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A GRAÇA DE PENTECOSTES E A SANTA

MISSA
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A Graça de Pentecostes e a Santa Missa

“A Graça de Pentecostes e a Santa Missa” é a segunda edição


corrigida do livro “A Renovação Carismática Católica e a
Liturgia da Santa Missa – Uma Corrente de graças para um
Culto Renovado” (Editora Clube de Autores).

Com o termo “Renovação Carismática Católica” se buscava,


antes de tudo, a reflexão sobre uma experiência de
“renovação carismática”, mais do que refletir sobre um
Movimento Eclesial em si. Para evitar qualquer confusão,
portanto, optei, nesta segunda edição, por usar o termo
cunhado por Dom Samuel Jacobs (Bispo Emérito da
Diocese de Houma- Thibodaux, nos Estados Unidos), um
dos pioneiros da Renovação Carismática Católica; trata-se
do termo “Graça de Pentecostes”, que, para Dom Sam
Jacobs, é o mesmo que dizer “Batismo no Espírito Santo”.

O presente trabalho não é, portanto, a visão oficial do


Movimento Eclesial da Renovação Carismática Católica no
Brasil, mas uma mera apreciação de um leigo católico que,
desde o seu “ponto de observação”, deseja oferecer algumas
reflexões pautadas na natureza da graça de pentecostes e da
Liturgia da Santa Missa.

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Índice:

Introdução

● Um tema nada fácil de ser tratado..........................12


● Isto não é da nossa responsabilidade.....................14
● Minha experiência pessoal .....................................16
● Ser um Legionário de Cristo ..................................18
● Meu retorno ao Movimento Carismático ..............22
● “Legionário Carismático? ” ................................... 24
● A proposta do Livro ...............................................26

A Natureza do Movimento Carismático

● A Renovação Carismática é Católica......................29


● A Renovação Carismática Católica, a Economia
Sacramental e a Liturgia.........................................33
● A Discussão sobre “Corrente de Graça” e
“Movimento” em face da preocupação pela Liturgia e pela
Economia Sacramental................................42
● Por que este tema é importante quando aquilo que
realmente queremos abordar é a questão da Liturgia?
................................................................ 53

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A Renovação Carismática em face do Concílio


Vaticano II

● Os carismas efusos na vida pastoral e litúrgica da


Igreja ..................................................................... 55
● Necessidade de tornar a Missa mais “inteligível” ao
povo: O Missal de Paulo VI é a solução? ...............62
● A Renovação Carismática Católica e os abusos na
Liturgia: Entendendo o porquê..............................68
● Voltar ao Primeiro Amor ....................................... 76

A vivência da Liturgia na Renovação Carismática


Católica

● O Conceito de Aliança ............................................78


● O Conceito de Memorial e a sua dimensão sacrifical
e festiva ..................................................................85
● O Conceito de Rito – Nosso Shabat .....................95
● O Fundamentalismo na Observância Litúrgica ...101
● O Apocalipse como chave de leitura para o
entendimento da Santa Missa ..............................113
● Dimensão Festiva e Sacrifical da Santa Missa .....123

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A expressão de louvor própria da Renovação


Carismática Católica e a Manifestação dos
Carismas dentro da Liturgia da Missa

● Avivar a chama para uma melhor vivência


litúrgica.................................................................129
● Levantar as mãos e “aplaudir” na Santa Missa ....132
● Instrumentos Musicais e postura da Vozes .........136
● Manifestações Carismáticas .................................137
● Missas de Cura e Libertação..................................141

Considerações Finais................................................. 145

Fundamentações Bibliográficas ............................. 151

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Dedicatória

Ao Sr. Marcos Romano (in Memoriam), por ter me


apresentado um Jesus vivo, real e poderoso para salvar.
Graças ao “sim” deste servo de Deus, que já se encontra na
glória, eu pude participar do meu primeiro Grupo de
Oração Carismático – G.O. Sagrado Coração do Menino
Jesus – lá no Bairro Olaria, em Curitiba. Foi lá que tudo
começou...

À Bem-Aventurada e Sempre Virgem Maria, por ter


acreditado na promessa. A ti, Mater Peccatoribus,
todo o afeto do meu coração. És minha Rainha.

Ao Pai, Ao Filho e Ao Espírito Santo, Deus Uno e


Trino... Todo a honra, toda a glória, toda a
adoração pelos séculos dos séculos. Amém.

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Prefácio

A Missa é o absolutamente novo sempre. É Cristo se


encarnando, tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando.
Nós não precisamos acrescentar mais nada a isso.

A liturgia na Renovação Carismática desperta algumas


questões, sobretudo em relação às missas ditas
“carismáticas”. Li em algum lugar uma expressão da poetisa
mineira Adélia Prado: “têm algumas celebrações que a
gente sai da igreja com vontade de procurar um lugar para
rezar”. Estes pensamentos me levaram a fazer algumas
considerações sobre a liturgia.

A liturgia sempre reúne pessoas, sua índole é comunitária1.


No encontro litúrgico reza-se e canta-se juntos, realiza-se
os mesmos gestos, escuta-se, em comunidade a
proclamação da Palavra e sua explicação – homilia2. É um
encontro de natureza familiar3; mas da família dos filhos de
Deus, isto é, dos fiéis batizados. Nesta família Deus é nosso
Pai, Cristo é nosso irmão e o Espírito Santo é vida de todos.
É desse modo que a comunidade é ingressada na própria

1 Cf. SC 26. 27.


2 Cf. VALENTINI NETO, Antônio. Liturgia, fonte vital da comunidade. Canoas:
Tipografia e Editora La Salle, 1983. p.11.
3 Tem todas as características de um encontro de consanguíneos: liberdade,

espontaneidade, alegria, alimentação, músicas, histórias...

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vida divina, no mistério trinitário, isto é, no mistério da


comunhão trinitária que existe desde toda eternidade.

O Cristo é sempre o centro da liturgia. Assim as ações


litúrgicas têm a responsabilidade e o compromisso de
sempre recordar tudo o que ele viveu e realizou com a
grande finalidade de salvar a humanidade, tornando a
todos filhos e filhas de Deus. A liturgia celebra o mistério do
Cristo total, isto é, desde sua encarnação, nascimento,
infância, juventude, sua vida em Nazaré (operário e
pregador itinerante); celebra suas Palavras e milagres que
nos revelam a bondade infinita do Pai, especialmente o seu
Mistério Pascal e o Pentecostes4. A Palavra mistério pascal
resume muito bem esta realidade maravilhosa.

Cristo veio como o enviado do pai em vista da missão de


salvar os homens todos, constituí-los em comunidade, na
vivência do amor fraterno, doando sua vida para a
libertação dos nossos pecados. Cristo veio como sinal
(sacramento) do Pai. Nele Deus nos deu a prova mais
evidente e concreta de seu amor misericordioso pelo mundo
(Jo 3,16)5.

Mas, para que a obra de Cristo se perpetuasse, a Igreja,


deixada por Cristo, é no mundo sinal vivo de sua

4 Cf. ibidem. p.12


5 “De tal modo Deus amou o mundo que lhe deu seu próprio filho...”

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ressurreição e salvação 6 . A Igreja anuncia a Palavra de


Cristo e realiza seus gestos salvadores. Tudo o que a Igreja
faz pela evangelização, catequese, liturgia e testemunho,
manifesta Cristo ao mundo. “Na liturgia, de modo especial,
estamos presentes na realização da obra salvífica de Cristo:
ouvimos sua Palavra, estamos debaixo da cruz,
participamos desta obra, entregamo-nos com ele ao Pai, o
Pai nos aceita como filhos 7 ”. A liturgia é obra de Cristo.
Nela, ele continua a realizar a salvação para nós.

Com certa facilidade a liturgia é compreendida como ato de


culto sem qualquer compromisso com a vida – passado e
futuro. Mas não é assim. A liturgia é expressão da vida toda;
brota da vida de união com Cristo. A vida toda é uma
liturgia, uma forma constante de louvar a Deus 8. A vida de
Jesus é um ensinamento disso. A liturgia cristã vai muito
além dos muros das Igrejas. Nossa vida oferecida como
hóstia viva (Rm12,1) em favor dos irmãos e sinal de amor a
Deus, é a melhor das ofertas para a celebração do sacrifício.

A liturgia é celebração da vida de Cristo; é a celebração da


contínua presença de Deus em nossa história, bem como
nosso esforço diário para construir nossa vida à luz dos

6 Cf. LG 1.
7 VALENTINI NETO, Antonio. Liturgia, fonte vital da comunidade. Op. cit.
p.14.
8 Cf. Ibidem. p.16.

8
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valores do Evangelho9. A liturgia, por ser essencialmente


comunitária, é sinal de comunhão.

Vivendo em Cristo, na Igreja, nós glorificamos o Pai e


santificamos a nossa vida. Na liturgia, celebrando o que
vivemos, louvamos a Deus por sua presença em nossa
história e por nos ajudar a viver segundo ele, seu plano de
amor. Manifestamos-lhe nossa gratidão, porque ele é fonte
de toda a vida e de todo o amor, razão pela qual lhe é devido
todo louvor e ação de graças. Na liturgia confirmamos nossa
decisão por Cristo, porque nela recebemos a iluminação de
sua Palavra e a força de sua vida. Ele é a fonte. Ele é a seiva
de nossa vida.

A tomada de consciência do valor e importância do Mistério


Pascal na vida cristã atrairá sempre de novo os fiéis a esta
fonte de vida. O ponto em que o rio de vida se torna fonte
na vida do homem é o seu coração10. Então, a experiência
da Páscoa de Cristo, é uma experiência que acontece no
coração, sede do amor, intuição, desejo e decisão.

Desse modo, a liturgia é um acontecimento dinâmico, no


qual ocorre um dialógico entre Deus e seu povo reunido. Na
verdade, em toda liturgia este dinamismo está presente. O
movimento litúrgico, com Lambert Beauduin, quis
democratizar a liturgia, torná-la mais participativa pelos

9 Cf. Ibidem. p.18.


10 Ibidem. p.157.

9
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fiéis. A reforma litúrgica acolheu este ideal para levar o povo


a obter graças abundantes através da liturgia11. Contudo, o
grande escopo pastoral da renovação litúrgica está na
integração e participação ativa de todo o povo de Deus na
liturgia da Igreja12. A finalidade era obter celebrações vivas
e participativas nas quais o povo pudesse encontrar a fonte
primordial do verdadeiro espírito cristão13. E é exatamente
neste sentido que a RCC pode cooperar com a liturgia,
oferecendo à celebração a dinamicidade da vida
comunitária que é gerada pela experiência do batismo no
Espírito Santo.

Espero que a leitura deste livro possa despertar o senso


litúrgico e a devoção nas celebrações, sobretudo entre os
membros da Renovação Carismática Católica. Nossa
identidade, notadamente voltada para a oração e a
adoração, a partir de uma experiência de Deus, coopera
para isso.

Tácito José Coutinho


Moderador da Comunidade Javé Nissi

11 Cf. MELO, José Raimundo de. Anotações à margem dos artigos 1 a 13 da


Constituição sobre a Sagrada Liturgia: Sacrosanctum Concilium. In. SIVINSKI,
Marcelino; SILVA, J. Ariovaldo da. (Orgs.). Liturgia no coração da vida... Op.
cit.
12 Cf. BUGNINI, Annibale. La clave de la reforma litúrgica. In: La reforma de la

liturgia (1948-175). Madrid: BAC, 1997.


13 Cf. ISNARD, Clemente José Carlos. A constituição “De Sacra Liturgia”.… Op.

Cit. p.866.

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Introdução

Um tema nada fácil de ser tratado...

Embora tenhamos no cajado de Pedro o referencial visível


da nossa unidade em Cristo – tanto espiritual quanto
doutrinária – nós sabemos que nossa unidade não é
uniformidade, mas comunhão na diversidade. Há
diversidade de carismas, de apostolados, de missões e até
de percepções teológicas, mas aquilo que harmoniza e traz
a comunhão entre todos nós é a santa obediência àquele
que recebeu de Cristo o poder e a missão de confirmar aos
seus irmãos: o Papa (cf. Lc 22, 32).

O problema é que, infelizmente, a obediência de muitos é


seletiva (portanto, falsa!): Eu obedeço àquilo que,
previamente, eu concordo. E assim, quando o
pronunciamento do Papa corrobora com as premissas
previamente defendidas... abundam os “posts” (em tempos
de internet) e as afirmações do tipo “Roma locuta, causa
finita”. Quando, por outro lado, o pronunciamento do Papa
não está dentro das premissas previamente estabelecidas
como “a verdade” ... ou ficam indiferentes… ou passam a
buscar “embasamentos” para minar a autoridade do
Papa, do tipo “isto é apenas uma opinião dele, que teve
uma escola progressista ou tradicionalista”, etc. Muitos
grupos que “posam” de obedientes não passam de

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oportunistas; bradam aos quatro ventos a sua catolicidade,


mas pecam num princípio tão basilar como este: A fé na
ação de Deus por meio do Magistério atual, que
interpreta as Escrituras, a Tradição (que é viva) e que nos
apresenta a doutrina no hoje da Igreja.

Diante de tradicionalismos e “aggiornamentos”, devemos


fixar nossos olhos no cajado de Pedro, construindo a nossa
casa sobre a rocha. Baseado neste pensamento, eu criei um
blog, em 2007, intitulado Sobre a Rocha de Pedro,
exatamente com esta premissa. Ali eu buscava recolher os
pronunciamentos dos Papas e das diversas conferências
episcopais sobre a experiência carismática, bem como
expor fundamentações sobre o Batismo no Espírito Santo e
outros temas que, nas palavras do Cardeal Paul Joseph
Cordes, fazem da Renovação Carismática Católica “um
desafio teológico e pastoral”.

Quando, contudo, nós tocamos no tema da liturgia... as


tensões já existentes sobre a experiência de renovação
parecem que se afloram ainda mais! Entre o grupo dos que
querem fazer da liturgia algo estagnado no passado e
intocável e os que simplesmente querem mudar tudo, a
Renovação Carismática Católica – principal realidade
eclesial surgida desta “experiência pentecostal na Igreja
Católica” – fica meio que “ao sabor dos ventos”, uma vez
que existe uma “cultura” de que o sacerdote é o xerife da

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liturgia e que, portanto, nós não temos nada a ver com


isso.

Quando vejo as aberrações cometidas por muitos


sacerdotes e leigos, e percebo que, muitas vezes, estes são –
de alguma forma – afins à Renovação Carismática – o que,
portanto, faz com que o Movimento receba todos os
deméritos de suas ações – não posso menos que me
entristecer e desejar, de algum modo, sanar a situação
oferecendo, de acordo com minhas limitações,
pensamentos e direcionamentos que sirvam de apoio, pelo
menos para aqueles que erram mais por desorientação que
por desobediência. A este segundo grupo – o dos
desobedientes – eu ofereço estas linhas rezando para que as
mesmas lhes ajudem no processo de conversão.

Eu bem sei que a Renovação Carismática Católica é


erroneamente taxada de culpada pelas infrações que se
cometem na celebração da Missa, uma vez que, a priori,
realmente a liturgia não é de responsabilidade dela,
enquanto Movimento Eclesial, mas dos Bispos e Padres. Ao
mesmo tempo, nós sabemos que mesmo os bispos e padres
não são xerifes autoritaristas da liturgia, mas apenas
guardiões da mesma, de forma que nem mesmo eles podem
fazer da Missa o que quiserem! Nós, como católicos,
devemos agir em comunhão com o Magistério e dar as
devidas orientações para a boa e fecunda participação dos

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fiéis, que experimentaram esta Renovação Carismática, na


“Divina Liturgia”.

Isto não é da nossa responsabilidade!

Esta é a frase que explicita a postura de muitos dos grandes


“nomes carismáticos” atuais: A liturgia não é da nossa
responsabilidade! É fato que a Renovação, como
Movimento, não responde por cada padre que se
autointitula “carismático” e sai fazendo “barbaridades” por
aí. Mas nós não podemos, simplesmente, optar pelo “outro
lado da moeda”, ignorando por completo a liturgia das
nossas reflexões e missão.

Se, contudo, levarmos a sério o fato de que a Renovação


Carismática Católica é, por definição, uma corrente de
graça – bem como o constante chamado dos Papas e das
diversas conferências episcopais a uma participação ativa
na comunidade paroquial – perceberemos que a renovação
do culto cristão é um dos principais frutos eclesiais gerados
por esta experiência. Portanto, se o Movimento de
Renovação Carismática Católica faz da graça de Pentecostes
o seu carisma específico, precisará compreender que a
Liturgia não é um campo de atuação que pode ser “deixado
de lado”. Antes que você “rasgue suas vestes” e me jogue “na
fogueira da inquisição” por esta afirmação, eu te desafio a ir
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até o fim nesta leitura. Eu estou seguro de não estar


afirmando nada heterodoxo.

O Batismo no Espírito Santo atua em duas dimensões: uma


mais subjetiva e outra objetiva. Na dimensão subjetiva –
portanto pessoal – o Batismo no Espírito é uma experiência
crítica e de sentido na vida do fiel. Na dimensão objetiva –
no “nós cremos” da comunidade cristã – esta experiência
está orientada a tocar e renovar o anúncio, a celebração e
ação caritativa da Comunidade Cristã. A liturgia é sim um
assunto pertinente à Renovação Carismática Católica.

Há um grande número de católicos para os quais as


formações e direcionamentos oriundos das expressões
carismáticas são relevantes e significativos em todos os
sentidos e dimensões (às vezes, é o único conteúdo
formativo que recebem no que tange a fé!). Portanto, se
desejam difundir a cultura de pentecostes, devem
transcender a si mesmos – uma vez que 90% de suas
formações estão orientadas para si mesmos de modo quase
que exclusivo – e se dirigir, numa segunda instância,
também a toda a Igreja, tocando, portanto, temas como
liturgia, sacramentos, catequese, pastoral, ecumenismo,
etc., e, numa terceira instância, a toda a humanidade,
tocando temas como política, economia, educação, saúde e
todas as áreas que circundam a vida humana, a fim de que
o Batismo no Espírito Santo não seja exclusivamente uma
“experiência de culto”, mas de “cultura” também.
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Minha experiência pessoal

Era o final do ano de 1996. Convidado pelo meu irmão mais


velho, Ricardo, fui à Associação de Moradores do Olaria –
parte baixa do Bairro Santa Cândida, na cidade de Curitiba
– onde se realizava, nas sextas-feiras à noite, o Grupo de
Oração da Renovação Carismática Católica coordenado
pelo Sr. Marcos Romano (in memoriam) e sua esposa, Sra.
Djanira. Eu tinha doze anos. Iniciava-se ali uma experiência
que me impulsionaria num desejo incontido de seguir a
Cristo pelo resto da minha vida.

Toda a minha família, em pouco tempo, já estava


mergulhada numa experiência que mudara as nossas vidas.
Recordo-me como minha mãe nos expressara sua
experiência, em sua simplicidade: Todos estes anos indo à
missa e só agora eu fiquei sabendo que Jesus está vivo na
Eucaristia! De fato, foi isto que a experiência carismática
fez conosco: O Espírito Santo abriu o nosso entendimento a
respeito das verdades da fé Católica e nos fez deseja-las
amorosamente.

Passei a ler a Bíblia diariamente, sublinhando os versículos


que mais me chamavam a atenção. Um fato pitoresco:
Recordo-me quando, depois de ler o texto no qual Jesus diz
“a ninguém chameis Mestre... pois um só é o vosso Mestre”
(cf. Mt 23, 10), fui até meu irmão para lhe contar: “Rico
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(modo como o chamamos em família) nunca mais vou


brincar de ‘lutinha’ e chamar alguém de mestre” (algo
muito comum nos seriados japoneses que marcaram a
infância da minha geração). Assim, de modo muito simples
– e até fundamentalista, no início – o Evangelho foi tocando
a minha vida de criança e pré-adolescente. Comecei a rezar
o terço e ir à missa quase todos os dias (as vezes tendo que
pegar dois ônibus para ir da minha casa até a Paróquia
Santo Antônio, no Bairro Boa Vista, ou percorrendo, a pé, a
distância de 5 km para ir até a Paróquia de São João Batista,
no Bairro Tingui).

Num encontro de Sábado, no Grupo de Oração Jovem


Renascer em Cristo, tive a experiência que me marcaria
para sempre. Eu já estava participando dos Grupos de
Oração há alguns meses e a pregação querigmática já havia
gerado um grande impacto na minha vida de pré-
adolescente. Mas foi naquele sábado que, de um modo
muito novo, experimentei que Deus era meu Pai (embora já
o soubesse pela fé). Enquanto um calor tomava todo o meu
corpo, as lágrimas escorriam pela face e a oração em línguas
brotava do meu interior numa experiência de gozo e de
alegria que, até hoje, estão na minha memória, percebi que
a minha vida tinha um propósito, uma missão, e que Deus
me chamava. Em 1998, iniciei uma busca profunda pela
consagração. Decidi que queria ser sacerdote. Tomei em
minha mão a lista telefônica e comecei a ligar para todos os
seminários que eu encontrava. Mas foi na Paróquia São
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João Batista que eu conheci dois religiosos da Congregação


dos Legionários de Cristo que visitaram nosso Grupo de
Jovens e me cativaram por sua postura e afabilidade.

Ser um Legionário de Cristo

No dia 10 de janeiro de 1999 eu vi a “Kombi bege” do meu


avô deixando os portões do Centro Vocacional Maria Mãe
Imaculada, no bairro Butiatuvinha, na cidade de Curitiba.
Iniciava-se a minha jornada de formação na Congregação
dos Legionários de Cristo.

Passei oito anos da minha vida na Legião. Tudo aquilo que


eu havia experimentado na Renovação Carismática (amor
por Jesus Cristo, amor à Virgem Maria, amor pela Igreja –
Sacramentos, Bíblia, etc. – e desejo por salvação de almas)
ganhara fundamentos ainda mais sólidos, sobretudo no
campo doutrinário.

Quero aproveitar o ensejo deste livro para registrar a minha


mais profunda gratidão a Deus pela graça de ter sido, de
janeiro de 1999 a julho de 2006, um soldado raso nas
fileiras da Legião de Cristo. Expresso minha gratidão a
todos os meus amigos e ex-formadores. Apesar de todo o
sofrimento – no que tange ao Pe. Maciel e seu “legado
pessoal de máculas” sobre a Legião – nunca deixei de
acreditar na ação do Divino Espírito Santo sobre esta
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família religiosa (porque eu mesmo, em primeiro lugar, fui


objeto desta ação sob muitos aspectos). É nítido e
perceptível que tão pouco a Igreja deixou de acreditar nisto,
desejando a purificação da Legião e a redefinição do seu
carisma ao invés da simples supressão da congregação.

Dentre tantos aspectos da formação legionária que eu


poderia pontuar, desejo ressaltar aqueles que remetem
diretamente ao tema deste livro (Liturgia da Missa).

Fui Legionário de Cristo e este é o meu berço de formação.


Apesar de serem considerados por muitos como
tradicionalistas, os Legionários de Cristo são sacerdotes e
religiosos conservadores, que não desejam estar nem atrás,
nem a frente, mas “al paso de la Iglesia” (expressão
cunhada pela congregação). Cito alguns aspectos que
podem ilustrar isto:

● Uso da Batina: Os religiosos da Legião usam batina


dentro do centro de formação (de fato, o Concílio nunca
“proibiu” ou sequer aconselhou que não se usasse mais a
batina, apenas removeu o caráter “obrigatório”). Por outro
lado, não praticam esportes usando batina e, quando saem
de casa, usam o clergyman ou, até, a camisa clerical, sem
problema algum. Talvez, para o católico comum, isto não
tenha importância alguma, mas o fato é que este é um dos
vários aspectos disciplinares que diferencia

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significativamente os Legionários dos padres


tradicionalistas.
● Estudo do Latim e do Grego: Desde o seminário
menor o Legionário de Cristo é escolado nas línguas
clássicas; de modo especial, nas Humanidades Clássicas o
religioso Legionário passa por uma profunda imersão no
latim e no grego koiné. As missas de Segunda e de Sexta,
bem como as principais festas litúrgicas são sempre
celebradas na língua latina.
● Canto Gregoriano: Desde o seminário menor o
Legionário aprende o canto gregoriano e suas noções
básicas para a leitura das partituras e suas peculiaridades
(arsis, tesis, etc.). O canto Gregoriano faz parte do dia a dia
de oração do religioso Legionário, que inicia suas atividades
cantando diariamente o Veni Creator Spiritus; o canto
gregoriano faz parte da vida litúrgica e é objeto constante
de estudo na congregação.
● O Missal de Paulo VI: Os Legionários celebram reta
e fielmente o missal de Paulo VI (ao invés do Rito
Tridentino, tão preferido pelos tradicionalistas). Recordo-
me de uma ocasião na qual o Cardeal Ratzinger, após
presidir uma celebração Eucarística no Centro de Estudos
Superiores da Legião em Roma, louvou a congregação pela
sua fidelidade e dignidade na celebração litúrgica. Também
é de se levar em conta o fato de que, desde muito tempo, os
Legionários são escolhidos para acolitar as Missas
celebradas pelo Santo Padre nas grandes festividades
(ressalto sobretudo a missa de Natal).
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● Uso do Órgão: Os Legionários de Cristo fazem uso do


órgão nas celebrações litúrgicas. Muito casualmente, vi o
uso de outros instrumentos como violinos, flautas, violões,
etc., mas sempre com o mesmo espírito de fidelidade ao
sentido litúrgico.
● Ecumenismo: Nunca vi algum superior ou formador
que demonstrasse qualquer tipo de hostilidade ao espírito
ecumênico. Muito pelo contrário, sempre percebi a norma
da caridade, do respeito, considerando os irmãos separados
até como dignos de imitação sob muitos aspectos.

