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Palavras chaves:
Conhecer a Deus
Epistemologia cristã
Criação
Revelação de Deus
Revelação Especial de Deus
Assuntos:
Cosmovisão Reformada
O conhecimento que Deus deseja que tenhamos dele, Ele o fez registrar nas
Escrituras. Originalmente, Deus se revelou na Criação. Criação é sinônimo de
Revelação: no Éden só havia um livro − o livro da Natureza. Todavia, com o pecado,
a Natureza1 também sofreu as consequências. Ficou obscurecida. Perdeu parte da
sua eloquência primeva em apontar para o seu Criador (Gn 3.17-19). 2 E como parte
do castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiritual para ver a glória
de Deus manifesta na Criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23).
exata e infalível os seus desígnios, sendo a Palavra de Deus escrita, dentre outras
coisas, “o corretivo às ideias disformes que pode dar-nos a natureza em seu estado
caído”, escreve Meeter.4
A Igreja como resultado da ação de Deus, por meio da Palavra, manifesta tais
comportamentos, tendo ciência de que a meditação que faz na Palavra, guiada pelo
Espírito, é uma tentativa de interpretá-la, a fim de proclamar e ensinar numa
linguagem humana8 a verdade que ela tem recebido pela graça de Deus. “A verdade
é idêntica à graça”, resume Brunner (1889-1966) (Jo 1.17).9
4
H.H. Meeter, La Iglesia y El Estado, p. 28.
5
Vejam-se: João Calvino, As Institutas, I.6.4; João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 98 e Confissão de
Westminster, I.1.
6
Vejam-se: J. Calvino, As Institutas, I.5.10; J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão,
1980, p. 26-35.
7
J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, p. 15. Veja-se: Gerard V. Groningen, revelação Messiânica no Velho
Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63-64.
8
Veja-se: Emil Brunner, Revelation and Reason, Philadephia: The Westminster Press, 1946, p. 3.
9
Emil Brunner, Dogmática, v. 1, p. 167.
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Por outro lado, Kuyper (1837-1920)10 nos chama a atenção para o fato de que
não devemos considerar a revelação Especial ou a Escritura como fonte da Teologia
(“fons theologiae”), tendo em vista que o termo “fonte” no estudo científico tem um
significado muito definido. Em geral, denota uma área de estudo onde o homem,
enquanto agente ativo, faz uma triagem para a sua pesquisa, como na Botânica,
Zoologia e História. Neste caso, o objeto de estudo é passivo.
10
Abraham Kuyper, Principles of Sacred Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1980
(reprinted), § 56, p. 341ss.
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Os que estão em Cristo, têm o seu Espírito que nos ilumina 11 para podermos ter
uma compreensão verdadeira das Escrituras. O pecado, ainda que tenha destruído
a nossa percepção espiritual, nós a reencontramos em Cristo, como sempre, por
pura graça.
Bavinck sintetiza
Deus não se deixa invadir pela razão humana, ou mesmo pela fé. Ele se dá a
conhecer livre, fidedigna e explicitamente. Deus se revela a si mesmo como
Senhor.13 E "Senhorio significa liberdade", pontua Barth (1886-1968).14
11
“O ensino de que a revelação é a única fonte de conhecimento de Deus e que somente pessoas espirituais
podem conhecer e discernir as coisas espirituais também é um dogma, no pleno sentido da palavra – um
dogma de importância fundamental” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 210). Vejam-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial
com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.7), p. 10-11; João Calvino, As
Institutas, I.9.3; II.2.19; III.2.33; III.21.3; III.24.2; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos,
1999, v. 2, (Sl 40.8), p. 229; João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2009, v. 4, (Sl 119.18), p.
184; John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, (Calvin's Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271; João Calvino, O Evangelho
segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109; João Calvino,
Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p, 374; João Calvino, Exposição de 1
Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.11), p. 88-89; (1Co 2.14), p. 93; João Calvino, Sermões em
Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 154; João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo:
Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 152,154; Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, p. 113; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 230.
12
Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 580.
13
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 181,186ss.
14
K. Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, I/1, p. 306.
15
Ver: João Calvino, As Institutas, III.21.2; III.23.8. Na edição de 1541, escrevera: “E que não achemos ruim
submeter neste ponto o nosso entendimento à sabedoria de Deus, aos cuidados da qual Ele deixa muitos
segredos. Porque é douta ignorância ignorar as coisas que não é lícito nem possível saber; o desejo de sabê-
las revela uma espécie de raiva canina” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com
notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3 (III.8), p. 53-54). Semelhantemente,
François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 647-648.
16
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157, 159ss.
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Sem revelação nada sei a respeito de Deus. Com a graça objetiva da revelação e
o guiar interior do Espírito (Iluminação), é que passo a saber e a descobrir que não
sei. É no conhecimento intensivo e experimental de Deus que vamos ampliando
reverentemente o nosso conhecimento e descobrindo o quanto ignoramos.
Desse modo, sem revelação, o homem passaria toda a sua vida e estaria na
eternidade sem o menor conhecimento de Deus por mais engenhosos que fossem
os seus métodos, por mais sistemáticas que fossem as suas pesquisas, por mais
que evoluísse a ciência e refinasse a sua lógica.
17
“O Agnosticismo não é uma atitude de reverência, mas de indiferença” (Emil Brunner, Dogmática,
São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157).
18
Cf. Cornelius Van Til, Epistemologia Reformada, Natal, RN.: Nadere Reformatie Publicações, 2020, v. 1, p.
