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NO PAIS
E NO POVO DE ISRAEL
POR
rfRADUZIDO
POR
FREI JOÃO JOSÉ P. DE CASTRO, O. F~ M.
I M P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO
EXMO. E REVMO. SR. BISPO DE
NITERÓI, D. JOSÉ PEREIRA
ALVES. PETRôPOLIS, 10-2-41. FR .
.ÃTICO EYNG, O. F. M.
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o presente sempre ,que os evangelistas· o empregam: verifica
um exame que nos .tres evangelistas, fora Lucas, ocorrem
400 presentes. Trata-se, portanto, sem dúvida de uma peculia-
ridade da.s narrações evangélicas.
Muito agradeço ao professor Dr. E. Kalt e ao Dr. J. Schãfer
em Mogúncia, ao R. P. 1-I. Hãn.sler O..s. B. em Praga, abádia
de Emaú1s, ao R. P. J. Sonnen ·C. M., representante da Socie-
dade alemã da Terra Santa, em J·erusalém, pelo trabalho que
tiveram com a •COITeção da obra e pelas preciosas indicações
que ainda me deram. Igualmente agradeço ao Dr. A. Wurm
em Munique pela comparticipação que mostrou durante anos
na elaboraçã<;> desta obra.
Alberschwende (Vorarlberg)
na festa da Exaltação da Santa Cruz, 1932
O autor
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A' EDIÇÃO BRASILEffiA
•
Lendo 1;>ausadam-ent~ esta biografia de Willam, Jes.us, cer-
cado dos seus ,conterrân·eos e conteDljp-orâneos, nos vai apa-
recendo vivo ante os olhos, d-e modo -que muito m.elh-or pode-
mos compreender as sua.s palavras e o seu exemplo.
Muitas outras -o-bra-s sobre a vida de Jesus têm aparecido
ultimamente.
O Dr. João P;edreira do Couto Ferraz publicou a .sua "Vid.a
de N. S. Jesus Cristo" em ,quatro tomos, compilando-a dos
melhores autores e emprestando---lhe o cunho- de sua piedade.
O P. Huberto Rohden, entre a sua vastís·sima obra lite-
rária, tem dedicado muitas e belas páginas à vida de Cristo,
com o seu Jivro "A poesia de Jesus".
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A tipografia da Editora Vozes Ltda. ·publicou ainda o lin-
díssimo livro: "Jes-us Cristo" de Karl A1dam., .tradução de
Gustavo Barroso.
"La vie de Jesus" de Mauriac é igualmente bem conhecida
no Brasil.
·Qualquer uma destas obras e bem assim outras mais que
já existem ou venham a aparecer não pode nem poderá nun-
ca .substituir inteiramente as demais. Os evangelhos são sim-
plesmente inexhauriveis. O que S. João diz: "Mesmo ·que en-
chêssemos o mundo inteiro de livros, não diríamos tudo o
que Jesus disse e fez", verifica. .se plenamente quando alguem
empreende expor ou explicar os vestígios do Salvador divino.
Que Ele, sempre mais conhecido, atraia com sem;pre maior
força as almas para as inefaveis doçuras do seu amor e o
·generoso ·sacrifício de sua imitação!
O tradutor
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ALEGRES MENSAGENS
EM TEMPOS PRECARIOS
Os dias de Herodes
"N-os dias do rei Herodes", começa São Lucas ( 1, 5), de-·
signando com estas palavras um tempo de tribulações.
IIerodes era um desses afortuna.dos que subiu à realeza, ser--
vindo-se habilmente tanto de. sorrateiras intrigas, como de
empreendimentos violentos, sem se atemorizar diante de coi--
sa al,guma ao tratar-se da própria valorização.
Antípater, seu pai, um sem,i-beduino de Edom, empregara-se·
ain-da a servir o rei Hircano; era, porém, ele que na realidade
regia o regente. E quando Málico envenen-ou Antípater, Hir-
cano nada poupou para encarreirar os seus dois filhos Fasael.
e Herodes. Ainda muito mais habil que o pai, Herodes conti-
nuou-lhe a obra.
Seu irm.ã-o caiu nos combates pelo domínio e por dita sua,.
podemos dizer; pois, mais cedo ou mais tarde, -sobreviria a
discórdia entre· -os dois- irmãos . E Herodes não tinha conside--
ração para -quem quer que lhe parecess•e perigoso.
Enquanto, p-ela espada e pelo veneno, se ia desembaraçan-
do dos rivais entre OR magnatas da ,terra, procurou as boas
graças dos judeus e, o que ainda era mais importante, a be--
nevolência do Império Romano. Sabendo que o templo de Je-
rusalém constituia o centro não só religioso, como tam,bem·
nacional de todo o pais, mandou .am:pliá-lo e ornar com a
maior munificên-cia. Os orientais, sempre am.i-gos ,do fausto,
deixar-se-iam facilmente ofus;car por esse meio, se o rei não-·
tives-se tambem, ao mesmo tem-po, mandado con.struir tem-
plos para os deuses de Ron1.a e teatros e arenas para atores·
e porfias romanas, mostrando-se assim amigos desse povo que·
era inimigo de I~rael.
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D-este ·modo, durante o seu reinado, a Judéa foi tambem
envolvida 110 processo todo peculiar que •S·~ ia observando -en-
tre as nações limítrofes do Império romano: -essas nações sub•
.metiam-se primeiro à "influência' romana e, em se,g-uida, ·pe-
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Semelhantes processos já se tinham realizado em vários
paises, ou se iam realizando, ao mesmo tempo -que podiam ser
observados em Israel. Mas no encontro de Roma com o povo
<le Israel deu-se algo inteiramente novo; as peculiaridade-s
judaicas afetavam ·e impressionavam todos os gentios, quer
.fossem oficiais romanos, quer negociantes do Nilo ou -da Es. .
panha, quer mercenários da França -e da Alemanha (como os
que Herode.s tinha a seu serviço).
Esse :pe,quenino povo, situado nas pedregosas alturas, entre
.as fertilíssimas planícies do Nilo e do Eufrates, desafiava a
"evolução". Nenhum·a -divindade se ,podia igualar ao seu Deus
,Javé. O Júpiter romano fôra mais ou m-enos identificado com
Zeus, pelos gregos, com Amon, pelos e-gípcios e, em geral, com
Baal, pelas populações asiáticas; Israel, porém, nada quis sa-
ber de u1na permuta de deuses ou de wn·.a igualdade Júpiter-
.Javé. Ainda mais; afinnava -que .só ele conhecia o único e ver-
.dadeiro Deus, aquele que criara os céus e a terra. E.ss.e Deus
se havia revelado a eles, ensinando-lhes como o deviam cul-
tuar pela oração e pelo sacrifício; todos os demais deuses
.não passavam de sonhos, fantasmas ou dem:ôn'ios: cegos eram
:aqueles ,que lhes imolavam.
Qualqu,er gentio que fosse à Ju-déa, enquanto não acredi-
tasse no Deus ,de Israel, tinha ,que estranhar a convivên,cia
dos judeus. De fato, mesmo o mais miserav-el dos mendigos
:considerava o mais afamado g-entio com inferior a si, quanto
ao conhecimento das grandes -questões e problemas da vida
11umana. Era-lhe um "incircun·ciso'', um ho1nem ainda incom-
_pleto. Centro desse povo era o templo de Jerusalém, com o
:seu "Santíssim-o", um recinto especial, cercado de grandes
átrios. T-oda 01tação feita neste lugar, todo sacrifício pela ma . .
nhã e à tarde, toda solenidade ao sétimo dia, o sá,bado, toda
1eitur.a da bíblia e ·explicação da lei, e, ·mormente, todas as
.grandes festas, para as quais o povo inteiro a:fluia a Jerusa . .
lé1n, a.profun-davam nos israelitas a convicção de s-erem e de-
·verem permanecer o povo escolhido.
Do gr~nde altar dos holocaustos elevava--se continuamente
para o alto uma nuvem de fumaça e ia-se perdendo no seu
•-e:Splendor. D,e manhã e à noite av,olumava-s·e ainda mais pela
imolação dos sacrifícios prescritos. Entrava um sacerdote no
santuário e colocava in·censo nas brasas, que um levita já
para aí havia levado do altar dos. holocaustos. Ressoavam as
~rombetas: todo o povo prostrava-s-e por terra. D·evia ser al-
-go de semelhante ao -que ainda hoje se observa, quando mul-
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tidões de beduin-os no deserto se curvam em oraçau c.;0111 u
rosto até ao -chão. Surdo murmúrio ecoava nos átrios: para
o oriental, o silêncio completo em, momentos tão solenes con-
traria o modo de sentir -e expandir-se.
Não ad1nira -que esta -coneentração do povo em sua fé te-
nha parecido aos -demais povos um.a rebelião dirigida contra
todos eles. E, entretanto, o poder na nação de Israel estava
entregue às mãos de gentios. Herodes, údiado semi-beduino,
regia as diversas cidades sob a proteção dos romanos. Era o
momento em que o grande Messias, prometido por D:eus como
Salva-dor, se devia mostrar! O povo, e-mocionado até à medu-
la aguardava ansiosamente a sua aparição.
·Eis o que significam as palavras: "nos dias em que He-
rodes era rei da Judéa" !
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rusalém; por e:s·se tem.po já não -exi1stia cidade alguma que
fôs.se habitada só por sacerdotes. 'Traziam consigo as circun-
stâncias -que os sacerdotes em geral preferissem as localida-
des que não ficassem muito longe ,de Jerusalém. Quer anti-
quíssima tradição que Zacarias residisse num povoado, mais
tarde denominado "São J-oão", o qual -podia ser citado como
modelo de semelhantes -cidadezinhas serranas.
Os vários ministérios eram distribuidos por sorte entre os
sac-erdotes. Nesse dia tocou a Za,carias a oferenda do incenso.
E' bem possível que, elevando-se a milhares o número de sa-
cerdotes, fosse a primeira vez ,que ele oficialmente penetras-
se no santuário. A -darm:os -crédito ·a u,ma tradição, -caa.a sa-
cerdote -só podia exercer esta função uma única vez, sendo
daí -em diante excluido do sorteio.
Já havia Zacaria,s colocado certamente os grãos de incenso
no ,braseiro, prostrando-se agora em -oração, para logo em
seguida sair do santuário, onde não se devia deter demasiada-
mente, quando lh·e apareceu um anjo. Estava -em pé à direita
do altar do incenso, junto ao candelabro de sete braços.
Como sacerdote, Za,caria.s de certo já muitas vezes lera na
Bíblia as aparições de anjos; ·mas entre a leitura e a reali-
dade vai grande diferença; agora ali estava ·ele, separado do
mundo exterior, face a face, na presença de um anjo: ate-
morizou-se.
O anjo acalmou-o:
''Não temas, Zacarias! Tua oração foi atendida! Tua mulher
Isabel há de dar à luz um filho a qu-em imporás o nome
de João; -alegrias e gozos te estão reservados; e tambem
muitos outros alegrar-se-ão pelo seu nascimento. Será, pois,
grande diante de Deus : Não beberá nem vinho nem outra be-
bida algum.a in·ebriante; desde o seio de sua mãe já será
cheio do Espírito Santo. A muitos dos filh-os de Israel con-
verterá ao Senh-or :seu Deus. E' ele que andará diante do s.e-
nhor com o espírito e a virtude d-e Elias, para reconquistar os
corações dos pais para os filhos e insuflar aos desvairados os
sentimentç,s dos justos e assim preparar um povo perfeito
para o S-enho~".
Que tinha, pois, Zacarias pedido em sua oração ? A pro-
mes,sa do nascimento -de um filho ·está tão intimamente re-
lacionada com a sua oração que por ela se deve -entender for-
çosamente a :súplica por um filho. Mesmo que Zacarias já
tive-s:se r,enunciado aos :s-eus desejos, depois que já não exis-
tiam _as exigências naturais, e mesmo que daí em diante já
não rezasse a Deus ·nesta intenção. . . Não há vida alguma
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humana em -que não se repitam tais ocorrências: orações.
sadias de um coração juvenil, muitas vezes só são atendidas
quando já nenhuma esperança lhe resta. Deus adia a ·graça
pedida, para mais tarde, ao de-s,ejo exposto n'a oração, poder
acres.centar ainda muito mais·.
O;ra, -é be-m próprio -do h-omem cair em interessante estado·
de desharmonia. interior, se de repente vê realizado um de-
sejo a que já de muito renunciara. Revolve-:se -em seu íntimo
algo que lhe parece vir perturbá-lo. A resposta de Zacarias
deixa transparecer este traço bem humano em alguem que
conseguira abafar em. si um anseio ardente, sem talvez con-
formar-se tão perfeitamente com· a vontade de Deus.
Ele retorque ao anjo com uma ·certa reserva: "Em que eu
o posso ,conhecer? Já sou um hom·e·m avelhantado e minha
mulher passou além da idade".
Apela o anjo para a .própria autoridade à sem.elhança de
alta personalidade que apresenta as suas credenciais: "Eu sou
Gabriel, o anjo que está na presença de Deus" - o céu é
aquí comparado com uma côrte oriental, em que só os mais
familiares podem estar na presença do monarca - "e fui
enviado para falar-te e anunciar-te esta feliz notícia. Eis que
hás de calar, ·e como· um mudo não poderás falar até ao dia
em que -estas -coisas acontecerem, porque não acreditaste nas
minha!s palavras, que se realizarão a seu tem;p,o !''
Enquanto :isso o povo nos átrios lá fora ,se havia prostrado
no lagedo para rezar. Era proibido ao ·sacerdote ficar n-o tem--
plo ntais tempo do que fos.se -preciso, tempo esse que facil-
mente podiam avaliar. Notavam todos que Zacarias se demo-
rava - do mesmo modo como hoje os fiéis ficariam surpre-
sos se um sacerdote demorasse mais do que geralmente des-
de a elevação da hóstia até à do cálice. Já começavam a in-
quietar-se; terão receado que o idoso sacerdote acaso se ti-
vesse enganado.
·Quando afinal Zacarias apareceu, deu-lhes a conhecer por
sinais .que -estava mudo. Poder-s-e-ia ter servido de uma ta-
( hoinha; ma·s a ninguem comunic-ou a visão .
.
Só ·ao tern1inar os dias do ministério no templo é que vol1
tou a casa. O modo como s. Lucas se :exprime, leva a crer
que a visão não ocorreu no último dia ·da ·semana das suas
funções, mas, .sim, no primeiro dia, o ·sábado, em -qu~ as di-
versas classes -se -c-ostumavam revezar.
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E·m ,breve Isabel sentiu que havia sido abençoada e=om.
um filho. Com ela, Zacarias de qualquer modo já se tinha.
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15·.•
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Demais, da antiga Nazaré não nos· é possível fazer uma idéia
.:.muito avantajada. Era uma ,estação onde, atraidos p,~la sua
.fonte, os viajantes e as caravam.as paravam para de:aalterar
. a sêde. Ao redor dessas mesmas na-s,centes não faltavam mo--
·tivos para rixas ,e alt-er.cações. Os habitantes ,de Nazaré não
--.eram muito bem vistos pelas populações circunvizinhas. "Po-
•derá vir algo de bom de Nazaré?" disse Natanael, oriundo de
:Caná, não muito distante, qua01do ouviu que o Messias daí
;provinha. Ressoa como um eco do tempo de Jesus, .quando
.ainda hoje dizem: A quem. Deus ·quer ca-sti-gar, dá-lhe por
mulher uma nazaretana.
Para aí foi enviado, .seis meses depois •da .anunciação de
s. João, o mesmo anjo Gabriel, ,que tinha falado eom Zaca-
_rias. Nesta cidadezinha, cujos -habitantes eram julgados tão
·de.sfavoravelmente, era que vivia a virge.m mais •sainta que ja-
_.mais apareceu no mundo.
V-ezes sem conta tem sido 1·epresentada esta cena: o anjo
entra no aposento da Virgem. em oração. Geralmente vêem-
se aí um ·quarto ,com· preciosas cortinas em grandes janelas
e um pavimento luzidio, com variegados tapetes. Mas, se a
casa de Maria :Se assemelhava à maioria dessias. habitaçõ,es
. montanhesas, era uma gruta ,com uma pequena ,construQão na
frente; -em lugar de janelas, acanhadas aberturas junto da
porta para o ar e a luz; em v-ez ·de -as·soalho coberto de ta.pe ..
te-s, o chão ele barro acalcado e algumas esteiras.
Maria vivia no lar paterno; mas já ,era a desposada de
--um artífice, um carpinteiro, -estando à espera -do dia em -que
por ele fos.se levada ao novo lar.
Consistia então o desponsório num contrato legai que e-s-
tabelecia o domínio do marido sobre a mulher. O matrimônio
. estava, pois, em essência, concluido pelo desponsório: as nú-
_ pcias formavam apenas o desfecho do ,contrato, revestido de
certas ceremônias. Pelo desponsório entrava o esposo em pos-
s·e de todos os direitos; ao pas.so qu·e -a esposa n·em antes nem
depois do contrato dispunha de plena liberdade.
Em parte alguma do mUlndo leva-se uma existência mais
.rec.olhida do ·que nas habitações mais que simples. e en-caixadas
na.s montanhas da Palestina. Fechada a p-orta, ouv-e--se apenas
como de lon,ge as pisadas de animais que passa;m e as estri-
;dente.s V:.oz·es dos que os tocam, a viva vozearia das mulh•eres
e a .conv.ers.a dos homens, os -gritos e as ofertas dos nego-
ciantes.
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Foi ;uum recinto como este •q1:1e ap~receu o anjo Gabriel a
Maria, saudando-a:
"Ave. cheia de •graça! O Senhor é contigo, •ben•dita és tu
entre as mulheres!"
Maria -e-staria rezando naquele modo todo misterioso, em
que ela m,e.sn1a mal conhecia quanto estava absorta n-as coi-
sas divinas. A saudação •do anjo ela en'Cheu-se toda de es-
panto; mas ,n·ela, ao contrário da precipitação de Zacarias,
tratava-se de um desas-sossego que não -podia penetrar no
âmago d'alma; não perdeu o domínio de seus pensamentos;
procurou mesmo explicar-se o que ·esta saudação significava.
Não era, pois, costume saudar-se expres-samente as mulheres.
Até nas visitas de estranhos era tido como mais distinção in-
dagar-se dos maridos a seu respeito, demonstrando-lhes as-
sim atenção, •em vez de dirigir-se diretamente a elas.
O anjo elucidou a dúvida de Maria:
"Não temas, Maria! Acha-ste graça diante de D·eus ! Eis que
há-s de conceber e dar à luz um filho, a quem chamarás Jesus!
Ele .será grande ·e será denominado o Filho do Altíssimo; Deus,
o Senhor, dar-lhe-á o trono de Daví, ·seu pai, ele reinará so-
bre a casa de Ja-có para sempre e seu reino não terá fim".
Maria será, portanto, a mãe do Salvador! Ela responde ao
anjo de modo que -suas palavras indicam que o desponsório
não a prepara para um matrim.ônio igual aos outros: "Como
se fará isto, u-ma vez que não -conheço um homem?"
Q.s doutores da lei haviam explicado expressamente qu-e
em certos -casos a mulher não estava obrigada a cumprir um
voto que o marido, como seu senhor legal, lhe tivesse f ei-
to sem seu con.sentimento. Nesse -caso ela podia separar-se
dele. Ora, de si mesmo se entende que uma mulher, sem a
aprovação do marido, não pode de forrna alguma fazer o voto
de continência. E como -o marido, pelo desponsório, já obti-
nha todos os direitos matrimoniais, Maria, com respeito a
e.sse.s votos, já se achava na condição de uma -casada. ,S-e ela,
pois, declara ao anjo -que não conhece -u•m homem, :supõem
suas palavras de modo in-dúbio -que são Jos-é tinha conheci-
-mento deste propósito e o aprovava.
Por que então ela se desp-os-ou, se -queria viver como vir-
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A visita de Maria e a sua estada em casa de Isabel
Nesses dias Maria pôs-se em caminho e dirigiu-Se
depressa para as montanhas, a uma cidade da Judéia.
Aí entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quan..
do Isabel ouviu a saudação, aconteceu que se moveu
a criança no seio e se encheu a própria Isabel do Es-
pí1-ito Santo (Lc 1, 39-56).
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Junto ao palácio de Herodes
O palácio era tambe-m caserna e for.taleza. Alicer-
ces ainda do tempo de Cristo. A direita saida pela por-
ta de Jafa para o caminho de Belém. Pode-se ver per-
feitamente .como empregaram na -construção grandes •e
,escolhidas ".pedras angulares". A parábola de Jesus da
"'pedra angular" que ·os pedreiros puseram de lad-o.
Orutas habitadas
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:t)aví e dos tem;pos de Maria: "A paz - A paz esteja con-
tigo!" Ao corre-sponder, a natural afabilidade dos orientais
leva-os a duplicar e a multiplicar a ·primeira saudação.
Uma cena ·semelhante poder-se-ia esperar quando a jovem
Maria de Nazaré entrou na casa de sua prima, coberta de po-
eira da longa viagem. Pouco depois -da visão do anjo ela par-
t:itra de Nazaré. Estavarn nas vés-peras da Pás,coa: facilmente
ela podia unir-se aos muitos grupos de peregrinos.. O tempo
de chuva já se ia acabando; com o sol mais ,quente, a planície
de Jezreel assemelhava-se a um verde lago de ondulante ·-seara
e mesmo os altos pedregosos de Samaria e da J-udéa mostra-
vam u1na côr mais escura; por toda parte germinavam no-
vos e viçosos raro.os ; -os ,grandes e abertos cálices das ane-
monas bem como as estrelas dos narcisas brilhava•m aos raios
do ·sol; em certo sentido ~ra a época mais linda do ano.
Podia-se prever que Isabel saudaria a prima com grande
regozijo. Quanto se alegra uma mãe qu,e está para dar à luz
quando uma outra mulher amiga a vai visitar! Mas tambem
Maria vinha com um alegre segredo. E os seus filhos sau-
daram---se, enquanto as mães se cumprimentavam e os se-
gre,dos revelavam-s:e ·por si 1nesmos. Durante a saudação, a
criança se m.oveu no seio de Isabel e ela mesma, cheia do
Espírito Santo, conheceu ·por ,que Maria, sua prima, a vinha
visitar. Isabel, em todo caso, devia ter feito seguir, confor-
me a praxe, à ·primeira saudação umas outras tantas; mas,
nesse momento, as fórmulas corriqueiras foram partidas e
enchidas de novo conteúdo. Ainda hoje co.stuma-s.e dizer à
recepçã,o de uma pessoa altamente .colocada.: "Como me-
re-cí eu esta honra ?" Assim ta-mbem Isabel, a veneranda
consorte do sac-erdote, disse a llaria: "Bendita és tu ·entre as
mulheres e bendito é o fruto do rteu ventre! E -como merecí
cu que a mim venha a m.ãe do m,eu Senhor ? Eis -que, quando
a tua voz chegou aos n1eus ouvidos, a criança se moveu de
alegria e-m meu seio! Bem-aventu,rada és tu porque acreditas-
te ,que se hão de realizar as coisas que Deus te mandou anun-
ciar.!"
"A mãe de meu Senhor!" f.oi o título -que Isabel deu a Ma-
ria; a sua. fé já via mais, mesmo ·antes que a criança avis-
tasse a luz do mundo, do que os apóstolos chegaram a conhe-
cer depois de muitos sinais e mila~gre.s. A saudação torn-ou-se
um voto de felicidade: B-em-aventurada é·s tu! Ainda hoje é
t~ostume felicitar-13e mutuamente com as palavras: ''Bendito és
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tu! Bendito s•ejas tu!" Mas tam,bem este torn-eio de expressão
foi aqui elevado da vida ao mun·do da fé.
Para ocidentais que consideram detidamente o texto sagra. .
do, não pode deixar d·e causar certa estranheza ,que Maria,
respondendo à saudação, assuma logo um tom todo elevado
e .sublime : "Engrandece minha alma o Senhor !"
Quanto já .se tem escrito sobre esta expansão do coração
de ~aria, o Magnificai! I-:Iouve quem o declarasse interpola. .
ção à guisa de acompanham.ent,o poético do texto; outros pre-
tenderam proclamar Maria com.o poetisa, como se este título
não envolvesse um rebaixamento para quem é considerada, de
fato, mãe de Deus.
A verdadeira interpretação desta palavra -encontra-se nas
cir-cunstância.s es-pe,ciais deste tempo, que ainda hoje :se po-
dem observar na Palestina em semelhantes ocorrên·cias.
Nem é necessário ir tão longe. Na Grécia ou m,esmo na
Córsega, por exemplo, deparam-se-nos costumes entre o povo
mais simple.~, ,que podem ser con:siderados ·com-o condições
preliminares para o Magnificat, o B·enedictus e o Cântico de
Simeão. Mulheres acanhadas e sem· instrução alguma tornam-
se poetisas na excitação dolorosa da perda de um ente que-
rido, prorrompendo muitas vezes em eloquentes expressões
,para dar expansão aos seus senthnentos. Consistem e.~sas la-
mentações em boa parte em uma .série de fórmulas e frases
tradicionais; mas a maioria das mulh·eres sabem formar des-
tas frases, pela combinação que lhes vão dando, algo de novo
e pessoal. Tambem na Palestina observam-se fatos idênticos.
Ainda, há alguns decênios, aconteceu que as m.ulh·eres dos be-
duínos, como outrora nos dias de Saul e Daví, em. caso de
guerra patentearam a sua veia poética, celebrando a vitória
dos •maridos.
Não admira, portanto, que Maria, ao encontrar-se com Isa-
bel, use de um.a lingua,gem solene. Revela-se e:m suas pala-
vras o mesmo fenômeno, observado alhures: diversas expres-
sões são tiradas de ,cânticos conh-ecidos, -que :se originaram
de o-casiões similares, por exemplo, do cântico que Ana entoou
ao nascimento de seu filho ,Samuel; a maior parte, .porém, foi
rec-olhida dos salmos.
O que jamais .se ouvira, porém, é, no cântico de Maria, o
conteudo. ·O .seu cântico fala-nos de ieoisas inteiramente novas.
Maria celebra a vinda do Filho de Deus, com .a ,qual começa
uma nova era - sendo ela mesm.a a sua mãe! E ao mesmo
tempo sente-se a-quele caraterístico raríssimo, que tambem se
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rnanife-sta na vida de Jesus. Suas ,palavras .são repa,ssada.s da
1nais :sublime e verqadeira humildade, ao lado de uma con-
ciência vivíssima de profeta.
"En-grande-ce minha alma o Senhor,
E o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador!
Porque ele olhou para sua humilde serva;
E -eis que de agora em diante ·me dirão
Bem-aventurada todas as geraçõ·es !"
Lei bem dura havia dominado até então: o poderoso tor-
nara-:se ainda mais poderoso; o orgulhoso ainda mais orgu-
lhoso; o ric•o ainda mais rico. E o fraco haviam enfraquecido
ainda mais; o hu·milde haviam hun1ilhado e o pobre ha.viam
empo-0recido ainda mais. Rompia então a era da graça; to-
·dos aquele.s que se ·grupavam em torno de Deus, podiam dis-
solver essa dura lei da vida natural:
"Grandes coisas fez em mim o Poderoso;
Santo ,é o .seu nome.
Perdura a sua misericórdia de geração em geração
Para todos os que o temem.
Com fortaleza domina o seu braço:
D-estrói os -corações dos soberbos
E eleva os humildes;
A. famintos enche de bem
E os ricos ~e.spede vazios.
Tomou a si o seu servo Israel,
Lembrando-se de sua misericórdia,
Como prometeu a n-ossos pais,
A Abraão e a .seus desc-endentes para sempre".
Convém n-otar -que Maria de 'Seu lado não está a expandir
sentimentos suscitados nesse momento. Desde que o anjo dela
se apartara, a sua mente ia coordenando os fatos em sua re-
lação ·com tudo quanto ela .sabia dos livros sagrados.
De Isabel e Zacarias diz-se expressamente -que estavam
repletos do E.spírito Santo, quando falavam profeticamente.;
e Maria, ao contrário, cala-se, o que não .se pode deixar de
supor idêntica iluminação anterior.
"E .~/.[aria falou" - assim começa o Magnificat. Até agora
ela não falara ieom. nin,guem .que, com:o ela, acreditasse na sua
verdade e realidade.
Com certeza, durante- a ··viagem a j-ovem virgem ia pensan-
do rece-osamente, como poderia transmitir à prima o seu se-
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gredo e -como esta o receberia. Uma certa preparação formava
a circunstância que tambem Isabel na sua velhice havia con-
·cebido; mas, entre este milagre e o milagre operado nela, ia
ainda uma distância infinita.
Tudo que até então ela havia reprimido em si mesma, pror-
rompeu a.gora em presença da prima que, iluminada por D-eus,
já o sabia e acreditava. Não é a ·parte poética que aquí é o
principal: na poesia oculta-se sempre um elem•ento de sonhos,
algo de irreal, -mesmo e-m plena realidade da vida. Acima da
arte poética estão aqui a verdade das palavras e o conteúdo
todo divino. O que alhures é belo como poesia, passa aquí a
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nos a enulllterar os seus homens capazes de empunhar uma.
espingarda: a opinião pública sabe avaliar devidamente uma.
família forte e f e-cunda em seus filhos. Em ·consequência deste
modo de ver, compreende-se que o nas-cimento de lHna menina.
não possa ter a mesma significação do nasci.menta de um.
menino - procura-se neste caso consolar o pai, refletindo que.
afinal de contas é sempre melhor do que nada.
Para os israelitas o nascimento de um filho varão tinha.
uma ·significação toda própria não só no sentido acima men-
cionado, mas tambem. com respeito à religião. Pois formavam.
o povo do futuro. Consideravam no nascim.ento de um novo
descendente a promessa reafirmada de Deus aos pais: Tam--
bem a vossa estirpe na continuação -da prole há de ver os.
dias do Messias! Homens -de uma época em que tanto tem,
diminuido a -continuidade da família e err1 que nem mais ·se
toma em -consideração como real fator o trabalho e~ conjunto.
de várias geraçõ,es que .se vão ·sucedendo, não podem mais fa-
zer ur.aa idéia dos sentimentos que de um pai israelita se:·
apoderavam, quando tomava nos braços o seu primogênito.
Quando m!uito consegue-o de certo modo o fazendeiro que olha
_l)ara o futuro, ven.do na prole os continuadores e desfrutado-
~es de seu trabalho.
Que emoções e que religiosa unção sentia nesse momento,
o velho Zacarias! Ele bem sabia -que em breve ,seria livrado da.
mudez.
Os vizinhos tam.bem não só participavam da alegria pelo
feliz acontecimento, m.as, até, e-m c·erto sentido, iam tomando-.
a direção desse lar de um ,chefe mudo. Quando ao oitavo dia
a criança devia ser circuncidada, entraram em acordo que o
nome que mais lhe -convinha era Zacarias. Em geral, evita-
va-se -cham.ar o filho pelo nome do pai. Mas no caso deste me-
nino, ao •contrário, parecia apropriado chamá-lo de m.odo igual
ao pai. Zacarias, a avaliar-se pela sua idade, já lhe podia ser o·
avô. Alé-m disso estava mudo e, confor1ne o parece.r dos cir-
-cun·stantes, inutilizado para a vida -social.
Nisso, porém, su:r.ge uma contradição de um lado do qual
talvez nin-guem suspeitaria. Opunha-se a mãe e ainda -por ci-
ma apres-entava um.a outra ·proposta: Jofro é que se deve cha-
·mar ! Compreenderiam talvez -os presentes ,qu:e ela aprovasse
o nome de Zacarias; mas qual a razão para chamá-lo de João?
Em toda a parentela não ocorria este nome!
Como é natural, dirigem-s:e ao pai m.udo, pedindo-lhe que
decida. E.stavam convencidos ,que e1'e nunca estaria •pelo nome
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-de .João. Perguntaram-lhe por meio de sinais: a criança já
.e.stava alí preparada para a -circuncisão. Zacarias pede uma
taboinha, repa.s.sada de ce-ra, em vez de papel, para escrever.
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Dirige-se então ao p1·óprio filh-o, falando-lhe não c-omo pai,
rrtas com,o profeta que -subm:ete mesmo esse sieu filho aos
!,Tande-s desí-gnios de D·eus ,com respeito ao seu povo, ple-
namente conciente que aí um ,posto -honroso vale mais do
que tudo quanto ele lhe pudes,se alcançar.
"T-u, porém, meu menino,
Serás cha1nado o profeta do Altíssimo!
Hás de precedér o Senh-or,
Para preparar-lhe os caminhos,
Para levar ao povo a notícia da salvação,
Para perdão ,de seus pecádos,
Pela profunda misericórdia -do nosso Deus,
Pela qual ele nos visitou,
Aparec·endo do alto dos céus,
Para iluminar-nos,
A nós ,que jazemos na noite e na sombra da morte,
Para dirigir os nossos passos
Pelos caminhos da paz".
E' p-ossivel que um ou outro vizinho tenha perguntado a
si ·mesmo: Para -que estes dois velhos ainda hão de receber
um filho? E quando, ao oitavo -dia, na circuncisão, tantos pro-
dí-gios ocorreram, todos esses fatos foram sendo repetidos nas
.montanhas, junto aos poços e à sombra das figueiras de novo
verdejantes, ao semear os cam·pos, e à trêmula luz da lâm-
pada ~de óleo. Um mixto de desassossego -e de esperança exci-
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Belém vista do campo dos pastores
Paisagem do tempo da seca -do verão. Na frente só espinhos, cheios de
poeira, num solo desfeito em alva areia calcárea. Atrás das oliveiras de um
colorido cinzento-prateado vêem-se os campos já ceifados e já tendo ser-
vido de pastagens, agora ressequidos ,e por isso amarelados. Ainda :mais
atrás Betsahur, a aldeia dos pastores. No fundo B-elém com a igreja -da
Natividade. P-or cima uma abóbada celeste inteiram-ente azulada sem nu-
vem alguma.
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gem da planície, apontavam, numa distância dificilmente ava-
liavel em vista da claridade e do tremelicar do estio, as po-
voações mais ·elevadas, -quais pérola-s encaixadas nos montes.
Que pen.saria ela quando aí !obrigou Nazaré? O ,que Deus
para ,ela havia determinado, tocava de ,perto tambem ao seu
filho; era em todo caso um desígnio do Am;or infinito. A ele
devia ela entregar-se inteiramente quanto a-o futuro de sua
vida. Poder-se-ia pensar facilmente que Za·carias e Isabel ti-
vessem informado a família de Maria santíssima a respeito
do -que .sabiam. E algumas explicações antigas supõem que,
durante a viagem, são José se ten-ha inteirado -de tudo. Mas
a r·elação evangélica não parece •estar de acordo.
As mulheres que m,oravam com Maria na mesma casa, quais-
quer •que tenham sido, foram certamente as primeiras que
observaram o seu estado. Mulheres percebem estas coisas ao
1
mencionado adiante.
,Cala-se a Escritura ,com a.s devidas reservas acerca das pri-
meiras impre-s.sões de são José ao receber ·es.ta notí,cia e o
melhor ,que podemos fazer é imitar-lhe o exemplo. Todavia, se
Maria já se atemorizou à saudação do anjo, poderemos pen-
sar em idênticos e ainda maiores te~ores de são José à no-
tícia do que :se passara. E tanto maiores foram as suas pre-
-ocupaçõe.s, quanto não se ·sentia inclina-do .por zelo algum d-es-
ordeni:),do a livrar-se das dificuldades, atirando. .as simples-
mente à esposa.
Para •qualquer jovem israelita daquela ép-oca o caso se..
ria resolvido em ·dois tempos: Talvez primeiro não quisesse
acreditar o que diziam -da sua esposa; mas, logo -que se tivesse
persuadido da realidade, ter-se-ia deixado levar p,elo seu zelo
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ofendido a denunciá--la. A lei ,que detenninava a. pena de mor--
te para uma espos·a infiel, ao tempo de Cristo, ao que parece-
já era interpretada mais favoravelmente. Nem sempre lhe apli-
,cavan1 -o apedrejamento. Mas que terríveis tempestades costu-
mavam cercar estes ,casos-, dern.onstra-o µm fato ainda recente.
Pouco antes -de um casamento, quando todos já estavam re-
unidos, apareceram testemunhos indú.bios de que a esposa não
vivera c-om-o devia. Imediatamente o pai ·convoca os -homens
presentes e pergunta-~lhes: "·Que ,devo eu escolher? A vergo-
nha ou a m:orte ?" - "A morte! A .morte!" bradaram-lhe eles.
O pai toma da espingarda e mata a própria filha.
São Mateus conhece o ç,ndamento comum desta.s coisas que
tem em miente quando escreve que .são José, como "justo" que
·era, estava decidido a não infa1nar Maria publicamente. Aliás
restringe-se o :H~vangelista laconiearn;~nte a algumas poucas
palavras; o modo mais viavel de .se reconstruirem, os aconte-
cimentos -é encarar a narraçã-o do ponto de :partida de algumas
·questões determinadas.
A primeira questão de decisiva importân-cia é: que p ensa...
1
va ,são José de Maria? Poderá ele acaso tê-la tido por cul-
pada ou inocente, ou absteve-se inteiramente· de qualquer jui--
zo?
Supõe1n as palavras da narração que são José estava per-
suadido da sua inocência. Pois lemos -expressam:ente ,qu:e ele
era "justo" -e por esse motivo não a queria envergonhar. Caso
a tivesse em, conta de culpada, o seu procedimento não podia
ser considerado "justo", devendo, ao contrário, ser aco:im.ado
de esf.acelan1ento moral. Entretanto situação semelhante des--
,creve-se numa comparação judaica, que até •certo ponto po--
deríamos aproximar da de são José, nunca, porém., da de Ma-
ria. Assim foi ,como um rei que -d:es-posou uma mulher e lhe
deu por escrito a declaraçã-o de casamento ·que entregou à
sua testemunha. Algun·s dias depois espalhou. . se a respeito des-
ta mulher uma notícia pouco favoravel. Que fez a te.stemu--
nha? Inutilizou a de-claraçã.o de casamento, di.zendo: "E' me-
lhor que ela -seja ,condenada como solteira do que como des-
posada!" A testemunha procedeu no ,caso, como aliás muitas
vezes, ,como representante do esposo.
lJ1na outra ,questão pode ser formulada: T,erá Jo:s-é s.uspei-
tado de algum modo que se tratava de fenôm·eno-s sobrenatu-
rais? aqueles letrados que se co1nprazem em demonstrar que
os próprios :gentios ·contavam e :Sonhavam com nascim·entos
de virgen:s e que, mais ou menos ao mesmo tempo em que
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.Jesus nasceu, o grande poeta. rom.ano Virgílio C'ele-brou o fi-·
lho de ··um.a virge,m o ,qual decidiria do an'.damento mundial, -
,~sse.s letrados não -poderiam certa.mente de antemão opor-se
1
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-O NASCIMENTO E A HISTORIA
DA INFANCIA DE JESUS
A região- de Belém em suas relações com a Bíblia (vista geral)
Jerusalém e Belém distam entre si apenas -duas horas a pé.
Ficam, porém, em II'egiões inteiramente diversas. Caminhando-
se d-e J-erusalém para as es-carpas das montanhas ao sul que,
embora quasi imperceptivelmente, formam as vertentes, de re-
pente o panorama se muda por •completo. - Desaparece Je-
rusalém construida com seus vales profundos ao sopé da mon--
tanha de Sião e vai assomando a re-gião de Belém. A povoa-
ção me.sma está ainda bem distante, mas toda a região abre-
se para -o oriente, divisando-se ao longe, por sobre a imensa
excavação do -mar M-orto, como un1 longo muro até ao longo
do rio Jordão, as encostas das montanhas longínquas: Depa--
ram. .s·e-no.s em toda a região vários fenômenos próprios da
transição dos ,campos de plantação ·para o deserto. E' bem
raro o panorama -que aí se apresenta aos olhos do espectador
que -des:te vale ou planície s·e volta para o mar Morto : são
tantas faixas de vegetação a começar das profundezas e ,ele-
vando-·se -sempre mais. ·O ·próprio vale ·-é um esplêndido cam-
po de .searas, um dos maiores da Judéia: daí o non1e "Beth-
lehem" - "celeiro de pão". Fora deste vale todo cercado, se-
•guem-s·e, nas ribanceiras, aquí e alí, algumas pequenas plan-
tações; começam então os terraços -em que as oliveiras flores-
cem otimamente, e a .que se vão s,eguindo -outros com raras
árvores bem pouco copadas; mais além ainda vai se estenden-
do a região calcária brilhando ao sol e mostrando ainda uma
ou outra arv-orezinha esgalhada, quais fantasmas no deserto.
Em consequência desta situação à margem do deserto, Be-
lém conseguiu conservar ·sempre o seu carater próprio, sem ser
·absorvida inteiramente por Jerusalém, em,bora situada em sua
proximidade. Ainda hoje é ela a -cidade que transmite o co-
mércio com o des-erto: aquí é ,qu·e os nômades ·compram fari-
nha e frutos e v-endem os s·eus =queijos e tecidos.
De especial importância para os pastores ·errantes é ainda
que esta planície seja protegida. ao -ocidente, pelo dorso das
montanhas, contra os ventos do inverno. Não se s-e-ca de todo
aquí, tão depres.sa, o solo, logo após as primeiras chuvas, ao
passo que o ar e a teITa se vão es-quentando muito mais aos
raios do sol. Mais cedo que alhures, vai germinando e se es-
verdeando a tenra •grama por entxe -os restos amarelados do
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ano anterior. Neste-s prados, a-o oeste de Belém, encontram os.
pastores recintos como desejam, protegidos do vento, para
curral de seus rebanhos durante a noite, ao mesmo tempo
que ferteis pastagens.
Aparecem -estas circunstâncias próprias de Belém e suas·
cercanias màis de uma vez nas narrações evangélicas. Em li-
nhas gerais apontamos as principais. Corresponde inteiram.en-
te às possibilidades ainda hoje existentes, que, ao nasci,t,-
mento de Cristo, pastores aí tivessem armado suas tendas
e vi,gi.ass-em o rebanho. Igualmente o -procedimento de He-
rodes, à vista dos Magos, quadra perfeitamente com estas
situações regionais. Se Belém fosse dois dias e não duas ho-
ras, apenas, distante de Jerusalém, ele teria procedido de
outro modo. Mas, lugar tão perto, ·cuidava poder vigiar com
seus próprios olhos. Onde se perde Jerusalém de vista e s-e
começa a avistar Belém, pode ter sido o lugar - assim diz a
tradição - em ,que os Magos ·enxergaram de n-ovo a estrela.
Por fim a matança das crianças está relacionada em sua ori-
gem eom as mesmas circunstâncias regionais. O palácio de
Herodes era contíguo à porta de Jafa, por onde passavam
diariamente -os seus merc-enários. Não dava na vista -de nin-
guem se eles marchas·sem contra Belém, cidade essa que· es-
tava situada ainda no •círculo de seus exercícios.
O nascimento de Jesus
Naqueles dias aconteceu que o imperador Augusto pu-
blicou um. edito, ordenando mn recenseamento em todo
o império. Este recenseamento foi o primeiro a ser le-
vado a efeito sob a regência do procurador da Síria,
Quirino. Todos puseram-se em caminho para inscre-
ver-se cada um na cidade a que pertencia (Lc 2, 1-7).
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eia: era a preparação para a transformação de todo o país
numa província romana, como- realmente sucedeu d-entro em
pouco tempo.
E' f acil avaliar o ,que os israelitas terão s-entido à notícia
desta disposição. Tais ord-en:S envolvem mormente o homem
do pov-o, -que tem juizo ,bastante ;para conhecer que n-enhuma
vantagem lhe podem trazer. Tambem -só numa planície são
exequiveis sem muitas injustiç_~ -e !severidades. Por -isso os ha-
,bitantes das montanhas sé lhes opõei;n• s-empre apaixonada-
mente. E, de fato, por ocasião de um recenseamento um
pouco posterior, na própria Palestina, 11ouve muito derrama-
mento de san-gue. São Lucas, distinguin·do o recenseamento,.
a -qu-e se refere, de um "segundo", pretende certamente desi-
gnar o mais calmo. Algo do que então -deviam sentir, ain-da
hoje pode-se observar na Palestina -quando aparecem numa
aldeia os agrimensores com ·suas. cordas, estacas e goniôme-•
tros; basta prestar--se um pouco de atenção às caras e às con-
versas dos habitantes!
Era o que ia acontecendo naqueles dias em que Maria com
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Belém vista do campo dos pastores
Paisagem numa tarde de dezembro. O solo e em parte as muralhas
apresentam depois das chuvas um aspeto mais escuro. A formação das nu-
vens é na Palestina muito nítida. As nuvens vão subindo do poente e con-
densam-se principalmente atrás do mais elevado dorso das montanhas de
Belém. Tem-se a sensação de urna tempestade. Chuvas sem ventania não
se conhecem no inverno. Se o Mediterrâneo não está coberto de nuv~ns,
reflete à tarde o seu brilho no espaço: - o tempo conserva-se bom. Se o
ar está carregado, pode-se esperar chuva. (Os discursos de Jesus sobre os
sinais do céu, i. é, os sinais de tempestades, os sinais do tempo). Estas re-
gras só valem - é de notar-se - para os tempos de chuva. Jesus falava
nos m-eses do inverno dos "sinais do tempo".
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da mais im~ressionante passa •quasi despercebida. Não con. .
sistia a dificuldade em encontrar on,dé pernoitassem, mas em
obter um lugar onde pudes·sem estar a sós. Pois Maria sus-
peitava de certo -que o nascimento dessa criança, concebida
tão prodigiosamente, seria tambem de um modo extraordiná-
rio: nada de mais pen·oso para ela do que o pensamento de
estar sendo •observada
. sempre por outras -pe.ssoas .
São Lucas só diz expressamente -que colocaram a criança
num presépio. Mas um .presépio supõe no ca.so um estábulo e
.um estábulo no oriente muitas vezes equivale a uma gruta.
Esses presépios eram feitos, geralmente, a.brindo-se uma espé-
cie de nicho nas paredes da gruta ou endireitando-o com bar-
ro, de forma que servisse para depositar o alim.ento de ju--
mento-s e vacas. O re,banho não costum~ ser recolhido nesses
estábulos, porque a lã sofre •em ·consequên-cia da forte tran-
.-piração dos animais, entrançando-se ,e endureeendo.
Atualmente descobrem--se ainda nas proximidades da gruta
da natividade -outras •muitas grutas s-emelhantes; algumas com
uma con-strução na frente servem de habitação; de fora, aliás,
só se vê de toda a habitação a porta de entrada; outras ser-
vem para guardar gravetos e ainda outras •quer para estábu-
los, quer para habitação dos pastores nômades, quando vêm
do deserto para a.s .suas negociações. Em um desses recintos
Maria deu à luz o seu Filho. Ela o envolveu em faixas -
delicada indicação dos evangelistas: Maria, que concebera ma-
ra vilh-osamente, tambem. deu à luz o filho, permanecendo in-
tata mesmo depois de ser mãe.
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apriscos· f.ech-ados para não deteriorar a lã. 1Tambem a litera-
tura judaica distingue entre -os "animais de estábulo", que
são tocados à noite para o curral coberto, e os "animais d-0
pasto" que "desde Páscoa até às primeiras chuvas do outo-
no" ou ''mesmo sem.pre" pass·am a-s noites- nos pastos. Destes
r·ebanhos e .pastores é ,que se trata no Evangelho. Ainda hoje
os pastores nômades levam o nome de "·pessoas que vivem
ao relento". A expressão de são Luca.s parece ser-lhe apenas
a equivalente ;grega.
Muito se as.semelhava esta vida pastoril com a do patri-
arca Abraã.o: noite por n-oite punham-se a contemplar o Ímen-
so negror do céu -e-strelado, -que já Abraão contemplara.
Eram homens livre·s, m:as essa lib·erdade era a recom·pensa
de penosos sacrifícios e muitas renúncias. Com maior fide-
lidade do .que outros, eles c.onservavam a fé simples e pro-
funda ·de Israel. Nem é sem certa importância para a com-
preensão de todo esse ,episódio que os pastores -então eram ti-
·dos como pessoas ,bem despreziveis. ·Corria o aforismo, que não
se eduq1:1e o filho para tropeiro, parà guia de camelos, para
barbeiro, para marinheiro, para pastor e para mascate; pois
o :seu -ofício é ofício de ladrões.
Subitamente m.o.strou-·se o anjo ante os pastores, iluminan . .
do-os com uma claridade toda celeste. Ninguem pode perma-
necer im,passivel, -sentido-se diante de forças •que não estão
ligadas às leis comuns da vida humana. Atemorizam-se este-s
homens tão corajosos. O anjo procura acalmá-los; e só a cir-
cunstância de que ele c-om·eça a falar, os vai sossegando.
"Não temais! Eis -que vos anuncio uma grande alegria, que
será partilhada de todo o povo. Nasceu-vos hoje na ·cidade
de Daví o Salvador, Cristo -o Senh-or. Este vos será um sinal:
Encontrareis um menino envolto em faixas e colocado num
presépio".
Entenderam os pastores, ·como filh-os de Israel cheios de fé,
o -que lh-es era anunciado. Chegara o Messias! O anjo indi-
cara-lhes u·m sinal, que devia ser ao mesmo tempo um dis-
tintivo e um prodígio. Nasceu um menino que, de um lado, se
via que já era esperado: - a sua mãe já lh,e havia prepara-
do as faixas. Quanto ao mais, -porém, encontrá-lo-iam em
tanto abandono como ·se ele conju:qtamente com o seu pai e a
sua mãe fos•sem. repudiados pelo mundo inteiro. O menino ja-
zia num presé·pio de jumentos e de vacas: o estábulo fazia as
vezes de casa e o presépio supria o berço.
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A esta palavra do anjo tornou--se visivel uma quantidade
de outros espíritos c~lestes, quais cintilantes nuvens, can-
tando um cântico •que jamais fôra -ouvido na terra: ''Glória
a Deus nas alturas e paz no mundo aos homens de boa von-
tade!"
De novo reparada estava a honra de Deus, o mundo tor-
n.ara-,se para o Pai celeste o que havia de mais precioso -
aí vivia entre os homen:s como home-m. tamibem o seu Filho.
Nisso f.oi- se .apagando o resplendor e desapareceu o coro
1
dos anjos. .
O:s pastores exortavam-se numa ·emoção de inefavel júbi-
lo: "Vamos a Belém! Vamos ver o que o Senhor nos anun-
ciou!"
Não nos é narrado de -que modo eles acharam -o menino.
Com certeza para eles, que eram pastores, a indicação do anjo
era mais clara do -que para os outros: pastores que, dia a dia,
vigiam os rebanhos têm uma memória fiel para particulari-
dades. O:s antigos pastores das montanhas alpinas conhecem
todas as ,cabanas dentro de u,m vasto círculo e muitas vezes
sabem como nelas penetrar m.esmo sem -chave -ou onde está
escondida a chave de madeira, muito parecida aliás com as
primitivas ·chave·s da Palestina. E' muito possivel ainda que
a indicação do presépio lhes facilitasse encontrar o estábulo.
Pois n·em todos os estábulos, formados em excavações, pos-
suiam presépios ou mangedouras; é presumível tambem que
esse estábulo nessa ocasião não f asse ocupado por animais.
Sabiam, portanto, -que se tratava de um estábulo vazio e com
um presépio. Por fim, é de tomar-se em -consideração a cir-
cun'.stância de que os pastores mesmos muitas vezes pernoita-
ram nessas ·grutas como ainda hoje acontece ·com frequência
na gruta ,que, p. ·ex., se pode ver no nosso quadro.
Conforme o texto, ainda na mesma noite os pastores fo-
ram à procura do estábulo indicado. Lá estava o menino no
presépio! Referiram a Maria e José o motivo de sua visita
a uma hora tão fora do comum. Era de certo modo tambem
uma descu~pa : - não vinham por próprio impulso; haviam
sido enviados pelo anjo .
Já antes de irem ao estábulo ou depois, a-o rom.per do dia,
encontraram pessoas da cidade e narraram-lhes os maravi-
lhosos acontecimentos. Não diz expressamente o evangelista
o que a esta -notícia o.s betlemitas fizeram; apen·as no-los
apresenta •em comparação com Maria. Esta, pois "ia recolhen-
do todas estas coisas e.m s.i", tudo .guardava ,como um tesouro
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.precioso no seu coração, coordenando todas as particularida-
de-~ em torn-o do mistér_io que só ~la conheci-a: o próprio Deus
__Jornara-·se h·ome:r.n ! $ão Lucas refere-se tambem expressa-
mente a Maria, porque as suas narrações .sobre a infância de
·Je:sus provinham dos testemunhos ,que dela l1avia recebido.
Voltaram os pastores radiantes de alegria para os se~s re-
banhos. Já nada mais desejavam: Afinal o Mes-sias havia apa-
recido e eles ·o -haviam visto como u-m menino recem-na;scido.
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de fé viva e simples é tida em •grande conta e excita os sen--
timentos religiosos mai:s profundos, ta-mbem na antiguidade.
judaica revestiam-se de suma importância a vi.sita e a apre-
sentação no templo.
Dirigiram.-.se Maria e José para Jerusalém, levando consigo..
o menino. No templo havia uma -certa porta ,designada para.
as mães que procuravam um sacerdote para oferecer o sacri-
fício purificador e re-s.gatar um primogênito. E' v,eros.simil que.
aí Maria se encontrasse com outras mães israelitas.
Todas essas ocorrências, vistas de f.ora, eram cenas muito)
comun,s na vida 'palestinense: um primogênito é apresentado.;
no tem:plo. Era ,como ·se cada -primi0gênito fosse resgatado.
ao especial pecúlio de Deus e entregue novamente ao pai.
Jesus, porén1, só tin-ha um pai no c·éu e, sendo resgatado, .
recaía na propriedade do mes-mo Pai celeste. E este Pai exigia
dele exatamente o que a todos -os outros perdoara: que imo-
lasse a sua vida.
Aceitara Jesus e:sta missão no momento da circuncisão, en-
trando para o povo de Israel; sua alma já havia de·spertado,.
embora exteriormente ele não o deixasse transparecer. O Es--
pírito de Deu.s m.esmo provide.nciou que este solene momento,,
em que o Salvador entrou pela primeira vez no templo, fosse
testemunhado tambem diante de Israel.
Vivia então em J.eru-salém um homem justo ·e temente a
Deus, chamado Simeão. O Espírito Santo lhe revelara que não
morreria .sem ver o Salvador prometido. Simeão não era sa-
cerdote e geralmente não :Se detinha no templo. Mas na mes---
ma h-ora em .que José ~ Maria entravam nos átrios do templo,
talvez com certo mixto de respeito e acanhamento com que
homens -simples ,costumam penetrar em lugares públicos, por·
ocasião de cerer.a.ônias públicas, talvez ta·mbem inteiramente
absortos n-os mistérios que só eles conheciam, tambem Sime~o
foi conduzido a este m-esm.o templo pelo Divino Es.pírito que,
alé-m dis.so, o iluminara para reconhecer nes.se menino o fu-
turo .Salvador de Israel. E não só isso: Simeão avistou mais
longe ,que o próprio Zacarias: com.preendeu a significação do,
Messias para todos os povos do mundo: vinha salvar a to. .
dos! Ag-ora devia ,di.ssipar-se a ·escuridão que encobria, como
um véu, os -olhos dos ·gentios, o que redundava por sua vez··
em -glória para Israel.
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"Demite agora o teu servo, Senhor,
Segundo tua palavra, em paz!
Pois meus olhos v-iram. a salvação
Q-ue preparaste em presença de todos os povos.
Luz que ilmninará os gentios,
Glória para o povo de Israel''.
Taro.bem Simeão expande o jú·bilo do seu coração em lin•
~-guagem elevada. Mas de suas palavras estamos reconhecen-
do o homem do povo, simples e já entrado em anos: - já não
tem desejos, e ,já nem sequer muitas palavras para a reali-
zação de seu único e antigo de-sejo - .suas últimas palavras
..soam ·como a despedida de um ancião cansado de esperar.
Contudo, o maravilho.so -canto apresenta a missa.o do Salvador
em toda a sua gran,deza: todos os povos compartilharão da
redenção vinda de Isra·el.
José e Maria pasmam, quando -Simeão se dirige a eles e,
como se -ele .soubess-e que nesse caso o menino só tinha uma
1
-42
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mente a obras de piedade. Tambem ela, guiada pelo Espírito
Santo, alí apareceu e reconheceu o Salvador. ·Como senhoras
já idosas e· da-das à piedade, Ana tinha muitas pessoas co-
nhecidas que participavam de seu modo de ver. Suas conver-
1
43,
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Vista da igreja da Natividade para a ribanceira defronte
Exemplo de uma encosta na Palestina. A fotografia é de agosto, t·em-
po da seca. Os campos estão desfeitos -e brilham quasi . tanto como a ofus-
·cante poeira dos caminhos. Contrastam com eles as árvores negras: fi-·
gueiras, abricoseiras, granadeiras. Há aí tambem vinhas e figueiras pro-
miscuamente ... No verão de 1929 já ·em agosto as figueiras em parte tinham
perdido .as folhas. Logo na frente está a gruta ( cfr. pág. 24) com o seu
contorno. Diante dela um campo ,de figueiras. A direita do quadro uma
outra gruta. Mais para cima um aposento que só se pode conhecer pela
porta. A direita começa o terreno não cultivado. O sinal disso são as oli-
veiras, que não toleram outras plantações por baixo. A fotografia é instru-
tiva, porque esta encosta fica perto da cidade e já no tempo de Cristo deve
ter apr~sentado um aspeto semelhante.
