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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.'■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar. este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
C/J SUMARIO

D
I-
"Eis que estou á porta e bato..."
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A Reforma da Liturgia: Balanco
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Doutrina Social da Igreja(Orientacdes)
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Atei'smo e Nova Religiosidade

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O Santo Sudario de Turim: Um ano depois...?
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Milagree "Milagres"
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ANO XXX — OUTUBRO 1989 — 329


t: C MtafUIMUbHbrVlUli
OUTUBRO- 1989
Publicado mensal
N9 329

retor-Retponsável:
Estevao Bettencourt OSB SUMARIO
Autor e Redator de toda a materia
"Eíj que estou á porta e bato..." 433
publicada neste periódico
No 25? aniversario:
etor-Adminrrtrador: A Reforma Litúrgica: Bala neo 434
D. Hildebrando P. Martins OSB Para o estudo da
Doutrina Social da Igreja (Orientacoes) 443
minimacao e disuibuicao:
No mundo moderno:
Edicoes Lumen Christi
Ateísmo e Nova Religiosidade 457
Dom Gerardo, 40 - 5? andar S/501
Tel.: (021> 291-7122 Como estao as pesquisas sobre
Caixa Postal 2666 O Santo Sudario de Turim: Um ano
20001 - Rio de Janeiro - RJ depois...? 467

Mais urna vez:


Milagro e "Milagros" 473

63 "MARQUFSSARAIVA-
V'i. G*Á*ÍCOSf (C*7C**tS S i
O** Si**» Am^oum }*0 -
CiHeo o* SI Cl«* WÍ10
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NO PRÓXIMO NÚMERO:
330- Novembro - 1989

O caso "Paúl Touvier". - "O Além existe" (Lino Albertini). - "O Grande
Complo" (J.C. de Castro Ríos). - Taró, Numerologia, Cabala. - Quadros
discutidos de Historia da Igreja. - O Racionalismo Cristao.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

INATURA ANUAL (12 números): NCz$ 50,00 - Número avulso: NCzS 5,00
. Pagamento (á escolhal.
VALE POSTAL á agencia central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicoes
"Lumen Christi" Caixa Postal 2666 20001 Rio de Janeiro - RJ.

. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicoes "Lumen Christi" (endereco ácima).

ORDEM DE PAGAMENTO, no Banco do Brasil, conta N? 31.304-1 em nome do Mos-


teiro de Sato Bento. pagável na agencia Praca Mauá/RJ N? 0435-9. (Nao enviar através
de DOC ou depósito instantáneo - A identificapao é difícil).
3TT
"Eis que Estou a Porta e BatóTTT^
(Ap 3, 20)

A imagem da ceia é freqüente ñas Escrituras para designar a bem-aven-


turanca celeste: o Senhor convida todos os homens para a ceia nupcial da
vida eterna (ver Le 14, 16-24; Mt 22, 2-10; Is 25,6). A mesma imagem, po
rém, ocorre urna vez no Apocalipse em sentido diverso: o Senhor se faz de
hospede, em vez de ser o anfitriá*o: "Eis que estou a porta e bato; se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa; cearei com ele, e ele
comigo" (Ap 3,20). Esta passagem lembra outra ocorrente no Cántico dos
Cánticos: de noite, a amada, já recolhida, ouve a voz do Amado que bate á
porta; na*o Ihe responde, porém, vencida pela indolencia,... indolencia da
qual logo se arrepende amargamente (cf. Ct 5,2-7). No Apocalipse, o Senhor
Jesús espera ser recebido no íntimo ou no coracao de cada um dos seus fiéis,
que ele interpela, sem forpar a entrada. Compete a cada qual optar livre-
mente...

É significativo o contexto no qual se encontra tal versículo do Apoca


lipse: faz parte de urna das sete epístolas iniciáis, ou seja, da mensagem aos
laodicenos, que é de todas a mais severa: o Senhor censura aos fiéis a tibieza:
"Conheco tua conduta: nao és nem frió nem quente. Oxalá fosses frió ou
quente! Assim, porque és morno, nem frió nem quente, estou para te vomi
tar da minha boca" (3,15s). Após tafo seria advertencia, o Senhor oferece
nova chance á criatura, batendo-lhe á porta, discreto e paciente.

A pequeña carta aos laodicenos apresenta assim urna situacáo típica,


que pode afetar a vida do cristáo: a tibieza ou acédia a ameacam constante
mente, fazendo que o cristao perca a alegría e o entusiasmo de sua vocacao;
após o fervor dos primeiros tempos ou de sua conversáo, dá-se por cansado,
sem coragem para continuar, mas também sem a ousadia de voltar atrás ou
tudo deixar de lado. Quem cede a tal atitude, ensurdece. a voz de Deus, por
que isto Ihe parece mais cómodo, e assim se desfigura ou perde a sua ¡den ti-
dade. O Senhor, porém, nao deixa de falar diariamente aos seus fiéis, desper
tándoos para urna vida mais consciente e plena, da qual o primeiro sinal é a
docilidade a Palavra de Oeus. Quem decide vencer a indolencia e abrir cora
josamente a porta ao Senhor, tem, já nesta térra, um antegozo da vida eter
na: "Cearei com ele, e ele comigo", diz o Senhor.

O Papa Pió XII (1939-1959) afírmava que o grande mal do seu tempo
era ter que verificar que "os bons estavam cansados"... Estaremos em outros
tempos? Perderam sua atualidade as palavras do Pontífice? Como quer que
seja, o Senhor continua batendo á porta de cada qual dos seus amigos e
aguardando urna eventual resposta: "Senhor, aqui estou!". g B

433
"PERdUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXX - N? 329 - Outubro de 1989

No 25? Aniversario:

A Reforma da Liturgia:
Balando

Em sintése: Os vinte e cinco anos da promulgacao da Constituicao Sa-


crosanctum Concilium do Concilio do Vaticano II deram ensejo a que o S.
Padre escrevesse uma Carta Apostólica, na qual faz o bataneo dos resultados
positivos da reforma litúrgica e dos desvios de interpretacao do texto. Joao
Paulo II enfatiza o caráter genuino, e consentáneo com a Tradicio, da reno-
vacSo da Liturgia; aponta desafios que no decorrer dos vinte e cinco anos
surgiram para os pastores (como sao, por exemplo, os que se prendem á
adaptacSo da Liturgia és culturas dos diversospovos); frisa que só tém com
petencia para modificar a Liturgia as autoridades eclesiásticas, cada qual
dentro dos limites que de direito devem observar; nSo compete, pois, aos
sacerdotes nem a grupos de leigos retocar ou ¡novar o que se/a, fora do que
permitem as rubricas. É recomendada a sólida formacao litúrgica do clero e
do laicato, a fim de que possam compreender claramente os porqués ou as
linhas teológicas subjacentes aos ritos sagrados e assim celebrar com mais
proveito a obra da Redencao que se exerce sobre os altares da Igreja.

Por ocasiao do 25? aniversario (4/12/1988) da Constituicao Sacro-


sanctum Concilium do Concilio do Vaticano II referente a renovacao da
Liturgia, o S. Padre Joao Paulo II publicou uma Carta Apostólica na qual faz
o balanco dos frutos e dos trapos negativos que a Liturgia restaurada traz
consigo. Trata-se de documento importante, porque muito sincero em reía-

434
REFORMA DA LITURGIA: BALANCO

cao ao passado e lúcido em relacáb ao futuro. Após a respectiva Introducáb


(n? 1 e 2), apresenta seis partes: 1) A renovacfo na linha da Tradicao
(n? 3-4); 2) Os principios normativos da Constituicao (n? 5-9); 3) Orien-
tacoes para guiar a renovacao da vida litúrgica (n? 10); 4) Aplicacáfo concre
ta da Reforma (n? 11-13); 5) O futuro da renovacfo (n? 14-18); 6) Os or
ganismos responsáveis pela renovacao; Conclusao (n? 22).

Examinemos as grandes linhas do texto em pauta, que o S. Padre in-


troduz com as seguintes palavras:

"Após um quarto de sáculo, no qual a Igreja e a sociedade conheceram


mudancas profundas e rápidas, é oportuno trazer á luz a importancia dessa
Constituicao conciliar, a sua atualidade frente ao surto de problemas novos e
o permanente valor de seus principios" (n? 2).

1. A renovacSo na linha da Tradicáo (n? 34)

Nos tempos modernos, ou seja, a partir do sáculo XVI, verificaramse


notáveis intervencoes dos Papas no setor da Liturgia, a fim de a tornar sem-
pre mais viva e expressiva: Sá*o Pió V, por exemplo, reformou o Missal e o
Breviario Romanos. No principio do sáculo XX, a renovacao da Teología e
da piedade levaram o Papa Pió X (1903-1914) a enfatizar o domingo e a re
novar, mais urna vez, o Breviario. Pío XII (1939-1958) prosseguiu a obra de
reforma, tendo em vista os progressos dos movimentos bfblico e ecuménico,
a consciéncia de Igreja "Corpo de Cristo" e de Liturgia como celebracao da
obra da Redencao;1 entre outras coisas, retocou as principáis celebrares da
Semana Santa.

O Concilio do Vaticano II (1962-65) colheu os frutos das providencias


anteriormente tomadas pelos Papas e prescreveu a revi sao dos diversos ritos
da Igreja assim como o aprofundamento da formacao litúrgica dos fiéis —
o que deu origem á reforma dos livros litúrgicos, feita estritamenté em conti-
nuidade com a S. Tradicáo. A importancia dessa renovacao foi exposta pelo
próprio Papa Joao Paulo II em sua Carta Dominicae Coenae: "Existe um Ma
me muito estrito e orgánico entre a renovacao da Liturgia e a renovacao de
toda a vida da Igreja. A Igreja atua na Liturgia e tambám nesta se exprime;
ela vive da Liturgia e tira da Liturgia as suas forcas vitáis".

A importancia da Liturgia deduz-se do fato de que esta nao é apenas um


conjunto de cerimónias e rubricas, mas é a prossecucáo da obra redentora de
Cristo] realizada cruentamente no Calvario e tornada presente sob forma sa
cramental através dos ritos sagrados.

435
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

2. Os principios normativos da Constituicao (n? 5-9)

Tres sao os grandes principios que nortearam a reforma litúrgica após


o Concilio do Vaticano II: 1) A atualizacSo do misterio pascal; 2) A leitura
da Palavra de Deus; 3) A manifestacao da Igreja á própria Igreja. Analisemo-
los de per si.

2.1. Atualizacáb do misterio pascal

A morte e. a ressurreicao de Jesús Cristo nao sao apenas fatos pretéri


tos, mas se perpetuam sacramentalmente através da Liturgia, para que os
fiéis possam participar délas. Essa atualizacao implica uma permanente pre
senca de Cristo sob quatro modalidades:

a) presenca na Igreja reunida para orar em nome de Cristo;

b) presenca na pessoa do sacerdote, por meio de quem o próprio Cris


to comunica as gracas da Redencao;

c) presenca na Palavra bíblica, que. o leitor proclama com dignidade e


a homilía comenta com sabedoria;

d) presenca nos sacramentos e, de modo especial, na celebragáo da S.


Eucaristía.

Essa múltipla presenca de Cristo há de estar viva na consciéncia dos


sacerdotes e dos fiéis, que por isto háo de tratar santamente as coisas santas.

22. Leitura da Palavra de Deus

A Palavra de Deus ou a Escritura Sagrada é precioso manancial de gra


pas para os fiéis; vem a ser um sacramental ou um livro que santifica nao
apenas na medida da compreensáo de quem o lé, mas também, e primeira-
mente, na proporcáo da fé e do amor com que é utilizado. Dai o empenho
da reforma litúrgica em propiciar aos fiéis uma leitura mais variada e copio
sa da Biblia Sagrada; o ciclo de textos a ser lidos na Missa e no Oficio Divi
no foi sabiamente ampliado. Assim tem-se registrado novo interesse do povo
católico pela Biblia; todavía esta renovapfo suscita exigencias, como "a fide-
lidade ao sentido autentico da Escritura, que é preciso manter sempre, prin
cipalmente quando é traduzida para as diversas linguas modernas; a maneira
de proclamar a Palavra de Deus para que seja percebida como tal, o emprego
dos recursos técnicos apropriados, a disposicao interior dos ministros da Pa
lavra para bem preencherem a sua f un cao na assembléia litúrgica, a cuidado
sa preparacao da homilia mediante o estudo e a meditacao, o interesse dos

436
REFORMA DA LITURGIA: BALANCO

fiéis pela participacao da Mesa da Palavra, o gosto de rezar os Salmos, o de-


sejo de descobrir o Cristo — como os discípulos de Emaus — ñas Escrituras e
no pao partilhado" (n? 8).

2.3. A manifestacío da Igreja á própria Igreja

O texto conciliar procurou fazer da Liturgia um espelho da Igreja,...


da Igreja em oracao. Com efeito, no culto divino a Igreja manifesta o que
Ela é: una, santa, católica e apostólica.

Ela se manifesta una, principalmente guando o povo de Deus participa


da mesma Eucaristía numa única atitude orante.

... Santa. A Igreja, santificada e vivificada pelo Espirito Santo, comu


nica aos fiéis, através da Eucaristía e dos demais sacramentos, toda graca e
béncao do Pai.

... Católica. Pela Liturgia o Espirito do Senhor reúne todos os homens


na profissáo da mesma fé e na oblacao do único sacrificio de Cristo.

... Apostólica. Pela Liturgia a Igreja transmite fielmente o que Ela re-
cebeu dos Apostólos e da Tradicao por eles iniciada dentro da sucessáo de
legítimos ministros.

Assim "é principalmente na Liturgia que o misterio da Igreja é anun


ciado, experimentado e vivido" (n? 9).

3. Orientacoes para guiar a renovacao da vida litúrgica (n? 10)

A reforma da Liturgia apregoada pelo Concilio do Vaticano' II está


terminada, mas a Pastoral litúrgica impoe novas e novas tarefas para difundir
sempre mais copiosamente as riquezas do culto divino sobre todos os fiéis.

Eis algumas dessas tarefas:

1) A adoracao, o louvor de Oeus e o silencio da contemplagao se rao


sempre os primeiros objetivos de toda Pastoral litúrgica.

2) A Palavra de Deus tenha o primado sobre quaiquer outra palavra,


de modo que a ela se adaptem as homilias, os cantos, as exortacoes... Nenhu-
ma leitura de livro ná"o bíblico, por mais edificante que seja, poderá substi
tuir as leituras bíblicas da Liturgia.

437
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

3) Já que a Liturgia é o culto oficial da Igreja, sonriente a autoridade


eclesiástica é lícito retocá-la ou mudá-la; nenhum sacerdote ou grupo de
fiéis a modificará por própria iniciativa. Esta normase baseia especialmente
no fato de que a Liturgia exprime a fé da Igreja, de modo que as alteracoes
da Liturgia podem implicar alteracoes da fé católica ou também invalidade
dos ritos sacramentáis.

4) É para desejar que toda a assembléia participe das celebracoes sagra


das. Por isso a Igreja distribuí funpoes e ministerios também aos fiéis leigos,
para que cadaqual tome viva consciéncia de ser membro de urna comunida-
de, lendo, cantando, comentando, servindo ao altar. Sejam incentivadas as
celebrares comunitarias, mormente a do Oficio Divino.

