Você está na página 1de 54

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDKpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico ■ filosófica "Pergunte_ e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
U)

SUMARIO
"O' Testemunho da Alma naturalmente Cristi!'

ui «r Por que nao sou Ateu?


■O
t- Belas Igrejas: para qué?

"A Igreja se Abre a Descasados"


D
O Recuo do Sol em2Rs 20,1-11?

"Nossa Vida tem Futuro" por R. J. Blank


w
4
"Os Mortos nos Falam" por Frangís Bruñe
S
Trigueirinho e sua Mensagem
CQ
O
ce
o.

ANO XXXIII JUNHO1992 361


PERGUNTE E RESPONDEREMOS
JUNHO 1992
Publicacao mensal
N? 361

Diretor- Responsá vel: SUMARIO


Estévao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico "O* Testemunho da Alma
naturalmente Crista!".
Oiretor-Administrador: (Tertuliano) 241
D. Hildebrando P. Martins OSB O mundo me interpela:
Por que nao sou Ateu? 242
Administrado e distribuicáo:
A Basílica de Yamoussoukro:
EdicSes Lumen Christi
Dom Gerardo. 40 - 5? andar, s/501 Belas Igrejas: Para Qué? 250
Tel.:{021) 291-7122 Comentando a Imprensa:
Caixa Postal 2666 "A Igreja se abre a Descasados".. 254
20001 - Rio de Janeiro - RJ
Falta um dia no calendario do mundo?
Recuo do Sol em 2Rs 20, 1-11?... 257
tmpress&o e Encndefna;áo
De ponta-a-ponta infeliz:
"Nossa Vida tem Futuro"
por R. J. Blank 260

"MARQUES-SARA1VA- Será Verdade?


GRÁFICOS E EDITORES S.A. "Os Mortos nos Falam"
Tsls (021X73-9498 -173-9447 por Francois Bruñe 270

Na Ordem do Dia:
Trigueirinho e sua Mensagem.... 281

NO PRÓXIMO NÚMERO:
A Descoberta da América e os Arquivos Pontificios - A "Política Secreta"
do Vaticano - O Comercio aberto aos Domingos - Dois Escritos sobre a
Confissáo Sacramental - O Depoimento de um ex-pastor Protestante -
• Testemunhas de Jeová e Transfusáo de Sangue - "Árvore da Vida" -A
"Brincadeira" do Copo- Quem é o Papa Joáo Paulo II?.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


ASSINATURA ANUAL(12 números)de P.R.:Cr$ 20.000,00- n? avulsoou atrasado: CrS 2.000,00

Pagamento (á escolha)
1. VALE POSTAL i Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edades
"Lumen Christi" Caixa Postal 2666 - 20001 - Rio de Janeiro - R J.
2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edigóes "Lumen Christi" (enderezo ácima).
3. ORDEM DE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta NS 31.304-1 em nome do
MOSTEIRO DE SAO BENTO, pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ n« 0435-9. (Enviar
xeróx da guia de depósito á nossa administrado, para efeito de ¡dentificacáo do paga
mento).
L ! O T e. C A

"O' Testemunho da Alma


¡•■i í r-; a u

Naturalmente Crista!"
(Tertuliano)

Sao milhares as cartas que da antiga URSS chegam ao Ocidente


pedindo ajuda material e espiritual. Entre outras, seja transcrita a de urna
médica de 40 anos, residente na regiáo de Moscou:
"Desejo tornar-me crista. Mas é preciso que eu purifique e
prepare a minha alma polufda pela educagáo atéia que me fo¡
imposta. E como fazer? Nao há literatura religiosa que possa-
mos comprar; os prec.os sao inacessíveis para quem vive do seu
salario".
Este texto sugere algumas reflexóes:
1) O ateísmo pode ser representado pelo mito grego de Prometeu.
Este, rivalizando com Júpiter, subiu aos céus e arrebatou o fogo divino;
trouxe-o ¿ Térra e ofereceu-o aos homens, tentando assim marginalizar
Júpiter; Prometeu seria Deus sobre a Térra. Análogamente o ateísmo
tenta eliminar Deus e fazer que o homem ofereca ao homem aquilo que a
Divindade Ihe oferece. Esta tentativa, pujantemente arquitetada pelo
marxismo, implodiu; setenta anos de acirrada propaganda foram frustra
dos, porque anti-humanos.
2) Educada no ateísmo, a médica, com sua cultura superior, verifica
ter sofrido imposi?oes nefastas, e volta-se para o Cristianismo. O ato
lembra o axioma de Tertuliano {+ após 220), que viveu no ámbito da an
tiga cultura paga: "O testimonium animae naturaliter christianae! - Ó
testemunho da alma naturalmente crista!" (Apologeticum). O Cristia
nismo corresponde ás aspirares mais profundas do ser humano; por
isto venceu a perseguidlo que o paganismo Ihe moveu até 313 e vence
também a hostilidade do ateísmo, que o quis sufocar, sufocando a pró-
pria criatura humana; a presumida "morte de Deus" veio a ser a real
morte do homem; em conseqüéncia, o homem que se reergue, reergue-
se com Deus.
3) "Bem-aventurados os olhos que véem o que vedes! Pois eu vos
digo que muitos Profetas e reis quiseram ver o que vedes, mas nao o v¡-
ram; ouvir o que ouvis, mas nao o ouviram" (Le 1O,23s). Estas palavras
de Jesús ressoam com nova énfase aos ouvidos dos cristios do Ocidente,
pois Ihes é dado o acesso á Boa-Nova do Reino, quando tantos irmáos
estáo a procurá-la. O Senhor Ihes pede que valorizem o dom gratuito, tra-
duzindo-o em conduta de vida coerente até o extremo... Parece também
pedir-Ibes que se recordem daqueles a quem tal dom foi retirado: jovens
e adultos, que no Leste Europeu estáo em demanda de alimento espiri
tual...
4) Para ajudar tais irmáos, pode-se-lhes enviar algo da bibliografía
religiosa (Biblia, livros de espiritualidade) de que precisam». em língua
russa, eslava ou inglesa. Eis o endereco de alguém que chefia um grupo
jovem na Rússia e que solicita tal tipo de auxilio: Babich Sergei, ul. Ogo-
rodnaja, d. 2A. 180004 PSKOV, RÚáSIA.
E.B.

241
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

ANO XXXIII - N? 361-Junho de 1992

O mundo me interpela:

Por que nao Sou Ateu?

Em síntese: O artigo examina tres razóos que podem levar alguém a


nSo ser ateu: 1) o testemunho da ciencia contemporánea; 2) a pré-história e a
historia da humanidade; 3) a insuñciéntia do homem para bastar a si mesmo.
Considera outrossim cinco dñculdades para eren 1) o mal no mundo; 2) o
desconhedmento da doutrina da té; 3) obstáculos de ordem moral; 4) o con-
tratestemunho de pessoas de fé; 5) o claro-escuro da té.

O ateísmo é urna atitude que se vai difundindo em nossa sociedade,


nem sempre sob a forma de militáncia anti-religiosa, mas freqüente-
mente como indiferentismo; dir-se-ia que o homem contemporáneo nao
precisa mais de Deus, pois consegue, mediante os avancos da ciencia e
da técnica, criar para si mesmo um bem-estar que Ihe dá certa satisfacáo,
tida como suficiente.

Esta atitude suscita a muitos as questóes: "Por que nao és ateu


também tu? Será que ainda precisas das muletas ou do tapa-buraco da
Religiáo para te equilibrares na vida?"

A resposta a tais perguntas fará o conteúdo deste artigo, que


vamos distribuir em duas Partes: I. Por que nüo sou ateu? II. Dificuldades
para crer hoje em dia.

I. POR QUE NAO SOU ATEU?

Tres principáis razfies me impedem de ser ateu:

i
242
PORQUE NAO SOU ATEU?

1.1. A Ciencia Contemporánea

Houve tempo em que se dizia que a ciencia é ¡nimiga da fé. Atual-


mente, ao contrario, verifica-se que a ciencia tende a reconhecer cada vez
mais os vestigios de urna Inteligencia e de um Poder Supremos, que tém
o nome DEUS. O mundo, com suas dimensóes vertiginosamente gran
des e pequeñas, nao pode ser produto do acaso, como hoje geralmente
se reconhece, mas dá testemunho do Criador^.. Criador distinto da na-
tureza e anterior a ela, nao torga cega que vai evoluindo e se identifica
com o próprio mundo. Sao muitos os testemunhos de grandes dentistas
que apontam a existencia de Deus:

Max Plank (1858-1947), físico alemáo, criador da teoría dos


quanta. Premio Nobel 1928:

"Para onde quer que se dilate o nosso olhar, em parte alguma vemos
contradigQes entre Ciencias Naturais e Religiio; antes, encontramos plena
convergencia nos pontos decisivos. Ciencias Naturais e Religiño nao se ex-
cluem mutuamente, como hoje em dia muitos pensam e receiam, mas com-
pletam-se e apelam urna para a outra. Para o crente, Deus está no comego;
para o físico, Deus está no ponto de chegada de toda a sua refíexño".

Albert Einstein (1879-1955), físico judeu alemáo, criador da teoría


da relatividade, Premio Nobel 1921:

"Todo profundo pesquisador da natureza deve conceber urna especie


de sentimento religioso, pois ele nao pode admitir que ele seja o primeiro a
perceber os extraordinariamente belos conjuntos de seres que ele contempla.
No universo, incompreensfvel como ele é, manifestase urna inteligencia supe
rior e ilimitada. - A opiniáo corrente de que eu sou ateu, baseia-se sobre gran
de equívoco. Quem a quisesse depreender de minhas teorías científicas, nao
tena compreendido o meu pensamento".

Werner von Braun (1912-1977), físico alemáo e pesquisador da


energía atómica:

"Nao se pode de maneira nenhuma justíñcar a opiniio, de vez emquan-


do formulada, de que na época das viagens espaciáis temos conhedmentos
da natureza tais que já nao predsamos de crer em Deus. - Somonte urna re
novada fé em Deus pode provocar a mudanga que salve da catástrofe o nos-
so mundo. Ciencia e Religiño sao, pois, irmis enño polos anóteteos".

M. Hartmann (1876-1962), Diretor do Instituto de Biología Max


Plank:

243
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

"Os resultados da mais desenvolvida ciencia da natureza ou da Física


nao levantam a mínima objegáo á fé num Poder que está por tras das torgas
naturais e que as rege. Tudo isto pode aparecer mesmo ao mais crítico pes-
quisador como urna grandiosa revelagSo da natureza, levando-a a crer numa
todo-poderosa Sabedoria que se acha por tras desse mundo sabio".

Guglielmo Marconi (1874-1937), físico italiano, inventor da tele


grafía sem fio, Premio Nobel 1909:

"Declaro com ufanía que sou homem de fé. Creio no poder da oragáo.
Creio nisto nSo só como ñel cristáo, mas também como dentista".

A.S. Eddington (1882-1946), físico e astrónomo británico:

"A Física moderna leva-nos necessariamente para Deus".

Thomas Alva Edison (1847-1931), inventor no campo da Física,


com mais de 2.000 patentes:

Tenho enorme respeito e a mais elevada admiragáo por todos os en-


genheiros, especialmente pelo maior deles: Deus!".

Tais testemunhos se poderiam multiplicar. Falam eloqüentemente.

1.2. Pré-história e Historia da Humanidade

Quem estuda a pré-história, sabe que os vestigios do homem pre


histórico sao tres: 1) a confeccáo de instrumentos burilados (pedra lasca
da para ser machado, arma, balaco.J; 2) producáo do fogo; 3) sepulta-
mento dos monos.

Com efeito. O sepultamento dos mortos está entre as primeiras ex-


pressóes do ser humano, como a fabricacio de instrumentos rudimen-
tares. Isto quer dizer que, logo que a inteligencia humana desponta, ela
se manifesta também pelo respeito aos mortos (coisa que os animáis ir-
racionais nao praticam); o respeito aos mortos, por sua vez, está associa-
do á nocao de vida postuma, vida com a Divindade.

Por conseguinte, desde que o homem é homem, ele se revela reli


gioso; a fé (bem ou mal estruturada) Ihe é congénita. Por isto também ela
se manifestou em toda a historia da humanidade. O fenómeno do ateís
mo é relativamente recente; tal fenómeno nao pode ser tido como indicio
de progresso ou aperfeicoamento da humanidade, como se dirá sob o
título seguinte.
t

244
PORQUE NAO SOUATEU?

1.3. O Homem nao basta a si mesmo

As aspirares, ¡natas no homem, é Vida plena, á Felicidade integral,


á Verdade sem erro, ao Amor sem traicáo, á Bondade sem fal has... nao
sao preenchidas pelos bens passageiros desta vida. O homem nao en-
contra em si nem ñas coisas visíveis que o cercam, a resposta para os
seus anseios mais espontáneos. A resposta insofismável para as pergun-
tas básicas "De onde venho? Para onde vou?" nao Ihe é dada por criatura
alguma. Da( a necessidade de se admitir um Absoluto sem deficiencias,
que seja o Norte polarizador das aspiracdes do homem; esse Norte está
tora do homem; é Deus, ao qual diz S. Agostinho: "Senhor, Tu nos fi-
zeste para Ti, e inquieto é o nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti"
(Confissóesl 1).

Estas afirmagóes sao comprovadas pela recente experiencia dos


países do Leste europeu: tiveram governos que tentaram organizar toda
a sociedade incutindo a nao existencia de Deus... Tais governos ¡mplodi-
ram, fracassaram fragorosamente. Querer que o homem viva prescindin-
do de Deus equivale a sufocar o que nele há de mais auténtico, como
nota o grande psicólogo Cari Gustav Jung (1875-1961):

"Entre todos os meus pacientes na segunda metade da vida, isto ó, ten-


do mais de trinta e cinco anos, nao houve um só cujo problema mais profundo
nao fosse constituido pela questáo de sua atítude religiosa. Todos, em última
instancia, estavam doentes por ter perdido aquilo que urna reSgiáo viva sem-
pre deu a seus adeptos, e nenhum se curou realmente sem recobrar a atítude
religiosa que Ihe fosse própria".

O afastamento de Deus parece desmantelar o ser humano, tirando-


Ihe o seu eixo ou referencial; só a recuperacáo da fé recompóe a perso-
nalidade.

Seja citado outrossim o texto do Cardeal Josef Ratzinger, que ob


serva a necessidade que temos, de encontrar um TU,— um TU que nos
responda cabalmente e que nao achamos em criatura alguma:

"A solidáo 6, sem dúvida, urna das rafzes básicas de que surge o en
contró do homem com Deus. Onde o homem experimenta a solidáo, verifica,
ao mesmo tempo, quanto a sua vida representa um grito pelo tu e quáo pouco
o homem ó apto a ser um puro eu, encerrado em si mesmo.

A solidáo pode manifestarse ao homem em profundezas diferentes.


Primeiro, ela satisfazse com o encontró de um tu humano.

245
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

Mas desdobra-se um processo paradoxal descrito por Claudel: cada


tu que o homem encontra, revelase finalmente como urna promessa irrealiza-
da e irrealizável, porque todo tu, no fundo, representa de novo urna desilusáo;
há um ponto em que encontró nenhum é capaz de vencer a derradeira solideo.
E exatamente o achar e o ter-achado voltam a ser um retomo á solidio, um
grito pelo tu real e absoluto" flntroducáo ao Cristianismo, Sao Paulo
1970, p. 68).

