorreu no programa Tabú, que


apresentou um caso de incesto. O fato será considerado e comentado
ñas páginas subseqüentes.

1. O Episodio: Incesto

Um casal, em segundas nupcias, tinha urna filha jovem, cujo relaci-


onamento com o pai era péssimo, a ponto que ele queria ver a filha sair
de casa. O mesmo senhor tinha também um filho, nascido de sua primei-
ra esposa, ainda viva; o rapaz era trabalhador e correto; fora abandona
do, quando enanca, pelo próprio pai e residía em cidade distante.

224
"VOCÉ DECIDE": INCESTO? 33

Eis que o pai sofreu um derrame cerebral e fo¡ internado num Cen
tro de Terapia Intensiva, posto entre a vida e a morte. A segunda esposa
resolveu entáo telefonar ao rapaz, propondo-lhe que viesse ver o pai. -O
jovem aceitou o convite e se hospedou na casa do pai e de sua "madras
ta". Originou-se entáo urna forte amizade entre o jovem e a filha do casal,
irmá do rapaz por parte de pai. Tal "simpatía" transformou-se em namoro,
e suscitou o impasse...

Ao público foram colocadas entáo tres perguntas:

1) Deve o rapaz abandonar a casa de familia e voltar para a cidade


em que morava?

2) Deve o jovem par desistir da absurda idéia de namoro e restrin-


gir-se á amizade entre irmáos?
3) Devem os dois superar todos os preconceitos de ordem moral e
legal e mudar-se para outra cidade, onde possam tranquilamente viver
juntos como esposo e esposa?

O resultado da votacáo foi o seguinte: item 1:15.000 votos; item 2:


35.000 votos; item 3: 79.000 votos.

Os números surpreenderam os próprios produtores do programa,


como noticia o JORNAL DO BRASIL, ed. de 29/01/98, cad. B, p. 6:

SURPRESA NO FINAL

"Foi urna surpresa para a diregáo do Vocé decide o final escolhido


pelo público para o episodio Tabú, apresentado terga-feira. Por urna mar-
gem de vantagem considerável, os espectadores optaram pelo desfecho
que unta o casal, apesar de todo mundo (inclusive os personagens) sa
ber que os dois eram irmáos. Á medida que o placar ia se definindo, a
diregáo do programa até tentou ajudaruma virada, mudando, áspressas,
o texto do apresentador Celso Freitas que ao longo do caminho foi con
denando a conduta da personagem Christiane Fernandes. Em váo. Sábe
se que o maior temor da diregáo do programa era com a reagáo da Igreja,
preocupada com a aprovagáo pelo público de urna transgressáo desse
porte".

Os fatos sugerem reflexóes...

2. Refletindo...

A grande maioria dos telespectadores se pronunciou em favor do


incesto, que é a uniáo entre consanguíneos muito próximos. Era, sim,
incestuosa a uniáo do rapaz (filho do primeiro matrimonio) e da jovem
(filha do segundo matrimonio), pois eram irmáos por parte de pai.

225
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

Ora o incesto é inaceitável tanto no plano da Moral como no do


Direito; nem mesmo a alegacáo de que ele e ela nao haviam sido educa
dos como irmáos justificava tal uniáo; eram consanguíneos próximos.

Para fundamentar tal recusa, nao é necessário recorrer á fé. O in


cesto é contrario á lei natural, lei que o Criador incutiu á natureza de todo
ser humano. A repulsa da natureza se manifesta no fato de que o incesto
dá lugar a prole deficiente, sobre a qual se acumulam taras hereditarias.
A nocáo de incesto existe em todas as sociedades conhecidas, a tal pon
to que o antropólogo Claude Lévi-Strauss afirma que a proibicáo do in
cesto constituí o fundamento de todas as formas de organizacáo social.

Pergunta-se entáo: por que o público optou táo machamente em


favor do incesto? - Só se pode compreender isto pelo fato de que os
telespectadores deixaram sentimentos e emocóes falar ácima da razáo.
O ambiente sentimental e emotivo em que o público é interpelado pela
televisáo, faz que nao tenha tempo ou condicóes para raciocinar devida-
mente; som e imagens impressionam, quase abafando o bom senso.
Pode-se crer que o mesmo público, interpelado fríamente a respeito do
incesto num plano meramente teórico e abstrato, repeliria a uniáo inces
tuosa. De resto, é importante observar que nao se resolvem questoes de
Ética fundamental mediante plebiscitos ou pelo voto da maioria, princi
palmente quando se trata de maioria sentimentalmente impressionada.

3. E os Filhos de Adáo e Eva?

Diz a Biblia que Adáo e Eva tiveram dois filhos: Caím e Abel. O
primeiro matou o segundo; donde surge a pergunta: com quem se casou
Caím? - Já houve quem respondesse que se casou com urna jovem
proveniente de outro planeta, o que é totalmente preconcebido e infun
dado.

Urna leitura superficial do texto bíblico fornece a resposta ¡media


ta. Com efeito; em Gn 5,4 está dito que Adáo e Eva tiveram muitos filhos
e filhas, de modo que Caím tinha com quem se casar, ainda que fosse
com urna irmá sua. Eis o teor do texto sagrado:

"Quando Adáo compfetou cento e trínta anos, gerou um filho á sua


semelhanga, como sua imagem, e Ihe deu o nome de Sete. O tempo que
viveu Adáo depois do nascimento de Sete, foi de oitocentos anos, e ge
rou filhos e filhas" (Gn 5,3s).