Percebi, dentro de um processo de três anos, que


corresponderam aos meus votos temporários, que minha
vocação não era a de um religioso da Congregação dos
Legionários de Cristo. Contudo, trago comigo todo o legado
desta formação que, agregada às demais experiências
eclesiais que pude ter nestes anos, geraram aquilo que
constitui o meu pensamento sobre os mais variados temas
e, especificamente, sobre o tema deste livro.

Meu retorno ao Movimento Carismático

Quando deixei a Congregação, em 2006, passei a integrar,


poucos meses depois, a equipe do Escritório Nacional da
Renovação Carismática Católica. No afã de fidelidade à
Igreja de Cristo que havia ficado tão marcado na minha
formação – e que segue intacto! –, comecei a “devorar”
todos os livros que eu encontrava sobre o tema do Batismo
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no Espírito Santo e as Manifestações Carismáticas, no


desejo de encontrar fundamentações que legitimassem a
experiência carismática na tradição da Igreja. Como
secretário do presidente do Conselho Nacional da RCC
naquele então, pude ter acesso a um belo acervo de livros e
artigos que Marcos Volcan havia recolhido desde sua
juventude e que ele usara em seus estudos como teólogo.
Comecei a ler as apostilas elaboradas pela Comissão de
Formação da RCC (uma a uma) e algumas obras do Cardeal
Suenens, Francis McNutt, Ralph Martin, Steven Clark,
Patti Mansfield, Killian McDonnel, Benigno Juanes,
Carlos Aldunate, Heribert Mühen, Yves Congar, Denise
Brakebrough, Raniero Cantalamessa, Daniel Ange entre
outros. Li também, no desejo de entender o Movimento
Pentecostal, obras de Leonard Ravenhill, Vinson Synan,
David Wilkerson, Aimee Semple Mcpherson, Daniel Berg e
obras como “O Avivamento de Azuza Street”, “Porque
tarda o pleno avivamento”, entre outras.

Conversando, partilhando, orando e ouvindo a pregação de


homens como Tácito Coutinho (Tatá), Marcos Volcan e
Reinaldo Beserra, à luz dos anos de estudos escolásticos na
Legião de Cristo e dos estudos realizados enquanto me
debruçava sobre os livros (coisa que faço até hoje), fui
gerando uma síntese daquilo que vem a ser o meu pobre
entendimento acerca da corrente de graça de renovação
carismática na Igreja Católica: sua natureza e sua missão,
suas forças e debilidades.
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Conheci a muitos líderes da Renovação Carismática do


Brasil e do Mundo através das reuniões promovidas pelo
ICCRS – International Catholic Charismatic Renewal
Services – pelo CONCCLAT – Consejo Carismático
Católico Latinoamericano – e pelo Conselho Nacional da
RCC. Estive no Uruguai, na Argentina, no Paraguai, em
Honduras, nos Estados Unidos, na Itália e percorri quase
todos os Estados da nossa nação. Pude, portanto, ter um
bom conhecimento de campo a respeito da Renovação.

Coloquei, por quase nove anos, a minha vida profissional ao


serviço do Reino na Associação do Senhor Jesus e
Rede Século 21, fundada e presidida pelo Pe. Eduardo
Dougherty, SJ, o principal responsável pelos inícios da
Renovação Carismática Católica no Brasil. A este jesuíta
cheio do Espírito Santo e comprometido “hasta los uesos”
com a instauração do Reino de Cristo nos corações de todos
os homens, eu expresso minha mais profunda admiração e
gratidão. Pelo seu sim de jovem, o grupo de oração do
Olaria pôde, décadas depois, existir e ser instrumento de
Deus para a minha vida e a de minha família. Pelo seu sim
de hoje nós podemos pregar o “Evangelho da Vida” a
milhões de lares brasileiros através dos meios de
comunicação.

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Atualmente, dedico-me a implantação do Curso Alpha –


surgido em Londres, em 1977 – nas paróquias e
comunidades do Brasil.

“Legionário Carismático”?

É possível coadunar a vivência profunda da liturgia com a


experiência carismática? É possível ter a fidelidade litúrgica
de um “legionário” e a expressão de louvor e oração de um
“carismático”?

De fato, esta é a principal questão que motivou o meu livro.


Bem sei que hoje existe quase que um consenso a respeito
desta questão. Diz-se: “Missa é Missa e grupo de oração é
grupo de oração”, como quem afirma: “Uma coisa não tem
nada a ver com a outra” ou “não queiram fazer aqui o que
vocês fazem lá” ou ainda – sendo mais sincero – “façam a
‘escola de samba’ de vocês em outro lugar, mas não aqui na
missa”.

Contudo, a Renovação Carismática não veio para ser “algo


a parte” da vida da Igreja, que empresta o espaço do templo
uma vez por semana para fazer “o seu negócio”. Em
primeiro lugar, a graça de Pentecostes e as manifestações
carismáticas são bençãos que todo e qualquer católico pode
muito bem receber não obstante sua pastoral, serviço ou
carisma específico (isto compete Àquele que batiza com
Espírito Santo e com fogo, e não a nós!). Em segundo lugar,
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a manifestação do louvor alegre e jubiloso não tem relação


alguma com os “desvarios” promovidos por certos grupos
(infelizmente em grande número) que há muito tempo
abandonaram o profundo louvor da espiritualidade de
pentecostes e o substituíram pela animação de massas. Eu
sempre disse isto e, agora, vou cunhar esta frase aqui:

Se eu quisesse “animação” ... iria num show de Ivete


Sangalo. Se eu quisesse técnica e poesia num estilo “pop”
... iria num show do Roupa Nova (que eu “adoro”, por
sinal). Quando vou a um encontro de oração carismática...
eu espero uma condução de louvor e adoração séria,
madura, inspirada, profética, bíblica... eu espero unção!

E como falar de profunda vida de oração comunitária sem


levar em conta a Liturgia? De fato, se a “experiência
carismática” for totalmente alheia à vida litúrgica da
Igreja... Ela não pode ser considerada plenamente
“católica”. Veremos, nas linhas que se seguirão, que não
corremos este risco, pois a Liturgia sempre foi contemplada
pelos grandes líderes da Renovação como local de atuação.

A proposta do Livro

Este texto deseja ser uma sadia e ousada provocação aos


líderes das expressões oriundas da corrente de graça de
Renovação Carismática na Igreja Católica.
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Desde o Antigo Testamento, atravessando toda a história da


Igreja até nossos dias, o Espírito do Senhor não deixa de
agir e dar direcionamentos não somente pela via
hierárquica, mas também pela via carismática; embora
haja, entre nós pecadores, um sentimento de tensão entre
estas dimensões coessenciais da Igreja... Esta tensão não
existe para a Terceira Pessoa da Trindade Santíssima!
Assim como no livro dos Números (cf. Nm 11, 16; 24-30) eu
desejo ser uma voz a profetizar, ainda que “fora da tenda”
dos serviços e conselhos.

Entristece-me sobremaneira perceber que há uma corrente


de tradicionalismo invadindo a Renovação Carismática
Católica do Brasil com nefastas consequências no campo do
ecumenismo e da prática carismática (mexendo, portanto,
com a nossa essência). É necessário buscar o sadio
equilíbrio que conserva a tradição e não extingue o Espírito.
Portanto, eu considero que o posicionamento
verdadeiramente católico é o do conservador, em direta
oposição ao progressista, que quer romper com a tradição
e fazer “tudo novo”, e ao tradicionalista, que se aferra ao
passado de modo anacrônico, rejeitando a ação do Espírito
no hoje da Igreja. O conservador, portanto, é aquele que
custodia a tradição e se abre ao “vinho novo” que o Espírito
Santo não cessa de brindar à Sua Igreja.

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Defender a nossa identidade – aquilo que Deus mesmo quer


que nós sejamos! – e defender o Depósito da nossa Fé no
que concerne à Liturgia não é uma decisão que possa ser
postergada. Vivenciar profundamente a liturgia é conditio
sine qua non para que continuemos a usar aquele último
qualificativo que carregamos no nome que caracteriza esta
corrente de graça: “Católica”!

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A Natureza do Movimento
Carismático Católico

“Renovação Carismática Católica, graça de Pentecostes!”

Cardeal Suenens, encontro de líderes em Roma, 1989.

“A Renovação Carismática não é somente uma moda. Seus


frutos são, de imediato, perceptíveis: Trata-se de uma forte
ação espiritual que muda vidas. Não é somente um
“avivamento”, mas uma verdadeira renovação, um
rejuvenescimento, um frescor, uma atualização de novas
possibilidades que surgem da Igreja, sempre antiga e
sempre nova.”

Yves Congar, Espíritu Santo, 2, 158.

A Renovação Carismática é Católica

Existem algumas características básicas que diferenciam o


Pentecostalismo Católico daquele que se deu,
historicamente, entre os nossos irmãos separados.
Destacarei aqui a preocupação que os líderes da Renovação
sempre tiveram por buscar raízes na tradição da Igreja para
fundamentar e legitimar a experiência do Espírito tal qual
ela se dá na Renovação Carismática Católica.

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Em seu livro Renovación en el Espíritu Santo a teóloga


espanhola Denise S. Brakebrough dedica toda a primeira
sessão a falar dos antecedentes históricos da Renovação
Carismática Católica¹. Três professores da Universidade de
Duquesne e do Espírito Santo em Pittsburgh, Pensilvânia,
foram as primeiras sementes daquele que foi o marco inicial
(e não a fundação) da Renovação Carismática Católica tal
como a conhecemos hoje. São eles: William G. Storey,
Ralph Keifer e Patrick L. Bourgeois.

Finalizando o Concílio Vaticano II e impactados por seus


ensinamentos, três professores leigos de Filosofia e
Teologia, membros da Universidade de Duquesne e do
Espírito Santo, William G. Storey, Ralph Keifer e Patrick L.
Bourgeois, que desde o outono de 1966 se reuniam com
frequência em grupos de oração, pensaram em “fazer algo”.
Há necessidade de mencionar-se que, durante a década dos
anos sessenta, havia se produzido nos Estados Unidos uma
onda de entusiasmo pelas vigílias bíblicas e os encontros de
oração. Este era o ambiente que reinava [...] Fomentava-se
a atividade litúrgica, o testemunho cristão e a ação social.

... Ditos professores começaram a pedir, em oração, que o


Espírito Santo lhes concedesse essa renovação e que o vazio
que sentiam [causado pelas práxis pelagiana e voluntarista
impregnadas em muitos aspectos da espiritualidade
católica] fosse preenchido pelo Senhor ressuscitado. Para
isso, começaram a rezar o “Vem, Espírito Santo” da
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sequência que se recita na liturgia do domingo de


Pentecostes. Ao mesmo tempo, esmeraram-se no estudo do
Novo Testamento, especialmente as partes que detalhavam
a vida da Igreja primitiva dos primeiros séculos.

William G. Storey era professor de Teologia e sua


especialização era justamente a Liturgia. Segundo Storey,
seu entusiasmo pela experiência que hoje se
denomina Renovação era alimentado por seus estudos no
que tange às origens e desenvolvimento das liturgias
orientais e ocidentais e sua triste constatação de que havia
um declínio acontecendo com a nossa forma de transmitir
ao homem hodierno os mistérios celebrados, bem como
uma desesperada necessidade de revitalização. As reformas
propostas pelo Concílio Vaticano II foram motivo de
enorme entusiasmo. William via que as diversas tradições
cristãs deveriam oferecer seus tesouros espirituais
mutuamente (também o Frei Raniero Cantalamessa
comenta o tema falando da capacidade de Deus de tirar algo
grandioso daquilo que foi um mal – a nossa divisão – uma
vez que cada tradição desenvolveu algum aspecto da vida
cristã com maior ênfase; a nossa unidade trará grande
benefício a Igreja).

O fato de a Renovação Carismática Católica ter nascido com


influências notadamente “pentecostais evangélicas” não
impediu que a mesma buscasse, desde seus inícios, os
braços amorosos da Igreja, Mãe e Mestra, clamando por um
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profundo enraizamento na tradição. E de fato estes braços


a acolheram desde o seu nascimento. De Paulo VI a
Francisco, a Renovação vem sendo confirmada no seu
caminhar eclesial (Os “Serviços Internacionais da RCC”
produziram uma coletânea intitulada Então Pedro
Levantou-se, que traz os pronunciamentos dos últimos
Papas até Francisco). Além dos próprios Papas, a
Renovação sempre foi cercada por sacerdotes, bispos e
cardeais – faço uma menção especial e honrosa ao Cardeal
Leon Joseph Suenens – que tiveram todo um cuidado
pastoral para acolher a novidade gerada pelo Espírito,
fazendo-a coadunar com a tradição bimilenar da Igreja.

O livro da Dra. Denise Brakebrough traz uma coletânea dos


pronunciamentos das mais diversas conferências
episcopais ao redor do mundo sobre a Renovação
Carismática Católica. Em todos, percebemos o espírito de
acolhida e orientações pastorais necessárias para que
aquilo que vem de Deus seja salvaguardado.

Neste esforço pastoral, dê-se especial menção ao


Documento organizado pelo Cardeal Suenens conhecido
como Documentos de Malines. Participaram da elaboração
destas orientações os teólogos Carlos Aldunate, SJ,
Salvador Carrillo, M.SP.S, Ralph Martin, Albert de
Monleon, OP, Killian McDonnell, OSB, Heribert Mühlen,
Veronica O’Brien e Kevin Ranaghan. Como teólogos
consultantes, participaram da obra Yves Congar, OP, Avery
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Dulles, SJ, Michael Hurley, SJ, Walter Kasper, René


Laurentin e Joseph Ratzinger.

Esta Renovação é e sempre quis ser plenamente Católica.


Surgiu no ambiente do Concílio Vaticano II, respirando os
seus anseios, e foi acolhida como uma oportunidade para
a Igreja (Palavras do Papa Paulo VI em 1975). Ela não é
Católica apesar de suas origens e chamado ecumênicos,
mas justamente por causa deles.

A Renovação Carismática Católica, a Economia


Sacramental e a Liturgia

Os primeiros líderes da Renovação entendiam que a


experiência do Batismo no Espírito Santo – que originou as
reuniões de oração carismáticas – destinava-se à vida de
toda a Igreja. Naquele então, buscava-se contrapor a noção
de corrente de graça à de Movimento, com o temor de que
a segunda particularizasse ou limitasse o Batismo no
Espírito Santo a apenas um grupo de pessoas. Era neste
contexto que frases como “A Renovação não é um
Movimento da Igreja, mas a Igreja em Movimento”
ganhavam voz e vez. Livros como “Pentecostes Hoje?” do
Cardeal Suenens e “Movimento Pentecostal Católico”, de
Edward O’Connor, evidenciavam isto tão claramente que
ninguém, com honestidade intelectual, o poderia negar.

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Nesta visão de olhar para o Batismo no Espírito Santo como


uma graça para a vida de toda a Igreja, os Padres Killian
McDonnell e George Montague escreveram uma obra
intitulada Iniciação Cristã e Batismo no Espírito Santo;
um pequeno resumo do livro foi também publicado no
Brasil com o título “Avivar a Chama”². Este livreto foi
apresentado pela Comissão de Serviço da RCC dos EUA à
Conferência de Bispos Americanos.

Assim escreveu o então Bispo da Diocese de Alexandria, em


Louisiania, Dom Sam J. Jacobs – quem pessoalmente
experimentara aquilo que chamamos de Batismo no
Espírito Santo – na carta de apresentação do livro Avivar a
Chama (ênfases colocadas por mim):

Este documento e muitos outros estudos deixam claro que


a graça de Pentecostes, conhecida como Batismo no
Espírito Santo, não pertence a nenhum movimento
particular, mas a toda a Igreja. De fato, não é nada
realmente novo, fazendo parte dos desígnios de Deus para
Seu povo, desde aquele primeiro Pentecostes em Jerusalém
e através de toda a história da Igreja.

Na verdade, na vida e na prática da Igreja, de acordo com


os escritos dos Padres da Igreja, esta graça de Pentecostes é
considerada normativa para um modo de viver cristão e
essencial para a plenitude da iniciação cristã.

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Ao divulgar este documento, a Comissão de Serviços


Nacionais da Renovação Carismática dos EUA almeja dar
início a novas reflexões teológicas sobre a questão da graça
de Pentecostes, a fim de que as pessoas tenham mais
consciência do plano de Deus para todo o Seu povo, e
incentivar o aperfeiçoamento de modelos pastorais
sensatos visando à implementação da premissa
fundamental deste documento, isto é, que ser
plenamente batizado no Espírito Santo faz parte da
vida litúrgica comum da Igreja³.

Vamos repetir esta frase mais uma vez:

... a premissa fundamental deste documento, isto é,


que ser plenamente batizado no Espírito Santo faz
parte da vida litúrgica comum da Igreja.

Logo no início do livro, os autores escrevem:

“Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?” (At


19,2). A essa pergunta de São Paulo, nós, como católicos,
respondemos um sincero “sim”, pois nos sacramentos de
iniciação recebemos verdadeiramente o Espírito Santo.
Contudo, somos convidados a avivar a chama, a reanimar
“o dom de Deus” (2Tm 1,6) por meio de uma conversão cada
vez mais sincera a Jesus Cristo.

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Estamos escrevendo aos bispos e líderes pastorais da Igreja


Católica para compartilhar nossa convicção de que o
“Batismo no Espírito Santo”, assim chamado pelos
escritores cristãos primitivos, é a chave para
levarmos uma vida cristã plena. Neste documento, o
“Batismo no Espírito Santo” se refere à iniciação cristã e a
seu novo despertar na prática cristã. A Igreja primitiva
utiliza o Batismo no Espírito Santo para a iniciação cristã.
O emprego desta frase hoje em relação ao despertar mais
tardio da graça sacramental original não significa, de
modo algum, um segundo Batismo. Não estamos
sugerindo que o “Batismo no Espírito Santo”
acontece apenas na Renovação Carismática, pois a
experiência pastoral e a reflexão teológica nos
levam a crer que a graça do “Batismo no Espírito
Santo” destina-se a toda a Igreja.

*O emprego generalizado de “Batismo no Espírito Santo”


por pentecostais e “evangélicos reformados” leva alguns
católicos a desconfiarem que a frase está ligada ao
fundamentalismo. Porém, como ela se encontra nas
Escrituras e em autores destacados dos primeiros séculos e
é usada em quase todas as igrejas, católicas e protestantes
igualmente, onde existe Renovação Carismática, o presente
documento opta por mantê-la.

O Batismo no Espírito Santo não se prende a


nenhum movimento, quer liberal, quer
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conservador. Também não se identifica com um


único movimento nem com um único estilo de
oração, culto ou comunidade. Ao contrário,
acreditamos que este dom faz parte da herança
cristã de todos os que receberam os sacramentos
da Igreja4.

Estas afirmações deixam cada vez mais claro que:

● A graça de Pentecostes – Batismo no Espírito Santo


– existe para avivar a chama do Espírito no coração de
todos os católicos que se abrirem para tal.
● O Batismo no Espírito Santo, na sua dimensão
comunitária, aviva o modus orandi do Cristão, o que se
orienta profundamente para a participação litúrgica e
sacramental do povo de Deus, quando falamos de Igreja
Católica.

Os grandes líderes carismáticos das primeiras três décadas


não mediram esforços para entender esta Renovação como
dom para toda a Igreja, refletindo sobre ela desde o prisma
dos sacramentos e da liturgia, que são as verdadeiras
colunas de sustentação da espiritualidade católica.
Recordo-me da série de livros do Pe. Robert DeGrandis, SJ
– para citar um exemplo – e de seu afã em “ligar” a
experiência carismática com a recepção dos sacramentos
(especialmente a Eucaristia e a Penitência).

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Avivar a Chama afirmará ainda – baseado no testemunho


patrístico – que o Batismo no Espírito Santo e os Carismas
eram, na Igreja Primitiva, uma experiência ligada à
iniciação cristã e a liturgia oficial da vida pública da Igreja:

O Batismo no Espírito Santo era sinônimo de iniciação


cristã em Justino Mártir (Diálogo com Trifão 29, 1;
Patrologia Graeca [PG] 6, 537), Orígenes (Sobre Jeremias
2, 3; Sources Chrétiennes [SC] 232, 244) Dídimo, o Cego
(Sobre a Trindade 2, 12; PG 39, 669, 673), e Cirilo de
Jerusalém (Palestras Catequéticas 16,6; Cyrilii
hierosolymarum archiepiscopi opera quae supersunt omnia
[CAO], 2, 213). Tertuliano, Hilário de Poitiers, Cirilo de
Jerusalém, João Crisóstomo, João de Apaméia, Filoxeno de
Mabugo, Severo de Antioquia e José Hazaia claramente
consideravam o recebimento de carismas integrante da
iniciação cristã. Hilário, Cirilo e João Crisóstomo
receberam o título de doutores da Igreja, sendo
reconhecidos como testemunhas competentes para
identificar a fé da Igreja. Seu testemunho demonstra que o
Batismo no Espírito Santo não é uma questão de devoção
particular, mas da liturgia oficial e da vida pública da
Igreja. Historicamente, o Batismo no Espírito
Santo integra os sacramentos de iniciação,
essenciais à Igreja, a saber: Batismo, Confirmação
e Eucaristia. Neste sentido, o Batismo no Espírito
Santo é normativo5.

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Depois de “rechearem” as argumentações com citações


patrísticas, Killian McDonnell e George Montague
afirmam:

À luz das reflexões anteriores e de nossa experiência do


batismo no Espírito e dos carismas desde o Vaticano II,
cremos que a retomada do batismo no Espírito Santo pela
Igreja promete revitalizar a evangelização, as prédicas, o
culto sacramental, o Rito de Iniciação Cristã de adultos,
a pastoral da juventude, a preparação para o crisma e
modos de vida comunitária no contexto da paróquia
local. Fazemos estas sugestões específicas, percebendo que
elas não esgotam as preocupações pastorais da Igreja6.

De fato, a Comissão de Serviços da Renovação Carismática


Católica dos Estados Unidos quer deixar claro aos seus
Bispos que a Renovação deseja penetrar na vida das
paróquias como uma corrente de graça. Fala-se, portanto,
da Paróquia Renovada, que não significa em absoluto uma
Paróquia da Renovação Carismática Católica. Assim
afirmam:

Em nossa visão, a paróquia renovada é uma


comunidade prestando culto em vibrante liturgia,
unida pelo Espírito Santo, servindo uns aos outros,
empenhados na conversão e no crescimento contínuos,
comunicando-se com os inativos, os irreligiosos e os pobres.
Tais paróquias põem-nos em contato com o evangelho e
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evangelizam nossa cultura. Nessas comunidades, como nos


Atos dos Apóstolos e na Igreja primitiva, os carismas do
Espírito Santo são identificados e acolhidos com alegria 7.

Esta é a mentalidade dos líderes da Renovação Carismática


Católica em âmbito internacional nos seus primeiros vinte
e poucos anos. Esta é a Renovação Carismática Católica da
“primeira hora”: Um povo de louvor e de adoração, com
uma espiritualidade profunda. Um Movimento que enfatiza
a necessidade da conversão, da santificação pessoal e da
vida em Comunidade. Estas características não são a minha
opinião pessoal apenas, mas foram constatações feitas
pelos Papas e pelos Bispos. Cito textualmente o
pronunciamento do Papa Paulo VI no dia 10 de outubro de
19738:

Alegramo-nos convosco, queridos amigos, pela renovação


de vida espiritual que hoje em dia se manifesta na Igreja,
sob diferentes formas e em diferentes ambientes. Nesta
renovação aparecem certas notas comuns: O gosto por
uma oração profunda, pessoal e comunitária; Uma volta
à contemplação e uma ênfase colocada na palavra de
Deus; O desejo de entregar-se totalmente a Cristo; Uma
grande disponibilidade às inspirações do Espírito Santo;
Uma leitura assídua da Escritura; Uma ampla abnegação
fraterna; Uma vontade de prestar uma colaboração aos
serviços da Igreja.

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O Batismo no Espírito Santo é uma experiência que


imprime um novo sentido, um desabrochar do Espírito na
alma do fiel. Mas esta é apenas a dimensão subjetiva da
experiência, o “eu creio”. Na dimensão objetiva, no “nós
cremos”, o Batismo no Espírito Santo toca o nosso Modus
Orandi na comunidade cristã, portanto, direciona-se
também para a Liturgia da Igreja, para a vivência dos
sacramentos e para a administração dos mesmos.