Examinemos agora as principáis

II. DIFICULDADES PARA CRER

Consideraremos cinco focos problemáticos:

. II. 1. O Mal no Mundo

Muitas pessoas perguntam: "Pode Deus existir, se há tanta miseria


e maldade no mundo que Ele criou?"

Respondemos: o mal nao é urna realidade positiva; é, antes, urna


carencia ou a falta de algo que deveria existir e nao existe. Assim a ce-
gueira é um mal, porque é carencia de visáo em quem a deveria ter; a
violencia é um mal porque é carencia da finalidade devida no comporta-
mentó de um homem inteligente e hábil™

Isto significa que o mal nao tem causa direta. Ele só pode ser cau
sado ¡ndiretamente,... indiretamente por um agente limitado, capaz
de falhar. Ora, por definicáo, Deus é perfeito ou incapaz de falhar; por
isto nao pode ser causa - nem indireta - do mal; só urna criatura pode
agir com fainas ou agir mal.

É claro, porém, que, ao produzir as suas criaturas, Deus só podia


criar seres limitados, falfveis, suscetlveis de errar. Nao pode haver dois
seres infinitamente perfeitos e infalíveis, porque nao pode haver dois
deuses;'

todavía o Senhor nao é impassfvel perante o mal que as criaturas


sofrem. Diz S. Agostinho que "Ele nunca permitiría o mal se nao tivesse
recursos para tirar do mal bens ainda maiores". A fé crista o atesta
apontando para a figura do Cristo que assume a dor e a morte do ho
mem, a fim de transfiguré-las mediante a ressurreicáo.

246
PORQUE NAO SOU ATEU?

II. 2. Desconhecimento da Doutrina da Fé

Outro obstáculo á fé é o desconhecimento da sua mensagem ou os


mal-entendidos a respeito daquilo que a fé ensina. Pode haver pessoas
que s<5 conhecam a religiáo infantilmente apresentada e, por ¡sto, a rejei-
tam em nome da razáo esclarecida. Urna vez, porém, elucidados os pon
tos obscuros, tais pessoas podem perceber que a fé nao é ridicula nem
alienante, mas é a expressáo mais nobre da personalidade, pois implica
um ato da nossa faculdade mais digna - a inteligencia (nao um senti-
mentó cegó) - aplicada ao Ser mais digno - o Absoluto, o Eterno, Deus.

II. 3. Obstáculos de Ordem Moral

Muitas vezes o ato de fé encontra resistencia no ser humano, nao


porque serias objefóes teóricas se Ihe oponham, mas porque tal pessoa
cede a um tipo de vivencia incompatfvel com a fé. Diz a sabedoria popu
lar: "Quem nao vive como pensa, acaba pensando como vive". Isto quer
dizer que urna pessoa de brío que pense religiosamente, mas viva de
modo destoante, deve sentir a necessidade de superar essa incoeréncia;
ela o fará ou adaptando sua vida ao seu pensamento religioso ou, se nao
tiver forgas para tanto, adaptando o seu modo de pensar ao seu modo de
viver desregrado.

Este último caso, em nossos dias, é assaz freqüente, pois o ritmo de


vida da sociedade incute o hedonismo ou a busca de prazer (a qualquer
prego). Incute também cobica ou a sofreguidáo de ter mais, que dete
riora o ser ou o porte ético-religioso do individuo. Assim se explica que
varias pessoas, após anos de fé tranquila, repentinamente abandonem
a religiáo; fazem-no nao por terem lido tal ou tal livro ateu, mas sim-
plesmente porque foram cedendo a impulsos e paixóes desordenados.

II. 4. O Contratestemunho das Pessoas de Fé

É certo que também as contradicóes na vivencia das pessoas reli


giosas escandalizam e afastam a quem as observa. A propósito diremos
que, sem dúvida, o testemunho coerente das pessoas religiosas facilita a
adesáo de fé dos observadores, ao passo que o mau exempio a dificulta.
Todavia quem eré, deve dar-se conta de que:

- eré porque descobriu a Oeus e desoja responder ao Bem Supre


mo. Este é o traco central de toda profissáo de fé religiosa;

- eré, porém, em companhia de seres humanos, aos quais é ine-


rente a fragilidade. Essa fragilidade, contudo, nao impede que cada pes-

247
8 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

soa fiel encontré em Oeus a sua plena resposta. Deus se dá a quem o


procura, independentemente da conduta dos companheiros de caminha-
da.

II. 5. O Claro-escuro da Fé

As proposigóes da fé sao claro-escuras, nunca evidentes como 2+2


= 4. Sem dúvida, elas tém suas credenciais, que as tornam acreditáveis e
que todo homem pode investigar; se o fizer, chegará á conclusáo de que
é razoável ou é inteligente crer. Por isto, quando acredito, nao abdico da
minha razáo, mas, ao contrario, exercito a minha inteligencia; esta me diz
que a Verdade nao acaba quando acaba meu raio de percepcáo intelec
tual. A fé ultrapassa o alcance da minha inteligencia, mas nao Ihe contra-
diz; apenas leva a ulteriores etapas a demanda da Verdade.

O fato de que as verdades da fé ultrapassam o alcance da nossa in


teligencia, de um lado, nos deixa sdfregos e insatisfeitos; mas, de outro
lado, é fonte de alegría e paz. Com efeito, como diz Pascal, o homem foi
feito para se ultrapassar constantemente ou para se realizar em algo
maior do que ele mesmo; o homem é resposta pequeña demais para o
próprio homem; so o Absoluto ou Deus o sacia.

Os pensadores gregos perceberam este paradoxo, quando defini-


ram o homem como um "ente de fronteira", posto em equilibrio instável
entre os animáis e os deuses; sim, para os gregos, os deuses eram con
sumados em sua existencia ¡mortal e bem-aventurada; os animáis tam
bém bastam a si mesmos, desde que encontrem alimento e o necessário
para sobreviver. O homem nao é assim: nem goza da satisfacáo dos deu
ses nem se dá por realizado apenas com a sua existencia animal; ele é re-
puxado, dé um lado, pelo peso da sua animalidade e, de outro lado, pela
insaciável sede do Absoluto; nao Ihe basta viver simplesmente as dimen-
sóes do homem terrestre para ser auténticamente humano. Se há con-
sumacSo para o homem, há de ser num valor que ultrapasse os limites da
sua natureza. Em conseqüéncia, nao há por que nos assustarmos quando
verificamos que a mensagem da fé é trans-racional; é precisamente esta
nota que permite a fé levar o homem á sua genuína realizacáo; urna
mensagem meramente filosófica pouco significado teña no caso.

Estas ponderacóes explicam o porqué do incómodo resultante do


claro-escuro da fé: é condicáo para que a nossa entrega a Deus tenha o
valor de um gesto livre; é também o indicio da autenticidade mesma da
fé. A mensagem de Deus é suficientemente clara para que a adesáo do
homem seja razoável e inteligente (nao cega, nem meramente senti
mental), mas é também suficientemente obscura para que o nosso Sim
i

248
PORQUE NAO SOU ATEU?

seja livre. Deus quer ser aceito e amado livremente por criaturas livres.
Somente com o progresso da vida espiritual, com o amadurecimento e a
consolidacáo da fé é que a penumbra se vai clareando, as sombras se váo
dissipando até que cederáo um dia a plenitude da luz ou á visáo beatífica.

III. CONCLUSÁO

Nao sou ateu, porque sei que, se procurasse viver sem Deus, sem a
conviccáo de que existe um Bem Infinito que me fez e aguarda, eu nao
poderia responder és questóes fundamentáis de todo ser humano: "Don
de venho? Para onde vou? Por que trabalhar? Por que sofrer? Por que
ser honesto?"

Tal conviccáo nao é muleta nem tapa-buraco em meu comporta-


mentó. Se fosse muleta, o homem sem Deus seria mais ele mesmo, mais
adulto e maduro. Ora a experiencia prova justamente o contrario; o ho
mem sem Deus pode ser urna pessoa momentáneamente tranquila, mas
cedo ou tarde é chamada a um confronto com a questáo do sentido da
vida: Vale a pena viver, lutar em prol do bem e sofrer, para um dia extin-
guir-se sem mais, como a chama de um pavio? - Responder sim a esta
pergunta é antinatural. Podemos crer que, se em nos existem aspiracóes
naturais ao Transcendente, elas nao sao vas. Convenco-me disto quando
olho em torno de mim e observo que,

se nos homens existe olho, também existe luz (resposta para a as-
piracáo natural do olho);

se nos homens existe ouvido, existe som;

se nos homens existe pulmáo, existe ar;

se nos homens existe estómago, existe alimento.

E digo:

Por conseguinte, se nos homens existem fome e sede ¡natas de Vi


da, de Felicidade, de Amor, de Bondade, de Verdade, deve haver... a Vi
da, a Felicidade, o Amor, a Bondade, a Verdade, que, em última análise,
é Deus. Em caso contrario, o homem seria a mais absurda e miserável de
todas as criaturas - o que é falso.

Ver a propósito: Ecos do Big-Bang.em VEJA, 29/04/1992. pp. 60-


66. O artigo explica que foram captadas imagens do cqsmo de 14 bilhdes de
anos atrás, pouco depois do que feria sido o Big-bang.

249
A Basílica de Yamoussoukro:

Belas Igrejas: Para Qué?

Em síntese: A construgáo da bela e grande basílica de Nossa Senho-


ra da Paz em Yamoussoukro (Costa do Marfím, África) provocou criticas
acerbas da imprensa européia: julgaram-na urna afronta ao pobre povo da-
quele país. Todavía os próprios nativos da Costa do Marfím se encarregaram
de defender a sua obra de arte, censurando os europeas por se imiscuirem
em questóes de ordem interna do seu país. Com efeito; quem doou o terreno
de sua familia e construiu a basílica com o seu dinheiro pessoal, foi o Presi
dente da República, Sr. Houphouét-Boigny; sabia que para Deus nada há de
excessivamente belo e digno; o construtor da basílica encarregou-se outros-
sim de cercá-la de obras humanitarias, como 6 um conjunto escolar e hospi-
talar e urna emissora radiofónica. Interpretando os sentimentos do povo nati
vo, alguns Bispos da Costa do Marfím declararam o seu contentamento por
poder contar com um recinto de adoragáo a Deus á altura da fé dos católicos
daquele país.

Aos 10/09/1990 o Papa Joáo Paulo II consagrou suntuosa Basílica1


em Yamoussoukro (Costa do Marfim, África) em presenca de represen
tantes de todos os Episcopados da África e dos imames2 da Costa do
Marfim.

Trata-se de igreja imensa, dedicada a Nossa Senhora da Paz, cons


truida por vontade do Presidente da Costa do Marfim, o Sr. Houphouét-

1 Basílica é atualmente o titulo honorífico dado a certas igrejas de maior


importancia. A palavra vem do adjetivo grego basiliké, que significa regia.
Tal adjetivo passou a significar igrejas, quando na antiguidade se construfram
igrejas segundo o modelo de solones edificios do Imperio Romano: um grande
sagüSo, que terminava em urna ou mais ábsides.

2lmame = ministro da religiáo mugulmana.


i

250
BELAS IGREJAS: PARA QUÉ? 11

Boigny em sua regiáo natal, que é precisamente a cidade de Yamoussou-


kro. O próprio Sr. Presidente doou o terreno, que pertencia á sua familia,
e pagou os custos da construcáo com os seus recursos pessoais.

A basílica é uma réplica de Sao Pedro em Roma; sobre a sua cúpula


dourada acha-se uma Cruz, cujo ápice atinge 158 metros ácima do nivel
do solo. As paredes do edificio sao vitrais, cuja superficie é de 7.800 me
tros quadrados. Na Basílica cabem 7.000 pessoas sentadas e 11.000 em
pé. O sistema de ar condicionado funciona em todo o templo. A constru
yo da Basílica comegou em 1986, quando na Costa do Marfim ainda nao
se previa a futura crise económica, devida á brusca queda do prego do
cacao e do café, principáis produtos nacionais. As obras terminaram em
meados de 1990.

As despesas de confec<páo de tal igreja foram vultosas. Há quem


fale de 800 milhóes de francos franceses. Em conseqüéncia, muitos foram
os comentarios críticos nao s<5 a construcáo do edificio, mas também ao
fato de que Joáo Paulo II o consagrou por ocasiáo da sua visita a Costa
do Marfim.- Sejam aduzidos os pros e os contras.

1. COMENTARIOS

1.1. Nao á Basílica!

Em slntese, os que condenaram a construcáo de tal igreja, alega


ra m o seguinte: , ■. ,

"O dinheiro aplicado á construcáo dessa basílica teria sido rnais


aproveitado em outros seto res, principalmente em nossos tempos, quan
do a Costa do Marfim passa por dificuldades económicas... É escandalo
so! Uma injuria á miseria do povo! Isso desonra a Igreja inteira".

Verdade é que o episcopado e, em geral, o clero da Costa do Mar


fim nao foram consultados a respeito do projeto. Alguns dos seus mem-
bros nao Ihe eram favoráveis. Acontece, porém, que as criticas foram
mais virulentas na Europa do que na África. ■

1.2. Sima Basílica!

Os que defenderam a realizado do projeto, valeram-se de varios


argumentos: ' .

Perguntavam, por exemplo, por que os moralistas/ principalmente


os franceses, se imiscuiam em questóes de ordem interna da Costa do

251
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

Marfim. Nao seria ¡sto um tipo de neocolonialismo? Os africanos tém,


como os europeus, o direito de construir seus monumentos grandiosos.
Nao haveria na campanha de recusa o desejo velado de criticar o Papa?

Na própria Costa do Marfim as vozes dos nativos se levantaram em


defesa da Basílica. Assim, Mons. Agre, Bispo de Man, naquele país, inter-
pretou o pensamento de seus compatriotas, observando que atualmente
cinco grandes edificios religiosos estavam entáo em construgáo no mun
do:

"Quatro deles sao mosquitas (no Mámeos, na Nigeria, na Arabia... e


até em Roma); somonte o quinto é cristáo. E somos nos, os cristaos, que re-
jeitamos a única igreja de porte tal que se possa equiparar aos quatros outros
monumentos, todos mugulmanos? Acho feto muito estranho!".

E acrescentou:

"U&izemos essa Basílica para a maior gloria de Deus e a salvagño dos


homens!".

Alias, a igreja deverá ser cercada de um conjunto escolar e hospi-


talar, e das ¡nstalacóes de urna emissora de radio, das quais Joáo Paulo II
benzeu a primeira pedra. Contudo "Deus servido em primeiro lugar"!

O Bispo de Bouaké afirmou, ao acolher o Papa em Yamoussoukro,


na sua diocese, repetindo, alias, as palavras do Santo Cura de Ars:
t

"Nada é belo demais quando se trata de o oierecer a Deus".