Todavía, se Caím se casou com urna irmá sua (com a autorizacáo


do próprio Deus), como se pode condenar o incesto?
Respondemos: na hipótese de Caím ter-se casado com urna irmá
sua, nao houve violacáo da natureza nem pecado, pois na primeira gera-

226
"VOCÉ DECIDE": INCESTO? _35

cao humana nao havia doencas hereditarias a transmitir ou nao havia o


perigo de acumulo de taras. Também nao havia muitas familias a se
congracarem, como manda a lei natural. Em conseqüéncia nao terá sido
tal uniáo contraria á lei natural. O mesmo nao se dá em nossos días,
quando existem taras hereditarias e se verifica a necessidade de congra-
camento entre as familias, ao contrario do que ocorre em tribos de povos
que váo declinando por causa de seu sistema de matrimonios endógenos.
Aproveitamos, porém, a ocasiáo para chamar a atencáo para a
exegese mais recente do episodio de Caím e Abel; segundo a moderna
interpretado do relato, nao se poderia falar de casamento entre irmáos
na primeira geracáo da humanidade. É o que apresentamos sob o título
seguinte:

4. Caím e Abel: como entender Gn 4,1-16?

Quem observa este episodio, verifica que supoe um estado adian-


tado da cultura humana, ou seja, o período neolítico: os homens já do-
mesticavam os animáis, de modo que Abel é pastor, e já cultivavam in
dustriosamente a térra, de modo que Caím é agricultor (4,2); Caím funda
urna cidade (4,17), tem medo de se encontrar com outros homens (4,14),
sabe que haverá um clá pronto para defendé-lo... Diante destes tragos
literarios, os autores propoem duas maneiras de entender o episodio:
1) Fato histórico antigo descrito com roupagem da época pos
terior. O autor sagrado estaría relatando um fratricidio realmente ocorri
do nos inicios da pré-história bíblica, mas teria usado linguagem da épo
ca neolítica para tornar-se mais compreendido pelos leitores: os atores
da cena teráo sido apresentados como se fossem homens contemporá
neos do escritor sagrado. Esta ¡nterpretacáo é aceitável, mas nao parece
ser a melhor. É preferível a seguinte:
2) Fato meta-histórico ou trans-histórico1. Observemos que hou-
ve urna tribo dos quenitas ou quineus ou cineus na época de Moisés
(séc. XIII a.C); tinham por patriarca fundador um certo Caím. Leíamos,
por exemplo Nm 24,21: "Balaao viu os quenitas e pronunciou o seu poe
ma. Disse: 'A tua morada está segura, Caím, e o teu ninho firme sobre o
rochedo'"; os quenitas eram nómades (1Cr 2,55); tinham relacoes estrei-
tas com Madiá (Nm 10,29; Jz 1,16); ver também 1Sm 15,4-6; Jz 4,11.17;
5,24. Ora pode-se crer que esse patriarca Caím tenha sido um fratricida
famoso; o crime de Caím ocorrido nos tempos de Moisés ou pouco antes
terá sido tomado como um fato típico da maldade humana. Por isto o
1 Meta-histórico ou trans-histórico é o fato histórico que nao pertence a um deter
minado período da historia apenas, mas se reproduz em diversas fases da historia.
Este conceito se esclarecerá no decorrer da nossa explicagéo.

227
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

autor sagrado haverá colocado esse fato logo no inicio da pré-história


bíblica, querendo assim significar, de maneira muito concreta, que, quando
o homem diz Nao a Deus, passa a dizer Nao também ao seu irmao; a
fidelidade a Deus e a fidelidade ao próximo sao inseparáveis urna da
outra; por isto também o Senhor Jesús quis resumir toda a Lei em dois
preceitos: o do amor a Deus e o do amor ao próximo (cf. Mt 22,40).
Neste caso nao se pode dizer que Caím e Abel foram filhos diretos
dos primeiros pais. Nem era a intencáo do autor sagrado dlzé-lo. Nos
onze primeiros capítulos do Génesis, a Biblia propóe fatos históricos,
sim, dispostos, porém, de maneira a nos fazer compreender o porqué da
vocacáo de Abraáo; ela quer mostrar que o primeiro Nao dito a Deus
desencadeou urna serie de outras negacóes, das quais a primeira é o
Nao dito ao homem. Segundo tal interpretacáo, o fratricidio cometido por
Caím contra seu irmáo Abel é fato histórico, mas um fato que nao ocor-
reu apenas urna vez no século XIII a.C; ocorre em todas as épocas, a
partir da primeira fase da historia da humanidade; até hoje há muitos
Cains que matam seus irmáos, como houve também um no inicio da
historia sagrada.

Quem aceita tal interpretacáo, já nao formula a pergunta táo fre-


qüentemente colocada por leitores da Biblia: com quem se casou Caím,
se Adáo e Eva só tiveram dois filhos e Caím matou Abel? Se o episodio
de Caím e Abel é datado do século XIII a.C, vé-se que nao há por que
formular a questáo; a populacáo humana já se alastrara sobre a térra.