A Discussão sobre “Corrente de Graça” e


“Movimento” em face da preocupação pela Liturgia
e pela Economia Sacramental

O livro de Reinaldo Beserra dos Reis intitulado Renovação


Carismática Católica Um Constante Desafio 9 é magistral a
este respeito (na minha opinião, é de leitura obrigatória
para os “carismáticos”).

A Igreja Católica é constituída das dimensões institucional


e carismática. Isto não significa que algumas coisas na
Igreja sejam “institucionais” e outras “carismáticas”; pelo
contrário: qualquer realidade eclesial é essencialmente
institucional e carismática.

Desde o princípio, o mesmo Cardeal que defendera o


Movimento Carismático como corrente de graça também
se preocupava com dar forma aos Serviços Internacionais
da RCC, a fim de dar suporte formativo e pastoral às
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diversas realidades oriundas da corrente de graça


existentes no Mundo. Organismos continentais, nacionais,
estaduais, diocesanos, etc. foram surgindo em decorrência
da necessária unidade pastoral e doutrinária.

Houve diversas fases do desenvolvimento das expressões


carismáticas no Brasil, bem como do mútuo
relacionamento entre elas. Do final da década de sessenta
até o final dos anos setenta, a Renovação Carismática
Católica foi guiada, primeiramente, pela influência de
“pregadores itinerantes”; é após o retorno de Pe. Eduardo
Dougherty, sj ao Brasil que se organizam um Escritório
Nacional e uma primeira Equipe Nacional de Serviços.
Durante este período, todas as realidades carismáticas
existentes no país estavam vinculadas a este Escritório.

Na década de 80 se organiza o Conselho Nacional e todas as


realidades carismáticas existentes se viam contempladas
nele.

Na década de 90 se dá a Ofensiva Nacional: diversos


membros de Comunidades de Vida e Aliança estiveram
profundamente engajados nela. Tal era o entendimento a
respeito da relação entre a “RCC BR” e a experiência
comunitária que se contemplava, na Ofensiva, a realidade
das “Comunidades de Renovação”. Com o passar do tempo,
a “RCC BR” foi assumindo a forma de um Movimento
Eclesial, tal como orientara São João Paulo II: o Papa, por
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diversas vezes, ao se dirigir ao Rinnovamento nello Spirito


Santo da Itália, definiu-o como “um Movimento Eclesial”.
Sob a escuta do Magistério, os líderes da RCC BR passaram
a refletir a respeito da realidade da Renovação no Brasil
como um Movimento Eclesial que, embora com
singularidades, devia, de fato, institucionalizar-se (como,
posteriormente, ensinara o Papa Bento XVI a respeito da
necessária institucionalização dos carismas para sua
duração no seio da Igreja).

A partir de 1998, com a celebração de Pentecostes com São


João Paulo II junto a todos os Movimentos Eclesiais, na
preparação para o grande jubileu do ano 2000, consolidou-
se a visão de que a Renovação Carismática Católica do
Brasil precisava se entender e organizar como um
Movimento Eclesial, com sua formação própria, sua
organização interna e sua ação missionária e
evangelizadora (não somente enquanto graça que permeia
as iniciativas existentes na Igreja, mas enquanto “realidade
eclesial” na qual milhares de pessoas fazem o seu
engajamento pastoral, a sua pertença dentro da Igreja).

Paralelamente, as Comunidades de Vida e Aliança


Carismáticas cresciam em maturidade eclesial e
desenvolviam toda a vida formativa e missionária de seus
membros e evangelizados sob “o prisma do carisma
fundante”; entendiam-se como “nascidas da corrente de
graça carismática”, mas não como parte de um “Movimento
42
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Eclesial” que se constituía no Brasil. Embora tenham


havido inegáveis hostilidades em muitas realidades locais
(entre RCC e Comunidades), replicava-se, no Brasil, o
relacionamento preconizado pelas relações institucionais
entre ICCRS e Catholic Fraternity (na relação entre RCC BR
e Frater Brasil: seus responsáveis se visitavam, havia
cordialidade).

A RCC BR e as Comunidades firmaram seu próprio


caminho eclesial por uma escolha pastoral feita sob total
influência de São João Paulo II; fora em seu pontificado que
nascera a Catholic Fraternity e se consolidara o ICCRS. As
primeiras comunidades carismáticas a receberem o
reconhecimento pontifício… tiveram-no no pontificado
dele; o mesmo aconteceu com o ICCRS.

É no pontificado do Papa Francisco, porém, que ocorre uma


“releitura” do desenvolvimento das expressões carismáticas
e da relação existente entre elas (em virtude de diversos
problemas percebidos e explicitados pelo Santo Padre e,
sobretudo, pelo desejo de Sua Santidade em ver o Batismo
no Espírito Santo sendo compartilhado com toda a Igreja).
Como fruto deste anseio do Santo Padre, nasceu, sob seu
pedido, um “serviço único”, de Direito Pontifício, para
todas as expressões carismáticas na Igreja Católica e
suprimiram-se o ICCRS e a Catholic Fraternity.

43
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Há algumas peculiaridades que diferenciam a RCC –


enquanto corrente de graça – da noção básica de
Movimento Eclesial:

1. Um Fundador: A Pessoa do Fundador não é


periférica, mas de suma importância na vida de um
Movimento Eclesial. Ele é o transmissor do carisma. A
Renovação Carismática, por outro lado, não tem um
fundador, nem uma data de fundação.
2. Princípios, Normas e Regras do Movimento: Os
Movimentos Eclesiais possuem normas, princípios e regras
que regem desde a incorporação ao Movimento
(apresentando pré-requisitos para que alguém possa ser
aceito no Movimento) à vida diária de seus membros, com
um caminho espiritual a ser percorrido, normas de vida a
serem observadas, orações específicas a serem feitas, etc. A
vivência da graça de pentecostes, por outro lado, não faz
seleção de pessoas, não restringe, não impõe normas de
incorporação. Todo aquele que é Batizado no Espírito
Santo, manifesta carismas e está unido ao Bispo
Diocesano (vive na comunidade) ... É
legitimamente carismático.

Tentando incutir no coração das pessoas o benefício da


participação nos grupos de oração como lugar privilegiado
para a vivência da oração carismática comunitária, houve,
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no Brasil, todo um trabalho levado a cabo pelo Conselho


Nacional que tinha por “rhema” a frase “Grupo de Oração,
Eu participo”. Infelizmente, os direcionamentos desta
campanha foram mal interpretados por muitos que, até
hoje, afirmam categoricamente que aqueles que não
participam de um Grupo de Oração ligado ao Movimento
da RCC não são carismáticos. Portanto, Novas
Comunidades não são Renovação Carismática, por
exemplo. Isto vai contra os estatutos do CHARIS e é,
portanto, improcedente.

Apesar destas diferenças entre “Corrente de Graça” e


“Movimento Eclesial”, nasceram, da Corrente,
“Movimentos Eclesiais”? Sim! Embora sem um fundador e
um livro de regras, a Renovação também se constituiu, em
muitos países, num grupo de homens e mulheres –
ministros ordenados e leigos – portadores de uma graça
que é, para a Igreja, rosto e memorial de sua dimensão
carismática. O carisma específico deste Movimento é a
vivência pentecostal, com suas manifestações e
consequências atestadas no relato bíblico. De fato, nenhum
“carisma específico e fundante” de um Movimento é algo
totalmente novo; apresenta-se sempre como um despertar
ou avivar de uma dimensão da vida cristã que o Espírito
Santo deseja ressaltar e trazer à tona num momento
específico da Igreja. O movimento franciscano, por
exemplo, tem por carisma específico a pobreza evangélica;
ora, só os franciscanos devem ser pobres? De modo algum!
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O movimento franciscano – na sua vivência radical,


amorosa e até “louca” (característica própria dos
apaixonados) – é rosto e memorial perene deste conselho
evangélico. Toda a Igreja deve ser pobre! Outro exemplo: O
Movimento dos Focolares tem por carisma fundacional a
unidade e – na sua vivência radical e amorosa – é rosto e
memorial deste mandato do Senhor: “Que todos sejam um
para que o mundo creia” (cf. Jo 17,21). É neste sentido que
o Movimento Carismático é legitimamente um
“Movimento” enquanto rosto e memorial da vivência
pentecostal do cristianismo – que se orienta a avivar a
dimensão carismática da Igreja – na sua vivência radical,
amorosa e apaixonada.

Este é um dos desafios teológicos que a Corrente de Graça


de Renovação Carismática apresenta à Igreja Católica: Dela
surgiu também uma instituição que assumiu a forma de um
Movimento Eclesial e assim foi acolhida pela Igreja, sem ter
um fundador e manuais com princípios e normas, pois,
apesar disto, traz em si um carisma específico de renovação
pentecostal para toda a Igreja.

Existe “sim” a realidade do Movimento dentre as diversas


expressões nascidas da corrente de graça. Que isto seja sim
um motivo de alegria. Contudo, o fato de não levarmos em
conta as especificidades deste movimento e a ênfase que se
deu à institucionalização da RCC enquanto Movimento

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Eclesial gerou também um ônus que desejo fazer objeto da


nossa reflexão.

Os Movimentos Eclesiais, as Associações, as Comunidades


de Vida e Aliança e as diversas instituições possuem – ao
menos a maioria delas! – suas sedes com toda uma vida
própria, repleta de atividades e independente, sob muitos
aspectos, da Comunidade Paroquial. Em linhas gerais, o
impacto que as Instituições causam na vida das paróquias
é gerado pela participação de seus membros no dia a dia da
paróquia (não se trata, portanto, de uma ação específica
delas para a paróquia, mas da participação dos membros
– com uma boa formação e uma vida espiritual geralmente
profunda – no dia a dia da paróquia ... Algo que se dá meio
que “por osmose”).

Na busca da necessária institucionalização, o Movimento,


as Comunidades e instituições criaram toda uma dinâmica
formativa e uma atividade missionária que são próprias de
seus carismas e, muitas delas, inegavelmente são
independentes da paróquia. Em muitíssimas realidades, o
“Grupo de Oração” – para citar um exemplo – é um horário
semanal no qual os “carismáticos” usam as dependências
da paróquia para as atividades próprias do Movimento
sem qualquer relação com o programa pastoral da
Diocese e da própria paróquia. Quando muito, participam
das reuniões de CPP, “tocam” em alguma das missas e
organizam alguns eventos. Ao assumirem funções como
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catequistas, ministros da Eucaristia e membros das


diversas pastorais, eles o fazem desde que não façam
qualquer coisa que remeta à experiência carismática, de
modo que, se por um lado ganhamos católicos com uma
maior “sensibilidade espiritual” para os diversos serviços da
paróquia (o que é uma benção), por outro lado a experiência
carismática fica relegada a uma atuação paralela da vida
mesma da paróquia.

É necessário repensar o conceito de Paróquia e de


jurisdição eclesiástica? Com certeza (e esta discussão está
muito em voga nas reuniões dos Bispos aqui no Brasil). A
Paróquia precisa se abrir para que os Movimentos Eclesiais,
Comunidades e Associações consigam se inserir
devidamente, desembocando no conceito de Paróquia
como Comunidade de Comunidades. Aliás, acho incrível
como muitas vezes os Movimentos Eclesiais, Comunidades
e Associações são considerados como “carentes de
eclesialidade” por muitos padres e líderes de pastorais, que
só passam a considerar alguém como “inserido na vida da
paróquia” se a pessoa fizer, ao mesmo tempo, parte de
algum serviço ou pastoral. Participar de um “Grupo de
Oração” e trabalhar ativamente nele é “insuficiente” para
estes padres e líderes.

Por outro lado, quando o assunto é Renovação Carismática


Católica... Não consigo deixar de lamentar o fato de nós
termos abandonado o desejo de “revitalizar a
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evangelização, as prédicas, o culto sacramental, o Rito


de Iniciação Cristã de adultos, a pastoral da juventude, a
preparação para o crisma e os modos de vida comunitária
no contexto da paróquia local” e o sonho de uma
paróquia como uma comunidade prestando culto
em vibrante liturgia. Este foi o ônus da ênfase da
Renovação Carismática Católica como um Movimento
Eclesial, pois infelizmente o Batismo no Espírito Santo e as
Manifestações Carismáticas passaram a ser “coisa de
carismáticos” e abandonamos, como Movimento, os
assuntos do dia a dia de uma Paróquia Católica como não
sendo “a nossa identidade”, “a nossa missão”, a final, “a
economia sacramental e a liturgia são comuns a toda a
Igreja”, “não é da responsabilidade de um movimento em
específico”.

A Renovação precisa deixar de ser um Movimento? De


modo algum! Aliás, isto é impossível e, se fosse possível,
seria um grave erro. Se colocarmos na balança, o bônus de
sermos um Movimento é muito maior que o ônus sob vários
aspectos (e é por isto que o Espírito Santo nos guiou por
este caminho). Sou contra este pensamento romântico de
que não podemos ser um Movimento porque somos uma
espiritualidade, uma “corrente de graças” como algo “solto
no ar”, sem coordenações, estruturas e organismos. Isto
não existe na Igreja de Cristo, que sempre foi e sempre será
Instituição e Carisma! Por outro lado, eu acredito que a
visão dos líderes carismáticos precisa ser reformulada
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quanto a consciência que temos de nós mesmos, uma vez


que, embora sejamos um Movimento Eclesial, somos muito
diferentes dos demais movimentos (o que não nos torna
melhores ou piores).

Estamos falando, portanto, de um Movimento a sui generis,


com um caráter universal muito próprio, orientado a avivar
toda e qualquer espiritualidade, serviço, movimento,
instituição, congregação, associação ou “ajuntamento de
pessoas” que o desejar. Ao mesmo tempo, este próprio
“sopro espiritual” se constitui num organismo vivo e
pulsante, cuja única missão é manter o avivamento
carismático em constante ação, dia após dia, para toda e
qualquer pessoa e realidade eclesial que dele quiser beber.

Então, como gerar uma organização sem reduzir a natureza


da Renovação a algo que ela não é? Isto, sem dúvida
alguma, constitui-se num dos maiores desafios para a
existência da Renovação (e uma das coisas mais
apaixonantes nela também!).

Algumas ideias me veem a mente sobre esta questão:

● Para que o Batismo no Espírito Santo, as


Manifestações Carismáticas e a vida comunitária no
Espírito permaneçam vibrantes e atuantes na vida da
Igreja, renovando toda e qualquer pessoa ou realidade
eclesial que esteja aberta para tal, o Espírito Santo suscita
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homens e mulheres que, unidos, são como que um coração


bombeando o avivamento para todo o corpo. Os líderes
carismáticos unidos são um coração que bombeia a
experiência carismática; eles são rosto e memorial (no
sentido bíblico de “tornar atual”, “reapresentar”) de
Pentecostes, que é perene na vida da Igreja.
● Estes líderes levantados por Deus estão unidos
internacionalmente, bem como nos níveis nacionais,
estaduais, diocesanos e paroquiais, e constituem, assim, o
Movimento da Renovação Carismática Católico.
● Os Grupos de Oração são lugares calorosos de
oração ao serviço de todos os católicos (e não a reunião dos
membros do movimento) independente do serviço que
estes prestam à Igreja ou da espiritualidade com a qual se
identificam.
● O verdadeiro responsável pela Renovação
Carismática é o coordenador diocesano, pois é ele quem
tem o respaldo e atua sob o cajado do Bispo da Igreja
Particular, que é o verdadeiro Pastor, em nome de Jesus
Cristo, ao qual todos devemos estar ligados (e, por meio
dele, ligados à Igreja Universal sob o cajado do Papa).
● Todos os níveis acima da coordenação diocesana da
RCC (estaduais, nacionais e internacionais) são instâncias
de serviço, apoio, promoção, formação, orientação,
discernimento, etc., menos de governo. Este é, por
exemplo, o papel dado pela Santa Sé ao ICCRS, em seus
estatutos! É uma instância de comunhão e não de governo.
Um coordenador estadual ou nacional (para citar um
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exemplo) jamais poderia interferir numa instância


diocesana sem o consentimento do Bispo Local, pois não
gozam de autoridade de governo para tal.
● O Coordenador Diocesano é aquele que, sob a
autoridade do Bispo Diocesano, auxilia os Párocos nas
Comunidades a fim de que a graça do Batismo no Espírito
Santo permeie todas as realidades e serviços da Paróquia,
zelando para que o Grupo de Oração seja coordenado e
cuidado por pessoas bem formadas e identificadas
com a Renovação: líderes levantados por Deus para
serem um coração da experiência carismática na
comunidade, como rosto e memorial de pentecostes.
● O primeiro serviço da Renovação é ... A Renovação
da Igreja, constituída em Igrejas particulares e
Comunidades Paroquiais (e é dentro dessas realidades que
todas as demais realidades eclesiais coexistem). A
Renovação pode e deve pensar na missão ad extra e ad
gentes; o que não pode acontecer é prescindir da primeira
vocação de ser corrente de graça nas comunidades
paroquiais.

A Igreja é Apostólica e a autoridade do Bispo deve ser


salvaguardada. O coordenador diocesano é o verdadeiro
responsável pela Renovação, e todas as demais instâncias
só têm razão de ser se priorizarem a assistência total e
ilimitada a ele, porque ele é o único submetido diretamente
a um Bispo no exercício de sua coordenação no Movimento.
Quem libera ou proíbe algo ou alguém? O Bispo Diocesano
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e o Pároco. Quem é responsável por tudo o que acontece na


vida da Igreja Particular? O Bispo Diocesano e, nas diversas
comunidades, os respectivos párocos. A quem cabe o
discernimento dos espíritos, em última instância? Ao Bispo
Diocesano e ao Pároco. Tudo o que acontece na vida da
Renovação dentro da Igreja particular recai sobre o “colo”
de quem? Do Bispo Diocesano e dos Párocos! Mas, a quem
eles procuram nestes casos? Ao Coordenador Diocesano!

Portanto, a Renovação Carismática Católica precisa


entender-se como corrente de graça para que, por sua vez,
o Movimento preste o primeiro serviço que a Igreja espera
dele: Paróquias Renovadas, celebrando em vibrante
liturgia.

Por que este tema é importante quando aquilo que


realmente queremos abordar é a questão da
Liturgia?

Bem... É o princípio metafísico de que o ser antecede o agir


e que a natureza é o princípio da operação. Quando nos
enxergamos como mais um Movimento da Igreja,
relegamos a liturgia (bem como a economia sacramental, a
catequese, etc.) ao cuidado dos padres e Bispos, pois nosso
foco é fazer as coisas próprias do “nosso carisma”, do
“nosso jeito de ser Igreja”. Quando nos enxergamos como
corrente de graça para a vida da Igreja, a liturgia (bem
como a economia sacramental, a catequese, etc.) e a vida da
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paróquia passam a ser de fundamental importância para as


ações do Movimento. Enquanto corrente de graça, o
Movimento existe especialmente para as comunidades
locais. Enquanto mais um Movimento, a Renovação traça
linhas de ação e planejamentos para promover apenas “um
jeito de ser Igreja”, dentre tantos outros que já existem.

Nós somos propensos às polarizações. Ou é “isto” ou é


“aquilo”. A Igreja, com sua sabedoria, diante destas
polarizações, sempre nos oferece o “et” ao invés do “aut”.
Instituição ou Carisma? Não. Instituição e Carisma!
Espiritualidade ou Vida Social? Não. Espiritualidade e vida
social! Movimento ou Corrente de Graça? Não. Movimento
e Corrente de Graça!

Estou propondo uma mudança “revolucionária” na


Renovação? Eu não acredito em golpes “revolucionários”.
Não acho que se possa mudar uma cultura à força de um
golpe revolucionário; as coisas precisam acontecer de modo
paulatino, desde as bases. Mas, sem dúvida nenhuma...
Estou sim propondo uma mudança.

Se a Renovação é apenas um Movimento Eclesial como


todos os outros... A liturgia não deve ocupar lugar na sua
ação pastoral. Se a Renovação é apenas uma corrente de
graça... Nenhum tipo de ação pastoral se deve esperar dela
e as coisas precisam se dar “por si sós”, como uma
“contaminação radioativa” (o que é bem fora da realidade)
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Mas se a Renovação Carismática Católica é Movimento &


Corrente de Graça... A liturgia, que é o Modus Orandi da
Igreja, passa a ser de suma importância na ação da RCC.

Esta é a vossa definição: Corrente de Graça! (Papa


Francisco)10.

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A Renovação Carismática em face do


Concílio Vaticano II

Os Carismas Efusos na vida Pastoral e Litúrgica da


Igreja

Em seu livro Aspirai aos Dons do Espírito11, Renato Menghi


faz a seguinte introdução:

O Concílio Vaticano II proporcionou uma grande revisão da


caminhada da Igreja. De sua estrutura interna, de sua
missão no mundo e de seus fundamentos espirituais. Era
preciso atender aos novos desafios despertados por um
mundo em acelerado processo de mudanças, e sempre que
a Igreja precisa se posicionar perante as interpelações de
uma época, necessita revisitar suas origens, pois é nesse
confronto com os pontos primordiais que se pode
vislumbrar todo o sentido da caminhada empreendida e
calcular a direção dos novos rumos.

Daí se viu emergir uma visão eclesiológica renovada, com o


que, os dons carismáticos passaram a se tornar matéria
frequente nos ensinos oficiais da Igreja. Passou-se a falar
mais em “Igreja povo de Deus”, ornada pela grande
variedade de carismas e ministérios que o Espírito Santo
nela faz surgir12.

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De fato, os documentos conciliares estão impregnados


desta visão eclesiológica renovada. A Lumen Gentium
afirma:

O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como


num templo (cfr. 1 Cor. 3,16; 6,19), e dentro deles ora e dá
testemunho da adopção de filhos (cfr. Gal. 4,6; Rom. 8, 15-
16. 26). A Igreja, que Ele conduz à verdade total (cfr. Jo.
16,13) e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a
Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos
e adorna-a com os seus frutos (cfr. Ef. 4, 11-12; 1 Cor. 12,4;
Gal. 5,22). Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e
renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu
Esposo. Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor
Jesus: «Vem» (cfr. Ap 22,17)!13.

Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e


conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e
ministérios e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a
cada um os seus dons como lhe apraz» (1 Cor. 12,11),
distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as
classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar
diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e
cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas
palavras: ; «a cada qual se concede a manifestação do
Espírito em ordem ao bem comum» (1 Cor. 12,7). Estes
carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os
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mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de


graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis
às necessidades da Igreja. Não se devem porém, pedir
temerariamente, os dons extraordinários nem deles se
devem esperar com presunção os frutos das obras
apostólicas; e o juízo acerca da sua autenticidade e reto uso,
pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais
compete de modo especial não extinguir o Espírito mas
julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1 Tess. 5, 12. 19-
21)14.

Como bem lembra Renato Menghi, os textos do Concílio


têm fundamentado Encíclicas, Discursos Pontifícios,
Declarações das Congregações, o Catecismo da Igreja
Católica, o Código de Direito Canônico e são as chaves de
leitura para os rumos pastorais da Igreja. Vejamos, por
exemplo, o que diz o artigo 150 do Documento de
Aparecida:

A partir de Pentecostes, a Igreja experimenta de imediato


fecundas irrupções do Espírito, vitalidade divina que se
expressa em diversos dons e carismas (cf. I Cor 12, 1-11) e
variados ofícios que edificam a Igreja e servem à
evangelização (cf. I Cor 12, 28-29). Através destes dons, a
Igreja propaga o ministério salvífico do Senhor até que Ele
de novo se manifeste no final dos tempos (cf. I Cor 1, 6-7).
O Espírito na Igreja forja missionários decididos e valentes
como Pedro (cf. At 4, 13) e Paulo (cf. At 13, 9), indica os
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lugares que devem ser evangelizados e escolhe aqueles que


devem fazê-lo (cf. At 13, 2)15.

Ao ler estes textos, o coração de qualquer “carismático” se


inflama. De fato, carismas como dom de línguas,
interpretação de línguas, mensagem profética, cura,
libertação, palavra de ciência e tantos outros fazem parte do
modus essendi e do modus orandi do Movimento
Carismático. Mas estes textos não foram escritos para o
Movimento Carismático. Foram escritos para toda a Igreja!
Infelizmente, há uma distância entre a teoria e a prática das
comunidades católicas. Assim escreveu Renato Menghi a
respeito:

Os dons carismáticos descritos por Paulo nos capítulos 12 e


14 de sua Primeira Carta aos Coríntios, embora surjam
amiúde nos ensinos da Igreja pós-conciliar, na vida regular
das dioceses e comunidades paroquiais eles não aparecem
como prática espiritual exercidas comumente nos diversos
segmentos eclesiais. Observa-se que há duas condições a
respeito desses dons: subsistem nas letras, onde são tidos
como integrantes da vida espiritual e ministerial da Igreja;
mas na prática pastoral não são vistos 16.