O Cardeal Tumi, Presidente do Simposio das Conferencias Episco-


país de toda a África, decía rou:

"A África regozija-se por ter um tal recinto para adorar a Deus. Nos,
africanos, temos os nossos pobres, os nossos doentes, os nossos faminto$m
Mas esses africanos que sofrem, reconhecem o valor de dar a Deus o que
temos de melhor. EstSo conscientes de que nada é caro demais nem belo
demais quando se trata de o oierecer a Deus.

Os africanos sabem que o homem nao vive só de pao. Um africano po


de nao possuir urna bala casa, mas ele se regozija de que Deus possua urna
espléndida morada, como essa maravilhosa Basílica, que é um sinal de que a
Boa-Nova de Jesús Cristo se enraizou definitivamente no coragño africano".
i
252
BELAS IGREJAS; PARA QUÉ? 13

Há quem observe outrossim que o Presidente Houphouét-Boigny


nao teña sido criticado pela mesma imprensa se ele tivesse comprado
carros, navios e avióes de combate ou grandes propriedades na Franca,
na Suica e alhures. Preferiu seguir as pegadas dos grandes governantes
da tradicáo francesa: assim, no século XI, Guilherme o Conquistador
mandou construir em Caen (Franca) duas grandes igrejas, que atual-
mente suscitam a ufania da cidade e da nacáo: a Basílica de S. Estévio e a
da SS. Trindade, cercadas de abadias e hospitais. Os habitantes da Ñor-
mandia, naquela época, nao estavam em melhores condicóes materiais
do que atualmente os da Costa do Marfim.

2. UM COMUNICADO DA SANTA SÉ

O jornal do Vaticano "L'Osservatore Romano", em sua edicáo fran


cesa de 25/09/1990, publicou um "Comunicado da Sala de Imprensa da
Santa Sé sobre a dádiva da Basílica de Yamoussoukro". Oesse texto váo
extraídos os seguintes excerptos:

"A Santa Sé aceitou a doagáo feita pelo Presidente da República da


Costa do Marfim, Sr, Félix Houphouét-Boigny, que tem por objeto a Basílica de
Nossa Senhora da Paz, com todos os bens úteis e necessáríos para promo
ver as diversas iniciativas religiosas e sociais que condizem com urna igreja...

Ao aceitar a doagSo e ao constituir a FundacSo Nossa Senhora da Paz,


o Santo Padre espera contribuir para o bem da populag&o da Costa do Marfim
e de outros países africanos".

3. CONCLUSÁO

O fato ocorrido na Costa do Marfim é importante para se pondera-


rem semelhantes situacSes existentes em outros países: há quem julgue
que a Igreja nao deve construir grandes templos ou mesmo se deve des
pojar das belas e grandes igrejas que possui desde sáculos. Ora ve-se
que os próprios africanos, embora sofram pobreza, se empenharam pela
construcáo de sua bela Basílica em Yamoussoukro, julgando que Deus
deve ter seu digno lugar de culto em meio aos homens: nada é belo de-
mais quando se trata de o oferecer a Deus. Foi sempre assim que pensa-
ram os cristáos; é assim que a fé continua a pensar, sem que por isto se
esqueca de servir aos pobres e tentar superar suas carentes condicñes de
vida.

253
Comentando a Imprensa:

"A Igreja se Abre


a Descasados"

A imprensa publica, por vezes, noticias que tocam a religiáo, re-


correndo, porém, a um linguajar sensacionalista, se nao zombeteiro, tes-
temunho da ignorancia de quem assim escreve. Eis por que, a pedido de
leitores, comentaremos um desses tópicos,

I. "A IGREJA SE ABRE A DESCASADOS"

No Jornal do Brasil de 11/11/1991, a repórter Vera Ogando re-


fere-se á atitude da Igreja perante os esposos católicos que nao vivem
mais a sua primeira uniáo. A propósito observamos:

"1) A Igreja se interessa grandemente pelos cdnjuges que fracassa-


ram no seu matrimonio. Sintam-se, apesar de tudo, filhos da Igreja, que
deseja oferecer-lhes todos os subsidios possfveis para amenizar o seu
drama. Tal atitude tem sido enfatizada pelo S. Padre Joao Paulo II espe
cialmente na Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio (22/11/81), n°
83s. Todavía esta praxe pastoral, hoje em dia mais acentuada do que ou-
trora, ñ§o pretende derrogar ao principio, decorrente dos escritos do No
vo Testamento, segundo o qual o matrimonio validamente contraído e
consumado é indissolúvel. Tai principio é. de direito divino e, por isto, nao
pode sofrér derrogacáo da parte da autoridade eclesiástica. Ver Me
10,1-12; Le 16,18; 1Cor 7,1 Os; Mt 5,32; 19,1-9. - Mais precisamente a
Igreja, fiel a Cristo, ensina que:

2) Aos cdnjuges católicos, vftimas de infelicidade no casamento, é


lícito separar-se, desde que setenham esgotado todas as possibilidades
de salvar tal contato. Caso vivam sem novo relacionamento marital, é-
Ihes lícito receber os sacramentos:

"O conjuga que foi vfíima de divorcio, mas que - conhecendo bem a in-
dissolubllidade do vínculo matrimonial válido - nao se deixa arrastarpara nova

254
"A IGREJA SE ABRE A DESCASADOS" 15

uniáo, empenhando-se, ao contrarío, únicamente no cumprimenio dos deveres


familiares e na responsabilidade da vida crista.» O seu exemplo de fidelidade
e de coeréncia crista assume um valor particular de testemunho diante do
mundo e da Igreja, tornando mais necessária aínda, da parte desta, urna agáo
continua de amor e de ajuda, sem algum obstáculo a admissio aos
sacramentos" (Familiaris Consortioní>a3;.

O divorcio civil nao dissolve o casamento religioso, mas tem efeitos


no foro civil; serve para definir, no foro civil, direitos e deveres decorren-
tes da separacáo.

3) Os cónjuges que, tendo contraído o vínculo sacramental,'se se-


pararam e, depois disto, assumiram nova uniáo nao sacramental, devem
ser tratados com caridade e chamados a participar de certas atividades da
Igreja, mas sem freqüentar os sacramentos. Veja-se Familiaris Con
sorcio n? 84:

"Exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a ajudar


os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles nSo se conside-
rem separados da Igreja, podendo, ou melhor, devendo, enquanto batízados,
participar na sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a fre
qüentar o Sacrificio da Missa, a perseverar na oragSo, a incrementar as obras
de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiga, a educar os
filhos na fó crista, a cultivar o espirito e as obras de penitencia para assim
implorarem, da a día, a graga de Deus. Reze por eles a Igreja, encorájeos,
mostre-se máe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperanga.

A Igreja, contudo, reafirma a sua praxe, fundada na Sagrada Escritura,


de nño admitir á Comunháo Eucaristica os divorciados que contralram nova
uniSo. NSo podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condi-
góes de vida contradizem objetivamente aqueta uniáo de amor entre Cristo e a
Igreja, significada e realizada na Eucaristía. Hi, alémdisso, outro peculiar mo
tivo pastoral: se se admitissem essas pessoas a Eucaristía, os fiéis seriam
induzidos em erro e confüsSo acerca da doutrina da Igreja sobre a indlssolubh
lidade do matrimonio''.

A recepcáo da Eucaristía por parte de quem vive nova uniáo nao


sacramental é ilegítima. Nao está a criterio do sacerdote ou dos interés-
sados legitimar a participacáo da Comunháo Eucaristica em tais casos.

4) Pode-se conceber urna so possibilidade de tais católicos recebe-


rem a Eucaristía: vivam sob o mesmo teto (se tém filhos a educar ou se
precisam do apoio mutuo), mas na qualidade de irmáo e irmá. Caso isto
acontece, procurem igreja na qual nao sejam conhecidos, para evitar mal

255
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

entendidos e posslvel escándalo da parte de quem sabe que nao estáo


sacramentalmente unidos:

"A recontíliagáo pelo sacramento da Penitencia - que abriría o canvnho


ao sacramento eucaristía) - pode ser concedida somante aqueles que, arre-
pendidos de ter violado o sinal da Manga e da fídelidade a Cristo, estáo since
ramente dispostos a urna forma de vida nao mais em contradigáo com a indis-
solubilidade do matrimonio, feto tem como conseqüéncia, concretamente, que,
guando o homem e a mulher, por motivos serios - quais, porexemplo, a edu-
cagáo dos fílhos - nao se podem separar, assumem a obrigagáo de viverem
plena continencia, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cónjuges" (Fa-
miliaris Consortion?64J.

5) Se nao é possível tal abstinencia, recomenda-se aos divorciados


unidos em segundo enlace que confiem em Oeus e Lhe pecam sincera
mente a graca de urna eventual solucáo para o seu caso, pois Ele pode
fazer portentos. Nao deixem de rezar com assiduidade e de educar os fi-
Ihos na religiáo católica. Pecam para seus filhos o Batismo; a Igreja, para
batizar criancas, nao exige, como condicáo absoluta, o legitimo casa
mento dos genitores, mas apenas faz questáo de que a futura ¡nstrucáo
religiosa desses pequeninos seja moralmente assegurada ou pelos pró
prios pais ou pelos padrinhos ou pela comunidade paroquial.

6) Nao se deve realizar urna pseudo-cerimónia de casamento com


béncáo nupcial, se os dois interessados estáo impedidos de receber o sa
cramento. Ver Familiaris Consortio n? 84:

"O respeito devicio tanto ao sacramento do matrimonio quanto aos pró


prios cónjuges e aos seus familiares, como também á comunidade ¿los fiéis,
proibe os pastores, por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, de fazer
em favor dos divorciados que contraen) urna nova uniáo, cerimónias de qual
quer género. Estas dariam a impressSo de celebragño de novas nupcias sa
cramentáis válidas, e conseqüentemente induziriam em erro sobre a indsso-
lubilidade do matrimonio contraído validamente".

256
Falta um día no calendario do mundo??

Recuo do Sol em 2Rs 20, 1-11?

Em síntese: O texto de 2Rs 20, 1-11 nao tala de recuo do Sol, como
se pensa comumente, mas de recuo do ponteiro de um relógio solar. Tal fe
nómeno nao implica petturbagáo atmosférica, mas pode-se explicar por refra-
gáo dos ratos solares, comojá foi observada aos 27/03/1703 em Metz (Alsá-
cia). Também poderia ser tido como mero efeito na retina do reí Ezequias, ao
qual o profeta Isaías ofereceu o sinal em pauta.

Conforme noticia publicada no jornal O DÍA (Rio de Janeiro) de


19/09/1970 e apresentada por um leitor a PR, falta um dia no calendario
da humanidade. Tal lacuna se explicaría pelo fato de que duas vezes o
Sol estacionou ou recuou, como parecem referir os textos bíblicos de Js
10,7-15 e2Rs 20,1 -11...

Devemos dizer que a questáo está muito mal colocada, pois supóe
falsa teoría astronómica, como é o geocentrismo (o Sol giraría em torno
da Térra). Com quer que seja, a noticia forneceu-nos o ensejo de expla
nar o sentido dos dois textos bíblicos em foco; o de Josué 10,7-15 já foi
comentado em PR 349/1991, pp. 256s; o de 2Rs 20,1 -11 será abordado no
presente artigo.

QUE DEPREENDER DE 2Rs 20,1-11?

Reinava Ezequias em Judá (716-687 a.C), quando certa vez adoe-


ceu gravemente. O profeta Isaías foi entáo admoestá-lo a se preparar
para a morte. Profundamente entristecido com a noticia, Ezequias com
grande ardor rogou ao Senhor que Ihe poupasse ainda a vida. A sua pre-
ce foi atendida, de sorte que Isaías pouco depois Ihe pode anunciar, da
parte do Senhor, a pronta cura. E acrescentou:

257
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

" 'Eis o sinal que te dará o Senhor para que saibas que se há de cumplir
a sua promessa: queres que a sombra se adiante dez graus ou recue dez
graus? - 'É fácil, replicou Ezequias, que a sombra se adiante dez graus. Nao.
Quero que ela recue dez graus'. Orou o profeta Isaías, e o Senhor fez que a
sombra recuasse dez graus no relógio solar de Acaz" (2Rs 20.9-11).

No livro do profeta Isaías (38,5-8), a narrativa volta em termos mais


concisos:

Isaías é enviado a Ezequias para comunicar-lhe da parte do Senhor:

"Ouvi tua oragáo e vi tuas lágrimas; prolongare'! tua vida por qulnze
anos... Eis o sinal da parte do Senhor, para convencer-te de que cumprirá a
promessa: farei a sombra recuar os dez graus que o sol ¡he fez descer no re
lógio solar de Acaz. E o sol voltou dez graus para tras".

Do confronto destes dois textos deduz-se logo que o sinal nao con-
sistiu em estacionamento nem em retrocesso do sol, mas em "recuo de
uma sombra projetada sobre quadrante" (2Rs 20,11). É este recuo que
o livro de Isaías, por forca de expressáo, designa como "recuo do sol" (Is
38,1); na verdade, uma sombra recuou como se o sol tivesse recuado aos
olhos do observador.

Pergunta-se agora: que sombra seria a que recuou?

Os comentadores reconhecem unánimemente que se tratava da


sombra de um ponteiro ou de uma haste que devia indicar o movimento
do sol, ou seja, as horas do dia. Nao saberiam, porém, indicar com se
guranza se essa sombra se projetava sobre um quadrante de relógio gra
duado, mais ou menos semelhante aos nossos quadrantes, ou apenas
sobre os degraus de uma escada.. Nesta última hipótese, haveria uma
haste fincada no topo de pequeña colina; e a esse topo o acesso se faria
por degraus de escada colocados de todos ós lados ao redor da haste.
Um tal obelisco existia no Campo de Marte em Roma para indicar as ho
ras do dia. Também se poderia admitir que a haste estivesse fincada so
bre um pedestal munido de doze degraus de escada.

É preferível a primeira destas hipóteses. A invencáo do relógio de


sol com seu quadrante se deve, conforme Heródoto (II 109), aos ba
bilonios; é bem possfvel que o rei Acaz (736-716) de Judá, admirador dos
assírios como era, tenha adotado essa invencáo dos mesopotámios e
construido no palacio regio em Jerusalém o "relógio de Acaz" de que
fala o texto bíblico em 2Rs 20,11. Mais: em 1923/25, os arqueólogos exu-
maram, na cidade mesma de Jerusalém, um quadrante bem conservado,
que dá idéia do que possa ter sido o quadrante graduado do rei Acaz.

i
258
RECUO DO SOL EM 2Rs 20.1-11? 19

Deve-se aínda indagar: e que fenómeno terá provocado esse recuo


da sombra do ponteiro?

- Jutgam alguns estudiosos que se tratava de um fenómeno de re-


fracáo dos raios solares. Notam mesmo alguns que, aos 27 de margo de
1703, na cidade de Metz (Alsácia), semelhante fenómeno se produziu: a
sombra dos ponteiros dos relógios solares recuou de hora e meia por
efeito de refragáo dos raios do sol na atmosfera (cf. Knabenbauer, In Is
38,8).

