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Palavras chaves:

Conhecer a Deus
Epistemologia cristã
Criação
Revelação de Deus
Revelação Especial de Deus

Assuntos:
Cosmovisão Reformada

Tentando pensar e viver como um Reformado:


Reflexões de um estrangeiro residente (7)
3. O Deus que se dá a conhecer (Continuação)

D. A Revelação Especial de Deus

O conhecimento que Deus deseja que tenhamos dele, Ele o fez registrar nas
Escrituras. Originalmente, Deus se revelou na Criação. Criação é sinônimo de
Revelação: no Éden só havia um livro − o livro da Natureza. Todavia, com o pecado,
a Natureza1 também sofreu as consequências. Ficou obscurecida. Perdeu parte da
sua eloquência primeva em apontar para o seu Criador (Gn 3.17-19). 2 E como parte
do castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiritual para ver a glória
de Deus manifesta na Criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23).

A revelação Geral que fora adequada para as necessidades do homem no Éden –


embora saibamos que ali também se deu a revelação Especial (Gn 2.15-17,19,22;
3.8ss.) – tornou-se, agora, incompleta e ineficiente 3 para conduzi-lo a um
relacionamento pessoal e consciente com Deus.

A Bíblia ou revelação Especial tornou-se necessária por causa do pecado. Por


meio da História, Deus separou e preparou homens para que registrassem de forma
1
Para uma visão panorâmica e crítica a respeito dos diversos conceitos de Natureza, veja-se: Alister E.
McGrath, A Ciência de Deus: Uma introdução à teologia científica, Viçosa, MG.: Ultimato, 2016, p. 49-72
(em especial).
2
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Antropologia Teológica: Uma Visão Bíblica do Homem, São Paulo: 1988, p.
22-24. Groningen acentua: “O Senhor soberano julgou necessário revelar explicitamente a natureza de sua
relação pactual com a humanidade. Ele fez isto antes do homem cair em pecado. Depois da queda, isto se
tornou ainda mais necessário devido aos efeitos do pecado” (Gerard Van Groningen, revelação Messiânica
no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63).
3
Vejam-se: B.B. Warfield, Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids,
Michigan: Baker Book House, 1981, p. 7ss.; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São
Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 312ss.; William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, Grand Rapids, MI.:
Zondervan, [s.d.], v. 1, p. 66ss.). A revelação Geral é “tênue e obscura para a humanidade pecadora, e mesmo
para a humanidade redimida” (Gerard V. Groningen, revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 64).
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exata e infalível os seus desígnios, sendo a Palavra de Deus escrita, dentre outras
coisas, “o corretivo às ideias disformes que pode dar-nos a natureza em seu estado
caído”, escreve Meeter.4

Por isso, só se considera adequada a revelação de Deus contida na Bíblia.


Somente por meio das Escrituras, o homem pode ter um conhecimento de Deus livre
de superstições.5 E mais: O Deus que se revela só pode ser conhecido
salvadoramente por meio de seu Espírito que atua naqueles que foram nascidos de
novo pelo seu poder.

A Bíblia, como Palavra inspirada e inerrante de Deus, dá ao homem a resposta


adequada às necessidades espirituais de que tanto carece, apontando para Jesus
Cristo, o Deus encarnado (Jo 5.39) e para o poder de Deus. Nas Escrituras,
encontramos a esperança da vida preparada, realizada e consumada pelo Deus
Triúno (Rm 15.4; 1Jo 5.13).

A constatação da revelação de Deus gera em nós dois sentimentos: humildade e


alegria. Humildade por sabermos que tudo o que temos e sabemos provém de Deus
(Jo 15.5; 1Co 4.7; 2Co 3.5). Alegria, por ter acesso à revelação de Deus que é a
verdade. Tais sentimentos, acompanhados do estudo da Palavra, devem conduzir-
nos à adoração (Mt 4.10; Hb 13.15; 1Pe 2.9).

A Bíblia foi-nos confiada a fim de que, mediante a iluminação do Espírito Santo,


sejamos conduzidos a Jesus Cristo (Jo 5.39/Lc 24.27,44), sendo Ele mesmo quem
nos leva ao Pai (Jo 14.6-15; 1Tm 2.5; 1Pe 3.18) e nos dá vida abundante (Jo 10.10;
Cl 3.4).