A verdade é que toda a riqueza teológica já existente nas


reflexões de Heribert Mühlen (um dos maiores nomes da
Pneumatologia), René Laurentin (um dos maiores nomes
da Mariologia), Yves Congar (um dos maiores nomes da
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Pneumatologia), Daniel Ange (Teólogo Francês sumamente


renomado), Francis Sullivan (teólogo estadunidense
renomado), Leo J. Suenens (um dos moderadores do
Concílio) e tantos outros... Passam longe, mas muito longe
das prateleiras da maioria dos líderes eclesiásticos. Há uma
resistência para com a práxis carismática, mas,
infelizmente, esta resistência é, muitas vezes, uma mistura
de desconhecimento destes estudos (ignorância) com
indignação ante os abusos e desequilíbrios de carismáticos
“mal formados”, que não constituem a verdadeira
experiência.

É engraçado... Nós, como católicos, indignamo-nos quando


vemos que setores anticatólicos buscam padres infiéis ou
leigos reconhecidamente em discordância com o magistério
para darem entrevistas e falarem em nome da Igreja.
Ficamos indignados, também, quando o estudo da história
da Igreja se resume a falar das cruzadas, da inquisição, do
caso Galileu, do abuso com as indulgências e tantas outras
situações; ficamos indignados porque se alguém quer ouvir
uma opinião sobre o budismo, procura logo um bom e fiel
monge budista a fim de que ele possa dar a visão real da
coisa; por outro lado, quando se trata do catolicismo, deixa-
se de lado o testemunho gritante e evidente dos bons
católicos, os Santos, e se busca falar da Igreja com base
naqueles que nitidamente foram mal católicos e que são
relembrados historicamente como traidores da verdadeira
fé da Igreja. Ficamos indignados com isto, não é mesmo? E
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temos razão nisto. Agora, por que é que, quando o assunto


é Renovação Carismática o que critério para afirmar como
procede o movimento são os desvarios cometidos por gente
mal formada? Por favor, senhores críticos: se vocês desejam
saber o que é e como procede a Renovação Carismática...
Procurem os “bons carismáticos”, ao invés dos
desequilibrados, como único critério de discernimento!

Se falta leitura por parte dos sacerdotes e, até, de muitos


bispos, o que dizer de muitíssimos líderes que coordenam
as nossas pastorais e serviços nas nossas paróquias?

Aquilo que está contido nos textos conciliares pode se


tornar vida na nossa vida de católicos. A Renovação
Carismática Católica é prova disso e pode ser uma corrente
de graças capaz de avivar a chama destes carismas na vida
pastoral e litúrgica da Igreja. Aliás, eu acredito que ela
exista para isto!

Faz-se necessária uma profunda tomada de consciência,


por parte de toda a Igreja, da legitimidade da experiência
carismática tal qual ela se dá na Renovação Carismática.
Mesmo levando em conta o fato de que, a partir da década
de 90, houve um declínio na genuína experiência do
Batismo no Espírito Santo e, por consequência, um declínio
da legítima manifestação carismática, é necessário separar
“as ovelhas dos cabritos”. Uma coisa é a experiência

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genuína da Renovação Carismática e bem outra é a que nós


temos presenciado em muitos lugares.

Sobre a legitimidade do dom das línguas e sua práxis tal


qual a vemos nos Grupos de Orações genuinamente
carismáticos, recomendo duas obras importantíssimas e
esclarecedoras (e não faço esta recomendação como nota de
rodapé mas como parte do texto deste livro pela
importância que dou a estas duas obras):

1. O livro do meu amigo e irmão na fé, Renato Menghi:


Aspirai aos Dons do Espírito Santo – Editora RCC
BRASIL, 2009.
2. O livro de René Laurentin: Pentecostalismo entre os
Católicos – Editora Vozes, 1977.

Como nós veremos mais à frente, há lugar para os carismas


na vida litúrgica da Igreja (aliás, a primeira carta aos
Coríntios deixa claro que a liturgia é o berço das
manifestações carismáticas na Igreja primitiva).

Necessidade de tornar a Missa mais “inteligível” ao


povo: O Missal de Paulo VI é a solução?

Durante muito tempo, o povo simples e humilde – ou seja,


90% dos Latino Americanos, o que significa dizer que
estamos falando da esmagadora maioria dos católicos do
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mundo – “assistia” a Santa Missa. Contudo, a maioria das


pessoas rezava o terço enquanto o padre “dizia a missa”.
Nenhum conservador realmente honesto pode desdizer
estes fatos.

O povo católico “ficou” com aquilo que lhe era mais


tangível: os devocionais voltados aos santos, as procissões,
enfim, tudo isto que forma parte daquilo que chamamos
de religiosidade popular. É o Documento da V Conferência
do Episcopado Latino-Americano e Caribenho – e não eu!
– quem identifica este fenômeno como uma das causas
principais do “desmoronamento” da fé católica, com o
consequente crescimento das seitas (pois o povo tem sede
do conhecimento de Deus e as práticas devocionais, sem
este pressuposto, redundam muitas vezes supersticiosas e
vazias).

O Missal de Paulo VI e suas mudanças, contudo,


“mudaram” essa realidade? Trouxeram o povo católico a
um maior entendimento dos mistérios celebrados na
"Divina Liturgia"? Será que o povo não está mergulhado
numa religiosidade meramente popular – ainda – e o
crescimento das seitas não está cada vez mais em ascensão?

O Papa Emérito Bento XVI, em seu discurso ao clero


romano no dia 14 de fevereiro de 2013 17, falou-nos sobre o
ambiente de entusiasmo que havia sobre a questão da
renovação litúrgica. Afirmou o Santo Padre:
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Depois da Primeira Guerra Mundial, crescera,


precisamente na Europa central e ocidental, o movimento
litúrgico, uma redescoberta da riqueza e profundidade da
liturgia, que até então estava quase fechada no Missal
Romano do sacerdote, enquanto o povo rezava pelos seus
livros de oração, feitos de acordo com o coração da gente,
de modo que se procurava traduzir os conteúdos altos, a
linguagem elevada da liturgia clássica em palavras mais
sentimentais, mais próximas do coração das pessoas.
Tratava-se, porém, quase de duas liturgias paralelas: o
sacerdote com os ajudantes, que celebrava a Missa
segundo o Missal, e os leigos que rezavam, durante a
Missa, com os seus livros de oração, sabendo
substancialmente o que se realizava no altar. Mas agora
fora redescoberta precisamente a beleza, a profundidade,
a riqueza histórica, humana, espiritual do Missal e a
necessidade que não houvesse só um representante do
povo, um pequeno ajudante, a dizer: «Et cum spiritu tuo»,
etc., mas que fosse realmente um diálogo entre o sacerdote
e o povo, que realmente a liturgia do altar e a liturgia do
povo fosse uma única liturgia, uma participação ativa,
que as riquezas chegassem ao povo; e assim foi
redescoberta, renovada a liturgia.

Sobre a questão da participação na Liturgia da Missa,


afirmou o Papa:

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Havia dois princípios: a inteligibilidade, ao invés de


ficar fechados numa língua desconhecida, não falada, e
também a participação ativa. Infelizmente, estes
princípios foram também mal compreendidos.
Inteligibilidade não quer dizer banalidade, porque os
grandes textos da liturgia – ainda que proferidos, graças
a Deus, na língua materna – não são facilmente
inteligíveis, precisam de uma formação permanente do
cristão para que ele cresça e entre cada vez mais em
profundidade no mistério, e assim possa compreender. E o
mesmo se diga da Palavra de Deus: se se pensa na leitura
diária do Antigo Testamento, e mesmo na leitura das
Cartas Paulinas, dos Evangelhos, quem pode afirmar que
a compreende imediatamente só porque a leitura está na
sua própria língua? Só uma formação permanente do
coração e da mente pode realmente criar inteligibilidade e
uma participação que é mais do que uma atividade
exterior, que é uma entrada da pessoa, do meu ser na
comunhão da Igreja e, deste modo, na comunhão com
Cristo.

Não bastava traduzir a missa e disponibilizá-la na língua


materna de cada nação; tão pouco bastava inserir
participações do povo, ou “virar” o altar. Faz-se necessária
uma profunda formação permanente do coração e da
mente para criar a inteligibilidade e uma participação que
é mais do que uma atividade exterior.
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O Papa fala de formação, de Catequese. E, como bem


afirmam o Documento de Aparecida e o Documento Pós-
Sinodal Verbum Domini, a catequese precisa ser antecedida
do primeiro anúncio, o Kerygma.

O Documento de Aparecida, no número 289 diz:

Sentimos a urgência de desenvolver em nossas


comunidades um processo de Iniciação Cristã que comece
pelo Kerygma e que, guiado pela Palavra de Deus,
conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus
Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado
como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao
seguimento em uma comunidade eclesial e a um
amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do
serviço e da missão18.

No número 278, o mesmo documento afirma:

O Kerygma não é somente uma etapa, mas o fio condutor


de um processo que culmina na maturidade do discípulo
de Jesus Cristo. Sem o Kerygma, os demais aspectos
desse processo estão condenados a esterilidade,
sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor. Só
a partir do Kerygma acontece a probabilidade de uma
iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja precisa tê-lo
presente em todas as suas ações 19.
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É aqui que encontramos o primeiro ponto de intersecção


entre a Liturgia e a Renovação Carismática Católica, uma
vez que a pregação de Jesus Cristo no poder do Espírito
Santo é a base e o fio condutor de todo o processo que
culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo.

No dia 02 de dezembro de 2005, na primeira semana do


advento, o Frei Raniero Cantalamessa pregou ante o Papa
Bento XVI sobre o tema A Fé em Cristo Hoje e no Início da
Igreja20. Ele afirma:

A fé, como tal, floresce somente na presença do Kerygma,


do anúncio. «Como poderão crer --escreve o Apóstolo
falando da fé em Cristo-- sem ter ouvido? Como poderão
ouvir sem quem anuncie? » (RM 10, 14). Literalmente:
«sem alguém que proclame o Kerygma» (choris
keryssontos). E conclui: Portanto a fé vem da [escuta da]
pregação» (Rm 10, 17), onde por «pregação» se entende a
mesma coisa, isto é, o «evangelho» ou o Kerygma.

Falando sobre o conteúdo do Kerygma, Frei Raniero


afirma:

O núcleo mais concreto é a exclamação: «Jesus é o Senhor!


», pronunciada e acolhida no estupor de uma fé «statu
nascenti», isto é, no ato mesmo de nascer. O mistério
desta palavra é tal que ela não pode ser
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pronunciada «senão sob a ação do Espírito Santo»


(1 Co 12, 3). Esta exclamação por si só faz entrar na
salvação a quem crê em sua ressurreição: «Porque se
confessas com tua boca que Jesus é o Senhor e crês em teu
coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos serás
salvo» (RM 10, 9) [...] Portanto aquilo que na pregação de
Jesus era a exclamação: «Chegou o Reino de Deus! », na
pregação dos apóstolos é a exclamação: «Jesus é o Senhor!
». E não são, de modo algum, afirmações que se
contrapõem; muito pelo contrário, são continuidade
perfeita entre o Jesus que prega e o Cristo pregado, porque
dizer: «Jesus é o Senhor! » é como dizer que em Jesus,
crucificado e ressuscitado, se realizou por fim o reino e a
soberania de Deus sobre o mundo.

Por meio da experiência denominada Batismo no Espírito


Santo, o fiel encontra um caminho esplêndido para ter uma
experiência pessoal com Jesus Cristo. A pregação do
Kerygma sob o “poder do Espírito Santo” – expressão
utilizada pelo Apóstolo São Paulo para denominar as
manifestações carismáticas – promove esta experiência que
leva o fiel a uma sede profunda das fontes de vida espiritual
que são os sacramentos, a leitura da Palavra, a Oração, etc.

Neste sentido, o Batismo no Espírito Santo abre o coração


do fiel para a Didake, o que lhe permitirá uma participação
mais vívida e eficaz nos sacramentos e, sobretudo, nos
divinos mistérios celebrados na Eucaristia. Aliás, este é o
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testemunho das primeiras comunidades cristãs recolhido


nos escritos patrísticos, o que é bem defendido na obra
Avivar a chama, já supracitada.

A Renovação Carismática Católica e os abusos na


Liturgia: Entendendo o porquê

Antes de abordar a questão da participação litúrgica, creio


ser importante abordar o tema dos atuais abusos no campo
da liturgia por parte dos “carismáticos”.

Entendendo alguns precedentes:

A experiência carismática tal qual a conhecemos hoje tem


nos chamados Grupos de Oração o seu lugar privilegiado.
Estes grupos são caracterizados (ou deveriam ser)
pela espontaneidade e liberdade expressas por meio
de palmas, danças e muita alegria. Tudo isto faz parte da
expressão de louvor do carismático, e ele encontra na
Sagrada Escritura fundamentações muito sólidas para
assim proceder. Outra característica sine qua non dos
Grupos de Oração são as manifestações carismáticas. De
fato, sem a manifestação dos carismas efusos o Grupo de
Oração pode ser qualquer coisa, menos carismático.

Um imenso número de “católicos carismáticos” relata a


seguinte experiência:

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“Eu sempre fui católico; contudo, eu era um desses


católicos que vão a missa e 'pronto'. Depois que eu estive
num Grupo de Oração da Renovação Carismática, tive um
encontro pessoal com Nosso Senhor Jesus Cristo e a minha
vida mudou! Eu me tornei um melhor, pai, esposo,
profissional; eu vivo os ensinamentos éticos e morais da
Igreja e os defendo; eu me confesso mensalmente e
comungo diariamente; eu tenho oração pessoal”.

Podemos levantar várias questões:

Estas pessoas não receberam o Espírito Santo no Batismo e


na Crisma? Estas pessoas não encontraram Jesus Cristo na
Eucaristia? Não é, aliás, a Eucaristia a presença real e
inigualável de nosso Salvador? Por que, contudo, a
esmagadora maioria dos católicos que receberam estes
sacramentos não relatam algo ao menos semelhante com a
descrição testemunhal feita acima, tão comum nos Grupos
de Oração da Renovação Carismática Católica?

A causa já nos foi explicada pelo Papa Bento XVI, na citação


que fiz acima. Não basta "traduzir" a missa para que ela se
torne realmente acessível ao povo. Não basta dispensar os
sacramentos para que eles tenham relevância e significado
(embora sempre sejam sinais sensíveis de graça). A graça
pressupõe a natureza, ensina Santo Tomás. Aliás, por que
será que 90% das nossas crianças, que estão
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fazendo primeira comunhão e crisma, não estão “nem aí”


para a Igreja? Será que “dar catequese” a pessoas que não
tiveram uma experiência com Jesus não é semelhante a –
com o perdão da palavra (apesar de as palavras não serem
minhas, mas de Jesus) – atirar pérolas aos porcos?

Deste modo, perceba como é quase elementar para o


carismático católico mal instruído a conclusão de que
ele precisa tornar a Missa o mais semelhante possível ao
Grupo de Oração onde ele teve sua experiência com Jesus
Cristo. As criatividades começam a ser introduzidas na
Santa Missa, numa primeira instância, não porque o povo
seja herege; eu diria que, na maioria das vezes, as intenções
são as melhores e mais belas possíveis.

Este católico carismático em questão é mal instruído por


uma série de fatores. Elencarei alguns:

● Em linhas gerais, o encontro com Cristo é, numa


primeira instância, pessoal. A experiência do “eu creio”,
contudo, precisa evoluir e estar inserida no “nós cremos” da
Igreja. A ênfase na subjetividade (no encontro pessoal) é
contrária ao espírito da liturgia, que celebra a fé da Igreja,
a fé do novo Israel de Deus, o “nós cremos”.
● A experiência carismática se dá, numa primeira
instância, no âmbito da subjetividade (aliás, por isto ela é,
muitas vezes, inquestionável, pois quando uma pessoa diz
“eu não era ‘feliz’ e agora sou”, o que se pode contestar
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nisto? Trata-se de uma experiência pessoal. Agora, quando


ela faz afirmações objetivas, do tipo “Jesus é o único
redentor da humanidade”, podemos contestar, dizendo
“certo” ou “errado”). Contudo, a dimensão comunitária da
RCC precisa levar seus membros à experiência objetiva do
“nós cremos”. É o primeiro quesito para bem celebrar a
liturgia.
● Diferentemente de outros movimentos, institutos e
associações, a Renovação não faz nenhum tipo de acepção
ou seleção de pessoas. A porta do grupo de oração está
permanentemente aberta nos centros urbanos e nas
localidades rurais, nos “alphavilles” e nas favelas. Nosso
movimento é um fiel extrato da sociedade brasileira, o que
significa dizer que a maioria de seus membros é carente de
boa instrução e das condições mais básicas que garantem
o viver digno do ser humano (realidade do nosso país).
Desde este ponto, muita coisa já se explicaria por si só.
● O único material produzido até agora – pelo menos
aqui na RCC do Brasil – é um Curso de Educação a
Distância quando o assunto é a liturgia. Infelizmente, está
muito longe de ser um conteúdo de amplo acesso.
● Assuntos como Sacramentos e Liturgia são
considerados como temas que a Igreja em Geral ensina e
que, portanto, não são a tarefa específica da Renovação
Carismática.

Há carismáticos mal intencionados, que cometem abusos e


transformam a missa num carnaval de modo deliberado?
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Acredito que sim, mas não tenho dúvidas de que estes não
refletem as intenções presentes no coração da imensa
maioria.

Verdade seja dita, os sacerdotes são os que presidem a


assembleia na ação litúrgica (e os sacerdotes respondem
aos Bispos e não ao Movimento da Renovação Carismática
Católica, assim como o Movimento não responde por eles).
O sacerdote se auto afirma carismático? Isto não muda
nada. Quem responde pela Igreja Particular é o Bispo.

Aliás, permitam-me fazer uma ressalva para uma denúncia


profética: Ainda não encontrei a ligação lógica existente –
quem sabe você saiba! – mas geralmente o sacerdote que é
infiel na liturgia, que celebra “missas show”, que prende o
povo para junto de si por horas a fio, sempre deixa a desejar
na sua vida moral. Encontrei um número gritante de
situações como estas; o “povão” da Renovação, que achava
o “Padre X” uma “benção”, de repente toma o “baque”.
Devem haver exceções, mas apenas confirmam a regra.
Padre infiel à liturgia é Padre infiel na própria
vocação!

Mas há ainda, na questão do abuso na liturgia, uma outra


análise muito mais profunda a ser feita. Afirmo, sem
pestanejar, que a experiência do genuíno Batismo no
Espírito Santo tem sido cada vez mais rara nos Grupos de
Oração desde o final da década de 90. Os ministros de
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louvor e adoração (refiro-me à música dentro da RCC) das


nossas paróquias se tornaram animadores de público e
aqueles que possuíam maior expressividade no país, com
raras exceções, tornaram-se artistas (e deturparam a carta
de São João Paulo II aos artistas para justificar seu
proceder). O louvor e a adoração profunda e espontânea
deram lugar a euforia e, até, a sensualidade. Não sou contra
aquelas animações no início das reuniões para “quebrar o
gelo”, mas a triste constatação é que infelizmente toda a
condução do louvor ficou resumida ao “quebra gelo”. Da
baderna no grupo de oração para a baderna na Santa
Missa... é apenas um passo.

Realmente na década de 90 houve um fenômeno que eu não


qualifico como crescimento, mas como inchaço da
Renovação Carismática Católica. De repente, todo mundo
era carismático e frequentava grupos de oração e missas
de cura e libertação. Aquele processo de conversão e de
batismo no Espírito Santo que se dava harmonicamente
nos pequenos grupos foi deixando de acontecer nos
encontros de massa.

O Movimento Pentecostal Evangélico passou por um


processo semelhante naquilo que nós costumamos chamar
de ondas do Movimento Pentecostal. A primeira onda
enfatizava a santificação pessoal e o rompimento com as
coisas do mundo (no sentido paulino). A segunda onda
enfatizava os carismas acima de tudo; é o tempo das tendas
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de milagres e da ênfase nas manifestações mais empíricas


do pentecostalismo. A terceira onda enfatiza a
prosperidade.

Na década de 90 a Renovação Carismática Católica


enfrentou-se com esta mesma segunda onda. Os eventos de
massa com ênfase nas manifestações mais externas e
sensíveis veio em detrimento da busca da santificação
pessoal. Muitos líderes, ao se aperceberem disto, sentiram
a necessidade de fundar Comunidades de Vida e Aliança
que conservassem a experiência carismática autêntica. É
por isto que a década de 90 foi marcada por uma eclosão de
Novas Comunidades Carismáticas.

É evidente que eu estou, aqui, fazendo uma análise


generalizada! Há, em muitos lugares do Brasil,
remanescentes fieis da verdadeira Renovação que não se
tornaram uma comunidade de vida e aliança propriamente
dita, bem como há muitas dessas novas comunidades que
beberam desta segunda onda e se tornaram propagadoras
da mesma.

Para resumir a história: O inchaço da década de 90


desinchou-se de uma vez no início do novo século, dando-
nos a nítida impressão de um esmorecer do Movimento no
Brasil. Infelizmente já se sente fulgores da terceira onda
querendo invadir a nossa Renovação. Já recebi notícias de
líderes carismáticos dando testemunhos do tipo: “Eu e
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minha esposa oramos, determinamos no reino espiritual e


a graça aconteceu; nosso faturamento na empresa agora é
tanto, etc.”

Toda esta desorientação, que enfatiza os milagres de Deus


por sobre o Deus dos milagres e que transforma a
experiência do louvor jubiloso e alegre em escola de samba
tem nos abusos litúrgicos apenas uma de suas várias
manifestações (embora seja uma das mais graves).

Como carismático que sou – e estudioso do meu


Movimento – preciso honestamente reconhecer que a
carência de uma formação litúrgica e sacramental no poder
do Espírito Santo – coisa que nós poderíamos muito bem
oferecer, porque é para isto que fomos levantados na Igreja
– pode ser considerada como uma das maiores causas da
evasão de católicos carismáticos para as Igrejas
Pentecostais Evangélicas.

Voltar ao Primeiro Amor

Entender-se como corrente de graça, assumir a missão de


ser rosto e memória de Pentecostes, permear a vida das
comunidades paroquiais, retomar a experiência genuína do
Batismo no Espírito Santo, que gera um povo de louvor e
adoração: Eis o que devemos fazer (e depressa!).

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Eu estou convencido de que a identidade da Renovação


Carismática Católica, a sua natureza – que é o princípio de
sua operação – não está em contradição, mas em perfeita
harmonia com a tradição litúrgica bimilenar da Igreja
Católica. Estou convencido de que, se formos o que termos
de ser, lançaremos fogo sobre a terra, e que este fogo
começa lá, na sua Paróquia celebrando os mistérios da fé
em vibrante liturgia!

Na segunda parte deste pequeno livro, trataremos


especificamente da harmonização do modus orandi do
carismático e a Liturgia.

A vivência da Liturgia na Renovação


Carismática Católica

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Toda e qualquer realidade eclesial que se proponha a


renovar a espiritualidade do católico precisa “pensar-se”
em face da tradição litúrgica da Igreja. Eu acredito
verdadeiramente que o que Deus nos deu não nos coloca em
contradição com o tesouro contido no Depósito da Fé da
Igreja e, mais especificamente, com a tradição litúrgica.

Ao aprofundarmos a nossa reflexão sobre a liturgia


encontraremos a harmônica coexistência sonhada por Deus
para nós.

Um dos principais argumentos de católicos tradicionalistas


e “anti-carismáticos” é o de que “Santa Missa é Calvário” e
que, portanto, palmas ou outras manifestações de louvor
próprias da Renovação são autênticas blasfêmias no
contexto da Santa Missa. Eu desejo, portanto, responder a
esta acusação com as linhas que se seguirão.

O Conceito de Aliança

“Este é o Cálice da Nova e Eterna Aliança no meu sangue,


que é derramado por vós. Fazei isto em memória de mim”
– Jesus Cristo.

A primeira noção sobre a Santa Missa que desejo pontuar é


a de celebração da “Nova e Eterna Aliança”.

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Um dos Padres da Igreja, Santo Irineu, reconheceu a


necessidade de que se estude a história da salvação tendo
por base as alianças:

“Que isto seja entendido... [A história da Salvação] Consiste


em mostrar por que houve um certo número de alianças
com a humanidade e ensinar, por sua vez, quais são as
características destas alianças” (Contra Heresias, Livro 1,
cap.10, #3)21.

No mundo antigo, as alianças originavam as famílias.


Documentos dos antigos tratados entre as nações usavam a
imagem do pai e do filho. Estrangeiros eram “adotados” em
uma tribo por meio do juramento de uma aliança. Então,
quando estudamos as Sagradas Escrituras, necessitamos
ver como o sentido de “aliança” está imbuído na antiga ideia
de constituir uma família. A Bíblia inteira pode ser
esquematizada em uma série de alianças que formam
famílias.