Tal explicacáo é aceitável. Observa-se contudo que já seria sufi


ciente, para corresponder aos dizeres do texto bíblico, admitir mero
efeito na retina do rei Ezequias. Esse efeito de retina, inegavelmente
maravilhoso ou fora do comum como era, bastada para ser sinal dado
ao rei pelo Senhcr Oeus como penhor do seu próximo restabelecimento
de saúde. O essencial, em qualquer hipótese, é que o rei Ezequias tenha
sido impressionado por um acontecimento nao habitual, acontecimento
que, á primeira vista, equivaleria a um recuo do sol e do ponteiro que in-
dicava a marcha do sol. Assim impressionado, Ezequias compreendeu
que sua prece fora atendida e que de fato ele havia de ser curado.

Após estes estudos exegéticos, vé-se que os textos de 2Rs 20 e Is 38


nao insinuam fenómeno atmosférico ou cósmico. Por conseguinte, se
falta um dia no calendario da humanidade, procure-se a explicacáo em
outra fonte que nao os relatos bíblicos.

* * *
{continuacáo da pág. 288):

vales e as montanhas cobrindo-se de tenue luz violeta. Sois um rato de iuz,


sois a onda de paz que cobre vosso ser.

Movehvos peto océano de Luz. A vida pulsa no despertar muíante que


tudo penetra. Seréis entáo um pequeño raio que se movimenta na PAZ, pro
fundamente. Sentiréis assim o chamado para levar em vossos alforjes as se-
mentes e os frutos do consciente universal.

Para esses momentos as Hierarquias teráo construido em vos as Ma-


násicas tarefas de contato. Estas, como o lótus, buscaráo fíorescer dentro do
pantano que em distorgáo profana cobriu a materia, a qual da carne vos fez
prisioneros.

(continua na pág. 269)

259
De ponta-a-ponta, infeliz:

'Nossa Vida tem Futuro"

por Renold J. Blank

Em sfntese: Renold J. Blank propóe urna douírina escatológica que é


faina nao somente aos olhos da fé, mas até mesmo aos olhos da razio ou da
Filosofía. Com efeito; nao distingue entre como (materia) e alma (espirito) no
ser humano, quando a própria Filosofía, baseando-se em experiencias con
cretas, chega á conclusáo de que no homem há mais do que materia; há, sim,
um principio vital que transcende a materia e é responsável pelas atívidades
intelectivas da pessoa (raciocinar, falar, calcular, progredir em cultura e civili-
zagioJ). Além disto, R. Blank afirma que do tempo se passa para a eternida-
de; assim nao leva em conta outra verdade lógica ou lilosófíca: ninguémpode
cómegar a viver em regime de eternidade, visto que o conceito de eternidade
repele qualquer comego. Entre tempo e eternidade deve-se admitir o evo, que
é a duracio de quem teve comego, mas nao terá fím, ao passo que a eterni
dade excluí comego efímféa posse simultánea de toda a existencia, privile
gio privativo de Deus só). Da mesma forma, entre dualismo, que R. Blank
com razio rejeita, e monismo, que Blank erróneamente adota, há,a dualt-
dade, que deve ser professada; enquanto o dualismo signifíca oposigio entre
corpo (mau) e alma (boa) - o que nio é cristáo -, a dualidade distingue entre
corpo e alma sem os opor entre si, como se distingue entre homem e mulher,
sem os reduzir um ao outro e sem os opor entre si.

Por estes motivos, no plano filosófico,- e mais aínda no plano teológico, o


livro de Renold Blank é faino.

Renold J. Blank, formado em Teologia, Filosofía e Letras, é profes-


sor da Pontificia Faculdade de Teologia de Sao Paulo e do Instituto de
Teologia de Sio Paulo (ITESP). Já publicou alguns livros em portugués,
dos quais foi comentado em PR 306/1987, pp. 448-461 o intitulado "Viver
sem o temor da morte". - No livro que passamos a analisar, o autor pro
póe urna síntese da escatologia, que pretende ser católica, mas, a mais de
um titulo, nao é tal, como passamos a demonstrar.
i

260
"NOSSA VIDA TEM FUTURO" 21

1. PONTOS NEVRÁLGICOS
Sejam indicados quatro principáis pontos ern que o autor destoa da
doutrina católica.

1.1. Monismo antropológico. Tempo e eternidade

Para R. Blank, como alias para outros autores contemporáneos, nao


há distincáo real entre corpo e alma humana. Disto se segué que o ho-
mem morre todo (sem que haja sobrevivencia da alma). Conseqüente-
mente dá-se a ressurreicáo logo após a morte. Disto se segué ainda que
nao existe escatologia intermediaria ou que logo depois da morte a pes-
soa ressuscitada participa do parusia (segunda vinda de Cristo) e do julzo
final:

"Pensamento temporal após a morte 6 contradigáo em si. Na eternidade


nao há tempo. Na morte, porém, o homem entra na dimensáo da eternidade.
Para ele, nao haverá mais tempo; conseqüentemente nao pode passar tempo
entre a sua morte e a ressurreigáo da sua dimensáo material.

A afírmacáo de que a ressurreigáo dos corpos acontecerá no momento


da própría morte é a conseqüéncia lógica da defínigáo de eternidade" (p. 220).

"Na morte n&o existe mais tempo. Somente há AGORA. Neste 'agora'
verifícase no mesmo momento atemporal da morte: o primeiro encontró com
Deus, o julgamento individual, o purgatorio, o jufzo fínal, a ressurreigáo dos
corpos" (p. 213).

Chamam especialmente a atencáo os dizeres relativos ao julzo final:

"Na morte,... já que nao existe mais tempo, todos os outros homens, to
dos os que moneram antes dele e todos os que viveram e morreram em al-
gum tempo depois dele experimentaráo esta verdade juntamente. O julga
mento do mundo 6 feito no momento da minha morte, em um AGORA ampio,
que encerra em si todos os entes. Todos os seres humanos, no.mesmo mo
mento atemporal após a minha morte, estarño parante Deus. Na luz dele eles
reconheceráo as estruturas deste mundo e a trama de conexóes e interroga-
gdes pelas quais estáo vinculados a elas.

Agora na luz de Deus e juntamente com todos os homens e mulheres


da historia realizarse-á aqueta conversáo que... foi denominada caminho para
a salvagáo" (p. 212).

261
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

Estes dizeres todos suscitam algumas questóes, a saber:

- se alguém morre, por exemplo, em 20 de Janeiro de 1992, partici


pará do julgamento de todos os homens e mulheres da historia? Como
será isto possfvel, se aos 21/01/1992 aínda nao nasceram todos os ho
mens e mulheres da historia? Muitos comecaram a existir após
21/01/1992; como entáo os poderei ver com a sua vida passada na térra,
se aos 20/01/1992 eles ainda nao existia m?

- o autor se refere a um AGORA ampio... Que significa isto? É um


agora extenso... táo extenso que compreenda o resto da historia até o fim
do mundo?

- R. Blank afirma que se realizará no juízo final "aquela conversáo


que no capitulo 1.4 da Terceira Parte do livro foi denominada caminho
para a salvacáo". Isto quer dizer que no fim dos tempos todos se con-
verteráo para Deus quase obrigatoriamente, mesmo os que estiverem
obstinados em sua opcüo atéia e materialista?

É de notar ainda, com referencia b distincáo entre corpo e alma,


que o autor parece aceita-la h p. 34, embora a negué no decorrer do seu
livro. Com efeito; á p. 34 R. Blank endossa as afirmacóes coligidas por Eli-
zabeth Kübler-Ross, segundo as quais, em coma profundo, o eu sai do
seü corpo, vagueia pelo espaco e depois volta ao corpo. - Disto se pode
deduzir que, além do corpo, existe no ser humano algo que é separável
do corpo e que se chama comumente alma espiritual. Assim R. Blank caí
em contradicáo consigo mesmo.

A doutrina católica professa a distincáo de corpo e alma; mas afir


ma que, quando a alma se separa do corpo, ocorre a morte real do pa
ciente, morte que nenhum recurso da medicina pode superar.

1.2. Conversáo geral

Na verdade, o autor se mostra favorável á hipótese de que nao


existe o inferno. Nao ousa negar explícitamente o artigo de fé concer-
nente ao inferno, mas manifesta hesitacóes sobre o mesmo:

"Nenhum homem pederá dizer se o inferno existe realmente ou nño.


Homem algum podará dizer se alguém realmente fícará naquela situagáo ab
surda a que chamamos inferno" (p. 193).

A p. 189 lé-se:

"A situagáo do inferno é terrivelmente absurda, desumanamente sem


sentido e indigna da pessoa humana".
i

262
"NOSSA VIDA TEM FUTURO" 23

O autor julga haver incompatibilidade entre a nocáo de inferno e o


concertó de Deus, "que acreditamos ser o próprio amor infinito". Poderte
Deus permitir a condenacáo de urna criatura ao inferno? E, se a permitis-
se, todos os justos nao pediriam a Deus buscasse meios de livrar o con
denado do seu sofrimento?" Cf. p. 193.

Neste contexto a S. Escritura é interpretada de modo um tanto


distorcido, apresentando um Cristo "bonacháo":

"As imagens bíblicas nao exigem necessariamente que se pense em


condenagáo.

Julgamento = um ato universal de perdSo mutuo.

Urna visáo de esperanga, que espera também no julgamento urna ma-


nifestagáo da misericordia de Deus.

Justificativa para esta esperanga: na morte o homem se encentra com


J6SUS*

Jesús, porém, é aquele que sempre interveio em nome de todos os que


fracassaram.

- Aquele que veto para salvar, e nao para condenar.

- Aquele que exige de seus discípulos que eles perdoem sempre (Mt
18,21)" (p.129).

Além do mais, segundo Blank, a justica de Deus é diferente da justi-


9a dos homens - o que Ihe parece insinuado pela parábola de Mt 20,1 -12,
parábola em que o Senhor da vinha paga o mesmo salario a operarios
que tenham prestado servicos de diferentes duracóes.1

1.3. Pecado: qual?

O autor parece so reconhecer o pecado de injustica social. Inspira


se ñas linhas-mestras da Teología da Libertario:

1A propósito notemos desde já que a parábola de Mt 20,1-12 nao se


refere á justica do trabalho e salario, mas tem outro significado, exposto no
Curso de Parábolas e Páginas Diffceis do Evangelho, Módulo S (Escola "Ma-
terEcdesiae, Caixa postal 1362,20001 Rio-RJ).

263
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

"Cristo se aprésenla como o mensageiro de boas noticias para os po-


bres (cf. Le 6,20-23). O pobre é o preferido do reino de Deus, nao somente
porque Deus o ama de modo especial, mas também porque, devido á sua si-
tuacáo singular de vida, ele é mais disponfvel e aberto para Deus. Ele ¡á vi
vencia no dia-a-dia a sua dependencia. Para ele é normal deixar Deus estar
ai, depender totalmente de Deus"(p. 135).

"Francisco G. Dezen e Rafaela P. Duarte formulam este problema com


palavras muño radicáis: 'Só entre os pobres podem encontrarse pessoas em
condigóes existenciais de dizer: 'Minha seguranga é Deus, sem comprometí-
mentó, consciente ou inconsciente, com a mentira: tal afirrrtacáo nao pode
estar na boca do rico. Como seria Deus sua seguranga em meto ao cerco de
garantías constituidas por polpudas reservas bancárias, bens movéis e imó-
veis?' " (p. 135, citando Dezen F.G. - Duarte R.P., As pedras clamaráo,
p. 75).

O autor confunde, no caso, o pobre no sentido bíblico (pobre, fiel a


Deus, devoto do Senhor) com o pobre no sentido sociológico (que nao
leva em considerado os aspectos religiosos e moráis do individuo). Na
verdade, a pobreza material como tal nao é sinónimo de santidade nem a
riqueza material como tal é sinónimo de pecado. 0 que justifica ou con
dena o homem diante de Deus, sao as suas atitudes éticas, que podem
ser vividas tanto na pobreza quanto na riqueza material; se esta é honesta,
e devidamente compartilhada', ela nao condena o seu proprietário.

Os únicos pecados parecem ser "o orgulho, o poder, o privilegio, o


egoísmo", segundo se lé a p. 165: "Frente a Deus na morte, o homem
deve abdicar de maneira radical a todo orgulho, a todo poder, a todo pri
vilegio, a todo egoísmo". Ora a S. Escritura e a Tradicáo conhecém, além
dos pecados contra o próximo, os pecados contra Deus e contra o pró-
prio individuo; tenham-se em vista os catálogos de pecados graves en
contrados ñas epístolas de Sao Paulo: Gl 5,19-21; 1Cor 6,9s; Rm 1,28-32.

Ainda se acha á p. 167 a seguinte passagem:

"A pessoa cuja vida era marcada pelo orgulho e a luta pelo poder sentirá
com certeza mais difículdades em se tornar pobre na morte do que outra pes
soa que já na vida tentava realizar a opgáo pela pobreza e pelos pobres. O
mesmo se pode dizer sobre o egoísmo, os privilegios e tantos outros aspectos
da vida que contrariam os valores do reino de Deus" (p. 167; cf. p.232).

1O Documento de Puebla afirma que "sobre toda propriedade particular


pesa urna hipoteca social" (cf. DP n9 1224). Isto quer dizer que toda proprie
dade particular deve, na medida do possivel, beneficiar a sodedade ou contri
buir para o bem comum.
\

264
"NOSSA VIDA TEM FUTURO" 25

Realmente R. Blank póe énfase unilateral sobre certos tipos de pe


cado, com detrimento de outros pecados nao menos graves, que sao a
permissividade sexual, a relativizagáo da verdade e da Moral.

1.4. O Purgatorio

É estranho o conceito que o autor tem de purgatorio. Nao o quer


negar explícitamente, talvez porque saiba que pertence ao depósito da fé.
Mas a nocáo que R. Blank professa de purgatorio, é ambigua e pouco ló
gica. Com efeito,

- de um lado, o autor afirma que "na morte só existe o agora eter


no" (p. 170). "Na morte o homem entra na dimensáo da eternidade. Para
ele nao haverá mais tempo; conseqüentemente nao pode passar tempo
entre a sua morte e a ressurreicáo da sua dimensáo material" (p. 220);

- apesar disso, R. Blank admite evolucáo depois da morte - o que é


contraditório, pois evolucáo implica passado, presente e futuro. Vejam-se
os -textos seguintes, que difícilmente se conciliam com os dizeres atrás
citados:

"A Igreja leve sempre a convicgao de que o destino do ser humano na


morte nao aicanga ponto final estático de evolucáo. A suposigáo de que na
morte (ou depois déla) aínda se processe evolugáo, foi descrita com a imagem
do purgatorio, que hoje causa ¡números equívocos" (p. 166).

E, tentando corroborar seu pensamiento, R. Blank cita Karl Rahner:

"O que sempre se entendeu por purgatorio, contém claramente o ele


mento da alteragáo dinámica. E é justamente este aspecto que Kart Rahner
tormulou de maneira clara em seu estudo sobre o sentido teológico da Morte:
'Com a morte, o homem, aínda mesmo como pessoa espiritual e moral, adqui-
re catéter e consumagáo definitivos. A decisño tomada e atuada em sua vida
corporal para Deus ou contra Deus passa a ser totalmente defínitiva... Mas
esta afírmagáo da fé nao excluí todo aperfeigoamento do homem depois de
sua morte, nem supde urna concepgáo rígida, meramente estática da vida ul-
traterrena do homem diante de Deus. Já a doutrina do purgatorio, da ressur-
reigéo futura do corpo e da futura consumagáo do cosmos inteiro, supde evo
lugáo ulterior do homem em vista de sua perfeigáo em todos os aspectos' "
(pp. 166s).