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"
•
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vir esses homens distintos e para onde ,querem ir. E. há sem-
pre alguem que ·com muita -sujeição se oferece como. guia. Foi
o que aconteceu no dia em que os -magos chegaram a Jeru-
Hul6m.
·1iJm toda parte Herodes tinha os seus espiões espalhados, de
.modo que bem depr,e-ssa chegou -a ele a notícia de.ss-es homens
assaz estranhos. Com admiravel brevidade refere são .Mateus:
:licrodes temeu e com ,ele espantou-;s·e toda a Jerusalém.
Coincidiu este fato com os últimos anos do rei. A sua des-
confiança foi as-sumindo pro-porções de verdadeira mania de
perseguição e o povo foi temendo sempre mais os requintes
de sua crueldade.
"O Rei ·dos Judeus" não devia ser um Rei .qualquer, mas
um Rei no seu sentido próprio, o Messlas. Bem sabia Herode-s
que os livros sagrados continham várias profecias a esse res-
peito. Convocou, pois, os sumos-sacerdotes e escribas, aque-
le grupo do -sinédrio que era autoridade na ,explicação da
1
JiJscritura, e indagou deles onde esse rei devia nascer. As· no-
vidades -espalham-.se no -oriente com ·extraordinária rapidez
,de casa em -casa e de porta em. porta. Os membros do siné-
drio ·podiam sus·peitar perf.eita:rp.ente a relação entre a per-
gunta ,de Herodes e a chegada dos magos, mesmo se Herodes
não o dissesse claramente.
Respondeu-Ih-e o ·sinédrio à per,gunta sobre a cidade natal
,do Mes.sias :
"Em Belém na Judéa (deve nascer). Pois asslm escreveu o
profeta~ E tu, Belém, na região de Judá, não .és de nenhu-m
modo a mínima ,entre os principais de Judá; •porque de ti
nascerá o dominador que há ·de reger o meu povo de Israel".
Esta re-s·posta ·e, mormente, as. circunstâncias concomitan-
tes :sossegavam Herodes de certo modo. Em Belém é que de-
veria nascer o Messias! Belém era um -cantinho, sem famí-
lias importantes; a estirpe de Daví, -que se originava nesta
cidade, vivia na obscuridade. Ainda mais que a resposta, po. .
rém, terá contribui-do para acalmá-lo o procedimento dos su-
mos -sacerdotes e •dos escribas. -Sem rebuços indicaram o lu-
gar do nasciµi-ento do Messias, dando a entender que eles mes-
mos não tomavam. a -sério a embaixada dos magos. Ter-se-ia
ridicularizado diante deles ,e posto em dúvida o- seu plano, se
encarasse o caso ~com.o muito importante e tomasse providên-
cias que os judeus pudes.sem notar. Por ,en quanto bastava
1
45
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"Herodes mandou chamar a si os magos ocultamente". Im-
põe-se aquí uma pergunta: Foi esta a primeira ou segunda
vez ,que os magos falavam pes·soalmente com o rei? A rela-
ção aponta os seguintes fatos: Os magos aparecem, pergun-
tam pelo rei, H·erodes os ouve e teme, toda a Jeru~além teme
com ele. Não se pode concluir com clareza se Herodes ouviu
pessoalmente dos magos a pergunta acerca do filho do Rei.
D·e são João, p. e., lemos ta-mbem que ele "ouviu" acerca dos
milagre-s de Jesus, conquanto se tratasse unicam·ente de nar-
rações referidas por outras pessoas.
Este convite "oculto" devia suscitar nos magos a impres-
são de -que Herodes, o idoso rei, estava inteiramente do seu
lado. Tornou-se para ele facil indagar exatamente o tempo da
aparição da ·estrela. Despediu-se então -deles, mandando-os a
Belém. Bem junto do seu palácio passava o -caminho pela
.porta da cidade e daí pelo vale de Hinom e pela planície até
à cidadezinha de Belém.
Suas -palavras foram: "Ide, pois, e procurai diligente-mente
o menino! E logo -que o en-contrades, anunciai-mo para que
eu tambem. aí vá adorá-lo!"
Da circunstância de que Herodes não lhes mandou espiões.
a trás, concluiremos que ele se sentia inteiramente seguro da
sua trama. Equivalia, pois, a vitória de um espertalhão acima
de todas as espertez-as servir-se até de nobres estrangeiros
como espiões e investigadores para seus próprios fins. Mui-
tas vezes já se tem sublinhado que causa estranheza o silên-
cio -de Flávio José sobre estes fatos.
Ãvista disso é, entretanto, muito mais significativa a par-
ticularid8)de que esse -es,critor nos transmitiu acerca da ativi. .
dade dos espiões de Herodes -por toda ·parte e ·como ele mes-
mo ,em pessoa se ocupava em ·espionar. No fato em -questão
nós o vemos tomar -parte ativa. Ele toma a si mesmo o que
tocaria à polícia, •e faz de ·s.e-us hóspedes outros tantos espiões
subalternos. Tambem os e-scritos judaicos antigos -con-servam. .
nos traços dos requintes de espionagem de Herodes. Refere-se
aí, p. ex., ;que ele mandou -colocar na cabeça do Rabi Baba uma
coroa feita de couro de ouriço, para assim -cegá-lo. Depois as-
sociava--se ao infeliz e procurava .as.sim disfarçadamente sur-
preender o Rabi ;em alguma exclamação de ódio contra o r.ei.
Dizia-lhe: "Ningue-m ·está aquí que o possa ir contar ao rei.
Eu e tu ,estamos aquí ·sozinhos!" Toda -esta cena lembra as
dissimulações ·cliante dos macos.
46 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
A adoração do -menino pelos Magos,
Depois que os magos ouviram o rei, partiram, e eis-..
que a estrela que tinham visto no oriente começou no-
vamente a ir diante deles, até que, chegando, parou .
onde estava o menino (Mt 2, 9-12).
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 47.
. do-s templos e.gipcíacos ocorrem tambem in-censo e mirra como
-.dádivas de pessoas ''piedos-as' 1
•
·.48
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mando -caravanas, para mutuamente se auxiliarem durante o
longo camin-ho pelo deserto. Assim que alcançassem o "wadi
do E-gito", cujo extremo leito, geralmente sem água, formava
o lin1ite da Judéia, estariam salvos.
Daí em diante e.stendia. .se o deserto em que os hom.ens como
que desaparecem sem deixar v-estfgio algum.
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Casou-se Herodes nada menos de dez vezes. Mencionemos
apenas aquelas mulheres e filhos que representaram papel sa-
li-ente no drama desenrolado principalmente no fim de s·ua
vida. A primeira mul~er foi Doris; repudiada conjuntamente
com o filh-o Antípater, só podia aparecer ,em Jerusalém nas
g.randes festas. A segunda foi Mariama, neta de -Hircano. Foi
a mulher que H-erodes amou mais apaixonadamente; e foi
e.~xatamente ela a :que, por ciumes, mandou assassinar. Um
dos tres filhos de Mariama morreu em Roma: os outros dois,
,Alexandre e Aristobulo, deviam vingar-se do rei pela morte
de sua mãe. Da Samaritana Máltaqu-e, Herodes teve os dois
filhos Arquelau e Antipas, e de um.a certa Cleópatra de Je-
rusalém, o filho Felipe. Por muito tem.po Alexandre e Aristo-
bulo foram os prediletos de Herodes. Mandou educá-los em
Jloma, como dissemos acima, e quando voltaram à sua côr..
te, procurou .. Ihes ·esposas de sangue real. A·ristobulo casou-
s-e ·com Berenica, sobrinha de Herodes. Salomé, mãe desta Be-
renica, •cujo esposo perdera a vida por trama de Herodes, mes-
mo depois do casamento não ,dei:x:ou de ir instigando, quanto-
po.ssivel, os filhos da falecida Mariama ·contra o pai. Para vi-·
giar os príncipes .serviu-.s,e Herodes do repudiado Antípater,.
que chamou de novo à côrte. Conseguiu este que Herodes.
acusasse perante o Imperador os seus dois filhos outrora
preferidos; Augusto conciliou-os desta vez; mas poucos anos
mais tarde, n-ovamente SJcusados -perante o tribunal, foram en-
forcados em Samaria, exatamente onde já a sua mãe tinha
sido assassinada. Aconteceu isto .pre.sumivelmente no ano 7.
Agora Antípater sentia-se vencedor. O próprio Herodes já.
o designara por testamento para seu sucessor! Mas em pouco
tempo a desconfiança do :avelhantado rei recaiu no novo pre-
dileto. Procurou Antípater evitar uma desavença aberta, par-
tindo para Roma; na sua ausência H-erode.s colheu provas.
certas de que Antípater realmente trabalhara contra ele.
Por engenhosos ·pretextos levou-o a Violtar à .sua côrte. Nem
de leve suspeitava Antípater que -de tudo ·o pai _ _ .éstava per-
feitamente inteirado. Mal penetrara no palácio real foi logo
pre.so. 'Todo o modo -como Herodes .soube iludir por belas apa-
rências ,o próprio filho, atrain.do--o ao palácio, tem muita se--
n1elhança com o seu procedim:ento para ·com -os magos, no na-
8cimento de J-esus.
E os doi.s fatos -c•oincidem quasi no mesmo tempo.
Quando correu a notícia de que -o rei adoecera e não sararia
rnais, .sublevou-se o povo sob .a guia ·dos rabinos Judas -e Ma-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 51
Rua da antiga Nazaré
Além do vestuário, o quadro dá uma idéia da vida -e do movimento de
uma viela palestinense do tempo de Cristo. As mercadorias são expostas
diante -das casas: panos estendidos resguardam dos raios do sol. P-or ruas
como estas, Jesus adolescente ia à sinagoga e ao poço e, mais tarde, cami~
nhava como carpinteiro. Que alvoroço deve ter sido quando por aí arras-
taram o "filho do carpinteiro 1"
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e. 4
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tias e afastaram da porta do templo a águia =de ouro -que He-
todes tinha oferecido. Mas o doente ainda nã,o morrera. Man-
dou prender os agitadores -e queimá-los vivos. Seu último ato
foi •condenar à morte seu fil~o Antípater. Em seguida, tendo
voltado dos banhos de Calírroe para Jericó, mudou ainda uma
vez o seu te-stamento.
Cinco -dias depois da =execução de Antípater, v•em tambem
ele a falecer. O .seu cadaver foi transportado -com uma pom-
pa inaudita ·para o forte Herodium, ao sul de Belém, e aí se-
pultado.
,Q povo ainda e-stava alvoroçado neste dia p.or causa da
execução de J-udas e Matias. Em grande exaltação exigiam de
Arquelau, s-u•cessor de Herodes, o castigo daqueles homens
que o haviam aconselhado. A festa de Páscoa já estava per-
to. Arquelau quis usar primeiro de bondade. Mas, como nada
conseguis.se e como fos-s-e necessária a paz antes da chegada
das grandes .peregrinações, mandou .que os soldados investis. .
sen1 contra a multidão no átrio do templo. Entretanto, uma
·parte ·desses soldados foi apedrejada e a outra fugiu. Então
ele tornou-se impassivel e abafou a revolta derramando rios
de san;gue.
Partiu Arquelau .para Roma em procura da aprovação do
último testamento de Herodes, que o constituia seu suce-ssor.
Para aí dirigiu-:se tambem Antipas, seu irmão, com a-s mes-
mas aspirações ao trono, baseando-se no penúltimo testamen-
to. Seguiram-no conjuntam-ente muitos parentes seus, .para
protestar contra a sua nomeação: - -preferiam, conforme sua
expressa declaração, a regência de um oficial romano.
Entrementes a Palestina de novo movimentava-se, pois man-
dara o Imperador para aí expre.s.samente um procurador, por
nome Sabino, que oprimia o povo ,de todos os modos. Por
ocasião da festa de Pentecostes rebentou uma revolução. Tam-
bem na Judéa e na região do além-Jordão o povo se sublevou.
Interveio Varo, legado da Síria. Sahino fugiu e dois mil dos
revoltosos foram pregados na cruz.
Por fim Augusto, em vista das notícias .provindas da Pa..
lestina, determinou repartir -entre os filhos a herança do pai.
A Arquelau tocou a Judéa, ~a Herodes Antipas, a Galiléa, a
Felipe, a Itu.réa e a Traconitis. Mais ou menos por e.ss-e tem-
po são José deve ter voltado com Jesus do Egito. Compreen-
de-se que e.m toda -estalagem se falasse dos mais recentes
ac-ontecimento.s.
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Volta
Quando Herodes morreu, eis que um anjo apareceu
em sonho a são José no E-gito e disse-lhes: ''Levanta-te,
toma o menino e sua 1nãe e volta para a terra de Is-
rael; pois morreram aqueles que tramavam contra a
vida do menino" (Mt 2, 19-22).
54
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doso ia ficando ,sobre o lugar on·de devia morar. Em sonho
foi-lhe revelado que devia voltar para Nazaré.
·um dia, pois, lá estava José, o carpinteiro, de volta a Na-
zaré com Maria, sua mulh:er. Bastante tem;po havia decorri-
do desde a sua partida. Já nin-guem -pensava em indagar as
circunstâncias do nascimento •de seu filho. Convém. não es-
quecer que entre os .palestinenses, -como, em geral, entre os
l1a-bitantes dos paises meridionais, o ·s-entido da pátria é bas. .
t.ante amplo. Uma vez que se sintam bem no !gên·ero de vida
a ,que estão habituados, tanto lhes importa uma ou outra ci-
dade de sua pátria. Quando José e Maria regressaram do
:B~gito, foi certamente uma novidade para os antigos vizinhos
e conhecidos em Nazaré, mas uma novidade que nada em si
continha de raro e de sensacional. Em breve n-em pensavam
• •
mais n1ss-o.
A vida em Nazaré
José foi para a cidade de Nazaré e aí se estabeleceu
(Mt 2, 23).
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-que o inquilino, ao mudar-se da casa, -devia "deixar lá as
portas e as chaves". E n·um outro lugar fala-se de uma
"porta roubada".
Maria, a mãe de Jesus, tinha a seu cargo o-s trabalhos de
uma -casa .simples e até pobre. Ã semelhança da.s mulheres de
hoje, levantava-se com o cantar dos galos, para moer no moi-
nho de mã·o a farinha necessária ·para aquele dia. Ia então ao
único poço de Nazaré buscar água num grande cântaro; às
vezes terá mandado tambem o menino Je.sus com uma bilha
.menor ao mesmo poço. Fiava e tecia com suas próprias mãos
o pano de -que necessitavam.
Neste lar de Nazaré é que foi crescendo o m.enino Jesus.
Para -o nosso tempo, é de especial importância este trabalha-
dor obscuro e quieto numa pequena aldeia. O seu labutar nada
tinha de comum com a berrante •exclamação "trabalhar e não
de.se.sperar" e, muito m,enos ainda, com esse espírito moderno,
segundo o qual o trabalhador ,é considerado "escravo" e, o
que ainda é pei,or, .se .sente a si mesm:o com.o "escravo". Era
uma vida laboriosa, .sem ,que .se refletisse muito sobre isso;
pensava-se em Deus e não no trabalho.
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rituais e morais. As.semelham--se a uma nova ,criação; com.0 1
57'
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·mem, ele só tinha ·ouviido:s para a máxima de toda a sua vida:
"Eu vim :para faz-er a vontade do meu Pai".
Entrementes ia se aproximando o tempo do regresso. Con-
.:servam-se ainda hoje na vida pró-pria das ,caravanas os cos-
tumes das viagens do tem:po de Jesus. Reunem-se em grupos,
partin-do juntos e -determinan·do de antemão o lugar do des-
.can-so -e a estalagem para a noite. Compreende-se -que viajan-
tes por regiões incertas se con·servem juntos. No mais cada
um cuida de si. E' costum,e tambem d.ar-se, no primeiro dia,
apenas um breve começo à viagem: daí sói-se partir depois
··que vai passando o ·calor mais farte.
Não nos enganaremos pensando que os acontecimentos após
a festa de Páscoa se sucederam do modo seguinte: na manhã
do último d.ia Maria e José com o 1nenino Jesus dirigiram-se
ao templo .par.a assistirem ainda um.a vez ·ao -ofício divino. Os
habitantes de Nazaré já tinham combinado a -que horas parti-
riam, onde iriam descansar e onde pas.sariam a -prim eira noite.
1
Je-sus -que, ,corno "filho da lei", era tido como adulto, dispu-
nha de completa liberdade; não se desassossegaram seus pais
por não o terem a •seu lado, quando deixaram o templo.
A ·partida das caravanas de peregrinos maometanos para
a festa de Nebi-Musa, celebrada no santuário de Moisés no
-n1eio do deserto da Judéa, permite ao ·espectador uma idéia fiel
da vida e dos costumes em uso, no final de dias festivos.
Olhando-se da porta oriental junto às n1uralhas do templo
para a entrada de Betânia, descortina-se in-determinavel fi-
_leira de peregrinos. Cantam, tocam flauta, ressoam, estrídula
e abafantemente, instrum€ntos de bateria, entregam-s.e todos
. a -em.ações infantís. Iam-se enfileirando assim, naqueles dias,
-depois das ·grandes festas, por todas as partes de Jerusalém
-quantidade de peregrinos -em direção de suas aldeias e mora-
-dias. Num d.esses grupos caminhavam tamb-em Maria e Jos-é
_para a sua ci<lade.
Quando os peregrinos à noite se reuniram na estalagem,
notaram que Jesus não se achava na caravana. Maria e José
tiveram, portanto, ,que apartar-se dos •demais e retomar o ca-
minho pelo qual tinham vindo. Sempre que en,c-ontravam
-grupos de -peregrinos que ainda não tinham chegado à meta
,do primeiro dia, indagavam sobre o filho perdido. Assim che-
·garam de novo a Jerusalém. Que frêmito de terror lhes terá
sobrevindo, ao penetrar :n,as. ruelas estreita-s a regorgitar de
povo ! Quem lhes procuraria e acharia aí um menino?!
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Depois de tres dias, isto é, ao nos-so modo de ex-primir-nos,
ao: terceiro dia, encontraram Jesus no templo. Assentavam-se
os rabinos e.m escabelos rasos nos pórticos. do templo e ao re-
dor deles iam tomando lugar os que desejavam ouví-los. Mes-
tres e discípulos misturavam-se, ao mesmo tempo que esta-
vam divididos; nom:eadamente eram os mestres que entre si
se dividiam; ,cada um tinha o :seu lugar determinado para en-
sinar. Maria e . José entre .eles encontraram um. -grupo. for-
mado de legisperitos, portanto de homens avançados ,em idade
e no meio deles estava Jesus, o menino de ,doze anos. Ele ou-
via o -que esses mestres ensinavam, e por ·sua vez fazia-lhes
perguntas, portanto como alguem que f oss,e de igual condição.
Como terá ele chegado a tomar parte nessa reunião? Ainda
hoje .seria p-ossivel um semelhante processo entre mestres ori-
entais: Um ouvinte, mesmo um menino, faz uma pergunta ao
mestre - -este responde. O menino torna a -perguntar. -
O mestre presta-lhe atenção. Novas perguntas. Sem dar nas
vistas ,ele vai se inclinan·do .para diversos a1s.suntos, '""1,.ra exa-
minar es-se ouvinte - agora só tem esse único alU'.1.t~. V~i-s:e
entaboland-o uma conversa; persuade-se o mestre que tem di-
ante de -si uma celebridade do porvir; nã-o pode ocultar o
grande achado, outros m·estres hão de verificar tambem que
descobriu um talento.
As perguntas dos alunos forma:m uma. :parte essencial do
ensino em conformidade com a vivacidade ,própria dos orien-
tais. O Rabi Chanina diz: "Mruito aprendí dos meus mestres,
mais do que dos meus me-str,es aprendí -de ·meus colegas, ·e mais
ainda -de meus alunos". Exatamente -como aquí, tratando-se de
perguntas e respostas, reza tam.bem um provérbio: "Quem,
como visitante de uma casa de estu-dos, .pergunta e res;ponde,
muito proveito tem; a quem aí se as.senta e se cala, nada
aproveita". Um episódio que de algum. modo podemos confron-
tar ,com es-se fato, depara-se-nos na auto-biografia. de Flávio
Jos.é. Afirma-nos ele, -gabando-se de- si mesmo, que com qua-
torze anos já se tinha instruido tanto\J1a lei que sumos-sa-
,cerdote,s e cons·elheiros do sinédrio o proêuravam, ".para obter
dele especializadas ex:plicações a respeito da lei".
Quando Maria e José avistaram Jesus ,m·enino entre os dou-
tores, "ficaram fora de si" - é a expressão corresp-ondente do
forte termo grego. Esta palavra toma-se muitas vez·es num
sentido mais vago, porque fixamos o olhar mais na cena de
Jesus ,entre os ,doutores do que -em Maria e J o.s-é ! Mas se nos
tran-sportarmos à sua situação, alcançaremos todo o sentido
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Menino na idade de n1ais ou menos 12 anos
O Menino está indo ao poço buscar água. D·escalço·
pelo chã-o ardente. A túnica é presa pela cintura, gorro
à cabeça. É perigoso ·expor-se ao sol com a cabeça des-
coberta. Hornens adultos cobrem este gorro com a
Kefihe, um pano preso por -dois laços ou tiras de lã.
(Vejam o hotnem à esquerda do quadro anterior!) Je-
sus, aos doze anos, não terá tido uma aparência muito
di-ferente. Etn ambos os lados do caminho poeirento
muros de pedras soltas. Em suas peregrinações pela
Pat,estina Jesus can1inhou rr1uitas vezes por trilhos como
estes. () solo e os muros refletem o -calor em cheio ao
semblante dos viajantes. As pedras calcáreas -endure-
cen1 e racham as ,plantas dos pés. Ondas de calor so-
ben1 óo solo até ao rosto dos transeuntes. É um refrigé-
rio, quando, ao ·entrar-se numa casa, um servo derrama
um pouco de água nos pés. Compreende-se que uma
mulher de boa fatnília sinta in1ediatamente a falta de
tato, ·se se nega <:!Sta fineza a um hóspede, deixando-o
recostar-se para un1a refeição con1 os pés cobertos de
poeira, como acónteceu a Jesus na .casa de Simã-o, tão
reservado co-n10 ele se mostrava.
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-desta expressão. Haviam procurado esse filho no meio de tan-
tos terrores e apreensões e o que mais os terá atormentado era
pensar ·que J~esus entrett1entes se consumia de sau-dades por
eles. Afinal o acharam, mas em circunstân·cias· tais que no pri-
meiro momento ·poderiam ex-clamar com amarga -surpresa:
ele não sentiu falta de nós! "Filho, -por -que n-os fiz-este isto?
Eis que teu .pai e eu, aflitos, te temos procurado!"
Lamenta .as:sim a mãe no momento ,em que vê o filho extre-
mecido separar-se dela interiormente. .só quando soa esta ho-
ra é que ela e~pande ao filho o que de angústias se Ih-e passa
.n'alma.
Novas máguas produz-lhe e resposta do menino Jesus. De. .
mon.stra-nos ela taro.bem a nós que este encontro se realizou
<da parte de Jesus com uma calma tal ·que realmente era para
-que Maria e José ficassem fora de si. Resplandece nela algo
·daquela majestosa tranquilidade que da parte de Jesus era
própria num qualquer encontro: "Por que me tendes -procura-
do? Não sabeis que eu devia estar com o meu Pai?"
Em certo s.entido estas primeiras palavras de Jesus, que
o Ev.angelho nos conservou, .são as mais estranhas que ele pro-
_nunciou durante toda a vida. E se, às vezes, não surpreendem
tanto, é porque eIIi vez de serem relacionadas à própria cena
;durante a qual foram pronunciadas, são interpretadas à luz do
-que se sabe de Jesus em toda a sua vida posterior. O re.speito
.na presença dos pais pertence ao insubstituivel caraterístico
de um oriental bem educado. Ainda hoje levantam-se os filhos
-cres-cidos à chegada do pai e não s-e tornam a assentar antes
. que ele dê expressamente um ·sinal. Aquí, -diante de Jesus, está
o :seu -pai -nutrício, e está a sua mãe. Oh! ,quanto -eles se. teriam
alegra,do s·e esse seu filho lhes tivesse corrido ao encontro e
·se tivesse lançado em seus braços! Mas ele deixa-se ficar tran-
quilo; está longe deles. E profere palavras que soam de um
modo incompreensível. Ante o hom.em -que sua mãe chama de
espoao, aponta para um outro pai: "Por que me tendes pro-
curado? Não ·sabieis que eu devia \estar -com o meu Pai?"
.O Evangelista acrescenta imediatamente: "Eles não compre-
enderam o que -ele -queria dizer ,com isso.. Maria, porém, con-
servava todas essas coisas no seu coração". Nessa ocasião
"Maria não o com.preendia ainda" - via apenas. o que os ou-
tros viam: - -e.stá .a indicar um Pai, cuja vontade toma tanto
a peito, que até a aflição de Maria e Jos-é lhe parece ser in-
diferente..só mais tarde, quando a vida de J.esus se desdobra-
ra toda, formando um todo para si ante os seus olhos, é que
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Maria pôde calcular quanto o seu filho sofreu •por esta sepa-
ração. Com toda a energia do seu coraçã-o-, Jesus se imolara
em sacrifício ao s-eu Pai no céu; com os anseios de um ado-
lescente que já não pode esperar, em!preen·dera o que fez -
era como se, qual um .penhor da parte ,do Pai tocante ao final
de sua vida, do seu descan:s-o .por tres dia.s no ,sepulcro, cais·se
uma .sombra no começo de -sua vida, como "f.ilho da lei", e
con10 essa sombra tive-sse coberto tam!bem a sua mãe - tres
dias passou .separado dela.
A "teoria da evolução" pretende encontrar uma .evolução
tambem na auto--conciência de Jesus- como Filho de Deus. Mas,
tratando-se da auto-conciên-cia de Jesus considerada em si
mesma e não de um desdobrar metódico das verdades teoló-
gicas relacionadas com ela, não ·s-e pode reconhecer nem um
leve vestí·gip de evolução entre a primeira palavra de seus lá-
bios: "Não .sabíeis que eu devia estar c-om. o meu Pai?,, e a
última exclamação do taumaturgo s-entenciado na cruz: "Pai,
em tuas mãos encom-endo o meu ·espírito".
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E' bem salutar esta representação do- Filho de Deus como.,
!-dmples operário a um tempo -em que mais se aprecia o traba-
lho feito do que o trabalhador. Depois da morte de são José,
seu pai nutrfcio, Je·sus, como operário independente, aceitava
e executava as encomendas ·que os ha-bita.ntes lhe faziam .. Mui-
tas vezes esses operários poss-uiam ·ou arrendavam pequenas
1,ropriedades nas proximidade·s das povoações. Nos docum.entos
egipcíacos, p. e.t encontra--se u-ma alusão a um tal Pav·etis, que
(!Xercia como Jesus o ofício de ·carpinteiro e que arrendara um
campo. .AJs- circunstâncias da Palestina atual tornam igual-
mente verossímil ·uma tal -suposição. Desta vida tirou Jesus
.não poucas de -suas parábolas que mais tarde propôs. Não foi
sem rnotivo que ele tantas vezes falou de construir, de portas,.
de pedras angulares e de alicerces, do jugo e do arado, de se-
:rnear e da -colheita. Ele mesmo terá auxiliado a construção·
de casas; terá feito jugos e arados; terá .semeado e colhido.
Se nos re-presentarmos ao vivo e de um modo realí-stico a
vida de uma p-equena cidade oriental, seremos forçados a pe11-
sar que J.esus era considerado um homem. cuja bondade não
tinha limites, mas que, entretanto, em toda a cidade não pos-
:-1uia um único verdadeiro amigo : todos terão reconhecido de
algum modo, .co1n essa finura de ressentimento, própria de.
_pessoas -de classes humildes, que ele, J.esus, filho do carpin-
teiro José, interiormente era diferente deles. Podiam ser atraí-
dos ·para ele, ninguem, entretanto, se podia enganar, cuidan-·
do que lhe fosse indispensavel. E exatamente nisso consiste .
.rnuita-s vezes o íntimo des·ejo de pessoas do pov,o: -ser indis-
p(~n-s.avel a outras pessoas.
São Jo-sé deve ter morrido antes -que Jesus deixasse Nazaré.
M.a.ria, desde o misterioso fato -ocorrido no templo, já não s·e
HPntia segura -que a doce vida, que ia levando, não se iria mu--
dar de um dia para o outro .
Aí na -Galiléa, -passaram-se esses..._~:gos em calma relativa.,
l lerodes Antipas, filho de Herodes Magno, vivia mais folga-
d:uncnte do que o pai. Na Judéa, ao contrário, Arquelau, um.
011l.ro filho de Herodes Magno, reinava com tanta ardileza -e
,·rueldade que terminou sendo deposto pelos romanos por de-
H••Jo e pedido dos judeus. Nem por isso se aca·baram as tri--
hul:u;ões. Declararam os romanos todo o país com a capital .
•lt·1·u:--1além como província romana. Por essa ocasião, mais ou
n1P110H no ano· 6 depois de Cristo, teve lugar um novo recen-
u,·a-rut~n t.o que ,deu ensejo a u·ma revolução abafada con1 a
tuniot· crueldade. Ao tempo em que Jesus, com doze anos, pe-
(i3
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.regrinou para Jerusalém, já aí· comandava um •procurador ro-
_mano. Não há dúvida -que tambem em Nazaré se falava dos
.acontecimentos no sul. E Maria, cada vez -que se -dirigia com
Jesus ·para alguma festa em Jerusalém, terá temido que se re-
petis-se aquela triste perda de Jesus em Jerusalém, de um mo-
do mais terrivel, ficando aí Jesus para sempre.
A ATIVIDADE PúBLICA
DE SÃO JOÃO BATISTA.
,.COMEÇO DA ATIVIDADE DE JESUS
A luta entre Roma. e Israel
Da incorporação da Judéa ao Império- romano, passando a
.ser .simples província, originou-se unia tal transformação nas
condições polític-o-sociais, que dificilmente p-0demos. fazer uma
.idéia exata. Entretanto, esta mudança completa toca tam-
,bem as·saz d-e perto a vida de Jesus. O melh·or meio de conse-
_ ·guir-.se uma com.preensão mais nítida é recorrer aos documen-
tos egipcíacos, :sendo que o Egito mais ou menos na mesma
época que a Palestina entrou em contato -com Rom:a. Os do-
cumentos desenterrados aí patenteiam o que -os romanos al-
·cançaram no antiquíssimo país de uma cultura tão adiantada
junto do Nilo. O mesmo escopo pairava-lhes ante a insaciavel
ambição -quanto à Judéa, 1nas aquí, como vamos demonstrar;
pouco ou nada conseguiram.
A Roma imperial, com seu esplendor e com suas legiões, pro-
,duzia ao tempo de Jesus, nos povos do oriente, a impressão de
irresistivel fascinação. N,este particular, o que sentiam os po-
-bres felás, quando, em suas largas e primitivas embarcações,
desciam o Nilo até Alexandria para vender o trigo e aí admi-
ravam estupefatos o.s poderosos navios romanos - era tam-
1bem, sem .grande diferença, o sentimento que se apoderava de
_prín,cipes e monarcas -que se ufanavam em obter o título de
"amieus et socius populi romani" - •'amigo -e aliado do povo
romana''. E ·quanto as •camadas mais baixas do povo eram
subjugadas por essa fascinação, dão-nos um testemunho de
.admiravel vivacidade as cartas que nos foram conservadas de
Apion. Conduzido a Roma para formação militar, ess.e .ga-
lhardo jovem egipcíaco m.ostrava....s-e todo orgulhoso, logo após
poucos dias, •em poder servir no exército dessa Roma mun-
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dialmente festejada. Bom rapaz, escreve para casa uma carta
em .que com admiravel naturalidade expande os seus senti-
mentos em :sua linguagem pouco desembaraçada: "Peço-te, se-
nhor .pai, ,que me escrevas uma carta. Primeiro escreve-me
como estás passando; depois como estão passando os meus , ir-
mãos; em terceiro lugar quisera beijar aquí alguma coisa ( en-
viada)· -por tua mão. Pois deste-me uma :boa ,educação; e eu
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T-emidas eram as revisões, estando em voga o suborno dos
oficiais. Assim, p. ex., encontra-se a. seguinte carta de um
oficial, que a si m e.smo se ofereceu para is.so : ''-Comunico-te
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sua visita aos "sagrados ,crocodilos" tenham ·preparado o ali-
mento para os animais - à semelhança de um programa moder-
no. de -circo ou de visita a um jardim zoológico em que aparece
como número especiai o momento de dar a comida às feras.
Arquelau, filho de Herode-s Ma·gno e s,eu sucessor no gover-
no ·da Judéa, bem como em .sua crueldade, deu aos romanos
o ensejo para aplicarem à Palestina a sua antiga máxima:
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o nosso Deus é o verdadeiro Deus e só aos nossos antepassa-
dos é que ele se revelou!
Ab·straindo . . se dos valores religiosos de Israel, •há imenso
contraste na com-paração deste pequenino .p-ovo no solo .pedre-
gos.o ·da Palestina com o resplendor da cultura &"rego~romana
ao redor do Mediterrâneo. Por isso são exatamente os guias
espirituais de Roma os ;que mais desprezam esta estirpe asiá-
tica.
Em geral aceitava-se de bom grado tudo o que vinha do
oriente...Cícero, p. ex., tinha como ·professor um certo Antíoco,
oriundo de Ascalon. Filodemos de Gádara -parece ter sido um
poeta dos mais apreciados. N-os rolos. desenterrados em Her-
culanum, perto do Vesúvio, encontram-se !muitos fragmen-
tos de suas -obra-s. Entretanto, este interesse pelo oriente não
redundava em bem para os israelitas. Pois estavam de acordo
os .povos ao redor da Palestina em des:prezar os judeus.
Assim é •que Cícero, num discurso em defesa de Flaco, cha-
ma a religião d·e Israel de ''superstição ,bárbara''. Tácito fala
-do "•culto nojento e abobado dos judeus" e em. outro lugar
chama-os de um "-povo horrendo". Juvenal compraz-se em· ri-
dicularizá-lo: fala de uma terra em que "um antiquíssimo sen-
timento se enternece até ante porcos velhos, de modo que a
própria carne humana não lhes é pr,eferida". Chama-os de
"indolentes", porque não trabalham ao .sétimo dia; e "adora-
dores das nuvens", porque não conhecem ~dolo algum. Apolô-
nio tem-nos em conta dos menos dotados de todos os bár,ba-
ros, ,que "por esse motivo não contribuiram ,com invenção ne-
nhuma para o .progresso da civilização". E declaram-no:s não
só um -povo sem civilização, mas tambem sem Deus, pois que
não representavam seu Deus Javé em imagens e de modo al-
gum o introduziam.. no exército de divindades asiático-roma-
nas. Plínio chama-os. de povo ''conhecidíssimo pelo ·seu vergo-
nhoso ateismo"; Tácito, de "desprezadores ·dos. ·deuses"; Apo-
lônio Molon, de "ateus". Nem era muito diverso o modo de
pensar dos magistrados •que s·e iam sucedendo no governo da
Palestina.. O ton1 com que Pilatos no julgaµiento de Jesus se
exprime do "Rei dos judeus", bem se pode explicar por seme-
lhante opinião.
Entretanto, as narraçõe:s do Evan·g-elho e de Flávio Jos~
mostram -claramente q~e os romanos na Palestina encontra-
ram uma tal resistência que não conseguiram vencer.
E' o que vemos, p~ e., no -seu modo de proceder para com
a institu~ção do sumo-s.acerdócio em Jerusalém, se o com.pa-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 69
rarmos -com que fizeram no Egito. Ao passo que na região
do Nilo o.s su,mos-sa,cerdotes foram simplesmente postos de
lado, as!umindo romanos os seus altos postos, em Jerusalém
não ousaram proceder •do mesmo modo. E' verdade que ne-
gociavam -com a dignidade do s~mo-sacerdócio, como com ou-
tro cargo qualquer, -ofere-cendo-o a quem mais desse e mu-
dando copi frequência os inv-estidos desse cargo; mas deixaram
intata a instituição como tal. De outro lado, os jud-eus têm
de passar pelo vexame de ver os paramentos de gala do sumo-
sacerdote em -poder do procurador, o qual só permite o uso
. "
deles nas quatro grandes festas do ano. E' realmente simbó-
lico ,que esta disposição tenha vigorado exatamiente durante
a vida de Jesus, do ano 6 até ao ano 36 d. Cr. Tambem ao
sumo-sacerdote -concederam o supremo pod·er ·em -coisas mun-
danas; entretanto, ao procurador competia a ingerência em
todos o.s negócios. T-ornou-s-e assim a história dos procura-
dores romanos ·na Palestina uma cad-eia ·de ''casos" entre eles
e ,o .povo e seus guias.
Com os magistrados, aduaneiros e comerciantes romanos,
apareceram na Palestina tambem soldados romanos. Eram vis-
tos tanto nas estreitas ruas das cidades, como na:s estradas
dos •campos; todos -os pontos mais iro-portantes eram ocupados
por militares. Estes ·soldados serviam. tambem de polícia: uma
polícia no .sentido de hoje ainda não existia. A violência pre-
valecia muitas v·ezes ao direito.
Logo no começo, por ocasião de um reeenseam,ento para a
arrecadação dos ~mposto.s da nova. ··província, tev,e lugar um
levante. Só graças à influência do sumo-sacerdote Joasar é
que não degenerou numa verdadeira guerra. De outro lado,
o próprio sumo-sacerdote não conseguia manter o povo em
calma. Vivia-se numa contínua agitação interior, na qual des-
de o princípio sobressaiam principalmente os -galileus.
Ainda não existe uma investigação mais aprofundada acer-
ca da questão ·referente aos impostos no tempo de Jesus. E'
certo que se tributavam impostos ao im·perador, que o templo
recolhia o dízimo -e que os herodianos, como já antes os Pto-
lomeus, exigiam tambem uma porcenta,gem s-obre as colhei-
tas. •Conforme os romanos •costumavam -proce-der, é provavel
que os procuradores tenham conservado todos os impostos
antigos, encaminhando-os, poré.m, quanto possivel, para a cai-
xa imperial. Tácito rêfere, de fato, que .no ano 17 ·d. Cr. uma
embaixada da Síria e da Palestina se dirigiu a Roma, para
conseguir uma diminuição dos tributos exorbitantes.
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Sem que o homem do povo deixasse o trabalho de todo dia,
a vida foi-se ;mudando de ano para ano. E como sempre sói
acontecer, uma vez despertados o ódio ,e a •desconfiança con-
tra Roma, todos se inclinavam a atribuir aos romanos a -culpa
de todos os infortúnios e dificuldades, embora procede-ss.em
muitas vezes de outras fontes. Daí, libe-rtar--se do jugo romano
equivalia a libertar-se de todas as desgraças. Foi a.ssim. cre-
scendo uma nova geração : sempre em agitações, inc·erta de
si mesma, -cheia de .suspeitas e irritadiça: até o mais misera-
v-el mendigo sentia-se ameaçado. On·de quer que um homem
corajosamente se opusesse aos invassores, onde quer mesmo
que alguem .se insurgisse com audaciosas exigências e um
programa radical, podia contar com numerosos adeptos. Mas
ainda agora, e exatamente agora os filhos de Israel conser-
vam a sua persuasão de ser o povo escolhido e chamado
por Deus. Deus mesmo lhe tinha prom.etido um. Salvador, que
deveria aparecer na mais -crítica emergência, naqueles dias
em, qu·e
. o ,cetro fos-se arrebatado de Judá .
Entretanto, nem todas as condições sociais e partidos do
povo ·procediam do m-esmo modo. Prin:eipalmente os partidos
e ideologias que guiavam o povo, os fariseus e saduceus, den-
tro da Palestina, estavam s•empre a. guerrear-se.
·Os fariseus dominavam, e até certo g~au a história lhes
conferia es.se direito. ,Quando os últímos regentes da estirpe
dos hasmo.neus se deixaram contaminar pelo espírito estran-
geiro, surgiram homens -que fundaram um novo -partido, deno-
minando-se os "separatistas", a "elite nacional religiosan.
Se povos ,g-entios. igualavam inteiramente o próprio bem e
o bem ,dos seus deuses, em. certo sentido tinham. direito. Os
seus deuses, -como tais, só viviam, enquanto os seus servos vi-
vess,em, e ,só etam. poderosos, enquanto e no grau que estes
dominavam e -se conservavam no poder. Mas entre os israelitas
não era assim. O·s guias do povo, que quises-sem perman·ecer
fiéis à essência de Israel, deviam, à ·semelhança dos profetas
e dos macabeus nas maiores tribulações do povo, dedicar-se
in·condicionalmente à -glória ·do seu Deus. Exteriormente o zelo
dos faris-eus dava a impressão de ,que ·eles só tinham a Deus em
vista; na realidade, só procuravam em última linha a própria
honra. Procedia todo o s,eu modo de pensar e agir da idéia fi-
xa: Somos filhos de Abraão! Deus -deve cuidar de nós, sem
isso não poderá ser fiel às suas promessas! Adiante teremos
ocasião de referir--nos à concepção terrena e nacional que ti-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 7-1
nham do Messias, basea~do-se a seu. modo nas prom.essas dos
profetas.
,
Além dos fariseu·s, existia ainda um outro partido. E' evi-
dente que este .partido se -punha em muitas questões em aber-
la contradição com o primeiro, seguindo caminhos diversos,
como mais conduc-entes ao fim comum a todos. Era o partido
qu·e levava o n-ome ·de saduceus. Na -concepção m-oderna eram
os internacionais, "proclamando razoavel -e aceitavel unica-
mente a política das circunstâncias dadas". O gabar-se das
prerrogativas judai,cas -era 'para eles uma extravagância .sim-
plória. Os romanos eram indubitavelmente o primeiro po-
vo do mundo, a cultura grego-romana era a única formação
verdadeira. ,Que absurdo se um povo de pastores, de campo-
neses e de pescadores se lhes opusesse! O resultado seriam com-
plicações funestíssimas. Partindo des·se -ponto de vista, os sa. .
deceus declaravam-s-e por uma interpretação mais larga da
Bíblia e algumas máximas dos filósofos gregos. Em certo
s·entido, já então ocupavam-se -com afinco com o estudo de
religiões comparadas e consideravam ·em parte os livros sa-
grados do seu povo como um equivalente, aliás belíssimo, dos
mitos e legendas -de outros povos.
Num ponto, ;porém, estavam de acordo os •dois partidos dos
fariseus e saduceus, embora se combates-sem. em tudo mais:
nenhum dele-s possuia guias desinteressados e decididos pron-
tamente a dar a vida pelas suas convicções. No m,omento em
que apareceu um homem, que era um verdadeiro israelita em
conformidade ,com os destinos religios·os do povo, uniram-·se
ambos -para combatê-lo e exterminá-lo.
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via em contato com todas as camadas sociais, João levava D.G
deserto vida toda recolhida. Vestia-~·e de pele de camelo ou,
de um rústico tecido feito de pelo dos. camelos e amarrado
à cintura por uma tira de couro. Este vestuário dis·pensava-lhe
o trabalh10 das mulheres. E tambem ,quanto ao alimento, delas
não preci:sava: ''Vivia de gafanhotos e de mel silvestre''. Ain--
da hoje os pobres beduinos costumam apanhar ,gafanhotos e
torrá-los. A tradição judaica ass-e-gura-nos que já em . tempos
antiquíssimos ,gafanhotos sec-os eram vendidos no mercado_.
observando que os com-erciantes "os aspergiam com vinho",
para dar-lhes uma aparência mais atraente. Por mel silvestre
teremos -que compreender, talvez, não só o produto das a-be~
lhas ,que vivem nos cam,pos, mas ainda a resina de certos ar-
bustos, que se pode comer. O deserto de ·são João deve ter sido
um matagal inhabitavel. A ·palavra bíblica "deserto" corres·-·
ponde a tres significações um tanto diferentes: uma região·
j.nha·bitadla, um matagal e um deserto areento propriamente·
dito.
O te~po e o lugar apropriavam..:se ao seu aparecimento.
Em cima. das montanhas de ambos os la;dos do Jordão, agi-
tam-se fortes ventanias nos meses mais frios do ano, trazen·-
do consigo as tem-pestades desejadas, mas sempre desagra-
da veis. Lá em baixo, junto do Jordão, em sua parte sul, que·
1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 73
.:como outrora Gedeão, tantos homens es-oolhidos, com os ·quais,
.entre muitos -portentos e milagres, lograria libertar o povo do
jugo romano ?
Des-de sempre foram ,conhecidos e usados o.s batism·os como
.ações culturais. Corre·spon•de inteiramente à natureza humana
tomar a lim,peza exterior como símbolo da interior. Ainda
hoje milhares de habitantes das índias banham-se na.s águas
-do Gan ges e se lhes perguntássemos o que isso significa, tal-
1
Aí vem o M·essias
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gno de desatar-lhe as coITeias das sandálias. Ele vos bati-
zará no Espírito Santo e com fogo. Tem na mão a pá e lim-
pará a eira. Ajuntará o trigo n-um celeiro e queimará a palh,a
num fogo •que ,não se apa:gar.á!''
Em frases breves e claras J-oão Batista manifesta. o que
pensa de si mesmo. Não é digno s·equer de ·prestar ao Messias
vindouro o serviço mais humilde. Representações antigas mos-
tram -escravos ajoelhados diante do seu senhor a tirar-lhe
as san-dálias, ante-s de ele se recostar no s·eu leito. Desatar ou
carregar as san,dálias era tido -como s·erviço próprio de escra-
vos-. Er,a muitas vezes a primeira ordem -que o senhor dava
.a um escravo ,que acabava de adquirir, para mostrar-lhe o
seu direito de propriedade sobre eJ.e.
Maiores do que as- suas seriam as obras do que estava para
vir, assim como ele mesmo seria maior. Ele, João, batizava
com água; mas a .sim·ples água não podia produzir seus efei-
tos no interior dos homens. O batismo próprio .do Messias
transformará todo o homem; como um fogo, o divin-o Espírito
Santo o haverá de compe-n,etrar ·e consumir toda a impureza
que acaso lhes esteja oculta no interior. ·O homem, porém, po-
derá esqutvar-.s·e a -esse fogo, ·de modo -qu•e o .aparecimento do
Me.s·sias ocasionará uma separação entre os homens.
Depois da -colheita verifica-se uma -sensação toda. ·peculiar
no solo palestin-en.se. Recolhem-se os feixes nos terreiros de-
fronte da.s moradias, onde são esmigalhados pelos debulhado-
res. Como as espigas cortadas ao ta1o são muito ·quebradiças,
vai ficando debaixo das patas dos animais ,e de carros debulha-
dores uma mistura d·e palha, pedaços do talo e dos grãos já
trilhados; essa mistura é então empilhada em montes. A vá-
ri~s horas de distân,cia vêem-se esses montes amarelados relu-
zir-em -aos raios do sol em torno da.s ha.bitações. A·ntes das pri-
meiras -chuva.s toda essa n1istura deve ser -preparada. "A eira
deve :ser limpada". Aí pela tarde durante o verão, quasi iodo
dia, o vento do oeste, vindo do mar, começa a soprar pela
terra a dent1·0. Então os trabalhadores com as suas pás atiram
ao alto toda essa mistura. - Os ·grãos e os pedaços do t~lo
caem outra vez no chão, ao passo qu-e ·os leves pedacinhos de
palha são levados pelo vento à semelhança de nuvens de poei-
i·a. O monte qu•e ainda fica ao.s pés do padejador é passado en-
tão por tres peneiras, até que os grãos sejam inteiramente
Heparados dos pedaços de talo. E' esse o trabalho que afinal
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são João tem em vista: Ele não ,pensa na -palha mais fina que
que ·serve para ótimo alimento dos animais.
Como a mistura ,de trigo e resíduos de talos duros na eira,
o Messias há de joeirar a mistura dos homen,s. O trigo reco-
lherá nos celeiros - os escolhidos serão aceitos no seu reino.
O resíduo, aqueles ,que não se deixaram purificar pelo fogo
do Espírito, ·s·erão por isso mesmo atirados a um fogo que não
tem o fim de purificá-los e, portanto, já não ·será apagado.
Geralmente diz-.se -que são João com a fras-e "e lançaxá a pa-
lha num fog-o que não se apagará mais" já vai passando da
imagem para a sua realização. Não é bem -exato. Confarme o
modo de falar dos orientais, pode dizer-:se dos resíduos -que é
queimado num fogo que não se apaga.. Realmente es·s-es montes
de .palha· :seca ficam queimando por semanas a fio.
A alusão ao fogo castigador do infern·ô era im.pre·ssionante
de -modo especial junto ao Jordão. Achavam-se aí nas proxi-
midades ,do mar Morto, em que pereceram Sodoma e Gomorra
pelas chamas -e pelo enxofre. Naquela época como ainda agora,
uma ·densa e es-cura evaporação envolve muitas vezes o vale
como se fosse um último sinal do in-cê-ndio.
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popular de então. Nos dias do Messias terminarão as situações
oprimentes do homem do povo: A opressão do domínio es-
trangeiro, e preocupação pelo pã·o de todo dia e -pelo vestua-
rio, o contínuo receio ·da seca e da falta d'água; em lugar dis-
so viria o que a um oriental mais apetece: uma vida no meio
das riqu~zas e do fausto- mais resplandecente.
A opressão do domínio estrangeiro deve desaparecer. "Roma
é o inimigo!" Ressoa em toda a literatura. E essa literatura
é iapenas am ec-o do que era -comentado nas estalagens, nas
caravanas, nas praças, às portas da -cidade, nos campos e ·nos
bar,cos agitados pelas ondas. Romper o poder de Roma era. a
pr~eira condição de uma "redenção", como se esperava para
os dias d-o Messias.
Damos a ·seguir alguns quadros -que descrevem o despontar
dos tempos messiânicos :
''Nos tempos designados por Deus surge ,em Israel o Rei mes-
siânico, o Filho de Daví, o Unigênito do Senhor, o Cristo. Ar--
mado com um.a força divina, -esma-ga os dominadores injustos
(Roma e seus aliados), com.o vasos de barro que ao golpe de
uma vara de ferro -são partidos em mil pedaç-os. A palavra de
sua boca aniquila os gentios -prevaricadores, à sua am-eaça
põem-se a fugir . Sustem no seu jugo os -povos, de modo que o
têm de servir; e purifica Jerusalém dos gentios -que a têm
profanado. Nenhum estrangeiro ou ·peregrino poderá habitar
na te1Ta .santa. Enviado por Deus, não se apóia em cavalos e
guerreiros, nem em ouro e prata, nem na força do povo. Deus
mesmo é o seu Senhor e a sua esperança. E' ele que o robus-
tece no Espírito Santo e lhe incute o sábio plan-o que executa
•c-om poder ,e justiça. Não vacila a sua confiança no Senhor
e por isso não há ,quem prevaleça eontra ele; ele guarda o
povo, o rebanho do Senhor, fiel e concien·ciosamente, e 11ão
permite que um deles venha a cair. Portanto, feliz de quem
naqu,eles dias viverá vendo a salvação de Israel na união das
tribus ·que Deus há d·e levar a efeito!" Deus promete ainda:
"Quando estaveis no Egito, eu v-os redimi por amor do meu
nome; tambem quanto a Edom (Roma) eu o farei por amor
do meu nome; assim como eu vos redimi n·essa época, eu vos
redimirei no futuro (nos dias do Messias). O último domina-
dor (de Roma) que .possua o trono, ainda há de sobreviver
aos -seus súbditos e quando todas as .grandes multidões forem
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E então o há de exterminar e há ·de proteger o re·sto do meu
povo -que se achar na terra que e·sco]hi".
Nos dias do Messias, ,com. a opressão de fora, tambem o far-
do ,das preocupaçõ-es diárias que pesam .sobre o homem do
povo •deverá ser afastado para sem.pre. Já nã-o falhará e:p.tão
a colheita, nem terão os hom,ens, alaga•dos de suor, de co11:ti-
nuar a espremer as uvas no lagar. As mulheres igualmente não
terão que madrugar tanto para ainda antes -de amanhecer to--
car -0 moinho de mão, moendo a farinha ne-ces.sária para aque-
le dia.
Era tradição que "então (nos dias do Messias) o trigo ger-
minará ieo1no a -pa-1.meira e vingará até nos •cimos das monta-
nhas. Talvez -pensarás: Muito trabalho causará assim ao -ceifa-
dor! Mas a Escritura ensina: Zunirá -0 seu fruto como o Lí-
bano. Deus enviará de .s,eus recintos o vento que há de soprar
(triturand-o as espigas), de modo que cairão por terra. os
grãos de trigo. Sai o homem e apanha um prato ·cheio, sufi-
ciente para o s·eu sustento e -para -o sustento ,de seus filhos~
Já não vos can-sareis nem com o lagar, nem mesmo com o cor-
te ,das uvas: buscará,s com um carro um ,cacho de uvas e o sus . .
penderás no ,canto de tua ,casa (onde era o luigar do cântaro
ào vinho) ·e daí poderás tomar com abundância, como al-
gu-em que -bebe ·de u•m grande cântaro".
1
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e umedecerá todo o vale de Citim. Por que é, pois, que uma..
das portas do templo será chamada a "porta da água"? Por-
que por ,ela ié -que s,e introduziam os vasos afim da haurir água.
par.a os sacrifícios na fe:Sta (dos Tabernáculos). Junto dessa .
porta escorrerão as águas -que hão de emanar de sob o pavi-
mento do edifício do templo".
Terminará então tambem o cuidado pelo vestuário, .o traba--
lho de fiar e tecer. Diz-se:
Um rabi expôs: "Então, nos dias •do Messias, a terra de. Is--
rael há de produzir o melhor pão e veste de lã!" Ouvindo-o,
um discípulo pôs-se a rir. O rabí tomou-o ·pela mão e saindo.
com ele, mostrou-lhe cogumelos, que se parecem com pães e a.
fina cabeleira do palmito das palmeiras. Daí devia colher o.
discípulo: Se o mundo já agora produz frutos .semelhantes a,
pães e fios tão f~os como tecidos, não será adm.issivel que nos
dias do Messias .produza verdadeiros pães e tecidos inteiros?·
Belos ornatos, -que para um oriental são tão imprecindiveis.
à vida -como a comida ,e a bebida, existirão ~m quantidade:
então os confins de J,erusalém estarão repletos de pedras pre-
ciosas e de pérolas; virão os israelitas e irão r,ecolhê-las à von--
tade. Ao pas-so que o mundo divide as regiões demarcando-as,
com pedras e cebolas mar.inhas (cujas raízes dificilmente se.
podem arrancar), nos tempos messiânicos e.sse.s limites serão
feitos de pedras preciosas e .de pérolas. E' o que significa o'.
texto da Escritura : e todos os teus limites ·em -pedras precio-
sas. .se -então no porvir um homem deve a um outro al·gwna.
coisa e -este lhe diz: Vamos expor o negócio ao rei, o Mes·sia-s;
em Jerusalém, acharão, ao penetrarem na cidade, todos os seus·
limites cheios de pedras preciosas e de pérolas. Tômará o de--
vedar duas -pérolas e dirá ao credor: devo-te mais do que isto?'
E este responder-lhe-á: nem tanto deves; tudo te seja perdoado.!
e remitido!
-Como ,sinal •de ,que ·se trata aquí dos desejos mais íntimos.
do h-om:em do ·povo, tem.os ainda a prom1essa. -que no tempo.•
do Me.ssias cada um possuirá a ,sua propriedade. Ainda hoje.-.
não escutariam com menos interesse os ,pobres felás do Egito
e ,da Palestina se álguem lhes pusesse tal dita em perspe--·
l.iva. Promete-se que cada um terá tres· campos diferentes:
um campo no planalto onde os. raios do sol não cau.sticam tan-
to; um campo na planície como na região- de Jafa, -conhecida.
pela -sua uberdade; um campo no profundo vale do Jordão,
onde o inverno é quente, moderado e conf.ortavel, tanto para
os homens, como para os rebanhos. Já ninguem será cons-
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tra.:e.gido a ellll:-grar por causa da pobreza, e os emigrados, os
negociantes, -etc., .poderão regressar à _pátria: E a divisão do
mundo futuro (nos dias do Messias) não será como a divisão
-pres-ente (feita por Josué). Na ,época presente muitas vezes
um homem tem um campo de trigo, mas não tem uma horta,
ou tem uma horta, mas não tem um ,cam:po de trigo . No mun-
do futuro não e-n-contrarás um único homem que não tenha
um campo ·na planície, um outro nas montanhas e um tercei-
ro em regiõ-es baixas. Será Deus m.esm,o qu-em lhos atribuirá.