A Bíblia foi registrada e é preservada, para que cumpramos os seus preceitos,


dados pelo próprio Deus (Dt 29.29; Js 1.8; 2Tm 3.15, 16; Tg 1.22). Ela foi-nos
concedida para que conheçamos o seu Autor e, conhecendo-o, o adoremos e,
adorando-o, mais o conheçamos (Os 6.3; 2Pe 3.18). 6 Por isso, escreve Packer, “ao
estudarmos Deus, devemos procurar ser conduzidos a ele. A revelação nos foi dada
com esse propósito e devemos usá-la com essa finalidade”.7

A Igreja como resultado da ação de Deus, por meio da Palavra, manifesta tais
comportamentos, tendo ciência de que a meditação que faz na Palavra, guiada pelo
Espírito, é uma tentativa de interpretá-la, a fim de proclamar e ensinar numa
linguagem humana8 a verdade que ela tem recebido pela graça de Deus. “A verdade
é idêntica à graça”, resume Brunner (1889-1966) (Jo 1.17).9

4
H.H. Meeter, La Iglesia y El Estado, p. 28.
5
Vejam-se: João Calvino, As Institutas, I.6.4; João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 98 e Confissão de
Westminster, I.1.
6
Vejam-se: J. Calvino, As Institutas, I.5.10; J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão,
1980, p. 26-35.
7
J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, p. 15. Veja-se: Gerard V. Groningen, revelação Messiânica no Velho
Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63-64.
8
Veja-se: Emil Brunner, Revelation and Reason, Philadephia: The Westminster Press, 1946, p. 3.
9
Emil Brunner, Dogmática, v. 1, p. 167.
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A Teologia Reformada, recebendo a Bíblia como de fato é – a inerrante e


autêntica Palavra de Deus –, reconhece ser ela a causa eficiente e instrumental da
Teologia, sendo Deus, seu autor, a causa final. A Teologia busca sempre a glória de
Deus, como objetivo máximo e final. Este objetivo é alcançado sempre em sua
fidelidade à revelação. Portanto, embora admitindo a infalibilidade da revelação
Geral – Deus se releva de forma “bilingue” − só consideramos a Revelação Especial
como fonte da Teologia.

Desta forma, a tentativa de reconhecer a revelação Geral como fonte secundária


da Teologia, está fora de cogitação. Para que isto aconteça, teríamos de interpretá-
la à luz das Escrituras e, podemos observar também, que, qualquer tentativa de se
criar uma fonte secundária, ou terciária de teologia (Os Catecismos, por exemplo),
implica em admitir que a Bíblia precisa de um complemento, logo, ela é incompleta,
ou insuficiente.

Como já demonstramos biblicamente, cremos que a revelação Geral tem o seu


valor ilustrativo, contudo ela em nada acrescenta à revelação Especial e, aquela, só
pode ser entendida corretamente, por aquele que mediante a iluminação do Espírito
Santo entende a revelação Especial. Para este homem, a revelação Geral se
constitui numa “republicação”, ainda que não cronológica, das verdades contidas
nas Escrituras. Contudo esta “republicação” não é complementar, nem transforma
vida. E, o que a Criação trata de forma estrita e apenas indicativa, a Escritura fala de
forma ampla e demonstrativa.

Por outro lado, Kuyper (1837-1920)10 nos chama a atenção para o fato de que
não devemos considerar a revelação Especial ou a Escritura como fonte da Teologia
(“fons theologiae”), tendo em vista que o termo “fonte” no estudo científico tem um
significado muito definido. Em geral, denota uma área de estudo onde o homem,
enquanto agente ativo, faz uma triagem para a sua pesquisa, como na Botânica,
Zoologia e História. Neste caso, o objeto de estudo é passivo.

O homem é quem é ativo, e debruça-se sobre o fenômeno para extrair do objeto o


conhecimento desejado. Assim sendo, usando o termo neste sentido, tem-se a
impressão, de que o homem como agente ativo, pode se colocar sobre as
Escrituras, para descobrir ou tirar dela o conhecimento de Deus, que ali está
passivamente esperando o seu descobridor... Sabemos que isto não é verdade!
Deus se revela ao homem e mais uma vez, ativamente fornece os meios para a
compreensão desta revelação: o Espírito Santo. A Teologia, como vimos, é sempre
o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus por meio do Espírito.

10
Abraham Kuyper, Principles of Sacred Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1980
(reprinted), § 56, p. 341ss.
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Os que estão em Cristo, têm o seu Espírito que nos ilumina 11 para podermos ter
uma compreensão verdadeira das Escrituras. O pecado, ainda que tenha destruído
a nossa percepção espiritual, nós a reencontramos em Cristo, como sempre, por
pura graça.