5) Para facilitar a participacáo de todos, a Igreja introduziu as línguas


modernas na Liturgia, sem todavía abolir o latim.

6) A reforma litúrgica deíxou margem a que os celebrantes, num ou


noutro momento dos ritos sagrados, efetuem certas adaptacoes ao genio e á
cultura da assembléia presente. É preciso, porém, que os símbolos sagrados
ná"o sejam assim empobrecidos em seu significado: o pío, o vinho, o óleo,
a agua, o incensó, o fogo, as cinzas, as flores... guardem toda a pujanza da
sua linguagem.

4. Aplicacáo concreta da reforma (n? 11-13)

Sejam considerados: 1) as dificuldades; 2) os resultados positivos;


3) as aplicapóes erróneas.

4.1. Dificuldades

a) A reforma litúrgica encontrou obstáculos em certos traeos da men-


talidade contemporánea: recusa das ¡nstituicSes, a privatizacáo da religiao,
o questionamento da fé pessoal...

b) Além disto, tres tipos de resposta registraram-se ao convite para


urna participado mais ativa na Liturgia:

-- a recusa por medo de se perder a integridade da fé (correóte inte-


grista);

— a indiferenpa dos que nao se importaram com os porqués da renova


do;

- o exagero dos que arrogaram a si o direito de transgredir as normas

438
REFORMA DA LITURGIA: BALANgO

estabelecidas, promovendo inovacóes fantasiosas e modificacoes perturbado


ras da píedade dos fiéis.

4.2. Resultados positivos

Nao se deve esquecer, porém, que a ¡mensa maioria dos pastores e dos
fiéis acolheu com obediencia e fervor alegre a reforma da Liturgia. Daí de-
correram frutos valiosos, como a utilizapao mais proficua da Palavra de Deus
na Biblia; a participacSo consciente e auténtica dos fiéis ñas celebracoes sa
gradas, favorecida por novas traducoes da Bfblia, do Missal e de outros livros
litúrgicos; o exercfcio de ministerios fundamentados no sacerdocio comum
dos fiéis ou nos sacramentos do Batismo e da Crisma; a vitalidade irradiante
de muitas comunidades alimentadas pela celebracao da Liturgia.

É o que leva a repetir com os Bispos reunidos no Sínodo de avaliacao


dos 25 anos pós-conciliares em 1985: "A renovapao litúrgica é o fruto mais
perceptível de toda a obra conciliar".

4.3. Aplica?oes erróneas

Ao lado de tais beneficios, é preciso lamentar certos (nao raro, graves)


desvíos na execucáo da reforma.

"Verificaram-se, por vezes, omissdes ou acréscimos ilícitos, ritos in


ventados fora das normas estabelecidas, atitudes ou cantos que nao favore
cen) a fé ou o senso do sagrado, abusos na prática da absolvicao coletiva,
confusao entre o sacerdocio ministerial, decorrente do sacramento da Or-
dem, e o sacerdocio comum dos fiéis, fundamentado no Batismo.

NSo se pode tolerar que certos sacerdotes arroguem a si o direito. de


compor Oracoes Eucarfsticas ou substituir os textos da Escritura por textos
profanos. Iniciativas de tal género, longe de decorrer da reforma litúrgica ou
dos respectivos livros, contradizem-lhe diretamente, desfiguram-na e privam
o povo cristao das auténticas riquezas da Liturgia da Igreja.

Compete aos Bispos extirpar tais abusos, visto que a direcao da Litur
gia depende do Bispo dentro dos limites do Direito Canónico e a vida crista
dos fiéis está entregue aos seus cuidados" (n? 13).

5. O futuro da renovacao (n? 14-18)

A" fim de que as salutares diretrizes da renovacao litúrgica possam ser


aprofundadas e produzam novos frutos de santificacao, quatro propósitos
se impoem aos pastores e aos fiéis:

439
8 "PERGUNTE.E RESPONDEREMOS"329/1989

5.1. Formacáb bíblica e litúrgica

Seria utópico esperar be las realizacoes litúrgicas se nao houvesse nos


ministros e no laicato a compreensSo do que elas significam e vatem. Daf a
necessidade de se ministrar nos Seminarios uma sólida formacao litúrgica,
que se deverá estender ao longo do ministerio dos pastores da Igreja. Daí
também a exigencia de que os leigos recebam formacao análoga, de mais a
mais que em muitas regioes sao chamados a assumir responsabilidades de
vulto ñas suas comunidades.

5.2 Adaptacao

É desejável a adaptacao da Liturgia ás diversas culturas. As traducóes


para o vernáculo já ocorreram, apesar de dificuldades ná*o poucas. A dos ri
tos parece mais delicada, mas também se faz necessária; tende a "harmoni
zar as expressoes culturáis dos diferentes povos com os aspectos do verdadei-
ro e auténtico espirito litúrgico no respeito da unidade substancial do rito
romano". A adaptacao deve levar em conta que, na Liturgia (especialmente
na dos Sacramentos), há uma parte ¡mutável — porque é de instituicao divi
na -, da qual a Igreja é guardia; há também partes mutáveis, que a Igreja
tem o poder, e até odever, dsvezes, de adaptar ás culturas dos povos recém-
evangelizados (cf. n? 16). Tal adaptacao exige seria formacao teológica, his
tórica e cultural e uma capacidade de jufzo sadio para discernir o que é ne-
cessárioou útil ou, ao contrario, inútil e perigoso para a fé. É tarefa delicada
que pode provocar grande enriquecimento da piedade, como também ten-
soes, incompreensoes recíprocas ou mesmo cismas.

5.3. Atencíb aos problemas novos

Nos últimos vinte e cinco anos surgiram novos problemas, que suscita-
ram adequadas respostas dos promotores da Liturgia: assim o exercício do
diaconato permanente por parte de homens casados, certas funcoes confia
das a leigos (homens e mulheres), as celebracoes litúrgicas para crian gas, para
jovens, para deficientes, a composicáb de textos apropriados a determinados
países...

A Constituipao conciliar oferece os principios gerais para coordenare


orientar estas novas situacoes.

5.4. Liturgia e piedade popular

Nao se pode menosprezar a piedade popular, pois ó rica de valores e


exprime o fundo religioso do homem diante de Deus. Todavia é preciso
"evangelízala", a f im de que nao contradiga ás verdades da fé nem se substi-

440
REFORMA DA LITURGIA: BALANCO 9

tua ás celebracóes da Liturgia. Urna auténtica Pastoral litúrgica deverá sa


ber orientar as devocoes populares para a Liturgia, a fim de que estejam em
consonancia com esta.

6. Os organismos responsáveis pela renovacáo


litúrgica (n? 19-21)

Sao mencionadas tres instancias responsáveis: 1) A Congregagáo para o


Culto Divino e a- Disciplina dos Sacramentos; 2) as Conferencias Episcopais;
3) o Bispo diocesano.

6.1. A Congregacáb para o Culto Divino

Existe na Santa Sé um 6rgá"o supremo - a Congregacao para o Culto


Divino e a Disciplina dos Sacramentos —, que, em consonancia com a Con
gregagáo para a Doutrina da Fé, está encarregada de regrar e promover a Li
turgia, animando a Pastoral litúrgica e apoiando os organismos que se dedi-
cam ao apostolado litúrgico, á música, ao canto e a arte sacra. Cabe-lhe a
tarefa importante de guardar fielmente os principios da Liturgia católica,
que devem sempre mais inspirar toda a renovacSo da Liturgia.

Tal Congregagao ajudará os Bispos diocesanos na execucao de suas


funpoes pastorais e permanecerá em contato com as Conferencias Episco
pais.

6.2. As Conferencias Episcopais

Ás Conferencias Episcopais tocou o pesado encargo de preparar a


traducao dos livros litúrgicos para o vernáculo. Foram, por vezes, premi-
das por motivos momentáneos a utilizar traducoes provisorias,.que recebe-
ram aprovagao provisoria. Compete agora ás Conferencias rever essas tradu
coes, retocando o que netas haja de menos exato, criar ou aprdvar os cantos
adequados ás fungoes sagradas, publicar livros litúrgicos em caráter duradou-
ro e em termos dignos dos ritos sagrados. Cada Conferencia cuidará de no-
mear urna Comissao especial, constituida por peritos, a fim de zelar pela ce-
lebragáo da Liturgia — tarefa particularmente delicada quando se trata de
fazer adaptagoes e proceder á inculturacao dos ritos litúrgicos.

6.3. O Bispo diocesano

Em cada diocese, o Bispo é o principal dispensador dos misterios de


Deus, assim como o organizador, o promotor e o guardiáo de toda a vida
litúrgica. É importante que o Bispo celebre juntamente com os seus fiéis,
pois isto manifesta sensivelmente o sacramento da Igreja. Ainda resta muito

441
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

a fazer para ajudar os sacerdotes e os leigos a penetrar o sentido dos ritos e


dos textos da Liturgia, para desenvolver a dignidade e a beleza das celebra-
coes e dos lugares sagrados, para exercer uma catequese litúrgica bem estru-
turada. A fim de atingir tais objetivos, o Bispo poderá nomear uma ou mais
Comissoes diocesanas, que Ihe prestarao seus subsidios e trabalharáo em
consonancia com o seu pastor.

Conclusáo (n? 22s)

A Liturgia nao é toda a atividade da Igre ja, mas vem a ser a fonte e o
cume dessa atividade. Fonte, porque déla recebem os fiéis a graca necessá-
ria para ser cristaos e agir como tais. Cume, porque toda a ativid'ade da Igre-
ja tende a comunhao de vida com Cristo e na Liturgia a Igreja manifesta e
comunica aos fiéis a obra da salvacá*o realizada uma vez por todas pelo Se-
nhor Jesús.

"Parece chegado o tempo de encontrar de novo o grande sopro que


levantou a Igreja no momento em que a Constituicao Sacrosanctum Conci-
lium foi preparada, discutida, votada, promulgada, e em que ela conheceu
as suas primeiras medidas de aplicacao. O grao foi semeado: experimentou
o rigor do invernó, mas a sementé germinou, tornou-se uma árvore. Agora
trata-se do crescimento orgánico de uma árvore tanto mais vigorosa quan-
to mais profundamente lanca suas rai'zes na térra da Tradicao" (n? 23).
Na obra de renovacao da Liturgia será preciso levar sempre em considera-
gao equilibrada "a parte de Deus e a parte do homem, a hierarquia e os
fiéis, a tradicSo e o progresso, a le i e a adaptacao, o particular e a comuni-
dade. o silencio e a harmonía coral. Assim a Liturgia da térra se juntará á
do céu, onde se formara um so coro" (n? 23).

Eis, em símese, as grandes linhas do documento de Joáo Paulo II,


que dispensa quaiquer comentario, lúcido e completo como é. Resta ape
nas fazer votos para que as sabias ponderacoes e orienta?oes do Sumo Pon
tífice encontrem eco fecundo ñas mentes de todos os fiéis em vista de uma
execucao sempre mais digna e edificante do culto sagrado.

442
Para o estudo da

Doutrina Social da Igreja


(Orientagóes)

Em síntese: A Congregacao para a EducacSo Católica promulgou am


pia InstrucSo relativa ao ensino da Doutrina Social da Igreja nos Seminarios
e nos Centros de Formacio Eclesiástica. O documento é rico em dados, que
serao úteis também ao laicato católico e nSo católico, pois, entre outras coi
sas, propoe de maneira compendiosa as grandes linhas da Doutrina Social da
Igreja, mostrando que se baseia nSo somente sobre o Evangelho e a fé, mas
também nos principios do Direito Natural, perceptível a todo homem. 0
centro dessa Doutrina é a pessoa humana, feita á imagem e semelhanqa de
Deus, com sua dignidade, seus direitos e seus deveres. A pessoa foi feita para
se realizar em sociedade, de tal modo que, integrándose nesta, ela possa en
contrar, da parte dos governantes, os meios necessários para a sua plena rea-
lizacao tanto no plano material como no espiritual.

* * *

Com a data de 20/12/88 foi publicado em julho pp. o texto de urna


Instrucao da Congregacao para a Educacao Católica, que tem por ti'tulo:
"Orientapoes para o Estudo e o Ensino da Doutrina Social da Igreja na For-
mapáfo Sacerdotal". O interesse deste documento ultrapassa os limites dos
Seminarios e Teologados, pois apresenta sumariamente as grandes diretrizes
da Doutrina Social da Igreja numa hora em que o cristao é desafiado por nu
merosas propostas socio-políticas nem sempre condizentes com o Evange-
' 10.

Percorreremos sumariamente as seis Partes do Documento assim apre


sen tadas: Premissa; 1) Natureza da Doutrina Social; 2) Dimensao Histórica
da Doutrina Social; 3) Principios e Valores Permanentes; 4) Criterios de Juí-
zo; 5) Diretrizes para a Acao Social; 6) A FormacSb. - Seguem-se dois
Apéndices, dos quais o primeiro propoe temas para especial estudo. e o se
gundo contém textos do magisterio da Igreja relativos á temática.

443
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

Premissa (n?s 1 e 2)

Neste documento as expressoes Doutrina Social (DS) e Ensi na monto


Social (ES) da Igreja sá"o empregadas como sinónimas entre si, embora dou
trina signifique mais o aspecto teórico do problema e ensinamento o histó
rico e prático.

Diante do grande drama do mundo contemporáneo, a Igreja se senté


chamada a pronunciar-se. Todavía Ela nao intenciona dar solucao a todos os
problemas sociais e económicos da humanidade. Ela deve, s¡m, propor os
princi'pios derivados do Evangelho para que haja a reta organízacao da vida
social, o respeito á dignidade humana e a procura do bem comum. Isto quer
dizer que é tao somente a ética das solucoes apregoadas pelos especialistas e
cientistas que a Igreja pode e deve avaliar á luz do Evangelho (n? 1 e 2).

1. Natureza da Doutrina Social (n?s 3-13)

A Doutrina Social da Igreja tem sua origem no encontró do Evangelho


com os problemas que surgem na vida da sociedade. Ela é elaborada com re
curso á Teología e á Filosofía (que Ihe dá*o fundamentacáo) e ás ciencias hu
manas e sociais (que a complementam). Ela tem em miraos aspectos éticos
da vida, sem esquecer os aspectos técnicos dos problemas para julgálos com
criterios moráis. Cf. n? 3.

A DS da Igreja possui ¡dentidade própria; é urna disciplina bem defini


da. As suas fontes sao a S. Escritura, a doutrina dos Padres e dos grandes
teólogos e o próprio Magisterio da Igreja. O seu fundamento e objeto
primario sao a dignidade da pessoa humana com os seus diré ¡tos inaliená-
veis. Cf. n? 4.

A DS tem caráter eminentemente teológico e finalidade pastoral de


servico ao mundo. NSo se trata de comunicar um mero saber, mas um saber
teórico-prático, de alcance pastoral para o bem de cada homem e de todos
os homens. Cf. n? 5.