Nesses tempos messiânicos todos os que exercem um ofício
fixar-se-ão no seu solo e propriedade, como está escrito : Hão
de descer -dos navios todos os que empunham o remo; os ma-
rinheiros, todos os navegantes fixar-se-ão na terra. Um ho-
_mem que não tem os seus palmos de terra, não é um homem,
pois lê-.se-: "O céu -é para Javé, ma,s a terra ele a deu aos fi-
1.hos dos homens''.
Eis aí "os dias do Messias,, ·como o povo os imaginava!
Mesmo -que nem todas as citações sejam do tempo da vida
pública de Jesus, a fantasia do -povo já havia trabalhado então
n•es.ses quadros por duas ou tres gerações.
O batismo de Jesus
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T~mbem à oficina -ou às obras , de Jesus terão ido nazarenos
falando do h_omem. junto ao Jordão. Acaso não est~iam perto
-do tempo -do Messias?
Amanheceu afinal o dia em que Jesus -põe de lado os seus
instrumentos. Operara-se na humanidade -de Jesus nesses trin-
ta anos um crescimento oculto e religioso; não um ·esforço por
conhecimento nítido de sua vocação, mas uma preparação,_ a
todos desconhecida, para a sua vida pública. Ouvia falar das
opressões ,de seu povo :pelo filho de Herodes, .A1rquelau, e da-
transformação do -reino de Judá numa ,provín•cia romana. Ele
amava es-se ,povo mais do que qualquer outro israelita. Tam-
bem a ·sua natureza h·umana impelia-o mais e mais à resolu-
ção de surgir em tamanha tribulação como o auxiliador.. man-
dado por Deus. De.spediu-se, pois, Jesus de sua mãe e foi ter
1
com, João no Jordão.
Pela relação ·do -batismo de J-esus, somos infor:mados sobre
algumas particularidades do modo ,como são João batizava.
Não se tratava de batismos em multidões, como nos solenes
·batismos dos :gregos no Jordão, -que ainda hoje estão em uso
na- festa dos magos para comemorar o ,batismo de Jesus. Exi-
gia são João .que todo -aquele -qu_e quisesse ser batizado, se
fos-s-e entender •com -ele pes:Soalmente. Ele mesmo estava pre-
sente ao ato, em certo sentido, como testemunha oficial. Foi
de-ste medo .que ·se realizou o batismo de Jesus. Um homem
que, .p•ela pronúncia e pelo vestuário, devia. ser um galileu.,
deseja s-er batizado. Entretanto, o Espírito Santo comunicara
a são João que o Messias mesmo viria a ele. As.sim ele olha-
va •para todos que vin-ha-m ter com ele - taro.bem para Jesus
. - com um olhar perscrutador; agora sente-se imediatamente
diante de um olhar que ·pe-n·etrava mais do ·que -o seu; e diz a
('Te.sus:
"E-u tenho necessidade -de .ser :batizado por ti; e tu vens a
1nim!',
"Deixa por agora; porque assim nos convém a nós cum-
prirmos toda a justiça!"
A resposta de Jesus, em conformidade com as circunstân-
cias e com a civilidade oriental, -devia ser mais- ou menos:
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A tentação de Jesus
Depois disso Jesus foi levado pel-0 Espírito ao deser-
to para ser tentado pelo demônio. Aí deteve-se entre
os animais ferozes. Tendo jejuado quarenta dias e nol•
tesj por fim sentiu fome. Aproximou-se dele o tenta-
dor, dizendo: "Se és filho de Deus, manda que estas _pe-
dras se transformem em pães!" (.Mt 4, 1-11; Me 1, 12-13;
Lc 4, 1-13).
Recolhera--se Jesus, depois do batismo, a um lugar no deser..
to, -onde já não podia avistar ·o.s caminhos ·que, à semelhança
de lon.gas fitas brancas, se ·e:stendem dos vales do Jordão até
às alturas de J,erusalém ·e donde nada mais podia ouvir dos
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u;m jejum de tres dias, durante os quais nem de noite podiam
tomar alimento algl.lin.
Dia e noite vão se revezando fielme.nte confàrme suas leis.
Lá ;por. sobre as montanh·as de Moab o sol de.sponta de manhã
para ir esconder-se atrás dos lisos montes de Jerusalém após
um pequen-o arco de inverno. Por vezes nuvens encasteladas
avolumam-·se nos píncaros ermos do oeste, como se quisessem
despencar no deserto, e torrentes d'água lançam-se impetuosa-
mente pelas ribanceiras ab~ixo. Então começa o ribomõar nas
gargantas das montanhas: dos .pequenos regos vão-se ajun-
tando e avolumando as águas dos planaltos, baldas de vege-
tação, corren·do para o vale. Causa ·espanto •esse munnúrio no
meio da solidão e a oprimente desterro ass-emelha-se o novo
silêncio que se faz em todas as montanhas, quando as águas
acabam de es-coar.
Lon·gas e frias :são a,g,ora as noites. no deserto. Da es-curi-
dão •ecoa incessantemente o grito dos chacais que, -como um
soluçar de crianças, vai aumentando e diminuindo - viva re-
pres•entação do pranto do mundo amaldiçoado. As vezes ou. .
ve-se um feroz rugir vindo das profundezas do vale do Jordão.
De vez em quando o -crepitar da areia no meio das trevas in-
dica a proximidade de animais.
No alto, a envolver o mundo, a imensa abóbada celeste, cheia
de estrelas a brilharem calmamente por sobre o silêncio de
morte do des,erto ressequido. Quando apare-ce a lua, os outei-
ros e ribanceiras do deserto, ao pálido luar, vão se estendendo
por aí além, monótonos e cinzentos. As sombras, atrás dos
penhascos, pretas como carvão, parecem assim ao luar mais
reais do que os próprios penhascos.
J.esus nada tinha deste fanatismo pela ·solidão q-µ-e é -pró-
prio do hom·em .moderno; mas até certo ponto tambem a ele
impressionava a vida do des·erto; não pode ser um acaso que
todos aqueles passos da Escritura que cita contra ;satanaz fo-
ram tomados -na narração da travessia dos israelitas pelo de-
serto.
Depois dos quarenta dias ·de tantas sensações fez-se sentir
um •cansaço acompanhado de acerba fome. Um canto beduino
mais que proli~o de screve os sentimentos que o cansaço no
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porais. Talvez a situação de Jesus nesse- momento· tenha sido,
mais do que cuidam-os, parecida com a do jardim das Oliveiras-.
Não sabemos ·que aparência assumiu o tentador. Deve-se,
porém, supor que tenha aparecido numa forma correspon-
dente às suas palavras e às circunstâncias ·exteriores. O de-
mônio começa -uma conversa ,que se liga à fom.e de Jesus: As
várias representações artísticas desta tentação não corres-
pondem à realidade, quándo aí se vê satanaz ·como um ser
hedion•do perto de Jesus.
Diz o tentador: "Se és filho de Deus, manda então que
estas pedras se conv~rtam em pães!"
Estas palavras só são -possiveis na boca de um ser visivel.
E uma circunstância especial está tambem a indicar que o
demônio -assumira uma forma humana: - a frase ''estas ·pe-·
dras" sup9e um gesto. Demais é admissivel que o demônio
quises-s-e pas.sar por um anjo junto de J.esus; ora, tambem os
anjos aparecem em f~:rma humana. "Que estas pedras se con--
vertam em pães!" No -deserto de Judá há muitas -pedras que
exteriormente se parecem -com pães •brilhantes; são pedaços
de duríssim.os pirólitos polidos e arredondados pela ação do
vento e da areia.
Jesus não podia deixar de sentir aquele temor que se apo-
dera de um 1homem extenuado e a sós n~ solidão. Jamais,
porém, violará o preceito do Pai para tornar para si a vida
menos árdua. Vê diante de si os milhões de homens que assim
procedem., -por.que, por este ou por aquele motivo, como afir-
mam, não podem agir de outra forma.
"0 homem não viv~ só de pão, mas tambem de toda nor-
ma que proced,e dos lábios de Deus!"
Aduz J,esus uma palavra escriturística que se encontra
na narração da peregrinação pelo deserto: os israelitas vêem-
se na indigência, manda-lhes Deus o maná; Deus os pode au-
xiliar, sem tirá-los do deserto ou enviar-lhes caravanas -de
pães. De modo -correspondente explica Jesus : Eu confio em
Deus! ele é que determinará o tempo e o modo de me vir em
socorro!
"Então o demônio o levou à cidade .santa é ·colocou-o n,o
pináculo do tem:plo."
"A cidade santa". Ainda hoje os árabes denominam Jerusa-
lém "El Ouds", a "cidade santa,,. O pináculo do templo, pro-
vav-elmente uma toITe no canto na muralha de envolta, am.eia--
do à se~elhança dos castelos medievais, estava aberto a :to-
dos. Hegesipo, p. e., refere -que dessa torre são Tiago -o justo
foi atirado abaixo.
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-Supondo que as tentações .se .suc-ederam imediatamente umas
às outras-, devemos ponderar o ,seguinte: para a ,primeira ten.-
tação apoia-se satanaz n-o fato de- estar Je.sus ieom muita fo . .
me. Não se pode imaginar -que ele, assim extenuado, tivesse
feito logo em seguida tais ·percursos. como -os •que aqui se su-
põem ·do deserto ao templo e -do templo a uma alta montanha.
Deu-se, como em toda luta renhida:· - s-ucedem-se con-
tínuas. investidas de todos os la-dos. Je·sus ·confia em Deus -
-satanaz agora procura seduzí-lo a -uma •confiança que no fun-
do equivale a uma esp-écie de desvanecimento.
"Se és o filho de D•eu-s, atira-te daqui abaixo! Pois está
·escrito: A seus anjos ordenou a teu resp-eito, qu-e te tomem
em. ·suas m.ãos, :para que não tropeces o ,pé -em alguma .pedra".
"Do mesmo modo está escrito: Não tentarás ao S-enhor, teu
Deus!" respondeu Jesus.
Se Jesus, ·pairando nos ares, fosse descendo do céu à e·spla-
nada dos átrios do templo, todo o mundo o teria. s·audado co-
mo o Messias. Segundo uma tradição judaica, o Messias re-
velar-se-ia do alto do tem1plo. Nossos me:s-tre.s ensinaram: Quan-
do o rei, o Mea:sias, ,se manifestar, então •ele virá -e colocar-.se-á
no alto do templo. Daí ele anunciará aos israelitas e lhes dirá:
ó vós, -pobres, ,chegou o tempo de vossa reden_ção !
E' um jogo terriv-el que .satanaz ,em preende. Ele mesmo cita
1
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. Deu~ competem- - aparece-nos -assim, em toda a sua nudez, o
;processo interno de cada tentação. Satanaz fala em con-
fiança: Tais tesouros não -se podem mostrar a qualquer um!
Ma-s tu me ·pareces estar no caso! Ainda um·a ninharia,, apenas
uma -.instantânea homenagem, e estaremos de acordo!
E' comov-ente pensar-se que esta "montanha" da tentação
•Se achava no- deserto de Judá, que ela, pois, caso se trate de
uma realidade, ofere,cia o mesmo- panorama que se de.senr~-
lou mais tarde aos olhos de J,e:sus, quando do jaridim das Oli-
veiras subiu aos ceus. - Possuia de fato o que Satanaz m;en-
tirosamente lh-e prometia.; podia diz-er: "A mim me foi dado
todo o poder no c-éu e na terra!"
Jesus ante o tentador apo.ia-se novamente na E:acritura:
"Aparta-te daquí, Satanaz ! E-s~á escrito: Adorarás ao Senhor
teu Deus, e ·só a ele servirás!" Tambem ·nesta última repulsa é
significativo -que J•e.sus não ·s·e dá a -conhecer como Filho de
Deus. Ele escolhe um texto da E.scritura ·que qualquer homem
podia citar, ao 1ser tentado por Sata-naz. Contudo resplande,cia
1
Primavera no Jordão
(Vista geral)
Pa:ra toda a Palestina, mormente, porém, para o vale do
Jordão, o mês de março -é o tem:po mais belo de todo o ano.
Ao pas·so que nos planalto:s, •em ambos os lados do Jordão,
ainda se registam geralm·ente -cerca de .pito dias -de chuva em
març_o, no Jordão reina uma temperatu.ra mais constante e
agradav-el conforme o modo de :sentir -dos habitantes. Os
cereais atingiram o máximo do crescimento e as árvore:s, cuja
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folhagem· havia ~caido, enverdeceram.. se ne novo. As noites
já são tã-o quentes ·que não se é mais forçado a abrigar-se
nalguma casa; pode-se dormir perfeitamente ao ar livre.
O que há é que boas cortinas se tornam n,e.cessárias; com
o calor voltam os mosquitos de toda e-spécie. Ã medida que
o -calor se vai firmando no vale e vai .subindo as :montanhas,
a neve do Líbano começa a derreter. O Jordão engros.sa e
espalha-se. caudalosamente nos lugares mais baixos. A água
perde inteiram-ente a tran·sparência, de modo que não é sem
perigo que se entra no leito do rio: mesmo a arei.a, aparente-
mente -seca, por ·baixo -ainda está cheia dágua: - de repente
pode-se atolar num lodo sem fundo.• Em geral, porém, é um
tempo próprio para os viajantes. Mesmo que se seja surpre-
endido por alguma chuva, bem depressa .se está ·d-e novo seco
na areia quente. "O pastor está a pingar e põe-se logo a se-
car ao sor', diz- s·e ainda hoje com, alw:Jão ao tempo.
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em torrio do Batista, para novamente estar a sós daquí a pou-
co; ouviam-lhe as preg·ações e pediam-lhe explicações e. nor-
mas sobre· a vida ·reli-giosa.
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HComo, pois, ·batizas, se não -és o Messias, nem Elia·s, nelli
l-o (esperado) profeta ?"
Agora João explica-se mais clarame~te sobre a sua missão,
embora as palavras ·que emprega devessem parecer aos incré-
:-dulos faris-eus irritantes e misteriosas. ,
"Eu 1batizo apenas -com água! No meio de vós (no meio do
povo que :guiais) está alguem que não conhec-eis, -que vem de-
~pois de mim e que, entretanto, já existia antes de mim! Não
.sou se•quer digno de desatar-lhe as ·correia,s das sandálias!"
O Cordeiro de Deus
No dia seguinte João vê que Jesus mesmo se enca-
minha para ele. E dli: "Eis o cordeiro de Deus, que
tira os pecados do mundo!" (J"·o 1, 29-34).
µog,o no dia seguinte a este interrogatório Jesus apresenta-
.se em Betânia. Nesse momento João estava rodeado -d•e discí-
·pulos fiéis e decididos. Apontando para Jesus, ele pro-clama
solenemente: "Eis o cordeiro de Deus, que tira. os pecados do
.mundo! Era este que eu tinha em. vista quando dizia: Depois
-de mim virá alguem que já existiu antes de mim, porque aí
estava ante.a de mim''.
O título "Cordeiro de Deus" exprimia be·m nitidamente o
:modo como Jesus ia remir os hom-ens: imolando-se pelos s-eus
pecados e assim destruindo-os.
João declara ainda aos dis,cípulos como ele conheceu que
:Jesu·s era o Messias :
"Eu vi o Espírito des-cer como uma pomba e permanecer
··-sobr•e ele. Até ,então eu nada sabia dele; rmas aquele que me
enviou a batizar com água, revelara-mie: com o Espírito San-
to há de batizar a-quele sobre o ·-qual o E·spírito baixar e per-
manecer. Eu o vi realmente e sou testemunha que este é o
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deiro de Deus". Tratava esse homem misterioso com, pessoas,
cujas roupas .ainda ressentiam do seu ofício de pescadores?
Poi~ eram os pe:scadores contados entre os mais despreziveis.
Ambos iam seguin·do a Je.sus. surpresos, tendo em m:ente o
·misterioso nom.e ·que J-oão lhe tinha dado.
Jesus fez como qualquer homem que nota que alguem lhe
vai seguindo os passos. Voltou-se e perguntou-lhes: "Que ·que-
reis vós?"
Foi então que viram -de perto a Jesus ·pela prim·eira vez.
·Mesmo um mendigo no oriente não se encabularia facilment~
ante um1 senhor ~p-ortante; certa nobreza é uma herança des-
tes .povos antigos. Os discípulos perguntaram : "Mestre, onde
habitas?"
Pronun·ciou Jesus neste momento as primeiras palavras aos
prin1:eiros discípulos : "Vinde e vede !"
Eis uma palavra que, além do s-entido de um .convite ~rdi-
nário, tinha um outr-o ·muito mais profundo, o de uma voca-
ção oculta. Os discípulos acompanharam a Jesus e "ficaram
conh•ec-endo onde ele se detinha". A expressão "•casa" é evi. .
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F-elipe já o sabe no dia seguinte. Possivelmente já tinham
combinado voltar juntos para a Galiléa.
Ainda na mesm:a tarde ou· na mi0,nhã seguinte, André, um
dos· discípulos, foi à procura de seu irmão Simão. Tambem
este talvez fizesse parte dos discípulos de João. An,dré já
está todo entusiasmado por Jesus, com o ,qual privara apenas
por algumas horas. A!pq_derara-se dele aquele entusiasmo pró~
prio dos prim·eiros encontros de pes.s-oas que têm o mesmo
modo de ver, embora de posições diversas. MJJ,is tarde vão-se
conhecendo melhor, mas a primeira impres.são é viva e pro-
funda. Assim é que André se dirige a Simão com a grande no-
vidade: "Temos encontrado o Messias!"
No encontro de Jesus com Simão aconteceu algo que deu
na;s vi.stas desses homens: "Jesus fixou-o com seu olhar";
olhou--o como para um homem que já esperava, para incum-
bi-lo de determinada missão. E.ra tambem o que queria dizer
com as significativas, mas ainda misteriosas palavras: ''Tu és
S.im,ão, filho de J ona:s. - Tu serás ,chamado Pedro, a pedra!"
P·or enquanto Pedro podia suspeitar apenas que essa mu-
·dança de nome designava futuros planos de Jesus a seu res-
peito. Todavia, porém, percebiattn claramente -que Jesu·s os
recebia em sua companhia.
A camin·ho da GaliJiéa
No dia seguinte Jesus resolveu ir para a Galiléa. Nis-
so encontra-se com Felipe e diz-lhe: "Segue-me!'~ Fe-
lipe era de Betsaida, da mesma cidade de que provi-
nham André e Pedro. Encontra-se Felipe com Natanael
e comunica-lhe: Encontramos aquele de quem escre-
veram Moisés na lei e os profetas! E' Jesus, o filho
de José de Nazaré!" (Jo 1, 43-51).
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eram raros. Ou então supõe--se que Felipe tambem pertencia
aos discípulos de são João .
.Pouco depois Felipe fala -com Natanael: estes homens vão
conquistando adeptos entre ·os da mesma classe. Expr~-se
Felipe já em nome de um grupo de ,galileus, declarando so-
lenemente a Natanael: ''Temos en-contrado aquele de quem
.;,
escreveram Moisés na lei e os profetas! E' J,esus, filho de
José de Nazaré!''
Entretanto Felipe falara de mais: a última palavra "de N~--
iaré" destruia toda a impressão que a notícia ;pudesse causar.
Originava-se Natanael de Caná, um lugar vizinho de Nazaré.
Ora, os habitantes de Nazaré, como acima notamos, não eram
tidos em grande conta. Quan-do alguem se quer informar das
particularidades de uma aldeia ou vila é bastante indagar a
seu respeito nos lugare-s circunvizinhos. A par de vários pre-
conceitos exagerados, ouvem-se aí opiniões que atestattn fina
observação.
A,ssim é que Natanael exclama espontaneamente: "Acaso
de Nazaré pode provir algo de bom?"
Estas palavras devemos ouvir não pronunciadas por um
rosto indignado, mas acompanhadas do amav.el soITiso de um
palestinense tisnado do sol.
F-elipe não se mostra ofe.ndido. E' um homem que não s-e
irrita facilmente. Se não consegue desse jeito, conseguirá de
outro. Renunciando à defesa -de todos os nazarenos, acrescen-
ta com calma e seg-urança: "Vem e vê!"
Poderemos representar•nos estes dois homens c·omo vão an..
dando: com ex-citada vivacidade, conversando continuamente.
Ao passo -que Jesus, no encontro com Pedro, deixou transpa-
recer, pela mudança do nome, que desvendava o futuro, reve-
lou agora na pr,e:sença de Felipe e Natan ael que lhe -eram co-
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sem res-erva--alguma, manifestara seu modo de ver acerca dos.
habitantes de Nazaré! Pergunta pois. surpreendido: "Donde
me conheces tu?'' Agora Jesus manif.esta a sua oniciência:
"Já antes que F,elipe te chamas,se, eu. te vi, quando estavas,
debaho da figueira".
Ninguem sabia - como tão pouco nós -hoje - o .que Nata~-
nael estava fazendo debaixo da figueira. Era, entretanto, cos-
tume plantar figueiras perto das moradias. Se não cresciam
demasiadamente, os galh~s pendia~ de todos os lados forman-
d.o um círculo. NeS:se bos-qµe so:mbrio rec-olhiam-se muitas ve-·
zes para rezar e -e.studar. Pode ser que Natanael tambem es-
tivesse rezando, talvez p-edindo a vind.a do Measias, ou mesID:o·
fazendo uma promessa para o caso de ele ·m~mo ainda poder
ver o Mes-sias. Tais prom1essas e votos são mencionados de fato-.
Quan·do Jesus lh e patenteia, diante de todos, os segredos
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--Em lugar-- dos títulos "Filho -de Deus", ·"Rei de Israel", Je--
s·us coloca o nome que ele :se da.ri.à a si ·mesmo- daí em- diante i•
O Filho •do homem. E' ·exatamente aquí que ele se designa ·pe-
la primeira vez -com.o Filho do h-omem e emprega tambem pela.
primeira v:ez a afirmação "Amen ! Am.e-n !" E.ste.s palavras são;
traduzidas de· -ordinário por ''em verda-de, em verdade''.
Realmente temos a-quí um caso em ,que Jesus emprega um .
termo numa acepção que nã-o lhe -era corrente. "Amen !" di-
zia-:s-e entre os Judeus quando alguem. fazia suas as palavra~
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Talvez nenhuma outra cena -da vida -de Jesus é tão violenta--
da e desfigurada nos ·quadros de pintores, aliás v,erdadeiros.
artistas, como as bodas de Caná: - placas de mármore bri-·
lhante.s e ·polidas. cobrem o pavimento -e, quan•do pos:sivel, ma-·
ignífic-o panorama através um vestíbulo de c·olunas c-om, proble-·
mas de perspetiva e, ao fun-do, a sala., amlpla, alta, e ricam..en--
te adornada. P,ode.r-:Se-ia tolerar todo esse aparato, caso se:
tratasse simplesmente de transpor um'. ,casamento em circun... -
stâncias diversas ; mRs f az-ae aí violência à própria verdade·
interna de toda a narração. ~em sequer entre- nós, quanto mais·.
numa região de vinho, como era a antiga Palestina, pode-se·
imaginar o -ca.so que num palácio como es·ses _possa surgir·
unia séria atrapalhação por falta de vinho! .s-e os homen.s de·
hoje, ,que em b·oa parte já não têm conta-to coon a vida em.
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toda a sua naturali,dade, lêem este evangelho, poderão até
estranh·á-Io. Jesus ~ornando parle Dumas bodas! Jesus aumen-
tando o vinh·o !
Para um povo simples um casamento é, no círculo da vizi-
nhança, -quasi que a única festa pue interrompe por breve
espaç-o o trabalh·o diário. Criaram quadros que representam
-0 orgulho que aí por vezes s,e patenteia; mas raramente têm-
se produzido quadros de bodas de pessoas simples, em que tu-
do se vai desenvolvendo •com tanta dignidade, nobreza e in-
timidade, mas tambem -com tanta elevação, que em nada fi-
cam atrás das festas de classes mais altas. Tais possibilida-
des supõem-se comumente nas bodas de Caná, como tambem
·nas parábolas de J e:sus.
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todos os parentes de ambos os lados, e. a todas as 'pessoas da
localidade. Foi assim convidada Maria, a mãe de Jesus e, quan--
do Jesus apareceu, tambem ele e todos aquel,eif que estavam
em s:ua companhia. Igualmente a entrada era franqueada a
todos os mora,dores daquele lugar. .Do rígido ceremonial dos
quadros que nos querem explicar o milagre de Caná, não há
ne~ vestígios: entretanto, em um po~to são mais sev,eros do
que h-oje: as mulheres e os homens conversam separadamente.
Quanto ao mais há a maior liberdade: nas pausas rec·ostam-
se em tapetes dentro ou ~m frente da c~a ou reunem-se nos
telhados chatos.
De capital importância para a compreensão das bodas de
Cam.á é ,que, com a chegada de Jesus e seus discípulos, o nú-
mero dos hóspedes aumentou; mas a atrapalhação proveio
propriamente ·de .se tornar con•h-ecida em toda a localidade, a
che-gada de Jesus. De Caná originava-se Natanael, um. do-s
seus companheiros. Vivo com10 era e se mostrara no primeiro
encontro •com Jesus, nã-o terá ,guardado segredo. Ora, que
todos se tenham deixado apoderar do seu zelo e feito uso da
liberdade de entrar na casa dos noivos, é muito provavel, em
vista dos usos orientais.
. Lê-se ainda nos escritos rabínicos
que num casamento os convidados vão chegandó ainda m·uito
depois de já ter -começa•do.
Um homem;, o '~mestre de sala'7, en-carregava-se de servir
os convidados. Chamá-lo-íamos talvez mais a·propriadamente
de copeiro: era seu cargo misturar o vinho com maior ou
m.enor quantidade de água, ajuntar-lhe especiarias e dar or\,,,
dens .aos diversos servidore-s. Certamente era um posto hon-
roso. As mulheres tomavam a ·si o trabalho de preparar a co-
mida: entre elas, as irmãs e primas d-os noivos. E' o que de-
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circunstâncias e todo o contexto. E' o que se deve notar ex-
pressamente nas s-eguintes palavras. Respondeu, pois, Jesus
a Maria, :sua m,ãe: ''Mulher, -que queres tu de mim? A minha
hora ainda não ;chegou!"
Antes de tudo convém -observar que o título "mulher", nes-
te ·caso, nada encerra de ,bru:sco- o-u deshonroso; é ap-enas
um.a interpelação solene, e que, e-amo tal, distancia os inter-
locutores, o que muitas v-ezes_ a,c-ontece no seio de uma família
oriental. Em certas .situações o oriental fala de si mesmo
como de uma terceira pessoa. Do mes~o modo ele fala a ou-
tros: é um anodo d-e •e~primir-:Se solenemente. Não só para a
sua mulher, rrila.s, !em devidas •Circunstâncias, tambem para
a sua mãe ele dirá: "Ja mara!" -- "O' mulher!" Nesta. signi-
ficação é ,que devemos tomar aquí o título "mulher". No se-
gun·do -caso em que esta interpelação ocorre, ,quando J,es.u.s se
dirige pela ultima vez à ·sua mãe: "Mulh,er, eis aí teu filho!'"
ninguem poderá duvidar desta interpretação.
A resposta de Jesus é uma in·dicação delicada, mas decidida
que, tanto ele, J·esus, como sua mãe, devem curvar~se à von-
tade •do Pai. Deste modo Jesus testemunhava diante do Pai
a maior honra possivel à s·ua mãe. Ela :s.e. havia dirigido a
ele, o Messias, o Filho de Deus, pedindo auxílio. ·Como Mes-
-sias, ele lhe respondia, - daí o título "mulher" - e a alusã-o-
que ele em tudo se submetia às -deliberações do Pai. "Mulhert
que quere.s tu ,de mim? Minha hora não chego-u!'' Ma.ria su-
perou a prova que lhe foi imposta. Foi a primeira que por as-
sim dizer fez violência a Jesus por s·ua firmíssima confiança.
Tudo se desenrolou -c-om aquela misteriosa parcimônia de
palavras, que se encontra entre pe-ssoas. que por muitos anos
viveram juntas em perfeita harmonia.
Maria entende-se ,com· os s·ervo:s. Em b-o-daa :orientais o mo-
vimento mesmo agitado de entrar e sair, de conversas e com-
binações, entra na ordem da festa. "·Caso ele vos qisser algu-
ma coisa, fazei-o!"
Estas palavras demonstram claramente ·que Maria espera-
va que Jesus auxiliasse os n,ubentes, mesmo apesar de sua.
resposta negativa. Não pode pa.ssar desperoebido ,que ela ia
preparando o mi~a.gre tanto- com respeito a·os servos, quhnto
no tocante a Je-sus m-esmo. Só porque a "mãe de Jesus", desse
homem que, todos falavam., ,os havia conquistado-, é -que esses
t1,ervos mais tarde ·se prontificaram a executar a ordem de
.Jesus que, em si, lhes devia :parecer sem sentido. Alí estavam
Heis bilhas de água, que serviam às purificações judaicas e
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continhall1< cada uma duas ou tr,es· médidas. Jesus- diz aos ser-·
vos.: "En,chei as bilhas de água!'' Patenteia-se aqui quanto é
aceitavel toda a narração. Fala-se de bilhas de "p.edra" ; es-
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nho, ao mestr•e--sala.
E eis •que o mestre-sala manda c-hamar ,o próprio noivo.
Não sabemos em que tom ele falou com o jovem dono da
casa; conhecemos apenas -as suas palavras: "Tiado mundo
-apresenta primeiro o bom vinho, e o inferior só depois que se
saciaram! Mas tu ,guardaJste até ·agora o bom vinho!" E:stas
palavras p-odem significar: "Que e,spertalhão que és!" E é
a:ssim •que são intérpretadas miUitrus ve-zes-. Mas tambem po-
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dem significar: "Isto -é contrário à praxe, que nao se mostre
._ao .;tt1:1estre-:sala logo toda a provisão de vinho!" Os orientais
nunca são miais sensíveis do ·que ·quando ocupam esses luga-
res honrosos.
A purificação d.o templo
Depois disso Jesus desceu pai·a Cafarnawn tanto ele
como sua mãe, seus parentes e seus discípulos. Mas
não se demoraram aí muitos dias; pois aproximava-se
a festa de Páscoa dos judeus e Jesus subiu para Jeru-
salém. No átrio do templo ele encontrou os negocian-
tes que vendiam. novilhos, ovelhas e pombos e os nu-
mulários que aí se tinhwn estabelecido (Jo 2, 12-22).
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Ao chegar ao cimo da montanha das Oliveiras, no lugar
donde se descortinaya a cidade, todos exultaram; via-se, lá
em ,baho-, por sobre o profun do v.aJ.e de C·edron, a cidade san-
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mente ainda . em. Meca. O .barulho d-o mercado não deixa ou-
vir mais nada e os -peregrinos que pela prim·eira e única vez
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aí aparecem; e desejam comprar uma vítima em honra de Alá,
sio embrulhados- pelos n,egociantes cubiçosos e sem, conciência.
Fez Jesu·s um flagelo -de ,cordas -; na Palestina usavam-se
com frequência coràas de couro - e começou a purificar o
átrio do temiplo. O :s,eu asp,eto deixava transparecer algo da
sua íntima ira divina. Emocionado até ao âmago do seu ser,
comportava-se, entretanto, com perfeito domínio de si mesmo.
Diante de um tal homem não há resistência p-ossivel. Os ani-
mais, os bois e as ovelhas, -ele os tocou para fora com o azor-
rague. Derrubou as 1mesas dos numulários~ espalhand-o-se as
moedas por cima -das lajes do átrio. Aos negociantes de pom-
bas com as. suas gaiolas de vime ordenou que saissem imedia-
tamente dali. O -que lhes dizia, valia para todos. "Levai da-
qui -estas. coisas, e não façais um mercado da -casa de meu
Pai!"
·O:s discípulos, a este modo de agir de Jesus, deviam, estar
tão surpreendidos como os próprios vendilhões e os especta-
dores. J esus, o galileu de Nazaré, ousava -levantar-se contra
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mente de Deuis.
Jesus declarou-lh-es:
"De;struí e-ste templo; em. tres dias -eu nova~,ente o levan-
tarei!''
Eu vos darei u,m sinal! mas o sinal só será rev-elado, quan-
do tiv.erdes manifestado as vossas ver.dadeiras intenções, ti-
rando-me a vida! Então hei de erigir de novo o templo que
tiverdes destruido. - Ao terceiro dia hei ·de ressuscitar nova-
mente!
Nem aqu;eles que perguntaram., nem os discípu.I,os c-om:pre-
enderam então a res-posta. Os ,discípulos, entretanto, não se
deixaram afastar do Mestre, porque ele dizia ·coisas que não
podiam compreender. Os legisperitos, porém, que presidiam
ao interrogatório, cuidavam que não existissem de forma al-
guma palavras cujo sentido lh•es -permanec,ess-e oculto. E ri-
dicularizavam.-no.
"Por .quarenta ie ·seis anos trabalhou~se na -construção des-
te templo e tu pretendes reerguê-10· em tres dias ?"
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Apontavam os judeus -para a impossibilidade de construir-se
em tres dias um edifício como o templo. (Realmente .naquele
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Conforme -o andamento normal de uma conversa entre orien--
tais, Jesus devia retorquir-lhe igualmente alguma amabilida-
de - aos poucos então Nicodemos s-e iria ·explicando melhor·
até p-edir a Jesus uma -exposição mais nítida de sua -doutrina ..
P-ois todo le-gisperito dispunha de algun·s provérbios e exem--
plos que lhe -eram próprios. Jes.us, ao contrário, vai introdu-
zindo imediatamente a que.stão religiosa mais profunda que
vale para todos o.s. membros do iseu reino, tanto para os f elás
da Galiléa, -como ·para os le.gisp-eritos de Jerusalém.
"Em .verdade, ·em verdade eu vos dig-o : Quem não nascer
de novo, não- pode ver o rein-o de_ Deus!"
Alcança Nic-odemos que Jesus s!e refere à últimla base de
s.ua doutrina, mas não compreende a própria expressão. O
doutor da lei, acostumado a procurar objeções e a lançá-las
vitorio:santente no fio da conversa, vai expondo logo as. s.uas
apreensões, dando-lhes uma forma de quem tem ·razão e de-
monstrando assim que nada compreen.der.a.
" Como -pode alguem, que já avanç:0u em idade, nascer de
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Diariaimente começa a soprar, nos meses mais .quen.t~es,
um vento fresco vindo do mar, por sobre o- dorso dos -pla-
.il1altos palestinens•es e :em direção do J-ordão. Um c-éu bri-
1hante e sem nuven:s cobre toda ' a região; entretanto agita. .
se :o vento sem que -s·e possa descobrir uma nuvem maj•s ne-
gra -ou me:smo uma montanha s-elvagem que lhe pudesse ser
a -origem ou para onde ele se dirigisse. 0-s ciprestes cur-
vam-se ,docilmente de.baixo -do azul do c-éu. Em todas as ár-
vores, com suas folhas S·e-cas e endurecidas, zune o vento com
.ince.ssante sussurro e mesmo nos- píncaros escarpado~, longe
de qualquer vegetação, ouve-se o murmúrio da torrente in--
visivel.. Este jogo da natur•eza repete-se dia a dia e dura
.muitas veze:s até alta noite. Et bem possivel que este vento
estivess-e soprando naquela ·hora em que Nic-odemos. estava
diante de Je.sus. Para um judeu, como tambem .para um gre-
go, a alusão ao vento calhava tanto mais, porque nes.sas lín-
guas as palavras "espírito" e "vento" significam a mesma coi-
sa; exatamente do •con,ceito, do vento como de algo invisivel
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sabe •mais ;do que qualquer outro, porque conhece até os mis-
térios do céu.
''Em verdade, em verdade eu te digo: O que de nós mes•
mos sabemos, anunciamos-, e o que de nós mesmos temos vis-
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Como a nova vida depende da boa ,ou má vontade de cada
um e não de algum conhecimento no sentido do mun•do, as
condições da salvação são as mesmas para todos-.
"Tanto, pois, tem Deus amado o mundo - os homens sem
diferença - -que entregou o seu Filho Unigênito, para que
todo aquele -que crer nele não se perca, mas tenha em si
a vida eterna. Pois que Deus. não mandou o seu Filho ao mun-
do para julgar o mundo, mas para que- o mundo por ele s:e
-salve".
Não são os homen.s que se .salvam a si mesmos; Deus é que
os salva. Portanto, não depende a salvação de um conheci-
mento conforme o sentido do mundo; ao contrário, estas coi-
sas podem ser até um impedimento para a salvação por Deus.
Tem a salvação por Deus esta única, mas absoluta suposição,
que o homem a receba de boa vontade das mãos de Deus. Por
conseguinte, logo que Deus ofere-ce· a salvação a uma deter-
minada ·pes.soa, vê-se ela "autom-aticam.ente", como poderí-
amos dizer, diante da decisão. "Quem. ,crê n;ele, não será jul-
·gado. Quem não ·crer nele, já e.stá julga.do, porque não a,cre-
ditou no nome do unigênito Filho de Deus".
Uma comparação explicará ainda melhor este pensamento.
Desenrola-:s.e, pois, no tocante à salvação entre Deus e o ho-
mem um proceS:so que tem sua analogia _na vida ordinária.
Set de repente, em umia rua •escura durante a noite ;resplan-
dece uma luz, pess.oas. haverá que com grande -alegria lhe irão
ao encontro. Há, porém, outras pessoas que, aborrecidas e
ofuscadas, caem em trevas ainda maiores.
"Nisto consiste o juizo: que a luz veio ao mundo e os ho-
mens amaram mais a:s trevas do ,que a luz; pois ,que as suas
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obras eram más. Todo .aquele que pratica o mal, odeia a luz
e foge da luz, para que seus atos não sejam descobertos. Mas
quem vive segun·do a verdade, procura a luz para que sejam
manifestadt~s as suas obras feitas em DeUis".
Resolve-se assim a conclusão em pen·samentos, que sempre
d.~ n-ovo tran·sparrecem em todas as palavras de Jesus: Cada
homem dispõe da decisão sobre a sua sorte ·eterna.
A prisão de são Joio Baltista
He1·odes enviara satélites e mandara prender João e
o conservava preso po1· causa de Heródias, a mulher de
Felipe (Me 6, 17-18; Mt 14, 3-5; Lc 3, 19-20).
A saude não é contagiosa, mas, sim, a. doença. Vale isso tan-
to da vida de e-ada hom-em, como da vida de povos inteiros-
que entram em mútuo contato. Assim ,é -que ri.o tempo de Je-
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su.s as -·mulheres e os homens daqueles círculos, em Israel, que
ma.is se inclinavam para dominadores mundanos-, se foram
m-ostrando em breve contaminados dos c-ostumes f ac·eis que le-
varam então à decadência e a ruina a cultura grego-romana.
•Heródias, uma asmonéia pelo lado materno, se havia des-
posado -com Felip-e, um dos filhos de Herodes Magno. Mais
taxde veio a conh ec-er o seu irmão Antipas e agradou-se mais
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rus e daí fugiu para o seu pai.. E' o mesmo processo que se
r,epetiu depois: Herodes- permite ·que as mulheres se mexam,
ou vai empurrando tudo para os outros.
Entretanto, com um hom erin, como s.ão J oã-o Batista, não
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satisfeita ·ainda com a prisão do Batista e esperava a ocasião
de obter do marido· a ordem de tirar-lhe a vida.
Herodes va1cila.va. D·e um lado ele tambem se irritava con~
tra Jo-ão, de outro l~do não podia •deixar de devotar-lhe es-=-
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.tes gotejam em tais profµnd~zas, tendo um .tal número de
veios ,que não .se extinguem durante o verão; a maioria dos ha-
bitantes tem -que se arranjar com as águas' da chuva dos meses
mais frios, que apanham e cons·ervam em cisternas e reserva-::-
tórios subterrâneos. Entretanto, mesmo essa água muitas ve-
zes não basta, poils que só a:s -gran,des chuvas fornecem tanta
á-gua -que possa encher as cisternas..
Depois de invernos pobres 1em água, a seca torna-s•e gerar
e é muitas vezes mais terrivel do que a ·fome. A;inda nos úl-
timo,s an:os aldeias inteiras deviam transplantar-se para per-
to -do Jordão.
Todo pa1estinense exp-erim:enta mais. cedo -ou mais tarde e.
em -geral -mais de uma vez na vida o que significa estar pres...
tes a morrer de ·sêde. São interceptadas então as várias cir-
culações de umidade no corpo. E' uma situação pavorosa
quando se vai sentindo, com a fraqueza sempre maior, uma.
excitação tambem sempre mais forte. A língua não tem mais
sosiSeg-o, os lábios ficam duros, rachados e ae en,ch•em de. bo-
lhas. Sente-se o homem ameaçado e combatido por alguma
coisa no próprio corpo. Em tais premências, os árabes cos--
tumam distrair-se, pondo uma pedra n.a boca. Cresce, po~-
rém, o intimo in:stinto de con~ervar a vida, ou ,chegar-se a um
poço depois de caminhar por uma "região sem água". As
ondulaçõe-s já agitam todo o homem; a evaporação úmida do
interior de um poço profundo já é inefavel refrigério. Não ad-
mira, pois, -que em tais regiões não- se entoem hin,os só a ·copos
cheios de vinho, mas igualmente às "'"umedecidas bilhas de-,
águan.
Em tais circunstân·cias de vida desperta no homem uma
espécie de ·sexto sentido : o sentido da água~ T·orna-se ela ver-
dadeiro alimento de vida ,que não pode ser substituído por·
nenhum outro. Não ·é 1Sem motivo que is·e diz num antigo pro-
vérbio judaico: Casp numa viagem algu·em tiver ,que deitar·•
fora a garrafa de água ou de óleo, sacrifique o óleo.
Buscar água, beber àgua é aí uma das primeiras ocu·pações,.
Mojê, mojê ! esta exclamação ecoa por toda -a região: e já.
ouví-la é ·para todos. uma satisfação.
Causaria estranheza se o oriental não, deixass,e transparecer
, ~m imagéns a própria relação para a água.; - assim em toda.
n bíblia., eh-eia de imagens desta região, encontramos a com-
paração: "D-eus -é para a ahna o -que a água é para o corpo!"
<>s orientais impr,essionam-se ainda hoje. muito mais do que-
nós lend9 a passagem de Ezequiel em. -que os tempos messiâ--
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mcos são descritos na forma de uma inun;dação de água vi--
vificadora. O deserto, todos os anos, tenta invadir essa re-
·gião, daí ap:vesentar-nos a plenitude das graças da era mes-
;siânica num •quadro de processo exatamente contrário.
·Úma fonte jorra. do templo, a água brota do limiar e co-
_meça a crescer e a avolumar-se. Ao ·passo ,que os aITOios e os
rios de toda a região costumam ter água só nas suas caibecei-
.ras, evaporando-se e swnindo-s-e rapidamente na areia, as
águas desta fonte vão se transformando durante a correnteza
-em outras fontes: - numa. distân-cia de 1.000 -côvados as
.águas já ·ch·egam ao tornozelo, com mais 1.000 -côvados, já
::atingem os joelhos e 1.000 côvados adiante chegam até à cin-
tura. E nas margens cr:es-cem um sem número de árvores -
.uma paisagem como se p-ode apreciar junto ao Nilo. En-
•quan,to os rios no deserto ·se vão secando, esta torrente inva-.
de o deserto onde ·quer que ,ele sie mostre mais p-ernicioso à
vida. D,esce às profun·dezas do mar Morto, onde brilham as
~gameleiras entre as dunas da camada de ,sal e ;onde ais águas
. cáusticas matam qualquer ·es.pécie de. vida. O mar Morto é
·"sanado" por essa torrente, tornando-se potavei:s as suas
.águas. Começam a s er sulcadas de peixes, de modo que em
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Jesus no poço de Jacó
Jesus devia atravessar a região da -Samaria. Nisso che-
gou a uma cidade samaritana por nome Sicar, que es-
tava situada perto da propriedade que Jacó deu a seu
filho José. Achava,..se af tambem o ·poço de Jacó. Jesus,
cansado como estava da viagem, sentou-se junto ao
poço; era a hora sexta. Nisso uma samaritana vem bus-
car água (Jo 4, 4-42).
A :entrevista com a samaritana contrapõe-se de um modo
interessante à conversa com Nicodemos.
E' Nicodemos um célebre mestre - a samaritana é. uma
simples mulher do oriente. As mulheres não recebiam. nen. .
huma formação intelectual nem eTa-m tidas como de todo capa. .
zes, intelectualmente falando. Ainda há pou-cos anos uma mu-
lher maometana ·que ·se converteu 8JO catolicismo e que por
isso teve de responder ·perante o tri·bunal, f.oi absolvida sob
o fun-damento de que uma mulher não -é responsavel por tudo.
Nicodemos vê-se eivado de preconceitos -de toda espécie
e vive alh,eio ao mundo - a samaritana tem ap6s si longa
experiência da vida, e não só no bom sentido, e mostra-se desl"'
vencilnada ·de -qualquer preconc·eito. E é exatamente essa qua-
lidade que lhe possibilita a conversa com Jesus.
Nicodemos ve:q1 de noite e ,con·serva tudo para si - a sarna. .
ritana anuncia a todo mundo que encontrou o "Messias".
Jesus estava a -camin-ho da Galiléa; territorialmente, Sa-
maria formava uma. triansiçã-o entre a Judéa e a Galiléa. As
elevações são aquí em -geral mais rasas; as .pedras mais mo-
les; os vales .entre as el,evações do terreno ma.iis. amplas e
maiores. E um dos mais belos vales. -é formado pela planície
onde está a an:tiquissima cidade de Sicar. Aquí é que teve lu. .
gar a cena que são João nos conservou.
Vin-do ,da Judéa, Je.sus ,ch-egou a esse poço mais- ou menos
ao meio dia. Hoje uma igreja ainda não termin3.!da cobre o
lugar, e o poço foi mais ou menos restaurado. Um pouco mais
ao norte, no -càminho de Galiléa, encontram-se outros poços,
cujo muro ao redor .s.erve tambem de banco. D-eve ter sido num
muro como es:s.e que Jesus se assentou "cansado da viagem".
Mandara os dis,cípulos à cidade par.a comprar alguma coisa
que ,c-omess.em. Ain·da hoje repete-se entre os naturais da terra
a mesma e-ena; de:scansam junto ao poço, vão à cidade e com. .
pran1 pão, •hem ,como no verão algun1as frutas. E' o bastante.
Conforme as posteriores palavras de J,esus aos. discípulos,
faltavam quatro meses para as coll1eitaiS: estavam pois em
j~1neiro ou fever;eiro. D,evia fazer, porém, um bom tempo, pois
Donde tirarás a tua água viva? Acaso ·és maior -que o nosso
pai Ja-có que nos legou este poço? Já ele mesmo bebeu deste
poç-o; tanto- ele como !seus filhos ,e seu r,ebanho-!"
J esu:s· fala de modo mais !claro, vendo a confiança que ela
já -depunha nele. Naturalmente para a samaritana as suas pa-
lavras são ainda mais misteriosas.
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"Quem ,bebe desta água, terá sêde de novo; mas quem ibe""'
ber da água que •eu -lhe darei não s·entirá mais sêde eterna-
mente. A água •que eu lhe daxei, tornar-se-á nele uma fonte,,
cuja água joIT~a até à vida eterna."
Inúmeras vezes a samaritana já desc,era até esse poço, no
calor do verão, extenuada e ,sem f.orças. Já não seria neces-
sário o esforço de haurir e -carregar a água se obtivessie uma
água •que mata·sse a sêde para semp~e. E ela, mulher que não,
e.ra tão. receosa como Nicodemos, ousou log-o -o pedido:
"Senhor, dá-me desta água; para ·que eu já não tenha mais,
sêde nem tenha que vir haurir água aquí !,; ·
Jesus, não para si mesmo, mas para o bem dela, ·passa a um
a.ssunto bem diferente:
"Vai chamar -o teu marido e volta!"
E:sta palavra terá produzido na alma da mulh,er o efeito de
um raio. Que quererá este ,desconh·ecido? Em sua memória
revolve-·se-lhe o passado.
"Eu não tenho marido!"
Esta breve frase devia interromper a pergunta; a conversa
se ia tornando pessoal •demais.. Mas ao ·primeiro espanto su-
cede outro ainda maior; o desconhecido pros·segue com a mes-
ma calma e diz-lhe:
"Respondeste bem, dizendo: Não tenho marido!. cinco mari-
dos já tiveste e -o sexto -com -que agora viv-es não é :realmente
o teu! Neste ponto disseste bem a verdade".
S.ente a -samaritana que e~tá diante de alguem -que a
penetra. E ,com uma ·dessas expressões de que as mulheres
costumam dispor sempre em momento asado, ela retorqu-e:
"S,etr1hor, vejo que ·és um profeta! - Nos,sos. pais adoraram
neste morro. Entretanto vbs dizeis ,que é em Jerusalém que
se qeve adoraT !"
A samaritana aponta para o alto do Garizim. Lá em ci-
ma havia já cem anos -que o templo fora destruid.o. Devia ela
realmente peregrinar a Jerusalém, se quisesse orar· a Deus.?
Jesus declara-lhe solenemente:
"Orê-me, mulher, virá a hora em que nem neste monte
nem em JeTusalém se há de adorar o Pai! Vós adorais a quem
não conheceis; ~as nós adoramos. a ,quem ·conh,e'cemos; pois
a salvação procede dos judeus".
Talvez a mulher tenha encarado neste m·omento o seu in-
1.crlocutor com leve dece.pção: ah! tambem ele parecia o~gu-
lhoso como todo israelita!
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Vista do pináculo do templo .para as profundezas
do vale de Cedron
O caminho na frente leva da ribanceira em que es-
tava e-difi.cada a Jerusalém antiga ao vale de Cedron.
P-or este -caminho à direita sobe-se para a ·piscina de
Siloé. A esquerda na ribanceira a a-Ideia de Siloé. As
.moradias são em parte ·excavadas nas pedras, -os te-
1hados -chatos. As janelas, ,que parecem ter uma pi!ntura
branca em volta, são na realidade .pintadas de azul. A
1
cor azul, cor do céu, é a ,co,; santa. As janelas, sempre
duas a duas, recordam as duas tábuas da lei. O quadro
dá uma idéia da Jerusalém antiga, pois exatamente -como
.agora a ribanceira do vale Siloé do lado ·esquerdo está
construida em tantos degraus, no tempo de Cristo a
.parte principal de Jerusalém ficava situada na encosta
em que agora se acham os :campos de cultivo.
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8
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Mas o desconh-ecido prosseguiu com ~-da maior solenidade·:
"ViTá, pois, a hora e ela já veio, em que os verdadeiros ado-
radores adorarão o Pai em espírito e em verdade. Tais ho-
men1s é -que o Pai deseja como adoradores. Deus é es1p írito;
portanto em espírito e em verdade é q11:e deve ser adorado!"
Anunciam estas .p.alavras um certo culto divino muito mais
perfeito do que o antigo. Mais perfeito quanto ao lugar: -
Dora em diante poder-se-á adorar a D'eus não só em Jerusa-
lém, mas em toda parte. Mais perfeito no tocante ao modo:
- Dora em diante não se oferecerá a Deus apenas um. sa-
crifício simbólico do que os homen·s .querem e devem ser, mas·
tributar-se-ão a Deus Tealmente honraa divinas.
A mulher, ,entretanto, alcançou sentimental,mente apenas a
unção geral ,do discurso. Não pode penetrar cada frase. Con-
sidera Jesus apenas -como um profeta -que tambem deverá es-
perar pelo aparecimento -do Messiaa. E certa de que. o desco-
nhecido tambem participava do an·sioso desejo desses tempos
messiânicos, ela continua:
"Eu sei que o Mes·sias virá um dia. E quando ele vier, há
de ensinar-nos• tudo - a mim, samaritana., :e a ti, judeu!"
A mulher confessa agora toda a sua esperança, cheia de
humil•de docilidade, no Salvador vindouro-; Jesus não hesita
mars um mst an.te :
·i •
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tal procuravam dissimular o espanto e esforçam-se por cha-
mar a si o Mestre de sua. distração. Diziam a J ~US-: 1
"Mestre, come!"
Era um .quadro como ainda hoje se pode ver junto a um
poço. Haviam comprado pão chato, dobravam-no e comiam.
Ãgua tinham; ,em abundância. Queriam que Jesus tambem
comesse.
Jesus, ·porém, declara-lhes como de um outro mundo: "Te-
nho •para •comer •um alimento ·qu:e desconheceis!"
Os discípulos olham uns para os outros: "Afinal alguem-
talvez até aquela mulher mesma - lhe t:vouxera alguma coisa
para comer !"
"Para mim o alimento é fazer a vontade daquele que me
enviou e aJSsim levar a efeito a s~ obra!"
Não 1sois vós tambem -daqueles que dizem: Ainda quatro
meses -e virá -o tempo da messe. Eis que ao contrário vos di-
go: levantai os olhos e contemplai os campos como brilham
em alvura de já amadurecidos que estão!
·Recebe o c·eifador a rec9mpensa -e :recolhe frutos para a vi-
da eterna, de modo •que ,binto o semeador como o c·eifador se
1
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E-ntrementes os samaritanos tinham •Chegado e -convidavam
Jesus, ·embora judeu, para entrar ·na cidade. E ele aí ficou
dois dias, portanto demorou-se mais do- que um hóspede cos-
tumava •deter-se.
Das palavras coon que a relação te.rmina, vemos que os -sa-
maritanos não deixavam de invejar a concidadã que fôra a
primeira a ver Jesus. Em geral o julgamento de uma mulher
não era tido como aeeitavel; que ela não se desvanecesse de-
1
A ATIVIDADE DE JESUS
NA GALILÉIA
A -região da Galiléa (Vista geral).
Se se pode ,caraterizar a beleza ,da J-udéa de· severa e aus-
ter.a, a Galiléa é ·uma região realmente fagueira, cheia de con-
trastes e •en-cant0rs. Samaria, no meio da Galiléa e- da Judéa,
forma uma ,es:pécie de transição. Logo à :entrada da G.aliléa
chega-se à planície de J ezreel que, sozinha, produz mais t!igo
do que toda a Judéa. 0.s montes ;são aqui cúmpostos ap-enas
em -pequena escala de p-edra calcárea. Os despenhadeiros da
montanha de Nazaré lembram talvez ainda a Judéa. No mais,
reina o basalto vulcânico; -daí as eleva.çõe.s têm um:a f ol'ma
mlrlto m:ais suav-e e as pedras se esfarelam mais depr;essa.
Mesmo nas ribanceiras mais ín-gre1nes há terra fertil. As gra-
duações com vales próprios, para o cultivo :eomeçam já a gran-
de altura e sã,o inumer.oso·s. Aünda hoje a Galiléa é o celeiro da
Palestina. Já ao tempo de ·Cristo nãio terá is.ido de outra. for . .
ma: as parábolas dos ,evang·elhos na Galiléa iSão-nos o espe-
lho de uma região ab,ençoada pela profu.~ão do trigo.
A G.aliléa tem tambem um centro muito- diverso do da Ju-
1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 119
secos, lá em baixo as águ~ de -um azul cinzento-. A luz m!Uito
forte torna mais nítido o contraste entre a água e a .terra,
aliás já bem patente e contraditório. As ondas tremulantes e
vivas s:eguem imediatamente à praia :ressequida e brilhando
em seus tons claros entre o- amarelo e o ·cinzento. Olhando-se
com muita atenção, a vista descobre ainda alguns ·grupos de
árvores separadas e tão isola.das que não formam propria-
mente um mesmlO quadro.
Mas uma idéia ,bem diferente se faz, ao saber-se quanta
cois,a p:voduzem essas margens devidamente regadas. O lago
já fica a c-erc,a de 200 n1etros .abaixo do nível do mar M:editer-
:r:·âneo. A temperatura mais baixa no inverno é mais ou me-
nos 15 graus Oe1sius, subindo no verão até 30-40 graus.
O mês -de março é o tempo mais belo do ano, comparavel
ao nosso outubro. As espigas já se vão balouçando nos talos.
O trigo artin. ge um.a altura de 1 - 1,20 m., ao passo que nas
:r1ontanhas da Judéa chega apenas- ai0s joelhos do c-eifador.
Ao tempo da c•en.a, em fins de abril, muitasi ve-zes já está tão
quente, -que a foice só pode trabalhar com o orvalho, s.enão
os grãos ;c.aem todos, das espigas. O c,enrteio junto ao lago
cresce até à altura de um metro, enquanto nas ribanceiras
mais secas ,e na Judéa mede apenas, quando está bem desen-
volvido, um côvado.
O trigo ·e a ,cevada s-ão- colhidos em .geral •qU3$Í n-o mesmo
tempo. Plantam o trigo de :dezembro a fevereiro - na prima.-
vera - a cevada., de meados de dezembro até janeiro. .As
lentilhas amadurec001 já em meados de abril e o f·eijão mui-
tas vezes até no prin-cí-pio; as abóboras já em janeiro costu-
mam produzir seus frutos,. Em fins de jun·ho os figos já se
podem comer, bem como se- pode1n colh·er a·s prim•eiras uvas.