7, E-book. Posição 99 de 715.
19
Cf. Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 23.
20
Vejam-se: Cornelius Van Til, Epistemologia Reformada, Natal, RN.: Nadere Reformatie
Publicações, 2020, v. 1, p. 7; Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157.
21
“Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo, a verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável” (João
Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 48-49). Posteriormente, li em Piper: “Nem fúria
nem violência, nem dúvidas sofisticadas ou ceticismo, tem qualquer efeito sobre a existência de Deus” (John
Piper, O Legado da Alegria Soberana: a graça triunfante de Deus na vida de Agostinho, Lutero e Calvino,
São Paulo: Shedd, 2005, p. 125).
22
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373.
23
C.S. Lewis, A essência do Cristianismo autêntico, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, (1979), p. 21.
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Deus também não é uma mera força impessoal sem nenhum sentido de
racionalidade, antes, é o Deus transcendente e pessoal que se revela
genuinamente, com quem podemos nos relacionar: ouvir, amar, temer, confiar e
orar.26
24
William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 14.9) p. 657.
25
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26.
“Deus se revelou mais abundantemente no nome ‘Pai, Filho e Espírito Santo’. A plenitude que, desde
o princípio, estava no nome Elohim, foi gradualmente desenvolvida e tornou-se mais plena e
manifestamente expressa no nome trinitário de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus
e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 150).
26
“A principal ênfase do cristianismo bíblico consiste na doutrina de que um Deus infinito e pessoal é a
realidade final, o Criador de todas as outras coisas, e de que um indivíduo pode se aproximar do Deus santo
com base na obra consumada de Cristo, e somente desse modo” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre
Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 272).
27
Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 90-91.
28
Cf. Terence Fretheim, Javé: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e
Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 740-741; Gottfried Quell, ku/rioj,
etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids,
Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 3, p. 1062-1063.
29
Cf. A.H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 1, p. 21.
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Como temos insistido, o nosso conhecimento pode ser real e genuíno, porém é
fragmentado e limitado.30 Contudo, devemos nos alegrar em poder conhecer. O
Senhor não exigirá mais do que nos foi dado. Mas, o Senhor exige a nossa
fidelidade no muito e no pouco.31
As Escrituras não tratam a Deus como um ser que se confunde com a matéria
(panteísmo)33 nem como uma divindade ausente, distante do mundo (deísmo), 34
30
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 98, 110.
31
Veja-se: Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 10.
32
Veja-se: Carl F.H. Henry, Deus, Revelação e Autoridade v. 2: Deus que fala e age - 15 teses - parte um, São
Paulo: Hagnos, 2017, p. 232ss.
33
Panteísmo [“Pan” (pa=n = tudo, todas as coisas) & “Theós” (qeo/j = Deus)], é a doutrina que ensina
que não há nenhuma realidade transcendente e que tudo é imanente; por isso, Deus e o mundo
formam uma unidade essencial, sendo, portanto, a mesma coisa, constituindo um todo indivisível; por
isso a negação da transcendência de Deus visto que Ele se confunde com a própria matéria, sendo
esta a própria manifestação de Deus.
A Bíblia não confunde Deus com a matéria; antes, afirma que Deus criou a matéria (Gn 1.1) e a
sustenta com o seu poder (Cl 1.17; Hb 1.3). Esta distinção entre o Deus Criador e a criação é um
ensinamento fundamental das Escrituras.
34
Deísmo é uma denominação genérica das doutrinas filosófico-religiosas que surgiram em meados
do século XVII, as quais, contrapondo-se ao “ateísmo”, afirmavam a existência de Deus; entretanto,
negavam a Revelação Especial, os milagres e a Providência. Esse Deus é concebido preliminarmente
como a causa motora do universo. Uma das ideias predominantes, era a de que um Deus
transcendente criou o mundo dotando-o de leis próprias e retirou-se para o seu ócio celestial,
deixando o mundo trabalhar conforme as leis predeterminadas. Uma figura comum ao deísmo do
século XVIII era a do relógio de precisão que seria o equivalente ao universo que trabalha sozinho
depois de se lhe dar corda. Neste caso, Deus seria uma espécie de relojoeiro distante, apenas
observando a sua criação sem “intervir” em suas questões cotidianas. A conclusão chegada pelos
deístas é a que as leis que regem o universo são imutáveis. O deísmo consequentemente atribui à
Criação a capacidade de se sustentar e se governar por si mesma. Temos aqui um naturalismo
autônomo.
Desta forma, Deus é um proprietário ausente, que não age diretamente sobre a Criação; a única
relação existente entre o Criador e a Criação, dá-se por meio de suas leis deixadas, as quais regem o
universo de forma determinista. Deus seria regente do universo “apenas de nome”. O deísmo não
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O Deus das Escrituras é o Deus em quem podemos confiar, orar e nos conduzir
por sua Palavra. Ele é fiel. Ele é o nosso Senhor.
deixa de ser um ateísmo prático visto que Deus não é considerado de forma concreta na vida de seus
adeptos. Deus sai do cenário real e concreto, mas, o destino e o acaso terminam por ser
entronizados. (Para maiores detalhes sobre o panteísmo e o deísmo, vejam-se: Hermisten M.P.
Costa, O Homem no teatro de Deus: providência, tempo, história e circunstância, Eusébio, CE.:
Peregrino, 2019, p. 96-101).