O mátodo do ES da Igreja é o que a Igreja tem usado em documentos


recentes: ver, julgar e agir. O ver é o perceber os problemas sociais e suas
causas. 0 julgar é a interpretado de tal realidade á luz da fé ou segundo a es
cala de valores do Evangelho. Para bem julgar, requer-se odom do discerni-
mento, para se descobrir a correta aplicacSo do plano de Deus aos moldes da
historia. O agir é a execucao das normas decorrentes do Evangelho posto em
confronto com os problemas sociais; esta execucfo requer urna verdadeira
conversSo, ¡sto é, transformacao interior que é disponibilidade, abertura e
transparencia para a luz purificadora de Deus. Cf. n? 7 e 8.

444
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 13

A DS, embora seja essencialmente baseada na Teologia e na Filosofía,


precisa também dos subsidios das ciencias humanas, especialmente das ci
encias sociais. Evite-se, porém, o perigo de ceder a ideologías contrarias á
reta razao, á fé crista e mesmo aos dados da experiencia. Cf. n? 9 e 10.

A DS necessita de ser continuamente atualizada conforme as novas


skuacoes do mundo e da historia. Ela comecou a ser cultivada de maneira
sistemática por Leao XIII na Encíclica Rerum Novarum (1891), e vem sen
do desenvolvida pelos Pontífices subseqüentes: Pió XI (Cuadragésimo Armo,
1931), Joao XXIII (Matar et Magistra, 1961, Pacem in Terris 1963), Joao
Paulo II (Laborem Exercens, 1981, Sollicitudo Rei Socialis, 1987). "Os po
bres de que tratam alguns documentos mais recentes, nao sá"o os proletarios
a que se referia Le So XIII na Encíclica Rerum Novarum, nem sao os desem-
pregados que estavam no centro da atenpáo de Pió XI na Cuadragésimo
Anno. Hoje o seu número é muito maior e dele fazem parte todos aqueles
que ría sociedade do bem-estar sá"o excluidos da fruí cao dos bens da térra
com liberdade, dignidade e seguranca" (n? 11 e 12).

A Igreia afirma o seu direito de ensinar a sua Doutrina Social em vista


do bem e da salvacáo dos homens, pois Ela sabe que o destino da human ida-
de está ligado estrita e indiscutivelmente a Cristo. Na medida em que consi
dera os aspectos éticos da problemática social, a Igreja está dentro da sua
área de competencia própria e ná"o pode ser acusada de extrapolar o seu ám
bito de acao. Ademáis a Igreja oferece a sua Doutrina Social a todos os ho
mens de boa vontade, pois os seus principios fundamentáis sao postulados
da reta razio iluminada e aperfeicoada pelo Evangelho.

2. Dimensao histórica da Doutrina Social (nos 14-28)

A DS tem suas rafzes na própria missfo salvi'f ica de Jesús Cristo.

Com efeito; Jesús na"o foi indiferente ao problema da dignidade e dos


direitos da pessoa humana. Lutou contra a injustica, a hipocrisia, os abusos
do poder, a avidez do ganho dos ricos, estranhos aos sofrimentos dos po
bres, apelando fortemente para a prestapáb final de contas, quando volta-
rá para julgar os vivos e os mortos. - O Evangelho ensina outrossim os valo
res da familia unitaria e indissolúvel, os valores relativos á origem e á nature-
za da autoridade, concebida como um servico ao bem comum...

A Igreja nSo faz outra coisa senáo aplicar e desenvolver os principios


contidos no Evangelho. Os antigos Bispos (S. Basilio, S. Joao Crisóstomo,
S. Ambrosio, S. Agostinho...) nos séculos IV/V sao conhecidos como defen
sores dos pobres e promotores de hospitais, orfanatos, albergues, inauguran
do assim um novo humanismo radicado em Cristo. "Grapas aos esforcos da

445
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

Igreja, foi reconhecida a inviolabilidade da vida humana; a santidade e a in-


dissolubilidade do matrimonio, a dignidade da mulher, o valor do trabalho
humano e de cada pessoa - o que contribuiu para a abolipao da escravatura,
que fazia parte, como algo de normal, do sistema económico e social do
mundo antigo. O desenvolvimento progressivo... das Universidades tornou
possfvel a elaboracáfo científica dos principios que regulam a convivencia
humana. A esse respeito permanece perene o pensamento de S. Tomás de
Aquino (t 1274), de Francisco Suarez S.J. (t 1617), Francisco de Victo
ria O.P. (t 1546) e tantos outros. Juntamente com varios insignes filósofos
e canonistas, preparam os instrumentos necessários para a formacao de
auténtica doutrina social, tal como foi inaugurada pelo Papa Leáo XIII
(1891). Cf. n? 15-17.

O sáculo XIX, marcado pela revolucáo industrial, o liberalismo, o


capitalismo e o socialismo, deu ensejo a que a Igreja delineasse de manei-
ra mais sistemática as incidencias do Evangelho sobre a sítuacáo socio
económica do mundo. Cf. n? 19.

Assim Leao XIII na Encíclica Rerum Novarum (1891), depois de


ter elencado os erros que levaram á miseria ¡merecida do proletariado e
depois de ter excluido de modo particular o socialismo1 como remedio para
a questao operaría, atualizou a doutrina católica acerca do trabalho, do di-
reito de propriedade, sobre o principio de colaboracáo em oposicáo á luta
de classes, ... sobre os direitos dos fracos, a dignidade dos pobres e as obri-
gacSes dos ricos, sobre o aperfeicoamento da justica mediante a caridade. so
bre o direito de criar assocíacoes prof issionais. Cf. n? 20.

Pió XI, quarenta anos depois, na Quadragesimo Anno (1931), apresen-


tou um panorama da sociedade industrial; sublínhou a necessidade de cola
boracáo do trabalho e do capital para a organizacáo económica, defendeu a
liberdade de assocíacao e de acao social. Cf. n? 21.

Pió XII frisou o destino universal dos bens, os direitos e os deveres dos
trabalhadores e dos patrSes, a funcao do Estado ñas atividades económicas,
a necessidade de colaboracáo internacional para a justica e a paz, o salario
fundamental da familia. Durante a guerra de 1939-45 e no após-guerra, a
voz de Pió XII foí a da consciéncia humana e crista proclamada a milhées
de crístaos e nao cristfos. Cf. n? 22.

Sábese que apatavra "Socialismo" hoje recobre um leque de correntesde


pensamento que vSo desde o Socialismo da Uniao das Repúblicas Socialistas
Soviéticas {onde há o Comunismo) até o Socialismo da Suéda e de outros
países de centro.

446
DOUTRINASOCIAL DA IGREJA 15

Joao XXIII, na Ene. Matar et Magistra (1961), ressaltou os fenómenos


do subdesenvolvimento que, por falta de solidariedade entre as nacoes, ge-
ram situacoes insuportáveis, principalmente no Terceiro Mundo."-- Na Ene.
Pacsm in Tenis (1963), diante das ameacas de guerra nuclear, redigiu urna
exortacao urgente a construir a paz, fundada no respeito das exigencias éti
cas que devem presidir as relacoes entre os homens e os Estados. Cf. n? 23.

O Concilio do Vaticano II (1962-65), na Constituicao Gaudium et


Spes n? 64s, apregoou o bem do homem completo, integralmente considera
do, isto é, tendo em conta as suas necessidades de ordem material e as suas
exigencias de vida intelectual, moral, espiritual e religiosa, superando assim
as contradicoes entre produtor e consumidor e as discriminacoes que ofen-
dem a dignidade da fami'lia humana. Cf. n? 24.

Paulo VI, na Ene. Populorum Progressio (1967), apresentou o desen-


volvimento como- "passagem das condicoes de vida menos humanas para
condicoes mais humanas". As condicoes menos humanas implicam caren
cias materiais e moráis, como também estruturas opressivas. As condipoes
humanas significam a posse donecessário, aaquisicáode conhecimentos e de
cultura, o respeito da dignidade dos outros, o reconhecimento dos valores
supremos e de Deus, e, enfim, a vida crista de fé, esperance e caridade.

Ao comemorar oitenta anos da Rerum Novarum, o mesmo Pontífice


em 1971 publicou a Carta Apostólica Octogésima Adveniens. que estimu-
lava o senso crftico em relacao ás ideologías subjacentes aos sistemas socio
económicos vigentes. Cf. n? 25.

Joao Paulo II escreveu duas Encíclicas. A Laboreen Exerceni (1981)


considera o trabalho humano como chave de toda a questáo social; portanto
propoe urna revisao profunda do sentido do trabalho, que deve dignificare
nao escravizar a pessoa humana. - A Sollicitudo Reí Socialis (1987), come-
morando vinte anos da Populorum Progressio, retomou o tema do de senvol
vimento, apontou os hiatos existentes entre Norte e Sul, Oriente e Ocidente,
e denunciou a corrida aos armamentos, o comercio de armas e varios obstá
culos que impedem a solidariedade entre os povos. Esta é condicao indispen-
sável para que os homens e as nacoes se realizem, cultivando o ter mais do
que o ter. Cf. n? 26.

Esta panorámica da historia da DS da Igreja ajuda a compreender o di


namismo da mesma. Cada documento significa um novo passo e exprime no
va preocupacá*o pastoral. Essa Ooutrina nao é urna terceira vía entre o capi
talismo liberal e o coletivismo marxista, nem sequer é urna alternativa
para outras solucóes radicalmente opostas, mas um servico que a Igreja ofe-
rece segundo as necessidades dos lugares e dos tempos. Cf. n? 27.

447
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

3. Principios e valores permanentes (n?s 29-461

Segue-se agora o elenco dos grandes traeos que nunca devem faltar no
ensino da DS da Igreja.

3.1. Principios perenes

1) A pessoa humana

Tem sua dignidade no fato de que foi criada á imagem e semelhanca


de Deus e elevada á filiacáo divina ou a um fim sobrenatural, que transcende
a vida terrena. Por conseguinte, o homem, como ser inteligente elivre, dota
do de direitos e deveres, é o coracao e a alma do ensinamento social da Igre
ja. É o sujeito e o centro da sociedade, a qual deve contribuir para que os
seus membros cheguem á plena realizapao de suas legítimas aspiracóes de
perfeigaoe felicidade. Cf. n? 31.

2) Os direitos humanos

Os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa. Em particular,


o direito á liberdade religiosa, enquanto brota da esfera mais íntima do es
pirito, sobressai como ponto de referencia e medida dos outros direitos fun
damentáis. Os direitos humanos estafo fundamentados no próprio direito na
tural, que exige urna ordem social respeitosa, concretizada numa sa demo
cracia, que salvaguarde a liberdade, a paz e o acesso legítimo aos bens mate-
riáis. Cf. n° 32s.

3) A relacao pessoa-sociedade

A pessoa humana é um ser social por sua natureza, ou seja, pela sua
indigencia inata e pela sua tendencia espontanea a comunicar-se com os ou
tros. O homem nao basta a si mesmo para conseguir seu pleno desenvolví-
mentó.

A sociedade assim oriunda nao está fora nem ácima dos homens social-
mente unidos, mas existe exclusivamente neles e, portanto, para eles. O so
cial nao coincide com o coletivo, pois para este a pessoa 6 um mero produto.
Cf. n? 34-36.

4) O bem comum

O bem comum é o conjunto das condicoes sociais que possibilitam e


favorecem o desenvolvimento integral da pessoa humana. Ainda que seja
superior aos interesses privados, o bem comum é inseparável do bem de cada

448
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 17

pessoa. Isto obriga os poderes públicos a respeitar e promover os direitos


humanos e facilitar o cumprimento dos respectivos deveres. Por conseguinte,
a realizacao do bem comum é a razao de ser dos poderes públicos, que sao
obrigados a realizá-lo para vantagem de todos os cidadaos (na sua dimensao
temporal e na dimensao transcendental), respeitando a justa hierarquia dos
valores e os postulados das circunstancias históricas. Cf. n? 37.

5) Solidariedade e subsidiariedade

A solidariedade, que se opóe ao individualismo, requer que cada pes


soa se sinta ¡ndissoluveimente ligada as sortes da própria sociedade e, em vir
tude do Evangelho, ao destino de salvacáo de todos os homens. Daí se segué
que todos os homens, grupos e nacoes sao chamados a interessar-se pela vida
económica, política e cultural da comunidade a que pertencem.

Como complemento da solidariedade, a subsidiariedade ensina que


urna comunidade de ordem hierárquica superior nao deve sufocar os direitos
e as atividades das inferiores, enquanto estas sao aptas ao exerci'cio de suas
funcóes; respeite-se a legítima autonomía de cada individuo e de cada grupo,
se esta é sadia e eficiente. Cf. n° 38s.

6) Parttcipacao

A participacao justa, proporcionada e responsável de todos os mem-


bros e setores da sociedade no desenvolví mentó sócio-económico, político e
cultural é o caminho seguro para se alcancar urna nova convivencia humana.
Trata-se de urna aspiragao profunda do homem, que exprime a sua dignidade
e liberdade no progresso cientffico e técnico, no mundo do trabalho e na vi
da pública. Cf. n? 40.

7) Estruturas humanas e comunidades de pessoas

A Igreja se opoe á concepcáo tecnicista j mecanicista da vida e das es-


truturas sociais, que nao deixa espaco suficiente para um verdadeiro huma
nismo. Em nao poucas nacoes, o Estado transformou-se numa máquina gi
gantesca, que invade todos os setores da vida, arrastando o homem para o
medo e a angustia, que causam a sua despersonalizacao. - A Igreja conside
ra necessárias as múltiplas associacócs privadas que reservam o devido espa
go á pessoa e estimulam a colaboragao em vista do bem comum. Cf. n? 41.

8) Destino universal dos bens

Os bens da térra sao destinados ao uso de todos os homens, para que


satisfacam ao seu direito e a urna vida digna dentro das exigencias da famí-

449
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

lia. Disto se segué que o direito á propriedade particular, em si válido e ne-


cessário, deve ser circunscrito dentro dos limites da sua funcao social l
Cf. n? 42.

3.2 Valores fundamentáis

As leis e estruturas criadas pelo homem em vista de urna sociedade


justa nao garantem mecánicamente o bem de todos. Elas so dao fruto se
acompanhadas pelos valores quecaracterizam a dignidade da pessoa humana.
Tais sao: a verdade, a liberdade, a justica, a solidariedade, a paz e a carida-
de ou o amor cristao. Viver estes valores constituí a vía segura para realizar
um autentico humanismo e urna nova convivencia social. Seto eles que ma-
nifestam e garantem a prioridade da ética sobre a técnica, o primado da pes
soa sobre as coisas, a superioridade do espirito sobre a materia.

O exercfcio de tais valores exige do cristao a capacidade de discernir


as diversas situacoes ocorrentes ás quais devem ser aplicados. É esse discer-
nimento que em linguagem bíblica se chama sabedoria. Cf. n? 43-46.