Mes.mo as tâmaras amadurecem aqui mais seguramente do
,que nas montanhas e produzem f.rutos mai1s abun-dantes.. Com
1
120 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
medra extraordinariamente ao hálito quente do sol: as palmas\
agitam-se num c-éu todo azul e sem nuvens; por babto brilham..
as searas; os -galhos enchem-se de frutas ano a ano.
Mas, é cer-to, tambem estes paraisas têm suas pragas! Vi~
ve-se cercado de insetos e no verão não se sabe como supor--
ta.r o calor. Visitantes, vindos c;Ie regiões frias, admiram mui--
tas vezes só os ·prodigiosos en·cantos ·dessas ·pais-agen·s-, sem.
pensar -quanto esforço se torna necessário para perfurar ca-
nais e conservá-los afim de conseguir realmente irrigar essas.,
•
paisagens.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 121.
muito mais vivos, francos, afaveis e ~bertos. Daí o anti·go pro-
vérbio: os galileus dão mais pela honra que ·pelo ouro; os ju-
·deus mais ·pelo ouro ·que pela honra.
.-Mas, se na Galiléa tivessem querido observar à risca os ·pre-
·ceitos dos fariseus no tocante às relações com -os gentios, em
·breve deveriam renunciar a qualquer ·espéc.ie de negócio com
,el,es. Ao sul e, em parte, ao leste do lago, -os .gentios. moravam
·em povoações. se-paradas.. T.ari·quéa, a cidade de maior expor-
tação de peixe, tinha de ser visitada, por bem ou por mal, por
todos os pescadores. Por aquí tambem passavam as antigas
estradas de caravanas da Síria - Babilônia e Filistéa - Egito.
Assim ns tocadores de camelos .e jumentos, ,bem como outras
pessoas, aqui achavam meios de ganhar a vida.
A pronún,cia dos galileus era tida já em escritos antiquíssi-
mos como deficien:te. Notavel era a -confu1são ,que faziam no-
mea1damente das c-on1soantes. No m.eio de todos o.s. tristes acon-
tecimentos da noite -da ·paixão surge uma alua.ão às :particula-
ridades da pronúncia d0:s galileus. Disseram a Pedro: "A tua
lin,guagem te está traindo!"
Tambem sob o ·ponto de vista religioso, os galileus forma-
vam um grupo à parte: como vizinhos dos ,gentios, os •galileus
não se ufanavam menos de pertencerem ao povo escolhido. Em
J,erusalém, entret8llto, -consideravam-nos como israelitas de se-
gunda ordem, porque ·esta:vam sempre iem ,contato com os. ·gen-
tios ·e separados da Judéa propriamente dita, pela Samaria.
E' provavel todavia ·qu·e eles- tenham.: tido mais verda.deiro
respeito interior da autoridade religiosa em Jerusalém do que
os judeus que só se curvavam por temor servil. E' de notar-se
que os discípulos., tão vivos como eram, nun,ca ousaram uma
expressão ,qualquer contra os doutores da lei.
A situação da Galiléa tornava a instituição das sinag•ogas
particularm,ente importante. De·pois do cativeiro de Babilônia
os israelitas haviam renu-n•ciado- seria;m.ente a toda a inclina-
·çã,o para o culto- dos deus.es. A-go~a -eles. já não imolavam "de-
baixo de cada árvore frondosa e em cima de todas, as, monta.-
1
122 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Cada smagoga .tinha uma diretoria, uma comissão, e um
ministro. Ao ministro competia a guarda dos livros sagrados,
bem como o cuidado dos leitores e explicadores. Havia tam-
bem certamente em. cada agren;iiaçã=o pessoas de maior auto-
ridade, que como tais, as mais das vezes, tomav~ a palavra.
Por princípio, entretanto, todos tinham ,o direito de falar.
Notada.mente os hóspedes pres,entes eram ,c.onvidados. a uma
aloc:ução. Os hom1ens as-sentavam-se vol_tados p.ara o púlpito
onde estava a ,bíblia; os "nobres", por-ém, tomavam assento
em cadeiras e bancos própri,os, virados de mo-do que pudessem
ver a ·gente do ·povo. São e-stes os "primeiros assentos" a que
Jesus se refere.
A vida de J e,s·us, com-o Filho do homem, submetia-se às leis
da e·voluçã,o humana. Os lugares que por natureza eram apro-
priados às in.stiruções religiosas eram as sinagogas de cada
lugar: foi, pois, tambe-m aí que J·esus começou a pregar. Só
quando a massa ·de ouvintes foi aumentaJ1-do, é ,que ele pas-
sou a falar ao ar livr·e.
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Galiléia, vista para a .planície de Jezreel
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Como em todos os pai.ses quentes, tambem na Palestina
certas moléstias contagiosas fazem -parte da vida do povo em
geral. Nomeadamente muito propagada é a disenteria, que nas
.mudanças do tempo, no outono e n.a primavera, ou em conse-
quência de algum es.forço maior, costuma agravar-se notavel-
mente. ·Um n-ovo bacilo desta moléstia foi ultimamente desco-
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aos sacerdotes e fossem examinados por eles: lde e mostrai--
vos aos sacerdotes! As palavras que seguem: "para o teste-
munho deJ.es." explicam-·se asisim do modo men·os fiorçado.-:
"'para -que eles (depois do exame) vos dêem um atestado (de
que estais .são)!"
O povo não clistin-guia as doenças. ,com precisão. Grupava-
as conforme fenômenos. con comitantes. -Ora., o mais comum
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por ser nojenta, afugenta os maus. espíritos. Pode--se., entre--
tanto, p·erguntar :se o fundamento propriamente dito não con--
sistirá na força ,da desinfeção e de cura que existe realmente;
na saliva. (Um. caso sem-elhante é o antigo ,costume. de se por·
no bols-o dos reumáticos raiz·es de feto; parec·e um-a supersti--
çâJo, entretanto a ciência verificou que exatamente e•s,sas rai--
zes -de feto são radio-ativas). A saliva ·era usada em feridas. -e.~
dores localizadas.
Uma dificuldade era explicar o c=ostume .de CUJS pir numa .
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(0 primeiro sermão de ·Jesus em Cafarnaum.
Jesus e os dou.tores da lei (Vista geral)
Eles entraram em Cafarnaum. E logo no sábado se-
guinte Jesus foi à sinagoga e pôs-se a ensinar. E fica-
ram admirados por causa de sua doutrina. Pois que
ele ensinava como alguem que tem poder e não como
os doutores da lei (Me, 1, 21-22; Lc 4, 31-32).
. mente -os mestres dos jovens -que mais tarde deveriam suce-
d~r-lh•es no ·cargo•
.Q s-eu m!odo de en,sinar, além disso, dependia da circllllstân. .
eia ·que todas as questões eram transmitidas oralmente- de ge-
-
_raçao em geraçao. -
Elm toda parte onde não -há livros ·escolares, ~prender
._equivale a decorar ,e não pode deixar de ser. Essa circun.stân-
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Paxa ea:se método já os "termos técnicos são significativos.
A ·palavra "aprender" é sinôni,ma de ºrepetir'', isto é, "dizeT
sempre de novo''. Em perguntas -e respostas tudo era ~repas-
sado continuamente. O discípulo é constrangido a apropriar-
se da •expreissão •do mestre. O ideal, portanto, era um jovem
que fosse como "uma cisterna rebocada de ,cal, •que não perde
nem uma gota".
Tambem J es·us seguiu e:ss-e mesmo método oral. Por con--
sequên,cia, muita -coisa há de ter :repetido várias vezes: é algo
de :si mesmo evidente e que não s,e deve deixar de lado ao con-
siderarem-se as "repetições" nas relações dos evangelhos.
Todo a.pr,end:e.r partia da lei e convergia para a lei. A "To-
ra", a lei, -era já o livro do menino. Com o terceiro livro de
Mois,é-s, que -contém a enumeração e de.scriçã·o •dos, sacrifícios,
começavam as aul~s •de leitura -e de coisas . Daí chamava.. .,se a
escola "Casa ,do livro da lei". Ao -começo propunham-lhes
apenas algun:s trechos que Ih,es deviam servir de exercícios.
Em substância essa mesma forma de ensinar conservavam
tambem o,s discíp.u1os dos doutores da lei qu,e se preparavam
para o magiatério, o "doutol"a,do".
Havia aí muita coisa a a·prender e a praticar. Deviam pos-
su;ir a art,e de desenvolver as idéias na forma prescrita. Par-
ticular papel representavam as ''con-clusões", nomeadamente a
concluisão de uma coisa mais facil para outra mais dificil e
vice-versa. Tambem Jesus não se esquivava a ies.sas conclu-
sões, p. ,ex.: "Se Deus. assim Vie:ste a erva do campo que hoje
vive e amanhã ·é lançada no forno, quanto mais cuidará de
vós?" "Se tal .acontece com a madeixa verde, quanto mais com
a se,c:a!"
D,e especial importância eram tambem as fórm:ula:s como
s-e deviam citar pas.sagen:s da E:scritura, que naturalmente já
se deviam saber de c,or. Ãs vezes quadrava melhor com o
texto esta fórmula, às vezes aquela. V,erdadeira sensação de
vitória ap-ossava-se do discípulo, caso pudesse acompánhar
fras-e por frase com um belo e apropriado texto ou u;m dito
de maior ·monta com uma ,cadeia de textos s:agrado.s. Que as
perguntas dos discípulos formavam uma parte do ensino, já
o tem.os notado acima.
Em um ·ponto diferençava-se notadamente a relação entre
o pro.fes:sor e o discípulo da que hoje se ,estabelece ·em geral.
A tranismissão do saber- era considerada eomo apenas uma
parte ·do ens.in-o: igual importância ligavam à -convivência do
diacípulo ·com o mestre: aquele devia a,daptar-:se em todo o
gava, ao -pas,so -que os. dis cípulos caminhavam atrás a pé. Daí
1
130 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
A formatura, a nomeação para rabí, encerrava em si carta
branc.a para eX!ercer os ,cargos de m;es.tre e de juiz. A trans-
missão das atribuiçõees do mestre para os discípulos era simbo-
lizada pela impo:siçã:o das mãos do mestre sobre o clis-cípulo,
conferindo-lhe assim os cargos de en.sinar e julgar. A promo-
ção era den;0minada, c onforme a ce~emônia, "imposição das
1
9•
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 131
climento. Todos tinha~ o direito de envolv,er. .se num manto,
mas os doutores da lei trajav~m um manto que os tornava
conhecidos dos homens de especial posição e dignidade. C·omo
os homens que trapalham perto do fogo são logo conhecidos,
assim revela-:se -o homem estuda,do pelo an:dar .( cb,eio de certa
majestade), e pelo manto que o cobre (e que lhe -é peculiar).
Não se poderia pensar no exercício de um cargo sem este dis-
tintivo. O modo de pôr o manto fazia parte do ceremonial pre-
parativo. "Ele envolveu-se num manto e pôs-se a rezar" ocor-
re muitas vez-es. Conforme uma declaração posterior, o j-uizo
começa logo q-ue "os juízes tomam os seus mantos". Tambem
um voto :só :podia ·ser desfeito com a veste oficial. Um homem
foi ter com o rabí Gamaliel (cerca de 30 p. Cr.) e pediu-lhe
que o desligasse de um. voto. O rabi ouviu-o montado no jumen-
to. Em seguida apeou-se, revestiu-se do manto, assentou-se
e assim anulou o voto.
Era este o mundo religioso que vigorava ao tempo de Je·sus
e em que ,ele c:ome-çou a sua atividade exterior e-orno mestre.
Consideradas ·as circunstâncias,, compreende-se que cada dou-
tor da lei, que não acreditasse na sua mis.são divina, o olhas.s-e
como ·perigoso rival. Podiam fazer valer contra -ele que não
havia frequentado a escola de nenhum mestre, n·em tinha
.recebido a nomeação para o magistério e, :portanto, não pos-
suia a autoridade para ·ensinar. Logo que Je-s.us não explicava
algum passo da Escritura confor;m:e a interpretação farisaica,
podiam levantar contra ele a -queixa de e:star ejs;palhan-do
doutrinas falsas e promover o processo penal. O sermão da
montanha, em cuja p-re-i.ntrodução lemos as palavras-: "Não
pen.seis -que vim para acabar com a l;ei; eu vim para aperfei-
çoá-la!" é dirigido :em toda a :sua estrutura contra semelhan-
tes investidas por parte dos doutores da lei.
No m.ais, a vida de Jesus tem, apesar •de tudo, muitos p-ontos
de contato com a vida de doutores palestinenses: às vezes, as
semelhanças ,e d.is.semelhanças -qua.si que se ·entrelaçam. Jesus
anda com os seus discípulos pelas cidades e aldeias, com.o os
doutores da lei, que estavam muitas vezes de viagem -com os
discípulos, com-o mestres e princip.almeute como juizes: - mas
os •doutores da lei cavalgavam un1 jumento; Jesus, porém, ia
a pé como o~ discípulos. J.esus vivia como eles de esmola; mas
para is:s:o ele serve-s.e de um acompanham-ento de mulhe:res. que
dav:am e recolhiam o dinheiro e Ih-e serviam, ao passo qu-e os
do-utore;s -da lei -evitavam as mulheres. 0.s •doutores. ligavam
importância à;s exterioridades, ao vestuário próprio do corpo e
132 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
a semelhantes coisas; quanto a Jesus, só -ouvimos algo de sua
túnica, quando ele já pendia -da ,cruz e os soldados a repar-
tiam entre si por sorte. Enquanto os doutores da lei gosta-
vam -que r ecorres:sem a eles -como juristas e juiz-es., Jesus o
1
A cu·ra do possesso
Estava então na sinagoga um homem que tinha em
si um espírito imundo. Este gritou: "Que tens tu co-
nosco, Jesus de Nazaré? Vieste para p1•ecipitar-nos? Sei
quem és: o Santo de Deus!" (Me 1, 23-28; Lc 4, 33-37).
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 133'
Nisso o poder interior sacudiu o pobre homem de um para
outro lado e novos ·gritos e.orno de um inimigo prostrado res-
soam pela sinagoga. Já durante a alocução •de Jesus os cir-
cunstantes haviam .sentido: ''Ele tem poder!'' Agora um pro-
dígio o vinha confirmar.
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Muitas curas na tarde de sábado
Quando vedo a tarde, depois do pôr do sol, trouxe-'
ram-lhe todos os doentes e possessos. Toda a cidade
estava reunida diante da entrada da casa (Me 1, 32-34;
Mt 8, 16-17; Lc 4, 40-41).
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que dissessem qualqu·er coisa a seu res·peito. Queria trazer
de novo aos homens a fé. em Deus, no Pai celest.e. A fé no de-
mônio até os gentios havi~ -c-on:serva-do.
Jesus na solidão
Na manhã seguinte, muito cedo, levantou-se e pro-
cu1·ou um lugar solitário e aí pôs-se em ora~o. Si~ão
e seus companheiros foram-lhe à procura; encontra-
ram-no e disseram-lhe: "Todos te procuram!" (Me 1,
35-38; Lc 4, 42-44).
136
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Jesus o terá sentido numa m-edida incomparavelmente maior..
Fazia milagres: deviam ser outros tantos marcos que ele ia
c.olocando nos trilh'Os que conduzem a Deus : -os homens, po-
rém, começavam a considerá-los não como marcos do cami-
nho, mas como o alvo almejado. Com esta retirada ante a
multidão do povo, c-omeçou para Jeaus uma paixão interior,
o anelo íntimo de estar a sós com o Pai.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 137
teu moinho ou ainda pela -gritaria do teu filho!" Expressa-
mente se observa ainda que um átrio ·em •que, em vista da -sua
.colocação, uma pequena e.asa de guarda se .torna necessária,
todos devem contribuir com a sua quota. Eram as casas de es--
tilo d-e Tiro que possuíam essa pequena mor.adia do guarda, ao
:portão. Quem queria entrar, devia bater n-o portão da entra-
da. Aí m-orava o guarda. Deve ser um átrio semelhante que
Jes:us tinha diante •dos olhos na parábola: S·e o forte guarda
'o :seu átrio, tudo está :seguro. E:a:ses átrios com certeza exer-
ceram s·ua influên,cia na vida do Salvador, como na vida co-
mum do povo em geral. Quantas vez-es em Cafarnaum e alhu-
res ter-se-á ele detido em átrios ensombrados, para ensinar?
E' ·bem possivel que num átrio -como esse ele. tenha exer-
cido o ofício d.e carpinteiro até ao:s :seus trinta anos.
As,si.m hoje_ caxaterizam as ruas -do oriente os. muros que aí
.se ·en·con:tram ·de la-do a la.do. Daquí e -dalí um portão. P·ode-se
\
olhar -para dentro, mas tambem para fora a ver quem se es-
tá aproximando.
A cura do paralítico
Quando ele, depois de vários dias, voltou a Cafarnaum,
souberam logo que ele tinha chegado a casa. Para aí
acorreu tanto povo, que ningue.m mais tinha lugar nem
mesmo diante da porta, e ele os ensinava. Nisso vêm
vindo pessoas que trazem um paralítico, ca.rregado por
quatro homens. Entretanto não lhes é possível, em vis-
ta da multidão, chegar até Jesus -(Me 2, 1-12; Mt 9, 2-8;
Lc 5, 17-26).
138 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
De repente, nú m-eio da alocução, um g.ran·de estorvo. Já an-
tes bem se devia ter ouvido que alguem andava pelo teto.
Agora, porém, forma-se aí uma abe-rtura: Pedaços de terra
.amaasada vão caindo pela e;steira d-e june-o abaixo. Vê-se enitão
com.o por cima levantam essa e1steira ·e pela abertura alguns
homens vão deixando descer uma cama c·o-m um doente até a
colocax-em a-os pés ·de Je:sus. As indicações do evaJ1gelho não
excluem qu·e ·esses quatro _homens tenham subido primeiro ao
teto de uma casa vizinha e de teto em teto tenham chegado à
-casa em -que Jesus e:Stava.
Todos têm os :olhos cravados no Mestre: um.a única é a p·er-
_gunta geral: - ·Curá-lo-á ele ou não? Os ouvintes estão aten-
tos à primeira palavra ,de Jesus e os hiomens no teto olham
pela abertura. Mais que todos os, '.outros, os. f aris-eus- estão
curiosos. O doente mesmo vê-se afastado de todos aqueles que
o haviam trazido. Olha para o Mestre. E ,o.s, circunstantes po-
dem ler no seu semblante a .súplica: "Curai o meu corpo!"
Dá-se então o que menos se esperava. Jesus- diz ao doente
que o fita: "'Teus pecados te são perdoados!"
Não há dúvida ,que todos aqueles que :ouviram estas pala-
t\T.ras lhe perceberam todo o in·a.udito alcan,ce: Só Deus podia
perdoar pecados! As cireunstâncias ,em -qu:e Je.sus fazia esta
declaração reforçavam a impressão: Ele falava a um bom-em
corporalmente enfermo. Moléstias eram con:sidera.das castigos.
Já se fez toda sorte de investigações sobre a evolução da
"-conciência divina" em Jesus. Quem não quiser forçar -os do-
-cumento.s, deve con-ceder que não há evolução essencial algu-
ma nas expres:Sõe.s de Jesus acerca de .sua posição de Filho
de Deus e Redentor. Já a-quí, ante os fariseus, Jesus atribue-
se p oder divino, "perdoando" pecados-. Pouco depois provou
1
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Ou os fariseus não responderam, ou Jesus mesmo, á moda.
dos orientais, só fizera a pergunta -como introdução do que ia
dizer. Mas assim m·esmo não é sem importância que ima.gi-·
nemos a resposta correspondente à pergunta.. Dif'iceis são am-
bas as coisas : Dizer: "Teus pecados te -são perdoados !- " e·
dize.r: "Levanta--te, toma a tua ca.ma e segue o teu caminho!,;
Am-bas as coisas s-upõem um poder divino. "Dizer" é emprega--
do aquí no sentido -que o que é dito realmente se verifica ..
Passa, entretanto, uma diferença entre as duas ordens. Se um
hom-e-m diz a outro: "Teu.s pecados te são perdoados!" nin--
guem ,pode verificar o efeito das palavras. Mas, se o mesmo
hom:em disser a um outro: "Levanta.-te, toma a tua cama e·
segue o teu caminho !", testemun.has ·podem assegurar-se do,
seu ,efeito. Se o doente se levanta, aqu.ele homem pos1sue um
poder sobrenatural. E se as suas palavras: "Levanta-te, toma.
a tua cama e s·egu•e o teu caminho!" .se comprovam como ve•r-
dadeiras, tambem s.e lhe deve dar fé, s-e ele -diz: "Teus pecados:
te estão perdoados!" Deve, pois, tratar-se de um h•omem que
veio em nome de Deus.
To-do este contexto Jes.u-s indica com a sua.pergunta. E' o
alvo de -suas ações ,e palavras que seguem imediatamente:
"Agora -deveis ver que o Filho do homem tem, na terra, o.
poder de p.er•doar os pecados" - nisso Jes-u.s interrompe a.
fras.e, deis,via-s,e -dos doutores -da lei e, voltando-:Se para o doen-
te, ordena-lhe: "Eu te digo: Levanta-te! Toma a tua cama e
segue o teu cam..inho !,..
Levanta-se o doente, toma a cama e diante de todos 1-aetira-·
se para fora.
Je.s·us, nessa primeira entrevista, já propõe ·em ;su·n;ta aquela.
questão, por cujo motivo ele foi condena.do à cruz. Chama-se
"Filho do homem" e atribue-sc o poder -de perdoar ·pecados na.
terra; ·portanto, um poder divino. A última defesa ante o sin~-
drio termina indicando o "Filho do homem" qu·e pertence ao céu..
O poder de perdoar pecados, confiorm.e a opinião dos f.ari-
seu.s, não o teria sequer o Messias. Ele~ bem compTeendiam :.
J·esus não quer dizer que todo filho ,do l1om-em, is.to é: todo
hor.aem, pos.sue este poder. Tal interpretação -era t.então muito
mais ir1concebiv-el ~o que talvez hoje, em que "perdoar peca-.
dos" às vezes equivale, confarme o modo de ver de certas
pessoas, .a declarar os pecad·os por coisa de ·pouca monta.
Mas que pensavam do nome que ele mesmo se impunha:
"Filho ,do h-omem", isto é: um filho ·do h·omem determinado
• ,.
e ,que v1ve-ra uma so, vez ?.
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Certamente ·conheciam a passagem do profeta Daniel, onde
se fala de .algiuem que des-ce d.as nuvens. do céu c·om a apa-
rên1cia ,de um Filho do homem, mas ne:sse carpinteiro que se
.impunha a si mesmo esse nome, onde encontrar o descer das
.:nuven:s do céu ,e a majestade de Deus? Por demais comum
era-lhe:S es:se homem para que eles-, os guias e senhores do
povo, se ,curva.ssem diante dele!
Os começos do cristianismo
Muito já se escreveu e falou sobre os -começos do cristia-
nismo. Quem quer que ainda -se baseie em princípios essen-
cialmente cristãos, mes,mo que não viva em conformidade com
eles, confunde ,cristiani,smo e cultura. De modo análogo tem.-
se considerado nos prim-eiros p·ropagadores do- cristianismo,
nos ap6stolos, antes de tudo o ma.is, e.spíritos- iluminados.
Tem-se falado do· .gênio extraordinário de Paulo, sem refle-
tir que ele trabalhava como fa-briieante de tendas, e do pro-
fundo pensar de Joã-o, sem indicar que ele era um pes·cador.
Nos últimos. tempos verificou-se repentina mudança que por
.s-ua vez descam.bou para o ·extr·emo contrário. Apresentou-se
c-omo fato histórico •que o "cristiani.smo, nos seus começos,
foi, ·sem dúvida alguma, um movim-ento das mais várias cama-
das de.stituidas ,da fortuna". Aüs "c-om,eços do cristianismo"
pertencem, em todo .caso, aqueles apóstolos que· foram chama-
dos em primeiro lugar: Pedro, André, Tiago e João. Daí, a
questão dos ",começos do ,cristianismo" é outrossim a -questão
acerca da camada popular de que e.sses homens se originavam.
-Se -conhecêss.emos só duas classes de -homens conforme ·o
sentido •da divisã,o- comum da human.id.ade, naturalm·ente os
apó-stolos não deveriam .ser procurados entre os "aristocratas"
e "letrados". Mas o certo é que em todos os povos há tres
classes de hom:ens, uma dos ricos, a chamada superior mais ou
men-os isola•da para si, a classe dos que nada possuem, a ca-
mada inferior e --t neces~ariamente do ponto ·de vista etnoló-
g·ico e biológico - a elas.se da camada média.. Esta compre-
ende aquelas pessoas que iSie sustentam a. si e às suas f amí-
lias, sozinhas ou em companhia de outros, embora ·em condi-
(_:ões dific-eis, porém naturais. S-em uma s-emelhante -class:e
média, um p·ovo nã-o pode subsis.itir.
Nesta -camada é que Jes-us lançou os fundamentos da sua
obra na terra tanto qu.ant:o depende de ;Suposições naturais, e
:1. ela é ·que antes de tudo confiou a contin·uaçãoi dessa obra.
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Soam estas frases ,como ,uma. afirmação arbitrária, ,que não
contraria -a exposição evan,gélica, ·mas que dela não se pode
deduzir. Realmente, a história da vocação dos primeiros apó-
stolos, p·or ,dois- textos em -geral pouco atendidos, permite-nos
um olhar à vida da -clas s-e média.. Como que p-or acaso, com
1
(coinonoi) de Simão".
Mtútas vezes a expressão "•com!panheiro" de Pedro é toma-
da num s-entido vag-o: amigo ou conhecido que casualm-ente
trabalhava em conju-nito. Mais não -é i:s,90 o que ela -significa
propriamente.
P-esquisas e comparações minuciosas tornam verossimil que
as duas palavras têm um sentido mais específico do que em
geral se pensa.. Em :doc:umentos contemporân eos d.o Egito e
1
142 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
companhias e só assim é que podem ;subsistir em fac·e da aris-
tocracia e dos -grandes possuidores. Na fo:rma de companhia
organizada empresta-se din-heiro: No ano 47, Aunes, filho
de Onofris, com Soeris tomou emprestadas de Estotoetis 84
dra-cma:s p.or um ano a doze por ;cento de juros. E- no ano 41/42
Harpe-sis com ,seis companheiros tomam 50 dracmas. empres-
ta,das de Estotoetis-. Da mesma maneira eram os arrenda-
mentos-. No ano 88, Acousilau, com tres par:ceiro.s, faz um re-
querimento para que lhe ·seja arr·endada a olaria perto de Ni-·
copolis e de Socnopaiou Ne-s-os ·por 240 dracmas. Cerca de 200
d. Cr. um certo Demas queixa-se por se:r estorvado na edifi-
cação do terreno- arrendado. E fala não só em próprio nome,.
m:as no nome de "25 companheiros''. Na mesma situação en-
contrava-se um tal Apinchis, tambem com "25 parceiros.", pe-
lo ano 207.
Pedro e André eram irmãos e igualmente Tiago e João. Te-
mos, pois, aquí o caso en1 que os irmãos entram como membros
da mesm.a corporação. Um d·ocumento egipcíaco-, m:ais ou me-
nos da mes-ma época, contém um paralelo. No ano 75 d. Cr.
um .certo Sátabo, filho de Panefremis, recebe 25 "ártabos",.
isto é: cerca de 1500 q·uilos de trigo :de uma corpo~ação com-
posta de Písais, Tesenufis, Harpágates, Tesenufis, Harpágates,
.Horos, P·anafremis e H•oros. Desses oito homens ,que formam.
uma organização- arrendatária, como muitas vezes ocorre no
Egito, dois: Harpágates. e Tesenufis são irmãos, filhos de um
tal Sátabo.
\A situação da ·pescaria no lago de Genesaré, como era até
à üc-upação do país pelos ingleses, :possibilitava e.ssas orga-
nizações. O direito ;de pescar era concedido, -como o décimo
ti.os camp-9.s, por arren-damen:to, a quem mais. ofer-ecia, em ge-
ral a algum ricaço morador de Beirut. Este senhor -ce,dia p-ar-
tc dos seus ,direitos a arrendatários -subalternos em Tibérias.
•~ em Safed: sob a d-epen:dência destes, outros grupos ou fa . .
·,nílias de pescadores, como se refere na bíblia, na história
da pesca milagrosa. Os ingleses em poucos anos fizeram tão
rn:"t experiência com a pesca livre, que já estão voltando à
antiga praxe.
Com razão pode-se levantar a •queis:tão, se a expressão
--companheiros de S.imão" não quer -dizer mais do que parece
á })rim.eira vis.ta. T-erá :Sido .Pedro o "chefe"? A ele é que Je-
Hus dá oriden:S ;que dizem res.peito a todos, ,e Pedro respon•de
Pln nome de todos. Ele mostra-,se igualmente •com -certa au-
t ,, ►ridade: ·ele mesmo, p. -e., ,quer pegar na rede ao despejá-Ia.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 143
Aclara-se assim tambem uma questão que muitas vezes nem
.sequer -é formulada, e-m-bora exista. -Como ,é que no lago de
•-Genesaré trabalham juntos exatamente aquele.a quatro: An-
dré e João, Pedro e Tia.go -que juntamente se dirigir~m a
.Jesus junto do J-ordão? Se formavam. ,uma companhia de pes-
ca, é muito natural que interrompessem ao m·esmo tempo o
trabalho e peregrinassem ao Jordão, onde João batizava e que
Jogo os prim•eiros, que encontraxam Je.sus, fossem em ,pro-
,eura dos companheiros. De si mesmo se entende igualmente
que pes-cas:s.em juntos antes e ,depois de ter ido falar com
.João. Uma ·tal organização (tê-la-ão chamado "chaburah")
não s·upõe que todo o nece.ssári.o para a empresa seja bem
-·comum. Simão tem .sua própria barquinha. Talvez be.m có-mum
1
:~144
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·Os pes~dores
.. do lago de Genesaré têm
. sido tambem re-
. .
pr~~ntados em quadros e_ descrições d~ modo bem diverso do
que são em sua rude atividade. E, entretanto, exatamente es;
ta vida trabalhosa foi a escola. para a vocação posterior. dos
apó:stolos. As condições de pescaria no lago de Genesarê va-
riaram desde então tão pou,oo como <>" próprio Jà.gó. Daí, a vi-
da dos atuais pescadores permit&-nos fazer uma idéia d-a vida
dos apóstolos antes de sua vocação;
São os pescadores geralmente pess-oas simples e de pouca
ins~~ção: esses homens-, rígi.dos e queimados do sol e do ven-
to, vivem só para o seu ofício. Noites inteiras devem: passar
sem dormir, no contínuo agitar -das redes, preparados sem-
pre para alguma repentina tempestade, como sói acontecer
nesse lago. Mesmo que .geralmente ainda es-capem vivos destas
torn1entas, não é raro que as embarcações s-e estraguem; e
quando acontece que não sofram avarias maior,es, muitas
vezes são as redes que se rompem e sornem nas ondas. A ali-
mentação de.sses ·hom-ens-, em muitos dias, consiste só em pão
e peixe e água que "atiram à ·,boca" com a mão ·em concha,
haurindo-a do lago. A expr·essão "atirar à boca" ,é a que in-
dica melhor o modo como -costumam beber água. E como sem-
pre acontec-e - estes homens, que vivem combatendo com as
forças da natureza, amam a árdua existência -e, enquanto go-
zam de saude e permanecem incontaminado.s, -nem sequer so-
nham em trocá-la por outra.
As relações da sagrada Es·critura supõem -que a -pesca f os-
se feita ·de vários modos.; e é o que ainda ago~a. se pode ob-
servar. Exi1ste uma rede de "lance·" que usam principalmente
de dia; e uma outra de arrastar. E),Sta mede cerca ,de 200 a
250 metros ,de comprim·ento, -chegando a ter no meio 5- me-
tros de largura. O seu preço s,obe a mais de um conto de réi.s.
·um pescador ,que possue uma tal rred.e e os botes ·correspon-
dentes, vê ·realizados os seus sonhos mais ousados. Estas ·redes
de reboque são es:tendidas por meio de duas embarcações com
uma tripulação de seis a oito ·hom•ens. Uma embarcação leva a
rede e a outra, tomando uma das pontas, vai-se afastando· a
remo, devagarinho, até lançá-la inteiramente ao -•mar. Só ·pode
ser empregada em lugares ba~os e areentos., -perto das praias.
Se as ág.uas. descem logo.,a . -:ni:aior :proflin·didade- --:ou s-e pedras
ou bancos de areia prendem a rede, é forçoso servir-se de ou-
tras , espécies de redes. Por fim a rede é 'puxada para terra
por meio das cordas presas e-m suas extremidades.
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A pesca milagrosa
Aconteceu uma vez que as multidões se aglomeraram
em torno dele para ouvir a palavra de Deus: estava
ele à margem do lago de Genesaré. Nisso viu que duas
barquinhas estavam atracadas à margem; os pescado-
res haviam descido e lavavam as redes. Subiu Jesus à
barquinha, que pertencia a Simão, e pediu-lhe que re-
masse um pouco, afastando-se da praia (Lc 5, 1-11).
Jes:us ainda não tinha chamado- definitivamente os discípu-
los para -a sua companhia; assim, como antes, eles foram pes-
car .. Uma manhã J e1sus lhes fora ao encalço junto ao lago e
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Arado a trabalhar
Depois das primeiras chuvas de dezembro. O chão
está de novo .pegajoso. O chão arado distingue-se da par-
te ainda não arada por um maravilhoso •Colorido aver-
m·elhado. Não há falta de pedras. Quem põe aí a mão
no arado e- olha para os lados, bem depressa -o arado
es-capa-Ihe das mãos ou sai da fenda. O homem está
bem agasalhado, sente frjo e realmente o termômetro
marca 15° e.
Trilhando
Por eira ·entende-se -no orJente o lugar onde se tri-
lha ou debulha e onde se guarda o grão até ser levado
para o .celeiro. O ·menino escuro, beduino da tribu de
Sameiri, está iem pé no trilho. Por m·eio de _uma pedra
ele aumenta q seu pouco peso. O ·monte que -o cavalo
vai torneando é todo ele f armado de .espigas. Daí vão
tirando as espigas e colocando novas camadas debaixo
do trilho, até acabar o monte. Então reco1neça o 111es1110
processo. Quando o vento começa a soprar uniforme-
-mente, atiram o trilhado ao alto. As pedras duras com
os grãos cae,m por terra e a palha é levada pelo vento.
·Os grãos passam então por diversas peneiras. A palha
que resta levam-na para casa, indo servir de combusti-
vel ou -deixam-na apodrecer alí mes·mo. A isso é que são
João se refere. O joio é tambem queimado (Parábola
do joio no meio do trigo). No fundo vê-se uma tenda
de verão, -con10 as costumavam fazer na festa dos Ta-
hernáculos e nas vinhas. Em esteios firmavam travessas
com gravetos e por -cima uma coberta de palha. Dois
beduínos estão ass·entados no telhado ao vento do oeste
-que já começou (como se pode observar nas pontas -da
roupa do ·menino que se agitam ·e nas roupas do homem
-em pé por detrás, o qual chama os companheiros que
estão longe no lago). Das montanhas no fundo Jesus
-desceu na manhã depois da .eleiçã-o dos apóstolos~ Toda
a narração supõe que Jesus se achava com a multidão
numa região em que a maior parte do s-olo servia ape-
nas de pasto e ·podia ser calcado sem maior estrago.
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tância no fato da pesca milagrosa. As .pe-ssoas -que .estão. na
praia e os -dois barcos .c-onser.vam-:se à vista .e .em . contato~
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mente os da ·classe mais elevada, aqueles que moravam em
Jerusalém mesmo perten-ciaim gerahnente ao .partido dos sa-
•duceus. Só me.smo por manobras políticas e conces.sõ-es aos im-
perantes do país é que conseguiam conservar o seu posto. Flá-
vio José não deixa a ~enor dúvida ·a e.sse respeito. D'os· sadu-
ceus ele e:screve: "Só os abastados -é que são a seu favor; a
;massa do povo não os suporta. - Bem poucos sãq os que per. .
tencem a esta orientação; são, porém, exatamente as pessoas
de maior vulto,,. -Da mesma forma ele afirma que os fariseus
formavam um partido declaradamente popular. "A influência
que -exercem no povo é tão grande que conseguem o que dese-
jam mesmo em aproximação ao rei ou ao sumo-sacerdote. E os
próprios sad-uceus apoiam os planos dos fariseus, porque,. do
contrário, se tornariam imcompativeis com o povo".
Considerando-se mais de perto, vê-s·e claramente que, neste
particular, os Ev·anigelhos es,tã,o de perfeito acordo com Flá-
vio Jos-é ! N-ecessário -é, porém, dis.tin.guir-:ae nitidamente o que
nas grandes ·questõe.s vitais é ou nã·o pecúlio •especial do povo.
A eissên,cia da tremenda Luta entre Jesus e os fariseus cifra-
va-se ·exatamente neste ponto: ambos, Jesus- e seus adversá-
rios, visam a direção espiritual do povo.
Quem quer exercer uma influência es,piritual no povo, deve
agru·par seus pen:samentos ,em torno de uma única ou de pou-
cas idéias básicas: em seguida deverá comunicar estas idéias
ao povo, evitando as meras teorias. e envolvendo-as em exem-
p19s frisantes. Por fim, como guia do povo, há de c-on.s·ervar--se
a uma certa distância dele. Jesus e os faris-eus ·sabem-no. per-
feitamente e daí tão mais renhida é a luta.
Tem Jesus uma idéia fundamental, sempre de novo acentua-
da em suas alocuções. Ê' o grande ensinamento do sermão
da montanha: Servir a Deus é que pod-e tornar -o homem f e-
liz: em comparação ·com o amor de D-eu,s, nada mais tem
âmportância "' alguma.
Tambem os fariseus têm uma idéia básica -que lhes serve
de .pon-to de partida para cofnsiderar toda a vida humana; a
observân•cia da 'lei em c-onformidade com todas a,s explicações
e ampliações dos preceitos legais é o ·penhor da felicidade;
assim mesm-o a Di~us se pode -exercer certo constrangimento.
Ambos, Jesus e seus adversários, comunicam estes pensa-
:mentos ao povo de um modo que lhes -está bem ao alcance, em
comparações e exemplo·s. Diferentes são essas idéias fu·nda . .
mentais, diferentes deverão ser ta-mbem os exemplos. Paten. .
teia Jesus sempre :de novo nas. iSUas "p·arabolas do reino de
l50 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Deus", de sua natureza e de sua ,evolução, de seus membros e
de sua cabeça, .que a principal coisa não consiste na mútua
relação de um :homem para ·os outros h-omens; a r•elação de
,cadà um para D•eus é que é -unicamente da máxima importân-
cia e de que tudo depende. Seus exemplos, as suas parábolas,
partindo da vida comum. em suas várias manifestações·, elevam
até a Deus.
Os fariseus igualmente···empregam exemplos para es·clarecer
as suas idéias perante o povo. A lei como tal ·é-lhes tudo, co-
meço ·e fim. Seus exemplos consistem, portanto, em mostrar
sempre de novo ,que todo círculo da atividade humana deve
estar em relação -com a lei e n~o, como Jesus, em Telação com
D-eus.. Para •qualquer eventualidade da vida procuram determi-
nar "-como se deve p.r,oceder ·conforme a lei". Seu alvo ·consis-
tia -em trabalhar sempre e em toda parte para .que os man-
damentos ·e -preceitos fos.sem de fato observados -do modo como
eles .os ·explicavam. Não ,opinavam de forma alguma que cada
um pudesse aplicar ess-es prec€itos à própria vida -conforme a
sua conciência. Eram eleis -qu-e pensavam ,e ;decidiam ,qualquer
questão prática. Se todos observassem os mandamentos, Díeus
seria obrig.ado .a ,realizar aa p.rome.s.sas que fizerà ao povo.
Este pensamento animava tanto os fariseus •que se imprimia·
nas formas mais várias de sua doutrina. Ora, suposto este pon-
to de partida, feito da relação para c-om Deus, que deve ser
uma relação toda amorosa da criatura -para o Criador, d-o filho
para com ,o. pai, uma relação s-e,melhante à de ·duas pe:s.s-oas que
pleiteiam. .seus direitos, é .naturalmente mais popular apresen-
tar todo -este si.stem.a numa lista de tantos. "casos". Que seja o
modo mais popular, deduz-se dos antigos :códices de direito.
T.a,mbem esses -códic-es, como as. ".tradições" dos. le-gis.peritofj, ha-
viam passado primeiro realmente de geração em geração. Igua-
lam, portanto, os vá-rios parágrafos -da tradição farisaica, mais
ou -menos como Jesu,s ~lude no s·eu gran,de discurso contra os
fariseus, em -todo ,o seu ritmo e armação à jurisprudência po-
pular antiga. De m·odo análogo tendem a exagerar a impor-
tância das. formas -exterior,es em comparação do interior.
Citemos um ex·emplo. O segundo mandamento ordena : "Não
jurarás fals-o !" Quer s,e jure -pelo templo, pelo ·ouro ·do tem-
plo, pelo grande altar dos sacrifícios, pela vítima no altar, a
essêne~a do juramento consiste sempre em s;e invocar a Deus
por tes.tem.iunha.
. Os doutores da lei, p,orém, por meio. de toda
e~pécie de distinções, colocam Deus, a testemunha viva, in-
teira.mente de lado. Conforme ·a sua -disposição, um juramen-
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to "pelo templo"" não tem shnplesmente valor algum. , de-ver-
se-ia jurar ·"pelo ouro do templo~'; igualmente um juramento
pelo "altar dos sacrifício-s" não é -·o mesmo juramento pela
"vítima do altar".
.
Semelhante pendor para a exageração e interpretação falsa
das formas exteriores mostra-se no direito popuJa,r. Os jura-
mentos são avaliados aí por -circunstâncias inteiramente aci . .
dentais, de· m-odo que Deus, como testemunha, .,quasi que desa-
parece . A fórmula qu-e se ,devia empregar assume .grande im-
portância-: conhecem-.se,. a par do juramento pelo -evangelho,
tambem ·-o-utros pela barbà ~ como em. Israel -- ,pelos ca.b-elo-s,
pelas montanhas, pelas penhas,. pelas pedras, pélo sol e ·p,ela
lua. A-s.sim o povo arranja um meio ·de escolher à vontade um
juramento mais ou menos sólido.
'?rodas -estas particularidade.s grupam-s'e na mesma direção
cootra a -qual são dirigi.das as palavras de Je.sus: "Ai de vós,
guias ,cegos, que dizeis: se algiuem ju-ra pelo edifício do tem-
plo, não vale de -nada. Mas, se alguem jurar pelo our,o do tem-
plo, está lig~do. Loucos e -cegos! que é, pois, mais importante,
o ouro ou o templo, que santifica o ouro ? Não deveis jurar de
modo algum, nem pelo céu •que é o trono de Deu:s, nem pela
terra •que é o escabelo de seus pés-, n-e.m -por Jerusalém, por-
que é a -cidade do grande rei. Tam-bem por tua cabeça não de-
ves jurar, porque não te é possível tornar um único cabelo
·branco .ou preto". - Até os cabelos, de modo semelhante ao
c-éu, estão em última linha numa rn-esma relação para com
Deus ; t~dos eles estão contados !
O povo ·gosta de fórmulas consagradas, de decisões bem de-
termina.das e aplicavei:s a casos particulares. Daí os guias do
povo não as podem negligenciar. Todos os direitos populares
erguem-se sobre esta base a começar do js.ul até à Islândia
com as suas sagas. Exatamente corno a casuística dos douto-
res da lei, os parágrafos aí ·começam semprre: "Quem fizer
isso. quem não fizer isso ... , quem tiver... , quem não ti-
ver ... !" Tais fórmulas são inevitaveis, mas oeiultam ·sempre
o perigo de colocarem-se no lugar do essencial. O h·omem,
composto de ,corpo e alma, sente-se sempre i,mpelido a reves"'."
tir os pensamentos que -o agitam em •expressões. verbais tan--
~v-eis, que se .pod:em transmitir a outros à guiza de ~ma moede
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A inacessibilidade de Jesus.
A inacessibilidade dos fariseus (Vis.ta ~eral)
Um guia popular deve .saber conservar-se à di~tân,cia. E' u.m 1
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A denominação "fariseus" - "separados" parece ter sido
-empregada primeiro pelos adversários. Mais itarde os .próprios
.fariseus assim se ,designavam, pois ·que esta expressão podia
·ser interpretada tambem no sentido de Obaber.
Esta reserva exterior, em conformidade com o carater
,.oriental, foi-se .tornando sempre mais ac-entuada no trato com
.-o povo. Re-gra.s minuciosas determinavam, ,caso por caso, o
que um Chaber, um faris·eu, devia faz-er ou omitir, a.o entrar
~em ,contato com um "aan-Haa1•ez". "Quem tem vontade de ser
,Chaber, não venderá a um am-Haarez fr:utos f.rescos ou secos;
·nem comprará dele frutos frescos; não se hospedará ,em sua
1casa nem lhe dará hospedagem".
Nesta relação entre ·os fariseus. e pessoas do pov-o, grande
.influência ,eX!ercia o que hoje denominam "terror". Pela seve-
ridade com que ,os fariseus observavam as prescrições de pu-
rificações le-gais e ·dos. dízimos, ,eram .considerados na vida prá-
tica eomo uma assoc.iação que isolava inexoravelmente todo
aquele negociante que não se in-screves:s.e n,ela. Os doutore.s da
lei estavam aliás concientes de que eram mais temidos do q·ue
estimados. O rabí Eliez·er, íalecido cerica de 90 d. Cr., declara-
va: "Se não precis.ass,em de nó:s a cada p.a;s.s·o, haviam de mas-
.sacrar-nos !" Um rabí da época posterior opinava: "O ódio que
os am-Haarez tinham ·dos discípulos dos doutores da lei era
maior ·que o ódio dos idólatras contra os israelitas, e o ódio
·de suas. mulh·eres era ain-da maior do ,que o d,eles".
Se as mulheres do.s "am-Haarez", •como aqui ·se diz, odiavam
particularmente ois -doutores da lei fariseus, não era s-em mo-
tivo ,es.pecial. E' qu~ eles, do se.u lado, julgavam do modo mais
desprezivel a res·peito das mulhere:s e ·das filhas da.s e.amadas
inferiores. Como os doutores da lei apreciavam-se a si mes-
mos e o -que pen:savam destas mulheres e moças demonstram
claramente as máximas: ''Os m-estres ensinaram: Vende um
homem tudo- o que tem para poder casar-se com a filha -de um
discípulo :dos •doutos. Igualam então a uma vinha junto d.e ou-
tra vinha, algo •de belo e delicioso, ·e não a uma vinha. ao lado
de :espm.hos, o que é feio -e tremen·do. Caso alguem não en-
·contrar uma filha de um dis,cípulo dos doutos, case--se com
a filha de homens distintos do ·s-eu tempo.- Mas, se não achar
uma assim, tome a filha de um chefe de :sinagoga. Não achan~
·do.uma destas, tome por mulher a filha de~ mendigo. 'Se não
encontrar nenhuma destas, tome .a filha de um mestre escola.
Nunca, porém, .se case -com :a filha de um am-Haarez, pois es-
tes homens são uma gentalha e suas mulheres um horror".
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Chegaram a ponto -de estatuir ,cláusulas que tornavam. o di-
vórcio mais f acil, quando se tratava de um homem que se
queria separar de uma mulher ,da massa dos am-Haarez. Po-
dia demití--Ia sem lhe dar a soma que, nos divórcios, era cos-
tume dar-se em casos idênticos._: Aconselhavam-no·· mesmo. a
não "continuar a morar num cesto com uma cobraH. Já era
o caso ,quando uma mulher deis-se ao marido a comer -um ali-
mento ainda não dizima.do.
,
Mesmo -que estas determinações 1n.~o proven·ham exatamente
do tempo de Jesus, contudo já havia começado en·ergicamente
o mov:imento ,que levou a fo:rmulá-las. ·Como Jesus em tal ~-
:biente devia dar nas vistas! Compreende-se que os discípulos
se admirassem da sua conv-ersa -com a samaritana. Aparece-
nos tam·bem em nova luz o louvor proferido por uma dessas
mulhe,res do povo: "Bem-aventurado o seio que te gerou!"
Pode-se .assim fazer. uma idéia de como o encaravam as .mulhe-
res que seguiam ·a J,e.sus. Esta circ,unstância faz-nos tam.b·em
compreender melhor o procedimento dos discípulos contra as
mulheres qu-e 1,evavam os filhinhos a Jesus.
Igualmente não s e po·de admirar que os- fariseus deblateras-
1
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Pescadores trabalhando com uma rede de puxar
Em lugares rasos e lisos estendem a grande rede. Um homem no meio
do lago a levanta e outros a puxam. Os peix·es, espantados pelo barulho,
vão-se chegando da terra. Antes que levantem a rede, já mãos ligeiras se
põem a trabalhar. Uma exclamação alegre rec·ebe cada peix~ bom e uma
palavra de desprezo os que• não prestam. Dá-se aí um "juizo".
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lavras já não pQcj"em ultra passar. -Jesus declara-va : "Eu sou o
Filho de Deus. - Vós sois filhos do demônio!''
Discussões
; .
post~riores, mesmo as da semana santa, ,são um.a
. '. ' '
espeeie de ,escaramuças travadas no mesmo campo de batalha.
Para Jesus mesmo eram apenas a ,continuação .da luta: seus
olhos, por cima de to-das essas palavras, já estavam fixos na
~ruz, em busca da qual ele viera a Jerusalém .
•
Em um ponto J es:us não se deixou igualar pelos fariseua:
na -perfeita dedicação à s-u.a. -obra e n-a conciência da sua missão
divina. Cada uma de suas palav-r&CJ está impregnada desse es--
pfriito, que é logo percebido por todos. Ele en:sina como al-
guem que tem poder.
Em pouquis·simos casos as palavras de Jesus eram profecias
expressas que forçavam •OS ouvintes a proclamá--Io um profe..
ta; e mes-mo nestes cas-os, em geral, eram só os discípulos
que o ouviam. S-empre e principalmente quando falava do reino
dos céu-s, transpareciam de suas palavras a -se-gurança -que· não
se en·gana e -a majestade solene do prof.eta. Essa conciência
profética influenciava. todo o seu modo ·de falar e cercava-o
de uma atmosfera de inac-essibilidade que os doutore.s não po-
diam ter.
Ainda mais ,inacessivel ton.1avam-no os milagres que fazia.
Muitos milagres operou Jesus, muito mais. do que os que se
referem nos evangelhos. Com demasiada facilidade supõe-se
que o povo f asse acosrtumado a esses prodí~ios. Passa des-
percebido, entretanto, que foram muito pouc-os os milagres
que corr-espondiam às esperanças mes.siânica-s do povo.. A mi~
lagrosa multj.plicação dos pães é que mais os impressionou.
- Nunca acontec-eu, porém, o ,que ele:s esperavam diariamente
e a cada i.!n.:stante: que Jesu.s assumisse uma vida maravilho-
sa e que as-sim se lhes manifestasse. Multiplicava os .,->ãe~,
mas permitia que seus próprios discípulos sentissem fome;·
c-urava doentes, mas ficava ele mesmo tão ,cansado, que, co~o
pessoas extenuadas, .se punha logo a dormir ao ruido ·compas-
sado· dos remos no ar u;medecido do lago. Fez que um peixe
trouxes1s.e umá moeda .par~ pagar o tributo ao templo-; vivia.,
porém, como um mendigo, das esmolas que lhe davam.. Ao
considerar--se essa -sua. vida pobre, o,~ milagres to~:~vam--sê
um enigma; ao ·pensar.--:se1 por-ém,. n·os milagres, não se .podia
compreender tanta modéstia... D-esta f omna-, os milagres produ-
ziam em tovno del~ uma macessibil~~ad~ toda. espe--cial.
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O sábado na vida. do povo _ judaico
O preceito ·do descanso sabatino arirai-gara-se como nenhum
outro na vida de todos e isao não só jocasionalmente, mas
todo o sétimo dia, de modo -que -a sua violação podia ser ma~
notada ·por todos do ,que a trangre:ssão de qualquer outro
man-dam-ento. Assim o.s le:gisperitos haviam estabelecido uma
lista de 39 ocupações proibidas nq sábado. O peior, porém, nã,o
era a existência de semelhante catálogo de trabalhos, mas
o espír,ito com ,que era interpretado. Os fariseus, aquí, tão,
bem como ,quanto à própria lei, inoculavam ocultam-ente o ve-
neno que lhes ·era próprio.
Como Jesus foi acusado mais ·de uma v-ez de violar o sá-
bado, ·citemos as deter,m.inações ;dos doutos a este respeito:
Conforme a lei o nº 3 •da lista proibe no sábado o "co-lher" ..
Este conceito ",colh·er" foi am·plia.do ,pelos doutore,s e assim
o preceito era agravado de um modo exorbita·nte. Segun•do as.
1
nino num sábado subia numa árvor-e ,e fazia cair alguns figos
maduros: - não podiam. comer esses figos. Ne·m mesmo os.
frutos que no sábado caíam por si mesmos era lícito comer.
P-elo m-esmo m-otivo, as dona•s •de casa não podiam aproveitar
os ovos que as ,galinhas punham no sábado.
1
0s -profetas no seu tempo s.e tinham oposto a •que as gran-
de.s caravanas dos negociant~s continu~s!sem no :sábado a via--
gero. Os doutores da lei por sua vez explicavam o "ea.r!l:egar"
algum ·peso do modo seguinte: "Torna-s-e -culpado d·e violação
do sábado •quem -carrega tanto alimento como um figo seco ou
a -quantidade de vinho equivalente à ,que s-e mistura com a
água num copO', rtanito leite -quanto se coatuma tom-ar de um
bra.go, tanto mel, ,quanto se .sói colocar numa ferida, tanto
óleo quanto ba.sta -para ungir um me~bro pequeno, tanta água
quanta ,é neces.sá,ria para a lavag-em dos olh-os't. No sábado era
proibido me:smo levar consigo a sacola de d.inh·eiro. Acoose-
lhavam :a confiá-las a alguem •que não fosse judeu ou a impô-
la a um -animal de carga. Não :se devia sequer levar de um
lugar ·para o-utr-0 um papel do tamanho de um passaporte. Para
as mulheres valiam as explicações: Não deviam. sair de casa
com um anel -que tivesse algum engaste, ou com uma ;caixin-ha
de perfUiiles, ,ou com um f.r-asco- ·de bálsamo.
Compr.e ende-se, assim, -que o ,cuxado de Betesda desse na.$
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"Podiam ungir-se -e fricionar-se, mas não se· deviam cansar·
nem fazer mBJssagens. Não deviam empregar nenhum emético,•
a,rtificial. Não -é lícito esticar :os membro,s de uma criança (fa-
zer-lhe exercícios), nem ajustar uma ruptura. Caso s,e tenha.
de:stron-cado a mão ou o ·-pé, não -s:e deve mover esses membros
em água fria; é lícito, apenas, lavá-los como de costume. S·a
curarem, serão curados assim".
A vida de Jesus e-stava envolta num ambiente de semelhan-
tes mtreprretaçõ:e1s: c-ompreende-.se que eram ·inevitaveis -os cho-
ques entre ele e os doutores da lei. Como parece, houve um;
tempo em que, dentro do =partido farisaico, foi dada a senha.
de tornar Jesus suspeito por causa da violação do sábado,
devendo todos juntar material para isso. Da Galiléa foram-nos,
cons,erva-dos dois fatos: Os dis-cípulos a colher espigas e a cura.
do homem de mão seca, e da Judéa., quatro: a cura do doente~
há trinta e oito anos, do cego de nascença, do hidrópic.o e da:.
mulher recurvada.
Não deve -pas sar despereiebido, todavia, que importância.
1
no dia anterior. Apesar -disso era e:m.tamente n•esse dia ,que ,gos--
tavam. de convidar os conhecidos e amigos para jantar. Muitos;
tomavam no sábado, que devia ser um dia de júbilo, tres re-·
feiçõeis, ao passo .que n-os ,outro.s dias. se contentavam com.
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quas:• ._No sábadq, toqavla, ~ principal_ ref~iç~o segµia im~d1:a-
tamen_te aos ofícios da s~a-goga pela manhã, e não à tarde~
Era natural ·que ficassem mais tempo assentados à mesa em
~onversa. Os fariseus -gostavam de intercalar n-essas ocasiões
êonversas de assuntos religiosos. Não é de estranhar, pois,
que, na casa do fariseu, Jesus, durante a refeição, se pusesse
•
a ensinar.