Este é o ponto de toda a história bíblica: Como Deus, por


meio destas alianças, revela-se mais e mais a suas criaturas
e as convida a entrar em uma relação familiar com Ele. São
Paulo resumiu isto assim: “Habitarei e viverei em meio
deles. Eu serei seu Deus e eles serão meu povo... Eu serei
um pai para vós e vós sereis meus filhos e filhas, diz o
Senhor, Deus Todo Poderoso.” (Cf. II Cor 6: 16-18).

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Através da história da salvação narrada na Bíblia, Deus


estende sua família por meio de suas alianças. Começa com
somente duas pessoas, Adão e Eva, e prossegue por Noé,
Abraão, Moises, Davi, até que todas as nações entram na
aliança por Jesus Cristo.

O plano desde o início foi o de fazer a todos os homens e


mulheres seus filhos e filhas pelas alianças, que se cumprem
na Nova Aliança de Jesus, em que Deus nos manda um
“espírito de adoção que nos permite gritar ABBA, PAI! (Cf.
Rom 8: 15; Gal 4:5; Ef 1:5).

Seguindo Santo Irineu, vamos dar uma pequena olhada –


ainda que superficial – sobre as principais alianças e seu
caráter.

Vamos numerar as seis principais alianças:

1) Adão e Eva (Gn 1, 26 – 2,3);


2) Noé e Sua Família (Gn 9, 8-17);
3) Abraão e seus descendentes (Gn 12, 1-3; 17, 1-14; 22,
16-18);
4) Moisés e os israelitas (Ex 19, 5-6; 3, 4-10; 6,7);
5) Davi e o Reino de Israel (2 Sm 7, 8-19);
6) Jesus e a Igreja (Mt 26, 28; 16, 17-19).

Destacarei cinco características especiais presentes nestas


alianças:

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1) O mediador da aliança (a pessoa com a qual Deus faz


a aliança) e sua missão (a quem este mediador está
representando na aliança);
2) As promessas de benção na aliança;
3) As condições (ou maldições no caso de quebra) da
aliança;
4) O sinal pelo qual a aliança será celebrada e
recordada, que constitui a liturgia da aliança;
5) A forma que a família de Deus assume em
decorrência desta aliança.

Vamos analisar brevemente as seis alianças dentro destas


cinco características:

a) A Aliança com Adão

A palavra “aliança” não é usada, mas a história de Adão e


Eva é narrada numa linguagem de “aliança”. Adão é o
mediador da aliança. Deus promete bênçãos – sua união
esponsal será fecunda e seus filhos encherão a terra e
reinarão sobre ela. Deus estabelece um sinal pelo qual a
aliança será celebra e recordada – o Shabath, o sétimo dia
de descanso – e Deus impõe condições que devem ser
observadas – que não comam do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal, infração acompanhada de
uma maldição: morrerão. Por esta aliança, a família de

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Deus assume a forma do matrimônio entre o esposo e a


esposa.

b) A Aliança com Noé

A palavra aliança é usada no caso de Noé. Deus promete


nunca voltar a destruir o mundo com um dilúvio. A aliança
é feita com toda a humanidade através do mediador Noé. A
aliança inclui bênçãos para Noé e sua família (serão
fecundos e encherão a terra) e condições que se devem
obedecer (não devem beber do sangue dos animais, não
devem derramar sangue humano). O sinal da aliança é o
arco-íris no céu. Por esta aliança, a família de Deus assume
a forma de uma unidade familiar, uma família estendida.

c) A Aliança com Abraão

Deus promete dar a Abraão uma terra e abençoar seus


descendentes, que se converterão numa grande nação.
Deus faz a aliança com o mediador Abraão. Promete as
bênçãos da terra e uma grande nação para seus
descendentes, e através deles, promete abençoar todas as
nações da terra. O sinal da aliança é a marca da circuncisão.
A circuncisão também é a condição que Abraão e seus
descendentes devem obedecer para cumprir a aliança. Por
meio desta aliança a família de Deus assume a forma de
uma tribo.

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d) A Aliança com Moisés

Por meio desta aliança, feita com o mediador Moisés, Deus


promete ser o Deus de Israel e Israel promete adorar a Deus
e a ninguém mais. As bênçãos prometidas são as que eles
serão o povo precioso e escolhido de Deus. As condições da
aliança são que eles devem guardar a Lei e os mandamentos
de Deus. O sinal da aliança é a Páscoa que, a cada ano,
comemora o nascimento de Israel como uma nação. Por
esta aliança, a família de Deus assume a forma de uma
“nação santa e reino de sacerdotes”.

e) A Aliança com Davi

O mediador da aliança é Davi. Deus promete estabelecer a


“casa”, o reino de Davi para sempre através de seu herdeiro,
quem também construirá um templo para o nome de Deus.
Deus promete a Davi fazer de seu filho (o filho de Davi) SEU
filho (filho de Deus); promete lhe castigar, se proceder mal,
mas jamais lhe retirar o trono real: “Tua casa e teu trono
permanecerão para sempre”. Através das bênçãos deste
reino, Deus promete dar sabedoria a todas as nações. O
sinal da aliança é o trono e o templo que Salomão, o filho
de Davi, construirá. Por esta aliança a família de Deus
cresce e assume a forma de um império real, um reino
nacional.

f) A Nova e Eterna Aliança com Jesus


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A sexta e definitiva aliança é feita pelo mediador Jesus,


quem, por Sua cruz e Ressurreição, assume a Missão de
Sumo Sacerdote Real e cumpre todas as promessas que
Deus havia feito nas alianças anteriores. Os profetas,
especialmente Isaías e Jeremias, haviam ensinado Israel a
esperar um Messias que lhes traria “uma nova aliança”,
através da qual a lei seria escrita nos corações dos homens.
As condições da aliança são que os homens creiam em
Jesus, sejam batizados, comam seu corpo e seu sangue e
vivam de acordo com tudo o que Ele ensinou. A Eucaristia
é o sinal da Nova Aliança. Por esta aliança, a família de Deus
assume a forma final, a de um Reino Universal
(Katholicos), que Jesus Cristo chamou de Sua Igreja.

Perceba, portanto, que a liturgia, a celebração do memorial


da Aliança, é dada por Deus. O povo de Deus recebe – e
não faz ou cria – o sinal da aliança. Percebe-se
nitidamente que cabe ao homem a observância do Rito
Litúrgico. A parte de Deus é a de ratificar conosco a
aliança.

A Eucaristia é, por excelência, o memorial dessa Nova e


Eterna Aliança pela qual, ao comermos a carne e bebermos
o sangue do cordeiro, ratificamos a nossa aliança com Deus.
As antigas alianças foram consumadas na cruz. A Nova
Aliança é celebrada e perpetuada pelos séculos dos séculos
na Santa Missa, celebrada pela família de Deus, a Igreja.
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Existe, de fato, alguns conceitos que nos saltam aos olhos


quanto consideramos a Santa Missa desde o prisma de
“Nova e Eterna Aliança”:

● Percebemos que a herança de Israel não é


descartada. A Nova Aliança possui as mesmas
características básicas das alianças anteriores e deve ser
celebrada como ratificação até o fim dos tempos.
● A herança litúrgica de Israel é a fonte primária da
nossa Liturgia, na Nova e Eterna Aliança.
● Fica claro, aqui, que se trata de um memorial
familiar, pois no cerne do conceito de dispensação ou
aliança, está o projeto primário de Deus: Tornar-nos
membros de Sua Família.
● Israel possuía um calendário litúrgico, ministérios
levíticos, Templo, serviços litúrgicos, vestimentas,
símbolos, ritos... A Nova Aliança possui as mesmas
características, que são elevadas a perfeição pelo mediador
Jesus Cristo.

Antes de tudo, é necessário ter em mente que a Missa é uma


aliança... A Aliança!

Agora nós vamos olhar para o conceito de Memorial.

O Conceito de Memorial e a sua dimensão sacrifical


e festiva
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“A liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos


que nos salvaram: atualiza-os, torna-os presentes. O
mistério pascal de Cristo celebra-se, não se repete; as
celebrações é que se repetem. Mas em cada uma delas
sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único
mistério” (Catecismo da Igreja Católica)22.

Jesus Cristo morreu uma única vez para sempre na Cruz!


Na Santa Missa Jesus Cristo não está morrendo. A liturgia
coloca na boca de nosso Salvador: “Pois eis que estive
morto e agora vivo pelos séculos dos séculos”. Se é
fato que a Missa atualiza a graça do calvário, também é fato
que é o próprio Jesus Cristo – Sumo Sacerdote que vive
para sempre – é quem, como Glorioso Esposo, celebra este
memorial em união com Sua Esposa, a Igreja. É por isto
que o memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor
recebeu, também, o nome festivo de Banquete
Nupcial do Cordeiro.

Sobre o conceito de Memorial, o artigo de Ewerton Wagner


Santos Caetano23 é bastante elucidativo. Ele afirma,
confirmando a necessidade de olharmos para as alianças
desde o Antigo Testamento até seu cumprimento em Cristo:

O sentido profundo da santa ceia não pode ser


compreendido fora do quadro da tradição litúrgica do

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Antigo Testamento. Ponto de partida de todas as nossas


reflexões é, portanto, o Antigo Testamento.

Fazendo uma análise do termo grego “anamnesis” em face


da raiz “zkr” do original hebraico, Ewerton escreve:

No Novo Testamento o termo grego 'anamnesis' ocorre


somente em contextos litúrgicos cultuais (precisamente em
Lc 22,19; 1Cor 11,24-25; Hb 10,3). Ao estabelecer o seu
significado, é necessário ter presente o conteúdo
veterotestamentário-judaico do campo semântico da raiz
zkr, que tem o sentido de reapresentação ou reatualização
do passado, que jamais permanece simplesmente passado,
mas que se torna eficazmente presente (cf. o memorial
pascal em Ex 12,14; 13, 3.8). Como o demonstram as
concordâncias, as formas da raiz zkr ocorrem na Bíblia
hebraica do Antigo Testamento cerca de 230 vezes.

“Um exame dos textos em que Deus aparece como sujeito


de zkr permite reconhecer que este verbo desempenha
papel essencial na auto revelação de Deus e delineia um
traço fundamental na representação veterotestamentário
de Deus" (H. Gross).

Esta memória de Deus não é um simples “recordar-se”; é


antes um comportamento de Deus que leva o próprio Deus
a intervir de novo na realidade histórica... e que, portanto,
extravasa na ação.

Continuando a reflexão sobre a raiz zkr, Ewerton explica


que Deus não repete, na Eucaristia, aquilo que já realizou

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em Cristo e mostra como este entendimento


veterotestamentário é de capital importância para o
entendimento da Santa Missa:

Na Santa Eucaristia... proclamamos e celebramos o


memorial das ações salvíficas de Deus. Deus não repete
o que já realizou em Cristo (na sua morte e
ressurreição). Todavia, na celebração memorial da
eucaristia não nos lembramos apenas de eventos passados:
Deus se torna presente mediante o Espírito Santo. Quando
é o homem o sujeito desta memória, deste zkr, não se trata
de um simples 'recordar'. A memória tende sempre "a trazer
as consequências da recordação, da lembrança, tanto em
relação ao cumprimento das promessas feitas, quanto a
propósito da conversão e da volta a Deus". Isto se reveste de
particular importância nas passagens em que zkr exprime a
obrigação que Israel tem de se dedicar à memória cultual, à
celebração cultual em geral.

"A instituição cultual de Deus, que para o homem é um


memorial, na lembrança dos homens se torna por assim
dizer uma 'perenização' da ação salvífica histórica
realizada uma vez por Deus, perenização que põe à
disposição dos homens a salvação todas as vezes que eles
celebrem o memorial de tal ação salvífica".

H. Gross diz como conclusão: "O conteúdo e a profundidade


que o vocábulo cultual zkr tem no Antigo Testamento e as
disposições e a atitude que ele requer do israelita crente se
revestem de importância indispensável para a compreensão
do mandamento dado por Cristo em Lc 22,19; 1 Cor 11,24s".

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Demonstrando que o antigo testamento é repleto destes


memorais no sentido de recordação atualizante, Ewerton
continua:

O Antigo Testamento é todo pontilhado de tais memoriais,


particularmente nos salmos: Deus se lembra, isto é, "por
força do seu poder criador, ele faz que tal memorial atinja
a eficácia necessária"; e, se é o homem quem se lembra,
este "pode ter confiança, porque, recordando-se, ele se
abre à atualidade da ação histórica de YHWH". A ação de
YHWH, que representa o fundamento ontológico de tal
confiança, se faz sentir da maneira mais vigorosa "na
recordação atualizante do culto".

"O memorial judaico se concretizava da maneira mais


intensa na festa dos tabernáculos (Lv 23,33ss), na festa de
purim (Est 9,28) e sobretudo na da páscoa.

O significado do 'memorial' para a celebração da páscoa


judaica foi explicado a fundo por N. Füglister. A celebração
anual da páscoa israelita é, como dia festivo, memorial.

"Neste conceito de memorial, que se aplica de modo


particular a Páscoa, podemos sem dúvida ver o núcleo da
liturgia pascal, a que podem de certo modo ser relacionados
ou reconduzidos os ritos... objetivo é o de impedir que as
ações salvíficas de YHWH caiam no esquecimento, de
recordá-las continuamente trazendo-as à memória para,
deste modo, renová-las e atualizá-las ano após ano. Isto
não é apenas uma "representação subjetiva", mas antes
uma "atualização objetiva" (N. Füglister).

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"Por ocasião da celebração da páscoa e mediante a


celebração da páscoa, YHWH atualiza e reapresenta todo
ano a salvação 'pascal'; exatamente como no 'hoje' da festa
deuteronômica da renovação da aliança não se tratava de
'evento puramente subjetivo - sem fundamento objetivo' -,
mas de atualização da aliança do Sinai que perdura pelos
séculos, de modo semelhante a ação salvífica divina da
libertação de Israel do Egito de certa maneira se renova
continuamente na celebração da sua memória".

É evidente que o conceito de memorial assim


entendido é da máxima importância para a plena
valorização do mandamento de fazer memória
deixado por Cristo. "Aquele que... de certo modo já se
acha na base da temática da festa veterotestamentária da
páscoa se torna realidade plena em escala maior na
celebração neotestamentária da eucaristia: através do
memorial objetivo, Deus e a sua salvação se tornam
presentes aqui e agora. E, à medida que Deus se
torna presente em Cristo, de certo modo se vai
tornando pouco a pouco também a ação salvífica
realizada uma vez por todas".

A ordem de celebrar o 'memorial' no Novo Testamento - O


mandamento do Senhor: "Fazei isto em memória de mim"
(Lc 22,19 = 1 Cor 11, 24.25, com ampliação no v. 26: "Toda
vez que comeis deste..., anunciais a morte do Senhor") pode
e deve ser interpretado no sentido pleno que o termo
anamnesis (e os sinônimos como 'mnemósynon', 'mnéme')
teve na linguagem e no ambiente cultual
veterotestamentário-judaico.

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No contexto de Paulo, a ordem de Jesus assume, de maneira


mais marcada, o caráter de mandamento memorial: ação já
conhecida e ritualmente estabelecida é agora plasmada ou
revista de modo tal que se possa tornar memorial do
Senhor. Quanto a 1Cor 11, todo o teor das considerações...
tende a recordar que na eucaristia se trata do Senhor e do
seu memorial...

A seguir, Ewerton explica como se pode conceber de modo


racional a atualização e a presença objetivas de um evento
que não se repete e, apesar disso, tornou-se acessível a
quem vive hoje:

Para explicar esta realidade e a sua plenitude paradoxal


foram feitas as tentativas mais variadas e procurou-se antes
de mais nada defini-la do ponto de vista terminológico e
conceitual. Tratar-se-ia de uma 'repraesentatio' solene, da
proclamação de um fenômeno válido ainda hoje, aqui e
agora; de uma "intervenção e de uma ação salvífica de Deus,
objetiva, eficaz, poderosa e criadora de realidade". Tal
presença do que é historicamente passado e apesar disto
continua presente, é possível pela intervenção de Deus: por
meio da fé e em virtude do Espírito Santo é comunicada ao
crente a ação salvífica de Cristo, do Filho de Deus
encarnado, a sua ação sacrifical na cruz, de modo que ele
possa nela tomar parte, nela inserir-se, para oferecer em
Cristo, com Cristo e por meio de Cristo ao Pai o único
sacrifício. Isto é algo mais do que uma presença de natureza
dinâmica: o ato de Cristo faz sentir o seu efeito aqui e hoje
e envolve em si aquele que dele faz memória.

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Explicando Santo Tomás, Ewerton continua:

Santo Tomás de Aquino, a propósito da ação redentora de


Cristo na cruz, afirmou em termos clássicos: "Virtute divina
praesentialiter attingit omnia loca et tempora" (S. Th. III, q.
56, a. 1, ad 3; cf. q. 48, a. 6, ad 2). A ação salvífica de Cristo
é ativamente presente de modo tal que, por parte de Cristo,
é preciso falar de "identidade numérica", de um único ato
sacrifical, ao passo que toda a novidade se registra por parte
da Igreja que realiza o rito. Também essa afirmação foi
naturalmente aprofundada. Procurou-se explicar a
presença da ação salvífica partindo de Deus, de modo que
"Deus se recordaria do Filho" e faria que a sua ação salvífica
produzisse efeito (J. Jeremias).

Na celebração da eucaristia, isto é, na ação sagrada em que


a Igreja (sob a orientação do bispo [ou do seu
representante], que representa Cristo) pronuncia sobre o
pão e sobre o vinho a prece eucarística, para depois
distribuir como santo alimento dos fiéis estes dons
transformados no corpo e no sangue do Senhor, fazemos o
que o Senhor nos mandou que fizéssemos: "Fazei isto em
memória de mim". Essa ação é, portanto, memorial
objetivo e não só (ainda que naturalmente o seja)
lembrança subjetiva do que o Senhor fez por nós.

Sobre a dimensão “kairótica” da ação sacrifical de Cristo,


Ewerton cita Warnach e explica:

A explicação de V. Warnach sublinha o caráter de kairós


da ação sacrifical de Cristo, que é por certo

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historicamente passada, mas que, como ação divino-


humana está acima do tempo e, portanto, como
ação, pode ser explicada dinamicamente mesmo
hoje, agora, no nosso tempo.

Ewerton cita ainda a esclarecedora formulação de Füglister


sobre a anamnese da Missa:

"Correspondendo à vontade instituidora de Cristo, o culto


eucarístico é essencialmente uma anamnese... Esse
memorial dirige-se primeiramente ao passado: ao recordar-
se, olha-se para trás procurando ver o Jesus histórico e a
sua ação salvífica. Já este recordar-se subjetivo, mas
sobretudo a execução objetivo-cultual do rito instituído
então, tornam presente a salvação. Este tornar presente,
por sua vez, se transforma em olhar dirigido à salvação
futura, de que a ação salvífica comemorada é penhor e que,
no tornar-se presente desta última, já se acha de certo modo
antecipada. Ao mesmo tempo, o memorial cultual
determina e plasma toda a vida cristã, enquanto leva a
deduzir e a motivar de maneira decisiva todas as ações
morais sobretudo com base na ação salvífica passada
revivificada pela liturgia, e depois também com base no
futuro salvífico ainda por vir e ao estado atual de salvação."

Agora, Ewerton Wagner Santos Caetano explicita o que vem


a ser o conteúdo deste memorial, deixando claro a
dimensão sacrifical e festiva/escatológica do mesmo:

O conteúdo do memorial, o que se torna presente em


virtude do Espírito Santo, é a ação salvífica de Cristo, antes

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de tudo e diretamente a sua morte sacrifical e a ressurreição


que a coroa, mas depois também toda a obra salvífica como
única e grande unidade, que tem o seu centro justamente
no "transitus paschalis", na passagem do Senhor da morte
para a vida; isto equivale a dizer: também o seu ingresso no
mundo, a sua encarnação como epifania do Deus salvador,
epifania que, depois da passagem pascal para a vida à
direita do Pai, um dia se realizará também para nós na
parusia do Glorificado; enquanto isto nós, mediante a
presença da sua ação sacrifical, participamos da sua morte
e ressurreição, recebemos a luz e a vida da sua epifania e o
penhor da glória futura. No memorial real da
eucaristia realiza-se, de modo concentrado, a obra
da redenção dos homens e da glorificação de Deus.

E é assim que Ewerton conclui o seu artigo sobre o conceito


de Memorial:

Constatamos um consenso muito amplo, por assim dizer,


uma “sententia communis”: O nosso culto é o memorial do
Senhor, feito com palavras e com uma ação sacramental.
Isto é verdade, em primeiro lugar, a respeito da ação da
eucaristia: ela é memorial da morte e ressurreição do
Senhor. Tal memorial - em virtude do Espírito Santo,
conforme a promessa do Senhor, por meio da fé - é
memorial real, que torna presente de maneira eficaz e
dinâmica a ação salvífica de Cristo (morte e ressurreição,
isto é, a oferta sacrifical de Cristo como núcleo de toda a sua
ação salvífica) não só na recordação subjetiva, mas na
realidade objetiva. Fazendo este memorial, por meio dele
participamos na doação sacrifical de Cristo, somos

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inseridos nela; e mais: em Cristo, com Cristo e por Cristo


oferecemos o sacrifício dele ao Pai, agora como nosso
sacrifício. O único sacrifício da cruz não se repete; no
memorial, porém, ele está presente, é dado a nós 'hic et
nunc' para a nossa salvação e para a glória de Deus Pai.

Perceba o quanto nós já avançamos no que concerne ao


nosso entendimento do que REALMENTE É a Santa Missa.
O Catecismo da Igreja Católica diz que “segundo a
natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais
das Igrejas, uma celebração ‘faz memória’ das
maravilhas de Deus numa anamnese mais ou
menos desenvolvida. O Espírito Santo, que assim
desperta a memória da Igreja, suscita então a ação
de graças e o louvor (doxologia)”. Participamos,
então, do Calvário, recebemos todos os efeitos deste ato
perene, mas já o fazemos em profunda ação de graças e
louvor, pois nosso Sumo Sacerdote está à direita do Todo-
Poderoso.

Existe, portanto, uma diferenciação importante a ser feita


entre o dia exato da crucificação de Jesus, no Monte
Calvário, e a celebração da Santa Missa:

● Naquele dia em que Jesus Cristo se entregou por nós,


ele estava nos perdoando de todos os nossos pecados,
inclusive do maior deles – que estava acontecendo
naquele exato momento – isto é: O deicídio. No calvário
aconteceu o maior de todos os crimes e pecados que a
humanidade já cometera: Nós matamos o Messias. Nós
matamos o Filho de Deus. Diante daquela cruz, naquele

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dia... nós tínhamos diante de nós o funeral mais triste que a


Terra já presenciou... “Glórias”, “Aleluias” ou qualquer
outra manifestação de júbilo naquele exato momento eram
incabíveis.
● Na Santa Missa, o Sumo e Eterno Sacerdote que vive
para sempre, Jesus Cristo, atualiza o sacrifício do calvário
tendo os céus e a terra dobrados diante de seus pés, e a
Igreja, a Esposa do Cordeiro, celebra esse memorial com
ação de graças e louvor.

Aqui, meus irmãos e irmãs, nós temos uma distinção,


diante dos nossos olhos, que nossos amigos “anti-
carismáticos” não gostam de contemplar.

A Liturgia da Santa Missa, como falaremos mais adiante,


recolhe em seus gestos, palavras e sinais, a dimensão
sacrifical e festiva da Nova Aliança e faz com que ambas
coadunem sem nenhum tipo de antagonismo.

Uma vez que já olhamos para a Santa Missa como Aliança e


como Memorial Sacrifical e Festivo, eu lhes convido a
contemplarem a Santa Missa como o Novo Sábado.

Vamos lá!

O Conceito de Rito – Nosso Shabat

De modo muito claro, e muito bem fundamentado,


percebemos que o memorial deve ser compreendido como
perene atualização do único sacrifício de Cristo e de Sua

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Ressurreição, uma ação que aconteceu no kronos mas que


permanece para sempre no kairos.

Ficou claro, também, que o mediador da Nova e Eterna


Aliança é o próprio Jesus Cristo. Ele é sacerdote, altar e
cordeiro. Ele é o celebrante do memorial – o ministro
ordenado atua in persona christi – o altar, e a vítima
oferecida. Ele, que está vivo, nos faz participar de seu
perene ato redentor.

Também ficou estabelecido que o sinal e a liturgia de


celebração deste memorial são dados por Deus. Portanto,
cabe a nós afirmar, sem sombra de dúvidas, que é Cristo
Sacerdote quem celebra Seu memorial e que nós
participamos do mesmo pela ação do Espírito Santo.

Gostaria de propor, agora, uma reflexão sobre o Shabat – o


Sábado – e fazer uma conexão entre o mandamento do
Senhor no que tange ao memorial do sábado, na antiga
aliança, e o conceito de rito litúrgico na celebração da Nova
Aliança.

Uma das primeiras coisas que aprendi estudando com o Dr.