4. Criterios de juízo (nos 47-53)

Visto que a DS da Igreja nao é teórica apenas, mas procura orientar


a acao pastoral, ela deve também oferecer criterios para julgar as situacoes,
as estruturas e as instituicoes que constituem a vida de urna sociedade. Estes
criterios sao derivados tanto das ciencias humanas (especialmente da histo
ria) quanto dos valores fundamentáis cristaos. Os conhecimentos de ciencias
humanas sao muitas vezes (embora nao exclusivamente) da competencia dos
leigos (historiadores, economistas, sociólogos...). É preciso, porém, que o
juízo sobre determinados fatos ou contextos sociais evite as ideologías, isto
é, os enfoques parciais postos a servico de um determinado grupo da socie
dade, em detrimento dos demais:

"A análise sociológica nem sempre oferece urna elaboracao objetiva


dos dados e dos fatos, urna vez que ela... pode encontrarse sujeita a urna de
terminada visio ideológica ou a urna estrategia política bem precisa, como
se verifica na análise marxista... O magisterio nao deixou de pronunciarse
oficialmente sobre o perigo que deste tipo de análise pode vir para a fé cris
ta e para a vida da Igreja.

Como diz o Documento de Puebla, sobre toda propriedade particular


pesa urna hipoteca social. Cf. n? 1224.

450
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 19

O perigo de influxo ideológico sobre a anaI¡se social existe também na


ideología liberal, que inspira o sistema capitalista, e que favorece o indivi
dualismo anticristao" (n? 50).

Entende-se que um cristao mude seu jui'zo a respeito de urna sitúacao,


caso esta mude a sua configuracao. Isto explica que na Doutrina Social da
Igreja haja em nossos dias apreciacoes diferentes das de outros tempos no to
cante, por exemplo, á democracia, ao uso da liberdade, a cobranca de ju
ros... Cf. n? 47-53.

5. Diretrizes para a Acao Social (nos 54-65)

A acao social da Igreja decorrente dos ensinamentos sociais respectivos


deve orientarse por alguns grandes principios norteadores, que sao

1} O respeito da dignidade humana

A Pastoral social da Igreja tem em vista nobilitár a pessoa humana em


todas as suas dimensóes de ordem natural e sobrenatural. Por conseguinte,
ela defende o respeito e a promocao de todos os direitos pessoais e sociais
inerentes a natureza humana.

A moralidade ou a discriminacá*o entre o justo e o injusto dependerao


da conformidade ou nao conformidade das decisoes e dos projetos dos Go-
vernos. Partidos políticos... com a dignidade da pessoa, que tem exigencias
éticas invioláveis. Cf. n? 55.

2) Diálogo reipeitoso

A acao pastoral da Igreja deve desenvolver-se em colaborado corn to


das as forcas vivas e operantes do mundo atual. Portanto um segundo crite
rio de acao é o exercfcio do diálogo respeitoso a fim de se encontrarem as
solucoes para os problemas da fome, da violencia, do terrorismo, da divida
externa...; de tal diálogo resultarlo acordos programáticos e operativos.
Cf. n° 56.

3) Luta pela justipa e solidariedade pessoal

0 mundo de hoje nSo se caracteriza apenas pela miseria material, mas


também pela injustica em ampia escala (desemprego, marginalizacao social,
distancia entre ricos e pobres...). Por isto um terceiro criterio de acao é a lu
ta nobre e refletida em favor da justica e da solidariedade social, cf. n? 57.

451
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

4} Formacáo para as competencias necessárias

A acao concreta dos cristaos leigos só será eficaz se granjearem para si


(e para transmitir a outros) boa formacáo técnica, profesional e polftica,
além de urna auténtica doutrinacáo moral e espiritual. Os Pastores deverao
ajudar os leigos a formar a sua consciéncia cristamente, o que só será possí-
vel se os próprios clérigos tiverem bom conhecimento da Ooutrina Social da
Igreja. Portanto, o quarto criterio é a formacao crista e técnica para oexer-
cfcio das respectivas competencias.

Pastores e leigos sintam-se unidos, cada qual segundo a respectiva vo-


cacao, no exerci'cio da única missao salvi'fica da Igreja:

"A tarefa de animar cristamente as realidades temperáis nío é delega


da aos leigos pela hierarquia, mas brota naturalmente do seú ser batizados e
crismados. No nosso tempo aaquiriu-se urna consciéncia cada vez mais viva
da necessidade da contribuicao dos leigos na missao evangelizadora da tgreja.
A Lumen Gentium afirma que em certas circunstancias a Igreja, sem eles,
nao se pode tornar sal da térra e luz do mundo (cf. LG n? 33)" (n? 58).

Os ¡eigos desempenharao a sua tarefa tanto mais frutuosamente quan-


to mais estiverem animados pela experiencia da fé ou por auténtica vivencia
do Evangelho, sem a qual o conhecimento técnico é insuficiente. Daí o quin
to criterio de acao: conjugar entre si a experiencia das realidades temporais
e a da fé crista. Cf. n? 59.

5) Abertura aos dons do Espirito

Visto que toda a vida crista é movida pelo Espirito Santo no plano so
brenatural (cf. 1Cor 12,1s!, é necessário que todos os agentes de Pastoral sai-
bam abrirse aos carismas e aos dons do Espi'rito adequados a cada tipo de
funcao a exercer. Cf. n? 60.

6) Prática do amor e da misericordia

O servígo pastoral que a Igreia presta aos homens, nunca foi de justica
apenas, mas sempre foi marcado pelo exerc'cio da caridade e da misericordia
gratuitas. A historia da Igreja assinala numerosas obras de atendimento aos
pequeninos, ñas quais se espelha urna comunidade disposta a por em prática
o sermao da montanha (Mt 5-7). A prioridad, outorgada aos pobres e sem
pre professada pela Igreja foi reafirmada pelo S. Padre Joao Paulo II na En
cíclica Sollicitudo Rei Socialis:

452
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 21

"Hoje, tendo em conta a dimensao mundial que a questao social as-


sumiu, este amor preferencia!, com as decisoes que ele nos inspira, nao pode
deixar de abracar as ¡mensas multidoes de famintos, de mendigos, dos sem
casa, sem assisténcia médica, e, sobretudo, sem esparanca de um futuro me-
Ihor; nao se pode deixar de ter em conta a existencia destas realidades. Igrio-
rá-las significaría assemelharnos ao rico epuiio, que fingía nao conhecer Lá
zaro, o mendigo que jazia fora á sua porta (Le 16,19-31)". Cf. n° 61.

Enumerados os criterios de acao social, o Documento ainda se refere a

Reflexos no campo político

A Igreja nao possui algum modelo político nem se liga a algum Partido
político, mas ela estimula seus filhos, especialmente os leigos, para que to-
mem consciéncia da sua responsabilidade no setor político e optem a favor
de solupoes cristas para os problemas sociais. Com efeito; a fé crista valori
za grandemente a dirnensao política da existencia humana. Daí resulta que
a presenca da Igreja no campo político é urna exigencia da própria fé, á luz
da realeza de Cristo, que leva a excluir o divorcio entre a fé e a vida cotidia
na, um dos erros mais graves da nossa época.

Distingam-se, porém, o exercício da política em geral e o da política


partidaria. No primeiro sentido, a política é tarefa de toda a Igreja, pois a
esta competirá sempre e necessariamente julgar os comportamentos polí
ticos nao só enquanto tocam a esfera religiosa, mas também em tudo o
que diz respeito ao bem comum, na medida em que tudo isso tem urna di-
mensáo ética; é preciso evangelizar a ordem política. — No segundo sentido
ou no sentido partidario, a política é tarefa dos leigos; a estes é que compe
te conduzir campanhas, dirigir representaedes populares, exercer o poder...
0 que a Igreja pede a esses seus filhos militantes na política, é que tenham
urna consciéncia reta e conforme as exigencias do Evangelho.

"Os Pastores e os outros ministros da Igreja, para conservar methor a


sua liberdade na evangelizacSo das realidades políticas, manter-se-ao fora dos
varios Partidos ou grupos, que poderiam criar divisoes ou comprometer a
eficacia do apostolado; nem sequer Ihes darao apoios preferenciais a nao ser
que, em circunstancias concretas e excepcionais, o exija o bem da comuni-
dade" <n? 63)..

0 compromisso político dos filhos da Igreja seja, aos olhos do mundo,


um sinal da presenca do Reino de Deus. Cf. n? 64.

É claro, porém, que a DS, embora já constitua um patrimonio rico e


complexo, suficientemente delineado e consolidado, tem ainda muitas eta-

453
22 "PERGUNTE ERESPONDEREMOS" 329/1989

pas a percorrer, de acordó com o dinamismo do desenvolvimento da socie-


dade humana na historia. Cf. n? 65.

6. A Formacao (n?s 66-78}

Visto que o presente documento tem em mira facilitar e estimular a


formacao dos candidatos ao sacerdocio e dos estudantes dos varios Institu
tos Teológicos., o seu último capítulo é explícitamente dedicado a instru-
coes concretas que promovam a preparacao dos professores e estruturem
melhor a formacáo dos alunos. Cf. n? 66.

6.1. A formacáo dos professores

O eficaz ensinamento da OS da Igreja ñas Escolas nao pode ser garan


tido por qualquer curso feito no ámbito dos estudos filosóficos e teológicos.

Por isto os Bispos e os Superiores dos Centros de Formacao Eclesiásti


ca tém a grave responsabilidade de enviar alunos capazes a Institutos aprova-
dos pela Igreja para poderem dispor de professores dotados de formacao
científica adequada. Esses mestres nao somente deveráo estar familiarizados
com os documentos do Magisterio, mas também possuirao ampia e profunda
formacáo teológica, seráo competentes na Moral Social e conhecerao pelo
menos os elementos fundamentáis das ciencias sociais modernas. Sabe rao
outrossim associar aos conhecimentos específicos de sua disciplina urna boa
formacao espiritual. Cf. n? 3"/.

"Sem dúvida, no estudo e no interefse pelas ciencias sociais (cujo valor


é indiscut(vel) deve-se evitar o perigo de cair ñas armadilhas das ideologías
que manipulam a interpretacao dos dados, ou no positivismo, que superva-
loriza os dados empíricos em prejufzo da compreensao global do homem e
do mundo" (n? 68).

Aínda se requerem para a competente habilitacao dos professores de


Doutrina Social: 1) formacáo permanente, que os mantenha atualizados ou
em contato permanente com a historia contemporánea; 2) experiencia pas
toral direta, que favoreca o caráter concreto, o valor e o tom incisivo do en-
sino. Cf. n? 69s.

6.2. A formacffo dos alunos

É necessário suscitar nos alunos o interesse e a sensibilídade pela dou


trina e pela pastoral social da Igreja. Cf. n? 71s.

454
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 23

Nos currfculos dos Centros de Formacao Eclesiástica nao bastará mi


nistrar HcSes facultativas inseridas nos Cursos de Filosofia e Teología, mas
será indispensável programar Cursos obrigatórios e próprios de DS, que
assegurem no mínimo o conhecimento das grandes Encíclicas Sociais
Cf. n? 73.

O conhecimento da OS deverá ser acompanhado por sólido emba


samento filosófico-teológíco dos principios dessa doutrina. Somente as-
sipi poderlo entrar em diálogo com o mundo moderno. "Com efeito; quer
os Sacerdotes, quer os leigos empenhados no apostolado social sao fre-
qüentemente interpelados pelas ideologías radicáis e totalitarias, tanto co-
letivístas, quanto individualistas, de tendencias secularizantes, quando nao
mesmo de um secularismo estranho ao espirito cristao" (n? 74).

É claro que a formacao específica dos alunos no tocante a DS so


terá pleno sentido se a própria conduta de vida dos mesmos der auténti
co testemunho do Evangelho. "A pregacáfo e a agio ná"o se podem separar
urna da outra, urna vez que estáb unidas na própria pessoa de Jesús no
Evangelho e na TradicSo da Igreja" (n? 75).

"A eficacia da mensagem cristi, para além da acao do Espirito Santo,


depende também do estilo de vida e do testemunho pastoral do sacerdote, o
qual, sen/indo evangélicamente os homens, revela o rosto auténtico da Igre-
¡a"(n? 77).

"Sao muño aconselháveis as visitas e os diálogos dos estudantes,


acompanhados pelos professores, com o mundo do trabalho - empresarios,
operarios, sindicatos -, com as organizacoes sociais e com os setores margi
na/izados" (n? 76),

ConclusSo

"Enfim, a Congregacao para a EducacSo Católica, confiando o presen


te documento aos Ex.mos Bispos e aos varios Institutos de estudos teológi
cos, deseja que ele possa proporcionar-Ibes um auxilio válido e urna orienta-
cSo segura ao ensino da Doutrina Social da Igreja. Tal ensino, se for correta-
mente ministrado, dará sem dúvida um novo impulso apostólico aos futuros
presbíteros e aos outros operadores pastoráis, indicando-lhes a estrada segu
ra para urna acSo pastoral eficaz. Considerando as múltiplas necessidades es-
pirituais e materiais da sociedade de hoje, assinaladas em tantas ocas/oes
pelo Sumo Pontífice JoSo Paulo II, nao há outra coisa a dese/ar senao que
cada candidato ao sacerdocio se tome mensageiro iluminado e responsávei
desta moderna expressSo da pregacao evangélica, que é a única capaz de pro-

455
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

por remedios eficazes aos males da nossa época e de-contribuir deste modo
para a salvacao do mundo.

Constituirá tarefa dos Ex.mos Bispos e dos Responsáveis dos Institu


tos de formacao sacerdotal providenciar com todos os meios para que estas
Orientacoes, devidamente explicadas e integradas nos programas formati-
vos, possam produzir aquele revigoramento da preparacao doutrinal e pas
toral, que hoje por toda a parte se espera e que responde aos nossos dese/os
comuns.

Roma, do Palacio da Congregacao, 30 de Dezembro de 1988.

WILLIAM Card. BAUM


Prefeito

t JOSÉ SA RAI VA MARTINS


Arcebispo tit. do Tuburnica
Secretario "

Como se vé, o Documento que acaba de ser analisado sintéticamente,


é profundo e rico em dados, que servirao a reflexáo nao somente dos cléri
gos, mas também dos leigos católicos, aos quais compete papel muito impor
tante na implan tagajo do Reino de Deus dentro dos moldes deste mundo.

(continuacao da pág. 472)

lacio e após a agonía da crucifixSo. Mesmo Leonardo da Vinci, inigualável


observador da morte, era vftima de erros quando se tratava de represénta
la... NSo obstante a sua curiosidade científica e a sua capacidade de reprodu-
zir ñas imagens os detalhes dos corpos, o próprio Leonardo nao conseguía
representar o rigor da morte ou a difusao dos hematomas, pois estas nocoes
só foram consolidadas duzentos anos mais tarde com a descricao da circula-
cao do sangue. Neste particular, o S. Sudario nSo ignora o mínimo detalhe
que dé coeréncia ao seu valor de documento da morte de um homem" (cf.
La Civiltá Cattolica n? 3337. 19/07/1989. p. 59).

A propósito:
PR 320/1989, pp. 34-42;
PR 322/1989, pp. 98-103.