NA FESTA DE JERUSALÉM
A cura do enfermo na piscina de Betesda
Aproximava-se uma festa dos judeus e Jesus subiu
para Jerusalêm. Aí, em Jerusalém, há junto à porta
das ovelhas uma piscina, chamada em hebraico ''Be-
tesda", que tem cinco portais com cohmas. Jazia aí
grande quantidade de doentes: cegos, coxos, desvali-
dos, à espera do movimento da água. Pois um anjo do
Senhor descia, de tempos em tempos, à piscina e mo-
via a água. Quem descia à água em primeiro lugar, de-
pois do movin1ento, ficava curado de qualque1· doença
que sofresse. Achava-se aí tambem llDl homem que já
estava doente a trinta e oito anos. Jesus lhe disse: "Que-
res ficar são?" (Jo 5, 1-47).
E' algo de interessante conhecer-s,e o proce.sso interior de
um doente que tem que sofrer toda a vida. Anos a fio ele vai
observando, -talvez com a maior atenção, todas as pequenas
melhoras e recaidas. e assim, às vezes, enche-se de e.speranças,
par.a logo em .seguida cair _no desânimo. Com o tempo, porém,
vai aprendendo, à semelhança de uma mola que perde a rigi-
dez, a não ligar impor.tân,cia a es-ses sintomas. Igualmente nos
,seus :parentes vai-s·e verificando o mesmo processo: Primeiro
participam lealmente de todas essas variações; e-m seguida
interiormente dele se vão distan.ciando.
Por fim ·o próprio doente ch·ega. a convencer-se de que ele
mesmo já se habitu-ou ao seu estado. Naturahnente é mais uma
.auto-suge-stãç do que realidade. E' bastante que dele se ache-
_gue algu=em que lhe manif.este maior comparticipação; com.e~
1
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Que -cena raríssima se desenrolou quando, numa festa, pro--
vavelmente n.a pás-coa do se·gundo ano de sua vida pública, Je-
sus se encontrou em Jerusalém com um semelhante doente!
:IDra sábado. Passeavam todos dentro dos limites da cidade, co-
mo de -costume. Ao norte do tem1plo havia uma piscina que,
como ,são João refere, de tempos en1 tem.pos era movida por
um anjo. O doente que descia -primeiro era curado, quer se
tratas.se de uma doença simples, quer de um.a cegueira, para-
lisia ou tuher·culose .. A pis·cina era cercada de uma gale~ia,
que protegia os doentes dos raios do s.ol e d-a chuva.
Jazia aí um homem -que já estava doente há 38 anos. Nele
já havia termina.do o proces-so interior que longa doença su-
scita em qualquer enfermo. Só uma esperança ainda lhe res-
tava: na piscina podia rec-obr8)r a saude ! !Ias mesm-o esta
esperança eTa mesclada de uma -espécie d.e desespero : era pa-
ralítico, outros lhe tomavam a dianteira.
Jesus entrou na galeri&. e começou a falar -com esse des.-
graçado. Perguntou-lhe:
"Q·uere,s fica~ s-ão?
No mesmo instante o pobre sentiu rapidamente, como só
esses doentes são capazes de sentir, quais erarn as disposi..
çõe,s de Jesus. Torna-se logo loquaz e fita confiada e delicada-
mente o desconheci-do.
"Senh-or, não tenho ninguem que me ajude a meter-me na
piscina, -quando a água se move. Quando eu vou sozinho, sem-
pre há algum outro que se me adianta!"
Então diz-lhe Je-su-s, -com toda a calma e com a comiseração
com -que c-omeçara:
"Levanta-te, toma a tua cama e anda!"
·O doente -acreditou e I,evantou--s-e no mesmo instante. Je-
sus-, p,orém, já havia desaparecido no meio -da multidão. Sendo
sábado, muita gente havia acorrido, mormente pessoas que ai
tinham conhecidos e amigos doentes.
Consideradas a·s circun-stâncias, esse homem curado deve
ter ,pertencido à classe mais inferior do povo. A sua "cama"·
deve ,ter consistido presumivelmente de um colchã,o feito de
uma manta de lã e de um 1nanto como cobertor, com-o ainda
hoje usam na Palestirna as :pes:soas do povo-. Ao deixar as ga-
lerias, en-contraram-n,o n;a rua o.s transeuntes. Observara.ro-
lhe: ''ID'- sábado! Não é lí-cito carregar a cama!"
O doen;te .sen.te--se, entretanto, tão feliz -que semelhante ad-
moestaçãJo não o perturba. Nesse e:stado d',alma costuma-se
encontrar sempre a resposta mais acerta-da:
1.62
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da divina, o oferecimento da .graça torna-'s:e condenação para
~ aqu-eles que não a recebem. ·Há de j.ulgá-los ,aquele que lhes
ofereceu a graça.
~'Como o Pai ressuscita e vivifica os mortos - os que mor-
reram. para a graça, - tambem o Filho vivifica aqueles que
escolheu para si. Igualmente o Pai não julga a nin-guem, mas
c-onfia -ao Filho todo o julgamento, para qu-e todos venerem
do m:esmo modo o Filho como v-en-eram o Pai. Quem não ve-
nera o Filho, tambem não venera o Pai que o mandou".
E-sta atividade divina do Filho produz em todos os pecado-
res, que dele se achegam, ur.aa vida eterna e preserva-os assim
da sentença de uma morte eterna.
"Em verdade, em verdade eu vos digo: Quem ouve as mi-
nhas palavras e nelas c,rê, já tem a vida eterna em si e já
não tem que comparecer ao juizo. Porque já passou da mor--
te para a vida.. E;m verdade, -em verdade eu vos digo : virá a
hora e -ela já veio em que os mortos ouvirão a voz do Filho
de Deus, ·e, se crerem nela, alcanç8.trão a v.ida eterna. Pois,
como o Pai tem em si mesmo a vida, concede tambem ao Filho
possuir a vida em si_; igualmente deu-lhe o -poder de julgar,
porque ,é o Filho do -homem".
Os ouvintes hão de ter manifestado por sinais e gesticula-
ções a excitação em que estavam. Aludin,do a esse espanto,
Jesus prossegue: "Não vos mostreis tão admirados! Virá
realmente a hora em que todos no sepulc,r-o ouvirão a sua voz:
então aqueles que fizeram o bem, levantar-se~ão à ressurrei-
ção para a vida, e aqueles ·que praticaram o mal, surgirão à
ressll.I'reição para o juiz-o. D·e mim m-esmo nada posso fazer;
julgo em confonnidade com o que .ouví do Pai. Por isso o meu
juizo -é jus-to, porque eu não procuro a minha vontade, mas
a vontade daquele que me enviou!"
Declarou-se Jesus como sendo da me-sma essência que o
Pai. E foi assim que os judeus lhe interromperam as palavras.
Jesus continua patente-ando o modo como poderão chegar a
compreender que ele proferia a verdade a respeito de si mesmo.
E' forçoso dar-se f.é a alguem que prova a sua veracidade,
se diz -de si mesmo coisas tão grandes.
"Se eu mesmo desse testemunho de mim, o meu testemu-
nho sozinho não -s-eria seguro. Mas há um outro •que dá tes-
temunho de mim e dele sei que o seu testemunho é seguro".
De início, Je:sus observa ainda que para os judeus, tais co-
:rno eram, o testem-unho de João já era bastante em si, mas
11*
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que ele apela, posto que aquele realmente não lhes bastasse,
para um testemunho ainda de maior monta:
"Vós mesmos -enviastes u·ma embaixada a Jo.ã-o e João deu
o testem:unho ,da verdade. ·Mas •eu não apelo para um tes-
tem unho dos homens. Mas só para salvar-vos eu vos digo:
João foi o archote que se acendeu e ilun1inou; vós porém vos
tendes alegrado só por um momento no seu clarão.
Tenho a meu favor um testemunho •que é maior que o de
João, a saber: as obras que o Pai me confiou para realizá-las,
essas obras são que dão testemunho -que o Pai me mandou!"
Não só estas obras dão testen1unho da origem divina de
Jesus . .Seu Pai, já antes da sua vinda, o havia anunciado pelos
profetas; por isso tambem a sagrada Escritura dá testemu-
nho_. •de Jes.us:
"O Pai, que me mandou, dá ele mesmo testemunho de mim.
Vós outros, é verdade, n·unca o-avistes a sua voz, n-em ten,des
visto a sua figura e não tendes conservado a sua palavra no-
vosso interior; nã.o acreditais naquele que me enviou. Totais
sempre a -per.scr,utar a Escritura na esperança de encontrar
nela a vida eterna. Ora, é exatamente a EscrituTa que dá tes-
temunho de mim. E., todavia, não estais preparados a vir a
mim para receberdes a vida eterna!"
Não é movido pela ambição de hon-ras -que Jesus se queixa
que não .acreditam nele e -dão fé a outros que não o merecem.
"'Não -opero pela honra d-os homen-s, mas para que tenhais em
·vó-s o am_or de Deus. Vi.m, pois, em no.me do Pai; mas- vós não
me recebeis. S·e um outro, poré1n, vier em .seu próprio nom-e-,
haveis de recebê-lo!"
A ~esistên-ci-a dos judeus em ·crêr, dizendo para se justifica-
rem ·que os testemunhos para uma missão divina não lh·es
pareciam suficientes, diri·ge-s·e realmente contra a autoridade
de Deus ~esmi0 : :sentem -que o próprio p-ode,r deles n•este caso
toca ao seu fim.
"Como quereif? crer-, vós que quereis ser honrados uns pelos
outros, ao passo que -pouco .se vos dá ser honrados por Deus-!"
Estas palavras soam como um.a acusação. Jesus-, porém,
observa que ele não é acusador, mas o juiz. O acusador é
Mois:és, cujas presc-riçõ-es sobre o sábado queriam a:rguir con-
tra Jes,us.
"Não deveis pensar -que eu vos hei de acusar perante o Pai.
Moisés m-esmo é que vo.s acusa, aquele m-es.mo em ·quem ten-
des ·colocado as vossas esperanças! S·e de fato tivesseis acre--
ditado em Moisés, tambem acreditarieis em mim; pois que a
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meu res:peito ·ele es-crev,eu: Se .não acreditais nos seus escritos,
como acreditareis nas minhas palavras?"
Esta entrevista, como a da Galiléa, por ocasião da cura do
homem ·com a mão seca, levou os judeus a.o propósito de tirar
a vida a Jesus. Um tal plano em Jerusalém, onde os fariseus
di:s·punham ta~bem do poder civ-il, era muito mais. p-erigoso do
que na Galiléa. Por i.sso Jesus deixou logo em seguida a Judéa
e retirou-se para a Galiléa.
CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE
NA GALILÉIA
A elei9ão dos apóstolos
Nesses dia aconteceu que ele subiu a uma n1ontan1la
para rezar. Toda a noite pe1·maneeeu e1n ora~ão. Ào
a1nanhecer do dia chamou os discípulos em torno de si
e escolheu doze dentre eles e chamou-os apóstolos; os
seguintes foram os que escolheu: Simão, a quem deu o
nome de Pedro, bem como a André, seu irmão, 'l,iago,
João, Felipe, Bartolomeu. Mate1.:as, 1-.,omé, Tiago, Alfeu,
Simão. cognominado Zelador, Judas, irmão de Tiago, e
o Judas que foi o t1·aidor (Lc 6, 12-16; Mt 10, 1-4; Me
3, 13-19).
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.c·h-0 e envolviam-se no próprio manto. Ain-da -hoje vale a re-
gra: sai-se de !casa na festa da Invenção da Santa Cruz e en-
tra-se na festa da Exaltação da Santa Cruz.
Recolhera-se Jesus para rezar. Ao pas.so que todos os ou-
tros homen.s durante a oração precisaim ;refugiar-se, por assim
dizer, num recinto espiritual e e.sforçar--se por afastar de si
toda 'Sorte de pensamentos, quais hóspedes in-cômodos, Je-
s·us nunca e-stava tão a gosto e em :seu elemento como quando
rezava. Devia violentar-se quando interrompia a oração.
Assim Jesus detinha-se a sbs na montanha. Aí -perc-ebia as
m·ontanh.a-s ao lusco-fusco do crepúsculo e o exército de estre- 1
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mente; aqueles que até então só -eram irmãos segundo a car-
_ne, pas:saram tambem a ser irmãos espirituais.
Que homens eram esses doze?
Não Sabemos de todos eles -que ·profissão -tin·ham exercido
1
167
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Costumes e -eloquência populares no oriente (Vista geral)
Há anos os povos ,do norte da Europa julgavam de um modo
muito pouco favorave.J os povos do :sul e em :geral do Orien-
te: São preguiçosos, não querem trabalhar, desprezam os
pen:samentos que dão dignidade à exd.stência humana: ''O
tempo é dinheiro", "T·rabalhar por amor do trabalho!" Quei--
xavarn-se de sua loquacidade. e de suas imaginações. bizarras.
Estes con-ceitos, de modo mais ou menos abertos, eram apli-
cados tambem à vida de Jesus e houve quem tenha declara-
do: "Siim, para ·povos dessa índole a doutrina de Jesus re-
presenta verdadei.To progresso! Mas é tambem c-erito que ela
já ·não pode ser proposta, tal como a te-mos, nesses tempos
a tu ais inteiramente •modificados !"
Hoje ,em dia, porém, em -que todos experimentam em si
mesm-os as consequências desses. "'rrabalha por amor do tra-
balho" -e "O tempo é dinheiro", já se pensa de outra rnaneira
Lobre esses ·povos "priIT1:itivos". Há mais compreensão para
as peculiaTidades orientais, como se patenteiam nas mútua.s
relações de todo dia e na eloquência popular •que lhes é pró-
.
pr1a.
Nas linhas seguintes vamos resumir a diferença entre as
propriedades da linguagem Oriental e da Europa. Tentaremos
basear estas exposições na n.a.tureza das línguas semíticas .
Talvez as últimas ·razões destas propriedades se relacion-em
com o fato que todos esses povos se originaram ·do deserto, em
que .o homem s-e sente -espontaneamente inclinado a encher con1
os quadros de sua imagmaçã-o o vazio do mundo que o envolve.
Brevemente pode-se dizer: Ao nosso modo de ver, um dis-
c:urso é perfeito se analisa uma idéia fundamental em suas
partes e se ap1·esenta es-sas idéias parciais em seu mútuo con-
tato e influê,ncia . A isso ,deve-S:e acrescentar uma introducão
...
que prepare o tema e uma. ,c-onclusão que novamente a ele
aluda. Para os palestinenses, ao contrário, um discurso é per-
feito, •quando não analisa a idéia fundamental e assim a apre-
senta, mas quando, repetida-s vezes, põe em destaque essa idéia
central, considerando-a d·e vários lados e tornando-a sempre
mais compreensível, quanto possivel, por quadros e compara-
·çõe.s frisantes. Sen,do que deste modo a idéia principal ocorre
mais .de uma vez, não é n·ec-es;sário -que uma introdução espe-
cial a ponha em relevo. Pode-·se fazê-lo e -costumam realmente
fazê-lo, -quando s-e quer aduzir uma série de quadros afeitos
a Hustra;r a idéia -central; em circunstâncias dadas, e.nt~etan:-
to, a arte orató-ria consiste exatamente em ir passando de um
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quadro a outro, deixando aos ouvintes o trabalho de adivinhar·
pelas mudanças dos quadros o que se quer dizer. Os espec~a-
· listas nesta matéria deram o nome de "parallelismus membro--
rum" - "frases equival,entes repetidas", a esta particulari-
d·ade do raciocínio semítico. Teríamos aquí ·bem expressa uma.
regra n-o sentido ·da a;rte correspondente. Poder-nos-ia contu-
40, apesar desta observação, passar despercebido como é -que·
a eloquência popular s-e apropriou desta regra.
Para mostrar como essa "lei" se revela já nas mais simples.
manifestações da psique oriental, tom-emos um •exemplo tira-
do da vida mais comwn do po-vo: a -saudação. Dois ocidentais,,
ao se encontrarem, s.audam-se um-a única vez, mesmo que cor-
dialmente. Esta única saudação encerra em si toda a cordia-
lidade. Na Palestina a cena de uma saudação entre amigos.
desenrola-se de modo bem diverso: Vão logo apertando as;
mãos várias vezes, ao passo que vão repetindo uma saudação
após outra: um estranh-o tem a impressão de que ambos es-
tives.sem faz•endo certos gestos e que ambos, cada um para
si, o fosse contando baixinho. Com efeito, vão tecendo, mais:
ou menos, a seguinte conversa:
Alí diz: "Deus te dê um bom dia!"
Gam.al diz: "E a ti •ele dê cem bons -dias!"
Ali: "Teus dias -sejam isentos de toda a desgraça!"
Gama,}: "E o.s teus sejam repletos de todos os bens!"·
Mi: ''Que teu d.ia seja duplamente feli~ !"
Gamal: "E que o teu seja aibençoado e ditoso!"
Ali: "Deus abençoe a tua casa!"
Gamai: "Deus abençoe tua casa e teus filhos!"
Ali: "Já há muito que tinh.a saudades tuas!"
Gamai: "E eu tenho chorado de saudades por ti!"
Mostra-se aqui a verbosidade altíloqua e espontânea do se-
mita palestinen·se em sua forma primitiva: gostam de uma.
série de sau<tações em vez de uma só com várias observações ..
Esta forma reaparece em c-onv•ersas mais longas . Naturalmen-
te, às vezes, não é mais reconhecivel logo como tal; há pois
muitas repetições dissimuladas. E se uma tradução não verte
com exatidã'O esta ou aquela palavra, tornam-se inteiramente:
irre-conheciveis.
Não -é, porém, próprio dos pale.stinense.s exprimir uma idéia.
vri.n-cipal apre-sentando-a só por vários modos elucidativos. G-os-
tam ainda mais de explicar uma verdade importante por uma
série de ,qµadros ou de narrações comparativas. Tomemos um
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-exemplo dos discursos de Jes·us, que são, aliás, o alv-o de toda
-esta exposiçã-o.
Todo mundo conhece o passo do Evangelho: "Vinde a mim
todos que estais ·cansados e sobrecarregados, e eu vos alivia-
.rei. Aprendei de mim, pois eu sou manso e humilde de cora-
.ção, e encontrareis descanso para as vossas almas. Pois o
:meu ju:go é .s.uave e o meu pe.s-o é leve" (Mt 11, 28- 30).
Na tradução apenas se p-ode reconhecer ainda como, em
tquadros. artisticamente entrelaçados, se vai de-senvolvendo o
_pen,samento: quem se un·e comigo, terá um bom senhor. Esta
·verdade é expressa em dois •quadros: no quadro de um ani-
mal de carga que passa de perten-cer a um camponês cruel
a um bondoso. Ao camponês cruel pouco importa se o jugo
que impõe ao animal se lhe adapta bem ao pescoço ou se as
lascas de madeira se lhe vão enfincando na pele e causando
dore:s profundas a qualquer movimento. Como s-e sentirá bem
esse a.nimal, S•e passar a perten·cer a -um senha~ que lhe esco-
lha um jugo que lhe sirva. O segundo quadro é tam·bem tira-
·do de um animal de carga. O que ainda hoje se pode ver na
Palestina, te-rá acontecido então com maior frequência. Mui-
tas vezes carregam tanto um jumento que ele mal pode me-
xer. .s.e, -pisando com as pequenas patas de uma pedra em outra.
Notam-se os nervos a tremer. Mas o.s g.uias batem e fincam
os ferrões nas feridas abertas que de propósito não deixam
curar. Como está a gosto um animal, pertencendo a um s-enhor
,que só lhe impõe ao lombo uma carga razoavel ! Alegremente
o jum·ento vai então trotando pela estrada, a brincar com
as orelhas, a acenar com a sua grande cabeça e a mexer com
.a cauda.
Se um .semelhante .anima·l pudes-se falar, diria que o traba-
lho. que esse novo senhor bondoso lhe ·impõe mereceria antes
o nome de descan.so . E, este o duplo quadro que Jesus propõe
aos palestinens-es, dizendo:
"·Vinde a m.im todos, que -estais aç-ulados ( como os animais
atrelados ao arado) e -sobrecarregados (como os animais de
carga). Eu vos deixarei descansar. Aprendei de mim que sou
manso e humilde de eoração : ·e encontrareis de-scanso para as
·vossas almas . Pois o IJ1eU jug-o (repete a comparação do ani-
·mal -de trela) •é suave e o meu peso (como com o animal de
,carga) é leve!"
Jesus ,gostava de "cadeias de comparação" . Uma compa-
ração ;ou· parábola -é de tal forma sobreposta à outra, que so-
bres·sai o pen.sarnento prin,cipal, •Comum a todas elas. O serm.ão
170
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da montanha, a primeira alocução sua -que nos foi conserva-
da, apresenta-nos várias dessas cadeias, podendo-s·e mesmo di-
'Zer que todo ele se compõe de cadeias e quadros e de suas
.antíteses.
Na lin,guagem popular dos orientais podem-se distinguir
duas espécies de parábolas, tomando-se por base a sua signifi-
cação relativamente ao discurso: parábolas introdutórias e con-
clusórias. Quanto à música, fala-se igualmente de acordes que
dão o tom e de acordes finais. Parábolas introdutórias são
·equelas em que se tem .em vista influir na vontade dos ou-
vintes. Todas as parábolas desta espécie têm a propriedade de
descrever com as cores mais vivas as particularidade-s, enve--
redando mesmo às vezes por sen-das que parecem um repouso.
Frisante -exemplo temos na parábola do semeador: ocorrem
aí até as minúcias dús costumes ag.rícolas da Palestina.
Sentido diverso e, portanto,. tambem uma estrutura bem di-
ferente têm aquelas parábolas que se podem ·chamar de con-
c-lus.ória.s. Se um oriental dá a entender sua opinião a respei-
to de uma questão, mostrando a-o m-esmo tempo que não
está disposto a entrax em dis-cuss,ão, serve-·se muitas vezes -de
uma breve parábola. Por vezes acrescenta ainda à parábola
a exclamação: "Chalaz !" - "pronto!", indicando expressa-
mente o sentido que dá à ·parábola.
Quando Jesus, nas questões com os fariseus, queria evitar
uma dis-puta, empregava essas parábolas conclusórias. As res-
postas ·que deu às primeiras acusações dos fariseus são mo-
delos perfeitos -desta espécie de parábolas. Delas transparece
.como a sua finalidade influenciava toda a -sua estrutura. Não
se trata aí de descrições delicada·s e _pormenorizadas, mas são
breves indicações de quadros tomados da vida quotidiana. Je ..
sus respondia, p. ex., à acusação de que ele comia com os pu-
blicanos e pescadores, com a comparação: "Não são os que têm
sande que precisam de médico, mas os doentes!" Quando os
fariseus perguntaram por que os discípulos não jejuavam, res-
pondeu-lhes Jesus com breves parábolas que têm o mesmo
.sentido: "E' direito que os companheiros do esposo jejuem,
enquanto o esposo -está no meio deles?" "Ninguem coloca um
remendo de ,pano não pisoado •em vestido velho! . . . N-in-guem
deita vinho novo em -odres velhos!"
Esta espécie de exposição do pensamento, ·que tanto influ-
enciava no carater pióprio da linguagem do Velho e do Novo
T·estamento, tem uma importância toda particular. Vejamos
algumas particularidades. E' próprio não só do palestinense,
1.71
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ma·s de todo hom~m normal s~guir com mais gosto e at~n-
ção um discurso repassado d.e quadros e comparações do que
uma ~xposição •mera.mente int~lectual. Supõe-se, naturalmente,.
que se trate de comparações que -sejam um bem c9mum de
to-do o povo. E' o que se dá -con1 os moradores .dos campos -
seu modo de exprimir-se lembra ainda hoje a linguagem bí--
biica. Ao con-~ário, as ·-imagens e quadros próprios dos habi . .-
tantes das ,cidades são muito mais reduz.idos; e esses mesmos
quadros já não apresentam aquele fundo universal que em si
en,cerra as mútuas r•elações entre o-s homens e as relações dos
homens para a natureza.
As parábolas são, em seguida, grande a·uxiliar da memória .
Não foi -um acaso que fez os evangelistas nos conservarem
tantas parábolas por exten,so. E' de notar-se tan1bem -que eles
relatam séries de parábolas. Não há motivo bastante p.a,ra
dizer-:Se simplesmente que foram "ajunta.das" ou que par-á-
,bolas s-emelhantes sejam apenas modificação da mesma, sen-
do -que só uma delas tenha a Jesus por autor.
Auxiliar da memória ·são a.s parábolas até hoje. Até de pes-
soas que de verdades religiosas pouca. eoisa .sabem, são ainda
conhecidas. Além diss-o -é .interessante notar-se como elas, mes-
mo contra a aparên-cia, resisten1 tenazmente ao desmorona-
mento crítico. Pode alguem pretender di.ssolvê-las e destruí-
las; em pouco tempo hão de estranhar como era pos-siv-el que
se interpretassem tão erroneamente palavra.s tão compreen-si-
veis ao homem mais ·simple,s. Assemelham . . s·e a bolas de borra-
cha: ,eedem ao primeiro a.perto -dos dedos, ma.s, · as-sim que se
tira o dedo, arredondam--se novamente como s·e nada tivesse
aeontecido. Muito hnportantes têm sido tambem as parábolas
para aqueles que, sem saber ler, têm abraçado o cristianismo4
S.ão a "bíblia dos analfabetos", compilada ·pelo próprio Jesus.
Há letrados que não apreciam :tanto as parábolas, por,que são
"histórias" dirigidas mais ao coração e à fantasia do que à
razão. Deve-se notar a isso que Jesus ,mesm.o empregou estas
palavras prin-cipalmen,te em .sua:s alocuções ao povo. Falando
com os doutores d.a lei, ele sabia exprimir-se como nenhum
outro de modo .inteiramente intelectual, u,sando de breves com-
parações em vez de parábolas. De outro lado ,é um fato qu:e
a vida ·exatamente dos habitantes das cidades é ainda hoje
determinada muito mais pela fantasia do q-ue pela razão. Os
-.grandes cartazes, o cinema e todos os m-eios. de formação con-
gêneres apela,m para a fantasia.
172
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Jesus ém s.eus discursos e parábolas (Vista geral).
Só se -podem ava.lia.r ,devidamente as parábolas de Jesus,
tendo-se em vista as pec.uliaridades do povo a que ele se diri-
gia. FJssa.s -p,essoas ·estavam muito mais familiarizadas do que
nós na interpretação de .parábolas - mesmo -sem se falar na cir-
cunstância de J-esu.s tirar os -seus ·quadros da próp1ia vida que
levavam. Sabiam de antemão que com essas parábolas Jesus
lhes queria expor de modo claro e inculcar calorosamente deter. .
minadas verdades; sabiam tambem que ·não se podia aplicar
cada traço das comparações aos ensinamentos nelas contidos.
Interessantíssima é a descoberta que as parábolas de Jesus
nos limite-s do mundo s-e1nítico muito se diferenciam das ou-
tras parábolas que ocorrem nos ·profetas e escritores profa-
nos. Essas diferenças não .tê-m .sido frisadas com bastante for-
ça. Entretanto, é ,bom que as ponhamos em relevo, pois que
nos revelam de modo bem es-pecial o espírito de Jesus.
Escolh-e Jesus, para ·suas parábolas, -os f e-nôm-enos da vida
dos homen-s, dos animais, das. ·plantas e, em geral, da natureza
inorgânica, de uma maneira que lhe é toda própria. Os pro-
fetas apresentam sempre de n.ovo compa;rações e quadros tira-
dos, as mais das vezes, de situações insólitas e afeitas a in-
cutir terror e grandes espectativa-s. Je.sus, ao contrário, parece
1
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'
mana. Casos isolados são as parábolas do corpo morto e das
águias, dos animais imundos e das pérolas. Os gregos e os.
rabino.s gostav.am especialmente das fábulas de raposas. Do.
·rabino Bar Kapara conta--se que sabia mais de 300 dessas fá--
bulas de raposas e ·que uma vez num festim desesperou os con--
vivas, porque se pôs a contá-las até qu·e todos os pratos se
esfriaram. Jesu·s nunca apresenta reom-parações -que mesmo de
leve se relacionem com. e,s·sas fábulas. Se nas parábolas ocor-
rem animais, trata--se das relações dos homens para com ele-s,
nomeadamente n~s parábolas das ovelhas e dos peixes. Des-
a parecem inteiramente os animais ferozes, os leões, os cha-
cais, os hipopótamos, os crocodilos, ·os monstros marinhos. As
,parábolas que .se baseiam nas relaçõe-s de homem para ho-
men;s, lim.itrun-se às experiências da vida ordinária.
A escolha de,ss-es quadros da vida mais ·-comum dos homens
1
dá às parábolas um carater todo especial: - torna.m-se as-
. sim interessantes, prendem a atenção, ao mesmo tempo que
influenciam o homem, sem excitá-lo propriam-ente, mas }e. .
vando-o a.o recolhimento. Esta particularidade -é ainda refor-
çada pela forma da sua composição. Raramente Jesus narra
uma parábola no presente; -quasi -sempre no passado; deste
modo projeita os acontecimentos ao lon,ge e faz com que os
ouvintes .se ponham a refletir em vez ,de se e:x:citarem. Daí a
introdução -genérica que tantas veze-s ocorre: Era uma vez
um 'homem ,que tinha ... A e.sta forma das ·palavras devem
ter-·se acomodado tambem os gestos de Jesus. As parábolas
produzem mais efeito, -quando se pensa que Jesus realmente
as contou e não as ditou. A ação, pois, e-orrespondia, em cada
comparação e em ,cada uma de suas parites, a todo o con-
tendo. -O oriental, mal ·se põe a ·narrar, toma logo um tom
elevado e um modo de falar sujeito a certas leis rítmicas. Mes-
mo um ·homem do povo não se enganará tão facilmente na
1 gesticulação mais expressiva.
,Comparando-se neste particular os discursos de Jesus com
os dos profetas, tem-se logo a .impressão de ,que Jesus conser-
vou sempre u,ma ,certa solenidade ·e majestade. Nem uma vez
sucedem-se as palavras impetuosamente. Ele tinha em si ·sem-
pre algo daqueles homens esclarecidos que em tudo tomam
vivo interesse, e que, entretanto, -quan-do falam, deixam trans-
parecer que estão a julgar de tudo por uma intuição íntima
e segura.
A predileção de Jesus pela escolha de cenas tiradas da vida
da natureza e dos homens e ·conhecidas dos ouvintes c·hegou
174 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
a ponto de deixar tran-sparecer em suas parábolas até o co-;
lorido especial -da região em que se achava. Tem. .se toda a.
razão em distin·guir as paráJbolas da Galiléa e as da Judéa.
A Galiléa, como já deixamos notado, era a região dos semea-
·dores e pescadores. A maioria das parábolas da Galiléa to--
mam os !quadros da vida bu·cólica e de pescadores. A Judéa
era .a terra das vinhas e das figueiras no meio d-as vinhas ..
Era tambem a terra em .que Jerusalém, como •grande cidade,
tudo -absorvia, em -que iam aparecendo, -sempre -com maior·
nitidez, as diferenças sociais, as diferenças -entre o :s!enho·r e·,
o escravo, entre o rico e o pobre, -que nã-o existiam numa vida.
mais patriar-cal. Exi.stiam aí :bancos e transações ban·cárias e-
mais ou menos tudo quanto hoje conhecemos. Era na Judéa
que Jesus falava das vinhas e das figueiras, boas e más, das·
negociações e transações- de bancos e de juros. Na Judéa Je--
sus narra ·suas parábolas -supondo caminhos bem conhecidos~
como a estrada de Jerusalém para Jericó.
Em algumas parábolas tem-se_ claramente a impressão que.
Jesus toma em consideração o tempo do ano, e:scolh·endo os.
exemplos correspondentes à ocupação dos homen·s nessa de--
terminada estação.
Tambem sob outro ponto de vista as parábolas de Jesus se.
diferenciam notadam·ente das dem:ais da literatura judaica,
antiga. Do rabino Hilel, que morreu, en·quanto Jesus levava a,
vida oculta em Nazaré, foram . .nos conservadas apenas duas.
parábolas. No tempo que se lhe seguiu, a onda de parábolas
foi awne;ntando -consideravelmente até mais ou menos 130 d ..
Cr. "Com o rabino Me--ir (t 135) acabam as parábolas". Por
esse tempo terminou a época florescente deste método de,
en:Sinar. A isso acresce um fato: nas escolas superiores da Me--
sopotâmia, que mostram o ·mesmo espírito judaico como as de:
Jerusalém, não .s·e pode observar absolutamente e•sta flore·scên-
cia das parábolas. Empregavam raramente esse meio de·
exposição, mesmo no tempo em que na Palestina as parábolas.
formavam -uma parte essencial do ensino. Sob o ponto de vis-
ta meramente literário, surge a -questão: Coincidem apenas.
quanto ao tempo a florescência das parábolas na Palestina.
com os. anos de atividade de Jesus ou existe uma relação mais-
·íntima deste fato? Influenciou o -exem·plo de Jesus quanto ao 1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 175
,Jesus e as esperanças nacionalistas e terrenas de seu tempo
(Vista geral)
Já temos exposto acima como os israelitas esperavam nos
.dias do Messias o começo de um:a 1I1ova era. Resta apenas a
-questão: em que relação imaginavam o Messias para essa
.,era. Nas vál'ias descrições dizia-se apenas: as.sim e assim se-
rá o tempo do Messias! Raramente atribue-s·e à atividade
-do Messias a mudança das circunstâncias. Emtretanto, pode-
:.se ter como certo que toda a tran-sformação era tida afina]
como obra do Mes,sia-s. Vários motivos p-0dem-se a.duzir, expli-
cando por que falavam em frases indeterminadas: as profecias
no oriente são f ormulada·s sempre em expressões via-gas. Além
-·disso, queriam de.ste modo evitar ·o nome de Deus: finalmente
tudo, quer a vida do Messias, quer a transformação geral,
era atribuido a Deus.
Os falsos Messias que excitaram o povo sob a dominação
.romana, demonstram que esaa transformação ·se relacionava
com :a intervenção- especial do Messias, de quem esperavam
toda sorte de milagres. Um tal Tendas apareceu declaran-
.do-se pronto a dividir o Jordão em duas parte:s, de modo que,
c,omo ,outrora, para a conquista da Terra Prometida, p·udesse
.ser pa-ssado a -pé enxuto. Era essa a prova de sua missão:
pe11sava, ,como consequência, na nova ·con-quista e libertação do
país do jugo romano. ·O ·governador mandou prender os seu·a
sequazes; rreudas foi morto,. e a sua cabeça foi levada para
Jerusalém .como sinal de triunfo. Mais tarde um certo egípcio
reuniu -em redor de si um exército no deserto e prometeu-lhe
que, à sua palavra, logo que chegasse ao monte das Oliveiras,
.as muralhas de Je:r:usalém ruiria:m por terra. O governador
Felix saiu contra ele no deserto e aniquilou as sua-s hostes. O
.egípcto evadiu-se.
Tambem a respeito da primeira aparição do M~ssias, ti-
1
.176
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sequidão, ~idez e solidão?" Ouvir-se-á sua voz de uma ex-
tremidade da terra à outra. Depois ele lh,es dirá: "A paz veio
ao mundo". A.o ouvirem isso, os ímpios :se hão de alegrar, di-
zendo uns para o-s outros : E' ·para nós que veio a -paz! No
s·egundo dia ele virá e, pondo-s-e [nas montanhas de Israel, dirá:
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-Sabia J-esus -que tambem os seus discípulos -partilhavam das
esperanças ter.renas •e nacionais -do povo em geral. Delicada. .
mente ia fazendo ·desaparecer -estas idéias ·pela revelação de
sua natureza verdadeiramente divina e indicando a sua morte
redentora em Jerusalém. Entretanto, ainda nos últimos- dias
antes da paixã-o, os apóstolos tinham em vista um reino mes-
siânico ainda muito terreno; em muito maior escaJa, o -povo
aferrava--S'-e a suas idéias inveteradas. -Os milagres de Jesus
sempre de novo despertavam no povo a ,esperança de que ele-
poderia de fato .ser -o Me:s·si-as ao is:eu modo de ver. Mas não
lhes estava na mente que um homem, posauindo o dom dos
ruilagres como Je.sus, pudesse considerar outra-s -coisas mais
importantes do que operar milagres sobre milagre:S.
Tendo-;se en1 vista estas espe.ctativas do p-ovo, compreende--
se -que :o .s·ermão da montanha, -a primeira e maior exposição
de Jesus sobre o.s seus fins, intimamente já se dirige com to-
da a energia contra essas errôneas esperanças me:s-siâni-cas.
12*
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da natureza. Estariam os ouvintes-, ao menos os apóstolos,
prepara-dos ·para estas palavras? Não. Nem foi tã-o pouco a
principal impressão do discurso de J-esus a f asicin-ação com que
ouviram. Estavam certamente encantados p-or suas palavras,
mas, ,como os próprios ev,angelistas notam, era um arrebata-
mento ·de a•dmiração sem grande com-preensão. Falava Je-su-s
de -c-oi:sas que ne•m :em sonhos lh-e-s tinham passado pelo pen-
samento; no mesmo momento, -entretanto, ·sentiam-se emocio. .
nados até ao -íntimo -da alma; das. maiores profundezas- uma
voz inaudita lhes bradava interiormente: Este Jesus de Na-
zaré diz a v.erdade ! Era como •Um despertar .
.
Nada há ,de real na ,opinião, pron-uncia:da ora com palavras
claras ora vagamente, que os. en:Sinrunentos de J e:sus s-e te-
nham adaptado -otimamente ao "oriental son-hador''. N·atural-
mente ·havia aí, como tambem os há em toda parte, sonha-
dores, pe.ssoas ,que nun·ca entram em contato com a vida e,m
sua realid~de .e por is:so :ima,gin.am uma ·existência irire-al; mas
essa multidão, -que alí e-stav,a diante de Jesus numa planície
de montan:ha, j.unto ao lago ,de Gene,saré, não se compunha
certamente de s-onhadores.
Eram homens do povo, sin1·ples ·e rudes, pesc-adore-s e cam-
poneses ( chamados ''felás''), artífices, tocadores de jumentos
e camelos. Já temos falado da á:rdua vida dos pescadores. Mas
o maior contingente dos ouvintes p,erten·cia à classe dos. cam-
pone·ses. Mesmo que não se usasse ·ainda o n-ome "felá", já
existia essa classe ·de gente. E üertamente já então s-e falava
dos campone.se:s com ra.quele tom de voz particular que hoj,e
ecoa quando na Palestina se diz: "Ja, fellàh ! - ó tu• felá
- ó campônio! ·Ü;S fari:Seu-s denomina.v·am e:ss.a -gente "am-ha-
arez" - "povo da terra''; conforme -o sentido, equivalia a "Ja
felláh!" Tambem os moradores das pequenas localidades eram.,
como ainda hoje ;são, camponeses- ·que cultivam c-am·pos de
cereais ou vinha:s ou olivais.
Do estado ,de -coisa~s ,aí existente até há poucos anos, pode---se
concluir para as ,c-ondições. do temp-o de Jesus, ao m.en-os em
muitos pontos. Por isso vamos descrever brevemente a árdua
vi~a de um ,camponê.s palestinense.
Trabalho e decepções sem c-onta prepara-lhe já a natureza
do solo. S-e demoram as ,chuvas de ,outono, impossível se torna
a sementeira no tempo devido. Se na primavera não chove de
todo, acontece que a:s es·pigas -secam ou amadurecem ra-quíti-
c.as. As oliveiras só dão fruto de dois em dois anos; o traba~
180 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
lho nas vinhas -é muito penas.o, sendo- preciso já muito es~or-
ço de horas e horas para a. conservação dos. terraços. Seja isto
notado apenas de piassagen1: é um fato que os. camponeses
tudo :suportam, tratando-se das. vicissitudes da natureza.
São principalmente as injustiças e -duras exigên·cias da par-
te dos dirigentes e das ,classes superiores que mais opTimem
-esses camponeses. Dirijamo-nos com um deles -à eira onde,
aos raios do .sol, ,brilha o tri.go, a colheita de u•m ano de es-
forços, ,de-pois de trilhado e limpo.
O primeiro -que irrevogavelmente exig,e wna parte desse tri-
go é -o arrendatário de dízimos", o "aschar", - ''aschara''
quer dizer "dez''. O dízimo, a décima parite da -colheita, era
um imposto que, a9 te1npo de Je-sus, ·era pago ao templo. Quen1
chegou a compreender a ·estabilidade das instituições orientais,
não terá a mínima dúvida .que já n-o tempo de J.esus a arre--
cadação do dízimo impun.ha ao povo -simp,les vexações s-eme-
1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 1-81
autoridades, sabendo que elas estão do seu lado. ·O espírito de
vingança vai assim s·e tran.smipndo de -geração em geração. De
vez enquando o fogo que arde ocultamente pr,orrompe em
chamas. A um arrendatário na região onde Jesus fez o ser-
mão da m.ontanha, abateram a tiros ultimamente, duran,te
·uma cavalga.da, e abriram-Ih-e o ventre, onde meteram um fei-
xe de palha e atearam fogo.
Mas ainda outros vão tirando do monte de trigo do cam-
ponês: o ,guarda que vigiou o monte, para -que não fosse co-
mido p·elos animais. ou roubado pelos ladrões, es.pera tambem
a ;sua parte ; item os ceifadores, os carregadores, os triabalha-
dores da eira, as mulheres que amarraram os feix-es e por
-fim os joven-s debulhadore.s.
No tempo ·de Cristo a:s circunstâncias eram mais ou menos
-as mesmas. Os fariseus aplicavam-se •particularmente" a in-
cuJ.c1ar ao p,ovo a obs·ervância do dízimo, introduzindo--s-e com
isso n-ovos abusos. Por direito, o dízimo pertencia aos levitas,
mas os ·sa,cer.dote-s se arrogavam o direito de arrecadá-lo. E
C·0 mo estes procediam para com os le~ta.s, c,ontra eles proce-
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Vivem na pobreza, na ;indigência e na opressão; Je-s.us pode
li•bertá...J.os de tudo ~:sso e eis -que agora -ouvem .pa,lavras que
lh·es dão a -entender -que ele •Conhec;e perfeitamente a ,sua si-
tuação, mas ;que está resolvido, não a tirá. . tos dessas difi-
culdades, e sim a ajudá--lo-s a suportá-las.
Eram pobres; a pobreza devia cootinuar! Mas deviam to-
má-la a si por amor de D·eus ! Bem-aventurados eram os que
choravam, que tinham f ame e ·sede da justiça, que fazi~m mi-
sericórdia, enquanto o mundo deles escarnecia, e o.s qu•e se es-
forçavam pela paz -em vez de semear discórdias.
Por fim Jesu;s insistiu ainda mais uma vez, como subindo
ao auge destas frases inesperadas: Como perseguidos eles vi-
nham rter com -ele, -e eis que ele lhes fala de uma nova per-
seguição, uma p-er.seguição ·por seu amor! "Bem-aventurados
os -que são ·perseguidos por amor da justiça, porque deles. é
o reino dos céus! Bem-aV:enturados .sois vós, se, por meu
amor, sois atribw.ados e perseguidos e se dizem de vós tudo
o que há de mal! Alegrai-vos e exultai, porque -grande é a
vossa recompen:s.a no -céu. Assim já perseguiam os ·profetas
que viveram ante·s1 de v6-s !"
,com efeito, estas palavras resaoavam então de modo tão
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pressões de Jesus. que com:pinam entre si, m,esmo que tenham
sido pronunciadas em ocasiões diferentes. De outro- Jado é um
fato que, entre os vários trechos do sermão da montan·ha,
como ·ele o .aduz, se en-contr.am verdadeiras pérolas de -eloquên-
cia genuinamente oriental. Quem não quiser conceder que· es-
tes trechos no·s -conservem as próprias ·palavras de Jesus, vê-se
atrapalhado, devendo -então supor que Mateus tenha preten-
dido "corrigir" e-s:sas palavras e dar-lhes uma "disposição mais
clara".
Etn todo caso, no -sermão da montanha, con10 Mateus o
conservou, são perfeita-me.nte reconheciveis alguns trechos qué
deixam transparecer uma única idéia principal, p:roposta, con-
forme o gosto oriental, em vários quadros. Esta idéia prin-
cipal é: .servir -s.ó a Deus é que faz o homem feliz. Na intro-
dução Jesus propõe uma lista de frases qu-e começam pelas
palavras.: "Bem-aventura.dos são.. . e daí são denomina.das
as "Bem-aventuranças".
Continua Jesus ;ex·pondo mais difu:samente este pensamento
central em outras tantas comparações do seu ensi~amento
com a lei. Já os preceitos do Velh-o Testamento tinham em
vista es.se "servir a Deus"; Jesus não veio para rubrogá-los,
pelo contrário: dora -em diante esses mandamentos devem ser
observados de modo mais elevado •do que antes, por amor de
Deus e, -portanto, mais concienciosamente.
"Não penseis que vim abrogar a lei e os profetas! Não os
vim abrogar, mas aperfeiçoar. Pois em verdade eu vos digo:
até que os céú.s e a terra passem, não ·S·erá anulado n,em traço
nem ponto dos preceitos, até que tudo se realize. Quem, por-
tanto, abrogar um preceito, mesmo dos men-ores, e as·sim. en-
sinar .aos hom-ens, será chamado o último no reino dos céus.
Quem, porém, observar -estes mínimos preceitos e os ensinar
aos h·omens, será chamado o .grande no reino dos. céus".
A estas palavras -há quem pergunte: mas então a lei não
1
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seu irmão, já é réu de juizo!" Na frase: "Foi dito a-os anti-··
,gos", ·-estão incluidos tanto os israelita;s das -eras passa-das co-
1no tambem o seu legislador Mois-és. A esses israelitas da anti--·
guidade e ao seu ,Ie.gisladpr -são contrapostos agora. os i:s•raeli-
tas do tem:po messiânico e o próprio Jesus. Daí, no texto gre-·
go, s·erem os pronomes "eu" e uvó-s" -express.an1ente acentuados ..
"Tendes -ouvido qu·e foi dito aos antigos: Não ·matarás! quem.
matar a um outro, será réu de juizo. Eu, porém, vos digo:·
Já alguem que .se irritar contra o -seu irmão, será réu de jui-
z-o. E se acaso lhe disser: raea (cab-eça vazia), será réu de
couselho. E aquele que disser: morós (esquecido de D-eus),
será réu· do fogo do inferno! Se, portanto, te aproximas do al--
tar con1. a tua qferenda e aí, diante do altar, te lembrares que-.
t-eu irmão te,m alguma -coisa contra ti, deixa, aí, ~ tua oferenda.
diante -do altar e vai reconciliar-te ·Com teu irrn.ão ! Então vem
e sacrifica a tua oferenda!"
As.sim falava Jesus perante um auditório de viva sen:Sibili-
dade e, ·por isso mesmo, à-s vezes muito susceptivel. Por ni-
nharias che.ga--se muitas vezes a ·graves ofensas. RaelL .s,ignifi•
ca um homen1 fátuo, um cabeça ô-ca. A expres-são deve ter
sido usada com frequência, pois ocorre a cada pas,so na li-
teratura profana, .significando u-m homem. apoucado de inteli-
gência. Mloros qu,er dizer verbalmente ''bobo'', ~as deve ser·
tomB.!do no .sentido de "abandonado" ou "e-s.qu.ecido de Deus",
designando a ínfima degradação moral.
"Tendes ouvido ,que foi dito aos anti·gos: Não adulterarás!'
Eu, porém, vos digo: Aquele -que olhar para uma muilheT, -co--
biçan,do--a, já -cometeu adultério ·em s.eu coração!
tSe teu olho direito te- escandaliza, arranca-o e atira-o para
lon-g-e de ti! Pois ·é melhor ·para ti que um de teu.s membros
s·e perca do -que s;ere.s lançado no inferno com todo o teu cor--
po. E .se tua mão direita te e-s-candaliza, corta-a e lança-a para
longe -de ti; é melhor para ti que um de teus membros se per..
ca do que sere·s la;nçado no inferno com todo o teu corpo!"
Exteriormente, a separação •entre homens e mulheres no,
oriente, desde a antiguidade, é muito mais rig-orosa do que no,
ocidente. Mas com is.so não são inteiramente ·e~cluidas as oca,--
siões do pecado. Jesus indica os -perigos que ainda assim exis--
tiam.
"Tendes ouvido o que foi dito aos antigos: não jurarás! mas·
hás de cumprir os juramentos f.eitos ao Sen.hor. Eu, porémt
vos digo: não jurarás de todo, n·em pelo céu, que -é o trono de··
Deus, nem .pela terra, que ,é o escabelo de seus pés, n,em por
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.Jerusalém que· é a cidàde do •grande Rei; tam,bem não deves
jurar •por tua cabeça, -pois que não podes sequer tornar bran--
co ou preto um só -cabelo. O vosso modo de falar seja: Sim,
:sim! Não, não! - o que excede a ~so, procede do mal" !
Ain·da hoje é uma .tentação para o oriental na vivacidade
.de seu temperamento acre.scentar a suas afirmações um jura-
mento. E vemos das palavras de Jesus que antigamente era
~a mesma -coisa. Jurava-se pelo céu, pela terra, por Jerusalém,
·pela própria cabeça, c-~mo hoje se jura pela barba do profeta.
·E' unicamente a facilidade de m·entir que leva os homens a es~
·-ses j.uramentos n-o trato social. S-e nã-o existis:se a mentira,
·se o "sim" fosse de fato um "sim", e o "não" um "não", todo
juramento :seria supérfluo.
"T-endes ouvj;do que foi dito aos antigos: olho p-or olho, den-
te por dente! Eu, •porém, vos -digo: Não resistais ao maligno.
·se alguem te bater na face direita, apresenta-lhe tambem a
·esquerda. E se alguem te levar perante o juiz e quiser tomar-
te a túnica, entrega-lhe tambem o manto! E .se alguem te forr-
,·çar a caminhar uma milha, acompanha-o dua.s milhas!"
Não é debalde que Jesus frisa tanto esse ponto. Como hoje,
todos esses pormenores e comparações encontrava·m-se então
por toda parte. Numa altercaçã-o qualquer, uma das par-
tes ·com a rapidez do raio levanta a mão -e procedem a juízo.
·Não é em vão que Jesus fala •da mania ;dos -processos, péssi-
mo e antiquíssimo costume do oriente. Acontece que dois vi-
:zinh-os anos a fio se faze~ todo o mal possivel. Por fim pro-
curam algum célebre rabino, que mora a grande distância,
para resolver o :caso. Esite o "resolve" -e exige em troca mais
do que valia o· objeto- da contenda.
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"Tendes -ouvido que foi -dito aos antigos: D·eves amar o teu
próximo e ·odiar o teu inimigo. Eu, ·porém, v-os digo: Amai os
vossos inimigos e rezai pelos vossos perseguidores\! Deste
modo mostrar-vos...eis filh-os do Pai celeste que faz nascer o
sol sobre os bons e os maus e manda a chuva aos justos e in-
justos.. S-e só amai1s -os que vos amam, que recompensa -podeis
,esperar? Não o fazem tambem os publicanos ? E se só saudais
os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não o fazem tambem
• n,,
os ,gent 10s r
Novos traços .de vida oriental. A vingança e o ódio estão en-
raizados no sangue des.ses povos em qu·e .as agremiações e· as
parentelas se assem·elham a um ,corpo c-omposto de outros tan-
tos membros. Tudo o que está fora destes limites -é considerado
''inimligo", 1sem direito a qualquer consideração. Tal é o "di-
reito natural'' de pov-os sãos, mas demasiadamente "naturais".
Quando um. missionário •católico, na região do A1élll!-Jiordão,
pregava, há anos, sobre o amor ao inimigo, um velho- chefe
beduino levantou-:se e ,gritou: "Ablllla, chaJaz!" - "Isso é
demais!" E aqueles habitantes •das margens -do lago de Gene-
sar-é aceitariam como coisa natural e.sse ensinamento que J e-
sus ,propunha :Pela prim·eira vez?
E' muito significativo que aquí se mencion·e a saudação.
As ceremônias de uma saudação são no oriente muito mais
complicadas, como já foi notado alhures, ,do que entre nós.
Compreende-se que pessoas que nãia se ,estimavam não se
:saudas.sem de todo, e um oriental sabe dar a entender de modo
todo particular a abstenção intencionada de não saudar. De-
;pois desta ,série de trechos. que exprimem em várias formas
a mesma idéia, por fim o ·pensam-ento central é proposto ain. .
-da um vez numa breve síntese,:
"D-eveis ser perfeitos, como o v-osso Pai no céu é perfeito!"
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Esta expressão é a transição para uma nov-a série de tre-s
quadros expositivos.
"Quando dás esmola, não mandes tocar a trombeta diante
de ti, como -os -hipocritas nas sinagogas -e nas ruas, para se--
rem louvados pelos homens. Em verdade -eu vos digo: Esses
já receberam a sua recompen-sat'.
A expressão de Jesus adapta-se à vida de então mais do
que supomos. Além do tributo dos ·pobres, que era obrigató-
rio, recolhiam tam.bem ofertas. voluntárias para os neces-
sitados, tanto nas sinagogas por ocasião ,dos jejuns pr,escritos,
com-o tambem nas praças públicas. Acontecia muitas vezes.
que algun=s prometiam ante a reunião do povo grandes somas,
,que depois não davam. Em vista des-sas ofertas. recebiam -por
vezes um as-sento de honra nas .sina-goga.s. Daí as sinagogas,
ben1 como as ruas da cidade ser,em sempre palcos abertos para
semelhantes •homens que qrueriam ostentar "uma aparê,ncia de
piedade". Se se deixavam levar pela intenção de ser louvados
pelos homen-s, não recebiam de Deus ne-nhu.•ma "paga", -
eram como homens que tinham em mão um .recibo com as pa-
lavras: "Apecho" - "Já fui pago". Tais· ,contas ·pa.gas foram
descobertas aos milhares nas areias do Egilto. Poder-se-ia, pois,
-traduzir essa frase em linguagem familiar : Os que dão esmo-
la por consideração humana já estão "quites" com Deus.
:Portanto, quem quiser ser -recompensado por Deus, faça a
sua esmola -ocultamente!
"Quando dás ,esmo.la, não saiba a tua mão direita o -que faz
a esquerda, para -que a tua esmola perma,n·eça oculta. Teu Pai,
que vê no Iu.gar ocu·lto, te recompensará por ela".
A expressão "recompensar" corresponde à m-encionada "pa-
gar''.
-Segun,do quadro:
"E quando orardes, não ,deveis fazê-lo -como hipócritas!
Estes -gostam d,e colocar-se nas sinagogas e nas esquinas, pa-
ra rezar, afim de serem vistos pelos homens. Em verdade eu
vos digo: Já rece,beram a sua recompensa!''
Novamente uma cena própria do oriente. As igrejas e mes--
-quitas têm a aparência de salas de r-eunião. Salientam-no mui-
tas vezes com indignação, mas- nem sempre notam que, de outro
lado, as vielas da cidade servem frequentemente de lugar pre-
ferido ·para cumprime-nto •dos deveres de piedade. Não é raro
ver-se aí com-o, d·e repente, um hom.em se 1levanta mesmo ~um
carro de estrada de ferro, tira os sapatos, trepa nos bancos e
começa a fazer a sua oração com todos os gestos prescritos·.
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Um ho~em fervoroso, ao tempo de Je-sus, orava, à hora
determinada ·para a oração, mesmo no ·meio =da azáfama das
ruas. Os legis-peritos v,entilavam -expr~·s=samente a questão se
deviam ·saudar a outros durante uma tal oração. Distin·guiam
para isso a:s ·saudações feitas -por temor, por -reverência ,e as
-s~udações c-omuns, opinando que as primeiras eram lícitas e
as O'Utras ilicitas. Tambem mais facilmente seria lícito saudar
na transição de uma oração para outra do ,que no meio de
-uma frase. Oraçõe~ em plena rua ocorrem na literatura profa-
na, p. ex., numa história em que um piedoso judeu rezava
na rua e não saudou a u·m comandante romano que por alí
pas·sava, motivo por que foi interpelado por este. J.esus censu-
rava esse modo de rezar só no caso de ser ·preferido proposi-
tadamente para dar nas vistas.
Quem reza por amor de Deu-s dispensa testemunhas. huma-
na:s.
"Se quiseres rezar, ·entra n,o teu quarto, fecha a porta ·e re-
za ao teu Pai n-esse luga,r oculto. E o teu Pai, que vê no lu-
gar o-culto, te recompensará!"
Esse "quarto" é propriamente uma es-p-écie ,de "águas fur-
tadas", em que :Se -guardavam gran·des vasos de trigo e bilhas
de vinho. Sendo esse quarto :bem -escuro, é bem frisante o
contraste co1n a !t'ua e praças abertas. Compreende- se tanto
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Quem tudo faz por amor de Deus, há de -guardar--s·e tambem 1
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Portanto os preceitos de Jesus eram o:s .seguintes: Evita o.,
mal .por amor de Deus! Faze o ·bem por amor de Deus! Cala~
te a teu respeito e sobre o próximo por amor de Deus!
Escolhe bem!
Entrai pela porta estreita, porque ampla é a porta.
e larga é a estrada que leva à perdição e muitos são•
os que por aí caminham. Quão apertada é, ao contrá-
rio, a porta e estreita a estrada que conduz à vida e
quão poucos são os que a encont_ram! (Mt 7, 13-20; 24-
27; Lc 6, 47-49).