Bavinck sintetiza

Todos os povos ou puxam Deus panteisticamente para baixo, na direção


daquilo que é criado, ou o elevam deisticamente, colocando-o infinitamente
acima da criatura. Em nenhum dos casos se chega a uma verdadeira
comunhão, a uma aliança, a uma religião genuína. No entanto, a Escritura
insiste em ambos: Deus é infinitamente grande e condescendentemente
bom; Ele é soberano, mas também é Pai; Ele é Criador, mas também é
12
Protótipo. Em uma palavra, Ele é o Deus da aliança.

Deus não se deixa invadir pela razão humana, ou mesmo pela fé. Ele se dá a
conhecer livre, fidedigna e explicitamente. Deus se revela a si mesmo como
Senhor.13 E "Senhorio significa liberdade", pontua Barth (1886-1968).14

A douta ignorância faz parte essencial da fé genuína e sincera. 15 O conhecimento


de nossa limitação não é inato, antes é precedido pela revelação. Em síntese: A
consciência do mistério inescrutável de Deus a temos pela revelação.

Sem o desvelar-se de Deus não há teísmo, ateísmo nem agnosticismo. É no


encontro significativamente pessoal com Deus que tomamos conhecimento de
nossas limitações.16

11
“O ensino de que a revelação é a única fonte de conhecimento de Deus e que somente pessoas espirituais
podem conhecer e discernir as coisas espirituais também é um dogma, no pleno sentido da palavra – um
dogma de importância fundamental” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 210). Vejam-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial
com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.7), p. 10-11; João Calvino, As
Institutas, I.9.3; II.2.19; III.2.33; III.21.3; III.24.2; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos,
1999, v. 2, (Sl 40.8), p. 229; João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2009, v. 4, (Sl 119.18), p.
184; John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, (Calvin's Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271; João Calvino, O Evangelho
segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109; João Calvino,
Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p, 374; João Calvino, Exposição de 1
Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.11), p. 88-89; (1Co 2.14), p. 93; João Calvino, Sermões em
Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 154; João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo:
Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 152,154; Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, p. 113; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 230.
12
Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 580.
13
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 181,186ss.
14
K. Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, I/1, p. 306.
15
Ver: João Calvino, As Institutas, III.21.2; III.23.8. Na edição de 1541, escrevera: “E que não achemos ruim
submeter neste ponto o nosso entendimento à sabedoria de Deus, aos cuidados da qual Ele deixa muitos
segredos. Porque é douta ignorância ignorar as coisas que não é lícito nem possível saber; o desejo de sabê-
las revela uma espécie de raiva canina” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com
notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3 (III.8), p. 53-54). Semelhantemente,
François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 647-648.
16
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157, 159ss.
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Por isso, é que todo agnosticismo, a despeito de sua arrogante indiferença, 17 é


uma forma de suicídio intelectual.18 E, no campo teológico, o agnosticismo não difere
essencialmente do ateísmo.19 O agnosticismo não deixa de ser uma atitude
confortável de indiferença e desprezo. Por isso, mesmo, tal atitude nada tem a ver
com a fé cristã que nos fala de revelação, conhecimento e relacionamento pessoal.20

Sem revelação nada sei a respeito de Deus. Com a graça objetiva da revelação e
o guiar interior do Espírito (Iluminação), é que passo a saber e a descobrir que não
sei. É no conhecimento intensivo e experimental de Deus que vamos ampliando
reverentemente o nosso conhecimento e descobrindo o quanto ignoramos.

Desse modo, sem revelação, o homem passaria toda a sua vida e estaria na
eternidade sem o menor conhecimento de Deus por mais engenhosos que fossem
os seus métodos, por mais sistemáticas que fossem as suas pesquisas, por mais
que evoluísse a ciência e refinasse a sua lógica.

O homem nunca conseguiria chegar a Deus, ou mesmo à sua ideia: ignoraria


eternamente a própria ignorância! Entretanto, Deus continuaria sendo o que sempre
foi: o Senhor!21

Todavia, graças a Deus, porque Ele soberanamente se revelou a si mesmo, para


que possamos conhecê-lo e render-lhe toda a glória que somente a Ele é devida.
Em Cristo, nós somos confrontados com o clímax e plenitude da revelação de Deus
(Jo 14.9-11; 10.30; Cl 1.19; 2.9; Hb 1.1-4). “Tudo quanto diz respeito ao genuíno
conhecimento de Deus constitui um dom do Espírito Santo”, declara Calvino.22

Lewis (1898-1963) escreve de forma perspicaz:


O ateísmo (...) é uma coisa por demais simplista. Se todo o universo não
tem sentido, nunca descobriríamos que ele não tem sentido, do mesmo
modo que, se não houvesse luz no universo, nem, consequentemente,
criaturas com olhos, nunca saberíamos que era escuro. A palavra escuro
23
seria uma palavra sem sentido.