5. E a Longevidade dos Patriarcas em Gn 5,1-32?

O autor sagrado quis propor a linhagem dos bons; estes tém nú


meros, isto é, gozam de ordem e harmonía e estáo inscritos no "livro da
vida". Diz o livro da Sabedoria que "o Senhor tudo dispoe conforme nú
mero, peso e medida" (Sb 11,20). Nao se atribuí aos descendentes de
Adáo e Sete nenhuma obra civilizatória, pois tais obras estavam associ-
adas, na mente do autor, aos imperios pagaos da vizinhanca de Israel.
A grande longevidade assinalada a cada patriarca nao quer dizer
que, na verdade, viviam séculos; mesmo que entendamos os 930 anos
de Adáo, os 912 de Sete... como anos lunares (um pouco mais breves do
que o ano solar), nao estaremos atinando com a mensagem do autor
sagrado. Para os antigos, a longevidade era sinal de venerabilidade e
respeitabilidade; por conseguinte, quando atribuiam a alguém longa du-
racáo de vida, queriam apenas dizer que tal pessoa era merecedora de
toda estima e consideracáo. Este modo de falar está documentado, por
exemplo, na tabela dos reis pré-diluvianos que o sacerdote Berosso, da
Babilonia, nos deixou:

228
"VOCÉ DECIDE": INCESTO? 37

Aloro reinou 36.000 anos; Alaparo 10.800; Almelon 46.800 anos;


Amenon 43.200 anos; Amegalaro 64.800 anos; Amenfsino 36.000 anos;
Otiartes 28.800 anos; Daono 36.000 anos; Edoranco 64.800 anos; Xisutro
64.800 anos.

Temos nesta lista dez nomes de reis de elevada longevidade. Tam-


bém no Egito se encontrou a lista de dez reis que governaram o povo nos
seus primordios; os persas conheciam seus dez Patriarcas; os hindus
enumeravam nove descendentes de Brama, com os quais Brama com-
pletava urna serie de dez geracóes pré-diluvianas.

É á luz destes documentos que se deve entender Gn 5,1-32. Os


dez nomes significam os homens que transmitiram a fé e a fidelidade aos
seus descendentes; visto que a vida é o bem fundamental, urna longa
vida, para os antigos hebreus, era símbolo de béncáo divina e
honrabilidade; a indicacáo de que cada Patriarca viveu elevado número
de anos após gerar o seu sucessor na lista, significa que esses pais do
género humano tiveram a possibilidade de manter pura na sua familia a
revelacáo primitiva; donde se concluía que a religiáo que por tal via che-
gara a Israel, era a religiáo verdadeira, conservada através de urna serie
de geracóes providencialmente favorecidas por Deus.

Em síntese, nao se deverá crer que os Patriarcas bíblicos viveram


séculos. Ao contrario, sabe-se hoje com certeza que a duracao da vida
humana na pré-história era muito breve: oscilava entre os 20 e 40 anos,
os homens nao gozavam dos beneficios da medicina e da cirurgia para
debelar seus males.

(continuagáo da pág. 234)

Os sirios monofisitas aceitam até hoje os deuterocanónicos. Te-


nham-se em vista os testemunhos de Jaco de Edessa (t 708), que reco-
nhecia Br, Est, Jt, Eclo, e Gregorio Bar-hebreu (t 1286), que comentou
Dn 3 e 13, Sb, Eclo, e citou Br e Me.

Os nestorianos, representados por Ebed Jesu (t 1318), tém em


seu catálogo a maioria dos deuterocanónicos.

Os etíopes monofisitas reconhecem os deuterocanónicos e acres-


centam-lhes alguns livros que os católicos tém como apócrifos, quais
sao o 49 de Esdras, o 39 dos Macabeus, o livro de Henoque. O mesmo se
diga dos coptas e dos armenios monofisitas.
Estes dados evidenciam que nao se pode, sem mais, dizer que os
cristáos orientáis nao aceitam os livros deuterocanónicos.

229
No sáculo II d.C:

PLINIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR

Em síntese: O artigo apresenta trechos de correspondencia entre


Plínio o Jovem, procónsul da Bitínia e do Ponto (Asia Menor ou Turquía
de hoje) e o Imperador Romano Trajano (98-117). Revelam a perplexida-
de de Plínio o Jovem, que se vé obrigado a perseguir os crístáos, cujo
teor de vida era irrepreensível, mas cuja existencia era ilícita por nao
adorarem os deuses de Roma. Importante é a passagem em que Plínio
refere como os crístáos se reuniam de madrugada para cantar um hiño a
Cristo Deus (terminando a Eucaristía após longa vigilia noturna, como se
pode crer) e voltavam a se encontrarpara celebrara ceia fraterna (ágape)
a tarde. Já entáo (112) a Eucaristía e o ágape eram eventos distintos, a
diferenga do que dá a entender a 1Cor 11,17-22 no ano de 56.

A historia da Igreja nao é suficientemente conhecida. Quem a estu-


da, por pouco que seja, descobre ai quadros de grande beleza, que abrem
horizontes assaz interessantes.

Atendendo, pois, á necessidade de difundir facetas da historia,


seráo, a seguir, publicados trechos de duas cartas importantes: urna, de
Plínio o Jovem, procónsul da Bitínia e do Ponto (Asia Menor ou Turquia
de hoje) ao Imperador Trajano, datada de 112 aproximadamente, e outra
do Imperador Trajano a Plínio o Jovem.

1. A Carta de Plínio o Jovem

Desde 64 o nome de cristáo era banido ou ilícito no Imperio Ro


mano. Com efeito; o Imperador Ñero (54-68), querendo ver-se livre da
suspeita de haver provocado o recente incendio de Roma em julho de
64, ofereceu ao povo da cidade o espetáculo de cristáos lancados as
feras ou feitos tochas vivas, sob a acusacáo de que "odiavam o género
humano" e se entregavam a urna "supersticáo deletéria" (exitialis
superstitio). Tal acusacáo se baseava no fato de que os discípulos de
Cristo nao adoravam os deuses de Roma e assim podiam atrair as iras
da Divindade sobre o Imperio. De 64 em diante, o nome de cristáo ficou
sendo ilícito.

O Imperador Domiciano (81-96) tornou especialmente violenta a


perseguicáo, como supóe o livro do Apocalipse escrito por Sao Joáo exi
lado na ilha de Patmos.