456
No mundo moderno:

Ateísmo e Nova Religiosidade

Em tíntese: 0 homem e Deus, na época contemporánea, nao estao


mais em competicSo mutua, como se pensava no sáculo passado. O ser mo
derno nio quer dizer ser arreligioso. Acontece, porém, que a religiao hoje
reaparece após a onda de ateísmo do século passado... reaparece desligada da
razSo ou na base de fortes emocdes e sentimentos. Isto se deve, em grande
parte, ao fato de que as solucdes racionáis parecem insuficientes para aten
der ao homem e seus problemas hoje; a ciencia já nao oferece o que déla es-
perou o cientificismo de outras épocas; donde o recurso á magia, ao falso
milagre, ao extraordinario, que os homens querem tornar ordinario ou coti
diano. Sem a bússola da razio, b senso religioso pode degenerar no fantasio-
sioso, imaginativo e até no desumano, como acontece no fanatismo e nos
grupos pretensamente orientados por vozes e mensagens do além. A razao
jamáis poderá compreender as verdades da fé, mas poderá sempre examinar
e testar as credenciais da mesma.

■k -k-k

0 fenómeno religioso em nossos dias chama a atencáo. Atei'smo e on


das de misticismo caminham lado a lado; pode-se mesmo dizer'que há um
surto quase violento de religiosidade emotiva e irracional, enquanto a fé cris
ta continua a proclamar sua mensagem perene tentando utilizar os moldes
da cultura moderna.

Desde 1965 (ano terminal do Concilio do Vaticano II), existe em Ro


ma um "Secretariado para o Diálogo com os Ná"o Crentes", encarregado de
estudar o ateísmo e a indiferenca religiosa. Em 1988, oS. Padre Joáo Paulo
II deu a esse órgfo o título de "Pontificio Conselho para o Diálogo com os
Nao Crentes", confirmando suas atribuicóes e sugerindo-lhe contactar assi-
duamente as correntes do pensamento contemporáneo. O Presidente desse
Conselho é o Cardeal francés Paúl Poupard, prelado de grande cultura. Reí-
tor do Instituí Catholique de París, autor de obras referentes á fé católica
e ao pensamento de nossos dias.

457
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

Em 1985, o Conselho para o Diálogo com os Nao Cr'entes empreendeu


um inquérito junto ás Conferencias Episcopais do mundo inteiro, ás Univer
sidades Católicas e a personalidades de renome a respeito da incredulidade e
da indiferenca religiosa. Tal inquérito trouxe á tona quadros assaz diversifi
cados, espelho da realidade contemporánea: assim originou-se um relatório
emanado do Conselho, do qual váo, a seguir, extraídos os tópicos mais rele
vantes.

1, O panorama religioso do nosso mundo

0 relatório considera cinco setores da human¡dade contemporánea.

1.1. Países socialistas

A ideología fundada sobre o materialismo histórico e dialético parece


estar no seu ocaso. Ainda ocupa espaco notável, porque sustentada pelos
governantes e mentores de tais países. Mas a fachada ¡mpressionante e o
triunfalismo das palavras e da propaganda escondem urna situacao real bem
diferente: o edificio construido pela ideología está vazio, desertado pelas
inteligencias, desmentido pelos fatos... Os respectivos governantes vá"o com-
preendendo que as massas nao os seguem; o desmoronamiento da ideología
6 patente aos olhos de todos. O homem, desiludido, se vé a brapos com a in-
quietude, a solidao e a angustia.

1.2 0 Ocidente industrializado e tecnológico

Está contaminado pela mentalídade consumista e pelo hedonismo (ou


a procura do prazer). Em conseqüéncia, muitos cidadaos questíonam o sen
tido da vida, cujos grandes objetivos parecem ser tao somente o pragmatis
mo utilitario e a procura da eficiencia a todo custo. Daí se origínam o rela
tivismo moral, a indiferenca religiosa e o secularismo. O homem que aceite
tal modo de pensar e viver. se torna incapaz de experimentar valores trans-
cendentais e procura sua realizacao no sucesso económico e no prestigio
social.

Esses bens ilusorios nao podem deixar de gerar o sentido de solidao, a


insatisfacao posta em demanda de algo maior. melhor e mais duradouro;
as capacidades espirituais do homem emergem com sua sede, aberta ou dis
simulada, de respostas mais adequadas para os anseios humanos.

A tecnología parece "mecanicizar" a mentalidade dos homens, fe-


chando-os em parámetros materíaís, pilotados únicamente pelas conquistas
da técnica. Todavía esse progresso meramente horizontal faz ameacas mor-
taís e acarreta perígos nunca dantes imaginados.

458
ATEI'SMO E NOVA RELIGIOSIOADE 27

Como quer que seja, os países do bem-estar abrem, a seu modo, o


campo para o debate das grandes questoes relativas ao sentido da vida e da
morte, do homem e da Ética.

1.3. América Latina

O crescente hiato entre ricos e pobres cria graves tensoes entre as duas
ideologias antagónicas: o capitalismo liberal, cuja única lei é o ganhar mais,
dentro de urna vis Jo individualista e utilitaria do homem, e o coletivismo
marxista, que professa o mito da revolucao e a mística da luta de classes.
Sobre este paño de fundo, a Igreja aponta aos povos os valores transcenden-
tais, propondo-lhes um humanismo auténticamente cristao contido na
Doutrina Social de Encíclicas e documentos oficiáis (do qual o último, muí-
to concreto e atualizado, se intitula Sollicitudo Rei Socialis).

1.4. África

Na África estao em voga certas ideologias baseadas no retorno aos va


lores tradicionais (a solidariedade na familia, na tribo, a cultura aborígene,
os idiomas nativos...). Sao, porém, dominadas pelo totalitarismo de Estado
e o absolutismo que regem certos países. Nesse contexto a Igreja emerge
como garantía do respeito as pessoas e da liberdade dos povos. O marxismo-
leninismo, que governa varias nacoes africanas, interessa tao somente a classe
dirigente e a alguns setores da cultura, enquanto o povo Ihe fica estranho,
impregnado de su a religiosidade tradicional. A luta de classes é vista por
mu ¡tos cidadá'os como fator de dissolupao da solidariedade e da comunháo
existentes entre os membros do mesmo cl5 — o que favorece a irresponsabili-
dade e a perda da identidade étnica.

1.5. Asia

A Asia, berco de religiosidade e sabedoria milenares, conserva firme


mente as suas tradicoes, mas também se acha penetrada pelo marxismo, ape-
sar dos desastres provocados por esta ideología em alguns países. Em tal con
tinente, a Igreja prega a sua mensagem de salvacao, em diálogo com as anti
gás tradJcoes religiosas e culturáis.

Após este percurso panorámico, parece oportuno dízer algo sobre


ideología, já que o tema foí mais de urna vez mencionado anteriormente.

2. Ideología e crenca

Ideología significa literalmente ertudo das idéias. Ideólogo era, nos sé-
culos passados, o cultor de tal estudo. Hoje ideología designa as idéias domi-

459
28 "PERGUNTE E R€SPONDEREMOS" 329/1989

nantes ou o sistema de pensamento de um grupo social, que tudo vé uní late


ralmente, ou seja, em funcao da preservacao da situacao vigente ou, vice-ver-
sa, em funcáfo da transformacao da mesma. Pode haver ideologia também no
setor da religiao, onde se fala, por exemplo, de "ideologia islámica".

As ideologías costumam apelar para a violencia, instigada por certa in-


tuicao "mi'stica", pois a ideología mobiliza as aspiracoes, as energías, os in-
teresses, os sonhos de urna sociedade, propondo um futuro belo e risonho.
A ideología tende a oferecer a explicacáo última, absoluta e obrigatória de
todas as ¡ndagacoes de um grupo. A este título, as ideologías tfim certa ana-
logia com os mitos e com a própria religiao. Na Carta Octogetima Adveniens
(n? 28) Paulo VI dizia que a ideología pode tornarse "um novo-ídolo". O
Documento de Puebla, emitido pelo episcopado latino-americano em 1979,
por sua vez, assim se refere ás ideologías como "religioes leigas":

"Entre as múltiplas defincoes que se podem propor, chamamos aquí


ideologia toda concepto que ofereca urna visao dos diversos aspectos da vi
da, desde o ponto de vista de um grupo determinado da sociedade. A ideolo
gia manifesta as aspiracoes desse grupo, convida para certa solidariedade e
combatividade e fundamenta sua legitimado em valores específicos. Toda
ideologia é parcial, já que nenhum grupo particular pode pretender identifi
car suas aspiracoes com as da sociedade global...

As ideologías trazem em si mesmas a tendencia a absolutizar os interés-


ses que defendem, a visao que propóem e a estrategia que promovem. Neste
caso, transformam-se em verdadeiras 'religioes leigas'. Apresentam-se como
urna explicacáo última e suficiente de tudo e se constrói assim um novo
ídolo, do qual se aceita, ás vezes, sem que as pessoas se déem conta, o cara-
ter totalitario e obrigatórío. Nesta perspectiva nao é de estranhar que as
ideologías tentem instrumenta Iizar pessoas e instituicoes a servico da eficaz
consecucao de seus fins. Eis o lado ambiguo e negativo das ideologías...

Isto Ihes confere urna mística especial e a capacidade de penetrar os


diversos ambientes de modo muitas vezes irresistível. Seus slogans, suas ex-
pressoes típicas, seus criterios, chegam a marcar profundamente e com fací-
lidade mesmo aqueles que estao longe de aderir voluntariamente a seus prin
cipios doutrinais. Desse modo, muitos vivem e militam praticamente dentro
dos limites de determinadas ideologías sem haver tomado consciéncia disso...
Tudo isto se aplica tanto ás ideologías que legitímam a situacao atual, como
aquetas que pretendem mudá-la" (n? 535-537).

Os psicossociólogos mostram como a ideología pode suscitar a crenca


cega e a esperanza acrftica de um grupo. Este, em conseqüéncía. rejeitará
como inimigo do povo todo individuo que nao compartilhe tal modo de

460
ATEÍSMO E NOVA RELIGIOSIDADE 23

pensar. A ideología inspira os militantes e revolucionarios que, consagrándo


se ao seu servipo, encontram motivacao suficiente para levá-los até.o sacrifi
cio da própria vida.

As ideologías - tanto as liberáis como as coletivistas, marxistas —


apoiam-se sobre urna interpretado irracional da realidade ou dos mecanis
mos económicos e sociais. Adam Smith (1723-90), por exemplo, um dos
primeiros mentores do capitalismo liberal, dizia que este é a "mao ¡nvisfvel"
da Divindade e o penhor do bem-estar coletivo.

Conclui-se, pois, que nosso mundo está marcado por um paradoxo:


de um lado exaltase o acume e o exercício da razao (na ciencia, na técni
ca e na Filosofía racionalista...); de outro lado, porém, seguem-se correntes
emotivas, desligadas da bússola da razao e, por isto, tendentes a escravizar
o homem.

3. A nova religiosidade

Tendo abandonado, em parte, a fé que berpou a civilizacao ocidental


ou o Cristianismo, para aderir a cosmovisoes materialistas de direita ou de
esquerda, o homem contemporáneo se vé frustrado, esvaziado, descrente de
solucoes humanas para seus múltiplos problemas e, por isto, propenso a pro
curar no além ou na mística novas respostas. Assim, ao passo que no sáculo
passado e nos primeiros decenios deste se punha o dilema "Ou Deus ou o
homem", "Ou a fé ou a ciencia", em nossos dias já se diz "Deus e o ho
mem", "A ciencia e a fé". Todavia nem sempre se dá o retorno ao Cristia
nismo, que aprecia a razao como via condutora ao Transcendental, mas muí-
tos recorrem diretamente ao "transcendental" por vías irracionais e emoti
vas; dir-se-ia que estao céticos em re I a cao á razao para explicar ao homem os
misterios da vida e do mundo.

A procura do sentido da vida e do porqué viver, lutar, sofrer, morrer...


leva naturalmente a Deus, visto que as respostas imanentes sao insatisfató-
rías. A nova religiosidade emotiva ou meio-irracional assume tres aspectos
diferentes:

1) "a religiao do sucesso". Apresenta a crenca como penhor seguro de


sucesso material, de cura de doencas, superacáo de carencias económicas...
A doenca, a pobreza, as desgracas seriam obras de Satanás, que deve ser con-
tido mediante a forca da fé e exorcismos. Os fráeos e infelizes seriam tais
por nóo terem fé. A riqueza e a saúde se rao a prenda de quem foi libertado
do Maligno. Tem-se ai um "materialismo teológico" ligado ás "igrejas ele-
trónicas", em grande parte norte-americanas. O pentecostalismo e o neo-
pentecostalismo protestantes estáo neste rol, que atrai principalmente as

461
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

pessoas mais desprovidas de recursos materiais ou mais incapacitadas de pro-


ver as suas necessidades materiais; todavia nao se excluem pessoas abastadas,
que estejam a procura de solucoes mágicas para seus problemas. — Sao cor-
rentes religiosas de pouco conteúdo doutrinário e de grande efervescen
cia sentimental, que reduzem seu culto muitas vezes ao atendimento dos
numerosos clientes que as procuram. Tal é, entre outras, a Igreja Universal
do Reino de Deus, fundacao brasileira recente, que vem crescendo na base
da apelacao para os sentimentos e as emocóes e do "exorcismo" curandeiro.

2) O revisionismo bíblico. Há correntes que fazem urna radical reinter-


pretacao da Biblia, acrescentando-lhe, por vezes, urna nova revelacao, como
sao a dos Mórmons a das Testemunhas de Jeová, a do Moonismo e... quipe a
dos Adventistas. Entre os católicos, registram-se certos grupos dissidentes,
inspirados por "aparicoes" e "visoes" nao auténticas como a de El Palmar de
Troya,1 a do Monte Santo em Guiricema de Minas. Encontram certa resso-
náncia nao s6 entre os mais pobres, mas também na classe media.

3) As religioes de cunho pantefsta, geralmenta de origem oriental. As-


sumem varias modalidades: Haré Krishna, Meditacao Transcendental, Gnos
ticismo, Esoterismo, Rosa-Cruz (embora esta diga que nao é religiao, faz as
vezes de urna cosmovisao religiosa pantefsta), Teosofía, Antroposofia, Logo-
sofia... O panteísmo ou o monismo é, pode-se dizer, urna forma velada de
atei'smo, pois professa que Deus, o homem e o mundo sao da mesma subs
tancia ou sao divinos, de modo que o homem pode mais e mais exercer po
deres próprios da Divindade. O panteísmo costuma atrair (nao exclusiva
mente) pessoas de certa cultura, que nao querem renegar a religiao, mas
(consciente ou inconscientemente) nao aceitam a dependencia do homem
em relacao a Deus Criador e Transcendente. A tese da reencarnacáo costu
ma estar associada a este tipo de concepcáx) religiosa, pois ela professa a au
to-sal vacao do homem mediante sucessivas reencarnacoes.

A corrente New Age (Nova Era), já mencionada em PR 325/1989,


pp 278-283, é urna forma sincretista que pretende ultrapassar e substituir
o Cristianismo, propondo um panteísmo místico.

Vejamos agora

4. O desafio á Igreja

O surto e a expansao dos novos grupos religiosos em nossos tempos


sugere varias reflexdes:

1 A propósito verPR 208/1977, pp. 153-163.

-162
ATEl'SMOE NOVARELIGIOSIDADE 31

1) Vé-se que o homem e Deus nao. estao mais em competicáo mutua,


como se pensava no sáculo passado. O ser moderno nao quer dizer ser irre
ligioso ou arreligioso; nossa época nao é urna época pos-religiosa, como se
diz por vezes.