17
“O Agnosticismo não é uma atitude de reverência, mas de indiferença” (Emil Brunner, Dogmática,
São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157).
18
Cf. Cornelius Van Til, Epistemologia Reformada, Natal, RN.: Nadere Reformatie Publicações, 2020, v. 1, p.
7, E-book. Posição 99 de 715.
19
Cf. Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 23.
20
Vejam-se: Cornelius Van Til, Epistemologia Reformada, Natal, RN.: Nadere Reformatie
Publicações, 2020, v. 1, p. 7; Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157.
21
“Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo, a verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável” (João
Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 48-49). Posteriormente, li em Piper: “Nem fúria
nem violência, nem dúvidas sofisticadas ou ceticismo, tem qualquer efeito sobre a existência de Deus” (John
Piper, O Legado da Alegria Soberana: a graça triunfante de Deus na vida de Agostinho, Lutero e Calvino,
São Paulo: Shedd, 2005, p. 125).
22
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373.
23
C.S. Lewis, A essência do Cristianismo autêntico, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, (1979), p. 21.
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No entanto, Deus se revelou fidedigna e acessivelmente. “No Filho temos a


revelação última de Deus. Da mesma forma como é verdade que quem viu o Filho
viu o Pai, também é verdade que quem não viu o Filho, não viu o Pai”, escreve
Hendriksen (1900-1982).24 Jesus Cristo, a plenitude da graça encarnada, é a medida
da revelação; o seu padrão e apelo final!

Bavinck (1854-1921) exulta:


A plenitude do ser de Deus é revelada nele. Ele não apenas nos apresenta
o Pai e nos revela Seu nome, mas Ele nos mostra o Pai em Si mesmo e nos
dá o Pai. Cristo é a expressão de Deus e a dádiva de Deus. Ele é Deus
revelado a Si mesmo e Deus compartilhado a Si mesmo, e, portanto, Ele é
25
cheio de verdade e também cheio de Graça.

Deus também não é uma mera força impessoal sem nenhum sentido de
racionalidade, antes, é o Deus transcendente e pessoal que se revela
genuinamente, com quem podemos nos relacionar: ouvir, amar, temer, confiar e
orar.26

A despeito das limitações de nossa linguagem, o termo pessoal, como


contrastante do conceito de impessoal, creio fazer jus ao que as Escrituras nos
revelam sobre Deus, enfatizando, também, que as forças impessoais são dirigidas
por um Deus pessoal.27

Devido à própria revelação, a linguagem usada para Deus tem um caráter


relacional, mostrando um Deus que se relaciona com o seu povo na história. 28 Deus
não é apenas um princípio absoluto; uma categoria totalmente distante e
inacessível. Antes, é uma Pessoa Absoluta que se revela. Aliás, é a partir do
relacionamento de Deus com a Criação em geral e com o homem em especial, que
torna possível a teologia.

A revelação é justamente isso, a passagem do Deus consigo para o Deus


conosco. Do Deus absconditus para o Deus revelatus. Aspectos do caráter de
Deus se revelam em suas relações com suas criaturas.29

24
William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 14.9) p. 657.
25
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26.
“Deus se revelou mais abundantemente no nome ‘Pai, Filho e Espírito Santo’. A plenitude que, desde
o princípio, estava no nome Elohim, foi gradualmente desenvolvida e tornou-se mais plena e
manifestamente expressa no nome trinitário de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus
e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 150).
26
“A principal ênfase do cristianismo bíblico consiste na doutrina de que um Deus infinito e pessoal é a
realidade final, o Criador de todas as outras coisas, e de que um indivíduo pode se aproximar do Deus santo
com base na obra consumada de Cristo, e somente desse modo” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre
Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 272).
27
Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 90-91.
28
Cf. Terence Fretheim, Javé: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e
Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 740-741; Gottfried Quell, ku/rioj,
etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids,
Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 3, p. 1062-1063.
29
Cf. A.H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 1, p. 21.
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Como temos insistido, o nosso conhecimento pode ser real e genuíno, porém é
fragmentado e limitado.30 Contudo, devemos nos alegrar em poder conhecer. O
Senhor não exigirá mais do que nos foi dado. Mas, o Senhor exige a nossa
fidelidade no muito e no pouco.31

A despeito de nossas limitações, da loucura de nossa tentativa de pensar


autonomamente, Deus, o Senhor glorioso e majestoso, torna-se conhecido por nós,
paradoxalmente não pelos nossos esforços, mas, porque Ele graciosamente se dá a
conhecer de forma acessível à nossa capacidade. As nossas especulações e
induções são incapazes de nos conduzir ao conhecimento salvador de Deus.