Como se vé, Blank, após afirmar o agora eterno após a morte,


professa evolucáo e alteragáo dinámica, o contrario de uma "concepgáo
meramente estática da vida ultraterrena". O autor parece oscilar ¡nsegu-

265
26 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

ro; isto bem se entende, visto que, tendo falhado contra a lógica ao ad
mitir a transicáo do tempo para a eternidade, o autor se sujeita a cair em
outras faltas contra a lógica.

A sá doutrina católica ensina que a morte estabiliza o individuo na


sua última opcáo ou na opcáo com que morre. Se morre com o amor
voltado para Deus, nao poderá mais deixar de amar a Deus. Se, ao con
trario, morre avesso a Oeus, nao poderá, após a morte, converter-se para
Deus. Neste sentido a morte tem caráter estático. Acontece, porém, que o
amor a Deus existente numa pessoa falecida pode estar ainda entravado
por escorias ou resquicios do pecado; é um amor fundamentalmente di
rigido para Deus, mas contraditado por pequeñas ¡ncoeréncias (pecados
leves ou veníais); este amor terá que se purificar de tais escorias na vida
postuma, vencendo as resistencias que a natureza lerda ou displicente Ihe
oponha; neste sentido é que se pode falar de evolucáo postuma; nao será
senáo um aperfeicoamento na direcáo da última opcáo, nao urna evolu
cáo que mude tal opcáo.

Ainda chama a atencáo a assertiva de R. Blank segundo a qual na


hora da morte o homem se encontra face-a-face com Deus:

"No momento de sua morte, o homem se encontra pela primeira vez fa


ce-a-face com este Deus, no qual tinha fé durante a sua vida ou, caso contra
rio, que rejeitou na sua vida ou que simplesmente Ihe foi indiferente.

A pessoa humana se encontra com a pessoa divina, e este primeiro en


contró será o momento culminante daquele processo que chamamos morte.

Na sua morte, o homem se encontra com Deus" (p. 115; cf. p. 126).

Ora o encontró face-a-face com Deus é o céu; é a sorte reservada


aos justos. Portanto nao é o que se dá com toda e qualquer criatura que
morre. Esta, logo após a morte, é sujeita ao jufzo particular, que nao é
julgamento como os dos tribunais terrestres, mas é simplesmente a ilu-
minacáo da alma por Deus, a fim de que ela perceba, com clareza nunca
antes alcancada, o valor da sua vida na térra; o Senhor Ihe dará a ver o
sentido exato de cada um de seus atos, de modo que ela poderá, por si
mesma, reconhecer que sua vida na térra foi integralmente fiel a Deus,
parcialmente fiel ou, de modo nenhum, fiel a Deus. O Senhor nao terá
que proferir sentenca alguma, pois toda alma já deixará este mundo com
a sua sentenca lavrada por ela mesma; o Senhor apenas terá que Ihe
mostrar o alcance exato de suas opcóes na térra.

266
"NOSSA VIDA TEM FUTURO" 27

2. AVALIAQÁO

Pode-se dizer que a Escatologia proposta por R. Blank se ressente


de tres vicios fundamentáis, que a invalidam:

1) a afirmagáo de identificagáo de corpo e alma entre si;

2) a afirmagáo de que quem sai do tempo, entra na eternidade;

3) a insuficiente atencáo ao magisterio da Igreja. Este, tendo em


vista precisamente os erros cometidos por autores modernos, publicou
aos 17/05/1979 urna Declaracáo da Congregacáo para a Doutrina da Fé,
em que reafirma, com a Tradicáo católica, a distingo de corpo e alma, e
exclui a tese de que alguém possa passar do tempo para a eternidade.
Ver a propósito PR 238/1979, pp. 399-404; 239/1979, pp. 456-464.

Repassemos tais pontos.

2.1. A distincáo de corpo e alma

A distingáo de corpo e alma é negada na base de insuficiente for


mado filosófica. Com efeito; alegam ceños autores que tal distingáo im
plica dualismo ou o antagonismo entre a alma (boa) e o corpo (mau); tal
dualismo nao seria cristáo. - Respondemos que a distincáo de corpo e
alma nao implica necessariamente dualismo, mas implica dualidade: o
corpo e a alma sao criaturas de Deus; por conseguinte, nao sao seres
ontologicamente maus; nem por isto devem ser identificados um com o
outro numa perspectiva monista. Entre dualismo (antagonismo) e mo
nismo (identificagáo) existe a dualidade (distingáo sem oposigáo, como
ocorre entre homem e mulher).

Além disto, a pessoa humana tem atividades (como o raciocinar,


o falar, o progresso da civilizagáo...) que ultrapassam as possibilidades e
o alcance da materia; por conseguinte exigem um principio de agáo que
nao seja material ou que seja espiritual. A respeito ver PR 226/1978, pp.
423-434; 227/1978, pp. 475-481.

2.2. Tempo e Eternidade

Este assunto é abordado em PR 260/1982, pp. 43s. É realmente ab


surdo dizer que urna pessoa hoje fatecida já contempla, no jufzo final, as
pessoas que ainda nao existem, porque ainda nao nasceram. De resto, R.
J. Blank se contradiz ou mostra-se inseguro no tocante á hora da morte;

267
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

é-lhe muito difícil sustentar a existencia de morte, purgatorio, ressurrei-


cáo, jufzo final sem admitir fases sucessivas.

Alias, nao é difícil compreender quanto é ilógico dizer que alguém


passa do tempo para a eternidade. Com efeito; ninguém entra na eterni-
dade, pois isto supóe que alguém nao era eterno e veio a tornar-se eter
no ou veio a participar do regime da eternidade. Ora o conceito de eter
nidade rejeita todo vir-a-ser, pois vir-a-ser implica passado e futuro.
Nenhum ser que comece a existir, pode entrar no regime da eternidade.
Só Deus, que nunca teve passado, nunca terá futuro e, por isto, é o único
Eterno. A alma humana, que teve inicio e, por isto, tem seu passado e
terá seu futuro, nao se torna eterna, mas goza de um futuro sem fim ou
da imortalidade. Pois bem; a durac.áo de quem teve cometo, mas nao
terá fim, é chamada evo. Em poucas palavras dizemos:

Tempo: implica comego e fim; compete ao composto huma


no mortal.

Eternidade: nem cometo nem fim; só a Oeus compete.

Evo: comeco, sim; fim, nao. Compete á alma humana ¡mor


tal.

Por conseguinte, após a morte a alma, separada do corpo, conhece


uma sucessáo de atos psicológicos mediante os quais vai repudiando os
resquicios de pecado que Ihe estejam aderindo (purgatorio) e aguarda
a ressurre¡?áo da carne no final dos tem pos.
i

Haverá entáo o jufzo final, que supóe a existencia de todos os ho-


mens que existiram até hoje e que ainda háo de existir para o futuro.

A tendencia a dizer que as almas dos defuntos entram na eternida


de, deve-se á linguagem bíblica, que promete a vida eterna aos fiéis de
Deus (cf. Jo 6, 27. 40.47. 51. 54. 58; 17, 2s~). Observe-se, porém, que a
linguagem bíblica nao pretende ser linguagem filosófica precisa, mas é
carregada de semitismos ou de expressóes que os semitas usavam sem
se preocupar com o rigor filosófico.

2.3 Conversáo Geral

O conceito de inferno nao é absurdo nem desumano. A propósito


ver PR 353/1991, pp.434-447. É licito termos confianza na Misericordia
Divina, que até o último momento oferece a sua graca ao pecador para
que se converta, mas tenhamos presente o fato de que a Misericordia nao
l

268
"NOSSA VIDA TEM FUTURO" 29

suprime a liberdade do homem, de modo que este Ihe poderá sempre re


sistir. É sabio nao querer sondar o número dos que se salvam, pois para
tanto nos faltam os dados revelados necessários. Ninguém é mais sabio,
santo e justo do que Deus para retribuir a cada criatura segundo as suas
obras.

É com otimismo e esperanca que o cristáo considera os novfssimos


ou os eventos escatológicos. Sabe que Deus nos amou primeiro e irre-
versivelmente (cf. Uo 4,19; 2Tm 2,13). Nossa vida tem futuro, sim; esse
futuro, porém, há de ser concebido a luz das Escrituras, da Tradicáo e do
magisterio da Igreja, que certamente fala mui diversamente do que faz
Renold J. Blank. Possa este autor, certamente bem intencionado, reler
sua obra á luz dos criterios da fé da S. Igreja!

* * *

(continuacáo da pág. 259)

A Mónada recolheu o lótus e secou o pantano além de vos. Agora a fío-


rada será esse ser novo que acolhe em sintonía Crística a nova cosmovisáo,
multiplicándose no perene ato de transformarse.

Nos pusemos a luz sobre o vosso caminho, que como urna nuvem em
vosso pensamento vos guiará noite e día.

Vosso matrimonio nao corresponderá á carne; tereis rompido com vos-


sos lagos e tramas, seréis viajantes do COSMOS, vosso traje em transpa
rencia reüetirá sua luz pelos caminhos, além do caminho conhecido. Vosso
lugar nao será mais aquele do qual mudastes, quando vestfeis outras roupas e
outros corpos.

Breve tereis diante de vos os que moram em vos, buscando os hori


zontes do templo espiritual.

Os seres secundarios (os que assistem ás Hierarquias Maiores) vos


daráo o alimento para desenvolverdes as necessidades biológicas. Assim, ide
aonde for destinado.

Quando compreenderdes que somonte as necessidades serio cober-


tas, entSo estaréis preparados para em uniáo comvossos irmños buscardes
a tárela grupal do entendimento; entáo a eternidade se abrirá de cima a baixo,
e estaréis preparados para a mudanga do PLANETA que habitáis; vossa mu-
tagáo se terá completado. Haverá urna mudanga de lugar?

Vos decidiréis".

Sem comentarios.»

269
Será verdade?

"Os Mortos nos Falam"

por Frangois Bruñe

Em síntese: Muito há que dizer sobre o livro de Frangois Bruñe, cujo


pensamento é eclétíco; tratase de um Espiritismo que quer conservar um ou
outro tópico de doutrína católica, mas francamente nao se coaduna com o
Catolicismo.

O autor cede ao relativismo religioso; critica a Igreja, sugere o panteís


mo e o rejeita indiretamente, Em suma, é testemunho de urna mente pouco
crítica, pouco dada ao raciocinio, talvez vKma de um estado patológico, que
explica suas aberracóes e atenúa a responsabilidade de quem as comete.

0 autor do livro "Os Mortos nos Falam"1 se diz padre e geólogo (p.
15). Adere francamente a postulados do Espiritismo, entre os quais a co-
municacáo com os mortos. Esta Ihe parece confirmada por gravacóes de
vozes do além e por fotografías de espfritos desencarnados. Frartcois
Bruñe nao se desligou da Igreja Católica e julga que com o tempo a Igreja
reformará seus principios, aceitando a "evidencia científica" da necro-
mancia.

Nao é preciso que nos detenhamos em longos argumentos para


provar que tal obra contraria frontalmente a mensagem católica e até
mesmo as sadias conclusóes da Parapsicología. Como quer que seja,
examinaremos de mais perto algumas de suas proposigóes e Ihes acres-
centaremos breve comentario.

10s Mortos nos Falam, por Frangois Bruñe. Editora Cultural Espi
rita Edicel Ltda., Sobradinho (DF), 140 x 210 mm, 301 pp.
i

270
"OS MORTOS NOS FALAM"

1. TRAAOS DO LIVRO

Quem lé a obra, tem a ¡mpressáo de estar diante de um livro fran


camente espirita, em que se encontra um ou outro trago de Catolicismo.
0 que chama a atengáo, porém, é que os postulados espiritas de comuni-
cacáo com os mortos sao apresentados como conclusóes de experiencias
feitas com aparelhos apropriados e de caráter "científico". Sao citados
pesquisadores como Friedrich, Jürgenson, Constantin Raudive, Pierre
Honnier, Ernetti, que teriam comprovado a ¡ntervencáo sonora e visual
de esptritos do além. O aparelho Cronovisor seria capaz de captar o som
e as imagens de acontecimentos passados, pois todo evento histórico
deixaria no ar vestigios de si, vestigios que séculos mais tarde poderiam
ser percebidos mediante aparelhagem adequada.

O além é concebido como um mundo semelhante ao nosso, expur


gado, porém, de nossas deficiencias; haveria diversos nlveis de vida e
bem-estar postumos, como também se poderia tragar urna certa carto
grafía do além (embora sujeita a dúvidas); o autor cita diversas opinióes,
mas nao se decide por alguma délas (cf. p. 144).

Oeus é entendido como alguém que, sem parar, langa energías.


Estas produzem e mantém um campo de fo reas nao diferenciadas, que
estáo subjacentes a todos os fenómenos físicos e psíquicos. Existe nos
nlveis mais baixos da materia urna certa forma de consciéncia e mesmo
de liberdade; assim no átomo, na molécula, no órgáo vivo, em cada gru
po de entidades, como também existe urna consciéncia coletiva ñas
grandes cidades ou até num país inteiro, segundo dizem numerosas
mensagens "do além"; cf. pp. 196s.

Quanto á reencarnagáo, o autor a admite, nao, porém, para todos


os espfritos; é, antes, urna excegáo feita em favor daqueles que nao evo-
luiram devidamente no decorrer de urna só passagem pela Térra. O in
ferno nao existe, segundo o autor, que assevera: "A última misericordia
de Deus para com as almas rebeldes será a de deixá-las voltar ao nada"
{p. 115).

Em suma, o livro é um repertorio de casos maravilhosos, que que-


rem ¡ncutir a crenga na comunicagáo com os mortos e na possibilidade de
ajudarmos a eles e sermos por eles ajudados. A Biblia é citada em varias
páginas do livro, o que dá a ¡mpressao de que as teses do autor se coa-
dunam a do genuino Cristianismo.

Expostas as principáis teses do livro, passemos a breve comentario.

271
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

2. REFLETINDO...

Por mais sedutor que seja, o livro de Frangois Bruñe nao resiste a
um exame objetivo e sereno realizado a luz da Parapsicología. No tocante
ao além-túmulo, a fantasía tende a antecipar-se ao raciocinio, forjando
estórias e explicacóes que muito falam a imaginacáo do leitor, mas de-
ve m ser consideradas em perspectiva científica. - Ora em nossos dias
cada vez mais se descobrem as enormes potencialidades do psiquismo
humano; respondem por fenómenos maravilhosos que outrora (e ainda
hoje) sao atribuidos a espfritos do além.

Detenhamo-nos sobre seis tópicos sugeridos pela leitura do livro


de Bruñe.

2.1. Vozes do além

A tónica do livro de Frangois Bruñe é a noticia de que os espfritos


desencarnados emitem sua linguagem (recorrendo a diversos idiomas),
que pode ser gravada em fita magnética. Tais esplritos utilizariam ex-
pressóes familiares e carinhosas, que identificarían-) bem os desencarna
dos no trato com os seus.