2) Acontece, porém, que a religiao hoje reaparece depois da onda de


ateísmo do sáculo passado,... reaparece desligada da razao ou na base de
emocoes e sentimentos. Isto se deve a dois fatores principáis:

a) as solucoes racionáis e normáis parecem insuficientes para atender


ao homem; a ciencia já nao oferece o que déla esperou o cientificismo; don
de o recurso á magia, ao milagroso, ao extraordinario, que os homens que-
rem tornar ordinario ou cotidiano;

b) a onda de antiintelectualismo iniciada em meados do sáculo XIX


com Soren Kierkegaard (t 1848) perdura até hoje, ao menos no tocante á
metafísica e á religiao. - Sem a bússola da razao ou do raciocinio, o senso
religioso (que costuma ser sempre muito forte), pode degenerar no fantasio
so, imaginativo e até no desumano, como acontece no fanatismo e nos gru
pos pretensamente orientados por vozes e mensagens do além. A razao ja
máis poderá compreender as verdades da fé, mas poderá examinar e testar as
credenciais da mesma.

3) Mais do que nunca, o fiel católico precisa do dom do discernimento


dos espíritos, para que se possa orientar entre as correntes de pensamento
ambiguas que o cercam. Á fé nao se opoe apenas o ateísmo, mas também a
idolatria da nova religiosidade.

4) Conseqüentemente, o fiel católico que deseje enfrentar o mundo de


hoje, nao pode dispensar sólida formacao doutrinária. A Igreja ná*o favorece
o antiintelectualismo; ela precisa de pessoas preparadas no campo filosófico
e no teológico para poder dialogar com o mundo contemporáneo. Na"o basta
pensar na Pastoral ou na acao prática; requer-se um cabedal de idéias claras
para que a Pastoral nao se desvirtué ou ná*o venha a ser antieclesial. Também
nao basta que as pessoas "se sintam bem" (coisa táo procurada e estimada
em nossos dias) na igreja; o sentir-se bem é algo de subjetivo e pode estar
desligado da verdade e da auténtica fé. Nao se excluí o "sentir-se bem", mas
dé se-lhe por fundamento a auténtica profissSo de fé, que certamente tem
em anexo urna parcela da Cruz de Cristo.

Esta problemática aínda será aprofundada no decorrer da entrevista


que, a seguir, vai transcrita.

463
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

5. Urna entrevista notável

O Cardeal Paúl Poupard, Presidente do Pontificio Conselho para o


Diálogo com os Ná*o Crentes, rcspondeu nos seguintes termos ao repórter
Angelo Bertani, da revista JESÚS (edipao de maio 1989, pp. 74s):

Repórter: "Afiím.i o Cncleul Ojneels1 quu ¿i alternativo püía ü fé


nao é necessariamente o ateísmo, mas pode ser a idolatria. Que diz V.
Em.cia?"

Paúl Poupard: "De fato; o ateísmo puro é extremamente raro. Sar-


tre diz em urna de suas obras, 'Les Mots', alias urna obra-prima literaria:
'O ateísmo é um empreendimento difícil e de longo f&lego. Creio té-lo rea
lizado até o fim'. Sim; Sartre, Marx, Engels tinham urna certa inteligencia
cientificista ou niilista. Mas a questao se poe para Nietzsche: que é a sua
exaltacao da vida e do superhomem senao urna serie de ídolos feitos abso
lutos no lugar de Deus? E Lenin, com o mito do proletariado, da revolucao,
do comunismo... Nao seriam ídolos tudo ¡sto? E ná"o falamos da grande
multidao daqueles que se dizem nao-crentes com os seus ídolos mais terra-
a-terra: sexo, dinheiro, drogas, esporte, sucesso económico e social, praze-
res estéticos e de outra ordem meramente terrena.

A idolatria conheceu um desenvolvimento extraordinario e adquiriu


o caráter de culto do Estado nos países socialistas. Por exemplo, assistimos
na Uniáo Soviética ao ressurgirnento dos mitos arcaicos, como o culto dos
heróis, dos quais o pnmeiro é Lénin, do fogo eterno, símbolo da vida, dos
ritos do batismo (imposipao do nome), da iniciacao da juventude (Confirma-
pao), do casamento e das exequias socialistas. AlFás, é preciso dizer que essas
formas de idolatria socialistas náfo sao senao um infeliz plagio dos ritos cris-
táos, plagio um pouco ridículo e que desagrada ao povo".

R.: "Por conseguinte, os 'novos crentes' nao tém muita seguranca. E


os 'novos ateus' nao deixam de ter esperanpas..."

P.P.: "Os 'novos crentes', os adoradores dos ídolos, encontram-se em


posicfo insustentável. E ¡sto, porque, após Jesús Cristo, os ídolos, os verda-
deiros ídolos, sao simplesmente impossfveis. Os velhos deuses nao podem
mais ressuscitar, nao podem ser levados a serio. É impossível crer sincera
mente em Venus, Mercurio, Dionisio, etc. Ao homem europeu que íez a
experiencia de Cristo e teve o conhecimento da Revelapao, náfo resta senao

1 Arcehispo de Malwcsfirtixelns (Bélgico).

464
ateísmo e nova religiosidade 33

uma alternativa: ou Cristo ou o nada. Os deuses pagaos morreram real


mente.

Os 'novos ateus', os verdadeiros ateus, podem ter esperanca? Sim.


porque a esperanpa é a virtude dos tempos trágicos. E os dados sao ine
quívocos: adesáo a Deus, que se revelou em Jesús Cristo, ou a escolha do na
da. É diante desta prospectiva seria que Dostoievskij poe nos labios de um
de seus personagens: 'O ateísmo pleno se encontra no alto da escad;i, no
penúltimo degrau que leva á fé plena' ".

R.: "Que diria hoje V. Em.cia a um ateu que Ihe afirmasse- 'Eu sou
ateu!'?"

P.P.: "Eu o contemplaría profundamente nos olhos (como Jesús) e


lhediria:'Que maravilha! Tu, com o teu semblante iluminado pelo Espirito,
com os teus olhos em que se lé uma individualidade ¡mortal, com todo o
teu corpo, obra-prima da criacáo. tu, com aquí lo que és, tu és a prova mais
estupenda de uma evolucá"o criadora do universo, que, lógicamente, nao po
de ser orientada senáo por uma inteligencia amorosa, que os homens, há mi
lenios, chamam Deus'. E,se ele me dissesse ainda: 'Nao creio em Deus', eu
Ihe respondería: 'Mas Deus eré em ti' ".

R.: "E que diria V. Em.cia a quem afirmasse: 'A nos o fato religioso
nSó interessa em absoluto?"

P.P.: "Eu Ihe diria: 'É porque vives na superficie de ti mesmo, na dis-
trapao e no divertimento. E negligencias a dimensao mais profunda, mais be-
la, mais interessante do teu ser. A vida provavelmente tem, em certos mo
mentos (e tu o sabes bem!), um sabor de fastio; talvez em certas ocasioes um
sentimento de desespero te acometa, e isto te leva a uma procura insaciável
de prazeres. Mas sabes que se trata de um beco sem saída. Entra, pois, de
novo dentro de ti mesmo, descobre as tuas profundidades, a dimensao total
do teu ser e entao descobrirás dentro de ti algo de sagrado, inviolável, uma
santidade que tu mesmo nao pudeste poluir, uma fome do além, uma nostal
gia de beleza' ".

R.: "Enfim, como enfrentar aqueles que dizem: 'Fiz uma experiencia á
altura das minhas necessidades em tal ou tal grupo oiTseita, no(a) qual me
simo realizado e seguro'?"

P.P.: "Dir-lhe-ia:'Urnaexperiencia religiosa que nao seja senao a satis-


facao de necessidades íntimas e um meio de realizarse, só pode ser uma ilu-
sá*o, uma procura de si mesmo, o arbitrario elevado á categoría do absoluto,
uma falsa seguranca. Quem a faz, nao sai deste mundo nem do seu eu mais

465
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

ou menos turvo e egoísta. É preciso renunciar á autosuficiencia, a auto-sufi-


ciencia deste mundo, e aceitar urna verdade que vem de outra fonte, abrir-se
30 absolutamente outro. Aceitar esse absolutamente outro que nos poe radi
calmente em foco, é urna via para nos libertarmos do mundo e de nos mes-
mos. Esse Outro é Jesús Cristo e o seu Evangelho, vivo na sua Igreja' ".

R.: "Portanto, que é que aínda ensinam os 'novos crentes', os 'ateus'


ou os "indiferentes'?"

P.P.: "Os 'novos crentes', para os cristáos. sSo figuras do passado, 'os
velhos deuses que dormem em mortalhas de ouro' (Renán), que nada pode
ressuscitar: urna posicao impossível e falsa. Os indiferentes, por principio,
nada tem a dizer. 'Boh!' nao é urna resposta. Os 'novos ateus' que levaram
o seu ateísmo até o extremo, os ateus coerentes consigo mesmos, os ateus
heroicos e trágicos, sSo os que ficam mais próximos de nos e paradoxal-
mente nos podem ensinar algo: um mundo de total ausencia de Oeus, esco-
Ihido de maneira consciente e vivido de modo trágico. Eles nos dizem o que
é a ausencia real e, conseqüentemente, nos fazem saber o que é a presenca
real de Deus entre nos: luz do coracfo, sentimento de liberdade, alegría e
esperan ca".

Eis como o Cardeal Poupard vé o ateísmo contemporáneo; julga que é


algo de artificial ou violento demais para o homem, a tal ponto que os ateus
mais radicáis parecem fadados a ter pouca estabilidade na sua posicao atéia;
experimentando o vazio e o trágico de um mundo sem Absoluto e sem pie-
nitude de valores, estSo perto de passar para o campo da fé ou do reencon
tró do homem consigo e com os mais profundos anseios da alma humana.

O caso mais doloroso e lamentável é o dos indiferentes ou o dos que


ficam descomprometidos com qualquer ideal, ainda que erróneo. Já o Apo-
calipse comenta a hediondez de tal atitude, atribuindo a Cristo as palavras:
"Conheco tua conduta; nao és nem frió nem quente. Oxalá fosses frió ou
quente! Assim, porque és morno, nem frió nem quente, estou para te vomitar
de minha boca" (Ap 3,15s).

O cr¡stá"o, portanto, ao ver um ateu sincero, honesto, fiel aos seus de


veres, alimenta esperances a seu respeito. Sim; Oeus está no termo de chega-
da da retidao e lealdade de consciéncia.

466
Como estao as pesquisas sobre

O Santo Sudario de Turim: Um


Ano Depois?

Em síntese: A questao da autenticidade do Sudario de Turim, atribui


do a Jesús Cristo, continua aberta. O teste do Carbono 14 realizado em
1988 deixa dúvidas como tal ou como teste, pois se levantaram objecoes
contra a validade do mesmo. Ademáis existem conclusoes certas deduzidas
de investigacoes anteriores, que favorecem a genuinidade da peca e que nao
podem deixar de ser levadas em conta para se chegar a uma expiicacao satis-
fatória do fenómeno do Sudario.

0 presente artigo apresenta algumas noticias interessantes sobre o tes


te do Carbono 14 efetuado em 1988. Descreve sumariamente as encruzi¡ha
das ocorridas ñas pesquisas desde a primeira averiguado feita em 1898, e
enumera os dados seguros já conquistados pela ciencia na análise do Sudario
de Turim.

** *

No primeiro semestre de 1988 tres Laboratorios famosos (um naSui-


ca, outro na Inglaterra e mais outro nos Estados Unidos) aplicaram o méto
do do Carbono 14 para datar o Santo Sudario guardado em Turim e tido
como o lencol que envolveu o corpo de Jesús Cristo morto. - Os resultados
de tal exame atribuiram a confeccSo da mortalha a Idade Media (entre 1260
e 1390).

Tal sentenca, porém, contradizia a um conjunto de outras característi


cas do S. Sudario que levavam a crer na autenticidade de tal reliquia da
Paixao do Senhor. Por isto os cientistas continuaram o diálogo interdiscipli-
nar, realizando mesas-redondas e escrevendo artigos em que reconsideram
toda a questao. Proporemos, a seguir, as ponderacoes aduzidas pelo Prof.
Bernard Ribay, no artigo "Le Linceuil de Turin aprés l'expérience du
Carbono 14" no periódico "L'Homme Nouveau" de 16/07/89, p. 6; tém o
valor de sintetizar os diversos aspectos da temática no momento atual.

467
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

Antes de mais nada, porém, convém observar que a fé crista na Paixáo


Redentora e na Ressurreicao de Jesús Cristo é totalmente independente da
autenticidade do Sudario de Turim. Nunca a Igreja oficialmente se baseou
nessa pepa arqueológica para fundamentar o seu ensino de fé; esta decorre
tao somente daquilo que a Palavra de Deus oral e escrita transmitiu as gera-
cóes cristas. O Sudario pode exercer a funcao de um comprovante muito
ilustrativo, caso seja tido como auténtico.

1. O teste do Carbono 14

Já em 1975 foi proposto, no ambiente dos pesquisadores, o tests do


Carbono 14 para se averiguar a antiguidade da mortalha. Todavía naquela
época as técnicas, ainda pouco aperfeicoadas, exigiam excessiva quantidade
de paño extraído do santo lencol, ou seja, entre 500 e 1000 cm!. Em conse-
qüéncia, o projeto foi adiado até a década de 1980. A partir deste ano, os
cientistas já possuem métodos de pesquisa sobre pequeñas amostras do teci-
do. Sete Laboratorios se candidataram a fazer tal exame; após complexas
conversacóes, foram escolhidos tres: Departaments of Geosciences and Phy-
sics, da Universidade de Arizona (Tucson, U.S.A.); Research Laboratory for
Archaeology and History of Art, da Universidade de Oxford (Gra-Bretanha);
Institut für Mittelenergiephysik, do Politécnico de Ziirich (Suica).

Estas instituicoes queriam trabalhar em plena liberdade de pesquisa e


sob a sua própria responsabilidade. Em virtude desta alegacáo, excluiram a
presenca de emissários da Igreja aos testes, mas convidaram pessoas estra-
nhas para assistir aos trabalhos. Combinaram também desenvolver suas pes
quisas em paralelo com outros estudos, já feitos ou em curso, sobre o Suda
rio, a fim de possuir um conhecimento global f ísico-qut'mico do tecido em
pauta. Mais: ficou estipulado, em instrumento jurídico devidamente assina-
do pelos representantes dos Laboratorios e da Igreja, que os Laboratorios
guardariam o segredo profissional relativo aos resultados obtidos; publica-
riam seus relatórios numa revista científica depois que o arcebispo de Turim,
guardiSo do S. Sudario, pessoalmente informado, desse ao público a noticia
oficial das conclusoes.

Eis, porém, que os compromissos nao foram observados. A insistencia


inditcreta e as insinuacoes nem sempre honestas dos repórteres e jornalistas
obtiveram dos Laboratorios informacoes que estavam guardadas sob sigilo
profissional, explicitamente prometido pelos pesquisadores. Em conseqüen-
cia, antes mesmo que o Cardeal-arcebispo de Turim, Mons. Anastasio Balles-
trerr., fizessa a sua comurticacao oficial, a imprensa já havia difundido as
concilistas quo os Laboratorios Ihc tinham fornecido.