Qualquer tentativa de analogia que pensemos em fazer para aplicar a Deus, é


sempre tacanha, pobre e temerária. Por isso mesmo, a revelação de Deus sempre é
uma autorrevelação consciente, majestosa e objetiva. Deus na expressão de sua
natureza gloriosa, traz beleza variada e harmoniosa à Criação.

A nossa fé sempre encontrará seu fundamento na autorrevelação de Deus; a


realidade absoluta de Deus com a qual Ele vem ao nosso encontro e nos
confronta.32 É pela revelação que conhecemos a incompreensibilidade de Deus. Ou
seja: Por Deus sabemos da sua inesgotabilidade.

As Escrituras não tratam a Deus como um ser que se confunde com a matéria
(panteísmo)33 nem como uma divindade ausente, distante do mundo (deísmo), 34
30
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 98, 110.
31
Veja-se: Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 10.
32
Veja-se: Carl F.H. Henry, Deus, Revelação e Autoridade v. 2: Deus que fala e age - 15 teses - parte um, São
Paulo: Hagnos, 2017, p. 232ss.
33
Panteísmo [“Pan” (pa=n = tudo, todas as coisas) & “Theós” (qeo/j = Deus)], é a doutrina que ensina
que não há nenhuma realidade transcendente e que tudo é imanente; por isso, Deus e o mundo
formam uma unidade essencial, sendo, portanto, a mesma coisa, constituindo um todo indivisível; por
isso a negação da transcendência de Deus visto que Ele se confunde com a própria matéria, sendo
esta a própria manifestação de Deus.
A Bíblia não confunde Deus com a matéria; antes, afirma que Deus criou a matéria (Gn 1.1) e a
sustenta com o seu poder (Cl 1.17; Hb 1.3). Esta distinção entre o Deus Criador e a criação é um
ensinamento fundamental das Escrituras.
34
Deísmo é uma denominação genérica das doutrinas filosófico-religiosas que surgiram em meados
do século XVII, as quais, contrapondo-se ao “ateísmo”, afirmavam a existência de Deus; entretanto,
negavam a Revelação Especial, os milagres e a Providência. Esse Deus é concebido preliminarmente
como a causa motora do universo. Uma das ideias predominantes, era a de que um Deus
transcendente criou o mundo dotando-o de leis próprias e retirou-se para o seu ócio celestial,
deixando o mundo trabalhar conforme as leis predeterminadas. Uma figura comum ao deísmo do
século XVIII era a do relógio de precisão que seria o equivalente ao universo que trabalha sozinho
depois de se lhe dar corda. Neste caso, Deus seria uma espécie de relojoeiro distante, apenas
observando a sua criação sem “intervir” em suas questões cotidianas. A conclusão chegada pelos
deístas é a que as leis que regem o universo são imutáveis. O deísmo consequentemente atribui à
Criação a capacidade de se sustentar e se governar por si mesma. Temos aqui um naturalismo
autônomo.
Desta forma, Deus é um proprietário ausente, que não age diretamente sobre a Criação; a única
relação existente entre o Criador e a Criação, dá-se por meio de suas leis deixadas, as quais regem o
universo de forma determinista. Deus seria regente do universo “apenas de nome”. O deísmo não
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como normalmente ocorre com o pensamento pagão ao longo da história. Antes,


nos mostram tal qual Ele se revela.

O Deus das Escrituras é o Deus em quem podemos confiar, orar e nos conduzir
por sua Palavra. Ele é fiel. Ele é o nosso Senhor.

Portanto, é a Palavra de Deus que deve dirigir toda a nossa abordagem e


interpretação teológica, bem como de toda a realidade: o Espírito por meio da
Palavra é quem deve nos guiar à correta interpretação da revelação. Na Escritura
inspirada por Deus, que tem a Cristo como seu tema central, temos o nosso padrão
e apelo final.

Maringá, 18 de junho de 2023.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

deixa de ser um ateísmo prático visto que Deus não é considerado de forma concreta na vida de seus
adeptos. Deus sai do cenário real e concreto, mas, o destino e o acaso terminam por ser
entronizados. (Para maiores detalhes sobre o panteísmo e o deísmo, vejam-se: Hermisten M.P.
Costa, O Homem no teatro de Deus: providência, tempo, história e circunstância, Eusébio, CE.:
Peregrino, 2019, p. 96-101).

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