A propósito pode-se observar o seguinte:

0 caso de Constantin Raudive (1909-1974), católico, tido como um


dos pioneiros da gravacáo de vozes do além, é caso muito estudado pela
Parapsicología: Raudive realizou de fato gravacóes de vozes estranhas,
cuja origem ele nao sabia explicar; os partidarios do Espiritismo consi-
deravam-nas vozes de esplritos desencarnados em comunicacáo com os
vivos.

Estudos posteriores permiten* atualmente dizer o seguinte:

O fenómeno das vozes gravadas reduz-se ao que se chama psi-


cofonia, isto é, linguajar proveniente do psiquismo do próprio médium.
Pode haver duas explicagóes para a producáo de tais vozes:

1) Notemos logo de inicio que há pessoas capazes de modificar a


sua voz, imitando qualquer anciao ou crianca, homem ou mulher; bas-
ta-lhes ter ouvido urna única vez tais pessoas a falar. Registram-se famo
sos casos desta ocorréncia.

Ora a ¡mitacáo de voz alheia pode ser obtida pela ventriloquia: sem
mexer os labios nem a Ifngua, sem mesmo ter consciéncia do que faz, o
i

272
"OS MORTOS NOS FALAM" 33

ventrlloquo emite sons por sua laringe, com toda a variedade de tons e
entoacóes. A sua voz se modula de tal modo que parece provir de lugares
estranhos ou distantes: de sob um móvel, de tras de uma janela fechada,
de uma porta fechada, como se pudesse infiltrar-se através de paredes
ou obstáculos. A ventriloquia supóe, da parte do médium ou experi
mentador, a sugestáo; com efeito, o médium, crendo na possibilidade de
ouvir vozes do além, concentra-se, faz silencio, esquece o mundo que o
cerca..., exprime de si para si o desejo de entrar em contato com o além,
e formula perguntas concretas a familiares ou personagens históricos já
falecidos. Tais perguntas exigem respostas; estas sao tiradas do incons
ciente do próprio operador, que tem sua pantomnésia ou memoria de
tudo (o inconsciente nao esquece).

O ventrfloquo pode dizer coisas que ele nunca diría consciente


mente, porque contrarias ao seu habitual modo de pensar. Isto se explica
pelos fenómenos parapsicológicos de cisáo da personalidade (o indi
viduo nutre em si tendencias opostas, das quais uma é habitualmente
reprimida, mas nele existe realmente) ou de prosopopéia (o individuo
se identifica com uma personalidade que ele admira ou que ele tem em
mira consciente ou inconscientemente). Assim o ventrlloquo se revela
bem diferente do que ele costuma ser, nao porque tenha incorporado um
espirito do além, mas porque ele tira do seu inconsciente sentimentos
e imagens latentes.

2) Outra maneira - mais rara - de explicar tal fenómeno se chama


"ventriloquia subliminar"; ei-la:

Ensinam os parapiscólogos que o ser humano emite o que se cha


ma "a telergia", ou seja, uma energía que atua á distancia fora do corpo
humano; tal energía pode mover copos, movéis, quadros..., produzindo a
telecinesia, como também pode provocar pancadas e batidas (o que se
chama "a tiptologia"). Ora a telergia pode condensar-se em ectoplas
ma, ou seja, em massa que toma a configuracáo de imagens que o indi
viduo tem em sua mente; assim já se produziu um papagaio ectoplasmá-
tico; produziram-se também muitos outros fantasmas ou corpos resul
tantes da condensacáo de energía e moldados segundo as imagens da
mente do respectivo médium. Admitamos entáo que determinado mé
dium produza uma laringe ectopiasmática dotada de cordas vocais; estas
poderáo vibrar como vibra uma laringe natural, emitindo sons, desde que
tal ectoplasma um sopro passe por ela... Admitamos também que o mé
dium emita um ectoplasma configurado á imagem de um morto.de que
se recorda esse médium. Poderá fazer passar por tal ectoplasma os sons
que, consciente ou inconscientemente, ele, médium, profere.

273
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

Notemos aínda que a linguagem procedente do "morto" ou do


ectoplasma configurado ao morto parece diferir muito do modo de pen
sar habitual do médium (o que dá a entender que nao é o médium que
está falando). Ora isto se explica, como dito, pela cisáo de personalidade
ou pela capacidade que temos, de representar duas ou tres personalida
des sucessivas. O próprio médium, portento, emitiría através do ecto
plasma os sons correspondentes a tendencias latentes dentro dele, des
toantes das suas costumeiras tendencias.

Mais: a telergia possui certo tipo de magnetismo; em conseqüéncia,


pode produzir efeito que o gravador registra. Assim se explicam as fitas
gravadas portadoras de "vozes do além". Deve-se, porém, observar que
tais gravacóes sao geralmente muito fracas ou quase imperceptfveis; re-
querem gravadores de boa qualidade; mesmo assim parece que nao che-
gam a impressionar o ouvido em condicóes normáis; sao muito curtas,
nunca excedendo o total de dez silabas. O próprio Constantin Raudive
(citado por Francois Bruñe) reconhece que urna gravacáo de dez minutos
pode levar dez horas para ser devidamente decifrada e analisada. Além
disto, os sons gravados só se tornam inteligfveis caso se suponha que
procedem de idiomas diversos, pois é preciso procurar em línguas dife
rentes os vocábulos que correspondam a tais ou tais sons. O estilo desses
dizeres, por vezes, nem sequer é o de um telegrama, no qual, apesar da
brevidade, há sempre um nexo lógico.

Analisemos agora outro fenómeno muito citado por Francois Bru


ñe.

2.2. Fotografías de defuntos (escotografia)1 <

Por escotografia se entende a arte de fotografar objetos invisfveis,


que, apesar de incapazes de impressionar nossa retina, deixariam seus
vestigios ñas chapas fotográficas. Geralmente esses seres invisfveis sao
identificados com os mortos - o que torna o assunto muito sensacional.

Que dizer a respeito?

- Na verdade, sáo-nos mostradas, em livros e revistas, numerosas


fotografías de "espfritos desencarnados", que parecem provar a existen
cia da escotografia.

1 Escotografia vem de skotos, escuro, e graphein, escrever, em


grego. É a impressáo no escuro, em oposigáo á fotografía propriamente dita,
que é a impressáo pela luz (=phos, photos).
i

274
"OS MORTOS NOS FALAM" 35

Antes do mais, deve-se dizer que foram verificados muitos casos de


truque e fraudulencia na producáo de tais fotografías. Sim; imaginemos
que o mistificador quer conseguir a imagem de um morto ao lado da fo
tografía de urna pessoa real: esse mistificador pode fotografar a pessoa
em foco sobre o fundo de cortinas dotadas de algum artificio; é fácil pin
tar ou desenhar ñas cortinas siluetas com solucóes de sulfeto de quinino,
de fluorescelna ou pocóes de marráo da india, de frexo... Invisfveis ao
olho nu, as siluetas aparecem sobre o filme fotográfico, se se coloca o cli
ché sob a luz do flash ou (amigamente) de um cartucho de magnesio.
Pode também o fotógrafo utilizar um filme no qual já esteja gravada al-
guma imagem misteriosa, que o público identificará com a fotografía de
tal ou tal defunto (muitas vezes sao imagens táo vagas que podem ser
identificadas com o pai, o irmáo e cunhado». de quem as analisar).

Todavia nem todos os casos sao de truque. Com efeito; falamos de


tefergia...; esta pode-se condensar e exteriorizar, dirigida pela imaginagáo
e a vontade do respectivo individuo. Ora, quando alguém é fotografado,
pode estar consciente ou inconscientemente pensando em outra pessoa
ou em algum objeto; este pensamento se configura pela telergia num
ectoplasma, que é invisível a olho nu, mas que aparecerá na chapa foto
gráfica. O ectoplasma volta a ser absorvido pela pessoa que o emitiu.

Diga-se a propósito que existem coisas totalmente invisfveis ao


olho humano, que podem ser fotografadas. Por exemplo, num quarto ao
qual tém acesso os raios ultra-violetas do espectro solar, urna fotografía
pode ser tirada por meio dessa "luz escura". Num quarto assim ilumina
do, os objetos sao claramente vislveis para a lente da camera escura; po
dem ser reproduzidos num cliché sensfvel, sem que a mínima claridade
seja percebida pelo olho humano.

Eis dois casos relatados por Antonio Elegido na "Revista de Parap


sicología" n? 17, pp. 19s:

0 agricultor Felipe tinha urna pequeña plantacáo na cidade de S.


Helena (GO), onde vivía com sua mulher Marta e seu filho Eduardo, de
cinco anos de idade. Apaixonou-se, porém, por urna mulata de nome
Laura, com a qual comecou a ter relacoes. Por influencia desta, Felipe
matou sua esposa e o filho, enterrando-os no jardim da sua própria casa;
oficialmente dizia Felipe aos seus vizinhos que ele fora abandonado pela
esposa legitima e o filho. O caso foi comentado pelos amigos e conhe-
cidos, mas sem conseqQéncias; Felipe passou a viver abertamente com
Laura e transferiu-se para outra cidade. Certo domingo, porém, Felipe
quis levar Laura ao povoado de origem, onde pousaram para urna foto
grafía.

275
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/19^2

Na quarta-feira seguinte, quando Felipe voltou para procurar o re


trato, levou grande susto. Com efeíto; além do casal, v¡am-se duas figu
ras transparentes; Felipe fixou o olhar sobre a fotografía e reconheceu
sua esposa e o filho que ele assassinara. Logo caiu de joelhos e confessou
o críme. Laura teve tempo de fugir. Mas Felipe enlouqueceu.

Outro caso: Sebastiáo Sá Barreto, ex-diretor da equipe de futebol


Leáo XIII, de Recife (PE), morreu em 1969 em conseqüéncia de trombo-
se. Em 1970 sua filha casou-se; e, como se compreende, foram tiradas
fotografías da cerimónia. Ora nessas fotografías apareceu a imagem de
Sebastíáo. Párenles, amigos e colegas ¡dentíficaram-no pelo corte de cá
belo, pelas orelhas muito abenas e pela maneira relaxada de sentar-se.
Como explicar o fato, já que Sebastiáo nao pertencía mais ao mundo dos
terrestres? - Todos os participantes da cerimónia reconheceram que, no
decorrer desta, seus pensamentos estavam voltados para o pai da noíva
recém-falecido! O pensamento se concretizou num ectoplasma ou numa
ideoplastia, que representava o vulto do falecido!

Acrescentam os estudiosos que as faculdades parapsicologías


pertencem ao inconsciente do nosso psíquismo. Por isto o consciente nao
pode utilizar essas faculdades a nao ser de modo excepcional ou rudi-
mentar. É mais fácil que aparecam na escotografia as imagens incons
cientes do que as conscientes.

2.3. A experiencia da senha

Em suma, a refutacáo da tese de que os mortos nos falam, pode ser


obtida mediante a famosa experiencia da senha. Com efeíto; tern aconte
cido que certas pessoas em vida terrestre indicam a seus familiares ou
amigos urna determinada senha {= sinal), que utilizaráo para se identifi
car quando voltarem á térra depois de "desencamados". Ora nenhum
desses casos foí bem sucedido; nunca se viu a utilizacáo da referida senha
por parte do falecido. Eis exemplo famoso:

O romancista José Bento Monteiro Lobato, antes da sua morte,


ocorrida em 1948, deixou duas senhas em envelopes lacrados: urna com
Da. Ruth Fontoura, filha do proprietárío dos Laboratorios Farmacéuticos
Fontoura de Sao Paulo; e outra, com o juiz Dr. José Godofredo de Moura
Rangel, também romancista e grande amigo de Monteiro Lobato.

Ora o psicógrafo Chico (Francisco Cándido) Xavier afirma receber


mensagens de Monteiro Lobato, que ele psicografa. Ora tais escritos psi-
cografados nao mencionam nenhuma das duas senhas deixadas aos
amigos, a tal ponto que no catálogo de escritos de Chico Xavier, confec-
i

276
"OS MORTOS NOS FALAM" 37

donado pela Comissáo de Divulgacáo do livro Espirita, nao é citado


Monteiro Lobato entre as centenas de nomes de espíritos que estariam
escrevendo pelas máos de Chico Xavier. Em particular, a nao utilizagáo
da senha deixada ao Dr. Godofredo Rangel é atestada pelo Dr. Cecilio
Karam, Diretor de Publicidade do Jornal Federal "A Noite" de Sao Paulo:

"Tendo sido amigo do saudoso Monteiro Lobato e seu companheiro


na luía do petróleo e tendo conhecimento do pacto entre ele e Godo
fredo Rangel, desejo dar o meu testemunho com relacáo a este aconteci-
mento.

Realmente houve o acordó entre ambos e ficou assentado que oprimei-


ro entre eles que morresse, enviaría do além urna mensagem ao sobrevi-
vente. Combinaram estabetecer cada qual urna senha para evitar possíveis
fraudes; as senhas foram guardadas em envelope lacrado e encerradas em
cofre.

Falecido Lobato e sendo algum tempo depois publicada urna mensagem


atribufda a Monteiro Lobato e recebida por Chico Xavier, apressou-se Godo
fredo Rangel a examiné-la. Declarou, a seguir, á imprensa: 'Nao é o estilo de
Monteiro Lobato e a senha combinada nao foi utilizada'. Os ¡ornáis fízeram
ampios comentarios".

Ver "Revista de Parapsicología" n9 29, pp. 29-32.

Outros casos de senha nao reproduzida se poderiam citar a partir


do citado número de revista.

2.4. Antropologia

No seu livro, Frangois Bruñe revela nao ter clara nocáo de espirito.
Este é um ser totalmente ¡material, incorpóreo, dotado de inteligencia e
vontade; donde se segué que nao emite energia comensurável e mate-
matizável. Espirito nao é fluido etéreo, gasoso, nem corrente elétrica,
pois todos estes elementos se reduzem á materia; sao quantitativos.

Bruñe escreve um capitulo intitulado "A alma é um corpo sutil" (pp.


71-82) e outro em que fala de "Deus sentido como energia" (pp.
263-265). Em tais expressóes manifesta-se confusáo de conceitos, que se
presta a narracáo de estórias fantasiosas.

A falta de senso,de abstracto do autor leva-o a conceber o além


como copia melhorada do aquém: haveria urna topografía do além, como
existe urna topografía do aquém. Ora a fé católica rejeita toda concepcáo

277
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

que imagine a vida postuma dependente de compartimentos materiais


como os há na térra. Prefere optar pela sobriedade de discursos, basean-
do-se na palavra de Sao Paulo: "O que o olho nao viu, o que o ouvido
nao ouviu, o que o coragáo do homem jamáis percebeu, eis o que Deus
preparou para aqueles que O a mam" (1Cor 2,9).

2.5. Reencarnacáo

1. A tese da reencarnacáo nao se coaduna com o pensamento bíbli


co e a Tradigáo católica. As provas que em favor da mesma sao aduzidas,
tém sua refutagáo na Parapsicología; assim, por exemplo, os depoimen-
tos de "vida pregressa" colhidos em estado de sonó hipnótico nada de-
monstram; sao explicados pela livre associagáo de reminiscencias conti-
das no inconsciente do individuo; este, comandado pelo hipnotizador
para regredir a sua "encarnacáo anterior", tira do acervo de seu incons
ciente as nogóes que Ihe ocorrem para tecer um enredo que ele apresenta
como sua vida pregressa...