230
PLÍNIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR 39

Sob Trajano (98-117), homem de rígida tempera militar, nova onda


persecutoria teve seu surto; foram proibidas todas as sociedades nao
legitimadas pela autoridade imperial. Na Asia Menor Plínio o Jovem dis-
pós-se a executar as ordens do monarca; condenou numerosos cristaos
ao martirio e tentou levar outros á renegacáo da fé. Achava-se, porém,
inseguro, pois Ihe doía ter que maltratar gente cujo tipo de vida era ¡no
cente no foro policial; ademáis impressionava-se com a expansáo dessa
"supersticáo extravagante e absurda". Resolveu entao escrever ao Impe
rador para pedir-lhe instrucóes relativas ao melhor modo de proceder no
caso. - Eis o trecho da carta que ¡nteressa:

"AO IMPERADOR TRAJANO

É urna norma invariável, Senhor, a que tenho de referir-vos todos


os assuntos a respeito dos quais me sinto em dúvida; pois quem estará
mais bem capacitado a dissiparos meus escrúpulos ou esclarecer minha
ignorancia? Nao tendo estado jamáis presente a umjulgamento de quem
professasse o Cristianismo, desconhego tanto a natureza dos seus cri-
mes e o rigor de suas punigóes, como a medida em que devo avangar no
inquérito a eles concernente. Se, por isso, cumpre fazer alguma diferen-
ga usualmente com respeito a idades, ou se nao se deve observar ne-
nhuma distingáo entre o jovem e o adulto; se o arrependimento o qualifi-
ca para o perdáo ou se, tendo urna vez sido cristáo, um homem nada
lucra em abjurar do seu erro; se é a própria profissáo de fé crista,
desacompanhada de qualquer ato criminoso, ou apenas os crimes ine-
rentes a tal profissáo que sáopuniveis - em todos estes pontos sinto-me
completamente em dúvida.

Entrementes, o método que tenho observado relativamente aque


les que tém sido trazidos perante mim sob acusagáo de cristaos, é o
seguinte: pergunto-lhes se sao cristaos; se admitem sé-lo, repito a per-
gunta duas vezes, e ameago-os de punigáo; se persistem, ordeno que
sejam ¡mediatamente punidos, porquanto estou persuadido, qualquer que
seja a natureza de suas opinióes, de que urna obstinagáo inflexível e
contumaz é certamente merecedora de corregáo. Outros houve que, pos-
suidos de igual sandice, foram também trazidos á minha presenga; como,
porém, se tratava de cidadáos romanos, ordenei que fossem mandados
para Roma.

Mas esse crime se espalhou (como costUma ocorrer, via de regra)


enquanto estava em curso o processo e varios outros casos da mesma
natureza se verificaram. Urna informagao anónima foi-me trazida, acu
sando varias pessoas; estas, interrogadas, negaram ser cristas ou ja
máis o terem sido. Repetiram comigo urna invocagáo aos deuses e fize-
ram oferendas rítuais com vinho e incensó diante de vossa estatua (que

231
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

para tal propósito ordenei fosse trazida, juntamente com as dos deuses),
chegando mesmo a vituperar o nome de Cristo. Ao que dizem, os que
sao realmente cristáos nao fazem semelhante transigencia, nem á forga.
Estimei, portanto, serjusto considerá-los inocentes de culpa. Alguns, entre
os acusados por urna testemunha em pessoa, confessaram, a principio,
serem cristáos, mas ¡mediatamente depois o negaram; os demais reco-
nheceram que, na verdade, haviam pertencido áquele número outrora,
mas depois (uns há tres, outros há mais, e uns poucos cerca de vinte
anos atrás) renunciaram a esse erro. Todos adoraram vossa estatua e as
imagens dos deuses, pronunciando imprecagdes, ao mesmo tempo, con
tra o nome de Cristo.

Sustentaram que toda a sua culpa ou erro era a de se terem


reunido certos dias, antes do amanhecer para dirigir preces a Cristo
como a urna divindade, comprometendo-se, mediante juramento
solene, sem qualquer intuito malévolo, a nunca cometerem fraude,
roubo ou adulterio; a nunca faltarem á palavra ou renegarem um
compromisso que houvessem assumido. Feito o juramento, era cos-
tume deles separarem-se, para se reunirem mais tarde com o fito de
comerem juntos refeicáo inofensiva. Renunciaram, contudo, a tal
costume depois da publicacáo do meu edito, pelo qual, de acordó
com vossas ordens, eu proibia toda e qualquer reuniao.

Depois de ouvir estas explicagóes, julguei aínda mais necessário


procurar obter a inteira verdade, e submeti á tortura duas escravas, que
diziam ser oficiantes nos seus ritos religiosos: tudo quanto logrei desco-
brír, porém, foique entretinham urna superstigáo extravagante e absurda.
Reputei mais avisado, por isso, adiar quaisquer outras providencias até
vos consultar. Parece tratarse de um assunto que vos deve merecer toda
a atengáo, tanto mais que grande número de pessoas deve estar envolvi
do no perigo dessas perseguigóes, que já comprometeram, e continua-
ráo possíveimente a comprometer, pessoas de todas as categorías e ida-
des e, inclusive, de ambos os sexos.