Scott Hahn, Ph.D. sobre as alianças como chave de
entendimento de toda a história da salvação é que existe
uma conexão entre as palavras hebraicas sheva (sete),
shaba (pacto, juramento) e Shabat (sábado). Deus

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compactuou-se, “aliançou-se”, “fez-se sete” (literalmente)


conosco; o sábado, o sétimo dia, é o sinal dessa aliança.

Para “fazer memória” desta aliança, Deus ordenou:

Lembra-te de santificar o dia de sábado. Trabalharás


durante seis dias, e farás toda a tua obra. Mas no sétimo
dia, que é um repouso em honra do Senhor, teu Deus, não
farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha,
nem teu servo, nem tua serva, nem teu animal, nem o
estrangeiro que está dentro de teus muros. Porque em seis
dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que contêm,
e repousou no sétimo dia; e por isso. O Senhor abençoou o
dia de sábado e o consagrou. (Ex 20, 8-11)

Perceba que o mandamento não prescreve absolutamente


nada além do descanso. De fato, sabemos que Deus não se
cansa; este descanso cósmico, este cessar de toda criatura
é o momento no qual Deus realiza o seu trabalho de
abençoar e consagrar toda a Terra. Descansar aqui significa
cessar com todo o esforço humano porque o que vem a
seguir depende única e exclusivamente de Deus! Ele vai
abençoar, consagrar, santificar, elevar tudo à perfeição.
Quando o homem fica estancado no seu trabalho, no seu
esforço pessoal e vive até mesmo a fé no estilo
voluntarista e pelagiano, assemelha-se a besta,
eternamente estancada no sexto dia – 666 – e se torna
incapaz de contemplar a plenitude que só pode vir de Deus.
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Quando Jesus realiza milagres em dia de sábado, os judeus


se escandalizam não simplesmente porque sejam legalistas
fundamentalistas, apegados a tradições humanas, mas
porque, de fato, quando Jesus trabalha em dia de sábado,
faz-se semelhante a Deus!

No Evangelho de João, após realizar milagres em dia de


sábado, Jesus afirma:

“Meu Pai trabalha até hoje e eu trabalho também” (Jo 5,


17).

O Papa Bento XVI, em seu livro Jesus de Nazaré24, faz larga


citação do livro escrito pelo estudioso judeu Jacob Neusner
intitulado A Rabbi talks with Jesus. An Intermillenial
interfaith Exchange. Na questão do sábado, Bento XVI
pontua:

Observar [o sábado] cuidadosamente é para Israel


expressão central da sua existência como vida em aliança
com Deus25.

Neusner, a respeito do sábado, explica:

Neste dia festejamos a criação [...] Não trabalhar ao


sábado significa mais do que um ritual penoso para
cumprir. É uma espécie de imitação de Deus.
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Para observar o sábado deve por conseguinte


permanecer-se em casa. Renunciar a todo o tipo de
trabalho não basta, é preciso também descansar [...] O
sábado não é, portanto, uma questão de piedade pessoal,
ele é o núcleo de uma ordem social: Este dia faz do eterno
Israel o que ele é, o povo repousa tal como Deus depois da
criação no sétimo dia26.

O que tem haver o descanso sabático com a Santa Missa?


(Você pode estar se perguntando). Eu diria que tudo! Como
já comentamos acima, a Missa é o memorial da Nova
Aliança, portanto, o cumprimento e a perenização de todas
as Alianças antigas, que tinham na observância do sábado
a sua expressão central. Minha tese nesta questão é a
seguinte:

Assim como, no sábado, o trabalho a ser realizado era única


e exclusivamente de Deus (abençoar, consagrar e
santificar), cabendo ao homem apenas cessar de todo
trabalho e descansar, assim na Missa todo o trabalho
compete exclusivamente ao nosso Sumo e Eterno
Sacerdote Jesus, cabendo a nós, exclusivamente, o
descanso. Rezar o rito litúrgico é cessar com todo desejo de
protagonismo humano, de criatividade humana. A nós
cabe, no Shabat eucarístico, vivenciar, participar do Rito
celebrado por Cristo Jesus.

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Se observar o sábado cuidadosamente era para Israel


expressão central da sua existência como vida em aliança
com Deus, observar o Rito da Santa Missa é para a Igreja
de Jesus Cristo igualmente a expressão central da sua
existência como vida em aliança com Deus.

Neusner afirma, refletindo sobre as palavras de Jesus:

“O meu jugo é suave, eu vos concedo descanso. O Filho do


homem é verdadeiramente senhor do sábado. Porque o
Filho do homem é agora o sábado de Israel – assim agimos
como Deus.”27

Comentando o episódio das espigas colhidas em dia de


sábado, no qual Jesus justifica sua ação relembrado o fato
de que Davi comera o pão dos sacerdotes, junto com seus
amigos, em dia de sábado, Neusner afirma:

Ele (Jesus) e os seus discípulos podem fazer ao sábado o


que quiserem, porque eles tomaram o lugar dos sacerdotes
no templo: o lugar sagrado deslocou-se. Ele consiste agora
no círculo do Mestre e dos seus discípulos 28.

De fato, a Igreja é o Novo e Definitivo Israel de Deus e a


coluna de sustentação do Novo Israel é o definitivo Shabat,
a Eucaristia, e neste Shabat a “nossa parte” é a mesma de
Adão, no paraíso, e a mesma de Israel: Descansar! Toda a
oração litúrgica é elevada por Jesus Cristo ao Pai no
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Espírito Santo. E quanto a você e eu? Bem... Nós


observamos o rito do memorial e deixamos todo o trabalho
para o nosso Deus.

Recordo-me da belíssima canção intitulada Não tenhas


sobre ti, composta por Josué Rodrigues de Oliveira e
Jefferson Ferreira França Junior:

Não tenhas sobre ti um só cuidado, qualquer que seja


Pois um, somente um, seria muito para ti

É meu, somente meu todo o trabalho


E o teu trabalho é descansar em mim (2x)

Não temas quando enfim, tiveres que tomar decisão


Entrega tudo a mim, confia de todo o coração

Meu irmão carismático: Descanse! Viva o que o rito


Eucarístico prevê, não se preocupe com nada além disto. A
missa não precisa de nenhum upgrade ou “ajuda” da sua
parte, como se nela faltassem elementos para que o fiel beba
da água da vida. Seja profundamente carismático na
vivência vibrante de cada palavra e ação litúrgicas.
Descanse... A missa não é lugar para ações de criatividade.
Deixe Deus trabalhar:

É meu, somente meu todo o trabalho


E o teu trabalho é descansar em mim
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Tendo olhado para a Santa Missa sob o prisma da Aliança,


do Memorial e do “Sábado” creio ser importante abordar as
dificuldades geradas pelo fundamentalismo na
observância litúrgica antes de seguir aprofundamento na
Santa Missa sob outros prismas.

O Fundamentalismo na Observância Litúrgica

Muito bem. Ao apresentar a liturgia da Santa Missa como o


nosso “sábado”, “peguei no pé” dos meus irmãos
carismáticos de modo bastante claro. Agora, por outro lado,
vou me focar nalguns posicionamentos anti-carismáticos.
Vamos falar de fundamentalismo litúrgico.

O fundamentalismo na observância litúrgica não se


diferencia muito – em sua aplicabilidade – do
fundamentalismo bíblico ao estilo “Sola Scriptura”. Jesus
declara no Evangelho: “Ai daquele que acrescentar ou
retirar sequer uma ‘j’ daquilo que está prescrito na Lei. ” E
a Igreja tem sido extremamente fiel às Escrituras, embora o
fundamentalismo bíblico não concorde com esta afirmação.
O período patrístico se caracterizou, entre outras coisas, por
esta luta contra o fundamentalismo bíblico, usando o
princípio da catena como uma das principais forças de
autoridade nas argumentações (um recurso baseado
claramente na tradição e não diretamente nas escrituras).

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Com honestidade intelectual devemos considerar que, de


fato, as várias culturas influenciaram a liturgia e que este
fato é a origem da diversidade existente de Ritos
(ambrosiano, armênio, bizantino, caldeu, copta, malabar,
malancar, maronita, melquita, rutena, entre outros) sem,
contudo, acrescentar ou retirar aquilo que poderíamos
chamar de núcleo essencial do Memorial da Nova Aliança.
Há diferenças entre esses ritos. Cada um tem sua própria
beleza; cada um tem sua própria sabedoria; cada um nos
mostra como que um recanto diferente do “céu na terra”
que é a Divina Liturgia (como dizem os orientais).

São João Paulo II, na visita ad limina dos bispos


americanos em 1998 disse:

“Agora o desafio é ... alcançar o ponto apropriado de


equilíbrio, em especial entrando mais profundamente na
dimensão contemplativa do culto... Isso só acontecerá se
reconhecermos que a liturgia tem dimensões locais e
universais, temporais e eternas, horizontais e verticais,
subjetivas e objetivas. São precisamente essas tensões que
dão ao culto católico seu caráter inconfundível. A Igreja
universal está unida no grande ato único de louvor, mas é
sempre o culto de uma determinada comunidade em uma
determinada cultura. É o culto eterno no céu, mas também
está imerso no tempo.”29

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Dionísio Borobio, na obra de três volumes intitulada A


Celebração na Igreja, mostra como houve um
desenvolvimento da liturgia ao longo dos séculos.
Considerar a liturgia como algo pronto e estático é
desconsiderar os fatos da história de uma Igreja que é
semper purificanda e semper reformanda, características
que sempre coadunam com a conservação fiel do Depósito
da Fé.

Há, contudo, um núcleo essencial que pode nos dar aquilo


que chamamos de sentido litúrgico, permitindo-nos
claramente analisar se algo está retirando ou querendo
imprimir um significado distinto à Divina Liturgia, o que
deve ser imediatamente rechaçado.

Assim declara a Constituição Dogmática Sacrossantum


Concilium:

Na verdade, a Liturgia compõe-se duma parte imutável,


porque de instituição divina, e de partes susceptíveis de
modificação, as quais podem e devem variar no decorrer do
tempo, se porventura se tiverem introduzido nelas
elementos que não correspondam tão bem à natureza
íntima da Liturgia ou se tenham tornado menos
apropriados30.

Qual é este núcleo essencial? O Cardeal Ratzinger, hoje


nosso Papa Emérito Bento XVI, escreveu um interessante
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artigo intitulado O Desenvolvimento Orgânico da


Liturgia31 para a revista italiana 30Giorni. Diante de dois
grupos que ele denomina reformistas radicais de um lado
e adversários intransigentes de outro, Bento XVI nos
apresenta valiosos critérios. Assim ele introduz a questão:

[...] Devemos tentar definir qual é a estrutura interna de um


rito, e também quais são suas leis vitais, de forma a
encontrar os caminhos adequados para preservar sua
energia vital nas mudanças que ocorrem ao longo do tempo,
para incrementá-la e renová-la.

Fazendo longa citação ao livro de Dom Alcuin Reid, que


percorre a história do Rito Romano desde suas origens até
a vigília do Concílio Vaticano II, o Papa usa critérios
interessantes para nos dar o sadio equilíbrio diante dos dois
grupos citados acima.

No final do seu livro, Dom Alcuin apresenta alguns


princípios, levando em conta a reforma litúrgica, que são
valiosos para nós. Quem comenta estes princípios é Bento
XVI no mesmo artigo supracitado:

[A Reforma Litúrgica] deveria ser em igual medida aberta


ao desenvolvimento e à continuidade da Tradição; deveria
saber-se ligada a uma tradição litúrgica objetiva e fazer com
que a continuidade substancial seja salvaguardada. [...]
“mesmo a suprema autoridade da Igreja não deve modificar
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a liturgia arbitrariamente, mas tão somente em obediência


à fé e com respeito religioso pelo mistério da liturgia” (nº
1125; no livro, na p. 258). Por fim, encontramos ainda,
como outros critérios, a legitimidade das tradições
litúrgicas locais e o interesse pela eficácia pastoral.

Depois de analisar os critérios de Dom Alcuin, Ratzinger


apresenta seus critérios pessoais. Fala que o Papa não é um
monarca absoluto cuja vontade é lei, mas o guardião da
autêntica tradição e, ao falar do Rito e de seu
desenvolvimento ao longo dos séculos, esclarece:

O “rito”, ou seja, a forma de celebração e de oração que


amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada
da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o
conjunto de sua fé e de sua oração, tornando assim
experimentáveis, ao mesmo tempo, a comunhão entre as
gerações e a comunhão com aqueles que rezam antes de nós
e depois de nós. Assim, o rito é como um dom concedido à
Igreja, uma forma viva de parádosis.

A palavra paradosis nos dá a dimensão da tradição como


algo vivo, em desenvolvimento, que toca gerações, e não
algo estagnado, parado.

É então que o Papa vai direto ao ponto sobre o erro de


reduzir aquilo que estou chamando de núcleo essencial a

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apenas duas coisas: O pão e o vinho e as palavras da


instituição. Assim escreveu Bento XVI:

[...] É o caminho errado ao qual poderíamos ser conduzidos


por uma teologia sacramental neoescolástica desligada da
forma viva da liturgia. Partindo dessa teologia, poderíamos
reduzir a “substância” à matéria e à forma do sacramento, e
dizer: o pão e o vinho são a matéria do sacramento, as
palavras da instituição são sua forma; só essas duas coisas
são necessárias, todo o resto pode mudar.

E continua:

Infelizmente, muitos sacerdotes agem hoje com base nesse


esquema; e até mesmo as teorias de muitos liturgistas,
desafortunadamente, movem-se nessa direção. Eles
querem superar o rito como algo rígido e constroem
produtos de sua fantasia, considerada pastoral, em torno
desse núcleo residual, que, assim, é relegado ao reino da
magia ou completamente privado de seu significado.

O Papa Bento XVI, autodeclarado como entusiasta da


reforma litúrgica, afirma que a reforma se prevenia do
perigo descrito acima. Assim ele escreveu:

O movimento litúrgico buscou superar esse reducionismo,


produto de uma teologia sacramental abstrata, e ensinar-
nos a considerar a liturgia como o conjunto vivo da Tradição
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transformada em forma, que não pode ser rasgado em


pequenos pedaços, mas deve ser visto e vivido em sua
totalidade viva. Quem, como eu, na fase do movimento
litúrgico que precedeu o Concílio Vaticano II, foi tocado por
essa concepção só pode constatar com profunda dor a
destruição daquilo que era caro a este movimento.

Na sequência, o Papa Bento XVI vai condenar outras duas


intuições que distorcem a verdadeira liberdade litúrgica.
São elas o arqueologismo e o pragmatismo pastoral.

O Papa identifica os liturgistas da primeira geração dentro


deste viés de arqueologismo. Assim ele escreve:

Os liturgistas da primeira geração eram, em sua maioria,


historiadores, inclinados, consequentemente, ao
arqueologismo. Queriam desenterrar as formas mais
antigas, em sua pureza original; viam os livros litúrgicos em
uso, com seus ritos, como expressão de proliferações
históricas, fruto de mal-entendidos e ignorância do
passado. Buscavam reconstruir a Liturgia Romana mais
antiga e limpá-la de todos os acréscimos posteriores. Não
era uma coisa totalmente errada; mas a reforma litúrgica é
de certa forma algo diferente de uma escavação
arqueológica, e nem todos os desdobramentos de
algo vivo devem ter a lógica de um critério
racionalista/historicista.

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Oferecendo um ponto de vista mais equilibrado, o Papa


continua:

Essa é também a razão pela qual não deve caber aos


especialistas a última palavra na reforma litúrgica.
Especialistas e pastores têm cada um o seu papel (tal como,
na política, os técnicos e aqueles que são chamados a
decidir representam dois níveis diferentes). Os
conhecimentos dos estudiosos são importantes, mas não
podem ser transformados imediatamente em decisões dos
pastores, os quais têm a responsabilidade de ouvir os fiéis
para identificar com inteligência, ao lado deles, aquilo que
ajuda ou não a celebrar os sacramentos com fé hoje.

Sobre o aspecto da preocupação Pastoral, pondera o Papa:

Mas, sendo que existem - necessariamente e de maneira


cada vez mais evidente - juízos largamente divergentes
sobre o que é pastoralmente eficaz, o aspecto “pastoral”
tornou-se a passagem para a irrupção da “criatividade”, a
qual dissolve a unidade da liturgia e nos põe com frequência
diante de uma banalidade deplorável.

Contudo, nem todo adendo está necessariamente


acrescentando algo distinto ou retirando algo do sentido
litúrgico essencial, motivo pelo qual o Papa, ao reconhecer
que os mesmos ocorrem, muitas vezes, de modo sadio e
equilibrado, continua:
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Não se quer dizer com isso que a liturgia eucarística, como


também a liturgia da Palavra, não sejam muitas vezes
celebradas, a partir da fé, de modo respeitoso e “belo”, no
melhor sentido da palavra.

É porque nem todo adendo retira ou imprime um


significado distinto à liturgia que existem as variedades de
ritos. Os fundamentalistas, que consideram o Missal de
Paulo VI como de segunda categoria, definem assim a
observância litúrgica: “Se lê o ‘pretinho’ e se faz o
‘vermelhinho’. ” Isto simplesmente não coaduna com a
própria tradição litúrgica que remontamos acima, com seus
vários ritos, cada um deles com matizes diferenciados e
belos, que nos dão aquela belíssima noção de que a liturgia
é algo vivo, que cresce e se renova ao ser recebida e ao
concretizar-se.

Assim escreveu o Papa Emérito Bento XVI no mesmo


artigo, dizendo que existem adendos que ajudam e adendos
que violentam e destroem, fazendo-se necessária a devida
distinção:

Entre esses dois grupos, os reformistas radicais e seus


adversários intransigentes, frequentemente se perde a voz
daqueles que consideram a liturgia algo vivo, algo que
cresce e se renova ao ser recebida e ao concretizar-se. Estes,
além de tudo, com base na mesma lógica, insistem em que
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só se dá crescimento quando se preserva a identidade da


liturgia, e sublinham que um desenvolvimento adequado só
é possível quando se dá atenção às leis internas que
sustentam esse “organismo”. Tal como um jardineiro
acompanha uma planta durante seu crescimento, dando a
devida atenção à suas energias vitais e à suas leis, da mesma
forma a Igreja deveria acompanhar respeitosamente o
caminho da liturgia através dos tempos, distinguindo o
que ajuda e cura daquilo que violenta e destrói.

O que Deus nos deu como mandato e como rito perene está
contido naquilo que eu chamo de núcleo essencial do
memorial, que em todos os ritos existentes se conversa
intacto. É aquilo que nós recebemos de Deus. De modo
concomitante, o próprio Espírito Santo não cessa em tornar
novas todas as coisas; ao cristianizar as mais diversas
culturas e ao falar aos homens de todos os tempos, o
Espírito Santo gera palavras e gestos que, ao formarem
parte da ação litúrgica, corroboram harmonicamente com o
núcleo essencial do memorial, sem retirar qualquer coisa ou
acrescentar algo que imprima um sentido distinto do
original.

Na celebração do Missal de Paulo VI em diversos lugares do


mundo nós percebemos que há gestos e ações que já estão
bastante enraizadas nas culturas e que, mesmo não estando
previstos nas rubricas, não ferem em nada o sentido
litúrgico.
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Vamos a alguns exemplos claros:

Nos Estados Unidos há paróquias nas quais a assembleia


tem o costume de, após a Consagração, permanecer de
joelhos até a doxologia final. Isto não está previsto no
Missal Romano. Este gesto retira ou imprime um
significado distinto ao que se celebra no rito? Responda
com honestidade.

No Brasil e alguns outros países a assembleia tem o costume


de levantar as mãos com o sacerdote para recitar o Pater
Noster. O Missal Romano prevê que o sacerdote eleva as
mãos (e ponto). Agora, honestamente, este gesto retira ou
imprime um significado distinto ao que se celebra no rito?
Honestamente não.

Há, ainda, o gesto de estender as mãos em direção ao altar


no momento da doxologia final. Será que isto realmente
fere a liturgia?

A fidelidade na observância do rito não é, sob hipótese


alguma, fundamentalista. A ação do Espírito Santo não está
estagnada sob nenhum aspecto; a Igreja é um corpo vivo! O
Espírito Santo, que é a alma da Igreja, sempre fará surgir
novidades que estejam em perfeita coerência e harmonia
com tudo o que Ele mesmo deu à Igreja nos séculos que se
passaram. Isto é uma realidade muito dura para os que se
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deixaram formar pelo pensamento racionalista que


invadiu a Igreja no Século XIX. O Espírito Santo, contudo,
é maior que o nosso intelectualismo reducionista.

Portanto, respeitando os tempos litúrgicos (Advento, Natal,


Quaresma, Páscoa e Tempo Comum) e os momentos da
Celebração (Rito Inicial, Rito Penitencial, Glória, Oração
Coleta, Liturgia da Palavra, Profissão de Fé, Preces dos
Fiéis, Ofertório e assim por diante), nós percebemos que há
certas ênfases, hora na dimensão sacrifical, hora na
dimensão festiva/escatológica deste TODO que é a Santa
Missa. Fieis a isto, há gestos e ações que podem ser bem-
vindos sem, de nenhum modo, ferir o sentido litúrgico do
que se celebra.

Muito bem! Depois dessa pausa para falar do


fundamentalismo litúrgico, vamos seguir o nosso
aprofundamento a respeito do que é a Santa Missa olhando
para ele desde o prisma do livro do Apocalipse.

O Apocalipse como Chave de Leitura para o entendimento da Santa


Missa: A dimensão Escatológica da Liturgia

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Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia


celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como
peregrinos, nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de
Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio
dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do
exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos
cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor
Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos
com Ele na glória. (Sacrossantum Concilium) 32.

Em seu livro O Banquete do Cordeiro33 o Dr. Scott Hahn, Ph.D.


defende que o livro do Apocalipse é a chave de leitura para o
entendimento da Santa Missa e que, por sua vez, a Santa Missa é a
chave de leitura para o entendimento do Apocalipse.

Logo no prefácio do livro, o Padre Benedict J. Groeschel afirma:

A Missa, ou, como é chamada de forma mais precisa nas Igrejas


Orientais, a Divina Liturgia, é uma realidade tão rica que há tantas
abordagens teológicas válidas para ela como existem para todo o
mistério do próprio Cristo. A Eucaristia é parte da grande montanha
viva que é Cristo, uma imagem utilizada pelos santos antigos da Terra
Santa. Esta montanha pode ser abordada a partir de muitos lados.
Esta abordagem escatológica é uma das mais intrigantes e frutíferas.

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Scott recorda que o desejo de Deus no Apocalipse é, como o próprio


nome do livro diz, revelar algo ao invés de esconder algo
enigmaticamente. Infelizmente, a simples ideia de que o Apocalipse
tenha alguma relação com a Santa Missa parece absurda para muitos
cristãos.

Sobre esta abordagem de Scott, Pe. Benedict afirma:

A Missa na terra é a apresentação do Banquete das núpcias do


Cordeiro. Como o Dr. Hahn aponta, a maioria dos cristãos ou se
esquiva do livro do Apocalipse e seus misteriosos sinais ou criam suas
próprias pequenas teorias peculiares sobre quem é quem e onde
tudo vai acabar.

A visão do Apocalipse como sendo a celebração da nossa liturgia


desde as perspectivas celestiais é baseada numa interpretação
escatológica muito antiga da Eucaristia dada pelos Padre Orientais do
Século II a VI. O Padre Benedict recorda que Santo Agostinho foi um
dos Bispos a insistir na permanência do Livro do Apocalipse (bem
como da Carta ao Hebreus) no cânon das escrituras:

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Foi Santo Agostinho que insistiu em colocar o Apocalipse, bem como


a carta aos Hebreus, no Cânon do Novo Testamento no Concílio dos
bispos africanos realizado no final do século IV. Podemos
espiritualmente, por Sua grande misericórdia, “tocar por um instante
a Fonte da Vida onde Ele alimenta Israel para sempre." Mas, além
desses momentos especiais de contemplação, podemos ver
simbolicamente na celebração diária da missa as realidades da
adoração celestial do Sumo Sacerdote e Seu corpo místico.

São João Paulo II chamou a missa de “céu na terra'', explicando que '
a liturgia que celebramos na terra é uma misteriosa participação na
liturgia celeste." Contando sua experiência de conversão, aquele que
era, então, um Pastor Presbiteriano, descreveu assim suas
impressões a respeito da missa:

Voltei à missa no dia seguinte e no outro dia e no outro. Cada vez que
eu voltava, eu 'descobria'' mais passagens das Escrituras cumpridas
diante dos meus olhos. No entanto, nenhum livro foi tão visível para
mim, naquela capela escura, quanto o Livro da Revelação, o
Apocalipse, que descreve a adoração dos anjos e santos do céu.
Como no livro, vi, nessa capela, sacerdotes paramentados, um altar,
uma congregação cantando '' santo, santo, santo ''. Eu vi a fumaça de
incenso; ouvi a invocação de anjos e santos, eu mesmo cantei os
“aleluias”, pois fui atraído cada vez mais a este culto. Eu continuei a
sentar-me no último banco com a minha Bíblia, e eu mal sabia para

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onde olhar - para a ação no Apocalipse ou a ação no altar. Cada vez


mais, elas pareciam ser a mesma ação.