468
SANTO SUDARIO DE TURIM 37

Este fato, como tal, nao é argumento contra a validade dos testes rea
lizados, mas evidencia bem o clima passional e emotivo em que se desenvol-
veram e desenvolvem os estudos sobre o S. Sudario. Explica também as rea-
póes negativas dos pesquísadores que já tinham feito seus testes sobre o Su
dario e admitiam a grande antiguidade do mesmo. Queriam o diálogo tran
quilo, em nfvel científico, com os tres Laboratorios, a fim de estabelecer
urna frutuosa interdisciplinaridade; ao contrario, os autores dos testes do
Carbono 14 trabalharam á margem dos demais estudiosos, prescindindo de
qualquer outra pesquisa já existente nesse setor.1

As restripoes dos dentistas da Física, da Química e de outras áreas aos


resultados emitidos pelos tres Laboratorios já foram expostas em PR 320/
1989, pp. 34-42. Há quem acrescente que as amostras do S. Sudario nao fo
ram submetidas ao clássico teste do Carbono 14, mas a urna técnica nova,
que utilizava um material recémproduzido, isto é, o tandetron, cuja efica
cia e seguranqa ainda estavam sendo apuradas.

Vejamos agora

2. Acidentes na historia da pesquisa

Desde a primeira de suas afirmacoes, a pesquisa do S. Sudario tem


passado por contradicoes, das quais váo aqui expostas as principáis:

Aos 28/05/1898, o advogado Secondo Pia em Turim fotografou a ima-


gem do Sudario... E foi surpreendido ao notar que o negativo da fotografía
Ihe apresentava um belo positivo, a saber: um semblante sereno e majestoso
gravado nos fios da mortalha; além disto, o corpo inteiro do falecido se de-
senhava em tamanho natural (1,80 m de altura), com pormenores que jamáis
se descobririam na observacao direta do lempo I. - Tais resultados foram ti-
dos como falsos ou provenientes de fraude do fotógrafo, como se podía ler
na imprensa da época.

Em 1931, o pesquisador Enrié tirou novas fotografías, que mais urna


vez foram tidas como frutos de truques desonestos. A imagem resultaría de
pintura medieval; jamáis se podería provar a existencia de verdadeiro sangue
na mortalha!

1 O relatórío oficial dos tres Laboratorios foi publicado aos 16/02/1989 na


revista Nature, vol. 337 (1989). pp. 611-615. sob a responsabilidade de P.
Damon e outros. com o título "Radiocarbon dating of theShroudof Turin".

469
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

Em 1979 o dentista Me Crone, especializado em detectar falsificagoes,


encontrou óxido de ferro sobre urna das fibras do lencdt. Em consegüéncia,
declarou que a ¡magem resultava de pintura feita com óxido de ferro.

Isto provocou novos estudos da parte de cientistas também norte-ame


ricanos. Estes averiguaram que o ferro está espalhadoem mínima porcenta-
gem sobre a face da mortalha, de tal modo que ná"o pode ser o substrato de
alguma pintura. Averiguaram outrossim a origem desse ferro: piovém de um
fenómeno dito "enferrujamento do linho", fenómeno que se segué ao mer-
gulhamento do linho dentro de agua. Escreve a propósito o Prof. John Hel-
ler:

"0 linho atua como um aspirador de ionios* os ionios retirados seleti-


vamente da agua sao do calcio, do estroncio e do ferro. Sábese donde vem o
óxido de ferro e em que pontos da mortalha ele se encontra mais densamen
te: no contorno das manchas de agua que o lenco/ aprésenla. Isto se deve ao
incendio de 1532, durante o qual a agua para extinguir o fogo comecou a
ferver, arrastando as partículas de ferro para as margens das manchas de
agua. Ali o ferro tornou-se um precipitado de hidróxido de ferro, e este, se
cándose, veio a ser óxido de ferro ".

Tal acidente na historia das pesquisas evidenciou, mais urna vez, a ne-
cessidade de evitar conclusoes precipitadas; urna coisa é a pesquisa e seus da
dos ¡mediatos, outra coisa é a interpretacao destes. Aquela é válida na medi
da em que realizada com exatidao; esta poderá ser discutida.

Em 1981. cientistas norte-americanos puderam afirmar a presenta de


sangue humano nos pontos em que a imagem apresentava vesti'gios de coágu
los sangümeos. Os estudos dos Ors. Barbet e Antoine Legrand pareciam as-
sim confirmados. - Contudo em contrario levantou-se a hipótese de que tal
sangue era o de "mártir" ou de urna "cobaia" medieval.

Em 1988, os resultados dos Laboratorios constituiram urna nova eta


pa, com sua encruzilhada na historia das pesquisas.

Todavía nessa encruzilhada algumas certezas se impoem, pois parecem


definitivamente adquiridas. A precisao e o senso criterioso dos cientistas nao
podem deixar de leva-las em conta, pois, numestudo tá"o complexo quanto o
do S. Sudario, a interdisciplinaridade é indispensável; jamáis um só tipo de

1 O ionio ou ionte ou fon é um átomo ou um grupamento de átomos com


excesso ou com falta de carga elétrica negativa.

470
SANTO SUDARIO DE TURIM 39

teste poderá dizer a palavra cabal e decisiva; quem assim pensasse, já nao
pode ría ser tido como cientista.

3. As certezas

Enumeram-se as dez seguintes:

1) O tecido é de linho puro; provém do Oriente.

2) A ¡n versao fotográfica (ou o aparecimento de urna imagem positiva


em lugar da negativa) é fenómeno único no mundo. O que é publicado nos
libros e revistas atinentes ao assunto, é urna chapa fotográfica que a técnica
científica esperaría fosse negativa, mas que é positiva.

3) 0 estudo objetivo do semblante da imagem descobre traeos surpre-


endentes de luz, majestade. serenidade, paz e bondade. após atrozes supli
cios.

4) A impressao (marca, sinal) do corpo no lencol é "negativa".

5) As manchas de sangue sao "positivas".

6) As marcas do corpo obedecem á "lei das distancias". A sua intensi-


dade visi'vel é inversamente proporcional ao quadrado da distancia existente
entre o tecido e o corpo. Os cientistas ficaram estupefatos ao averiguarem
que, no microscopio, as pequeñas fibras de linho que participam da imagem
do corpo sao todas da mesma intensidade de cor: amarelo-palha. É tao so-
mente o número de fibrfculas que produz a intensidade vis Tve I.

6) As marcas do corpo nao penetram na profundidade do tecido. Afe-


tam apenas as fibras superiores da superficie; e isto sem que haja a mínima
crosta ou o mínimo vestigio de partículas de materia corante.

7) A imagem é tridimensional sem distorsao. Também isto vem a ser


um fato único no mundo; tem-se ai a primeira descoberta no género.

8) É rejeitada por provas cabais qualquer explicacáo que apele para


pintura, tintura ou aplicacao de um lencol a urna escultura ou a um baixo-re-
levo.

9) Foi realmente envolvido nessa mortalha um homem previamente


crucificado. Havia sofrido a flagelapáo segundo o costume; recebera ferimen-
tos em'coroa sobre a cabeca e em torno desta. Morrera antes de receber o
golpe de misericordia infligido aqueles que eram condenados á crucifixao;

471
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

terá falecido por infarto ou/e por pericardite devida ás feridas da flagelacáo.
Os suplicios que padeceu, correspondem ao que se 'sabe, no sáculo XX, a
respeito dos suplicios infligidos pelos romanos; tais suplicios eram de todo
inexeqüi'veis na tdade Media. Dai a impossibilidade de se admitir a confec-
cao da imagem do Lencol supondo-se um "mártir" ou urna "cobaia" da
Idade Media.

10) A surpreendente limpeza da mortalha, ao nivel das postas de san


gue, numerosas ñas partes dianteira e traseira do corpo (contornos sem a
minima modificacao ou deformacao), postula a existencia de um aconteci-
mento singular na origem da dissociapao do corpo que aderia ao tecido.
Com outras palavras: o corpo que estava envolvido pelo lencol, saiu deste
como nenhum outro corpo sairia ou sem deixar vestigio de descolamento
do sangue coagulado. A mortalha se apresenta como um auténtico espelho,
reproduzindo integralmente a imagem das postas sanguíneas perfeitas, tais
como se achavam no corpo da vítima quando foi sepultada.

Estas verificacóes deverao ser sempre levadas em conta no decorrer


dos estudos presentes e posteriores do Santo Sudario. A questá"o da autenti-
cidade continua aberta, pois nao se podem dirimir as dúvidas respectivas se
nao se harmonizam entre si todas as conclusoes das pesquisas para consti
tuir urna explicacao satisfatória dos acontecimentos documentados.

O amor á verdade, e tao somente este, deverá nortear todos os estudio


sos, quer simpatizem, quer nao, com a autenticidade do Sudario de Turim.

Á guisa de conclusáo, citamos as palavras do Prof. Cario Umberto


Casciani, Presidente da Faculdade de Medicina da Univenitá degli Studi
("Tor Vergata") de Roma, proferidas aos 11/04/1989 num Encontró de
Estudos promovido pela revista La Civirtá Cattolica:

"A figura que aparece no Sudario, narra, com a minuciosa coeréncia


do médico legal e com a rigorosa aten^So do anátomo-patotogista, a historia
de um corpo ñas horas que ¡mediatamente precederam e seguiram a sua mor-
te. O fiel respeito dos pormenores anatómicos, a exata sucessáo de vestigios
que perfazem as etapas da fitopatología da morte, a indiscutível antecipa-
pao de nocoes anatómico-clmicas, queso se tornaram conhecidas em nossos
días, fazem do Sudario um inegável documento que atesta a evolucao clínica
de um homem desde as torturas até a crucifixao e a morte.

Seria impossfvel imaginar um artista capaz de produzir urna represen-


tapio tao fiel do que acontece a um ser humano ríepois dos golpes da flage-

(continua na pág. 456)

472
Mais urna vez:

Milagre e "Milagres"

Em síntese: A imprensa noticiou em ¡ulho pp. a cura milagrosa de De


lizia Cirolli, jovem siciliana, incuravelmente atetada por cáncer e subtrafda
a qualquer tratamento médico. - O fato é relatado por um Informativo do
Episcopado francés, que acrescenta á narracao algumas consideracoes sobre
milagre e as etapas que a Igreja observa para averiguar a autenticidade dos
fatos. A Igreja é sempre reservada e cautelosa diante da noticia de "mila
gre".

As páginas de PR voltam a tratar de milagre,' inspiradas pelo fato de


que a imprensa no Brasil noticiou em julho pp. o reconhecimento, por par
te da Igreja, do 65? milagre de Lourdes. Assim se lé, por exemplo, num pe
riódico de grande circulacáo no Brasil:

"LOURDES — A Igreja Católica reconheceu ontem que Delizia Cirolli,


urna italiana hoje com 24 anos, foi curada milagrosamente depols de urna
peregrinacSo ao santuario de Nossa Senhora de Lourdes há treze anos. Em
1976, Delizia apresentou um cáncer na perna direita, segundo o médico
Theodore Mangiapan, Diretor da Agencia Médica de Lourdes encarregada de
comprovar a ocorréncia dos milagres."

0 reconhecimento criterioso de milagres no se ¡o da Igreja Católica


contrasta com a noticia de "milagres freqüentes" apregoada em novase no
vas assembléias cristas; nestas, de antemSb os pregadores garantem que, por
ocasiao do culto, Deus fará um milagre para cada um dos devotos carentes.

A fim de mais elucidar o episodio transmitido pela i.nprensa a respeito


de Delizia Cirolli, publicaremos, a seguir, em traducSo portuguesa um Comu-

Ver PR 327/1989, pp. 338-344.

473
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

nicado oficial do Episcopado francés:1 relata o ocorrido com a enferma e


propóe consideracoes sobre as curas e os milagres de Loudes.

I. NOTA MÉDICA REFERENTE Á CURA DE


DELIZIACIROLLI

"Urna adolescente siciliana, nascida em novembro de 1964, apresen-


tou em marco de 1976, com onze de idade, disturbios no caminhar, por cau
sa de urna ¡nflamacao dolorosa de um de seus joelhos.

Após algumas semanas de tratamento corriqueiro, a menina foi hospi


talizada para que se fizesse urna biópsia, á altura de 1/3 superior de sua ti
bia direita.

Feito este exame, o lamentável diagnóstico foi formulado... O cirur-


giao consultado foi obrigado a prescrever tratamentos mutiladores e, mes-
mo assim, apenas paliativos. Os genitores da enanca, consternados, os rejei-
taram, julgando melhor levar de volta para casa a sua filhinha condenada.

Alguns meses mais tarde, no verao de 1976, a menina, gracas á genero-


sidade dos amigos, fez urna peregrinacao a Lourdes, acompanhada por sua
mae. Voltou de lá esgotada. mas sem modificacao do quadro, e certamente
nao curada...

Ñas proximidades de Natal de 1976, quando já se agravara o seu esta


do e sua vida se ia apagando, a vizinhanca nao cessava de implorar Nossa Se-
nhora de Lourdes... Foi entáo que se deu a cura,... de modo totalmente im
previsto. Muito rápidamente, a menina retomou a sua vida normal: pós-se a
comer devidamente, caminhar, ir a escola... e manifestava enorme desejo de
vi ver e se desenvolver!

Em julho de 1977, a adolescente voltou a Lourdes com sua mae; con


tactou os médicos do Bureau Medical e toi examinada. Notaram entáo: urna
deformacao residual do eixo da perna direita, em joelho valgo;2 urna trans-
formacSo radiológica da zona atingida, prova objetiva de desaparecimento
do tumor, totalmente imprevisfvel.

1 O texto francés original encontrase em INFO-SANCTUAIRES. Bureau


de Presse, Sanctuaire de Lourdes, 5/7/89.

2 "Valgo" é adjetivo médico que significa "voltado para fora" (Nota do


Tradutor).

¿74
MILAGRE E "MILAGRES" 43

De 1977 a 1980, a menina foi acompanhada ano por ano, verificándo


se que gozava de perfeita saúde e se beneficiava de crescimento harmonioso.

Aos 28 de julho de 1980, o Bursau Medical de Lourdes, quase unáni


memente, decidiu considerar essa cura — ocorrida após urna doenca certa e
comprovada, de prognóstico fatal e para a qual nenhum tratamento havia si
do executado... - como fenómeno contrario as previsoes da experiencia mé
dica e científicamente inexplicável.

Oois anos mais tarde, urna Comissao Médica Diocesana emitia urna
apreciacao e conclusoes semelhantes.

E em setembro de 1982 o Comité Internacional de Lourdes confirma-


va com mais autoridade ainda as opinioes já emitidas a respeito desse retorno
a saúde excepcional, no sentido mais estrito da palavra e, além do mais,
inexplicável.

Entrementes os anos foram passando. A menina tornou-se moca, acá-


bou os estudos humanísticos, e continuou a estudar em vista de um diplo
ma de Enfermeira. Recentemente casou-se.