191_
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Conhecia Jesus toda essa miséria e apesar -disso tinha-lhes
dito a todos: Vós deveis -entrar no m-eu reino, todos vós sem
.e~ceção! Vós sereis realmente felizes, sem vos. ·sentirdes, en-
tretanto, felizes no sentido do mundo! Levado por um amor
muito maior do que aquele amor que alimentavam para con-
sigo mesmos, sempre de novo ele lhes anun,ciara de v~ios
modos: Fazei tudo por amor de D-eu·s e então sereis filhos do
Pai Celeste!
Jesus os ·penetrava: via como eles, no mais íntimo de sua
alma e como que acordados de sono profu·ndo, -como nun,ca
em toda a sua vida olhavam para ele e se sentiam impulsiona. .
dos para uma resolução, com a qual até então nem sequer
. tinham sonhado!
Em nova série de quadros o Mestre os exorta a não Julgar
pelo e~terior.
"Entrai pela -porta estreita! Pois que ampla é a porta e lar-
ga a estrad.a -que leva à -perdição e muitos são os que cami-
nham por ela.
Quão apertada é, ao ·contrário, a porta e quão estreita a es-
1
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decepada e lançada ao fogo. Pelos frut-os, portanto, é que
os deveis ;conhecer!"
Estes quadros são, na Palestina·, ainda mais frisantes do
que -entre nós. A região, formada principalm-ente de pedras
caicáreas e ressequidas pe'lo calor do verão, -é de fato a terra
dos espinhos e -cardos. Crescem em geral até à altura das fi-
·gueira: junto ao lago de Genesaré, em cuja ·proximidade Je-
sus propôs estas ·parábolas, chegam a ponto de en-c-obrir um
cavalo e cavaleiro.
Com referência -ao solo, as eon sequêneias da -de.cisão e.m
1
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Mas se tres p·essoas e assentam a uma mesa e conversam so-
bre a lei, é como se tivessem comido à própria mesa de Deus!"
Como a refeição representa uma comunidade, uma pessoa só
se assentará a uma mesa :com outros homens que considera
amigos. Partindo-se desta reflexão, compreende-se melhor que
-os fariseus censuravam a Jesus principalment~ porque ele co-
mia com os. publicanos e pecadores. Seria mais admissível, ca-
so ele os _tivesse a-penas saudado ou mesmo tivesse falado
com eles do que comido na companhia deles.
Na Palestina, país situado entre as duas gran-de:s potências
que marcavam o bom tom da antiguidade, a feição exterior
·dos banquetes variou muitas vezes. Ao tempo ,de Jesus era
costume "rec-ostar-se" •durante as refeiçõe.s. Não se. p,ode ave-
riguar, com certeza, se se reclinavam -em •cima de tapetes ou
em estrados inclinados ou em leitos propriamente ditos. Tal-
vez tenha havido uma mistura desses vários -costumes, sen-
do que na Palestina costumes estrangeiros facilmente se vão
mesclando com os hábitos próprios do país.
A respe~to das conversas durante as refeições é de parti-
cular importânicia para a vida de Jesus •que, rec-ostados sobre
o 1braço esquer,do, não podiam ver todos os convivas. Podiam
falar perfeitamente com os vizinhos, mas c-om aqueles que
lhes ficavam em frente a converisa .se tornava mais difícil.
Nós, pelo contrário, conversamos mais f acihn.ente com os que
nos e.stão na frente. Colhe-se daí que era natural que, na úl-
tima -ceia, Jesus falasse mais com os discíp,ulos que lhes es--
tavam mais .perto. Tambem na seguinte cena, e1n cas-a de Si-
mão, Jesus podia conversar em particular com ele.
A recepção de um convidado obedecia a um determinado
ceremonial, como ainda hoj,e. Jesus mesmo alude a esse cer-e-
monial, falando com Simão. Logo à entrada aparecia um es-
cravo ·com um jarro -d'agua e a ,derra.:mava n·os pé.s do convi-
dado. Era uma necessidade. Vinha-se fora com os pés cober-
tos de poeira e na casa forçosamente ia-se -pi·sando nas estei-
ras e tapetes em -que se deviam reclinar. Igualmente lavavam
as mãos antes de comer. Como a pele se vai secando inteifl"a-
mente em consequência. da poeira -e facilmente se ir1ita com
a água., procuravam -evitá-lo, ungindo os membros com óleo.
·O •dono da -casa recebia o ,convidado com um ós·culà e um
abraço. Em casas nobres não se dirigiam logo à sala de jan-
tar, mas a uma sàla de espera. Aquí eram mutuamente apre-
sentados os convivas que não se conheciam e eram ~-ervidos
os aperitivos. O dono via quantos convivas iam comparecendo
13*
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 195
e dava as or-dens necessárias. Caso ligas:se grande importân-
cia à .presença de alguma personalidade, havia ainda tempo
para um último convite, como aconteceu no .grande banquete
da parábola de Jesus. Não era raro que os convites fossem
declinados. Refere-se que uma vez um publicano ,c-onvidou os
-c-onselheiros do sin·édrio a um ban-quete. Eles não comparece-
ram. Então ele procedeu como o pai de família na menciona-
da parábola: mandou chamar toda sorte de pobres. Dos fari-
seus de Jerusalém diz-se que só aceitavam um convite, quando
sabiam quem eram os outros convidados. Que Simão tenha es-
colhido a Jesus com tão ·pouca delicadeza, talvez fosse moti--
va-do pelo desagrado de vários fariseus presentes porqu-e ele
o tinha convidado.
Não se diz qual foi o motivo por que o convi dou. Ao que
1
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.Entretanto, quando a pecadora começou a . demon.strar a sua
piedade, reclinada aos pés de Jesus, já não teve mão em si.
A con.t~ição que sentia não podia permanecer oculta. As. lá-·
grimas brotaram-lhe dos olhos, umedecendo os pé-s de Jesus.
Ela, desatando os cabelos envoltos num véu, com eles os ia
enxugando. Em seguida é que se pôs a ungí-los com o bálsa-
mo, o que era ·propriamente o fim ·para -que tinha vindo.
D-evemos supor que, mulher· como era, perce:beu logo ao pri-
·meiro golpe de vista: A Jesus, antes da refeição, nem sequer
haviam lavado os p-és ! Ora, depois de uma caminhada, os pés
fief'.m cobertos de -poeira ou mesmo de lama. A mulheres. que
amam nada indigna tanto como ver trata-rern aem apreço as
pessoas que estin1am. E·m tais em·ergên·ciaij desaparece intei-
ramente todo o respeito huma:no.
Simão, o dono da casa, olhou -para a mulher com uma ca-
ra fechada, mas os costumes orientais ·proibiam-lhe de expul-
sá-la de sua casa. Jesus é que tinha o -poder de acabar com
aquela cena. revoltante. Daí sua indignação contra o Mestre:
Não, profeta -é ·que ele não podia ser; permitia que uma pe . .
cadora, reconh-ecida como tal, lhe un,gisse os pés !
A introdução da conversa entre Jesus e o fariseu ié de in-
c-omparavel vivacidade. Ambos emprega.,m as mais. estritas
fórmulas ·de -civilidade: - estas fórmulas s.ão f.requentemen--
te empregadas entre homens interiormente distanciados, co-
mo n1eras palavras introdutórias. P. ex.: Poderei eu fazer u-ma
pequena observação? - Oh! por favor!
Con1eçou Jesus calmamente e com aquele iretraimento que
conservou durante toda a conversa:
"Simão eu tenho algwna coisa a dizer-te!"
"M:estre, é favor íalar !"
Jesus propõe um "-caso". Os le.gisperitos apreciavam esses
exemplos a que então .se ligava uma questão. Era nec-es.sário
prestar muita. atenção, não se podendo saber n-o prin,cípio quais
as circunstâncias particulares que seriam no fim mais impor-
tantes para a questão suscitada.
Jesus principiou a falar:
"Um banqueiro tinha dois devedores: um lhe devia cem
dinheiros e o outro cin-coenta._ (O "dinheiro" -equivalia mais
ou menos a dois mil rets). Mas como amhos não tin-ham com
que pagar, ele lh·es perdoou a dívdda. Qual d-os dois o amará
mais?"
Naqueles te1n.pos, como mai~ adia.nte veremos, já existiam
instituições bancárias. 0:s dois devedores "nada tinham com
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que pudessem pagar" ; quer isso dizer que não possuiam bens
imov-eis ou valores reais. O credor ainda tinha um meio ao
seu dispor: podia tomar a si os dois devedores e obrigá-los
a trabalhar para si como escravos. Mas ele lhes perdoou a
dívida.
Je-sus termina -com a pergunta: "Qual dos dois o amará
mais?"
A história foi contada com palavras claras, sem nen-huma.
frase ambígua. .A pergunta era ainda mais simples. Todavia
Simão senti-a certamente que Jesus não pro-cedia sem um fim
determinado e com um mixto de reserva e confiança em si
mesmo manifestou seu modo de ver a esse respeito: "Eu pen-
so -que (-o -amará mais) aquele a quem ele perdoou mais".
''R-espon,deste bem!''
Começou Jesus então a demon.strar a Simão, -s,em nada mu-
dar -do seu retraimento, -que ele era com efeito um profeta. sa. .
;be perfeitamente o que aquela mulher estava pen:sando, en•-
quanto se en-curv.ava aos seus pé.s, que, ainda cheios de poeira,
repousavam nos tapete.s. Sabe igualmente o que Simão estava
pen·sando ocultamente sobre esta mulher e sobre ele mesmo.
Jes.us ergue-se de modo •que pudesse apontar para a mu-
lher e, falando a Simão, prossegue:
''Vês esta mul,her aí? - Eu entrei em tua casa; - e tu não
me mandaste banhar os pés; esta, porém, umedeceu os meus
.pés com suas lágrimas e os enxugou com seus próprios cabe-
los ! Não me deste um ósculo; e.sta, porém, des,de que entrou
não cessou de beijar os meus pés! Deixaste ·de ungir c-om
óleo a minha fronte; -esta, porém, un·giu os meus pés até com
bálsamo!
Em recompen·sa, quisera ·dizer-te, foram-lhe perdoados os
peca,dos, os seu-s muitos pecados, pois que grande é o seu
amor! A-quele a quem pouco -é perdoado, tambem ama pouco!"
Desde o princípio Jes.us se referia à. mulher a seus pés,
defendendo-a. Mesmo que muito tiv-esse pecado, agora, grande
era o seu amor para com ele e grande era o arrependimento
de seus pecados! Jesus não propôs o pecado ,com:o condição
paira a .santidade. No ano de 1931, por ocasião do jubileu de
santo Ago.stin.h-o, foram publiçados muitos livros, aliás óti-
mos, que -deixavam trans-parecer este modo de ver. Compara
Jes·us urr1 grande pecador que, convertendo-.se, emprega to-
das as sua·s forças no serviço de Deus e um outro homem
mesquinho que não se converte porque, na complacência de
si me-smo, se tem em -conta de grande santo. Santo Agostinho,
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que, ao considerar esta cena, se enternecia até às lágrimas,
·compreendia-lhe como poucos o .profundo sentido.
Até então Jesus não dirigir~ palawa alguma à pecadora
mesma, que talvez já muito sofria à espera de:ssa palavra,
pois viera "em es-pírito de fé", isto é, com a intenção de obter
do Senhor o perdão de seus pecados. Afinal Jesus profere a
palavra ansiosamente esperada:
"Te-us ·pe·cados te são perdoados!"
-Cr-esc-eu de ·ponto a admiração. Estavam presentes os fari-
seus, convidados por Simão, que deviam servir-lhe, como ainda
h-oje ac-ontece em recepçõ-es oficiais, de uma espécie de dique
contra um conviva pouco estimado. Estes hóspede-s conser-
vavam-.se pensativos; agora, porém, despertam: qu•e é isso?
Esse Jesus perdoa os pecados? Que usurpação de direitos di-
vinos! "Que vai nisso que ele declara os .pecados como per-
doados?"
Nesse ambiente em q~e Jesus tambem era um dos convida-
dos, ele não quis justificar-s,e mais cabalmente. Seria dar en-
sejo a uma alter,cação maior. Era à pe-ca,dora arrependida que
ele se referi-a; e portanto limitou-se a diz·er-lhe:
"Tua fP. te auxiliou! Vai em paz"! "Ma essalame!"
Naturalmente essas palavras continham tambe-m uma res-
posta aos inimigos. Mais uma' vez ele s·e atribuía e ex-ercia o
poder de perdoar pecados. Peca.dos era o -que •ele entendia pe-
las "dívidas" a que aludira figuradamente.
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Alude-se --aquí à vida de caravana que nativos ainda hoj-e
em .parte -costumam levar nas viagens que fazem, ajuntando--se
em grupos por ca.usa da:s incertezas do ca:min•ho. Semelhantes
caravanas formam uma espécie de comunidade. Caso a via-
gem leve muito t·empo, estabelec,e-se -por -si mesma uma cer-
ta ordem: ·determinadas pessoas vão tomando a si os di.ver-
sos trabalhos, ·bem c-om-o as compras e informações necessá-
rias. Às· mulheres compete em particular preparar a alimen-
tação e consertar as roupas.
De-ste modo, Jesus, nas diversas estações do ano, foi cami-
n·hando pelas montanhas e planaltos da Galiléia.
Na primav,era as ri-bane-eiras em reda~ dos campos culti-
vados estão atapetadas da-s mais lindas flores: narcisas, a:ne-
monas, lírios, tulipas. O céu azulado brilha em todo o .seu
esplendor.
No verão tudo vai secando, a seara vai amadurecendo, pri-
n1:e-iro junto a-o lag-o, pouco depois na:s ribanceiras e nos pla-
naltos. Passa-se por campos em que se podem ouvir os can..
tos dos ceifadores e onde os que amarram os feixes e as mu-
lhere·s respiga-doras se inclinam, com o rosto afog.ueado, so-
bre os grãos a cintilar no solo ressequido e duro. Encontram-
se jum.entos -carregados de f,eixes de trigo a balouçar,em-se
amarrados às suas costas e camelos andando vagarosamente.
Sauda1n: A paz esteja convos-co ! E respondem: E convosco
esteja a paz!
Pas-sa ·então a vida para o terreiro, •onde avultam os mon-
tes ·de trigo s,egado • .Ju·mentos e camelos são atrela-dos às tri-
lhadeiras. Um rapaz, trepado em cima, o-s vai guiando sobre
a-s camadas de trigo. O rolo, passando por cima, faz que os
grãos s-e despreguem das es·pigas, qu:e são ·sempre de novo co-
locadas sobre a massa já triturada.
O ·calor do v,e,rão paralisa tudo e obriga a repousar à som-
bra das· oliveira.s. O solo parece arder em chamas. Pouca fo-
me se s~nte; está-se satisfeito com um pouco de pão. O que
não se pode dispensar na proximidade do lugar de repouso é
uma fonte ou um poço. Na falta de .saco de couro para haurir
a água - -como no caso dos discípulos junto ao poço de Ja,có
- tem-se que re~orrer aos habitantes da locali-da.de. Da cara-
vana algun-s se p-õem a tirar a água, outros cuida-m das com-
pras que têm a fazer.
Es;sas viag·en.s -can-s.am. O -camin•ho é ora c-oberto de uma
poeira esbranquiçada ou cinzenta, ora .as-se-inelha-se ao leito
d•e um arroio ch~io de pedregulhos e pontas de rocha viva, que
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_se tem de vadear. E' ·um alívio quando, à taf'de, ,começa a
s:0prar -a viração do mar. A-gitam-se então suavemente os ci-
prestes e irriquietam-se· as pardacentas oliveiras. A folhagem.
das videiras. pare-e e chama.s esverdeadas em forma de línguas,
sobre o solo res.s-equido. O ·sussurro do vento supre o murmú~·
.rio de um córrego.
Torna-se a . falar com maior vivacidade. No ocidente o céu.
. '
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nunciava e pelos milagres que fazia. Que alegria imensa para
,e.ss,es homen.s simples ver durante o ,dia ·Je'Sus ·pregando pe-
•.rante as multidões e operando prodígios, e à noite conviver
com ele familiarmente debaixo de um mesmo teto como com
um pai ou com um irmão! Nunca tin,ham si-do tão livres e
nun,ca tm·ham !estado tão ligados como ag.ora·: ligados ao Mes-
tre, sem saber para onde ele ia.
Chegaram, então, o-s dias em ·que, pela manhã, a terra está
,coberta de neblina: e quando o sol a afugenta, brilham nas
palhas ressequidas e ·nos es-pinheiros desfolhados grandes pé-
rolas -de orvalho.
A colheita está terminada. Com certa solenidade -mede-se o
trigo no terreiro. Medidores peritos no ofício atarefam-se, en-
quando os demais os contemplam. En-teITam as medidas de ma-
deira nos montes, sacodem-nas para que os grãos se apertem
b-em; novamente enterram as medidas. Deste modo as medi-
,das não só fi,cam cheias, mas mostram ainda por cima uma
coroa d,e .grãos dourados. E' esta a :medida a~tada, cheia e
tran·sbordante. Alguns tra balhadores seguram a·s túnicas em
1
forma. de sa-c-o para que re·cebam ''no s-eio" esta medida como
1
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Es·sas reuniões d-e multidões for.m.am o auge da atividade de
.Jesus em sua própria -pátria: - o sermão -da montanha, o
grande s ermão da parábola e a reunião a que se se,guiu o mi-
1
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E.stas tres reuniêjes ·corre.spondem--se µitimamente, represen-
tando os tres grandes marcos da atividade pública de Jesus
na Galiléia: - o sermão da montanha é o con·vite solene para
o novo reino, a segunda reunião mostra-nos o povo vacilante,
a terceira, depois de um surto de entusiasmo, aduz a decisão
definitiva. Tamb·em o método de ensino de Jesus passou por
essas transfomações. No sermão da montanha ele expõ·e, nu-
ma alocução de tantas idéias con;catenada-s, os fundamentos
do novo reino: deve ser aperfeiçoado o que fora começado ou
prometido no Velho Testamento. As parábolas e comparações
servem para dar vida a todo o discurso.
Na :Segunda alocução Jesus supõe o sermão da montanl1a e
desenvolv,e dois pensamentos: a -entrada para o novo reino
exige do homem que s·e desapegue d.o que é terreno. Isso deve
1a:ealizar-se em todo o silên-cio e calma. Jesus combate aberta-
mente. nessa ocasião, as falsas esperanças do Messias.
N.a terc-eira grand-e aloe-ução aparece pela pTimei,ra vez a
natureza íntima do plano divino da. ·redenção: Jesus dar--se-á
corr10 alimento para a vida da alma. A•gora vale o dilema: ou
·entregar-se a ele em espírito de fé ou abandoná-lo.
As cenas particulares que se deram entre essas reuniões po-
pulares cabem e-m parte nos dias e1n que os homens não po-
dem trabalhar em consequência do exc,essivo calor ou frio.
Principalmente as viagens às regiões dos ·gentios foram em-
preendidas em tem-pos de repouso durante o v-erão. Os dois·
meses de inverno, janeiro -e fevereiro, são chamados ainda ho-
je na Palestina os "sile11ciosos". Vale a norma: Nos dois
(meses) silenciosos fica em casa e a.briga-te bem!
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pr~cip-almente, em Israel, as relações entre senhores e escra--
vos ·eram regulamentadas, em geral, quer p-or leis determina. .
das, -quer por toda a tradição patriarcal. Entr:etanto, se for--
mos conferir os documentos a es'S-e res-peito, a situação do es--
cravo não era muito suave.
Já o modo -como ·se costumava falar dos escravos mostra
toda a dureza e crueldade do pa-ganis-mo. Todos os casos que
ocorrem ·hoje quanto à criação de .animais, aparecem nos do-
cumentos como consequências da escravidão. S·e lançavam nõ
mo~tão -de lixo ·da -cidade um menino que os pais tinham por
supérfluo, logo se achegavam. pessoas -para examiná. .Jo. Caso
pareces;se que lhes prom,etia algum lucro, tomava·m-no a si e
entregavam-no a uma ama para que o criasse e educasse por
um certo ·preço. Conservou-s.e-n-os um contrato .semelhante do
ano 5 d. Cr. Tesenufi.s,
. com 50 anos., entrega para criar à ama
T.asuquis uma "e:scravinha" .por nome T-ermutaion. Tasuquis,
representada pelo ·marido A,pinquis, obriga-s·e a dar-lhe ali-
mento, vestuário e tudo o que lhe for necessário. Semelhante
empresa podia fracas:sar e ness-es ·casos era .po.ssivel -que a
ama tivesse que indenizar o dano com o pró-prio filho.
Na venda de ·escravas e.stipula-se -que- ela com toda a sua
prole eventual pertencia ao ·senhor. Dois e:s·cravos, junto com
1
os ·sujeitava à hipoteca.
As-sim como vendiam -os escravos como animais, tambe-m
falavam deles como se o fossem de fato. No mencionado do-
cumento de dívida fala-se dos dúlica sômata, "•duas cabeças
de. es:cravos". Nos contratos para a -educação -de -pequenos es-
cravos era comum a expressão "somátion dúlic·on", "cabeça
de escravo".
,Sob diversos as·petos, entretanto, as idéias vulgarmente es-
palha.das sobre a escravidão não correspondem à realidade.
Nomeadamente havia uma classe de pessoas, cujas condições
de vida não .permitiam possuir es·cravos, e, portanto, não eram
influencia-das por eles.
No ano 71/72 o fiscal Hera·cleidos. de Ars.ínoe -consigna, num
docwnento üficial, 385 pessoas sujeitas a impostos, possuin. .
do es.sas pessoas todas apenas 44 escravos, portanto um es-
cravo por nove p·e.ssoas livres. Realmente só 32 dentre as 385
livres .é que poss.uiam :um escravo; a maioria tinha um es-
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cravos apenas, -seis tinham dois, um tinha tres e um tin·ha qua-:-
tro escravos. Sete ,escravos, uma única vez, pertencem à mesma
casa. T·alvez alguns escravos tivessem dois ·senhores~ E' de no--
tar-se -que na lista dos senhores ocorrem mais nomes de mu-
1heres ,do que de homen.s: as mulheres eram ' obrigada·s pela
s-ua condição a terem um escravo para trabalhos . mais pesados.
Em circunstâncias semelhantes, como ,esta testemunhada
oficiahnente, compreende-se por si mesmo ·que as iclass•es mais
pobres, -como os cam!pones,es, colonos e artífice~, não podiam
sustentar um escravo. E', porém, tambem certo que eles so-
zinh-os eventualmente não podiam dar ,c,onta do servico, ven-
do-s.e ob:rigados a ·procurar auxiliares quer para todo o ano,
quer para tempos determinados.
Cir.cun.stâncias bem parecidas vigoravam na Palestina ao
tempo de Jesus. Os Evangelhos e os, documentos -egipcíacoS:
supõem condições quasi idênticas. As traduçõe.s não frisam
bem -que a palavra "doulos" pode significar um aervente no
sentido -de •empregado, com-o no s!entido de escravo. Mui.tas ve-
zes ném distinguem devidamente entre os termos ''hyperetes"
e "doulos". Hip,eretes ocorre na Bíblia -sempre no sentido de
empregado fixo, ,como o guarda das sinagogas e servos do
pontífice. Que hy;pe1·etes e doulos não signifiquem a mesma
coisa, p·ode-se concluir de Jo 18, 18, em que lemos que "hy-
peretai" e douJ.oi" s,e esquentav·am ao f.ogo.
O·s douloi tanto podiam ser e,scravos como empregados li-
vres e até oficiais. Tratava-s.e c•ertamente de um escravo, quan-
do o centurião romano falava do seu "doulos'' e "pais''. Mas
na parábola do trigo e do joio pode--:Se subenten,der perfeita-
mente empregados livres, -os. "aradeiros", dos ,quais ainda ha-
vemos de falar. Nem sem.pre se pode- precisar -quando ·se deve
tra-duzir doulos1 por e:s,cravo ou criado, sendo que em si pode
significar um e outro.
Para o povo simples é de supor·--.s·e em Israel .situações s.e-
melhantes às que nos aparecem nos. papiros ultimamente en--
contrados. Só que em Israel a religião, ainda mais que nos
outros povos, impunha determinadas pre.s-crições quanto à
compra e à manutenção de e,s-cravos,. mormente tratando-se
de escravos ''hebreus", i. é, israelitas. Pois havia uma dife-
rença muito acentuada se um !escravo era "hebreu" ou "cana-
neu", não israelita. Um israelita, ainda nos tempos de Jesus,
podia cair na e-s-cravi-dão, ·submetendo-se voluntariamente a
um senhor ,e-amo escravo ou sendo Yendid-o ·como tal -por um
credor a quem não pudesse -pagar, ou por sentença d~ um juiz
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para reparar algum furto. Supõe assim Jesus como possível na.
parábola dos devedores que ·aquele, que não podia saldar a
dívida, fosse vendido conjuntamente cQm a família. Nestes ca-
sos o e.scravo hebreu era protegido pela lei em vários pontos:
a compra -devia ser feita privadamente, não sendo permitido. .
colocá-lo "na pedra d-o escravo :no mercado. Era igualmente
1
11
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.a arar e . amanhar o terreno. O _z,:3enhor, queren-do, pode obri-
gá-los, ·p.or e~emplo, a ,pre-parar a comida ,e servi-la à mesa.
A deduzir-se da parábola dos servos inuteis, Jesus podia ter
em vista esses empregados e não -escravos propriamente ditos
(Lc 17., 7-10).
O-corre .aí a expressão ainda hoje em uso na Palestina:
'~Harra.t" - aradeiro", traduzido para o grego, verbalmente,
'~:dou-los a.rotrion". A par desses empregados é -citado tambem
o "doulos poimainon" - "guarda". Conforme as palavras de
J.esus, o senhor, ch·egando a •casa, ordena ao "aradeiro" :
"Prepara-me algum.a coisa para comer, rein,ge-te e põe a me-
sa". O c.ozinhar,, nom:eadamente fazer pão, não era tido como
trabalho de escravo; expressamente se menciona que um es-
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tusiasmo por ele inflamou-se, tanto mais que os maiores abu-
sos dos poderes e ,cargos estavam na ordem do dia. Aos pou-
cos, porém, as palavras e os atos de Je•s.us foram dando a
conhe,cer qual era o motivo de sua ·conde·scen·dência. E' que
ele considerava no homem algo de importantíssimo, de tão
importante· que, em vista disso, tanto fazia se esse·s homens,
como mendigos, metiam os braços pelos rasgões de camisas
andrajosas ou se, como ricaços, se pavoneavam em variegadas
túnieas.
Outros homens já haviam averiguado que todos são iguais;
·m.as tinha ensi;nado que todos··· eles--nada. valem. Jesus, po-
rém, dizia que todos, ·afinal de contas, são igualmente pre-
ciosos, porque todo homem pode ser semelhante ao Pai do
céu e entrar em íntima relação com ele próprio, o Altíssimo
e Imenso. Fe_ito isso, entraria no reino dos céus e estaria tão
intimamente unido com Deus 1 como jamais um homem poderá
unir-se com outro.
Segundo a sua doutrina, os homens possuiam um valor mui-
to maior do que os sábios das eras precedentes ousaram sus-
peitar. Ess,e valor não lhes provinha de serem sen·hores do
mundo, -como cuidavam que seriam, em seus sonhos mes:siâ-
nicos, mas de s·erem herdeiros daquele céu de que se tinham
esquecido!
Jesus queria induzi-los a pensar :como ele pen.sava,: Um ho-
mem devia prezar e amar um outro homem, como Deus o pre-
za e ama. Todos deviam ser -como com-panh,eiros de uma cara-
vana pelo deserto: - toda desgraça que pudesse ameaçar
alguem ,devia ser com:batida como desgraça de todos e em
caso de tempestade de areia todos devem estar preparados a
sacrificar o que é seu para mutuamente se salvarem a vida.
A•ssim os homens deviam estar atentos em conservar a vida da
alma em si mesmos e nos outros.
A muitos esta salvação parecia de um preço demasiadamente
alto. ·O Messias de :s·eus sonh-os seria um herói que não ligaria
tanta importân,cia ao bom-em, -que lh·e daria •de c·omer e be...
ber e depois os deixa~ia se·guir eada um o seu próprio caminho.
Assim Jesus começou a falar em ·parábolas novamente da-
·quele reino que anunciara tão solenemente no ·sermão da mon-
tanha. Eles. ainda não o estavam vendo ,e continuamente per-
guntavam: Quando virá o reino de D-eus.?
A:c-hava. .se Jesus outra vez junto ao lago, no cpração da Ga . .
liléia. Como veias brancas, caminhos largos e estreitos se es-
tendiam de toda a região para a margem. Esta região mon-
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ziram fruto algum. Outra p~e caiu em -terren_o _J,om;
brotou, cresceu e produziu frutos, umas cem,- outras ses•
senta e outras trinta. Quem tem ouvidos para ouvir que
ouça!" (Mt 13, 4-9; Me 4, 1-9; Lc 8, 4-8).
O quadro:
O cintilante fulg.or dos- raios do s-ol e o ardente calor já se
foram acentuando. Em .seu lugar nuvens bojudas e negras, há
muito almej8ldas,. foram assomando no ocidente e se estenden-
do ·por toda a região. Tempestades mais ou menos veementes
umede-ceram o solo. O sol - nes:ses me-ses de novembro e de-•
zembro - faz o seu percurso mais baixo; uma abóbada e e-
-leste toda azulada cobre os cimos das montanhas; as som--
bras nos vãos das penhas são maiores e como que orvalhadas.
nessa abnosfera amena; de dia, essas sombras são delineadas,
claramente e im-pregnadas de um suave fulgor azul, quasi pw---
purino. Todas as cores parecem mais fortes e umedecidas: -
as brancas rochas, os vales com erva nascente, .os campos
por arar cobertos de vegetação silvestre. As primeiras flores.
da primavera, o açafrão e os narciso.s, começam a aparecer;· a
cebola já ·está .quasi -desflorada.
O felá apronta-se para sair ao ·campo, tocando os bois:
e levando o arado às costas -de um jumento ou às suas p1,ó-
prias. O s-olo está amolecido em consequência das chuvas, e a.
poeira, levantada no v•erão, está novamente compacta. Onde
quer que nos vales haja um pou·co de terra, entre o.s penha,g ...
cos e o .pedregulho, o c.ampor1ês passa com a pontuda agulha.
do seu arado ·de madeira que, se não revira a terra, ao menos,
a ras:ga. Lugares há em que tanto pedregulho está misturado
c-om a terra, que o arado vai estalando e rangendo a cada in-
stante, e outros em que, depois de arados, os espinhos se vão
implantando. E:m alguns lugares do campo, .semelhantes a.
uma gran•de pele estendida, ·com muitos remendos, logo abai-
xo de fina •Camada ·de terra se encontra a rocha propriament~
dita.
Algo de esplêndido é um desses campos recem-arados ao
s-ol ardente e claro da Palestina, -a brilhar -com um colorido
escuro, tendendo ao avermelhado, sob um céu inteiramente
azul. Como entre os. camponeses profundamente piedosos, tam-
bem aquí a sementeira começa com uma oração . Ocorrem nes-
sas prec·es as ·palavras: "Senhor, a nós toca o vermelho ( o
arar a terra, que -parece então "vermelha"),_ a vós, porém., o
verde!" (Vós dais a seiva!) "O' Senhor, vós nos alimentais
e· por nós alimentais os outros. O' Sen-hor, eu sou o cultivador,
vós sois o dispensador!"
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Assim começa o semear. Parte da semente cai nos trilhos,
à margem o-u mesmo pelo meio do campo, em que a terra nun--
ca se amolece 1bastante. Ao redor espreitam bandos de pardais.
Mal cai a semente nesses trilhos, em que fica bem visivel,
aí estão ele,s para comê-la. Se o felá não presta atenção, ti-
ram-lhe -a semente até do saco e atravessam o campo debi-
cando a semente onde -que-r que caia.
Parte da semente cai no solo pedregoso. E-stala aos pés do
semeador, -enquanto -caminha lançando a semente. Que acon-
tecerá a essa sem.ente?
Jesus descreve aquí com tal fidelidade à natureza ,que o ho-
i;n.em moderno não o pode seguir tão facilmente. O que é mahi
estranhav·el é -que na Pale-stina os lugares com um fundo de
rocha, para um certo período do crescimento de plantas, são
mais apropriados do .que as camadas maiores de terra.. Ainda
hoje s·e .pode observar este fenômeno: a semente nes·ses luga-
res pedre·gosos •germina mais rapidamente. E' -que a rocha im-
pede que a •humidade se· infiltre mais profundamente; deste
modo a terra perman=ece mais umedecida. Além disso o fun-
do de rocha esquenta-se mais depressa aos raio-s oblí-quos do
sol.
O f.elá sem.eia tambem naqueles lugares, em que a terra
está cheia de toda espécie• de raízes de espinhos. O solo não é
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Os novos rebentos, ao sair do· solo desses campos de um
avermelhado escuro, são de indescritivel beleza nesse ambiente
de pedra cinzenta, quan,do pela manhã o sol os ilumina, colo-
rindo-os de um tom auri-verde. Não é interessante que o fe-
lá lhes dê um n·ome -que tem especial significação no reino
de Deus, "os mensageiros, a mensagem" - "o evan·gelho"
(mbesehschir - a boa nova)?
Em cons-equência da luz· p,enetrante e do solo muito fertil,
não brota apenas um ·pé, mas brotam logo diversos conjunta-
mente; em terrenos mais favorecidos há plantas que crescem
em 10-20 ,pés diferentes.. E' a que se alude na parábola em
-que lemos que a semente brota e "se n1ultiplica". Falando
d·e um fruto centuplicado, Jesus tinha ante os olhos colheitas
extraordinárias. Os campos no Hauran, a região mais fertil,
costumam produzir ieincoenta a sessenta vezes mais; ao pas-
so que junto ao lago 'só produzem trinta a quarenta e nas.
montanhas apenas o quíntuplo. Que alguns campo ou partes
de um campo produzam o cêntuplo, é um fato -que ainda
acontece, mas que, como Jesus mesmo diz, forma uma exceção.
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Em si as parábolas não são mistérios. ·Os discípulos - Jesus
o acentua - bem poderiam ter -compreendido a parábola do
semeador:
"Não compreendeis esta parábola? Como haveis de enten-
·der ·então todas as -outras parábolas?,,
O homem que .semeia, .sem•eia a palavra. Como a s-emente
caida n-o caminho são os hom,ens, aos •quais, assim -que ouvi-
ram a palavra, Satanaz vem e a tira dos seus corações em que
foi se-mea,da. De modo semelhante, um·a semente em solo. pe. .
c;lregoso são aqueles -que, no começo, ao ouvir a palavra de
Deus, a recebem com alegria; mas não têm em si raizes e vi-
vem. conforme as vicissitudes; assim que, ·por ca.usa da pala-
vra, sobrevêm tribulações, ·caem. Outros são uma semente en-
tre 0:s es.pinhos; são aqueles que ouv-em a palavra; mas- logo
depois vão-se-lheis aglomerando no -coração os cuidados por
este mundo e os qu,adros -enganadores- da riqueza e o -des.ejo de
(?Utras coisas -semelhantes; a palavra é sufocada.. U-ma semen-
te em terra boa .são aqueles que -ouv em a, palavra e a recebem
1
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ve. Ao mesmo tempo é de todas as parábolas de Jesus a que
mais se aproxima do sentimento próprio do homem moderno
e mais se diferen·cia das parábolas tí-picas do antigo Testa-
mento.
O .felá semeou a semente na terra. Ã noite vai pa.ra casa,
cansado do trabalho do dia .. Sabe que se vai .desenvolven-
do um p-roces:s-o no qual -ele não pode influen,ciar e daí, nos
dias que se s,e•gu,em, -ele não ;Se importa da semente.
Entretanto, esta despreocupação não é uma falta de cuida-
dos. Se fosse ao -campo e revolves-se a terra para examinar a
semente, seria um estorvo ou até ·uma aniquilação da vida
latente. O germe -desenvolve-se por si mesmo, conforme as leis
qu,e lhe são -próprias, tornan-do-se um.a planta - 1 o agricultor
nada inventou n•este .particular e nada pode fazer.
Na Palestina o espaço de tempo -entre sementeira e colheita
é relativamente curto - ,em dezembro ou jan,eiro semeia--se o
trigo, em fins de abril já começam a ;colhê-lo nas cercanias- do
la.go de Genesaré. E' notavel aí principalmente a •evolução da
se.ara. Jesus indica os graus, pelos quais o ag,ricultor avalia
a produção: colmo, espigas vazias e espigas cheias. As.sim que
os grãos amadurecem na Palestina, devem ser imediatamente
c-eif ados. Senão as e.spiga.s ficam tão duras qu-e a casca vai ra-
chando •com o calor do s,ol. Só se ·podem ceifar as espigas, en-
quanto o orvalho da noite as conserva úmidas, até ao mais
tardar, às nove horas. Assim que começa o vento quente do
deserto, os ceifadores devem parar.
Explicação: para o homem há um tempo em que ele deve
arrotear o cam.po ,com a -própria mão e um tempo em que ele
tem que entregar tudo à natur,eza. D•eve semear, mas p-or si
mesmo -é que o icolmo vai cresc,endo, por si mesmas vão apare--
cen,do as espigas, por -si m.e.smas vão .se enchendo de -grãos e
en.gros.sando. Não se pode descrever de um modo !breve o pro-
dí,gio do crescimento da s-eara, -que todos vêem, mas que nin-
guem -compreende. Assim -será tambem com o n-ovo reino:
O Filho do hom-em prepara o seu campo, o mundo - segue--
se então ·um tempo em que a semente divina vai ·operando por
si mesma: o semeador, en,quanto isso, conserva-se retraido.
Mais tarde aparece de n-ovo para a colheita. Nes·se meio tem·po
poder-.se-ia pensar que D,eus .se tivesse esquecido da se-mentei-
ra, entregando-a a si própria; mas ele só a entrega a si mes-
ma. o quanto é necessário para não violentar a ·vida que lhe é
, .
pro-pr1a.
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A parábola ·do· joio entre. o trigo
Jesus contou-lhes de novo uma parábola, começando
a. dizer-lhes: Acontece com o reino dos ~s, como com
um homem que semeou boa semente no seu campo. En-
quando os trabalhadores dormiam, o inimigo veio e se-
meou joio entre o trigo e foi-se embora (Mt 13, 24-30;
36-43) .
O agricultor
.
não
'
pode µifluenciar -em nada no crescimento
da semente; pode, e~tretanto, apartar os estorvos que a dani-
ficam. E' seu trabalh-o principal arrancar o joio que vai cre-
scendo en:tre a plantação.
Nos invernos chuvosos e amenos dá na Palestina não só o
trigo, mas tambem o joio. O arad-0 vai rasgando o solo sem
propriamente revolver a terra. Entre os sulcos ficam sempre
ainda as raízes de toda -espécie; além disso, encontram-se
misturadas com a terra quantidades de sementes do verão pas-
sado. Q•uem não empreende a luta -co~ o joio não pode espe-
rar boa colheita. Pois todas essas plantas de.senvolv'em.-se mais
depressa do •que os cereais e esten·dem muitas vezes lon-gos
ramos ao r-edor de si. Saem, pois, ao campo para arrancá-las,
lembrados do ditado: quem arran·ca faz mais ,que o arado.
Há, porém, uma espécie de joio. . . que não é tão f acil de
se conhecer, porque ·pertence à mesma família do trigo. O joio
germina ao mesmo tempo que o trigo e, até~ na formação das
espigas, parece-se exteriormente -com ele.
Jesus refere-.se a um ·agricultor •que tem s-ervos ao seu di.s-
por. Com estes servos preparou o campo e o semeou. O se-
nhor, e.m seguida, não vai mais ao campo, entregando-o intei-
ramente aos servos. Estes ,é que dias depois des-cobrem o
joio ·a crescer no m·eio do trigo.
Vão ter com o senhor cheios de ,espanto:
"Senhor, .não semeaste boa semente no teu campo? .Donde
é qu.e vem o joio ?-"
Não é nada rara no -oriente a explosão de uma vingança
que há anos parecia dormir, quando se lhe oferece o ensejo.
E:sses hom,ens .que, às vezes, parecem esquecer muito depres-
sa, em circunstâncias dadas não .se deixam levar ao perdão.
·O :s•enhor sabe mais do que os s,ervo.s. Existia alguem que
lhe tinha ódio de ·morte. Fôra -ele que semeara o joio, de noite,
no meio da escuridão, enquanto os servos- dormiam. De devas-
tações e depredações noturnas da ·seara falam-nos tamh·em os
documentos egipcíacos. Assim é qu,e um felá se queixa que,
na noite de 14 .para 15 de fevereiro, portanto a um tempo em
que a seara já estava madura, o ·seu campo fora injustamente
216 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
devastado. A um outro de noite mataram a vaca, que pastava.
junto ao canal. Um terceiro comunica os estragos causados.
na seara, .para assegurar-se antecipadamente a isenção dos
impostos.
Os servos ficam indignadqs. Imediatamente prontificam-se
.para ir arrancar o joio. Entretanto é um zelo desenfreado e
iITêfletido. Ao. primeiro estrago sobreviria um segundo·: não
é possível arrancar as raízes do joio se-m danificar o trigo.
Ordena, pois, o senhor aos servos que por enquanto deixem
crescer ~udo· promiscuam.ente. O que eles agora, em sua im-
paciência, já queriam fazer, será o primeiro trabalho no tempo
da mes.se.
Trata-se, com certeza., de um agricultor •em ponto maior: ao
tem-po da m•ess,e toma ainda ao seu serviço -outros segadores
de profissão: a ordem que ~tes servos agora qu,eriam rece-
ber, ele a dará aos ceifadores. Estes, logo no começo da ceifa,
devem amarrar o joio em feixes que em seguida serão levados
para o terreiro, afim de serem queimados em conjunto com
os demais resíduos. Só o trigo é -que será recolhido ao celeiro
do s,enhor. Ju·mentos e ·camelos, guiados p,elos próprios tra-
lhado:çes ajustados para a messe, levá-lo-ão para lá.
Explicação: Toda e-sta história prendia enormemente a aten-·
ção de orientais, Como se ppem eles a escutar quando alguem
começa a contar alguma coisa de aventuras noturnas! Nos lá~-
bios de J es.us esta história -parecia ainda mais envolta em mis-
térios.
Com efeito, uma vez a sós, entre quatro parede-s, os discf-
pulos pediram logo ao Mestre:
''Explica-nos a parábola do joio e do tri,go !"
Jesus principiou: "Aquele que semeia a -boa semente são os··
fil.hos do reino, a má semente são os filhos da maldade. O in-
imigo, porém, que a semeia, é o demônio. O tempo da colheita.
é o fim d·o mu-ndo; os ceifadores são os anjos .
..
Como o joio é ajuntado e queimado ao fogo, acontecerá tam~-
bem n-o fim do mundo. O Filho do homem mandará os anjos,
e ·ajuntarão todos os criminosos e violadores da lei e lança-
los-ão na fornalha do fogo. Aí haverá uivos e ranger de den-
tes. Os justos, pelo contrário, hão de resplandecer como sóis,
no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos ip.ara ouvir, ouça !~' 1
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:semear, mas .à sua segunda vinda. Nesse meio termo, os .maus
ficariam sem o r,espetivo c·astigo e -os justos -sem a recom. .
pen:sa, porque para ambos :s:eria o tempo da -provação, o te-m. .
po do crescimento de -cada um. Não se deviam, ·pois, escan·dali-
zar os discípulos, se a maldade se manifestas,se um dia mesmo
·dentro do r,eino de Deus.; havia um antigo inimigo -que p-erse. .
guia o seu Me:stre e semearia a má semente, onde -quer que ele
ia-nça-s·se a :boa. Estes mau-s ·elementos poderiam igualar-s·e aos
·bons e viver tão intimamente unidos- a estes, que as condições
naturais de vida seriam prejudica,das para ambos, se os maus
~ec·ebessem logo o castigo. Isso não devia acontecer. No úl-
rtimo dia -é que ·se verificará a divisão.
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~xplicação :. Os milagres fantásticos que, p. ex., são conta~
dos de Maom·é e representam importante papel no mundo das
legendas árabes, são testemunhos das particularidades cara-
terísticas dos :s:emitas, habitantes do de:serto. -Submetem-se com
m·uita facilidade a uma aparência impr-e.ssion-ante e são empol-
gados nesses momentos pela magia da personalidade.
·O reino de J,esus é fundado e estabelecido sem semelhantes
cenas empolgantes; ninguem, todavia, ousará dizer por isso
·que n.ão tenha extr8.Jordinária pujança.
"O reino dos céu,s é ·semelhante a.o fermento que uma mu-
lher toma e comprime debaixo de três m•edidas de farinha, até
que toda a massa esteja contaminada".
Ao quadro do grão de mostarda Jesus acrescentou o segun-
do. Tais quadros, ·colocados um após outro, são ·para o oriente
como uma repetição da criação do mundo: alegra-se ele com
á mudança dos -quadros, ao passo que nós hoje começamos
logo a cens.urar que as idéias ficam sempre ''as mesmas''.
Pode-se .supor que as p-arábola;s de Jesus não sejam unica-
mente as observações de um homem adulto, ma.s que revelem
1
219
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se ·bem que adormecida. E' capaz de transformar uma grande
quantidade de massa, sem ruido algum, à semelhança das
plantas que crescem silenciosas. E' a força e não o tamanho,
que tudo decide. Muitas vezes observa--se que esta parábola
do fermento, diferenciando-se da do .grã·o de mostarda, frisa
ainda mais a com·pen,etração interior e a transformação do
homem. Esta parábola, que Jesus tirou da vida das mulhe-
res, aponta-nos de modo espeeial tambem ·para aquela ativi-
dade simple·s e oculta que no reino 4e Deus aparece como a
missão própria das mulheres. Pense-se, .p. ·ex., numa mãe cris-
tã e piedosa na roda de seus filhos.
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O reino dos ·céus é semelhante a um tesouro como esses,
mesmo que alguem dê a vida por' ele, não o compra demasia-
damente caro.
"·Com o reino dos c·éus dá-se o mesmo como com o nego-
ciante •que anda à ·procura de boas ,pérolas. Tendo achado uma
pérola muito preciosa, vai, vende tudo que lhe pertence e
negocia com isto aquela pérola'>.
Tambem esta parábola condiz mais com a vida e as possi-
?ilidades orientais do que com as nossas; tudo o que fulge e
cintila, ale·gra, como .a crianças, a estes .homens de um país
banhado do sol. Acontece -que u•m rapaz ,passa meses a fio a
pão e água, sonhando feliz oom este ou aquele anel que vai
comprar com as moe-dazinhas economizadas.
A parábola da rede
Com o reino dos céus dá-se como com uma rede que
se lançou no mar e com que se apanhou uma quanti-
dade de peixes de toda sorte (Mt 13, 47-50).
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A parábola do· Pai de família
Jesus perguntou-lhes: "Tendes compreendido todas
estas coisas?" Disseram-lhe: "Si-m". Continuou Jesus:
''Assim, todo· doutor da lei, que tem sido instru1do pa-
ra o reino dos céus, é semelhante· a um pai de família.
que pode tirar de seu celeiro víveres velhos e novos."
(Mt 13, 51-52).
,passo que ·pouco d•esce jrmto do lago. Daí as tem p·e.stades pró-
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ch·eia projeta tanta claridà.de, que toda a natureza :conserva:
as suas. linhas bem nítidas. Das montanhas ao redor do lago
podem-se avistar, nestas ~oites, as embarcações em perigo e
apreciar a luta -que travam. E' o que se· su·põe ·à segun-da vez
que Jesus acalma a tempestade: ele "viu que o vento lhe.s era.
contrário".
A·s ventanias do ocidente, despencando d-o alto com toda a
violência, não caem tanto nas margens, -mas diretamente no
m,eio ,do lago. O quadro típico é o s-eguinte: nas margens do,
ocidente, ,em Ti,béria.s, a tempestade passa por cima, a grande
altura; as águas, às vezes, apenas ·se agitam de leve. Mais
adiante no lag-o avista-se uma zona de agitadíssima tempes-
tade: as correntes de ar arremes.sam-se muitas vezes em re-·
demoinhos sobre a:s águas. E' -destas zonas que se trata n8Js
duas tempestades -que, -em breve su-ces.são, foram de tanta im-
portância na vida de Jesus.
Na primeira vez os apóstolos naveg ara-m da praia do leste
1
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das ondas transplanta-se pelas vibrações da terra até ao la-
,go. Ouvem-·no os -pescadores e e~claimam: "Ruge a grande
caixa!" - Afirmam -que dentro de vinte e quatro horas aí
.estará a tempestade e não se arriscam ao alto mar. As tor-
:mentas -que assaltam o lago, vindas do cimo do Hermon,
são quasi sempre ac-ompanhadru:J de tensões atmosféricas: re-
lâmpagos no norte as anun·ciam. As tempestades locais, não
:menos perigosas, não são precedidas de semelhantes sinais;
mas costumam desencadear-·se err.t horas determinada-s, ge . .
-~alm·ente entre o meio-dia e a meia noite. Os -pescadores que,
,-como no tempo de. Jesus,. possuem suas -embarcações, não se
afastam das ipraia-s durante estas. horas de perigo. Além disso,
·suas barquinhas são construidas de modo que, se de um lado
:não n.avegavam muito depressa, de outro não viram tão fa-
cilmente. Na descrição da tempestade não -s·e. lê, na bíblia,. como
·talvez esperaríamos, -que as embarcações e-stavam quase a
·virar, mas que já estavam inundadas de água".
A circunstân,cia mais notavel de ambas as travessias, em
.que os discípulos foram surpreendidos pela tempestade, não
consiste, propriam.-ente dita, em desenrolar-s·e uma tempestade
.inteiramente inesperada, mas em lh:es ordenar Jes-us, ambas
as vezes, a se confiarem às -ondas ,em um tempo em qu-e os
pescadores, conforme a .sua exp·eriência, ficariam nas praias .
Uma vez manda-lh•es Jesus, -que, à tardinha, atraves.s-em o
lago para a banda do oriente, travessia essa que os pes-cadores
-costumam fazer s·empre de manhã. Na outra vez lh-es ordena
-que, do oriente, sigam para o ocidente -ainda de n-oite, viagem
que -é feita sempre ·que po-ssiv-el nas =h-oras antes do meio dia.
Na cen.sura que faz aos discípulos, Jesus refere-se a isso.
S e ele -os man-dara ao alto mar num tempo em que não s-eria
1
.224
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O lago está, quanto ao clima, em íntima relação -com, ~ Me-
diterrâneo. A p.rim.eira temp,estade, ·que se conta na vida de
Jesus, coincidiu, com toda a verossimilhança, com este tem--
po; da ·segunda se menciona e,?Cpress.amente qu,e ''a f.esta de
Pás,coa estava próxima".
A teimpestade é serenada
Naquele dia disse-lhes ele ainda ao anoitecer: "Nave-
guemos para o outro lado". Deixaram a multidão de
povo e tomaram-no consigo '.na embarcação; outras- em-
barcações seguiram tambem. Nisso levanta-se grande
tempestade em redemoinho: as ondas entravam na bar-
ca, de modo que ela se enchia sempre mai·s de água (Me
4, 35-41; Mt 8, 23-27; Lc 8, 22-25).
.
a popa e o banco do remador, há sempre tanto lugar que uma
.
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mentados; sabem -que, passado o vento, as ondas f.icam por
·muito tempo agitadas e .perigosas. Por fim notam expressa-
)nente -que não ·só as ondas ·s·e acalmaram, mas ain-da que o
lago se tornou liso como um ;espelho.
Este prodígio empolgava. extraordinariamente a sua alma de
pe,scador.es. Põem-se a olhar para o Me-stre.
Je-sus sorrí-lhes com um misto de bondade e tristeza: "Por
que assim vás desanimais? Ainda não ten,des f.é ?" Uma fé
segundo o desejo de Jesus seria se eles o tivessem deixado dor-
mir, firmemente -persuadidos de que ele bem sabia o que acon-
tecia com eles. _
Os discípulos não podem deixar de comentar -entre si o pro-
dígio. Na Bíblia, o poder sobre as ondas é considerado como
um direito exclusivo da ·soberania de Deus. Nos p-as·s-os da Es-
critura a es·se respeito, eles vão como -q-qe tate~ndo cheios de
admiração e sus·peitando -que o qu·e J es-us fazia só Deus podia
operar. "Quem será este, a quem o ven.to e o mar estão su-
jeitos?"
Jesus em Nazaré
Jesus dirigiu-se a Nazaré, onde crescera; no sábado,
como costumava, foi à sinagoga. Aí ergueu-se para ler.
Deram-lhe o volume do profeta Isaias; ele o desenro-
lou e encontrou a passagem em que está escrito: "O es-
pírito do Senhor ,reio sobre mim! (Lc 4, 16-30; Mt 13,
54-58; Me 6, 1-6).
227
15*
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sua povoação. Mais -que de·pr,essa forma-se acerca do hóspede
estranho uma opinião pública -que todos -devem partilhar. Cada
cidadão está persuadido ,que ele não pertenc,e só à socie-
dade de uma família, mas -que foi incorporado igualmente a
todo o conjunto ·da cidade ,e que, portanto, -se de- um lado
ele se deve acomodar aos outros cidadãos, de outro lado tem
o direito de vigiar sobr,e a vida •e :atos ·de cada cidadão e
de impor-lhe, em ,circun,stân,cia:s dadas, certas exigências em
n•ome de toda a agremiação . E' isto que -é uma "vida natural";
assim a :chamam, -e tanto mais a ,elogiam quanto mais se vai
adotando uma vida "de.snatural".
Esta vida. "natural", todavia, está sujeita à,s leis da "nature-
za humana" e apoia-se no modo de ver mais ·geral do povo. A
_resistên-cia ·da agremiação desperta-se tambem em toda a sua
rij-eza, quando um cidadão propõe idéias mais nobres -que não
corriespond:em aos desejos da maioria.
Não deve ter -sido divers-o o fundo da •ce.na -que se des-enrola
em Nazaré, a cidade de Jesus, quando -ele aí se apres-entou na
sinagoga como Mestre. Algun.s intérpretes su.põ=em -que Jesus
1
228
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cunstantes palavras de exortação. Conforme este costume,
Jesus se terá adiantado. O chefe da sina-goga lhe terá ofere-
cido o volume da Escritura, J esus ,o terá de.senrolado e come-
1
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fechado por tres anos e seis meses e uma grande fome as,..
soluu toda a região; mas. Elias não foi ~andado a nenhu. .
ma delas, e ·sim a uma viuva em Sarepta, na Síria. E mui--
tos leprosos havia em Israel ao tempo do profeta Eliseu ;.
mas nenhum deles foi curado, e sim Naa-man, -o sírio".
Em.quanto- Jesus falava, operou-se na agremiação reunida
uma transformação. Não .se deve perder de vista que, em es-
pírito, os círculos mais influentes já haviam formulado uma
última pro.posta~ se ele de ag=ara -em diante se decidir em fa-
vor de Israel, seja-lhe perdoada a sua ida a Cafarnaum !
Se tivessem acredita~o n-ele, teriam dito: Nós testemunha-
mos que ·ele é iluminado por Deus; •pois que viveu entre nós
como -carpinteiro e portanto não teve tempo nem ensejo de
se inistruir mais p:r:ofun-damente n-a lei. Mas, no ca·so, eles di-
zem: ·Como é -que pode saber mais do ,que nós? Não visitou
escola alguma. Tem ele o poder dos milagres? - isso é coisa
suspeita! Assim de repente! Não é ele o carpinteiro, o filho de
Maria, o irmão - i. -é, parente - ,de Ju-das e Simão, de Tiago
e de José, não vivem as suas irmãs - primas - aquí conos-
co ? O resultado de suas reflexões foi: Ele é um carpinteiro
que não estu,dou, a .parentela, de que se origina, nada tem de
e·special. Como,· pois, acreditarem:os que e·sse Jesus, que há
pouco a.inda aceitava as nossas encom,endas, é o alvo das pre-
dições dos. grançles profetas ?
Se Jesus não era o Messias, então tin-ha incorrido na culpa
de uma blasfêmia, pelo •que ele dizia· de s-i mesl:llo; o castigo
de semelhante delito era o apedrejamento.
Envolvem algo de ,estranho as reuniões de hom-ens em que
as mentes se combatem umas às outras, constrangendo uma
decisão. A .todos com,penetra um misterioso fluido, pelo qual
a atmosfera espiritual nas almas varia rapidame~te, ao mes-
mo tempo ,que de modo oculto e em conjunto. Certas pessoas
torn-am-se -centros ao redor dos -quais toda a tensão gravita: é
bastante um sinal ,da :parte delas, muitas vezes um olhar, um
gesto. Acr~sce que os orientais são muito mais sensiveis do
que nós ·para semelh:antes processos.