E continua:

Mergulhei com vigor renovado em meu estudo do cristianismo antigo


e descobri que os primeiros bispos, os Padres da Igreja, tinham feito
a mesma '' descoberta '' que eu estava fazendo todas as manhãs. Eles
consideravam o livro do Apocalipse a chave para a liturgia, e a liturgia
a chave do livro do Apocalipse. Algo poderoso estava acontecendo
comigo como estudioso e crente. O livro da Bíblia que eu tinha
encontrado mais desconcertante, o Livro de Apocalipse, agora
iluminava as ideias que eram mais fundamentais para a minha fé: a
ideia da aliança como elo sagrado da família de Deus. Além disso, a
ação que eu tinha considerado a suprema blasfêmia - a Missa - agora
acabou por ser o evento que selou a aliança de Deus. '' Este é o cálice
do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança.''

Ele recorda, também, que a palavra parusia, já cunhada para aludir à


segunda vinda de Cristo, significa, antes de tudo, presença. O livro
não é somente profecia acerca de coisas que hão de vir, mas
revelação para o hoje da Igreja. Fala da parusia do Senhor na Igreja.

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Hoje em dia, a maioria de nós associamos parusia com a segunda


vinda de Jesus no fim do mundo. E isto é verdade sim; São João e
Jesus estavam falando do final da história. Penso, no entanto, que
também — e principalmente — estavam falando do fim de um
mundo: a destruição do Templo de Jerusalém, e com ela o fim do
mundo da Antiga Aliança, com seus sacrifícios e rituais, e suas
barreiras entre céu e terra. A parusia (ou vinda) de Jesus seria mais
que um final; seria um começo, uma nova Jerusalém, uma Nova
Aliança, um céu e uma terra novos.

Tanto São João como Jesus se referem não só a uma distante parusia,
ou retorno, mas à contínua parusia de Jesus, que teve lugar na
primeira geração cristã, como continua tendo lugar hoje. Não
deveríamos esquecer que o sentido original da palavra grega parusia
é “presença” e a presença de Jesus é real e permanente no
Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Por isso, quando João e Jesus
disseram “logo”, creio que diziam muito literalmente. Pois a Igreja é
o reino que já começou sobre a terra, e é o lugar da parusia em cada
Missa.

“A liturgia é uma parusia antecipada, a irrupção do "já" no "ainda


não"», escreveu o cardeal Joseph Ratzinger.

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São João, talvez o maior mestre no método da tipologia bíblica, diz,


no primeiro capítulo do Apocalipse: “No primeiro dia da semana, eu,
João vi”. Há, aqui, uma clara alusão ao Domingo, o Dia do Senhor no
qual tradicionalmente se celebrava a Eucaristia.

Muitos estudiosos (até mesmo protestantes) confirmam o fato de


que existe, no Apocalipse, um rito, uma liturgia acontecendo. As
descrições de São João batem perfeitamente com o Templo
construído por Salomão (que por volta daquele tempo já havia sido
destruído). João vê candelabros, altar, sacerdotes paramentados, o
cordeiro, incenso, anjos, santos, a virgem Maria como a Nova Arca da
Aliança e a mulher vestida de Sol; há frases e respostas, momentos
de exultação e momentos de um profundo silêncio.

Scott Hahn descreve:

Só quando comecei a participa da missa que muitas partes deste


“livro quebra-cabeças” começaram de repente a se encaixar. Não
passou muito, eu consegui ver o sentido do altar da Revelação (Ap
8,3), seus sacerdotes revestidos (Ap 4,4), velas (Ap 1,12), incenso (Ap
5,8), o maná (Ap 2,17), os cálices (Ap 16), o culto dominical (Ap 1,10),
a importância dada à Santíssima Virgem Maria (Ap 12,1-6), O “Santo,
Santo, Santo “(Ap 4,8), o Glória (Ap 15,3-4), o sinal da Cruz (Ap 14,1),
o Aleluia (Ap 19, 1.3.6), as leituras da Escritura (Ap 2-3) e o “Cordeiro

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de Deus” (muitas e muitas vezes). Tudo isso não são interrupções da


narrativa ou detalhes acidentais, são a substância do Apocalipse.

O Dr. Hahn nos faz perceber o que, para um judeu daquele tempo,
seria nítido e revelador: João vê o Templo! O templo é o lugar do
sacrifício, do sacerdócio, da liturgia, da celebração da aliança.
Vejamos o que o Doutor diz a respeito:

No Templo, como no céu de João, o menorah (sete candelabros de


ouro, Ap 1,12) e o altar do incenso (8,3-5) estavam diante do Santo
dos Santos. Quatro querubins esculpidos adornavam as paredes no
Templo, como as quatro criaturas viventes que serviam diante do
trono no Céu joanino. Os vinte e quatro anciãos de Apocalipse 4,4
(em grego presbyteroi, de onde provem o termo “presbíteros”)
copiam as vinte e quatro divisões sacerdotais que oficiavam o
Templo ao longo do ano. O “oceano transparente como um cristal”
(Ap 4,6) era a grande piscina de bronze do Templo, com capacidade
de 50.000 litros de água. No centro do Templo apocalíptico, tal como
no Templo de Salomão, estava a Arca da Aliança (Ap 11,19).

O Apocalipse era uma revelação do Templo – mas, para os judeus


devotos e os convertidos ao cristianismo, ele também revelava muito
mais. Pois o Templo e suas ornamentações apontavam às realidades

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mais elevadas. Como Moisés (veja Ex 25,9), o rei Davi tinha recebido
o plano do Templo do próprio Deus:

“Tudo isso segundo o que o Senhor tinha escrito com sua própria
mão para tornar compreensível todo o trabalho cujo modelo ele
dava” (1Cr 28,19). O Templo deveria ser construído imitando a corte
celeste: “Mandaste-me construir um templo no vosso santo e um
altar na cidade onde fixaste a tua tenda: cópia da tenda santa que
preparaste desde a origem”. (Sb 9,8)

De acordo com as antigas tradições judaicas, a adoração no Templo


de Jerusalém imitava a adoração dos anjos no céu. O sacerdócio
levítico, a liturgia da aliança, os sacrifícios eram um espelho dos
modelos celestes.

Scott escreve:

O livro do Apocalipse apontava ainda para algo diferente, algo maior.


Enquanto Israel orava imitando os anjos, a Igreja do Apocalipse
adorava junto com os anjos (19,10). Enquanto somente os sacerdotes
eram permitidos no lugar sagrado do Templo de Jerusalém, o
Apocalipse mostra uma nação sacerdotal (5,10; 20,6) vivendo sempre
na presença de Deus. Daí em diante não haveria já um arquétipo

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celeste e uma imitação terrena. O Apocalipse agora revelava um


único culto compartilhado por homens e anjos!

Olhe de novo e descubra que o fio de ouro da liturgia é o que


sustenta as pérolas apocalípticas da visão de São João:

Culto dominical Ap 1,10

Sumo Sacerdote Ap 1,13

Altar Ap 8,3-4; 11,1; 14,18

Sacerdotes (presbyteroi) Ap 4,4; 11,15; 14,3; 19,4

Ornamentos Ap 1,13; 4,4; 6,11; 7,9; 15,6; 19,13-14

Célibes consagrados Ap 14,4

Candelabros, ou menorah Ap 1,12; 2,5

Penitência Ap 2 e 3

Incenso Ap 5,8; 8,3-5

Livro ou pergaminho Ap 5,1

Hóstia Eucarística Ap 2,17

Cálices Ap 15,7; cap. 16; 21,9

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O sinal da cruz (o tau) Ap 7,3; 14,1; 22,4

O Glória Ap 15,3-4

O Aleluia Ap 19, 1.3.4.6

Elevemos o coração Ap 11,12

“Santo, Santo, Santo” Ap 4,8

O Amém Ap 19,4; 22,21

O “Cordeiro de Deus” Ap 5,6 e ao longo de todo o livro

O lugar proeminente da Virgem Maria Ap 12,1-6; 13-17

Intercessão de anjos e santos Ap 5,8; 6,9-10; 8,3-4

Devoção a São Miguel Ap 12,7

Canto de antífonas Ap 4,8-11; 5,9-14; 7,10-12; 18,1-8

Leitura da Sagrada Escritura Ap 2-3; 5; 8,2-11

Sacerdócio dos fiéis Ap 1,6; 20,6

Catolicidade ou universalidade Ap 7,9

Silêncio meditativo Ap 8,1

O banquete nupcial do Cordeiro Ap 19,9; 17

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Em conjunto, estes elementos constituem muito do Apocalipse... e a


maior parte da Missa. Outros elementos litúrgicos do Apocalipse
podem passar facilmente inadvertidos aos leitores de hoje. Por
exemplo, pouca gente sabe que as trombetas e as arpas eram os
instrumentos oficiais da música litúrgica nos tempos de João, como o
são hoje os órgãos no Ocidente. E ao longo da visão de João, os anjos
e Jesus bendizem usando fórmulas litúrgicas estabelecidas: “bendito
o que...”. Se você voltar a ler o Apocalipse de cima a baixo, se dará
conta também de que todas as grandes intervenções históricas de
Deus — pragas, guerras, etc.— seguem ao pé da letra ações
litúrgicas: hinos, doxologias, libações, incensários.

O livro de Scott merece realmente ser lido na íntegra, mas o que fica
claro e evidente aqui é que: O Apocalipse é a Liturgia Eucarística
desde a perspectiva celestial, e Deus quis nos dar esta perspectiva
quando inspirou o hagiógrafo. O cordeiro, que está imolado, mas
está de pé e vive pelos séculos dos séculos é o Cristo Jesus, presença
real em nossos altares. Aleluia!

A partir desse prisma apocalíptico, vamos falar um pouco mais sobre


as dimensões festiva e sacrifical da Santa Missa.

Dimensão Festiva e Sacrifical da Santa Missa

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Muitas vezes eu já li posicionamentos fundamentalistas afirmando


que bater palmas na santa missa é zombar do calvário, “porque a
Missa é o Calvário”. De fato, dimensão festiva não quer dizer
“carnaval”; mas também é fato que dimensão sacrifical não quer
dizer “funeral”. Já fizemos, acima, uma importante distinção entre o
dia no qual Jesus morreu crucificado, no Monte Calvário, e o
Memorial do Calvário, realizado na Santa Missa. Tenha isto em conta
antes de continuar a leitura.

A liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos que nos


salvaram: atualiza-os, torna-os presentes. O mistério pascal de Cristo
é celebrado (em memorial) mas não é repetido: são as celebrações as
que se repetem, como já mencionamos acima, quando falamos do
conceito de Memorial. De fato, a cada celebração sobrevém a efusão
do Espírito Santo, que atualiza o único mistério.

Uma pergunta me surge na cabeça quando algumas pessoas, ao


afirmarem que a Missa é o Calvário, condenam algumas expressões
de louvor próprias do Movimento Carismático: Você cantaria
“glórias”, “hosanas” e “aleluias” no calvário? Pense bem antes de
responder essa pergunta! Se você me responder que “sim”, alegando
ser a cruz o momento da nossa salvação, a vitória de Cristo sobre o
pecado e a morte, motivo pelo qual se canta “glória”, “aleluia” e
“hosana” ... Bem... Eu lhe diria que, por este motivo, o aplauso seria
muito bem-vindo (e o aplauso como expressão de louvor está muito

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bem fundamentado nas Escrituras). Se você me responder que “não”,


terá de perceber que a sua visão, embora não seja errada, é restrita e
não contempla a realidade total daquilo que é a Santa Missa. De fato,
aquela distinção que fizemos anteriormente salta outra vez diante
dos nossos olhos: No calvário, Jesus morreu verdadeiramente (isto é,
aliás, artigo de fé) e este deicídio foi o maior de todos os pecados
cometidos pela humanidade! Na celebração litúrgica, Cristo, que está
sentado à direta de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo, realiza o memorial da Nova Aliança, que se deu
mediante a sua morte e ressurreição, o que é feito com todo o
sentido sacrifical, mas também festivo!

Vamos ler, novamente, o trecho do Documento Conciliar já


supracitado:

Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia


celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como
peregrinos, nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de
Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio
dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do
exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos
cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor
Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos
com Ele na glória. (Sacrossantum Concilium 8).

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Na Santa Missa, ele é sim o cordeiro, mas é também o altar e o


sacerdote que está vivo! Ora, a Missa não é, então, o Calvário? Ela é
sim atualização do Calvário, mas é também Banquete Nupcial.

Nas últimas décadas houve uma corrente teológica (que só poder ter
vindo do inferno) que quis apagar a dimensão sacrifical da Santa
Missa. Dizia-se que a missa era encontro fraterno, a partilha do pão,
etc., menos que era o Sacrifício de Cristo. Em virtude disto, como não
ser compreensivo com o desespero de muitos irmãos meus na fé
católica ao bradarem que a Missa é o Calvário? Deus não desampara
a sua Igreja, pois Ela foi testemunha, há poucas décadas atrás, da
vida e obras de São Pio de Pieltrecina, entre outros, que carregou em
seu corpo as marcas da paixão e, como poucos, deu-nos o exemplo
de que, de fato, a missa atualiza a graça do calvário. Os santos, de
modo muito especial, manifestam o múnus profético de nosso
Senhor, colocando a Igreja no prumo da vontade de Deus.

Isto, contudo, não nega ou se opõe a verdade da Missa enquanto


Banquete Nupcial, e esta, por sua vez, não diminui em nada a Missa
enquanto sacrifício. A liturgia da Igreja harmoniza estas dimensões
de modo tão belo que só pode ter vindo do Espírito Santo!

Tende em vós os mesmos sentimentos que haviam em Cristo Jesus,


disse São Paulo (cf. Fl 2, 5). Os tempos e momentos da liturgia trazem

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consigo alguns sentimentos que podem muito bem nos orientar, pois
enfatizam ora a dimensão sacrifical, ora a dimensão festiva da Santa
Missa.

Na quaresma e no advento a Igreja nos convida à penitência. Na


quaresma, deixamos de cantar o Gloria e o Aleluia, pois se dá uma
ênfase toda especial à dimensão sacrifical da Missa (e isto serve de
embasamento para aquela questão do “você cantaria glórias e
aleluias diante do calvário?”; neste período, cuja ênfase é
inegavelmente sacrifical, a liturgia da Igreja não o faz). No tempo do
Natal e da Páscoa, por sua vez, abundam os glórias e aleluias, dando
clara ênfase à dimensão festiva.

No próprio rito da missa nós encontramos esta harmonia entre festa


e sacrifício. O canto de entrada, o Gloria, algumas sequências (em
dias festivos), as aclamações ao Evangelho, o Sanctus e o Amem da
doxologia final nos remetem a dimensão festiva; outros momentos
nos remetem à dimensão sacrifical.

Em nenhum momento a missa deixa de ser sacrifical para ser festiva


ou deixa de ser festiva para ser sacrifical. São dimensões coessenciais
da Santa Missa. Quando falamos dos tempos e momentos, estamos
nos referimos a uma questão de ênfase.

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Assim escreve Dr. Hahn no livro supracitado:

Quando Jesus volte, no final dos tempos, não terá nenhum “pingo” a
mais da glória que possui agora mesmo sobre os nossos altares e nos
sacrários das nossas igrejas. Deus habita entre os homens, agora
mesmo, porque a Missa é o céu Na terra.

Isto precisa encher o nosso coração de jubilosa e festiva alegria no


Senhor, infinitamente superiora àquela que o Rei Davi demonstrara
quando dançou diante da arca, ou a alegria descrita no livro dos
salmos, pois agora estamos no tempo da graça!

“Segundo a natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais das


Igrejas, uma celebração «faz memória» das maravilhas de Deus numa
anamnese mais ou menos desenvolvida. O Espírito Santo, que assim
desperta a memória da Igreja, suscita então a ação de graças e o
louvor (doxologia).” (Catecismo da Igreja Católica)34.

Quem suscita a ação de graças e o louvor é o Espírito Santo. As


expressões de louvor contidas nas Sagradas Escrituras não podem,
sob nenhum aspecto, serem consideradas como ofensivas dentro da
celebração da Nova e Eterna Aliança. Verdadeiramente, trata-se da
mais sublime de todas as festas.

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...

Depois de contemplar a Santa Missa desde todos estes


prismas fica muito mais fácil nós olharmos para algumas
expressões de louvor que emanam da essência da
experiência carismática com um olhar mais maduro,
percebendo que, de fato, nós podemos ser aquilo que Deus
nos chamou a ser na Igreja em todo o tempo, inclusive
enquanto participamos do Memorial da Nova e Eterna
Aliança, o Novo Sábado do Novo Israel de Deus, o Perene
Calvário e Banquete Nupcial do Cordeiro: A Santa Missa!

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A expressão de louvor própria da


Renovação Carismática Católica e a

Manifestação dos Carismas dentro da


Liturgia da Missa

Avivar a Chama para uma melhor vivência


Litúrgica

Eu tive experiências maravilhosas participando de


Celebrações Eucarísticas com a Renovação Carismática
aqui no Brasil, mas guardo singular recordação da
oportunidade de participar da Santa Missa com a
Renovação no Espírito Santo da Itália. Sem deixar de
serem aquilo que são, participam da liturgia de modo vívido
e fiel.

Eu acredito que esteve e está no coração de homens como


Padre Killian McDonnel, Padre George Montague, Padre
Francis Sullivan, Cardeal Raniero Cantalamessa, Cardeal
Leon Joseph Suenens (in Memoriam) e tantos outros
homens da Igreja o desejo de que a Igreja Católica celebre
os divinos mistérios em vibrante liturgia.

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Eu acredito que esta corrente de graça nascida no pós-


concilio pode avivar a chama do Espírito nos corações e
nos ajudar a bem viver a Divina Liturgia. Acredito, como
defendi no primeiro capítulo, que esta é a principal missão
do Movimento Carismático se nós entendermos, de fato,
que a Missa é a expressão central de um povo que caminha
em aliança com Deus.

Quando a verdadeira Renovação Carismática Católica – e


não as caricaturas que andam por aí – aplaude, levanta as
mãos e canta, ela o faz no Espírito Santo. Nossa expressão
de louvor encontra precedentes na tradição judaica,
recolhida nas sagradas escrituras. Santo Agostinho, no
período patrístico, fala da “jubilatio” como experiência de
um louvor gozoso sem palavras articuladas dentro de um
sistema linguístico como um autêntico transbordar de
alegria no Espírito Santo. O livro Avivar a Chama cita
inúmeras outras testemunhas deste período que podem
reforçar o que estamos fundamentando aqui.

O Apóstolo São Paulo, na primeira Carta aos Coríntios,


apresenta critérios para o uso dos carismas nas
assembleias. Sinceramente, eu não acredito que Paulo
estava dando ensinamentos para algum Grupo de Oração
Carismático que eles tivessem por lá... Paulo falava tendo
em mente as celebrações litúrgicas. Afirmo sendo medo: Os
verdadeiros carismas da verdadeira Renovação Carismática
Católica também têm seu lugar na celebração litúrgica.
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Contemplando as orientações de São Paulo, colocarei


orientações práticas para duas situações: A Santa Missa na
Comunidade Paroquial (ou em qualquer outro lugar, sendo
celebrada a uma comunidade aberta) e a Santa Missa
celebrada em situações onde todos os participantes
são carismáticos (especialmente os nossos Encontros
propriamente carismáticos).

A Santa Missa é o momento no qual toda a família de Deus


(não obstante seu movimento, comunidade ou pastoral)
celebra, unida junto ao Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus
Cristo, a Nova Aliança. É imprescindível que, para
conservar a noção de rito e guardar a unidade entre todos
os participantes, se observe o sentido litúrgico tendo em
nós os mesmos sentimentos de Cristo, como já explicamos
acima.

Defenderei arduamente que os elementos da expressão de


oração próprios da Renovação Carismática Católica não
devem ser considerados como “aceitáveis” na celebração
eucarística enquanto “medidas pastorais”, no sentido de
tornar a missa “mais alegre” ou mais “gostosa” para o povo.
Não são critérios antropocêntricos os que devem reger “o
que pode e o que não pode” na celebração da Missa. A
expressão de oração carismática é lícita na celebração da
Eucaristia por causa da própria natureza tanto da Divina

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Liturgia, em sua dimensão sacrifical e festiva, quanto da


expressão de louvor da experiência carismática.

Levantar as Mãos e “aplaudir” na Santa Missa:

O levantar das mãos, os aplausos e os brados de alegria são


expressões de louvor legítimas? Depende. Vamos ver,
primeiro, o que as Sagradas Escrituras nos dizem:

“Batei palmas, todos os povos; aclamai a Deus com voz de


júbilo. Porque o Senhor Altíssimo é tremendo; é grande Rei
sobre toda a terra” (Sl 47, 1-2).

“Celebrai com júbilo ao Senhor, todos os habitantes da


terra; dai brados de alegria, regozijai-vos, e cantai louvores”
(Sl 98, 4)

“Louvai ao Senhor! Cantai ao Senhor um cântico novo, e o


seu louvor na assembleia dos santos! Alegre-se Israel
naquele que o fez; regozijem-se os filhos de Sião no seu Rei.
Louvem-lhe o nome com danças, cantem-lhe louvores com
adufe e harpa. Porque o Senhor se agrada do seu povo; ele
adorna os mansos com a salvação. Exultem de glória os
santos, cantem de alegria nos seus leitos. Estejam na sua
garganta os altos louvores de Deus” (Sl 149, 1-6a).

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“Louvai ao Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-


o no firmamento do seu poder! Louvai-o pelos seus atos
poderosos; louvai-o conforme a excelência da sua grandeza!
Louvai-o ao som de trombeta; louvai-o com saltério e com
harpa! Louvai-o com adufe e com danças; louvai-o com
instrumentos de cordas e com flauta! Louvai-o com
címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes!
Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao
Senhor!” (Sl 150, 1-6).

“Suba a minha oração, como incenso, diante de ti, e seja o


levantar das minhas mãos como o sacrifício da tarde!” (Sl
141, 2).

“Erguei as mãos para o santuário, e bendizei ao Senhor.” (Sl


134, 2).

“Então Esdras bendisse ao Senhor, o grande Deus; e todo


povo, levantando as mãos, respondeu: Amém! amém! E,
inclinando-se, adoraram ao Senhor, com os rostos em
terra.” (Ne 8, 6).

“E Davi dançava com todas as suas forças diante do Senhor;


e estava Davi cingido dum éfode de linho. Assim Davi e toda
a casa de Israel subiam, trazendo a arca do Senhor com
júbilo e ao som de trombetas” (2 Sm 6, 14-15)

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“A palavra de Cristo habite em vós ricamente, em toda a


sabedoria; ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros, com
salmos, hinos e cânticos espirituais, louvando a Deus com
gratidão em vossos corações.” (Cl 3, 16).

“Quero, pois, que os homens orem em todo lugar,


levantando mãos santas, sem ira nem contenda.” (1 Tm 2,
8).

Acredito que legitimidade bíblica... a ação de bater palmas


como expressão de louvor tem. Agora, existem “palmas” e
“palmas”. Para pessoas que nunca viram a verdadeira
Renovação Carismática louvando a Deus – viram apenas as
caricaturas – eu imagino que seja muito difícil distinguir
entre o bater palmas dos “carismáticos caricatos” e o bater
palmas da torcida do Corinthians ou do Flamengo (não
muda muito). Infelizmente, até por causa dos ritmos
melódicos empregados nas celebrações litúrgicas de hoje,
as palmas são quase sempre acompanhadas de um
“dançar”, com finalidade rítmica, e de um comportamento
que destoa da verdadeira adoração. Contudo, eu tenho
cravados na minha memória e no meu coração momentos
de uma verdadeira shekinah de Deus, acompanhados de
palmas e de mãos levantadas, feitos com uma santidade e
uma sobriedade que nitidamente se distinguem de uma
plateia em um jogo de futebol ou de qualquer outra coisa do
gênero. Eu imagino que haja uma diferença entre o que
Davi fez diante da arca da aliança e o que um torcedor faz
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num estádio de futebol. Bem... É disso que eu estou


“falando” aqui.

A Constituição Dogmática Sacrossantum Concilium fala de


gestos e atitudes corporais. Não quero, aqui, de modo
algum, “forçar” este texto e legitimar a “aeróbica de Jesus”,
que é incabível na Santa Missa. Contudo, é impossível, para
mim, enxergar nas palmas e no levantar das mãos, que são
expressões biblicamente legítimas, um excesso, desde que
empregadas com a devida solenidade no momento
adequado (acreditem: é possível!). A Constituição
Dogmática diz:

Para fomentar a participação ativa, promovam-se as


aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas,
os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes corporais.
Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio
sagrado35.

Além disso na celebração de vários sacramentos os aplausos


já aparecem como formas reconhecidas de aclamação36.