Essa superstigáo contagiosa, na realidade, nao se confina as cida-


des apenas, mas infecta os vilarejos vizinhos e os campos. Nao obstante,
talvez seja possível conter-lhe o progresso. Os templos, pelo menos, que
havia pouco estavam quase totalmente desertos, comegaram agora a ser
freqüentados, e os ritos sagrados, depois de urna longa pausa, sao de
novo revividos, ao mesmo tempo em que se verifica urna procura geral de
vítimas, que tempos atrás encontravam pouquíssimos compradores. De
tudo isso é fácil deduzir que grande número de pessoas poderia regene
rarse se um perdáo geral fosse concedido a todos aqueles que se arre-
pendessem do seu erro".

232
PLÍNIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR 42

Como se vé, Plínio o Jovem se defrontava com quatro tipos de


acusados:

a) auténticos cristáos dispostos a professar a fé até o martirio;

b) auténticos cristáos, que gozavam dos privilegios de cidadáos


romanos e, por isto, nao podiam ser condenados por Plínio, mas deviam
ser enviados a Roma (como Sao Paulo);

c) cristáos que parecem ter renegado a fé;

d) falsos réus que nada tinham de cristáo.

Muito importante é a seccáo em que o procónsul refere como os


cristáos se reuniam de madrugada para cantar um hiño a Cristo Deus
(provavelmente terminando com a Eucaristía urna longa vigilia noturna
de leituras e oracóes) e voltavam a se encontrar no fim do dia para cele-
brarem o ágape ou a ceia fraterna. Isto evidencia que em 112 a Eucaristía
e o ágape já constituiam dois eventos distintos, coisa que aínda nao apa
rece em 56 na 1Cor 11,17-22, trecho em que o Apostólo registra desor-
dens e abusos na celebracáo conjunta de Eucaristía e ágape.

Veja-se agora a resposta de Trajano.

2. A Carta de Trajano Imperador

Trajano mantém o decreto de perseguigáo. Parece, porém, com-


preender o problema do procónsul. Daí as medidas restritivas a perse
guigáo:

- nao se procurassem os cristáos para os perseguir;

- urna vez apresentados á autoridade, fossem incitados a apostatar;


caso nao o quisessem, fossem punidos (conquirendi non sunt; si
deferantur et arguantur, puniendi sunt);

- quem apostatasse, seria posto em liberdade;

- ficava proibido aceitar denuncias anónimas.

Eís o trecho da carta de Trajano que vem ao caso:

TRAJANO A PLÍNIO
Agiste corretamente, meu muiprezado Secundus, em investigaras
acusagóes contra os cristáos que foram trazidos á tua presenga. Nao é
possívei estabelecer urna regra geralpara todos os casos que tais. Nao
te desvies da tua rota para persegui-los. Se, contudo, forem trazidos a ti
e o crime deles ficar provado, é mister puni-los, com a restrigáo, porém,
de que, sempre que o réu negué ser cristáo e prove nao o ser invocando
nossos deuses, deve ser (malgrado qualquer suspeita anterior) perdoa-

233
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

do mercé do seu arrependimento. Informagóes anónimas nao devem ser


acolhidas em nenhuma especie de processo de acusacao. Isso seria abrir
um precedente assaz perigoso, totalmente estranho ao espirito de nossa
época ".

Interessa nesse carteio salientar as hesitares dos magistrados


pagaos frente aos cristaos. Estes obedeciam as leis do Imperio, como
registravam os apologistas dafé (ver em particular a Epístola a Diogneto),
mas nao se dobravam diante dos deuses de Roma. O bom senso das
autoridades romanas parecía inseguro diante de tal tipo de cidadaos.
Nao obstante, a religiáo crista continuou ilícita até 313 (edito de
Constantino ou Paz de Miláo), sendo que, a partir de 250, o furor perse
guidor recrudesceu. Isto, porém, nao impediu que "o sangue dos cristaos
fosse sempre sementé de novos cristaos" (Tertuliano).

O CANON DOS CRISTAOS ORIENTÁIS SEPARADOS

Á p. 194 deste fascículo foi publicada urna noticia da revista VINDE


segundo a qual os ortodoxos orientáis nao aceitam no catálogo bíblico os
livros deuterocanónicos. - Tal noticia exige retificacoes.

Os orientáis gregos ortodoxos, a partir do Concilio de Trulos (692),


reconheceram os deuterocanónicos como partes integrantes da Biblia. O
próprio Patriarca Fócio (t 891), autor de cisma prolongado, os aceitava.
Da mesma forma os canonistas gregos J. Zonaras e Th. Balsanon, do
século XII. Nunca houve litigio entre latinos e gregos a respeito do canon
bíblico. No século XVII, porém, sob o influxo do protestantismo, o Patriar
ca de Constantinopla Cirilo Lucaris (t 1638) rejeitou os deuterocanónicos.
Tal posicáo foi, pouco depois, contestada pelo Sínodo de Constantinopla
celebrado em 1638 sob Cirilo Contaris, sucessor de Lucaris, como pelo
Sínodo de Jerusalém em 1672 sob o Patriarca Dositeu; a sentenca de
Cirilo Lucaris foi veementemente condenada. Acontece, porém, que em
nossos días, aínda sob influxo protestante, muitos teólogos gregos ne-
gam a canonicidade dos sete livros em foco.

Algo de semelhante acontece com os russos ortodoxos, que até


o século XVII adotaram o canon ampio. Mas sob a orientacáo de Teofanes
Prokopowitcz (1682-1725), o canon protestante foi sendo mais e mais
aceito, a tal ponto que hoje muitos teólogos russos nao reconhecem os
deuterocanónicos.