Parece que na -sinagoga se está -executando unicamente o
que •de antemão haviam determinado. Cercam J-esus, em.pur-
ram-no para fora, obrigam-no a ir andando pela•s estreitas
ruas até um lugar de on•de o pudessem atirar abaixo. A ex-
pressão "atirar abaixo" emprega-se da qu-eda de uma qual-
.quer elevação, como de cavalo ou. -de um muro, de fç,rma que a
pessoa que cai já não se possa mover. O plano devia ser cer~
230
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ta~ente atirar Jesus de cima de uma pedra: seria o começo
do apedrejamento.
Queriam presenciar um milagre; Jesus condescende e oper~
u~ milagre: ninguem ·pode lançar a mão no "carpinteiro",
que vai passando pelo meio d-eles.
Esta. ocoITência é um. prelúdio para a morte em J eru.salém,
um prelúdio para Jesus e sua mãe, -que, .em todo caso, terá
sido- testemunha dessa e-ena, -embora em geral não pensemos
nela neste tbpico da vida de Jesus . Assim como Nazaré, a pe-
quenina cidade, levantou-se contra Jesus, vendo -que ele não
queria u.sar de seu ,poder em primeira linha para o proveito
material dos concidadãos, assim em Jerusalém todo o ,povo de
Israel se insurgiu contra ele.
Jesus devia morrer, -porque fazia do povo de Israel um con-
ceito mais elevado do que eles alimentavam de si mesmos e
porque lhes queria dar valores maiores do ,que eles desejavam.
Foi declarado traidor ,do seu próprio povo em Jerusalém, as--
sim como os nazar•enos o consideraram traidor d.a ci-dade pa..
terna.
A missão dos apóstolos
'
Aos doze J~sus mandou (que se ausentassem), orde-
nando-lhes: "Não entrareis nos caminhos dos gentios e
não ireis às cidades dos. samaritanos. Ao contrário, ~de
às ovelhas perdidas de Israel. Anunciai em vossas pe-
regrinações que o reino de Deus está próximo. Curai os
enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos e
expulsai os demônios. Gratuitamente tendes recebido,
gratuitamente deveis dar" (Mt 10, 5-14; Me 6, 6-11;
Lc 9, 1-5).
As últimas chuvas já haviam passado sobre o lago, vindas
do ocidente; os. campos •de trigo já ,estavam altos . E' o tempo
do repouso: os ,homens assentam-se ao sol para conversa~,
todo -e-stra1J,-geiro que aparece é um hospede benvindo. R~•..,
unem-se a·o redor dele e, as-s-entados -em ta:petes, ouvem-lhe
as novidades.
Terá coincidido neste tempo a missão dos discíp·ulos; pois,
ao voltarem, já estav·a p·erto a festa da Páscoa. Foi para eles
uma surpresa, quando Jesus os incum,biu um dia de· irem
anunciando pelas ,cidades ;e aldeias a proximidade do reino
dos céus .
.A,s instruções sobre e-stas viagens é -que não deixam de nos
causar estranheza.
Jesus. tinha -em vista os preparativos que um homem, não
de todo indigente, •~ostumava fazer ·para uma •viagem: cuidava
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 231
um homem nessas condições ante.s de tudo do necessário di-
nheiro. Ao passo que em casa muitas v·ezes podiam .saldar as
dívidas com qualquer objeto, nas viagens era costu.me levar
din·heir,o: moedas de ouro, ·prata e bronze. A enumeração mi-
nuciosa tem uma significação -especial. E' ·que não guarda.varo
as :diversas espécies -de dinheiro no mesmo lugar do cinto: as
moedas de bronze deviam tê-las facilmente à mão; as de ouro
e prata -era bom que as ocultas-sem aos olhos cu,bi.çoso-s. Le-
·vava-:se tambem de casa a "-mala" daqu.eles tempos, uma espé-
cie •de ,sa·co ,de couro, presa por uma correia aos ombros. Igual-
mente uma tú11i,ca -era indis.pensavel, ·pois ao ·pôr do sol o fe-
lá veste uma segunda túnica e envolve num pano o pes,coço e
a cabeça para ·precaver-s-e de uma constipação. Por fim cui-
davam do calçado ou da-s sandálias que consistiam apenas em
•Uma ,sola ·presa ao pé por tiras de couro. Não podia faltar
ainda um forte cajado.
A-ssim prepara-se o pale.stinense -para viajar. Jesus, ao en-
viar os apóstolos, propõe várias condições : Deviam sair como
homens que -nada possuia:m: sem dinheiro algum "grande" ou
"pequeno", sem alforge, sem uma s,e.gunda túnica, sem san-
dálias, portanto descalços, e :sem cajado. Ainda mais: não só
deviam pôr-se em viag-em •como mendigos, mas como m-end.igos
portar-se todo o tempo. "Gratuitamente tendes recebido, ,gra-
tuita-mente ,deveis --dar".
Estes mensageiros de Jesus estavam nnma c-erta contradi-
ção -com o-s menisageiros dos deuses e deusas que atravessa-
vam os países dos ·gentios e, vin:dos da Síria, ,chegavam até
ao lago de ·Gen•e:sar.é. Iam eles, •como diziam, "-em. nom-e dos
deuses". Havia, p. ex., um certo Lucinus que s-e dava como
servo da deusa âtargatis e arrecadava sacrifícios para ela.
Saiu como "mendigo" ; mas não .regres.sou ,como tal. P-ermitia
que lhe des:s-em presentes. em honra -da deusa -e es;sas dádivas
foram aumentando. Comprou ou aceitou -de presente um ju-
mento ,para carregá-los.; torn-ou-s-e neces-s-ário um segundo e
•Um terceiro . A tropa ia crescendo, d·e modo -que teve de tomar
um tropeiro. Ao chegar de volta a-o santuário, posauia uma
caravana inteira. Numa ins-crição ele o refere triunfante: "Em
cada vi.a:gem eu ia trazendo ·s-eté sa-co-s cheios!"
·Os apóstolos, entretanto, apesar -da pobreza, eram os em-
baixadores de um grande Senhor. D·eviam, portanto, ac,eitar
a ho~pitalidade oferecida; ·deviam mesmo com;portar-s-e como
homens ·dos quais n,em todos eram dign,os e -que levava,m co-i-
·sas ma.i-s preciosas do que as que outros lh-es poderiam dar.
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"Sempre que entrardes nu·ma cidade ou numa aldeia, pro-
curai um homem ,que seja digno de vós; ficai com ele até.:
prosseguirdes adiante !"
Ao -entrardes numa casa, pronunciai a :saudação: "A paz··
esteja n,esta casa!" Se a casa for digna, a .paz que Ih-e tiver-
des d•esejado descerá sobre ela. Mas, :S·e não fôr digna, a paz··
que lhe tiverdes desejado cairá -sobre vós!,,
E·sses votos de -paz fazem parte do ceremonial por -ocasião.
de en,contros. O desejo da paz é considerado com-o um pre-
sente que "mutuamente s-e oferecem'\ Daí certas cenas que
parecem -estranhas à primeira vista. Se um maometano "d-ese ..
jou a paz" a um transeunte e vem .a saber depois que esse:
homem é um cristão, poderá ir-lhe atrás e exigir dele: "Dá-me
de volta a minha paz !"
"Se não vos receberem e não ouvirem as vos.sas palavras,.
saí
,
dessa casa ou dessa cidade e sacudí a ·poeira de vossos.
pes.
Na v-erdade, eu vos digo: As cidades de Sodoma -e Gomorra.
terão melhor sorte no dia de juizo do que uma tal cidade!"
Os judeus, ao ·regres-sarem da região dos .gentios, sacudiam.
a poeira dos pês.; pois -essas reg.iõe.s eram. consideradas levi--
ticamente imundas. Quem rejeitasse os apóstolos, -seria ex ....
cluido do novo Israel, do reino de Deus.
233~
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podemos fazer ape~as pálida idéia do estupe.~do panorama
-que aí ·se desfrqtava no tempo de Jesus.
Não há, n-es.tas regiões temperadas, o rápido despertar- da
_primavera, •como em -regiões mais frias. As plantas vão acor-
.,dan·do devagarinho; cada uma tem o seu tem;po. A. primeira
flor •primaveril é a cebola albarrana; a flor do asfodelos dos
.grego~ já em novembro mostra os seus primeiros re-bentos;
~depois vêm os crocus; em seguida, os narciso-s, :principalmen-
te uma es.pécie cujo -pecíolo produz, numa .só umbela, muita.~
·.minús~ulas florezinhas. Seguem os gladíolos, pri-m-eiro os bran . .
cos, os de uma só cor, depois os azues claros e arroxeados.
:Por -es·s·e tempo, em fins de janeiro, flore-scem as a-m-endoeiras;
,em f,evereiro e março enflora . .se a família das an·emon-as que,
nessa região, banhada por um sol esplêndido, aparecem varie-
·gadas ao mesmo tempo. Ao lado da cor bran·ca mais comum
·-encontra-se a amarela, a Iilá e a roxa purpurina. Nesse mes-
·mo tempo floresc,e .ainda não só o pé de galo amarelo, mas tam-
·bem um -out:r.o da c-or da pa:poula e das anemonas. Acontece
-assim que, .por un1 bom espaço de tempo, a cor domin-ante das
flore-s é o rox-o tendente ao purpúreo. Ãs bordas -do lago, em
abril, abrem suas flores os aloendros silvestres . e as esplên--
didas rosas vermelhas esbatem-s-e admiravelmente na.s águas.
No tempo que precede a Páscoa, há algun-s dias - rara-
mente se1nanas - em que s-e dá algo de muito -surpreendente.
Parece que todas as plantas porfiam umas com as outras;
tal é a -pujança da natureza -que dá a aparência como se as
quatro estações se fundissem em uma única. Os cam·pos de
cevada p-erto do lago e a-s encostas das montanhas brilham
de ·um. ouro muito vivo e ainda pelo deserto a dentro verdeja
a vegetação silvestre. A sementeira tardia do deserto já vai
germinando. Parece as!sim que a região se e.s-queceu de si mes-
ma e .por um,. momento alimenta-se a .esperança de que assim
se conservara para sempre.
Basta, ·entretanto, que sopre o vento do deserto; as flore~
murcham e caem, as plantas ·dos campos se-ca,m e =enrij-ecem
-e o trigo morre -antes de amadurecer.
Não -se pode deixar de notar aqui ana logias m•uito peculia-
1
:234
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r~cia ter saido de -dentro de si mesmo, reunin·do, como a re-
gião, todas as outras ·estações •do '.ano. Mas -como tudo seca
ao vento do de.serto, tambem, -em dois ·dias, ·desapareceu todo
aquele entusiasmo ao redor de Jes-us. Não o trabalho, é certo,
mas o povo lá ficava .perdido. Por aquele tem·po em que .se
-semeava, Jesus !Predisse, pelas parábolas da vida agrícola, a
sorte do novo reino; agora •que a sem-enteira está sazonan-
do, as parábolas já se vão realizando: na Galiléia é apenas
u:na parte da semente que produz fruto.
235-
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pulos cansados e vexâdos pelo povo, s-entia -agora compaixão
ainda maior dessa multidão: eram como ovelhas s-em pastor.
Assim, pô-s-se Jesus a falar ao povo: falou até parecer es--
quece.r-se de si mesmo e de tudo que o cercava, do lugar em
que estava e da hora que ia p:;tss~nd_o~
O sol descambava n-o ocidente. Os discípulos inquietaram-
s~ e achaxam que deviam eh.amar a atenção do Mestre para as
circunstâncias críticas, em que iam achar-.s.e os ouvintes_. Es-
tavam longe ·de qualquer haJbitação humana. Jesu-s só podia
reunir as turbas •em uma região inculta. Se não fosse a .pro-
ximidade do lago, a falta de água se teria feito notar ainda
antes da falta de alimentos; agora entretanto, até os pãe-s
que alguns haviam trazido em "ce.stos" ou bolsas de palha, se
haviam consumido. Era ,exatamente o tempo de provisões es-
cassas, •e provavelm:ente ·muitos, que sabiam o que lhes era
necessário, não tinh~m -podido levar tanto quanto desejav.am.
Além disso muitos terão pensado que em poucas horas es-
tariam de novo em casa. O "pão" para muitos palestinenses
não é apenas "um" alimento, mas "-o" alimento. Vivem muitas
vezes dias a fio ·só de pão e água, circ.unstân-cia ·es'Sa -qu-e não
1
236 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
$e d~ como homem -de serena reflexão, chega ao resultado:
•-tDuzento.s dinheir-os de pão não bastam para -que cada um
reeeba um ,pedacinho".
Por que assim se -exprime Felipe: duzentos dinheiros de
pão ? A quantidade de .pão para uma :pessoa adulta - o pão
é a .principal c-omida - é o que se -pode obter com um litro
de trigo. Por um -dinheiro comprava-s-e •em geral -cerca de
doze litros de trigo e o dobro de -cevada. Portanto, •por um
dinheiro obtinha-se o pão quotidiano" para doze pessoas, tra-
tando-1se de trigo, -e para 24, -que se contentassem com o pão
de cevada. Pelos 200 din:heiros· de que fala Felipe poder-.se-ia
comprar o pão de um dia para 2400 pessoas adultas ou mes-
mo 4800, alimentando-se de pão de trigo ou cevada. Mas só
homens já aí havia cerca de 5.000 e tratava-s:e de uma refei-
ção em =que só se iria servir pão, que, portanto, devia ser em
maior -quantidade. Observa, pois, o apóstolo e com razão que
200 dinheiros de pão não seriam ,bastante, mormente se pen-
sassem em pão de trigo.
Talve-z os apóstolos já -se tivessem dirigido à~ pes.soas mais
próximas, perg.untando-lh-es, conforme os seus cuidados cor-
riqueiros, o que havia para comer. André, irmão -de Pedro,
indagou de um menino que ti,nha consigo mais do que pre-
cisava estritamente: "Há aqui um menino que tem_ cinco pães
de cevada •e d-ois peixes! Mas que é isto para tantos.?"
Por .peixes, apesar da proximidade do lago, deve-se enten-i
·der ,peixes salgados. Os peixes aí geralmente se conservain
fr,escos por um dia. P,or is.so, em vez de matá-los logo depois
de apanhá-los, costumam ·detê-los presos dentro da água.. P-ei-
xes .salgados são um dos principais alimentos, ao lado do pão,
·para a massa do povo. "Uma refeição sem peixe não é refei. .
ção", diz o .provér-bio. Jesus menciona nomeadamente o peixe
como alimento, logo depois do pão, no dis-curso que fez acer-
ca da oração.
-Cuidavam os apó-stolos ter persuadido o M-estre da dificul-
dade de que em s·eu zelo se havia es-quecido. Jesus, entretanto,
mandou que, para a refeição, dispusessem os ouvintes em gru-
pos de cem e cincoent~. João nota que naquele lugar havia
"muita grama".. Devemos interpretá-lo ,conform,e as possibi-
lidades de uma região de estepe; os orientais falam de "ve-
getação exuberante'', onde nós vemos -menos ,que um matagal.
Os apóstolos já estavam acostumados a apresentar.se como
ministros do Mestre e facilmente executaram as .suas ordens.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 237
As multidões s-e tinham assentado. Os ''·montes", como S'ãO
Lucas os chama, eram s-emelhantes· aos -quadrados de um
terreno re.gado ·por uma rede de canais e caminhos. Gostavam
mesmo de comparar :pessoas -que se as.sentavam numa -certa or-
dem, como os alunos, com os canteiros de um jardim.
O pão era tratado com respeito conforme as -quatro re-gras
.seguintes : não se coloca -carn,e crua sobre o pão, não .se ofe-
rece nunca um vaso cheio por cima de pão, não se atiram
por terra as sobras do ,pão e não se põem os pratos muito
perto ,dos pães. Era prescrito recolher as sobras do ·pão até
pedacinhos do tamanho de uma oliva.
J es.us _observou a ordem de uma refeição judaica: costu-
mavam rezar antes da refeição a benção da comida e ajun-
tavam depois da refeição os restos do pão.
Todos os ,evang:elistas referem: Jesus tomou os ·cinco pães
e os peixes, elevou os olhos ao céu, abençoou, -partiu os pães
em ·pedaços e os foi ·dando aos discí-pulos para distribuí-los -
mais exatamente .para mandá-los "servir"; o quadro é tomado
dos escravos e criados que servem um:a refeição. Com os pei-
xes fez o mesmo.
Realizou-se aquí na vida de Jesus aquele milagre, em que
participaram não só o maior número de testemunhas ocula-
res, mas tambem de favorecidos.
Multiplicava-se o pão n.as mãos de J·esus ou nas mãos dos
apóstolos ou então a -multiplicação começava nas mãos de
Jesus e continuava nas mãos dos apóstolos. Devemos pensar
nesta última -possibilidade. Se a multiplicação se tivesse dado
nas mãos de Jesus só, a distribuição teria demorado algu-
mas horas. 5.000 homens!
Durante a refeição começou-se a contar os grupos: cinco
mil homens, "não se contando as. mulhere·s e as crianças".
Esta observação é típica do oriente, onde em pú-blico ·só se to . .
ma:.m em con-sideração os homens. Os homens, conforme o cos-
tume, ter-se-iam assentado em ·grupos separados das mulhe-
res e -crianças; tamb-em nas proximidades da iluminação, na
festa dos Tabernáculos, ficavam separados. Contar as mulhe-
res e as crianças era coisa supérflua. E' um traço ,que fala
pela realidade de todo o fato.
No fim de uma refeição judaica os _restos eram recolhidos
cuidadosamente. Jesus ordenou aos apóstolos -que o fizessem
tambem aquí. Para recolhê-los tomaram cestos ou sacos de
vime, como os israelitas já no Egito ·costumavam tecer; as
pintura-s antigas mostram as mesmas .formas que ainda hoje
238.
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usam na Palestina. Cinco p~es existiam no começo da ref.ei--•
..ção·; voltam agora com doze ·ce-sto.s cheios de sobras. Fazen---
do . .se um cálculo, um pão havia alimentado mil pessoas- e
no fim cada apóstolo, :que havia distribuido os pães, levava.
consigo -um cesto cheio.
Ouvia-se alí agora uma Ú=nica voz: Este é com efeito o Pro--
f-eta que deve vir ao mundo?
Aproximava-se a Páscoa e com ela as peregrinações; por·
outras semelhantes cenas na história ·mais recente da Pales-·
tina, podemos deduzir o que teria acontecido se Jesus tivess.e.
-dado livre curso ao desenvolvimento dos fato·s. No tem,po em
que -os judeus recem-chegados ·estavam nó auge do triunfo,
tomaram aos ombros o seu ch-ef,e popular e levaram-no pelas
ruas de Jerusalém entre aclamações de júbilo. Com intenções.
semelhantes as testemunhas da multiplicação dos ·pães qui-
~eram "apoderar-se" de Jesus; João sabia o ,que queria dizer·
·c.om esta. expressão.
Jesus esquivou-se a estas cenas, insistindo -que os discípulos:
tomassem logo as barcas -e partis.sem. Em .seguida ele se s-e-
parou das turbas e -subiu para o cimo da mo.ntan-ha.
Com que sentimentos terão olha;do .para Jesus, quando ele
foi desaparece~do no lusco-fusco da tarde. Ter-Ihes-á parecido
como se tiv,es-sem deixado enganar-.se por um "-clarão", uma.
fata mor.gana. Muitos, entretanto, não foram para casa; fica-
ram ali naquele m-es·mo lugar à espera da volta de Jesus. No
começo d-e abril não há dificuldade em pernoitar-se ao relen-.
to jun~o do lago.
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:meçavam luta a.inda mais encarniçada contra ele. O tem-po ur-
_gia: - só restava ,um caminho: revelar os últim,os mistérios
do seu reino e então colocar os ouvintes ante a decisão: o·u
crer ou -abandoná-lo.
Debaixo ,desta impressão, J-esus rezava ao Pai celeste, como
,deve·mos concluir dos acontecimentos do dia seguinte.
A Páscoa era :celebrada sempre na s-eipa:na ·da primeira lua
-cheia da primavera. Poritanto a lua resplandecia clara -e bela no
-c-éu. Nessas noites ·pode-se avistar mais longe do que ao calor
dos dias do verão, em que não há sombras. e em que os refle-
_xos da terra fazem toda a atmosfera agitar-se em vibrações.
Os pe,scadores, que s•e põem ,a remar para o lado do oriente,
.calculam de m-odo a poder voltar às- praias. do ocidente o mais
cedo possivel. Depois ,do meio dia quasi .sempre com-eç.a a so-
_prar -o vento ocid-ental. Nesta situação pode acontecer ter um
·pescador que remar ·do oriente -para o ocidente -quatro horas
_para vencer ,o trajeto que pouco antes, com v,entos favorav-eis,
havia feito em um quarto de hora. Muitas vezes é de todo im-
p-os·sivel navegar.
E' -o -que se -deu -com os discípulos naquela n-oite: ,depois de
se terem afastado quatro ou -cinco -quilômetros da praia, não
havia jeito de prosseguir. Es-sa situação exterior dos apó-
stolos igualava--se ao m·esmo tempo ao seu estado d·e alma .
Pressentiam -estar envolvidos -em grandes acontecim-entof:, mas
,debalde inquiriam de si -próprios aonde iria dar tudo iss-c. Por
-que Jesus os havia mandado tomar a barca? Por que não ti-
nha ido com eles? Sentiam certam-ente tambem: tin•ham feito
,qualquer coisa que não era ,muito direita.
Da montanha Jesus podia v-er - a.o luar - que os. di:s-cí-
·pu.Ios não podiam resistir ao vento. Aí ,pelas tres horas foi ter
com eles, caminhando s-obre as águas como em terra firme. .l\.
visão, à semelhança. de um fantasma, ·parecia querer evitar a
proximidade ·dos vivos. ·0.s discípulos não :supunham nem de
leve que podia ser o ·Mestre, assim como ele vivia. Não admira
que e:sse.s. homens, ,que todos sem exceção estavam vendo a
·aparição, ,prorrompessem em altos brados: "Um fantasma.!"
Só -quando Jesus -se dirigiu a eles e lhes disse: "Não temais!
Sou eu! Coragem!" é que se dissipou o seu medo.
Então Pedro gritou ao Mestre: "Senhor, se sois vós, mandai
1
:240
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r-ém 1 f oram-lh,e ocorrendo toda espécie de pensam·entos: era,
-afinal ,de •conitas, -coisa perigosa o que fazia. O vento agitou-o
bruscamente: agora, - e ele já ia sucumbindo - gritou a
Jesus: "Senhor, salyai-me!"
Pedro levantara as ·mãos para o Mestre: este o sustentou
com firmeza e repre·endeu-o amigavelmente: '~Homem de pou-
ca fé, por que duvidaste?"
Logo que Jesus subiu para a barca, amainou o vento. Os
apó.stolos caem aos ·pés de Jesus, protestando: "Vós ·sois ver--
d-ad.ei.ramente o Filho de Deus!"
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Willam, A vida de Jesus - 16 241
rigiam-se agora de novo .para •O oriente no :seu labutar de· pes-
caria. En·contraram os homens que, no outro lado, estavam
ainda à espera da volta de Jesus e, a seu pedido, os tran,s-por-
1
242 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
mestes :dos pães e vos saciastes. Não cuideis do alimento que
e~ -breve acaba, mas daquele (alimento) que s-e conserva.
até à vida eterna, -que o Filho do homem vo-s dá. Deus, o,
P.ai, deu-lhe testemunho para isso".
Aqueles homens -que ,per.guntavam fazem -con10 .se nada ti-
xes·sem ouvido -e dão a entender que se tornariam asseclas de.:
J.esus, se ele continuasse a revelar-se de modo semelhante ao)
da multiplicação dos p-ães.
"Que temos nós a fazer .para levar a efeito à;s -obras de:
D·eus ?"
·Que pensamento estará escondido como último escopo por
detrás ,destas palavras gerais e de uma feição piedosa? Que~
entendem por -obra-s de Deus" ? Em todo C8.!SO obras que)
.correspondam à sua concepção •dos ''dias do Messias''. O sen--
tido será: que condições impões para recebermos da-quí para
sempre o maravilhoso alim ento que prometes ?
1
Jesus declara--lhes:
"Esta •é a obra de Deus: -que creiais naquele •que ele enviou!"'
1
D.e novo eles têm em vista obter de .Jesus que renove a mul-
1
16* 243
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Jumentos com cangalhas e cestos
,O jumento à direita leva um cesto que lhe toma
todo o lombo. É o que se -chama sporta. Na segunda
multiplicação de pães nota-s·e que ajuntaram 8 sportas
dos restos que sobraram. Em quantidade dev.e ter sido
o mesmo :0u mais ainda do que na primeira multiplica-
ção, porque nesta se fala de 12 cophinoi, 12 cestos co-
·muns. O jumento que está inteiramente à sombra leva
um destes -cestos com a boca para baixo. Os mesmos
-cestos já se podem ver em -quadros egipcíacos aí -p·elo
ano de 1500 a. Cr. No te-se tambem com que nitidez a
luz e as sombras se limitam. A luz é forte de mais para
a vista de quem a fixa.
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16
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"Eu m·esmo .sou o pão -da ·wda·? Quem ·vem a mim, já não
ter~ fome; -quem crê em mim, já não terá sêde. Ma-s convos·co
dá-se o que já tenho dito: Vós bem que ~e tendes visto, ma.a
não tendes acreditado ·em mim!
Todo aquele que meu Pai m-e dá, virá ter -comigo e eu não
hei -de rejeitar aquele ,que vier a _m·mi. Não vim, pois, do céu
para fazer a minha vontade, -mas a vontade -daquele que .me
~viou. Esta é a vontade daquele que me enviou, -que e-u não
deixe que se ·perca nenhum ·daquele-s :que ele me ·deu, mas r~~~
suscite a todos no último dia. Esta é o vontade do Pai: que
todo aquele_ que vir o Filho e crer nele, tenha a vida eterna
e eu o ressuscite no último dia" ..
Compreen,deram os judeus ao menos -que Jesus se recusava
a interpretar tais ·prodígios, como a multiplicação dos pij.es,
como a realização propriamente dita. das profecias mes·siâni..
·cas. Declara, em· vez disso, que todo aquele -que ,crer nele sa-
boreará um ·pão muito mais precioso do que o maná. Este pão
originar-se-á do c-éu inão só aparentemente, mas real e verda-
deiramente, é não só conservará a vida natural, mas será o
alimento daquela vida divina oculta na alma, que nada tem
a perder pela morte.
Os interlocutores declaram.-se ·então abertamente contra a
personalidade de Jesus.
"Esse aí não é Jesus, o filho de José, de quem sabemos
quem é seu pai •e sua mãe? Como é que ele pode dizer: Eu
d•e.scí dos céus!"
Transparece aquí de novo, no mundo, o modo ·popular co-
mo imaginavam a vinda do Messias: ''D·o Messias, não ·se sa-
1
,be donde vem.; de repente ele aí estará!" J,esus não ·pode ser
o Messias, dizem ele:s, ·pois -a sua. ascendência é bem corl'h-ecida
de todos. Jesus lhes observa -que, em -consequência da sua in-
fidelidade, eles -só vêem o exterior do seu ser; que, portantor
sobre sua origem não sabem tanto as:s-im -e-orno cu·idam saber..
Não murmureis- uns c-om -o-s outros! Ninguem pode vir a
mim, s-e o Pai, que me enviou, o não atrair; e um tal eu o
ress-uscitarei no último dia. Nos profetas está es·crito: Todos
serão ensinados por Deus. Todo aquele que ouve o meu Pai
e .se deixa instruir por ele, vem a mim. E' certo que nin·guem
ain-da viu o Pai mesmo, exceto aquele- •que está junto do Pai. Em
verdade, ·em verdade vos digo: -Quem •crê tem a vida eterna"..
Jesus dá um .pão para a alma; a alma vive da comunicaçã-o-
com Deus; a Deu'S nin·guem pode ver, mas ·quem crê no Filho
entra em comunicação com o Filho e, pelo Filho, em comuni-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 245
cação -com o Pai. Eis o pensam·ento que Jesus vai desenvol-
vendo e passa a lhes explicar a idéia principal: "Quem viv·e em
comunicação ·com o Filho está na posse do pão para a alma",.
d-eterminando mais de ,perto o sentido destas palavras e pro-
pondo-se a si mesmo como o pão d-os céus. D!e Jesus os fiéis
recebem mais -que os judeus no maná: ele dá e é um pão que
pres·erva da morte a vida da alma ·e, um dia, dará ao corpo
a vida que lhe é própria.
''Eu mesmo sou o pão da vida! vossos pais comeram. o ma-
ná no deserto e morreram. Este é o pão que desceu do céu,
para que todo aquele que -dele com-er já não tenha que morrer.
Eu mesmo sou ,o pão -que tem a vida em si e desceu dos
céus. Se alguem comer deste -pão viverá eternamente. O pão
que darei -é à minha carne, que entrego pela vida do mundo!"
A estas palavras sobe -de ,ponto a agitação entre os ouvintes:
as fisionomias traíam a oposição.
"Como é que este ,nos poderá dar .a sua carne para comer?"
Jesus confirma que eles o haviam com·preendido direito e
ac.entua ainda uma vez:
"Em verdade, em verdade vos digo : Se não comerdes a car-
ne do Filho ·do ·homem e não beberdes o seu san·gue, não ha-
veis de possuir a vida em vós. Ao contrário, todo aquele qµ,e
comer a minha car1:1e e beber o meu sangue, permanece em
mim e eu permaneço nele. Como o Pai, que tem a vida em si,
me enviou, e como eu vivo pelo Pai, asiJim tamb-em todo aquele
1
·qu~ me comer viv-erá ·por mim. Este é o :pão que desceu dos
céus ·e -que não desceu só da-quele modo como o .pão -que vossos
pais comeram e morreram. Quem come deste pão vive eter-
namente''.
'246
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
por jogos e palavras maliciosas. Eles chamam as próprias pa-
lavras de Je-su,s de ·pão, de um pão já tão ressequido e duro que
não ·se pode comer! "Duro é o discurso! Q~em é capaz de ou-
ví-lo ?"
Jesus indica o erro que cometem, precipitando o julgame11-
to. Ele ainda não lhe-s dissera de que modo a sua carne e o
seu sangue se tornariam o alimento e bebida da alma . Por
enquanto ele só exigia que tives-sem fé em sua promessa; a
f.é em suas palavras receberia mais tarde novos penhores:
Jesus voltaria ao Pai, de quem procedera, e começaria então·
~ sua existência de Homem-Deus, em virtude da qual ele
poderia dar-se à alma como alim.ento.
••Escandalizais-vos por isso? haveis de fazê-lo ainda -quan-
do virdes o Filho do homem -subir para onde ·estava primeiro?
E' o espírito que produz a vida; a -carne em si não é nada. As
palavras que eu vos tenho dito são esp~rito e vida".
"Há entre vós- pessoas que não crêem! Por is.sb eu vos te-
.n-ho dito -que nin.guem v-em a mim a quem não for dado por
meu Pai".
A verdade é sempre verdade. No seu plano, Deus previu
que nem todos a aceitariam.
Muitos discípulos que, até aí, tinham se_guido a Jesus, àban-
donaram-no por causa •destas ·palavras. Entretanto era exata-
mente isso ,que Jesus ,queria que se estabelecesse: a ninguem
devia ser poupada daí em diante uma pos~ção definida e clara
a seu respeito. Mesmo aos seus doze escolhidos Je90s se diri-
giu. Algo de muito peculiar deve ter resplandecido no olhar
e em todo o porte de Jesus, quando fez a esses homens, com
quem em geral falava tão paternahnente, a ás-pera pergunta:
"Tambem vós quereis ir embora?''
Pedro respondeu por todos: "Senhor, para quem iríamos?
T,u tens palavras de vida eterna! T-emos acreditado e sabe-
mos que és o Sa-nto de D-eus!"
Como se ·hã-o de ter aterrorizado, quando Jesus continuou:
HNão vos escolhí eu, os ·doze? um dentre vós é um demônio!"
Peior do que aqueles que tin·ham perdido a fé e abandonado
.a Jesus era aquele que, ·S·em ter fé, ficara com ele: Judas. Na
mesma hora em que na Galiléia se firmou a decisão, o fim se
ia preparando na Judéia.
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O úLTIMO VERÃO NA GALIL8l·A
As instru~ões particulares aos discípulos ( vista geral)
Com a volta dos peregrinos da festa da Páscoa, ,começava
uma nova quadra do ano, o tempo da colheita. Ao som de cân-
ticos, os ceifadores agitavam as foices, cortavam a cevada e
o trigo e os levavam para o terreiro. As uvas começavam a
amadurecer, os -figos. iam amolecendo e já se podia comêilos.
Era necessário
.., ·protegê-los dos ladrões e -de animais. Quem
não dormisse no terreiro para vigiar os montes de trigo, tinha
que ficar de guarda junto às ·vinhas. Ressoavam aí exclai;na-
ções de júbilo: saudavam-se mutuamente com. estrofes e a~ti-
estrofes. Cerca de meio .dia tudo silenciava· -em cons-equência
do calor e mormaço, até -que, ao entardecer, o vento do oci-
dente trazia nova vida. Os panoramas dessas re.giões resse-
quidas assumiam, mais e mais, um colorido cinz-ento e amare ..
lado, quasi esbranquiçado.
D,urante estas. semanas, -como nos "dois silenciosos" meses
do inverno, a vida pública descansa. Assim tambem ,para a
atividade de Jesus, como Mestre, interce-ptava-a um intervalo
forçado todos os anos. Esta vez, porém, foi uma pausa, de-
~ a d a em su-as particularidades tambem ·por outras cir-
cunstâncias.
Considerado do -ponto de vista. de Jesus, o prodígio da mul-
tiplicação dos pães foi uma última tentativa. O povo de Gali-
léia como tal .não era susceptivel de uma concepção mais ele-
vada da missão messiânica; era um fato demonstrado. Por isso,.
daí em diante, Jesus procurava evitar todo ajuntamento maior
das multidões. Ele já não se deteve em um lugar, como até en-
tão em Caf arnaum, por um espaço maior ,de tem:po. Operando
milagres, fugia ainda mais a qualquer aglomeração de povo.
Suas peregrinações seguiram um plano de zigue-zague in-
teiramente imprevisto. Nos meses mais quentes do último ve-
rão que passou na Galiléia, forem empreendidas viagens até
às regiões dos -gentios, travessias, aparente,mente, sem um
fim especial, pelo lago, e outras excursões, entre as quais a
subida ao monte da transfiguração.
Esquivando-se Jesus ao contato das multidões, dedicou-se
ainda mais à in:strução e educação dos seus discípulos. ~~~
tamente as viagens às- regiões dos ·gentios. seriam, neste .·parti-
cular, de suma importância.
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A confissão de são Pedro em Cesaréia de Felipe
Jesus foi andando com os seus discípulos pela região·
de. Cesaréia de Felipe. Depois de ter rezado a sós, per-
guntou-lhes: ''Que dizem os homens que seja o Filho do-
homem?" Responderam eles: "Dizem uns que é João
Batista, outros que é Elias, out-ros ainda que é Jeremias-
ou algum dos profetas". Perguntou-lhes ele:. "E vós-
mesmo o que dizeis que eu sou'!" Pedro resp_ondeu:
1
'Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo" ( Mt 16, 13-20; Me
8, 27-30; Lc 9, 18-21).
Quando Jesus se refugiou nas regiões dos gentios, fozmou-
se ao redor dele uma completa s-olidão: :os fariseus não se
queria·m ex·por ao perigo de contrair alguma impureza leví-
tica, tendo de tratar com gentios, e o povo simples geral-
m-ente não se apartava para muito longe -do torrão natal.
Assim foi que Jesus com -os seus discípulos atravessou os
l.ímites da Palestina., -seguindo para o norte ·desde o lago de
Genesaré pelo vale do Jordão. Os apóstolos, que se ·havia·m
criado junto ao la-go e ocupado com a pescaria, tinham de cer-
to antigamente levado muitas vezes os .seus haveres até à
desembocadura do Jordão, onde as ág,uas -ofereciam mais ali-
mento aos peixes. e convidavam pelo ·seu frescor nos meses do
verão. A1gora caminhavam com o Mestre pelas montanhas e
podiam avistar lá em baixo na planície o rio, ora esgueiran--
do-se por estreitas -gargantas, ora =correndo .por campos .pan-
,ta;nosos .. Na frente deles -erguia-se o Hermon; na maior for-
ça do verão luziam ainda tantas faixas de neve, como tantas
costelas da sua -gigantesca encosta. As águas iam sumindo ·na
terra e •por -canais e furos .subterrâneos iam prorromper ao
sopé das montan-has em grandes fontes -que pareciam brotar
mesmo das entranhas da. terra. Junto de uma das tres maio-
res fontes o tetrarca 'Felipe construira uma cidade e para.
adular o imperador romano, dera-lhe o nome de Cesaréia Phi--
lippi. Já seu pai, Herodes, mandara levantar aí um templo
em honra do deus Pan. Em todas as cercanias o ar ressoava.
·pelo ruido das águas a c:?..irem nas grotas.
Os discípulos, como galileus e antigos negociantes de··
peixes, eram as.saz livres no· contato com gentios, mas não
deixavam, entretanto, de estranhar vivamente a proximidade
d-e templos e -estátuas de divindades :g·entias. Pelas suas ves-
tes e por toda a sua fisionomia podia-se conhecer imediata-
mente que eram israelitas. E sabiam o que se dizia deles?.
''A que, vem essa ,gente aí? Não são ricos, ·pois nem sequer
animais têm para montar! Mas mendigos tambem. n:ão são ... "
De todos os lad6s, detrás das árvores e vin-has, nos centros das
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casas e esquinas, das janelas escuras, abertas nas paredes
amareladas, muitas vistas os vão -observando. Os apóstolos
bem o sabiam, não tendo eles mesmos procedido outrora de
\outro modo.
Um dia Jesus apartou-s.e deles para. rezar. E :permaneceu
muito tem·po em. oração. Os. di~cípulos sentiam--se mais .abando-
nados ainda. Sempre ,que Jesus voltava a eles, ·depois de uma
dessas ausências, parecia-lhes mais estranho do que antes;
misteriosa espe-ctativa apoderava-se deles; que significa. este
.longo rezar do Mestre em terras gentias, longe de Israel?
.Quando Jesus voltou a ,eles, perguntou: "Que dizem os ho-
-mens que é o Filho do homem?"
Muitos haviam experimentado indagar dos discípulos o que
eles ·pensavam do Mestre e lhes haviam comunicado a própria
. .,...
\opm1ao.
N·wn ·ponto todos -estavam de acordo: Jesus não podia ser
um homem comum. Só homens enviados por D·eus é qu-e po--
•diam apresentar-se con1 tanta dignidade e -operar tais prodí-
gios. Mas Jesus pare,cia-lhes pobre demais e por demais man-
so e hur.ailde para poder s-er o Messias. Daí diziam un-s: João
Batista voltou de novo ao mundo! E muitos ·pensavam: Elias
é -que chegou!
Elias é, na Palestina, a figura de santo mais popular: ju-
. .deus, cristãos. e maometanos celebram a ·sua festa. Ao tempo
de Jesus o profeta era celebrado de modo·semelhante ou ainda
com rnaior notoriedade. E' tido como o protetor fiel do povo;
em todas as neces-sidades ele toma. parte saliente; em todas as
tribulações -é ele -que ·procur~ auxiliar. 'rer -ele sido arrebata-
do antes da morte -excita a fantasia a perguntas de toda es-
pécie. O ·p,ovo considerava-o ora viven·do com os patriarcas no
outro mundo, ora mostrando-se na terra aos israelitas, -para
:-salvar -os piedosos -e fiéis e dar saude aos doentes. Oc'Orre até
a imaginação como se ele revelaria aos homens "os misterios
do céu" mais do que era lícito, pelo •qu-e teria sido repreendido
·por Deus. Que havia, pois, de mais natural que uní-lo ao Mes-
sias.? Falara Malaquias da volta de Elias na "plenitude dos
dias'', eX:pressão essa que ,equivalia aos ":dia.s do Messias".
·Elias deveria ser, ,conforme esta opinião, a•quele que prece-
der,ia o Messias como seu arauto, pelo qu·e :são Justino nos
·apresenta~ Trifon falando aos judeus: "Dada a hipótese que
1
r250
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Outrós, entretanto, tinhan1 a Jesus por Jeremias ou um
outro ·profeta.
Daí, os apóstolos responderam a Jesus simplesmente como
sabiam: ~'Uns diz-em que -és João Batista, outros que és Elias
e ainda outros. que és .Jeremias ou algum outro profeta".
Jesus faz uma pausa. Todos .sent•em, olhando para os s:eus
gestos, que agora ia seguir a pergunta que -era o alvo de toda
a conversa:
"E vó·s, -que. dizei~ que eu sou" ?
Aquele que ama -põe-se ainda a olhar, onde outros já se dão
por satisfeit-0s; reflete ·onde a outros tudo parece claro;_ e pro-
cura penetrar 1nais e mais no âmago do ente amado. Havia
1
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O planalto da Judéia
Este quadro, -em suas linhas g-erais e em suas particularidades, dá uma idéia do que é a Pales-
tina, mormente a Judéia. As montanhas são formadas de camadas horizontais, dispostas umas
sobre as outras corno tantos degraus. Esses terraços naturais são completados e aumentados
pelos hom·ens. As chuvas torre-nciais do inverno levam as terras das montanhas para os vales,
·motivo ·pelo qual os altos são descalvados e ermos. No tempo de -Cristo deve ter havido 'aqui •e alí
ainda uns pequenos bosques. Nos terraços mais baixos sem·eam trigo e plantam vinhas. No tempo
de Cristo antes -da proibição do vinho por parte de Maomet, havia na Palestina muito mais vi-
nhas do que agora. Na maioria dos campos em que se trabalha, encontram-s·e figueiras. No
quadro reconhecem-se algumas figueiras lançando so-mbra em .campos lavrados de novo. A fot-o-
grafia foi apanhada em dezembro. Os camponeses tinham começado a lavrar. As figueiras mos-
tram ainda algumas folhas secas no ·meio da copa. Por cima dos campos lavrados distingue·m-
se os terraços antigos, que- .no tempo de Cristo tambem -eram lavrados. A quantidade de árvores
escuras :e arredondadas são oliveiras. Vê-se tambem como a distância entre uma árvore e outra
é sempre -maior quanto mais alto ·estão planta das nos cimos -pedregosos e como as copas vão
diminuindo. Têm a aparência de uma erupção de pele na encosta limpa e -clara. Na frente antigas
moradias: logo à direita uma cúpula arredondada e coberta de barro. No m-eio é teto de uma
casa bem conculcado e liso. Antes das chuvas espalham palha picad ae a comprimem. No ângulo
à direita pode-se ver o buraco por onde a ágtta da chuva escorre para a cisterna. As crianças
inclinam-se -na beira, gritando para baixo. S( numa aldeia há uma reunião, o chef.e sobe a-o te-
lhado ·para falar. "O que vos foi sussurrado ao ouvido, anunciai dos telhados!" Em geral os telha-
-dos pertencem às mulheres. Aí é -que secam as· uvas ·e as alfarrobas, os figos e as folhas de taba-
co, betn como o estrume e os espinhos para acender o fogo. Aí são expostos ao sol os vasos -de bar-
ro recem-amassados. A frase de Marcos: "Eles descobriram o telhado e tendo feito um buraco,
foram deixando cair o leito", torna-se compreensivel. A es-querda perto da -casa levantam-se ga-
lhos de figueiras s·em folhas. A frente de uma dessas casas pode-se ver melhor no quadro
seguinte,
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plo: " O modo de agir de 1'eus não é o da :carne -e -do sangue".
A Deus, o "Rei dos reis", muitas vezes eram contrapostos os
reis de "carne e san·gue", reis humanos. A·s palavras: "Tu és
Pedro, e ·sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" podería-
mos traduzir -segundo o sentido: " Tu és Pedro ,e sobre ti,
1
dem.
Jesus es.clarece, por um n1omento, o quadro do poder das
.eh.aves, em que tambem se fala de decisões no céu e na terra:
Tudo o que ligares na terra, será ligado ,no céu; tudo o que
desli:gares na terra, será desligado no -céu. As palavras '"ligar"
,e "desligar" (dissolver) no sentido do exercício de um. -ofício
ou poder ,espiritual -eram tão -conh-ecidas, que Flávio Jos.é, o
qual se esforça quanto pode por escrever num grego correto,
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a toma do aramaico textualmente ·-e sem nenhuma explicação.
Portanto Pedro recebe o poder de :ser o representante de
Deus na terra. Os dois -quadros, das chaves e do ligar :e des-
ligar, talvez não tenham sido interpretados como duas compa-
'.rações separadas uma da outra; pois, •em vez de "ligar e ,des-
ligar", usava-se tambem das palavras "~b~ir e fechar".
"Ais portas do inferno não prevalecerão!'' Já existe uma
agremiação, a agremiação de Satanaz; das· portas do inf,erno
ele há de investir contra a agremiação divina na teITa; mas
não conseguirá destruí-la.
Já se te1n procurado ex·plicar a conversa de Cesaréia Philip-
pi como uma interpolação posterior. A isto já se opõe o fato
de -que em talvez nenhum outro -passo do evangelho ocorram
tantos aramaismos como neste texto. Só em aramaico poder-
se-ia dizer: "Tu -és Pedro, a pedra'', ,em -grego a palavra pe-
dra ,é do gênero feminino. Aramaico é igualm.ente o torn·eio
"nesta •pedra" no sentido de "em ti, a pedra"; aramaica é a
expressão "carne ·e :sangue" para significar ,o homem, aramai-
co é o quadro das "chaves", "do poder de ligar" e o quadro
das "portas do infem.o".
.254
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solenemente o Messias, para as suas cida,des natais. Nada une . .
tanto como um rnistério :partilhado entre várias pessoas. E ago--
ra estas palavras! Não era a estada entre os gentios -que apre-
sentava ·perigo para Jesus, mas, sim, o deter-se em Israel, e,,
dentro dos limites de Israel, o habitar em Jerusalém era -para
ele muito perigoso. E em Jerusalém não eram os pobres e pe-
queninos, mas os magistrados mais poderosos: -os anciãos, os::
sumos -sacerdotes e escribas, que lhe tramavam contra a vida •.
Para Pedro, ·sombras bem negras envolviam o quadro do fu-
turo poder das chaves. Aconteceria com Jesus. o que se dava
com o-s magnatas do -país que se ausentavam ·e deixavam só-
zinhos os administradore·s e representantes? Ao lado do Mes-
tre, sim, ·seria uma delícia manejar as chaves! Ma-s Jesus.
queria ir para Jerusalém, afim de aí sofrer e morrer! Onde
ficaria o n·ovo reino?
·O -coração ardente arrebatou, ·por um momento,. o pescador·
do lago de Genesaré. Ele, o f.uturo repre.sentante, :bem que ti-
nha o direito de uma pequena observação! Mas pare-eia-lhe·
que essa admoestação a Jesus devia subtrair-.se·= aos olhos dos--
outros. Assim foi que, no seu z-elo, -ele -procurou uma ocasião-
de falar a sós com ,o Mestre. Não di.spondo · ·dé muito tempo,.
foi dando tanto maior ·energia. às palavras:
"De forma alguma, Senhor, te acontecerão e.stas coisas!"
"Longe de ti!" costwnam acrescentar os palestinens•es a
qualquer n-otícia desfavoravel, p. ex., alguem caiu e morreu
- longe de ti semelhante coisa! que tal não te aconteça! Pe-
dro falando com Jesus empregou semelhante expressão.
Já não pensa o apóstolo que, pouco antes, proclamara J·e-
su.s o Filho de Deus vivo!
A•cercam-se logo os demais apóstolos, querendo saber o
que os dois tinham que combinar a só'S. E' de supor-se que
desde o grande momento de Cesaréia olhassem para Pedro com ..
uma ,certa rivalidade. N.a presença de todos Jesus corta ime-
diatamente a conversa e diz a Pedro:
''Afasta-te de mim, Satan.az! E's-me um tentador! Não pen-
sas nas coisas de Deus, mas nas coisas dos homens!"
-Surpresos, os discípulos aí estavam ao redor do Mestre. Uma
faisca daquela ira que lhe era própria aparecera no -s-emb-lante
de Jesus e ·exatamente ao conversar com aquele apóstolo ao-·
qual eles •cuidavam em seu ex;cesso de zelo que o Mestre fa-
vorecia mais do -qu-e aos outros.
Nã-o tardou, porém, a transparecer a bondade interior de-
J esu-s, mitigando a sua s-everidade. Todos eles eram seus discí--
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-pulos bem-amados, tanto P-edro, o precipitado, -como os de-
mais, curiosos como eram. Amavam-no e estavam firmem-ente
decididos a permanecer junto dele. Ele já não devia a~iar o
·momento em que lhes revelaria as tre~as pelas quais condu-
.zia o caminho que, -quer .para ele próprio, quer para todos os
outros, levava as :munificências do Pai.
use alguem me -quiser seguir, renuncie a si mesmo, ton1e
a sua cruz e siga-me!"
Essas palavras assemelhavam-se a um golpe -duro e firme.
No primeiro momento de surpresa parecia-lhes que o Mest1·e
·não os- amava tanto eomo eles o amavam, porque não lhes pro-
·metia o que desejavam, oferecendo-lhes -em vez dis.so coi-
sas maiores, mas -ain-da não compreendidas.
'tiTome a sua cruz e siga-me ... "
Algo de exquisito tinham e.stas palavras. Davam a enten-
-der a condenação para a morte mats ignominiosa! Como é que
o 1'1Iestre podia chegar a um quadro tão triste! Crucifixões de
celerados oeorriam muitas. vezes naqueles tempos agitados-:
·O pobre condenado levava o lenho aos om,bros para o lugar
do suplício. Todo o seu sangue ardente enfervecia-se de hor-
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A tmnsfiguração
Seis dias depois, Jesus tomou a Pedro, João e Tiago e
levou-os .a sós para um moJtte elevado. Enquanto ele re-
zava lá em cima, o seu aspeto transfigurou-se; o seu ros-
to resplandeceu como o sol e as suas vestes emitiram
mna alvura, como nem a neve na terra tem. E eis que
dois homens começaram a falar com ele - Moisés e
Elias - que tinham aparecido com muita glória e fala-
vam com ele sobre a morte que ia ter em Jerusalém
(Me 9, 2-13; Mt 17, 1-13; Lc 9, 28-36).
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Os dis-cipulos, que viviam em tanta familiaridade com o
·Filho de Deus, atiraram-se por terra, ao ouvirem estas pala-
vras: - e:stavam perto do Altíssimo!
E,ntão sentiram que Jesus os tocava. L.eva:ntaram os olhos.
Todo aquele conjunto extraordinário havia desaparecido. Je-
sus aí estava. vestido como qualquer deles.
Os discípulos ardiam em desejos de contar aos companheiros
-lá em baixo a a~iravel transfiguração do Mestre. Mas, des-
cen-do a montanha, Jesus lhes proibiu de contar qualquer coisa
do que havia aconte-cido até -que ele "tivesse ressusci~ado den-
tre os mortos". Ao atravessarem, pois, as. moitas e os mata. .
gais da encosta, os discípulos falavam entre si, indagando o
sentido das palavras "ressuscitar dentre os mortos'', na sua
relação -com o novo reino estabelecido. Confarme o seu pa..
recer, no cimo da montanha tudo ·estava preparado do modo
mais perfeito, para a11unciar o novo reino. Por que Elias não
tinha descido com eles? Dizia-se sempre que ele -precederia o
Messias! Estes pensamentos é ·que os levaram a perguntar ao
Mestre: "Por que -é que dizem os escribas que Elias ainda há
de vir?,,
Jesus retor-quiu: ''Realmente virá Elias e 1·estabelecerá a
ordem. Mas como devem. ser compreendidas as palavras da
Escritura que o Messias há de sofrer muito e há de ser ex-
posto ao ludíhrio? A este respeito eu vos digo: Elias j-á veio.
Mas não o reconheceram, e ó trataram conforme os seus capri-
chos. Do mesmo modo acontecerá ao Filho do homem, -que se-
rá maltratado ·por eles.".
O Elias, destinado à primeira vinda do Mes-sias, foi são João
Batista. Precursor de Je-sus, e'le o foi tambem no sentido de
não ter encontrado entre o •povo quem lhe atendesse, apesar do
seu zelo. De sua. morte podia-se depreender o -que aguardava
o Messias-.
Terminou as.sim a trasfiguração na montan·ha com uma
nova in-dicação à morte i·gnominiosa e dolorosa.
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d.o ele deixou perceber aos discípulos o q~e o co.~ovia inti-
mamente; em dada ocasião, poré:m, a tristeza e a profunda
mágua do amor desprezado prorromperam em palavras e quei-
xas:
"Ai de ti Corozain ! Ai de ti, Betsaida ! Se tivessem ouvido
em Tiro e Sidon os prodígios que se fizeram em ti, já há
muito que, prostrados em saco ·e cinza, teriam feito penitência!
Por iss-o eu vos digo : Tiro e Sidon serão tratadas no dia do
juizo de modo mais toleravel do que tu".
P;ela última vez, Jesus lançava os seus olhares a- essas
.águas de um colorido verde-~zul no meio de ribanceiras res-
sequidas e pelas ·suas margens salpicadas de ·habitações. Ar-
1
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e as oliveiras. Ambas têm a propriedade de penetrar o solo
profundamente com as suas raizes-. Quando eh-uvas torrenciais
destroem os muros dos terraços e revolvem a terra, podem-se
ver as raizes das vinhas que formam um conju11to que ultra-
ipass-a .por vezes a circunferência de dez metros. As vin·has
suportam com relativa facilidade o calor do- verão, ajuntando
o orvalho em suas folhas como em outras tantas con·chas. O
especial brilho da videira, num solo requeimado de um co-
lorido amarelo esc·uro, faz parte das belezas naturais desta
região. E' certo, -entretanto, que a cultura da vinha tem re . .
trocedido notavelmente, se tivermos em vista o grande pro-
gresso alcançado ao tempo de Cristo; a proibição do vinho ._na
lei de Maomé teve -sua repercussão. Da região do Hebron, f er-
tilíssima em vinhas, podemos. faz-er -uma -idéia do que terá sido
a Judéia da antiguidade.
Com força idêntica à da vinha, a oliveira enche o chão de-
baixo de si -com densa rede de raizes. Daí não se poder plan-
tar a ·videira e a oliveira uma perto da outra; a ·seiva se inu-
tilizaria em um subterrâneo combate de raizes.
Ainda hoje a Judéia é uma região de oliveiras. O melhor ter-
reno -é o que corresponde ao proverbio: ''sugar o óleo da pe-
dra". Por isso as povoações da Judéia apres-entam sempre o
mesmo quadro : perto das -casas ou em al,gum vale vêem-s-e os
poucos ,campos de plantaçã_o e as- vinhas ainda existentes; se-
,guem-s-e então as plan·tações de oliveiras. As árvores estão
alinhadas: e quanto mais se vão aproximando dos cimos dos
montes, tanto mais se distanciam umas das -outras e menos se
desenvolvem. A oliveira nunca parece propriamente nova: as
folhas •dos brotos recente.s, cobertos de fino veludo, já são fir-
mes e grossas como as dos ramos já ·plenam-ente desenvolvi-
dos ·e apresentam a mesma côr. As ramag-ens são quase intei-
ramente destituidas de seiva e, .portanto, muito leves: estão
como que a flutuar nos ares, pouco pesando nos galhos finos
·e frageis. As folhas mais viçosas conservam-se em p-é, bri-
lhan(lo na parte inferior ·com um colorido prateado escuro -que
se pode notar de lon·ge à luz forte e ·clara do oriente.
Se compararmos os quadros das parábolas de Jesus com as
paisagens da Judéia, -ocorre-nos com sempre maior instância
a ·pergunta: Por que s~rá qu,e, J.esus, n•es-sas suas parábolas,
nunca menciona a oliveira? -- Não sabería:mos dar uma res--
posta certa; talvez ele não ten·ha mencionado estas árvores,
por não·· serem uma comparação de seus ensinamentos e sim
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br '261
dele mesmo, ao m-es.mo tempo que ·contínua. lembrança daque-
las -horas ·que ele ia passar no Getsêmani, ,debaixo •de oliveiras.
Inteiramente diversa -é a cultura -da terceira espécie de plan. .
tações da Judéia: a figueira. E:Sta plantação prefere os ter-
. renas ·pouco pedregosos, mas não exi-ge muito espaç-o para as
suas raizes e é muito .grata por qualquer cuidado. Presta-se·
assim a figueira perfeitamente para a divisão entre os cam-
pos e as vinhas.
As folhas, muito den.sas, são de um verde -escuro e parecem
·polidas, num estilo forte, encurvando os galhos para o chão.
Estas árvores perdem as folhas: só muito tarde, ao calor
do verão, é que novamente germinam. No planalto da Judéia,
·onde não há tâmaras e uo inverno não se ,en•contra quase
legume algum, os figos são de ,grande importância: quer ten-
ros, ·quer secos, formam um -dos principais alimentos da po-
pulação. roder assentar--se debaixo. de uma figueira, carrega-
din•ha ·de fruto:s e cercada de ramos da videira, era tido no
Velho Testamento como sinal de prosperidade.