Respeitando, portanto, períodos litúrgicos e momentos do


próprio Rito da Missa, não vejo como desrespeitoso que,
num cântico como o “glória”, as pessoas possam
devotamente levantar as mãos. Quem sabe, até, na
procissão de entrada e na Aclamação ao Evangelho também
se poderia, levando em conta os critérios acima
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mencionados (a ênfase do tempo litúrgico e o momento do


Rito), levantar as mãos. No momento da Homilia, não vejo
problemas nas manifestações de louvor que a assembleia
possa fazer, em resposta à palavra pregada, seja com o
levantar das mãos, seja, até com aclamações seguidas de
palmas. No canto do “Santo” se poderia levantar as mãos
num profundo sentimento de adoração (o que é diferente
de levantar as mãos “abanando-as” ou “movimentando-as
de um lado para o outro”).

Perceba que os tempos e momentos geram alguns


“sentimentos” que acompanham o sentido da ação litúrgica.
É necessário respeitar isto, tendo em nós os mesmos
sentimentos de Cristo. Se este gesto, em algum momento,
deturpa o sentido daquele momento litúrgico... deve ser
retirado. Agora, se corrobora... não há porque agir com
rigorismo ao estilo "sola scriptura".

Mas... estas palmas, estas mãos levantadas e esta alegria


diferem completamente daquela que manifestamos num
estádio de futebol, ou num teatro, ou num show de música,
eu repito. Até dentro da Renovação esta distinção ficou um
tanto confusa, uma vez que a superficialidade tem tomado
conta das nossas assembleias de oração. Mas aqui, quando
considero como legítimas estas expressões dentro da Santa
Missa, refiro-me à experiência autêntica do louvor jubiloso
no Espírito, expresso por meio das palmas e do levantar
das mãos.
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Confesso que, ao contemplar a real situação daquilo que


sacerdotes e animadores litúrgicos fazem por aí, seria muito
mais fácil simplesmente ser taxativo e desaconselhar
completamente as palmas. Contudo, prefiro acreditar que
ainda é possível revitalizar a verdadeira adoração
carismática, nitidamente distinguível daquilo que temos
assistido em muitas paróquias do nosso país.

Instrumentos Musicais e Postura das Vozes

O instrumento preferido para a liturgia é o órgão. O canto


próprio da liturgia é o Gregoriano. As instruções dadas pelo
Papa Bento XVI pedem que, aos poucos, tenhamos coragem
de ir reintroduzindo algumas partes da Santa Missa em
canto Gregoriano e usando o Latim - e o grego, no caso do
Kyrie.

Temos percebido que alguns instrumentos já fazem parte


da cultura musical dos povos. Qual é o critério de utilização
dos mesmos? O sentido litúrgico. "Solos" de guitarra e de
bateria não combinam com a Santa Missa em hipótese
alguma, para citar um exemplo. Vozes gritando e vocalistas
gesticulando com os braços e com o corpo como se estivem
num Show também destoam totalmente do sentido
litúrgico. Quem está celebrando é Cristo! Quem está
protagonizando a ação litúrgica é Cristo. O músico não pode
chamar a atenção para si ou, de algum modo, passar a
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impressão de que não há diferença alguma entre aquilo que


fazemos num grupo de jovens e aquilo que se faz na Missa.
Na postura dos músicos, na impostação das vozes e no tocar
dos instrumentos precisa ficar nítido que algo totalmente
solene está acontecendo diante dos nossos olhos.

Portanto, a utilização dos instrumentos e a postura das


vozes deve ser amena, com ênfase no sentido do que se
canta (mais que na performance artística dos músicos).

Manifestações Carismáticas

“A respeito dos dons espirituais, irmãos, não quero que


vivais na ignorância.” (I Cor 12, 1).

No capítulo quatorze da primeira carta aos coríntios o


Apóstolo dá instruções sobre o correto exercício dos
carismas (especificamente dos dons de profecia e línguas).
Sinceramente, não acredito que o slogan “Grupo de
Oração, Eu Participo!” já estivesse em voga em Corinto. O
Apóstolo está aludindo claramente a uma Assembleia
litúrgica e dando o direcionamento para o correto exercício
dos carismas na mesma. E nos versículos finais, São Paulo
é muito claro:

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“Assim, pois, irmãos, aspirai ao dom de profetizar; porém,


não impeçais falar em línguas. Mas faça-se tudo com
dignidade e ordem. ” (I Cor 14, 39-40).

O fato é que a manifestação dos carismas efusos na


assembleia é legítimo, motivo pelo qual o Apóstolo dá
orientações. Seguindo estas orientações percebemos que
dar vazão a uma manifestação carismática num ambiente
de pessoas que desconhecem a mesma... É no mínimo
temerário. Quando, contudo, a assembleia é composta por
pessoas familiarizadas com estas manifestações, há
momentos nos quais encontramos espaços adequados na
liturgia.

Alguns, ao afirmarem que os carismas efusos são para a


edificação dos outros, restringem os mesmos com o
conceito de “serviço para o outro”. Fazendo assim,
justificam a total exclusão da manifestação carismática na
liturgia, uma vez que se trata da ação de Cristo e não nossa,
de modo que os carismas não estariam de acordo com o
espírito da liturgia. Contudo, há, na liturgia, um profundo
senso de comunhão fraterna e, portanto, de edificação
mútua, em união com a Santíssima Trindade. O Catecismo
da Igreja Católica afirma que “o fruto do Espírito na liturgia
é, inseparavelmente, comunhão com a Santíssima Trindade
e comunhão fraterna” (1108). Para deixar ainda mais
explícito o tema, o Catecismo prossegue:

142
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A epiclese é também oração pelo pleno efeito da


comunhão da assembleia no mistério de Cristo. «A
graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a
comunhão do Espírito Santo» (2 Cor 13, 13) devem estar
sempre conosco e dar frutos, para além da celebração
eucarística. Por isso, a Igreja pede ao Pai que envie o
Espírito Santo, para que faça da vida dos fiéis uma oferenda
viva para Deus pela transformação espiritual à imagem de
Cristo, pela preocupação com a unidade da Igreja e pela
participação na sua missão, mediante o testemunho e o
serviço da caridade37.

De fato, no capítulo doze a lista de carismas é seguida da


analogia do Corpo, feita pelo Apóstolo. Os carismas são
expressão da nossa unidade no Espírito: Somos corpo.

Ao iniciar a sua exortação sobre o correto uso dos carismas


na assembleia litúrgica, o Apóstolo Paulo escreve:

“Procurai a caridade. Entretanto, aspirai aos dons do


Espírito, principalmente à profecia” (I Cor 14, 1)

Este versículo é a continuação do capítulo 13 (o hino sobre


a caridade). Paulo afirma que se deve buscar a caridade e
também se deve aspirar aos dons espirituais.

No livro Reflexões sobre a Renovação Carismática


Católica o Cardeal Paul J. Cordes afirma:
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Como é comunhão com a própria vida de Deus, a caridade


não é carisma, mas a fonte dos carismas. O amor é “um
caminho infinitamente superior” (I Cor 12, 31). A Igreja
sempre ensinou esta diferença: a graça santificadora
(Gratium Faciens) os carismas (gratiae gratis datae) são
vistos em diferenciação, o que S. Paulo mostra na Primeira
Epístola aos Coríntios, na qual coloca a análise do amor, o
hino ao amor (I Cor 13), entre duas análises dos carismas e
do seu exercício apropriado (I Cor 12 e 14). O amor e os
carismas não se opõem mutuamente. Assim ele descreve
esse relacionamento: “Procurai o amor, aspirai às
manifestações espirituais. (I Cor 14, 1)38.

O livro Aspirai aos Dons do Espírito reflete, versículo por


versículo, sobre o capítulo 14 da carta aos coríntios.
Considero este livro como um dos melhores que eu já li pela
imensa capacidade de síntese do autor e pelo modo como
aborda o dom de línguas em suas modalidades, o dom da
profecia e a práxis carismática na Comunidade Cristã.

No momento das preces, por exemplo, vi como Dom


Alberto Taveira, aqui no Brasil, conduzia a Assembleia em
oração intercessória pela Igreja e a oração em línguas se
dava de forma simples e harmônica. No “Credo” existe a
possibilidade de se fazer a renúncia do mal e a profissão de
fé, de modo que o carisma de libertação encontra um espaço
propício. Na ação de graças o fiel pode, muito bem, orar em
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línguas no seu interior e, depois do espaço de silêncio, se


toda a Assembleia fizer um momento de adoração (como é
comum), pode-se muito bem estar abertos para a oração em
línguas como expressão de adoração, quando se trata de
uma assembleia onde a imensa maioria já vive esta
realidade de oração.

Missas de Cura e Libertação

Há uma grande polêmica sobre as ditas missas de Cura e


Libertação. “Toda Missa é de cura e libertação”, dizem. Ora,
todo o domingo é devotado à Santíssima Trindade, o que
não impede de termos a festa da Santíssima Trindade num
domingo específico. Parece cômico, mas já ouvi muitos
sacerdotes criticando as missas de cura e libertação e, ao
mesmo tempo, realizando “Missas Afro”, por exemplo.

A Missa é sempre a Celebração da Nova e Eterna Aliança.


Ela pode, contudo, ser votiva a algum propósito específico
(aos enfermos e doentes, por exemplo). Neste sentido, a
Missa pode ser SIM celebrada com a intenção especial de
súplicas a Deus pela cura e libertação de seu povo (aliás,
cura e libertação são características marcantes do
ministério de Jesus Cristo; já as missas afro...).

Há uma instrução promulgada pela Congregação para a


Doutrina da Fé no ano 2000 que contempla as “orações
para alcançar de Deus a Cura” 39 de modo geral e, por

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conseguinte, abarca também a liturgia da Santa Missa. Esta


instrução orienta que, na Missa, as orações de cura sejam
às próprias da Missa Pro Infirmis, podendo haver um
momento especial de súplicas pela cura e libertação do povo
na Oração dos Fiéis40.

De fato, a Tradição da Igreja legitima a petição por cura e


libertação. Vejamos o que a instrução supracitada diz 41:

Os Padres da Igreja consideravam normal que o crente


pedisse a Deus, não só a saúde da alma, mas também a do
corpo. A propósito dos bens da vida, da saúde e da
integridade física, Santo Agostinho escrevia: «É preciso
rezar para que nos sejam conservados, quando se os tem, e
que nos sejam concedidos, quando não se os tem». O
mesmo Padre da Igreja deixou-nos o testemunho da cura de
um amigo, alcançada graças às orações de um bispo, de um
sacerdote e de alguns diáconos na sua casa.

A mesma orientação se encontra nos ritos litúrgicos, tanto


ocidentais como orientais. Numa oração depois da
Comunhão, pede-se que «este sacramento celeste nos
santifique totalmente a alma e o corpo». Na solene liturgia
da Sexta-Feira Santa convida-se a rezar a Deus Pai todo-
poderoso para que «afaste as doenças... dê saúde aos
enfermos». Entre os textos mais significativos, destaca-se o
da bênção do óleo dos enfermos. Nele pede-se a Deus que
derrame a sua santa bênção sobre o óleo, a fim de que «sirva

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a quantos forem com ele ungidos de auxílio do corpo, da


alma e do espírito, para alívio de todas as dores, fraquezas
e doenças».

Não são diferentes as expressões que se leem nos rituais


orientais da Unção dos enfermos. Citamos apenas alguns
dos mais significativos. No rito bizantino, durante a unção
do enfermo reza-se: «Pai Santo, médico das almas e dos
corpos, Vós que enviastes o vosso Filho unigénito Jesus
Cristo para curar de toda a doença e libertar-nos da morte,
curai também, pela graça do vosso Cristo, este vosso servo
da enfermidade do corpo e do espírito que o aflige». No rito
copto pede-se ao Senhor que abençoe o óleo para que todos
os que com ele forem ungidos possam alcançar a saúde do
espírito e do corpo. Depois, durante a unção do enfermo, os
sacerdotes, depois de terem mencionado Jesus Cristo,
mandado ao mundo «para curar todas as enfermidades e
libertar da morte», pedem a Deus «que cure o enfermo das
enfermidades do corpo e lhe indique o reto caminho».

O grande problema, contudo, reside em duas situações:

1) Quando a cura se torna o motivo principal,


antepondo-se até mesmo a Deus.
2) Quando a cura é instrumentalizada, numa lógica “de
mercado”, com o intuito de “lotar” templos, arrecadar
fundos, crescer em popularidade, etc.
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De fato, é pernicioso para a Renovação Carismática que,


muitas vezes, nós evitemos alguns temas de exortação e de
formação doutrinária com o intuito de dar ao povo apenas
o que ele quer e gosta de ouvir. Cabe a nós obedecermos
“antes a Deus que aos homens”. As missas de cura e
libertação estão sendo usadas para atrair a massa, manter o
frisson, arrecadar fundos, etc., e isto é pernicioso!

Cabe aos nossos sacerdotes e teólogos uma reflexão


aprofundada sobre este tema, a fim de apresentar
orientações e diretrizes específicas que sirvam de apoio
para a Celebração da Santa Missa na intenção (votiva) da
cura e da libertação.

Considerações Finais

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Convido meus irmãos da Renovação Carismática Católica a


um verdadeiro esforço teológico que respeite a nossa
essencial expressão de louvor e adoração, bem como nossa
essencial abertura às manifestações carismáticas, e que se
aferre fielmente ao Depósito de Nossa Fé custodiado e
transmitido a nós pelo Magistério da Igreja.

Creio ardorosamente que se ambas as realidades foram


suscitadas pelo Espírito Santo – refiro-me à Espiritualidade
Carismática e à Liturgia – elas não podem, em hipótese
alguma, contradizerem-se, excluírem-se ou serem
indiferentes uma a outra. Podemos muito bem conservar a
ordem sem extinguir o Espírito, que não cessa de fazer
novas TODAS as coisas (inclusive a nossa liturgia), ao
mesmo tempo que este “fazer novas” não significa, em
hipótese alguma, anular ou invalidar o que Ele mesmo
gerou na Igreja ao longo dos Séculos.

Quanto mais reflito sobre esta tensão – existente em nós e


não no Senhor Espírito Santo – mais exulto de alegria ante
o fato de que o Espírito Santo não cabe dentro de esquemas
teológicos e normas pré-estabelecidas, pois nosso
conhecimento é e sempre será imperfeito a respeito de Deus
(se um dia esgotarmos este conhecimento... teremos criado
para nós um “bezerro de ouro” ou qualquer outra coisa). Ele
– o Divino Espírito – atua na Igreja com seus dois grandes
“braços”: a Hierarquia e o Carisma. Enfatizar apenas uma
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dessas dimensões em detrimento da outra é desfigurar a


Igreja e tolher o Espírito.

Aos Bispos, Sacerdotes, teólogos e líderes da Igreja, o


Espírito Santo diz: Jesus Cristo é o Senhor, para a glória
de Deus Pai! É Ele quem, por meio do Seu Espírito, não
cessa de renovar todas as coisas, ornando Sua Esposa, a
Igreja, para as Núpcias definitivas. Cabe aos senhores –
Bispos, Sacerdotes, teólogos e líderes – conservar a unidade
sem extinguir o Espírito. Deus nos deu a Liturgia e nos deu
o Movimento Carismático. Rezo para que vocês nos
ajudem, inspirados pelo mesmo Espírito, a viver
harmonicamente essas duas realidades da dimensão
pneumatológica da Igreja, sem tolher nenhuma delas.

Aos líderes da Renovação Carismática Católica presentes no


Conselho Nacional (de hoje e de sempre) bem como aos que
são membros das Novas Comunidades, das Associações e
demais instituições carismáticas: Se formos o que temos de
ser, incendiaremos o Mundo Inteiro (Parafraseando Santa
Catarina de Sena)! Ser o que temos de ser é conservar a
nossa identidade. Levantar as mãos, louvar
jubilosamente, aplaudir e derramar a alma “gozosamente”
ante o Senhor é parte essencial da nossa espiritualidade.
Dar liberdade às manifestações carismáticas é o que nos faz
ser “carismáticos”! E nós o somos por chamado e vontade
de Deus.

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Meus irmãos – líderes do Movimento Carismático: Na


espiritualidade da Igreja a liturgia é o “ar que nós
respiramos”. Se o Batismo no Espírito Santo é um dom
para a Igreja, ele jamais pode prescindir da liturgia. Dentro
da dimensão comunitária, também essencial para a RCC, a
liturgia é a oração da Igreja por excelência; o Batismo no
Espírito Santo deve produzir uma assembleia que celebra
em vibrante liturgia!

Renovação Carismática Católica: Reflita sobre si mesma


desde o prisma da liturgia. A Liturgia não é “tema para
Bispos”, como quem sacode os ombros e segue em frente. É
nossa vida, nossa espiritualidade, nossa oração!

Percebo Movimentos como o Caminho Neocatecumenal se


esforçando neste sentido (não digo que já tenham
conseguido uma harmonização perfeita entre seu carisma
específico e a tradição litúrgica, apenas considero lícito,
válido e digno de imitação o desejo de assim proceder).

Há uma onda de tradicionalismo invadindo os nossos


Grupos de orações, Ministérios, Novas Comunidades,
Associações e Instituições. Caracterizam-se por um rechaço
ao ecumenismo e por um fundamentalismo na observância
litúrgica que não coaduna, sob hipótese alguma, com a
Renovação Carismática Católica. Há “carismáticos” por aí
rechaçando o Missal de Paulo VI e o próprio Concílio

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Vaticano II (algo simplesmente inconcebível para um


católico, quanto menos para um “carismático”).

Nosso precedente histórico é o Movimento Pentecostal!


Livros pentecostais, canções e experiências ecumênicas
performaram aquilo que hoje nós somos. Isto nos torna
menos católicos? De modo algum! Tudo isto não aconteceu
apesar de nós sermos católicos, mas justamente porque
somos Católicos. Coube aos Bispos, Sacerdotes, Teólogos e
Líderes recepcionarem aquilo que o Espírito deu à Igreja,
conservando a unidade sem extinguir o Espírito. Esta
acolhida permitiu o nascimento da Renovação Carismática
Católica que, até hoje, possui características em comum
com os pentecostais das mais variadas confissões cristãs (e
se um dia alguém quiser extinguir estas características...
terá assassinado a RCC!). Hoje, contudo, há um grupo de
líderes dentro da própria RCC que se acham no direito de
proibir aquilo que sempre fez e fará parte da nossa história
(e um outro grupo de acovardados que não têm coragem de
se pronunciar a respeito).

Nosso precedente histórico é, também, a Reforma Litúrgica


do Concílio Vaticano II. É chegado o tempo de a
Renovação dar algo de substancial para a Igreja no
âmbito litúrgico, não somente na Celebração
Eucarística, mas também na administração dos
Sacramentos. A experiência do Batismo no
Espírito Santo – inicialmente ligada à
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administração e celebração dos sacramentos,


segundo o testemunho das escrituras e dos Padres
da Igreja – precisa voltar ao seu berço!

Gritos frenéticos, dinâmicas infantis, agarramentos,


badernas e histerias são coisas que não deveriam acontecer
em nossos grupos de oração (quanto menos na Santa
Missa!). Tem nos faltado o verdadeiro fogo, a verdadeira
unção, e nós temos acendido fogo estranho no altar de Deus
(cf. I Sm 2, 12-17). Para voltarmos ao verdadeiro louvor e à
verdadeira adoração, necessitamos de uma pregação
poderosa e profunda da palavra de Deus, que nos leve ao
arrependimento de nossos pecados, à conversão e ao
seguimento radical de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja,
precisa acontecer o genuíno Batismo no Espírito
Santo.

Este simples livreto não possui nenhum caráter oficial. São


apenas reflexões de um simples católico.

Convido você a rezar comigo:

Senhor nosso Deus e nosso Pai, que nos deste tão ditoso e
poderoso Salvador em Cristo Jesus, derrama sobre nós o
Teu Espírito a fim de que possamos ter em nós os mesmos
sentimentos de Cristo quando participarmos do Memorial
da Nova e Eterna Aliança. Que, ao comermos a carne e
bebermos o sangue de Teu Filho Jesus, frutifiquem em nós
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os frutos da redenção. Por meio da Nova Aliança, somos


Tua Família, Pai. Ajuda-nos a celebrá-la em Espírito e em
verdade. Amém.

Fundamentações Bibliográficas:

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1. Os primeiros trechos do livro de Denise K.


Brakebrough, Renovación en el Espíritu Santo, foram
traduzidos e estão disponíveis no blog
http://pentecostesperene.blogspot.com.br
2. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola - 1993.
3. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola – 1993, pg. 7
4. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola – 1993, pg. 9-11.
5. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola – 1993, pg. 20-21
6. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola – 1993, pg. 31
7. Avivar a Chama – McDonnell, Killian / Montague,
George, Edições Loyola – 1993, pg. 33
8. Livro Os Papas falam sobre a Renovação
Carismática, Edições Loyola – 1982, pg. 6
9. Renovação Carismática Católica, Um Constante
Desafio – Reis, Reinaldo Beserra dos, Editora
RCCBRASIL – 2013.
10. Discurso do Papa Francisco por ocasião da 37ª
Convocação Geral do Rinovamento Nello Spiritu em
comunhão com ICCRS e a Fraternidade das Novas
Comunidades em 1 de junho de 2014.
11. Aspirai aos Dons do Espírito – Menghi, Renato,
Editora RCCBRASIL – 2009.

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12. Aspirai aos Dons do Espírito – Menghi, Renato,


Editora RCCBRASIL – 2009, pg. 11
13. Vaticano II – Lumen Gentium 4.
14. Vaticano II – Lumen Gentium 12.
15. Documento de Aparecida, Art. 150.
16. Aspirai aos Dons do Espírito – Menghi, Renato,
Editora RCCBRASIL – 2009, pg. 11, pg. 13.
17. O discurso do Papa Bento XVI ao clero de Roma
está disponível pelo link:
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeche
s/2013/february/documents/hf_ben-
xvi_spe_20130214_clero-roma_po.html
18. Documento de Aparecida, Art. 289
19. Documento de Aparecida, Art. 278
20. Pregação de Frei Raniero Cantalamessa na
primeira semana do Advento de 2005, disponível no link:
http://www.zenit.org/pt/articles/pregador-do-papa-a-fe-
em-cristo-hoje-e-no-inicio-da-igreja-i
21. Contra as Heresias, de São Irineu de Lião, está
disponível neste link:
http://www.apologistascatolicos.com.br/obraspatristicas/
Obras/PadresSecII/SantoIrineu/ContraAsHeresias/LivroI
.htm
22. Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 1104.
23. O Artigo de Ewerton Wagner Santos Caetano está
disponível neste link:
http://www.exsurge.com.br/apologeticas/eucaristia/texto
s%20eucaristia/oconceitobiblicodememorial.htm
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24. Jesus de Nazaré – Bento XVI, Papa – Editora


Planeta do Brasil – 2007.
25. Jesus de Nazaré – Bento XVI, Papa – Editora
Planeta do Brasil – 2007, pg. 104.
26. Jesus de Nazaré – Bento XVI, Papa – Editora
Planeta do Brasil – 2007, pg. 105-106.
27. Jesus de Nazaré – Bento XVI, Papa – Editora
Planeta do Brasil – 2007, pg. 107.
28. Jesus de Nazaré – Bento XVI, Papa – Editora
Planeta do Brasil – 2007, pg. 105.
29. Discurso citado no livro O Banquete do Cordeiro,
Editora Cleofas, 2014, pg. 160.
30. Vaticano II – Sacrossantum Concilium, 21.
31. O Desenvolvimento Orgânico da Liturgia – Artigo
do então Cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI)
disponível neste link:
http://www.30giorni.it/articoli_id_7298_l6.htm
32. Vaticano II – Sacrossantum Concilium, 8
33. O Livro O Banquete do Cordeiro está disponível
pela Editora Cléofas. Há uma apostila de estudo disponível
no site do instituto bíblico fundado por Scott Hahn:
http://www.salvationhistory.com/documents/misc/La_C
ena_del_Cordero.pdf
34. Catecismo da Igreja Católica, Parágrafo 1103.
35. Vaticano II – Sacrossantum Concilium, 30.
36. No ritual de Batismo de Crianças, A assembleia
pode manifestar sua alegria com uma salva de palmas. A
família acolhe o neobatizado com um beijo ou outro gesto
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de afeição. No Ritual do Matrimônio, após o


consentimento, O sacerdote convida os fiéis para o louvor
a Deus, que respondem “Graças a Deus” ou outra fórmula
de aclamação [Palmas]. Nas ordenações diaconais,
presbiterais e sagrações de Bispos igualmente se aceitam
as palmas com expressão de louvor a Deus.
37. Catecismo da Igreja Católica, Parágrafo 1109.
38. Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica
– Cordes, Paul -1999, pg. 63.
39. Instrução Sobre as Orações para Receber de Deus
a Cura – 14 de setembro de 2000 – Congregação para a
Doutrina da fé.
40. Instrução Sobre as Orações para Receber de Deus
a Cura, Art. 7.
41. Instrução Sobre as Orações para Receber de Deus
a Cura, 4.

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