Na quarta-feira 28 de junho de 1989, Mons. Luigi Bonmarito, arcebis-


po de Catánia, assinou urna declaracáo em que dizia:

'Recebo a noticia de que tal cura é científicamente inexplicável. Decla


ro a sua índole milagrosa. Ela se acrescenta a tantas outras que, há 130 anos,
se veríficam em Lourdes. Exorto os fiéis a dar gracas por esse dom.. A jo
ven Delizia Cirolli nunca o fará bastante. Tratase de um dom concedido á
Igreja'.

No día 6 de julho de 1989 em Catánia, a declaragao do arcebispo foi


entregue ao público.

II. AS CURAS E OS MILAGRES DE LOURDES

Os criterios de cura

Sao necessários criterios para que a cura possa ser, um dia, interpreta
da como inexplicável. Dizem respeito a tres níveis:

— primeiramente a própria cura. É preciso que seja

— repentina e imprevisfvel...

475
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

- total ou efetuada de urna só vez, sem convalescéncia,

- duradoura por seis ou oito anos, antes de ser reconhe-


cida como tal.

— A seguir, a doenca anterior á cura. É preciso que tenha sido

- grave, ¡sto é, ameacadora para a vida ou incapaz de


cura;

- orgánica, e nao funcional, isto é, centrada sobre urna


lesao. Assim a perda da fala nao decorrente de urna le-
sao cerebral nao é reconhecida;

-- enfim, objetivamente provada por análises, radiogra


fías, tomografias, biópsias, et..., que devem ser comu
nicadas aos especialistas para fins de pen'cia.

- Por último, os recursos terapéuticos, que atuaram ou poderiam


ter atuado. - A tuberculose, por exemplo, que outro-
ra era objeto de numerosas curas averiguadas, desapa
rece u quase por completo dos dossiés de nossos dias
por causa da realidade de urna med¡cacao eficaz e
específica aplicada aos pacientes de nosso tempo.

Como se realiza o controle?

Em 1883 foi fundado o Bureau des Constatations Medicales,1 que ho-


je é o Bureau Medical; reúne todos os médicos presentes em Lourdes. É
aberto a todo médico, qualquer que seja a sua crenca, a sua religiao, a sua fi
losofía.

Esse Bureau Medical se limita a estabelecer um dossié médico que per


mite averiguar a certeza da doenca anterior e a da cura obtida sem trata
mentó eficaz.

Desde 1947 existe urna segunda instancia, fixa, composta de trinta


médicos aproximadamente: é o Comité Medical National, desde 1954 Inter-
national. Entre esses médicos todos especialistas e, na maioria, professores
de Universidade ou médicos-chefes de servicos de Hospitais, existem: franee-

1 Escritorio de A veriguaqoes Médicas.

476
MILAGRE E "MILAGRES" 45

ses (cerca de 45%), alemáes, ingleses, belgas, escoceses, espanhóis, holande


ses, irlandeses, e italianos. Esse Comité reexamina o caso: o dossié entao é
entregue a um perito escolhido nesse colegiado. 0 perito tem todo o tempo
necessário para apresentar suas conclusoes ao Comité reunido em plenário
convocado para París, ao máximo urna vez por ano; é o colegiado que con
firma ou nao a fndole inexplicável da cura.

Desde 1947 até nossos días, 1.300 dossiés aproximadamente foram


abertos, contendo cada qual a alegagao de urna cura. Oentre todos os casos,
somente 57 pessoas foram reconhecidas como curadas em Lourdes pelo Bu-
reau Medical e 47 foram apresentadas a segunda instancia em Paris.

Ao Comité de Paris foram submetidas nove outras curas ocorridas an


tes de 1947 — o que perfez um total de 56 casos ou relatos. Apenas 29 fo
ram confirmados como curas médicamente inexplicáveis; dez, pelo Comité
Médico Nacional e 19 pelo Comité Médico Internacional. Cada qual desses
29 dossiés foi submetido ao Bispo da diocese de origem do ex-enfermo, pois,
após tais constatacoes, estava encerrada a tarefa dos médicos.

Oecisao do Bispo1

Urna vez entregue ao Bispo o dossié por parte do Comité Médico In


ternacional, compete ao prelado nomear urna Comissao que inclua, entre ou
tras pessoas, teólogos, canonistas e também médicos. Essa Comissao tem por
objetivo examinar as circunstancias, a f ¡nalidade, o agente, os meios, as con-
dicoes, os efeitos da cura.

Tal Comissao, terminados os seus estudos, entrega as conclusoes ao


Bispo. Entao toca a este, e somente a este, se o julga conveniente e oportu
no, declarar a cura milagrosa e nela reconhecer 'urna intervenpao do poder
de Deus, Criador e Pai, e a intercessao da Virgem Imaculada' (declaracao de
Mons. Alessandro Gottardi, arcebispo de Trento, aos 26 de maio de 1976, a
respeito da cura milagrosa de V. Micheli).

Ou, como fez Mons. Orchampt, bispo de Angers, após a cura de Sergio
Perrin, reconhecer a índole milagrosa e convidar os cristáos a perceber nesse
sinal um ato do amor misericordioso do Senhor.

1 Esta última parte do processo corresponde á terceira etapa na apreciacao


de um mi/agre enunciada em PR 327/1989, pp. 338-344. Tratase de averi
guar se o fato extraordinario foi obtido em condicoes dignas de urna ínter-
venció e de um sinal de Deus (Nota do Tradutor).

477
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

É certo que cada um de nos, examinando-se atentamente, pode reco-


nhecer na sua vida intervencoes extraordinarias e benévolas de Deus, mas
estas dizem respeito tao somente a nos, beneficiarios e crentes. Deus está pre
sente no coráceo da nossa vida e ao longo de toda a nossa vida.

Quando um fenómeno ultrapassa o quadro da nossa pessoa e tende a


ser apresentado como sinal aos olhos dos homens, é necessário que haja um
tal controle rigoroso da parte tanto dos médicos quanto dos Pastores da
Igreja.

Como quer que seja, é sempre na agao de grapas que temos de viver es-
ses acontecimentos pessoais ou eclesiais.

O número de curas milagrosas reconhecidas é pequeño em relacao ao


número de enfermos. Desde 1858, 64 curas foram pela Igreja reconhecidas
como milagrosas sobre 3.500 curas averiguadas pelos médicos1 e sobre
2.300.000 doentes que foram a Lourdes em peregrinacao organizada. Isto
corresponde mais ou menos a um milagre para 40.000 doentes e para 50 cu
ras médicamente confirmadas".2

III. COMENTANDO...

O relatório do Informativo francés concernen te aos Santuarios que


acaba de ser apresentado, evidencia bem quanto a Igreja é cautelosa quando
situada diante de fatos tidos como milagrosos. Isto. alias, já foi observado no
artigo de PR 327/1989, pp. 338-344.

Interessa por em relevo aqui a distinpao, ocorrente no relatório, entre


doenca orgánica e doenca funcional. Esta se deve a urna disfuncao ou a um
bloqueio do sistema nervoso (asma, eczemas, úlcera estomacal, verrugas...);
por conseguinte, pode ser curada por um desbloqueio dos ñervos, desblo-
queio que se obtém mediante emocoes, sugestóes..., isto é, por via psíquica.
As curas assim obtidas náío sao consideradas milagrosas (embora efetuadas
em ambiente de curanderismo religioso, espirita, umbandista, protestante).

1 O número de 3.500 encontrado neste relatório do Episcopados francés


nao coincide com o número de 5.000 que colhemos em outra fonte e publi
camos em PR 327/89, p.341. Nao temos como dirimir a dúvida. mas ere
mos que essa enumeracSo nao 6 essencial no caso (Nota do Tradutor).

3 É de notar, porém, que mesmo a declaracSo final da autoridade eclesiás


tica que reconhece um milagre, nao 6 artigo de fé e, por conseguinte, pode
nio merecer crédito da parte dos fiéis (Nota do Tradutor).

478
MILAGREE "MILAGRES" 47

porque tém explicacáo natural assaz percéptCvel. Ao contrario, as doencas


orgánicas sao as que afetam um órgáo mediante le sao, tumor, fratura... Estas
molestias nao sao curáveis por um desbloqueio psíquico (embora o psiquis-
mo seja sempre importante na saúde e na doenca de urna pessoa); só podem
ser sanadas pela medicina (cirúrgica, por vezes) ou por milagre.

Conclusao: o fato de que Oeus aínda hoje realiza milagres, deixando a


ciencia e a inteligencia humanas estupefatas, é sinal.... sinal que chama os
homens a reconhecer o Amor e a Providencia do Senhor em relacao ás suas
criaturas, principalmente aquetas que com humildade e fervor O invocam.

Estéváb Bettencourt O.S.B.

Livros em Estante
Preparacao para o Casamento e para a Vida Familiar, por urna Equipe
coordenada por D. Eusébio Osear Scheid. - Ed. Santuario, Caixa postal 4,
12570 Aparecida (SP), 1989, 158 x 227 mm, 221 pp.

A familia 'sempre foi, e continua sendo, a base de toda sociedade bem


constituida. Todavía vem sofrendo ataques, que a ameacam seriamente; as-
sim, por exemplo, de 1982 a 1985 o número de separacoes ¡udiciais cresceu
90'•, o de divorcios 30'i, enquanto o número de casamentos registrados caiu
4,2'A. O número de casamentos, de 994.246 em 1982, caiu para 952.294 em
1983 (queda da ordem de 12,8'A), ao passo que a populacao cresceu em tor
no de 2'< entre 1982 e 1985' 0 amor livre tende a substituir o amor estável
e comprometido. — Em vista disto, os Bispos do Regional de Sa"o Paulo en-
carregaram D. Eusébio Scheid, Bispo de Sa~o José dos Campos (SP), de ela
borar, com urna equipe de especialistas (sacerdotes e leigos casados), um li-
vro destinado a preparar os jovens para o casamento e a vida familiar. Tal
obra, resultado de longos e meticulosos esforcos, é agora entregue ao públi
co, podendo-se dizer, sem favor, que é urna das melhores que temos no Bra
sil em tal área. Aborda a temática sob os seus diversos aspectos, distribuidos
em tres grandes Partes: 1) Embasamento (com atencao especial á patemida-
de-maternidade responsável); 2) Aspectos diversos do Matrimonio (bíblicos,
teológicos, psicológicos, moráis, sociais, económicos, jurídicos, litúrgicos,
plañe/amento familiar); 3) Valores Especiáis na Vida Familiar (Oracao, ca-
mília de Nazaré). O tema da limitacao da prole - tafo candente hoje - é ex
planado com muita clareza e com ilustraedes gráficas coloridas, de modo a
oferecer informacoes completas. Os autores lembram, por exemplo, que o
Método da Temperatura goza de 97 a 9&/c de seguranea; o de Billings goza

479
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 329/1989

de 98,5'A de eficacia; quem tem consciéncia disto, dispensase de usar méto


dos artificiáis de contencSo da natalidade, sempre onerados por contra-indi-
cacSes graves.

O livro foi redigido de forma diática, segundo um sistema de capítulos


e parágrafos breves, seguidos de bibliografía sucinta e acessível, em li'ngua
vernácula. D. Eusébio, na Apresentacáo da obra, anuncia um segundo volu-
me, que tratará das Etapas para a implantacao e o crescimento da Pastoral
Familiar.

0 público brasileiro ¡católico e nao católico) pode regozi/ar-se pela


existencia de obra tSo oportuna e rica de ponderacoes e instrucoes, que de-
verao servir nao somente a Cursos de Noivos, mas também a Escolas e ao uso
dos próprios casáis.

Ele caminha á vossa frente. O seguimento de Jesús pelo Evangelho de


Marcos, por Airton José da Silva e equipe. Colecao "Estudos Bíblicos"
n? 22. - Ed. Vozes, Petrópolis 1989, 160x230 mm, 93 pp.

A colecao "Estudos Bíblicos" é inspirada pelas teses da Teología da


LibertacSo, que se refletem também no presente volume. Tratase de oito ar
tigos, dos quais merecem particular atencSo o de Airton José da Silva sobre
Milagres (pp. 43-53); nega o milagre da multiplicacSo dos pies, baseandose
num livro muito discutido de Alfons Weiser (O que é milagre na Biblia;. Ho-
je em dia hé tendencia a negar a derrogacao das leis naturais por parte do Se-
nhor a fim de ofereceraos homens um sinal ou urna palavra mais eloqüente;
tal tendencia cede ao racionalismo e contraria o pensamento da Igreja. que,
muito cautelosa diante dos fatos extraordinarios, admite milagres no sentido
clássico (cf. pp. 473-9 deste fascículo). A excessiva preocupacSo sócio-eco-
nOmica da obra prejudicao teor de alguns seus artigos, que infelizmente nao
podem ser tomados como espécimens de genufna exegese católica.

E.B.

480
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1590 - 1990

DOCUMENTOS Vol. I destruido pelos


invasores fran
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LIVROS Vol. III (1793-1829)

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438 págs.

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maslciro drsuohfn(o Vol. VI
noücfannro (1924-1943)
528 págs.

Leitura, Introducto e índices pelo Prof. Deoclécio Leite Macedo. Apresenta-


cao pelo Abade do Mosteiro de Sá"o Bento, D. Inácio Barbosa Accioly O.S.B.
Cada volume contém valiosas reprodúceles de manuscritos, escrituras de ter
renos, plantas origináis dos sáculos XVII e XVIII, oferecendo preciosa con-
tribuicao aos estudiosos pesquisadores da historia do Rio de Janeiro, onde
está situado o Mosteiro de Sao Bento, fundado em 1590, que continua, sem
¡nterrupelo, presente na "heroica Cidade de Sá"o Sebastiao", louvando o
Senhor e formando milhares de jovens em seu Colegio fundado em 1858.
(Cad.i vnl. NCz$ 100.00)

RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a ed.), por Dom Cirilo Folch Go


mes O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado
completo de Teología Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus,
promulgado pelo Papa Paulo VI. Um alentado volume de 700 p., best seller
de nossas Edicoes, cuja traducid espanhola está sendo preparada pela Uni-
versidade de Valencia - NCz$ 60.00.

O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O.P. O Autor foi examinador de


D. Cirilo para a conquista da láurea de Doutor em Teología no Instituto
Pontificio Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de
Teología, é um Tratamento de "Deus Uno e Trino", de orientacSo tomista e
de índole didátíca. 230 p. NCz$ 15.00.

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ca controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a
discussao no plano teológico perdeu muito de sua razio de ser, pois nao ra
ro, versa mais sobre palavras do que sobre conceitos ou proposicoes. -
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Cap. I O Catálogo bíblico: Livros canónicos e Livros apócrifos. - II Sonrien


te a Escritura? - III Somente a Fé? Nao as obras? — IV A Santíssima Trin-
dade: Fórmula paga? - V O Primado de Pedro - VI Eucaristía:Sacrificio e
Sacramento — Vil A ConfissSo dos pecados - VIII O Purgatorio - IX As
Indulgencias — X María. Virgem e Mae — XI Jesús teve irmaos? — XII O
Culto aos Santos - XIII E as imagens sagradas? - XIV Alterado o Decálo
go? - XV Sábado ou Domingo? - XVI 666 (Ap 13,18) - XVII Vocé sabe
quando? — XVIII Seitas e espirito sectario - Apéndice geral: A era Constan-
tiniana - Epílogo - Bibliografía.

Atende-se pelo reembolso postal.

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