A Igreja nunca professou a reencarnacáo, pois tal concepcáo se


opóe frontalmente á mensagem crista. Esta julga que o corpo nao é car-
cere, no qual um espirito esteja expiando faltas do passado ou procuran
do progredir; para o cristao, o corpo é criatura de Deus, chamado a parti
cipar da gloria da alma humana mediante a ressurreigáo da carne. -
Ademáis a reencarnado supóe a auto-salvagáo, ou seja, a salvagáo do
homem pelo seu próprio esforco salvífico, ao passo que a doutrina crista
professa a hétero-salvagáo ou a salvagáo do homem por outrem ou
por Deus; a morte de Cristo na Cruz atesta o designio salvlfico de Oeus,
que, por certo, concede a cada individuo todas as gragas necess^rias para
que se salve e santifique no decorrer de urna só vida terrestre.

2. Há quem diga, apesar de tudo, que os cristáos da antigüidade


acreditavam na reencarnacáo. Sonriente no século VI a Igreja se terá
afastado de tal doutrina.

Isto é falso, como se poderá depreender de um exame de autores


dos primeiros séculos cristáos.

Clemente de Alexandria (+ 215) julga ser a doutrina da reencar


nacáo arbitraria, porque nao se baseia nem ñas sugestóes da nossa cons-
ciéncia nem na fé católica; lembra que a Igreja nao a professa, mas, sim,
os hereges, especialmente Basllides e os Marcionistas. Cf. Eclogae ex
Scripturis Propheticis XVII PG 9, 706; Excerpta ex Scriptis Theo-
doti XXVIII, PG9.674; Stromata III, 3; IV, 12 PG 1114s.1290s.

S. Irineu (+ 202) observa que em nossa memoria nao se encontra


vestigio de pretensas existencias anteriores (Adv. Haer.ll,33,PG7,830s);

278
"OS MORTOS NOS FALAM" 39

em nome da fé, opoe o dogma da ressurreigáo dos corpos: nosso Deus é


bastante poderoso para restituir a cada alma o s°u próprio corpo (ib. II
33, PG 7, 833).

Outros autores antigos se poderiam citar a propor semelhantes


ponderagóes. 0 mais importante, porém, é Orígenes de Alexan-
dria (+ 254). Este propós, á guisa de hipótese, a preexistencia das almas:
todos os esptritos teriam sido criados desde toda a eternidade e dotados
da mesma perfeigáo inicial: muitos, porém, teráo abusado da sua líber-
dade e pecado. Tal pecado haverá sido, para Deus, a ocasiáo de criar um
mundo material, a fim de servir de lugar de castigo e purificagáo. Con
forme a falta cometida, cada espirito teve que tomar, em punicao, um
corpo mais ou menos grosseiro. Os que nao se purificassem devida-
mente nesta vida, deveriam passar, depois da morte, para "um lugar de
fogo". Mas finalmente todos seriam reintegrados na suprema felicidade
com Deus; o inferno nao seria eterno.

Notemos que estas idéias foram propostas com reservas e a titulo


de hipóteses (cf. Peri Archon; PG 11, 224). Todavía os discípulos de
Orígenes, chamados origenístas, eram monges do Egito, da Palestina e
da Siria, que se beneficiavam dos escritos ascéticos e místicos do mestre,
mas eram pouco versados em teologia; por conseguinte, nao tinham cri
terios para distinguir entre as verdades de fé e as proposicóes hipotéticas
de Orígenes. Os origenistas, portante nos séculos IV/VI professaram
como artigos de fé nao só a preexistencia das almas e a restaurado final
de todos na felicidade inicial, mas também a reencarnagáo. Contrariavam
assim o pensamento do próprio Orígenes, que era avesso á reencarna
gáo, tída por ele como "fábula inepta eímpia"(ln Rom.V. PG 14,1015).

As doutrinas dos origenistas chamaram a atencáo das autoridades


da Igreja. Em 543, o Patriarca Menas de Constantinopla redigiu e pro-
mulgou quínze anatemas contra Orígenes, dos quais os quatro prímeiros
nos interessam di reta mente:

1. "Se alguém crer na fabulosa preexistencia das almas e na repu-


diável reabilítacáo das mesmas (que é geralmente associada áquela), seja
anatema.
2. Se alguém disser que os espíritos racionáis foram todos criados
independentemente da materia e alheios ao corpo, e que varios deles re-
jeitaram a visáo de Deus, entregando-se a atos ilícitos, cada qual seguin-
do suas más ¡nelinacóes, de modo que foram unidos a corpos, uns mais,
outros menos perfeitos, seja anatema.
3. Se alguém disser que o sol, a lúa e as estrelas pertencem ao
conjunto dos seres racionáis e que se tornaram o que eles hoje sao por se
voltarem para o mal, seja anatema.

279
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

4. Se alguém disser que os seres racionáis nos quais o amor a Deus


se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros como sao os nos-
sos, e foram em conseqüéncia chamados homens, ao passo que aqueles
que atingiram o último grau do mal tiveram, como partilha, corpos frios e
tenebrosos, tornando-se o que chamamos demonios e espírilos maus,
seja anatema".

O Papa Vigílio e os demais Patriarcas deram a sua aprovacáo a es-


ses artigos. Concluímos, pois, que a doutrina da reencarnacáo nunca foi
professada oficialmente pela Igreja Católica (contradiz ao Credo cristáo);
todavia após Orígenes (século III) foi professada por grupos particulares
de monges orientáis, pouco iniciados em teología; em 543 foi solene-
mente rejeitada pelas autoridades da Igreja. A mesma condenacáo ocor-
reu nos Concilios ecuménicos de Liáo (1274) e Florenca (1439), que ensi-
nam a ¡mediata passagem desta vida para a sorte definitiva no além (DS
857 [464] e 1306 [693]. O Concilio Vaticano II, por sua vez, fala do "único
curso da nossa vida terrestre (Hb 9,27)", tencionando assim opor-se á
teoría da migracáo das almas; cf. Lumen Gentium n? 48.

2.6. Comunicacáo com o além e saúde mental

As pretensas comunicacóes com o além supóem, da parte do mé


dium ou do operador, urna mente fácilmente sugestionável, sujeita a im-
pressóes que sao especialmente significativas num psiquismo agitado,
nervoso e tendente a se tornar sempre mais doentio pelo cultivo da me-
diunidade ou pelo exercicio das faculdades parapsicologías: percepcáo
extra-sensorial, psicocinésia, telergia, aporte, ectoplasma... Todos estes
fenómenos levam o individuo a viver num mundo sempre mais irreal ou
de ficcáo, com enorme prejulzo para a sua saúde psiquica e física.

A propósito tenham-se em vista os depoimentos de ilustres médi


cos registrados em PR 360/1992, pp. 213-215.

3. CONCLUSÁO

Muito ainda haveria que dizer sobre o livro de Francois Bruñe, cujo
pensamento é eclético; trata-se de um Espiritismo que quer conservar
um ou outro tópico de doutrina católica, mas francamente nao se coadu
na com o Catolicismo.

O autor cede ao relativismo religioso (p. 18), critica a Igreja (pp.


111.272), sugere o panteísmo (p. 291) e o rejeita indiretamente (p. 197).
Em suma, é testemunho de urna mente pouco critica, pouco dada ao ra
ciocinio, talvez vltima de um estado patológico, que explica suas aberra-
cóes e atenúa a responsabilidade de quem as comete.
i

280
Na ordem do dia:

Trigueirinho e sua Mensagem

Em sfntese: Trigueirinho anuncia ao público urna nova era da historia


da humanidade, vivenciada pela quinta raga sucessiva que existirá sobre a
Térra a partir de um futuro próximo. Seráo transferidos para outros planetas os
seres humanos involuldos e desembarcaráo na Térra homens muño sabios e
perfeitos, enviados pelo Governo Celeste Central do Universo e seus Conse-
thos Intergaláticos e Interplaneterios. As viagens siderais sao algo de Ire-
qüente, e a Lúa, despojada dos metáis do seu bojo, é urna crosta que vem
sendo utilizada como laboratorio pelos seres extraterrestres. Existem civiliza-
cdes intraterrenas, intra-oceánicas, extraterrestres ou supratísicas.

O autor tem imaginagáo altamente fecunda; diz-se inspirado por fonte


transcendental. Usa de substantivos e adjetivos varios, que, em suma, pouco
ou nada dizem.

A expectativa de nova era por intervencáo drástica de poderes do além


corresponde á necessidade que o homem contemporáneo experimenta, de
descobrir urna solugéo para os seus problemas,... solugáo mágica, pois queja
nao confia nos recursos da razio e da ciencia.

As obras de Trigueirinho tém chamado a atencáo de muitos dos


nossos contemporáneos, pois parecem transmitir a humanidade urna
mensagem, vinda do além, relativa ao próximo futuro da humanidade...,
mensagem severa e, ao mesmo tempo, alvissareira. Desde 1987 até 1990,
o autor publicou dezenove livros concernientes aos mesmos assuntos e
traduzidos para o espanhol na Argentina.

Trigueirinho diz-se inspirado por urna entidade misteriosa, que ele


assim apresenta em "A Quinta Rafa" (QR), p. 69:

281
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

"O conteúdo deste livro veio de urna tonte coligada com os ensinamen-
tos de Miz Tli Tlan, o centro intraterreno existente nos Andes peruanos, que foi
o motivo central de um nosso livro anterior. Estes noves conteúdos foram-nos
passados com a finalidade de estimular a consciéncia espiritual nos leitores e
nao, meramente, de aumentaro seu acervo de conhecimentos. Conservamos o
estilo original das mensagens, característico do um Raio potente (o Sexto) e
ligado a certas operagóes em preparo no planeta Tena. Pequeñas alteracóes
em sua ordem foram introduzidas, conforme a necessidade de maior clareza
ante os latos que atualmente estáo se tornando públicos".

Será lícito perguntar: como conceber essa fonte inspiradora de Tri-


gueirinho? Como combinar entre si os seus tragos característicos ("Miz
Tli Tlan1, Raio potente, o Sexto)?

Percorramos as linhas essenciais da mensagem assim transmitida


ao mundo de hoje.

1. A MENSAGEM: SÚMULA

Quem le as obras de Trigueirinho, nao pode deixar de experimen


tar dificuldade para concatenar de maneira lógica as noticias que trans
mite, pois o autor faz afirmacóes nem sempre coerentes entre si e alta
mente inspiradas pela fantasía. Eis, porém, a stntese do seu pensamento,
apresentada, tanto quanto posslvel, com as palavras mesmas de Triguei
rinho.

1.1. Origem da Humanidade

A humanidade existente na superficie da Térra seria descendente


de ragas e subracas muito antigás, que Trigueirinho assim apresenta:

1A respeito de Miz 77/ Van, Trigueirinho fornece as seguintes explica-


góes no Glossário do seu livro "Padroes de conduta para a nova Humanida
de", pp. 172s:

"Miz Tli Tlan: Denominagáo em Ifngua Irdin (idioma intargalático que


nesta época está sendo apresentado gradualmente ao homem terrestre de su
perficie) de determinado estado de consciéncia, representado, no planeta, pela
cidade de mesmo nome localizada na área intraterrena dos Andes peruanos.
Sobre Miz Tli Tlan escrevemos um livro, pois o tema destínase á tarmacao de
urna nova raga de superfíde que está surgindo na Térra. Como estado de
consciéncia, Miz Tli Tlan reúne tres ragas: a cósmica (extraterrestre), a intra
terrena eade superficie, as quais estáo também presentes em todos os pla
netas que tenham um plano evolutivo semelhante ao da Térra".
\

282
TRIGUEIRINHO E SUA MENSAGEM 43

"A primeva raga nao está registrada nos anais da historia terrestre; ori-
ginou-se da fusáo de urna raga inteligente vinda de certo planeta com outra,
rude, vinda de outro. Naquele momento estavam se preparando os corpos pa
ra os seres humanos que habitariam este planeta e, portanto, tal raga nao era
física. A segunda também nao foi física e por isso ninguém tem noticias déla,
já que as pesquisas buscam apenas o que restou de concreto de outros tem-
pos. A terceira raga foi a lemuriana, e a quarta a atlante. A chamada raga aria,
de hoje, só poderá ser chamada realmente de QUINTA RAQA quando des-
pertardes para as 'sete Mónadas'. Enquanto o homem nao tiver esse conheci-
mento, e as sete Mónadas nao forem consideradas despertas, os arios nao
poderáo usar a denominagáo de QUINTA RAQA. Embora estejais na quinta
sub-raga dos arios, conforme vos ensinaram no passado, seréis verdadeira-
mente a QUINTA RAQA somente quando tiverdes cumprido a tarefa que Ihes
cabe: quando manifestardes a consciéncia de que sois sete Mónadas" (Qfí.
pp. 135s).

Os homens de raga física outrora tinhamtrés olhos: os da raga Tolte-


ca, por exemplo, eram de pele vermelha, estatura gigantesca; "seus cor-
pos eram de materia mais densa do que a (Jaqueles que os precederam
ou vieram depois; esses corpos tinham urna dureza e solidez suficientes
para poder dobrar urna barra do vosso ferro. Os vossos cañivetes nao
poderiam cortar suas carnes... Tinham grande poder para curar feridas,
que recebiam ñas duras batalhas ou nos acidentes... Nao experimenta-
vam estados nervosos nem febris..." (QR. p. 144).

1.2. Depravacáo da raca atual

Os homens hoje existentes na superficie da Térra, em grande parte,


se depravaram, cedendo a torgas involutivas. Ora há um Governo Celeste
Central, com seus Conselhos Intergaláticos e Conselhos Interplaneterios,
que se reuniu e resolveu vir em ajuda aos homens na Térra, inaugurando
aqui a quinta raga da humanidade. Tal ajuda se dará do seguinte modo:

Seráo transportados para fora da Térra os homens nao resgatáveis,


involuldos. Partirao em naves espaciáis poderosfssimas. Esses individuos
seráo levados para planetas de pouca evolugáo existentes nesta nossa
galaxia ou em outras galaxias; nao voltaráo a pisar a Térra por muitos
milenios.

Quanto aos homens resgatáveis hoje existentes na Térra, seráo


transferidos para planetas diversos e voltaráo á Térra logo que esta tenha
sido purificada e dotada de novas leis, que faráo déla urna especie de
paraíso terrestre; voltaráo com um novo código genético implantado em
seu ser.

283
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

Animáis e plantas também estáo sendo evacuados "a fim de se pre-


servarem dos fatos físicos que ocorreráo aqui no mundo de superficie"
(QR. p. 35s).

1.3. A Lúa

A Lúa é urna nave-laboratorio, utilizada por seres provenientes de


galaxias distantes e dotados de civilizacáo adiantada: percorrem mais de
200 anos-luz de distancia e fazem parada obrigatória na Lúa. Ai os seus
corpos sutis ou imateriais sao preparados para trabalhar na esfera ter
restre sem apresentarem nenhum problema ao chegar aqui. As naves
que esses seres utilizam, precisam de adaptar-se á energía ONO-ZONE1
atuante na Térra, pois cada planeta tem seu código energético. A Lúa é
urna base que serve a todo este sistema solar, e nao só á Térra.