Quanto aos orientáis separados heréticos, deve-se notar o se-


guinte:

(Continua na pág. 229)

234
Procurando ver o Invisível:

DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS

Em síntese: Seguem-se duas parábolas nao bíblicas, das quais a


primeira tem por objetivo ilustraras relagóes de Deus com a sua criatura
humana - relagóes de poder, maestría, mas também carinho e benevo
lencia... A outra estória ilustra os males que o desánimo possa causar ao
cristáo; é a melhor ferramenta do demonio.
* * *

O vocábulo pará-bola vem do grego pará-bolé e significa algo lan-


cado (bolé) ao lado (para). Em literatura, a parábola é urna historia ficti
cia que, de maneira concreta, pretende ilustraros valores invisíveis, como
que dando a ver o Invisível.
Existem numerosas parábolas na Biblia, mas existem outrossim
parábolas náo-bíblicas, que contribuem para por em evidencia verdades
transcendentais. As páginas seguintes apresentaráo duas estórias de tal
tipo com alguns comentarios que aprofundem o seu sentido.

I. DISPONÍVEL COMO ARGILA

"O Senhor Deus plasmou o homem com o pó da térra" (Gn 2, 7)

Eu, naquele entardecer da criacáo, senti passos no jardim. Era ele,


O Senhor da criacáo. Acontece que, nesse entardecer, ele parou, incli-
nou-se, com um olhar carregado de amor. E, de repente, recolheu-me no
chao, a mim, pobre e pequeño punhado de térra, e ficou a me olhar pen
sativo... Remexeu-me longamente... longamente... com todo carinho!

E entáo comecou a me amassar: primeiro, retirou de mim urna por-


páo de impurezas que o atrapalhavam: pedrinhas, pedacinhos de pau,
ciscos. E eu fui ficando térra pura, do seu gosto. Fez ainda outras opera-
cóes, que eu nao compreendia nem poderia compreender:

"Pode por acaso um vaso dizer ao oleiro: eu entendo disso mais do


que vocé?" (Is 29, 16)

Eu nada perguntei. Oferecia simplesmente o meu ser em disponi-


bilidade de amor. Deixava-me trabalhar. Deixava que ele me fizesse.
Porque eu sabia que era obra sua e que ele transformava com amor.

De fato, fui tomando forma. Urna forma á maneira dele, á sua ima-

235
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

gem! Para que haveria eu de servir no futuro? Eu nao o sabia. "Como


argila ñas máos de um oieiro, assim estava eu em suas máos" (Jr 18,6).
E eu fui-me tornando obra de Deus. "E ele aplicava seu coracáo em aper-
feicoar-me, pondo cuidado vigilante em tornar-me belo e perfeito" (Eclo
38, 31). Depois, veio urna etapa difícil. Porque um torno superaquecido
veio dar ao barro torga e consistencia. É o calor que leva a bom termo a
obra de suas máos, o Senhor Criador. A cada vaso muito querido, ele dá
contornos de eternidade. Entáo comecei a olhar em torno de mim. E des-
cobri outros vasos que suas máos habéis e cheias de amor haviam amas-
sado e modelado artísticamente. Sem se cansar, dava ele mais outra
máo aqueles que nao haviam saído bem. Cada um tinha sua forma e sua
cor, sem dúvida, conforme á sua destinacáo no mundo. Mas, do mais
humilde ao mais rico, todos eram lindos, todos bem feitos. Ele nos tinha
feito como ele bem quería...

"Pode, por ventura, um vaso perguntar ao oieiro: por que me fizes-


te assim? Nao tem o oieiro poder sobre o barro para fazer da mesma
argila um vaso de uso nobre e outro de uso vulgar?" (Rm 9, 20-21).

Ó Oleíro Divino, Criador e Pai, permite que se cumpra em mim a


obra que comecaste. Seja meu projeto o teu projeto sobre mim!

Comentando...

Sejam propostos quatro comentarios a respeito de tal estória:

1. O Homem feito do Barro

A Biblia diz que Deus fez o homem a partir do barro. Ora, como se
deduz do estudo das literaturas antigás (cf. PR 419/1997, pp. 181-187), a
imagem do oieiro nao pode ser tomada ao pé da letra; vem a ser urna
expressáo dos povos primitivos, que significava

assim como o oieiro está para o barro

assim Deus está para o homem.

E como é que o oieiro está para o barro?

- Está ele para o barro como artesáo cheio de carinho, sabedoria,


dominio, maestría, providencia... É segundo tais predicados que Deus se
relaciona com o homem, quer o texto bíblico dizer, sem tencionar entrar
em questóes de antropología moderna. A mensagem bíblica é filosófico-
religiosa; quer ensínar como se vai para o céu, e nao como vai o céu.

Ora a parábola explora essa atitude carinhosa e sabia de Deus


para com as suas criaturas. O Senhor fez cada qual délas á sua imagem
e semelhanca, nao porque Deus tenha corpo, mas porque Ele é espirito

236
DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS 45

e deu ao ser humano urna alma espiritual, dotada de inteligencia e vonta-


de. Pela sua inteligencia e a sua vontade o homem é capaz de continuar
a obra de Deus, arrumando e embelezando este mundo.

2. O Misterio da Sabedoria

Muito delicadamente a parábola poe em relevo também o misterio


da Sabedoria do Criador: pode, por ventura, um vaso perguntar ao seu
oleiro: por que me fizeste assim e nao de outro modo?
Por vezes a criatura humana tende a reclamar de Deus, criticando
o plano divino, como se soubesse melhor do que Deus o que Ele deveria
fazer e nao fazer... Ora tal atitude é desarrazoada, pois Deus, por defini-
cáo, é a Suma Perfeicáo e a Suprema Sabedoria; Ele nao se pode enga
ñar. Se o pudesse, nao seria Deus; seria preciso imaginar um outro Deus,
verdadeiramente Deus, infalível e santo.

Á criatura convém adorar os designios de Deus e aceitá-ios de


coracáo generoso, pois tudo é graca, embora nem sempre o homem o
compreenda. O bom cristáo entrega-se totalmente ao Senhor, como um
filho se entrega ao Pai em um gesto de absoluta confianca.

3. A Funcáo do Fogo

A parábola fala precisamente do fogo, que leva a bom termo a obra


do oleiro. Tal fogo, no caso, é a imagem das provacóes que o Senhor
Deus permite acontecam aos seus fiéis para acrisolar as virtudes, forta
lecer a fé e o amor. Oxalá saiba o cristáo reconhecer as visitas de Deus
como algo de benéfico e proveitoso para a sua vida espiritual!

4. "Aqueles que nao haviam saído bem..."

Merecem especial atencáo as palavras: "Sem se cansar, dava ele


mais outra máo aqueles que nao haviam saído bem". - Isto quer dizer
muito claramente que o Senhor Deus nao abandona os fracos, mas, ao
contrario, sempre procura ajudá-los a crescer. Contemos com a graca de
Deus e nunca desanimemos. A propósito outra parábola vem ilustrar esta
observacáo relativa ao desánimo. Ei-la:

II. A MELHOR FERRAMENTA DO DIABO

Vocé nao se senté desanimado hoje? Lá no fundo do seu coracáo,


vocé nao tem vontade de jogar tudo pelos ares, que tudo se dañe, e
dizer: "Chega, eu nao agüento mais?"

Talvez vocé tenha sido traído, humilhado, abandonado quando mais


precisava da presenca de um amigo, talvez caluniado, mal compreendi-
do, criticado, e talvez esteja táo desiludido com as pessoas, que vocé

237
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

senté que está perdendo a coragem de continuar a lutar como cristáo


para santificar a sua vida e o que está á sua volta, perdendo a garra que
vocé tinha no comeco. Até a sua fé parece abatida e entáo, em alguns
momentos, vocé chega a pensar que nao adianta mais rezar porque a
oracáo nao vai resolver o seu problema...

Vocé está pensando em desistir?

Caro irmao e irmá, se vocé se senté assim, o diagnóstico para o


seu caso é: vocé está invadido, inundado de um profundo desánimo e
Satanás está dando pulos de alegría por causa disto. Afinal ele conse-
guiu atingir vocé, derrubar vocé, utilizando a sua melhor ferramenta. Ouca
esta historia:

Foi anunciado que o diabo deixaria seus trabalhos e ofereceria suas


ferramentas para qualquer um que desejasse pagar o preco.

No dia da venda, elas foram expostas de maneira atraente: mali


cia, odio, maus desejos, inveja, ciúme, sensualidade, fraude... Todos os
instrumentos do mal estavam lá, cada um marcado com o seu preco.

Separada do resto, encontrava-se urna ferramenta de aparéncia


inofensiva, que, apesar de estar usada, tinha prego superior ao de todas
as outras.

Alguém perguntou ao diabo o que era.

"É o Desánimo", respondeu ele.


"Nossa! Mas por que está tao cara?"

"Porque", respondeu o diabo, "ela me é mais útil do que todas as


outras ferramentas. Com ela, eu sei entrar em qualquer homem, e, urna
vez no interior dele, eu posso manobrá-lo da maneira que melhor me
convém. Esta ferramenta é usada, porque eu a utilizo com quase todo
mundo e pouquíssimas pessoas sabem que ela me pertence".

É supérfluo acrescentar que o preco afixado pelo diabo para o De


sánimo era táo alto que a ferramenta nunca foi vendida.

Agora vocé já sabe qual é a melhor ferramenta de Satanás para


destruir vocé... Coragem, levante-se, corra depressa, busque ánimo novo
e a forca do Espirito Santo junto a Jesús. Nao permita que, com o desá
nimo, o inimigo destrua o Plano de Amor que Deus tem para vocé.

Nao deixe que o desánimo Ihe abaixe os bracos e Ihe faca pensar
que nao vale a pena ser do time de Jesús! Nao permita que o desánimo
tome conta do seu coracáo e assim Satanás o manobre de maneira que
convém a ele. Quebré a sua ferramenta, chamando o sangue de Jesús

238
DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS 47

sobre o seu desánimo e sobre vocé. Diga:

"Jesús, eu te dou agora todo o desánimo e abatimento que me


invade hoje. Liberta-me deles com o poder do Teu sangue. Toca no mais
íntimo do meu ser e renova em mim o entusiasmo, o espirito de firmeza e
a alegría da salvacáo. Espirito Santo, dirige-me e recoloca os meus olhos
sobre Jesús em vez de colocá-los sobre as pessoas e situacoes e infun
de em mim ánimo novo, confianca e coragem dos verdadeiros soldados
de Cristo!"

E diante de cada situacáo desanimadora da sua vida aplique a


palavra que Ihe foi dada em Filipenses 4,4-7. Em vez de murmurar, de
se queixar, desanimar, reivindique de Jesús que a promessa ali dada a
vocé se concretize. E confie no Senhor! Porque Ele diz hoje a vocé:
"Meu justo vivera da fé; porém, se ele desfalecer, meu coragáojá
nao se agradará dele!" (Hb 10,38)

Respondamos entao, com coragem agora a Jesús:

"Nao, nao somos absolutamente daqueles que perdem o ánimo para


a nossa ruina; somos daqueles que mantém a fé para a nossa salvagáo!"
(Hb 10,39).

Viva vocé, Jesús, meu único Salvador!

Suzel Frem Bourgerie

Comentando...