"A Lúa regula vossas colheitas, armazena e processa energías curado


ras, potencializando-as para enviá-las á vossa Térra. A Lúa dá virtudes aos
vossos alimentos, e sua influencia enriqueceu, com o decorrer das eras, os
frutos da Térra. Da Lúa foi retirado todo o material do seu bojo, tendo perma
necido só a crosta externa, como era originalmente. Os homens maltrataram a
Lúa, enviando sondas e satélites guiados por dentistas que desconhecem leis
magnéticas. Em conseqüéncia, os terrestres tém que enviar á Lúa vibragóes
de amor" (QR.pp. 42-44).

1.4. A Nova Humanidade

Logo que terminar a partida dos seres involutivos ou atrasados, a


Térra será ocupada pelos "filhos do Pastor", urna humanidade nova, que
com fé aguarda o día de descer ao nosso planeta. Esses novos homens
trazem um profundo desejo de servir; estáo em oracáo, sempre elevados
a urna Fonte Luz, acham-se prontos para o novo ciclo. Sao dotados de
novo código genético, libertos da lei do Karma humano e material2.

"A civilizagáo nascente será guiada por irmandades vindas de galaxias


distantes, destinadas a promover a aprendizagem de diversas tarefas, inter-

1 Segundo Trigueirinho, a Energía ONO-ZONE é um Principio inteligen


te, onipotente e onipresente, que rege os universos. Cf. "Padróes de conduta
para a Nova Humanidade", p. 169.

2Trigueirinho admite a reencamacáo para a humanidade anterior á


quinta raga ou para os tempos atuais.

284
TRIGUEIRINHO E SUA MENSAGEM 45

cambiando conhecimentos de técnicas de irrigagáo, conservagáo da Nalureza,


já que esta foi táo atetada pelas diferentes mudangas que precisou sofrer:
mudangas de leis, libertagáo de radioatividade, mudangas geológicas, etc. Á
nova civilizagáo será trazido o conhecimento de como aproveitar os frutos, os
métodos de controle dos climas - que poderáo melhorar as colheitas - e as
fórmulas para o controle da gravidade.

Isso irá se concretizando á medida que os membros desta nova civili


zagáo forem se adaptando ás novas leis, a um novo estado de consciéncia,
acolhendo em si o profundo compromisso de estabelecerem urna civilizagáo
Minante pelos seus conhecimentos, neta introduzidos devido á implantagáo
dos novos genes cósmicos. Isso dará seus frutos, e cada um terá urna chave
dessa Grande Sabedoria que rege as leis para o despertar, e para o ascender
de urna civilizagáo.

Longe estaráo os tempos de guerra e exterminio provocados pelo


egoísmo incontrolado, sepultadas fícaráo as armas mortíferas e as técnicas de
sua fabricagáo, desaparecendo o sincretismo que representa um período que
agora se extingue.

Nos Templos Maiores seráo oficiadas cerimónias por Sumos Sacerdo


tes, estabelecidos em Miz 77/ Tlan, Erks e Aurora. Muitas de suas sacerdoti-
zas, hoje táo conhecidas por seus nomes, mas que acompanharam o rebanho
do PASTOR com silencio e amor, com suas oragóes fizeram um trabalho
profundo, e, chegando o momento, se daráo a conhecer.

1.5. Homem e Mulher. Andrógino

" 'Homens' e 'Mulheres' sao termos empregados pelos habitantes


da superficie do universo-térra. Tanto um sexo como outro sao para nos
igualmente respeitados e valorizados" (QR p. 86).

Existem, porém, seres superior»»* andróginos (com bivalencia se


xual). Constituem a HIERARQUIA. Entre eles nao há matrimonios.

Trigueirinho parece professar o monismo ou a existencia de urna


única substancia no mundo, quando diz:

"Sois todos partículas de urna mesma Esséncia, partes de um Todo, e


como tal possuís urna nota para ser soada na Grande Sinfonía que o Cosmos
executa... Todos vos possuís a mesma 'centelha divina' e através déla esta
réis sempre próximos uns dos outros" (Qñ p. 86).

285
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

1.6. Deus

O monismo de que fala Trigueirinho, parece ser panteísmo: tudo


seria urna só substancia divina ou seria a própria Divindade, reta I ha da em
partículas ou centelhas. É o que se depreende nao só do texto recém-ci-
tado, como também do seguinte:

"Acontecerá urna nova mutagáo nos gens cósmicos, que vos distancia
rá do mundo atuat para penetrardes ñas fontes de orígem do DIVINO, ou vos-
sa esséncia. Essa tárela comegou e logo estaréis aptos a tragar vossa ge
nealogía cósmica" (QR.p. 137).

Em outras passagens, porém, o autor refere-se a Oeus como sendo


distinto do homem e do mundo. Assim, por exemplo, continua o texto
citado por último:

"Essa última mudanca vos levará finalmente á casa de Deus?"[QR,p.


137).

Á p. 148 de QR fala-se do Criador. Ver também "Padróes..." p. 93.


Á p. 161 de QR há mencáo do "Pai cósmico".
Fica, pois, ambiguo o conceito de Deus sob a pena de Trigueirinho,
como, alias, muitos outros conceitos sao ambiguos ou contraditórios ñas
suas obras.

Quanto a Jesús Cristo, o autor o cita sem Ihe dar grande importan
cia:

"Cristo dizia: 'Abandona tudo e segue-me' "(QR.p. 38). '

"Todos os que passarem pelo buraco da agulha, como anunciou Je-


sus.J'(Q.R.p.33).

"Formagáo crístíca" (QR.p. 161).

Após esta súmula da mensagem de Trigueirinho, é espontáneo


perguntar:

2. QUE DIZER?

Proporemos duas principáis observacóes.

2.1. Muito falar e nada dizer

A simples leitura dos textos de Trigueirinho permite verificar que


sao altamente fantasiosos; sao contrarios ás regras da lógica e ás conclu-
i

286
TRIGUEIRINHO E SUA MENSAGEM 47

sóes da ciencia. É muito difícil colocar essas proposicóes em ordem sis


temática, pois sao disparatadas ou desconexas entre si. Com efeito, quem
pode provar que houve duas rapas humanas sobre a térra que nao dei-
xaram vestigio porque nao eram físicas? Quem pode provar que
existe um Governo Central intergalático, com seus Conselhos Supremos?
Quem pode provar que seres inteligentes viajam pelas galaxias como nos
viajamos de um bairro para outro? Quem pode provar que a Lúa é um
laboratorio?... laboratorio oco, do qual só existe a crosta externa? Quem
pode provar a existencia da Lemúria e da Atlántida, quando precisamente
os estudiosos da literatura e da ciencia verificam que a Atlántida descrita
por Platáo (fonte dessa teoría) nunca pode ter existido? Quem pode pro
var que existem civilizacóes intraterrenas, intraoceánicas, extraterrestres
ou suprafísicas? Em suma, seria longo o questionamento que a lógica e a
ciencia fariam a Trigueirinho se o quisessem levar um pouco a serio. Na
verdade, tal autor escreve romances, nos quais soube gastar substantivos
e adjetivos a seu bel-prazer1, "lancando areia nos olhos" do leitor pouco
critico. Verdade é que, como diziam já os amigos romanos, "vulgus vult
decipi", o povo quer ser engañado. Quanto mais grossa é a mentira ou
a estória, tanto mais interessante e sedutora é ela para as massas; a ver
dade simples e crua muitas vezes é seca e nao possui o poder de atracio
do contó ou do romance.

Por isto diante da mensagem de Trigueirinho duas principáis atitu-


des nos sao sugeridas:

a) apontar as falhas contra a lógica:

- humanidade nao física; seria humanidade incorpórea? Seriam


anjos ou espíritos sem corpo. Nao seriam seres humanos. Cf. QR, p. 86.

- Deus Criador, do qual somos partículas ou centelhas divinas. Se


Deus é Criador, ele é anterior a nos, criaturas; por conseguinte, nao so
mos partículas nem centelhas dele. Cf. QR, p. 86.

- Ono-Zone é onipotente e onipresente. Por conseguinte, é Deus.


Mas, se é Deus, nao se pode dividir nem ter aspectos materiais. Cf. Pa-
dróes..., p. 169.

Além de outras muitas incoeréncias no plano da lógica, devem-se

b) apontar as falhas contra a ciencia:

- civilizacáo dentro do bojo da Térra, dentro do océano?

' Ver Apéndice deste artigo, p. 268.

287
48 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 361/1992

- Lúa oca?

- Viagens ¡ntergaláticas...?

- Andróginos?

Nao é necessário que nos detenhamos mais tongamente na indica


do das deficiencias da mensagem. Esta vem a ser, em última análise, um
passa-tempo,... mas um passa-tempo de mau gosto, pois desvia a aten-
cáo, do leitor, do realismo de cada dia para levá-lo a voar pelo reino da
fantasía em vez de por os pés no chao e construir um mundo melhor com
os recursos da sá razáo e da ciencia.

2.2. Desabafo psicológico

Ñas fases difíceis da historia o ser humano é propenso a conceber


solucóes mágicas, recorrendo a urna mística irracional e infantil. Isto se
verificou diversas vezes no passado e se repete em nossos días: varias
sao as teorías que prevéem o fim do mundo para breve e a irmpcáo de
urna era nova (tenha-se em vista a corrente "Nova Era" - New Age-,
que se alastra em nossos tempos); já que or homens nao conseguem re
solver os problemas do momento, é espontáneo ao psiquismo humano
afirmar que "só Deus dará um jeito" e imaginar urna intervencáo drástica
do Todo-Poderoso ou de seres extra-terrestres no curso da historia da
Térra. - É esta urna forma de consolacáo, que, na falta de outra melhor,
pode seduzir; é, porém, consolacáo precaria, porque totalmente destitui
da de fundamentacáo e, além do mais, alienante ou fuga da realidade e
da auténtica solucáo dos problemas.
*

É oportuno que, nesta época em que a humanidade é sequiosa de


respostas para seus anseios, os homens exercam sadio senso critico para
nao se deixar levar pelas múltiplas propostas que sonhadores e charla-
táes Ihes oferecem (com ¡menso lucro financeiro para seus bolsos, pro
venientes da venda de seus livros, folhetos, símbolos...).

APÉNDICE

Transcrevemos aquí, á guisa de espécimen, urna das passagens tí


picas da verborragia ou do derramamento de palavras que, em seu con
junto, nada dizem:

"Trate/ de ver em vosso interior a cor azul-violeta que se aprésenla ante


vossos olhos. Meditai sobre as Hierarquias que velampor vos. Contempla! os

(continua na pág. 259)

288
A REGRA DE SAO BENTO

3- edigáo em latim-portugués, com anotagóes por


Dom Joáo Evangelista Enout OSB. Acaba de apare
cer esta nova Impressáo, após varios anos esgota-
da. A Regra que Sao Bento escreveu no século VI
continua viva em todos os mosteiros do nosso tem-
po, aos quais nao faltavam vocagóes para monges e
monjas,
210 págs Cr$ 16.000,00

PERSPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO


Irma Aquinata Bockmann OSB
Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72,
73 da Regra Beneditina - Tradugáo do alemáo por
D. Mateus Rocha OSB
A Autora é professora no Pontificio"Ateneu de Santo
Anselmo em Roma {Monte Aventino). Tem divulga
do suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Fran
ca, Portugal, Espanha, como também nos Estados
Unidos, Brasil, Tanzania, Coréia e Filipinas, por oca-
siáo de Cursos e Retiros.
364 pág Cr$ 30.000.00

SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE

Por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B. 190 Págs. . Cr$ 18.000,00
O genio, ou seja a santidade de um monge da Igreja
latina do século VI (480-540) - SAO BENTO -
transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em
legislador de um estado de vida crista, empenhado
na procura crescente da face e da verdade de Deus,
espelhada na trajetória de um viver humano renas-
cido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discí
pulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se
monge, para assumir a "profissáo de monge".

RITOS DE COMUNHÁO

Para Ministros Extraordinarios da Comunháo Eucaris


tía (M.E.C.E.).
Normas, Ritos, indicacóes de leituras, com base em
documentos da Santa Sé, compilados por Dom Hil-
debrando P. Martins OSB.
82 edicáo. 68 págs Cr$ 5.200.00

Livro á venda em nossa Livraria:

- "CONCORDANCIA BÍBLICA"
Esta obra baseia-se na edigáo revista e atualizada no Brasil da tradu-
gao de Joáo Ferreirá de Almeida.
Formato: 27,5x21.
Sociedade Bíblica do Brasil. Brasilia - DF. 1975.
1103p Cr$ 140.000.00.

Pedidos somente pelo Reembolso Postal.


Pregos sujeitos a alteragáo.
NOVIDADES

ia

ORDINARIO
para celebrado da Eucaristía com o povo
25- edicto (atualizada)
Traducáo oficial revisada para o Brasil pela CNBB, aprovada
pela Santa Sé, contendo 11 Oracóes Eucarfsücas, inclusive a mais
recente "Para diversas circunstancias" (8 novembro 91), com
acréscimo de aclamagóes e novos textos. Impressao em 2 cores,
com tipos bem legfveis. 110 págs. Formato de bolso (15 x 1H
Cr$ 3.000,00.

SAO JOÁO DA CRUZ. O MESTRE DO AMOR


DOM ODILÁO MOURA, OSB.

Obra publicada em comemoracáo do 4? centenario da morte


de Sao Joio da Cruz. Nela está retratada a personalidade grandiosa
dohomem e do santo. A sua doutrina espiritual é analisada com cri
terio teológico. 0 Doutor da Mística mostra-se na sua auténtica ima-
gem, positiva e atraente. O livro pode ser considerado urna introdu-
gáo clara e completa á mística San Juanista.
Tragos psicológicos da alma e notas da santidade do Mestre do
Amor estáo delineados, como também os principáis eventos da sua
vida.

Em capítulos especiáis estuda-se a identidade doutrinária de


Sao Joao da Cruz com Sao Tomás de Aquino, Santa Teresa e Sao
Bento. i

E focalizado o sentido tradicional e ortodoxo do pensamento


do Santo. Por ser "de alcance universal", a doutrina de Sao Joio da
Cruz é válida para todos os cristáos, leigos e religiosos. Essa doutrina
nao está ultrapassada. Afirma Joáo Paulo II: "A Sua doutrina (de
Sao Joáo da Cruz) é sempre atual".

Os últimos capítulos descrevem ocaminho a ser percorrido na


ascensáo da alma para terminar no luminoso encontró com o Amado.

Um estudo especial ocorre sobre a poesia do "príncipe dos


poetas espanhóis", feito pelo mais notável dos nossos poetas católi
cos atuais, que é Gerardo de Mello Mouráo.

Editora G.R.D. - 1991.167p CrS 21.000,00

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE P.R.


PARA 1992: Cr$ 20.000.00

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Anos: 90 e 91:


Encadernados em percalina, 590 págs. com índices
(Número limitado de exemplares)... Cr$ 45.000,00 cada volunte

Você também pode gostar