O desánimo é realmente desastroso, pois consiste em fazer que a


pessoa nao saiba por que há de lutar, porque que há de fazer algo... Ela
perde o sentido da vida, que, segundo Viktor Frankl, é a grande mola
propulsora da dinámica de alguém. Quem se acha desanimado, está
desesperado, ou seja, perdeu a última fibra, aquela que só morre depois
que todas as outras morreram (bem se diz que "a esperanca é a última
coisa que morre"). Sem esperanca ou sem razáo para viver e lutar, é
muito difícil ao ser humano viver com dignidade; encontra-se, antes, a
caminho do suicidio.

Eis por que o cristao nao desanima; ele tem em seu favor a vitória
de Cristo, com a qual ele comunga pelo Batismo e a Eucaristia; ele pode
sofrer, mas sabe que a última palavra da historia será a da Verdade, a do
Amor, a da Vida... O importante é jamáis afastar-se de Cristo, jamáis O
trair.. Muitos infelizmente, na hora da tribulacáo, abandonam a Deus, jul-
gando falsamente que Ele os esqueceu - o que só contribuí para agravar
a situacáo.

239
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

O desánimo pode tomar a modalidade da acédia ou acidia. Esta é


a falta de gosto pelos valores espirituais, o desánimo na luta contra os
defeitos moráis ou, mais brevemente, a lerdeza e o torpor na vida espiri
tual. A pessoa assim atetada se envolve febrilmente em afazeres terres
tres; mostra-se cansada e inconstante em seus empreendimentos, dei-
xando-se levar pelos criterios do comodismo. Pode até sentir tristeza por
ter sido chamada por Deus para seguir o Cristo e entrar na vida eterna,
visto que tal vocacáo implica desapego e luta. Esse marasmo espiritual
era freqüentemente denunciado pelos antigos monges, que o chamavam
acédia e nele viam a porta aberta para graves pecados e desastres. Com-
paravam-na ao abatimento que alguém pode experimentar debaixo do
sol do meio-dia, havendo já trabalhado a manhá inteira e devendo ainda
percorrer a outra metade do día. A acédia pode afetar também as pesso-
as de ideal que chegam presumidamente á metade da sua vida (aos
quarenta anos); o tedio da monotonía, do cansaco e o desejo de tudo
largar para recomecar como se tivessem apenas vínte anos podem dar
origem a urna crise interior (a qual, porém, é superável).

Entre as conseqüéncias da lerdeza espiritual, apontam-se: a náo-


observáncia de obrigacóes tidas como incómodas, a tagarelice, a entre
ga ao ocio vazio ou á atividade febril, o mau humor contra aqueles que
exortam á virtude, etc.

O Senhor Jesús alude a tal estado de coisas no Apocalipse:


"Conhego a tua conduta: nao és nem frío nem quente: oxalá fosses
frío ou quente! Assim, porque és momo, nem frío nem quente, estou para
te vomitar da minha boca!" (3,15s).

Todavía há sempre possibilidade de retorno ou conversáo:

"Recobra, pois, o fervor, e converte-te! Eis que estou á porta, e


bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e
cearei com ele, e ele comigo" (3, 19s).

Estéváo Bettencourt O.S.B.

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240
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CHRISTI" 1994 289 págs lDiOU.
{A coletánea que forma este voíume, representa até pela volta ^üenJ «°» ^f^
textos e as mesmas reflexóes, pensamentos ou medita5oes de um benedrtino que fioou
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ro eremita Vida de S. Maleo, escravo e monge. Vida de S. Hilario. Carta XXIII a Eustaqu.^
Traducáo- D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisao Mosteo Mana Mae de
Cristo Impressáo: Mosteiro da Santa Cruz. 1996. 148 pags R? 11,00.
A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido,
OSB. 2a edicáo revista - 1997. 215 págs R* 16>50-
A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal „„.„_.
TrldSdo do original inglésalas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitiba/PRXIMBRA
Apresentadfpeio^^ Pe'° ¡g
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao
Bento da Bahia.
A REGRA DE SAO BENTO, 3a edicáo em latim-portugués, com anotacóes por Dom Joáo
Evangelista Enout OSB. A Regra que Sao Bento escreveu no século VI continua viva em
todos os mosteiros do nosso tempo. aos quais nao faltam vocacoes para monges e
monjas. 210 págs R* 1z'bü>

^r/éiS^no^^lfA^ua. san,o AnSe,mo em Poma J^


Aventino) Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Fran?a, Portugal,
Españhtcomo também nos Estados Unidos, Brasil. Tanzania. Coréia e Filipinas por
ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs H* 11»*u<
TRATADO SOBRE A ORACÁO. Tertuliano, S. Cipriano e Orígenes. Traducáo do Revmo.
D Abade Timoteo Amoros? Anastácio. OSB. Revisáo: Mosteiro de Mana Mae do Cristo
- Caxambu. Cimbra-1996. Mosteiro da Santa Cruz. 250 pags H* ib.uu.
VIDA E MILAGRES DE S. BENTO - LIVRO SEGUNDO DOS DIÁLOGOS DE S.
GREGORIO MAGNO. Traducáo do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro ^edicjo.

TredJoa introdu5áo?°eSA tradlTcio que 'estas páginas apresentam'é.a vida de um santo


escrita por um santo. S. Gregorio, o grande Papa restaurador da discipünatedes.ast.ca apos
a invasáo dos Bárbaros, o reformador da liturgia romana, escreve a vida de S. Bento....
- A MEDALHA DE SAO BENTO. D. Próspero Guéranger O.S.B.. Abade de Solesmes. 29
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