Os cuidados que estas tres ·plantações, comparadas entre.
si, exigem do agricultor, são consignadas proverbialmente do
modo ·seguinte: a videira é uma moça; está .sempre a requerer
algum trato; a figueira é u1na camponesa, -que quase sempre
sabe arranjar-.se sozinha; a oliveira é a beduina, que vive no
deserto e de· nada necessita.
Da resistêneia e insensibilidade da oliveira provém que, na
.Escritura, ao ·passo •que a videira e a figueira muitas vezes
.são citadas •conjuntamente, a oliveira nunca é mencionada jun-
to com alguma delas.
Centro da Judéia ,era Jerusalém, a cidade do grande ajun-
tamento de povo e das f esitas de peregrinação. Exercia, no
planalto relativamente pobre da Judéia, a influên-cia de uma
grande cidade de hoje. Ao redor dela uma mistura de vida
camp,estre e citadina: maior diferença entre os ricos e os po-
bres, ,e correspondente variedade nos seu:s gênero.s de vida.
Que as parábolas de Jesus deixam transparecer as parti-
cularidade-s da Judéia, já ficou dito atrás e será frisado ex-
pressamente na ex·plicação de cada parábola.
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A FESTA DOS TABERNACULOS
ANTES DA PAIXÃO
A partida da caravana de peregrinos de Cafaniaum
A festa dos judeus, a saber, a festa dos Tabernáculos,
estava próxima. E os irmãos disseram a Jesus: ''Deixa
esta região e dirige-te para a Judéia, para que tambem
os teus discípulos possam ver os prodígios que fazes. Nin-
guem opera ocultamente e sempre se esfor~a por valer
alguma coisa perante o público. Se tu podes fazer estas
coisas, revela-te então ao mundo inteiro!" E' que os seus
irmãos igualmente não acreditavam nele (Jo 7, 2-9).
Enquanto J·esus ainda .se detinha em ·C-afarnaum na casa
de Pedro, foi chegando o tempo da partida do:s peregrinos para
a festa dos Tabernáculos. De modo semel•hante, como os pere-
grinos maometanos partem festivamente para Meca, obede-
cendo a um ceremonial todo próprio, a despedida dos peregri-
nos de qualquer -ponto de reunião revestia-se, então, de uma
solenidade em -que todos tomavam parte.
Os israelitas do planalto da Galiléia des:ciam ao lago e re-
uniam-se nas cidades e ·povoações de suas margens. Assim,
-ocorreu que vários parente.s. do divino Mestre - os parentes
mais próximos são chamados "irmãou na Fales.tina - foram
a ·Cafarnaum à procura de Jesus, a glória. de sua estirpe, na
casa de Pedro. Sabiam com-o a popularidade e a influência de
Jesus estava diminuindo. Ivias que importava que os galileus
se apartassem dele, se as pessoas de maior influência no p-ovo
em Jeru.salém se declarassem em seu favor! Não parecia uma
loucura estar aí na desprezível ;Galiléia -e tratar -com pescado-
res, camponeses e mercenários? Parecia-lhes que Jesus era
por demais tímido e acanhado, não sabendo revelar as suas
forças e habilidades ~nde convinha! Correspondia bem ao cos-
tume ·do país -pensarem eles, num caso como -esse, que os. pa--
rentes devessem ajudar e impulsionar um pouco. Por isso ou-
saram dar a J-esus um bom c.onselh-o com muitas palavras
como parentes sóem proceder em circunstâncias análogas:
"Deixa esta região e dirige-te a Jerusalém, para que tam-
·bem teus discípulos. vejam as obras que tu fazes. Ninguem
opera ocultamente, mas se esforça por valer alguma -coisa
perante o público. Se podes fazer- estas coisas, revela-te então
ao mundo inteiro!"
Jesus tinha com efeito em mente aproximar""se de Jerusalém
à frente de multidões de peregrinos para aí receber solene-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 263
mente as .saudações do povo. Esta solene entrada em Jerusa-
"lém iria apressar a sua morte: ·por isso, não poderia ser antes
daquele momento determinado por seu Pai ·para a sua morte.
E' o que Jesus indica aos parentes na resposta q-ue lhes. deu:
"O momento oportuno para mim ainda não chegou! Para
vós, entretanto, ,é sempre hora! Pois que a vós o mundo não
pode odiar; a mim, porém, ode-ia, porque eu dou testemunho
contra ele, ,que as .suas obras são más. Podeis, pois, peregri-
nar para a festa; eu, :porém, desta vez não vou junto, po;rque
para mim o tempo ainda não chegou!"
Oom estas ·palavras Jesus recusou-se a tomar parte na ca-
~avana. Nada mais ele deixa entrever acerca de seus planos.
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As plantas do verão, que se protegem a si próprias contra.
os raios ardentes do sol com um manto capilar -ou com um es-
cudo de folhas brilhantes, rijas e espinhosas: espécies de hor-
telã e cardos e toda espécie de espinhos, j~ estão inteira-
mente secas e mortas. O solo, onde -quer que os pés do homem.
ou as ·patas -dos. animais o calcaram, transformou-se num pó
tão fino .como o trigo moido; e a poeira é tão leve que fa-cil--
mente se levanta em nuvens e se conserva nos ares por cima
dos caminhos; agarra-se à peJie e a resseca, p-enetra .a roupa.
e entra p-or todas as. casas a dentro. ·Os leitos dos riachos que,
no começo do ano e ainda no -princípio do verão, serviam boa
-quantidade d'água, aparecem agora inteiramente secos ·entre·
-galhos sem folhas e espinheiros.
Nas cisternas toca-se o fundo quando se qu,er haurir um
pouco de água e os baldes saem cheios de toda sorte de cisco.
co. E, entretanto, ainda podem estar contentes quando ,podem
obter alguma água, por pouco que seja, e, em grandes vasi-
lhas, refrescá-la. e torná-la mai.s ou menos ·potavel.
O deserto parece t·er devorado a terra; só os marcos limí. .
trofes e os montes de pedregulho mostram onde há algum ter-
ren-o de plantio. Debaixo de uin céu clareado por luz cintilantei
a região estende-se em vários matizes brancos e amarelados,,
como uma paisagen1 que nunca. env-erdece n·em .pode enverdecer ..
Logo, porém, que começam as chuvas do outono, a terra
vai reviven·do: ,de .todas as .gretas vão saindo novos rebentos
e de dia em dia a face da terra se vai mudando. E' idêntico
fenômeno ao que se nota em lugares frios, depois do rigor
do inverno.
O que cada um sente, nestes dias, equivale à sensação geral
de todo o ·povo durante os oito dias de festa dos Taberná~-
culos. Aparecem diante do Senhor, para agradecer-lhe, cheios
de alegria, os dons e frutos do ano decorrido e ao mesmo tem:--
po para suplicar que ele, no próximo ano, refrigere esta. terra
quas,e deserta com as chuvas do c-éu -e a ressuscite a no-va vida
pelas torrentes de água das nuvens.
Nesta festa não se morava nos aposentos estreitos~ mas em
tendas arejadas, como era costume construir nas vinhas e nos
telhados chatos. Em cima de .esteios, algumas traves·, que sus·..
tentavam ·galhos de··-árvores. Jesus com os seus discipulos, de-
pois de terem -chegado ao meio da festa, naturalmente mora-
va tambem em semelhantes tendas. Lugar muito próprio para
levantar estes tabernáculos ou tendas era o jardim das Oli-
veiras, fora da cidade, pois que -debaixo das oliveiras o chão
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n-wi-ca era enlam.eado. Não é, pois, impossiv·el que Jesus, du-
rante ·esses dia.s, já se tenha detido n·o jardim de Getsêmani.
Só os .homens eram obrigados a morar em tabernáculos, de-
vendo aí mesmo dormir e c-omer. Em resumo, a regra era: du-
rante todos os sete dias o homem deve considerar o ta'.ber-
náculo a sua casa propriamente dita, e a casa apenas um lu-
gar para passar algwis minutos. Para patenteá-lo ·exterior-
mente, tomavam consigo toda sorte de "-objetos de valor" e
ornavam o tabernáculo com romãs, uvas e guirlandas. Conta-
se do rabino Gamaliel (80 dep. Cr.): Quando lhe apresenta-
ram duas tâmaras e um vaso com água, ele n1andou: Levai-os
. ao tabernáculo, lá em cima! 'Tão escrupulo-samente. ele obs-er-
va va -o preceito de com-er no tabernáculo. A moradia nesses
tabernáculos era considerada como um si.nal de agradecimen . .
to pelos ,benefícios de D eus, durante a travessia pelo desertq_,
1
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o grande altar do holocausto, onde o su-mo sacerdote despe-
java a água em uma concha, enquanto os sacerdotes entoavam
o -versículo do salmo: Com -ale-grias haveis de haurir as águas
de salvaçã-o ! O -s0-m das trombetas e.spalhava-s-e por .sobre a
multidão que se prostrava por terra.
Por s·ete vezes os sacerdotes camin-havam. em torno do al-
tar, tendo na mão direita o ramalhete festivo-, formado de pe-
-queno galho de cidreira chamado E-throg, uma palma, dois
galhos de vime e tres de mirto. As referên-cias a ·este resp-eito,
em 14,lávio José -e nos rabinos, são inteiramente idênticas. O
uso das palmas, como tambem a cena da •entrada triunfal de
Jesus demonstram -que antigamente havia, ao redor de Je-
rusalém, maior quantidade -de palmas do -que hoje. Numa ex-
pressão moderna, o ramal-h,ete era o "distintivo da festa". Com
o ramalhete nas mãos tomavam parte nos ofícios divinos, re-
zavam e andavam pelas ruas. Com ele, Jesus e seus discípu-
los apareceram no templo.
Quando os. sacerdotes, -cantan-do o salmo 128, chegavam ao
versículo: "Ho-sana ! O' Senhor, auxiliai-nos! O' Senhor, dai-
nos ·bom êxito!", agitavam os ramalhetes. Com eles todo o
pov·o reunido pe-dia a benção de Deus, elevando-os ao céu de
verão ainda inteiramente sem nuvens.
Não era sem motivo o provérbio: Quem não viu o júbilo
no dia de haurir a água ( o júbilo ·por -ocasião da f e-sta dos Ta-
bernãculos no te.mplo), ainda não sabe o que é regozijo! Ne-
nhuma outra festa proporcionava tanta animação. Era bas-
tante que :Surgisse a.í um homem que, ,com palavras eloquen-
tes, agitasse o povo contra os inimigos do país, os romanos,
para que imediatamente explodisse a revolução. Daí c·ompre-
ende--se que os parentes de J.esus Ih-e propusessem exatamente
esta. festa -para a sua revelação em J erusa-lém.
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apreensão trazia todos suspensos: Como terminaria a ·luta
dos escribas e fariseus contra Jesus de Nazaré? Com. medo
dos chefes de partido, só falavam de Jesus em pequenos ·gru-
pos de pessoas ·conh·ecidas e em voz baixa, olhando cuidado-
samente ao redor, para ver se acaso alguem se .achava alí por
·perto. Algun.s ·haviam cedido à influência da agitação contra
ele; e enquanto· uns diziam: "Ele te-m boas intenções!", de-
clarava-1n outros com a maior firmeza: "Nada disso! Ele é um
agitador das multidões!"··
Uma coisa jamais suportará um filho .que ama o seu pai:
que o chamem de filho adotivo e não verdadeiro desse pai!
Todo o seu interior revolta-se contra semelhante suposição.
Esse filho não tolerará nenhum título que lhe possam dar
com a ·condiçã9 de renun-ciar a ser tido como verdadeiro fiI,ho
de seu pai.
Era a situação em que Jesus se a-chava em fac-e dos judeus.
Reconhecê-lo-lam, se se desse por satisfeito com o título de
"Messias", como eles o com·preendiam.
~ particular significação desta festa dos Tabernáculos con-
siste, pois, nisso: Jesus declara de modo apodítico aos seus
adversários, que ele, sendo o ver-dadeiro Filho die Deus, nunca
renunciará a este seu primeiro título, o título de "Filho de
Deus".
A metade da semana festiva já tinha passado. Eis que apa-
rece no templo aquele homem d·o qual todos falavam só a
meia-voz com medo dos magnatas! As 1.urbas, mesmo forà das
horas das solenidades prescritas, detinham-se n·os .gtra11des
átrios do templo e nas ·galerias que o cercavam. Havia aí sem-
pre alguma coisa para se ve;r e ouvir. Os grandes -doutores da
lei, as celebridades como Hilel e Chamai, assentavam-se nes-
sas ·galerias -em almofadas para ensinar: tod-o o mundo podia
ouví. .Ios, ou assentando-se no chão com as pernas cruzadas
·ou em pé atrás deles. -Com alegre animação falavam un.s com
os outros, perguntavam o nome dos rabinos e ouviam os seus
ensinamentos.
:Quando Jesus, o -p-erse.guido, penetrou no átrio do templo,
.começou tambem a ensinar como os outros rabinos. Era a pri-
meira v.ez que ele aí ensinava. Como uma fagulha es·palh·ou-se
a notícia por toda a imensa praça: até os fariseus e e.scrfbas
bem depressa. se reuniram em redor dele.
Lá estava, pois, Jesus diante dos seus ouvintes e ensinava
como -um doutor da lei. Por ~nos a fio, deviam a-prender, para
poder ler os trechos com a devida acentuação, e para então
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assimilar as explicações dos rabinos mais célebres; não era
bastante uma e-scola; tornava-se necessário o exercí-c.io; uma
pessoa pouco exercitada traía..se à primeira frase que lia.
Jesus, entretanto, lia a Escritura .sem se enga11ar e sem parar.
Toda-via, não era uma arrogância entrar assim em público ao
lado de homens .que se haviam ocupado dia e n-oite com a in-
vestigação da lei? Não tardaram os murmúrios: "Como é que
este· entende a Escritura, não tendo aprendido?''
Jesus, interrompendo os seus ensinamentos, res.pon-de a esta
observação : " A doutrina que eu .proponho não ·é minha, mas
daquele que me enviou. Todo aquele que está pronto a fazer
a vontade dele, conhec-erá se esta doutrina vem de Deus. ou
se eu falo de mim mesmo. Quem. fala de si mesmo, procura a
sua .própria .glória. Mas quem procura a glória •daquele que o
mandou, fala a verdade s·em cometer culpa alguma".
Todos deviam apontar para um Mestre do qual tin-ham re-
cebido a sua ciência. Sim! Jesus o pode fazer, a s.ua doutrina
,é a mais sublime, p·orque ele a recebeu de quem está acima de
todos os outros, de seu Pai do céu. Ele não profere nada de
novo, para :granjear para -si um nome céleb~~' mas transmite
apenas o ,que ele mesmo recebeu de ,sieu Pai no céu. Não -é
necessário ter-se um conhecimento das opiniões de todas as
escolas, para -poder julgar acerca da verdade de suas palavras
- basta para isso a boa vontade. E era exatamente o ,que fal-
tava nos .seus adversários.
Só as.sim é que podiam chegar ao ponto de proclamar des--
prezador da lei alguem que era fiel ao espírito da lei e- que a
estampava em sua vida.
"Não foi Moisés que vos deu a. lei? Mas nenhum dentre vós
ob·serva a lei! Como podeis, portanto, apelar para ela para ma-
tar-me?"
Entre a mtJ,ltidão -que .se reunia em torno de Jesus, havia
pessoas de várias regiõe.s. Perto dele estavam alguns que ainda
não sabiam que os faris·eus tinham determinado a sua morte;
,como é natural, estes estran-geiros intro-metem-se na -conversa
sem nenhuma preocupa_ção.
"U:m es.pírito maligno está em ti! Quem é que -procura :ma-
tar-te?"
Procuram acalmá-lo: sofres de mania de perseguição! Nin-
gu-em te fará nada de mal.
Jesus dirige ·a sua resposta àqueles que alí. estavam e sa-
biam .que se tramava contra a sua vida e ,conheciam o pretexto
que apresentavam para 'isso: acusam-no de violar o sábado,
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 269
porque ele, no dia do descanso, curara o homem que estava
doente havia trinta e oito anos.
"Por uma obra .bem determinada que ;eu _fiz estais tão in--
dignad-os ! Moisés vos prescreveu a circ-uncisão - ela não se
origina dele mesmo, mas dos patriarcas - ·e vós circuncidais
um ·homem no sábado. Se um hom·em, para ·que não ·se trans•
grida a lei de Moisés, pode receber a circuncisão, por qúe es-
tais tã-o indignados -contra mi:m, se eu, n-o sá-bado, faço- um
homem recuperar a saúde em todo o corpo? Não julgueis pe--
las aparências, mas segundo a justiça!"
Mesn10 -os doutores da lei opinavam que era lícito violar cer-
to$ preceitos -da lei por causa de outr.as prescrições. Por ex ..,
circuncidavam os m-eninos. no sábado. Em comparação di.sso, a
cura operada por Jesus envolvia ainda muito menos trabalho.
Um :grupo especial entre os ouvintes de Je.sus ·era forma . .
do por habitantes de J.erusalém. S~biam estes -que a morte
de Jesus era coisa. decidida; mas não compreendem mais na-
da. Como era isso possivel? Eis que aí surge no templo como
doutor da lei aquele mesmo Jesus que queriam matar? Im-
pos-sivel ! Não era neces.sário ter estudado muito para e-hegar a
uma conclusão! "Deste sabemos donde é; ,mas quando o Mes-
sias .s e revela,r, ningu-em saberá donde ele é".
1
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Co.m efeito, ele ensinava de um modo inteiramente novoc.
Os doutores da lei, ·em geral, liam a Escritura, palavra. por·
palavra e, apresentando-as aos ouvintes, com·eçavam os se.us
ensinamentos: tal e tal rabino opinava deste e daquele modo.
A,ssim e assim é, pois, a realidade.
Jesus, ao contrário, apoiava-se em Deus n,o céu, de quem
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https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 271...
Jesus, a fonte de vida
No último dia, no dia da principal solenidade, Jesus
apresentou-se e exclamou: "Quem tem sêde, venha a
nlim e beba! Quem crê em mim, de seu interior sairão,
como diz a Escritura, torrentes de água viva!º (Jo 7,
37-52).
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A multidão desses ouvintes divide-se entre si. Dizem uns:
"Este é realmente o profeta!" - "O profeta" seria aquele
que anunciaria a proximidade do Messias. Outros, talvez aque-
les que, vindo de longe, ainda n·ão estavam tão amedronta-
dos, declaram: "Ele é o próprio Messias!" Mas tambe-m estes
1
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Vós Julgais de um .modo humano; eu, ao contrário, não julgo
coisa alguma . -Se eu, entretanto, julgar um.a vez, o meu julga-
mento é válido, ·porque eu não estou sózinho, mas comig,o está
o meu Pai que me enviou. Na vossa lei está determina.do a
este respeito que um testemun-ho de duas testemunhas é vá-
lido. Eu mesmo sou um dos que dão testemunho a meu res-
peito e o Pai que me -enviou tambem testemun-ha acerca de
mim".
·O -que ele diz sobre a lei está direito, pen.sam os judeus,.
mas a segun•da testemu;nha não se encontra em parte algu-
ma. Não sem e!scárneo ele.s ,perguntam-lhe:
uonde está, pois, teu P-ai ?"
s·ó com os olhos da fé pode-se ver em Jesuf? m~smo o seu
Pai; mas falta-lh•e.s a fé em Jesus, daí na realidade eles não
o conhecem nem a ·ele n·em ao Pai.
Desta vez a luta terminou sem nenhum motim. Talvez fos•
se o .Jugar -que o impedisse, pois Jes·us. ,proferira ,estas pa-
lavras na casa do tesouro ou numa •galeria c,ontígua.
18*
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 275
Um cego no caminho
,Dia a dia aí está ele assentado ·num degrau. Os
mendigos têm seu posto certo. A•ssim é que deve ter
sido a vida do cego de nascença até a-o dia em que Jesus
o curou.
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Semelhante contenda, que terminou num combate -decisivo~
originou-se na festa dos Tabernáculos -entre Je·sus e os fari-
seus.
"Abraão - nosso pai Abraão - filhos -de Abraão - povo
de Abraão!" Estas palavras ~empre de novo· ·ocorriam nos·
discursos dos faris-eus. Deu~ prometera a Abraão fazê-lo pai
de um 1grande .povo e abençoar por -ele a todos os povos. Or-
gulhavam-se nesta promessa, já não pensando propriamente
no Deus -que tudo Ih,e.s dava, mas em si mesmos .que, como des-
cendentes de A.Jbraão, :podiam •como que ·exigir dele que a cum-
prisse. Chegavam até à opinião, como diz são Justino, de q~e
Deus não :podia sequer repudiar um descendente d.e Abraão..
Começam como que casualmente. ·Je.sus declara-lhes ·qu·e o
tempo do arrependimento e conversão j-á estava quase a ter-
minar. Se não aceitassem o verdadeiro Messias, de nada lhes
adiantaria crer num falso Messias. "Eu me aparto de vÓ's;
então me haveis de procurar! Mas h-avei,s de morrer nos vo.s-
sos. _pecados! Para onde eu vou, não me podeis seguir!"
Dizem entre si: "Acaso ele quer tirar a si mesmo a vida,
dizendo: Para onde eu vou, vós não me podeis se.guir?"
Forçosamente devia tratar-se de uma morte em pecado, de
um suicídio; pois, para o céu, eles, os eleitos, por certo o po-
deriam seguir!
Je sus retorque-1,hes abertamente: dá-se exatamente o con-
1
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Muitos nW1ca compreenderam a idéia diretriz de sua volta ao
Pai do céu, ou a perderam de vista. Outros, porém, crêem ne--
le ·quando ele lhes fala em tom profético de sua morte.
Dirige-s·e Jesus aos de boa v-ontade -e promete--lhes: "Se per-
manecerdes na minha doutrina, sereis .realmente meus discí-
pulos. Haveis então de reconhecer a verd·a,de 'e a verdade vos
há de ,Jibertar !"
Os adversários novamente se agitam. O que lhes falava Je-
sus, como se ·eles houvessem sido escravos, escravos da idola-
tria? Não possuíam eles acaso a verdadeira fé? A·caso entre
eles, como entre os gregos e romanos, adoravam-se ídolos?
"Nós somos descendentes de Abraão, nunca fomos escra-
vos! ·Como -é que podes dizer : Haveis de ,conseguir a liber-
dade?"
J·.esus retorque-lhes às palavras, como outras tantas setas:
"Em verdade, eu vos digo: todo aquele que comete um pe-
cado é um escra.vo do pe-cado. Mas o escravo não fica para
s-empre em. casa; só o filho é que :aí fica •para ,sempre.. Mas,
se o Filho vos dá a liberdade, s-ereis realmente livres,!"
O nome de A:braão, que eles pronu,nciam, as-semelha-se à ex-
plosão da raiva acumulada. Jesus objeta:
"Eu bem sei que sois -des·cendentes de Abraão. Entretanto
vós vos estais esforçando por matar-me, por.que a minha pa-
lavra não é recebida no vosso interior. O qu.e -eu vi ao lado de
meu Pai, eu :anun,cio. Vós, pelo contrário, :fazeis o -que tendes
ouvido do vosso pai".
Na excitação, -em ,que estavam, não compreenderam a mis-
teriosa distinção: - Jesus tem um Pai, que pode ver e ouvir;
eles, porém, têm um pai, ·que apenas podem ouvir. Sobreexci-
tados, dizem consigo mesmo : Que e.stá ele aí a falar de um
Pai além de Abraão ? E eles se obstinam em afirmar:
"Nosso ·pai -é Afbraão !"
Jesus . responde:
"Se sois filhos de Abraão, ·então fazei tambem as obras de
Abraão! ~gora, ·porém., pr,ocurais matar-me a -mim que só vos
anuncio ·-a verdade, -que recebi de meu Pai; tal -coisa Abraão
não fez! Vós estais a pôr em prática as obras de v-osso pai!"
.Jesus -ainda n-ão ,cita o ·nom•e do "pai deles". Estão excita-
.dos: Quererá ele a-caso afirmar que eles não servem ao Deus
verdadeiro?
''Nós não -somos filhos . da infid-elidade·! ·oeus é nosso único
Pai!"
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Conforme uma tradição; -os sacerdotes, .durante a ·caminha-
da!;· para o· portal da água, exclamavam: "Javé é nosso pai;
-para Javé nosso:s:· -olh-os estão dirigidos!'' A resposta dos. ju;..
deus adapta-.se ·evident.emente a ·esta eX:clamação: é ba.stante
.su.b.stituir-se a palavra Jav-é, ,qu-e não podia ser pronunciada.,
p_or.- Deus. Jesus cita e:x:pressamente a frase,. ao responder-lhes:
"Se D,eus fosse vo.s-so Pai, ·haveríeis de -dedicar-me· amor;
pois: :eu procedo de Deus e dele venho. Não venho eu, pois,
do que ·me é próprio, mas ele foi ,que me enviou! Por .que não
1
penetrais naquilo que vos· anuncio? Por ,que não podeis supor-
tar as minbas palavras? Tendes o demôni<;> por pai e esfor-
çais-vos por cumpr~r os desejo~ do vos~o -pai. Assassino tem
_sido ele desde o começo -:- ao assassínio ele vos instiga! - e
:ele não ·subsistiu na verdad·e, porque a verdade não e-stá com
ele:; sempr~ qu-e ele mente, reveJa..·s~ a si mesmo, porque é um
mentiroso e o pai da mentira. A mim, entretanto, não acredi-
tais, por.que -eu_ vos ensin-o a ve!'dade". '
Instando seriam-ente, Jesus ,os convida ainda uma vez a li-
vr~r-se do sedutor. Eles, porém, interpretavam as .palavras
como ofensas pessoais. A sua raiva explodia em exclamações
-~ ,gestos de indignação. Terá sido contra -estas observações
que Jesus se -dirige, continuando -a. falar:
"Quem ·de vós pode convenc·er-me de ·um -p~cado? E .se v-os
anuncio a v-erdade, por que então não m•e acreditais? Quem
1
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"Eu não sou possesso .de um espírito maligno; eu -apenas
defendo a honra de meu Pai, en.quanto vós me deshonrais.
Mas eu não procuro a minha .própria honra; há alguem que
vigia a meu respeito e julga".
Ainda uma vez ele os quer atrair com a prom,essa da vida
eterna; volta, p.ois, aos primeiros pensamentos que haviam
dado ·ensejo a toda a .. -questão.
"Em verdad-e, em verdade eu vos digo: Quem segue a
minha palavra, eternamente não há de ver -a morte''.
Pen·sam poder vencê-lo desta vez:
"A·gora é claro que estás possesso de um espírito ma-
ligno! A·braão morreu e tambem os profe tas, e tu dizes: Quem
atende à minha palavra, eternamente não experimentará a
morte. Acaso -estás acima do nosso ,pai Abraão, que teve de
morrer? E os profetas tam-bem morreram. ·Que fazes de ti
mesmo?"
Com a comparação entre Jesus e Abraão, entre a sua vida
e a vida de A1braão, eles tocaram o â~ago do coração de Jesus.
Desculpando-se de ante-mão, antes -do que iria dizer, J.esus os
adverte:
"Se eu mesmo me gloriasse, a min·ha ·glória não teria va-
lor. Mas meu pai é que me ·glorifica, o m•esmo Pai que cha-
mai$ de vosso Qeus; mas v.ós. -o não con·hec-eis de todo, ao
,passo qu-e eu o conheço! Se eu afirmasse que não o -conheço,
..
seria um mentiroso como vós. Mas eu .o conh·eço e atendo às
suas palavras".
Jesus -começa de novo; eles prestam a maior atenção.
"Abraão, vosso ·pai, exultou para poder ver o m·eu dia; ele
o viu realmente- e aleg.rou-se".
Em. tom de caçoada ·eles objetam:
"Ainda não ten·s cincoenta anos e pretendes ter visto
Abraão.!"
Falam-lhe de um modo ,como se ele prõ-prio, com as suas
palavras, s·e tivesse aniquila-do.
Ergue-se então Jesus. Parece opera~--se nele uma transfor-
mação, uma revelação do seu interior. Ele fala ·com soleni-
dade:
"Em verdade, ~m verdade eu vos digo: Antes qu;e Abraão
existisse, eu existo"~
Declara-se Jesus como s,endo eterno e participante da na . .
turez·a
.. divina !
Deve-se ·o:u _crer nele- -ou tratá-lo ,como uni blasfemador! -
No páteo interior do templo havia muitas pedra·s, pois _qu,~
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nunca cess:avam as construções aqui e ali. Cheios -de indigna-·
ção, eles :se curvam •para apanhá-las. J.esus, porém, evade-se-.---
a hora da sua morte ainda não havia chegado, embora os as-
sassinos já estivessem prontos.
Ao lermos este discurso, parece-nos longo e cheio de repeti--·
ções. Na realidade, as frases e respostas vão se seguindo umas,
às ~outra:s ·rapidamente, 'entrelaçando-se .-como rodas -dentadas
e tocando-s,e .para diante - as frases eram tantos ímpetos,
pron-unciadas em voz alta e com forte acentuação. Exterior-
m·ente Jesus se mostrou arrebatado pela troca de palavras, de-·
fen-dendo-·se de cada investida com um novo golpe e uma.
uo~ revelação-, até -que a resposta à sua última fras·e j-á. não·
foram palavras, mas pedras.
O cego de nascença_
Ao passar, Jesus viu um cego que desde o nascimento
não podia ver. Os discípulos come9aram a perguntar e
diziam: "Mestre! Quem é que pecou para que ele tenha
vindo cego ao mundo? Ele mesmo ou o-s seus pais?" (Jo
3, 1-41).
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2sr_
A história nos foi -relatada por são João, de um modo tão
·vivo·, .que, ao lê-lá, estamos como que a ver o desenrolar dos
··fatos.
Quando Jesus saíu do templo, os judeus- sentiram certa sa-
•tisfação, cuidando -que ao ·menos o haviam e~pulsado do san-
•tuário. Pouco de.pois, porém, Jesus enc-ontrou-.se com um cego
.,.'de nas·cença .que do ·seu canto interpelava os tranaeunte·s.
Os- apóstolos não tinham tomado parte na luta do tempJ.ó.
Sentiam a-gora a necessidade de entrar novamente na sua in-
·jnteITupta convivência com ·o Mestre; a desgraça deste ceg9
~-dava-lhes ensejo para isso. E.s:se mendigo, em suas exclama-
ções, com certeza dizia -que havia nascido cego. ·Conforme 9
modo de ver popular, toda desgraça era o castigo de algum
pecado; cas-o não fosse um pecado pe:a:soal, seria então algum
pecado pratieado pelos pais.
Bas:eando-.se nestes con·c-eitos, os -discípulos. perguntaram:
"Mestre, quem é que pecou, par.a •que ele nas.cesse •cego? Ele
~ mesmo ou os seus. pais ?"
·2s2
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lodo era algo que, segundo toda sua natureza, antes tirava a
vista do que a dava.
Limpando o lodo, livrou-se tambem da cegueira e recebeu
logo a faculdade de utilizar-se devidamente -da vista. Pa-
rece que ele não morava muito lon,ge do lugar em que m-en-
di-gava. Tomando-se em consideração a vivacidade dos orien-
tais e a importância de uma rua franqueada a todos, é de
supor-se que ele se tenha posto a -contar a todos a sua cura.
Era sábado: todos ·estavam na rua. Cercam-no im-ediatamente
uma -porção de curios:os, vizin;hos e muitas outras pessoas que,
talvez, naquele mesmo -dia o tinham visto mendigar. Db sem-
blante de:ste -cego, outror.a tão amortecido, ·res·plandecia a
imensa alegria que o tran·sformava.
Des-envnlve-se logo uma troca -de -palavras. Perguntam uns:
"Não ·é e-sse aquele homem .que ali estava sempre assentado
mendigando ?,, Respondiam outros : "De f.orma alguma: ,é ape--
n-as um homem parecido com ele!" O cego, porém, declara
abertamente: "Sou eu mesmo!"
Nin guem mais podia duvidar da realidade da cura..
1
4
'Mas como é que teus olh-os puderam enxer,gar ?"
·O ,e.ego ain-da está todo comovido e narra com breves frase,s
o ocorrido: "Aquele que se chama Je-suis - ele não o vira
ainda - fez um ·pouco de lodo, ungiu com ele os meus olhos
e dis-se-me: Vai lavar-te na piscina de Siloé! E eu fui, lavei-
me e vejo".
Sur·presos, eles lhe perguntam: "•Onde está ele?"
O curado era ainda cego, quando falou com Jesus; não o
conhe·cia, portanto, de vista. Daí a ..sua resposta: "Não o sei".
-
Pouco depois o mendigo é interpelado pelos fariseus. Em
tom de interrogatório indagam todo o -processo da cura, que
já .conheciam perfeitamente. Ele responde da mesma forma:
"Ele pôs um pouco ·de lodo nos meus olhos, eu fui lavar-me e
agora vejo".
P-ortanto, ,era uma violação do sábado. Nos olhos a.ó se po-
dia faz-er -curativo, quando se tratava de uma doença nova,
contraida ness:e dia. Assim prescreviam. os fariseus. Alguns ti-
ravam logo a conclusão e declarav~m: "Este homem não é
de- ·neus, pois que -n~o observa o -s·ábado''. Outros, contud.o,
sob a _im:pressão do milagre, perguntavam: "Como poderia um
homem pecador fazer um tal mila·gre ?''
Para os fariseus há um .-s.ó ~artido ~:a tomar: ·acabar com o
m-ilagr-e! Talvez o próprio mendigo ,-deixar-se-ia leMar ,a abra-
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Pastores à frente de um rebanho. "Eles seguem--lhe à voz!"
O pastor vai indo na frente, -o rebanho -o vai seguindo atrás. São ca-
bras negras. O pastor toca a sua flauta dupla. Das ovelhas Jesus tira vá-
rias comparações para a vida humana: de todos os animais domésticos as
ovelhas são os que têm s·entido -de ·orientação menos apurado e assim pre-
cisam particularmente de um pastor e guia. Se as ovelhas na região do
Além-Jordão, onde -os novos meios de comunicação ainda não foram intro-
duzidos, ouvem o ruido de um automovel, corre-m para -o pastor •e ap-ertam-
se ao redor dele. A fotografia é das cercanias de Sichem. O.s cimos ·cal-
cáreos são mais chatos -e afastam-se ao longe. O rebanho vai caminhando
po-r campos de trigo já ceifados. Mais ao fundo Jesus- falou no poço de
Jacó, tendo este panorama, ante os -olhos, de uma s-eara que não -depende
das estações, de uma seara de almas.
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çar ,o .seu modo· de ver acerca ·de Jesus. Daí dignam. .se a falar
com. ele e perguntam: "O ·que é ·que tu pensas do •homem que
te abriu os olhos ?,,
"Ele é um profeta!" responde ·ele resolutamente .
.Sentem logo a resistência. Procuram então provar -que o
mendigo nunca fora cego e ·que, por _.conseguinte, não ocorrera
milagre al,gum. Os seus- pais são citados; em tom altamente
oficial começa o interrogatório dessas duas pessoas tímidas
·e envelhe-cidas.
"E.sse homem é. com efeito vosso filho, que, como afirmais,
veio cego ao mundo?"
Prouvera que ·eles compreendessem! Bastaria que dissessem
.que não o ·poderiam afirmar com absoluta certeza. Os dois ve-
lhos procuram livrar-se da .situação dificil ,em que se achavam,
não -queren,do entrar em que-stões ·co-m magistrados:
"Sabemos ·que este é realmente nosso filho e que, ·com efei-
to, veio cego ao mundo. Como é que ele agora está vendo, é
que não sabemos e quem é ,que o fez ver tambem não sabe-
mos. Perguntai-o a ~le mesmo! Ele já tem idade bastante, ele
mesmo falará a ·seu respeito!"
,Qs •pais ficaram com medo. Talvez o '.própri:o ·curado mudará
de parecer, ·se lhe fizerem ver o ,que ele deverá pensar de quem
o curou.
Dirigem-.se, p:ois, os fariseus de novo a ele, começando a fa ..
lar-lhe c-om palavras delicadas e pausadamente:
"Dá a h,onra a D-eus! Sabemos ,que e-ss-e homem é um peca-
dor!" - E nós compreendemos dessas coisas melhor do que
um rnendigo !
O cego dispõe de um árduo .passado, ~·endo-s·e acostumado
a lidar com fatos. Que ·é -que esses sábios ainda continuam a
perguntar? Sente-s-e superior a eles, não compre-en,dendo que
ainda haja qualquer coisa a investigar. Daí, não ficand·o atrás
de outros mendigos, ele expõ,e claramente o seu pensamento
sem "temor de ninguem.
"Se ele é ou nã-o um pecador, ,eu não ·sei. O que eu se-i é
que eu -era iee.go ,e agora vejo !"
•Como se o milagre ocultasse algum ponto m:uito duvidoso,
eles continuam:
"O -que é -que ele fez contigo? Como é ,que ele abriu os teus
-olh-os ?"
"Eu já vo-lo disse! Não o tendes ouvido? Por que é que
quereis ouvir ainda um.a vez? Quereis, afinal, tornar-vos tam-
bem seus discípulos?"
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Transparece aí a ~in·guagem forte do mendigo de há. pou- 1
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as mesmas eXic.lamações de .cego a mendigar e que agora a
ele se entrega, cheio de f.é.
Jesus ex:pande-,se tristemente:
"Para um juizo eu vim ao mrmdo, -a saber, para que .os :ce:--
_.gos vejam e os que vêem se torne-m cegos.!"
Jesus nunca estava sem ser observado. Ouviram-no os fa-
riseus que estavam .alí por perto e sabiam bem quem é que_.
ele tin.ha em vista ,com as palavras: "que se tornem cegos" ..
A sua obstinação os induz a mostrar-lhe claramente que não~
se importam de suas palavras.
"Acaso somos nós esses cegos?"
A· sua situação é deploravel. A cegos que reconhecem a sua,.
cegueira, J esu·s pode valer - eles são cegos .que s-e vanglo~
riam de ver perfeitamente.
"Se ao menos f asseis cegos, não teríeis pecado! Mas agora··
dizeis : Nós vemos! Portanto não terá fim o vosso pecado !"·
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Vida pastoril na Judéia (Vista geral)
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!eiras, - as cabras têm quase s-empre um pêlo preto - têm
com efeito a ·semelhança de tranças n-egra~, quando vão su-
bindo as ribanceiras esbranquiça-das das montanhas de cal.
Lobos e ladrões ameaçam os rebanhos; daí nenhum pastor
vai ao pasto sem o seu cajado. Nestes momentos dificeis, evi--
den-cia-se a grande diferença se o pastor é o :próprio senhor
das ovelha-s ou se se empregou ao serviço de algum ricaço. O
dono .expõe a sua vida, o mercenário, ao contrário, ,procura
antes de tudo salvar a própria vida e foge.
Jesus já não estava na Galiléia, região fertil em searas,
mas -na Judéia, cujo s.o-lo pedregoso e quase deserto mais se
apropria aos rebanhos. As parábolas de Jesus são reflexos des--
tas diferenças: os quadros p.astorís são "parábolas da Judéia".
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Nesse quadro Jesus já não é o bom pastor, mas é a porta
para as ovelh-as: ipermanece a ima-gem da comparação, varia
o s,e·ntido. Com nitidez assoma agora ao fundo a idéia de uma
Igreja. Jesus é a porta pela qual as ov-elhas penetram no re-
dil. Os outros, ·que já tinham vindo, -pouco :se importavam das
ovelhas como tais; tratam-nas como ladrõ,es e gatunos: se-
duzem ,e matam. Jesus, ao contrárip, cuida das ovelhas que por
ele entram no redil. Estão bem em .segurança; sem medo po-
•dem entrar e sair - alusão às idas diárias às pastagens mais
ferteis. Em dia algum voltam ao redil .sem terem encontrado
pasto ,em abundân-cia. Qu~m entra no redil de Jesus pos.sue
exuberância de vida.
19*
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reune os seus fiéis dentre o povo -em um n-ovo redil, a Igreja.
Neste redil, entretanto, não entrarão ·só as "ovelhas,, de
Israel, mas tambem ovelhas de outros redís, de outros povos.
Depois de StJa morte só -haverá para t,odos os homens um úni-
co refúgio, a lgreja por ele fundada.
Como antes, n-o templo, as opiniões divergiam. Uns repe-
tiam o ·que já antes haviam dito: "Ele está pos·sesso de um
espírito ~au e está fora de si!" Outros retorquiam: "Um
possesso não fala d-este modo! A-caso um espírito mau pode
fazer v-er os olhos de um cego?"
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Os discípulos não podiam deixar de admirar a nova oração.
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O novo espírito da o~ão
A parábola do amigo importuno, a parábola do juiz sem
conciência, a parábola do- fariseu e do .publicano
J-esus conhecia o íntimo dos ;homen-s, descobrindo aí a des-
confiança para com o Pai celeste, a .qual se fazia sentir sem-
pre que os seus desejos eram contrariados. - Com grande
facilidade iam se afastando de Deus, como se devessem a-cau-
telar-.se dele e iam deixando de rezar, cuidando estar no seu
pleno direito e mesmo de·clarando já ter rezado mais do -que
era prudente.
Acaso poder-se-á tirar de alguem a desconfiança com amea-
ças e censuras? A desconfiança cresc-eria de ponto. Jesus, para
exortar os homens a confiarem no Pai celeste, aduzia exemplos
que produziam agradavel sorriso. O·s ouvintes não podiam dei-
xar de seguí-los com um rosto alegre e um olhar reluzente.
Por tres vezes Jesus fala do espírito ,que devia perpassar
a oração dos discípulos. E .todas tres vezes ele es·clarece o
seu en-sinamento com quadros ,correspondentes: as ,parábolas
do amigo importuno, do juiz sem •conciência, e do fariseu e
do -publicano. Es:sa.s tres ·parábolas formam um .grupo espe-
cial. As duas primeiras falam num tom acentuadamente vivo e
mesmo cheio de humor, a terceira, a iparábola do fariseu e do
publicano, apre.senta a mesma impres.são ·pela juxtaposição do
fariseu ch·ei-o de si e do humilde publicano.
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tão dependurados aqui e a~í. Vasilhas com fermento e a mas-
sa já estão preparadas para o pão do dia seguinte. No meio de
tu-do isso, à noite, estendem-se os colchões de palha que, du...
rante o dia, estavam enrolados a um canto. Aí -deitam--se os
filhos ·e junto deles o pai.
Eis ,qu·e no melhor do sono, é o .que Jesus descreve, ba. .
tem à porta. Ao mesmo tempo faz-se -ouvir uma voz; o cam-
-ponês a conhec-e, é a do vizinho. De um lado ;sente-se alivia-
do, de -outro agasta-se; ele bem que podia vir mais cedo!
Lá de fora alg,uem diz: "Amigo, empresta-;me tres pães. Um
bom amigo, em viag·em, •hospedou-se em minha casa e nada
tenho que oferecer--lhe !"
O amigo reconhece o embaraço do vizinho; mas é, de sua
parte, uma insolência importuná-lo deste modo. Se ele agora
se levantar, desarranjam-se as. cobertas, as ·pesa.das chaves de
madeira com cavilhas e ferro Ih-os não podem deixar de fazer
barulho, as crianças acordam; não, não ~ passive!.
Portanto, ainda deitado, ele resiponde ao vizinh-o: "Deixa-
me sossegado! A porta já está fechada e os filhos já estão
deitados comigo no leito; não posso levantar-me para dar--te
coisa alguma !''
·ÜS ouvintes já sabiam de antemão o final da história. Se o
vizinho batia e tornava a bater à porta, o outro certamente
tinha que levantar-se, se não por an1izade ao vizinho, ao me-
nos por amor ao ·descanso.
Jesus con·cluiu: ".AJssim vos. digo eu: Pedí e recebereis. Ba-
tei e abrir-se-vos-á. Procurai e achareis. Quem pede, recebe;
quen1 procura, acha; a quem bate, será aberto!"
"Quem de vós, como pai, se o filho lhe ·pedir um pão, lhe
porá nas m.ãos uma ·pedra? Ou, :se lhe pedir un1 peixe, lhe
porá nas mãos uma serpente? ·Ou, se lhe pedir um ovo, lhe
porá na mão um escorpião? Se pois vós, ,que sois maus, sa-
beis dar boas dádivas aos vos.sos. filh-os, -quanto mais o vosso
Pai que e.stá no céu dará o Espírito Santo àqueles -que lho
pedirem!''
~esmo entre os homens, podia-se estar certo de que os pais
dariam aos filhos as -coisas -boas que acaso pedissem. Não co-
locariarn nas ·mãos estendidas uma pedra, se o filho p~dis.se um
pão, nem uma serpente, se .pedisse um peixe; nem um escor-
pião, se quisesse um ovo. Cobras mortas com a cabeça esma-
gada fazem parte dos -quadros com.uns da Palestina. ·Os. -na-
tivos· .procurar matar ·com certeira pedràda toda :serpente que
avistam. De tempos em tempos es-ses animais s·e multiplicam
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 295
mais do que de costume; são os "anos de serpentes", que ficam
gravados na memória popul~r- muito tempo e aumentam o ódio
contra esses animais cor de areia. Ainda mru.s temidos do .que
a-s serpentes são os escorpiões. A sua .picada é dolorosís-
sima e pode ser fatal; à noite torna-se necessário revistar as
cobertas -por -causa dessas sevandijas.
Jesus declara. Em com-paração com o Pai do céu, vós, ho. .
mens sois s·eres maus; o vosso amor ·é pequeno e mesquinho!
S·e, entretanto, sabeis escolher para vosso-s filhos boas dá-
divas, por que então tereis desconfiança do Pai do céu, que
possue um amor divi-namente grande?
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dia valer! A!ssim o importunava continuamente; ele já sabia:.
quem lá estava, -quando o escravo ia ver quem batia. Era ela,.,
a viuva! E o que já lhe havia contado dez vezes, podia referir~-
lhe, ainda com mais pormenores, muitas. outras ·vezes, como se.,
fosse a primeira vez ,e como se ele nada tive.s:S-e compreendido;
- sempre co1n maior vivacidade, sempre mais indignada, ache--
gando-se sempre mais perto dele.
Afinal ,deixou-se vencer: não que tivess-e remorsos de con-
ciência, não, isso não. Ele procurava encobrir com u·m ·gracejo,
aos próprios olhos a sua derrota: Ma.s que mulher! destemida
e tenaz! como se movem as suas mãos! se ele não lhe fizer a.
vontade, tudo isso ainda pode terminar, avançando-lhe ela ao--
rosto, a ele, sen-hor, perante o qual todos se curvam até ao
chão.
Esta descrição, breve e clara., deve ter excita-do hilaridade:
entre pessoas ·que estavam acostumadas a cenas semelhantes
por tê-las presenciado ou ouvido. O Mestre, porém, toma o en-
sejo para destruir nelas .a falta de confiança interior que po-
diam ter para ,com o Pai do céu, mormente quando rezavam.
"Tendes ouvido o que o juiz .sem conciên-cia dizia? E Deus·
não há de .auxiliar aos :seus eleitos a consegt1irem o seu direi-
to, uma vez que dia e noite lho supliquem, -e não há de ter mi-
sericórdia de~es? Eu vos digo: De um momento para o outro::
ele os colocará nos -seus direitos".
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 291"
Em Jerusalém - este nome lembrava logo o templo - iam
:·subindo dois homens pela estreita escadaria da cidade bai-
:.xà para o santuário. Não era a hora do ·sacrifício: subiam
·para rezar a sós. Um dele-s era um far~seu, um homem do par-
tido que gozava de maior p·restígio entre o povo; o outro, um
··publicano, um homem ·que -pertencia ao "refugo" da popula-
-
çao.
O fariseu já havia subido muitas vezes ao templo: o lugar
·santo era-lhe uma casa em que lhe parecia -possuir um certo
,direito de propriedade. Atravessou o átrio- e aproximou-s·e o
mais possível das .grades que separavam o átrio do lugar re-
. servado aos sa-cerdotes. Aí c-olocou-se eJ.e !em p-é. Era como
:se estivesse a anunciar: Agora ponho-me a rezar! A sua alma,
entretanto, não se assemelhava -a um vaso vazio qu·e se apre-
·sentava como tal a Deus, mas a um:a ·concha ,cheia a transibor-
,dar; ele rezava mais para ,o ·seu próprio ouvido do que para
:!o Altíssimo, quando dizia:
"Deus, eu vos -agradeço de não aer como todos os outros:
, os avarentos. os injustos, -os adúlteros, e como ,esse -publicano
.alí ! Jejuo duas vezes ·por semana -e pago o dízimo de. tudo
,-que possuo !"
Numa amarga alusão refe1ia-:se tambem a-o publicano; du-
.rante a or~ão ele certamente olhava para os lados a ver quem
lhe prestava atenção.
O pu.blicano nem sequer notou ,que a fariseu s·e ocupava com
,ele. Com-o um homem que -procura desviar--se •de uma torrente,
.ele viera da cidade baixa ao .templo.
Ao que parece, ele se havia aproveitado o mais .p-os"S-ivel
,das ocasiões de en·ga.nar o próximo, como a :sua ,profissão lhas
.oferecia frequentemente; agora, porém, ele, na presença de
.De·us, pedia p-erdão -com n1aior instância do -que jamais. um felá
.lhe havia pedido -que lhe abatesse 0s impostos. Nem sequer
1
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O tempos das -chuvas (Vista geral)
As peregrinações de Jesus pela Judéia c-oincidiam, pela maior
-parte, -com o tempo das chuvas do invern-o. E·' ,este um acon. .
te-cimento ansiosamente esperado por velhos e moços, tanto
pelo f elá em seus poucos palmos de terra, =como pelos. •grandes
proprietários e negociantes: a primeira chuva!
'Todos os sinais de chuva são observados e comentados nas
conversas. Por esae tempo o sol levanta-se muito mais tarde
e deita- se mais cedo, as noites são frias e já ,há muito tempo
1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 299
Jesus na festa da, dedi~ão do templo
Depois di~so celebrava-se em Jerusalém a festa da De-
dica~o do templo. Era o tempo das chuvas do inverno
e Jesus caminhava no santuário pelo pórtico de Salo-
mão. Aí os judeus o cercaram dé todos os lados e dis-
seram-lhe: "Ainda por quanto tempo nos deixas na in-
certeza? Se és realmente o Messias, dize-nos claramen-
te" (.Jo 10, 22...39).
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do ·que todos; da mão de meu Pai nin-guem as pode arrebatar.
Eu e o Pai, porém, somos um só".
Gostavam os fariseus de dizer: nós somos de Deus, mas
não de Jesus de Nazaré! Jesus corta-lhes esta objeção: "Eu
e o Pai somos um só!" Quem reconhece o Pai, reconhece tam-
bem o Filho; quem quer estar bem com o Pai, amará tambem o
Filho! .
Tão claramente Jesus aiil·da não tinha falado. Imediatamen-
te correm do pórtico ao átrio calçado de ~.ag-es e apanham
p~dras. Talvez -por alí -estivessem amontoadas -pedras para a
construção; talv-ez tambem pudessem, agora depois das chu-
vas, apanhar algumas destas !ages. menores. Entretanto até
terem as pedras na mão, a sua fúria já se tinha amainado a
ponto de 'po<lerem prestar atenção ao ,que Jesus continuava a
dizer-lhes:
"Muitas boas obr~s eu vos ten-ho manifestado pelo poder
de meu Pai! Por iqual dessas -obras me quereis apedrejar?"
lITitados, respondem: "Nós não te apedrejamos por causa
de alguma obra boa, mas por causa da blasfêmia, pois que,
sendo homem, te declaras Deus".
A calma e a cora.gero de Jesus desarmam os adversários, que
deixam cair as ·pedras, quando Jes·us lhes começa a citar tre-
chos da sagrada Escritura:
"Não está em vossa lei a -palavra: Eu vos digo: Sois deu-
ses! Se pois Deus chama de deuses aqueles a-os quais ele se
dirige - e a Escritura não pode perder o seu valor! - como
é que me podeis condenar a mim, a quem o Pai santificou e
enviou ao mun,do, dizendo-me: ''Tu és um bla,sfemandor!" por. .
que digo: Eu ·s,ou o Filho d,e Deus!"
Jesus não responde à pergunta propriamente dita, se ele é
ou não o Filho de Deus; isso levaria a nova explosão de rai...
va. Em vez desta res:posta, ele lembra aos fariseus: Na pró-
pria Escritura uma vez os juize-s, simples -homens, são deno-
minados deuses. Portanto, se alguem se dá como Deus, -é pre-
ciso -que primeiro se exprima em que sentido ele o diz e com
que direito o afirma. Só então é que volta à pergunta., por qu-e
é -que ele s·e declara a si mesm-o Filho de Deus.
"Se eu não fiz-e,sse as obras de m-eu Pai, então nem devieis
crer em mim. Mas ,se eu as. faço, então deveis crer ao menos
nessas obra•s, .se não quiserdes crer em mim mesmo! Então
,haveis de concordar e reconhecer que -o Pai está em mim e eu
nele!"
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De novo eles se esforçaram por prendê-lo. Para evitar novas
ciladas, Jesus deixou a cidade pouco depois, dirigindo-·se para
a região de além-Jordão, onde outrora João tinha batizado e
o tinha declarado o Messias.
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tendiam tambem os chacais, que vagueiam tão esfaimados,,,
quão covardes. Para -Jesus, porém, não há ardilezas; tudo já
lhe está determinado, ainda por um ,breve espaço de tempo,
por "dois dias inteiros" - terá ele pensado em dois meses? -
·ele devia peregrinar livremente, ao terc-eiro dia ~ talvez no·
terceiro mê.s - ele se havia de consu1n.ar. De modo misterio-
so estas palavras insinuam que o final de sua obra coincidia
com a :sua morte!
"..... Para ·hoje, amanhã e o terceiro dia, todavia, f oi.-me de. .
terminado peregrinar; pois não está bem que um profeta seja
morto fora de Jerusalém! ... "
Estas palavras são repassadas de amarga ironia perante os.
hipócritas! Não vos preocupeis ! Quando soar para mim a
hora da n1orte, irei ter convosco em Jerusalém! A vó.s pouco,
se vos dá livrar-me da morte que Herodes me planeja! Nas
proximidades de Jerusalém a minha vida periga ainda- mais!
Por isso, •como um foragido, estou a peregrinar de um lugar·
para o outro! Quando eu for para Jerusalém, será para ter-
minar alí a mi.nha obra, morrendo! - Tal coisa só ..,
se poderá
fazer -e,m Jerusalém. Não se incomodem, pois, com as suas.
viagens, n-em lhes é necessário estarem a vigiá-lo.
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A parábola da, ovelha perdida
Todos os publicanos e peçadores vinham. ouvir a Je-
;:sus falar. Por isso os fariseus e doutores da lei murmu-
ravam entre si, dizendo: "Ele se ocupa com os pecadores
-e até chega a comer com eles!" - Contou-.lhes então
Jesus a seguinte parábola: "Quem de vós, tendo cem
ovelhas e perdendo uma delas, não deixará as noventa
e nove no deserto e irá à procura da ovelha perdida
até encontrá-la? E quando a tiver encontrado, toma-a
cheio de alegria aos ombros e, ao chegar a casa, reune
os amigos e vizinhos e lhes anuncia: Alegrai-vos comi-
go! achei a ovelha perdida! Eu vos digo: Assim haverá,
no céu, mais alegria por um único pecador que se con-
verte, do que por noventa e nove justos que não necessi-
ta1n de penitência (Lc 15, 1-7; Mt 18, 12-14).
~.304
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Por fim o pastor encontra a ovelha p.erclida. Ela está can-
sada; :a·s ovelhas, não possuind-o um -sentido as·saz desenvol-
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A.í está uma pobre f elá. Possuia dez dracmas, ,ela bem o
sabe. Dinheiro para a -manutenção da casa na.s mãos de u-ma
mulher é uma coisa impossível no oriente, -que conserva as
suas tradições. O home1n -é ,que faz as compras; nem é raro
ver-se um homem. vestido com toda a dignidade passar pela
rua com uma braçada de verduras ou cebolas. E' pre-sumivel
que, no caso dessa mulher, se trate de moedas de seu pecúlio
dos esponsais, portanto, a única fortuna própria e realmente
su~. A mulher costuma trazer essas moedas presas no
seu chale :sempre -consigo; me.smo à n-o-ite não ·põe -de parte
essa carga preciosa. De repente nota ·que lhe falta uma. Co-
meça a proc-urar. Numa parábola mtúto antiga, p. ex., des-
creve-se como a moeda cai na massa do pão.
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F-oi ter com o pa.i, abusando de ·sua bondade do modo mais
doloros.o aos sentimentos desse ancião: Pai, dá-me a parte
da herança -que me toca!
·O pai atende ao pedido! O filho era agora livre e indepen-
dente; mas -ele -queria que nin,guem o vigiasse no que bem en-
tendess•e fazer. P-elos bens pode-se obter uma quantidade de
dinheiro, ·e com o dinheiro vive-se muito mais folgadamente
do que o pai pensava. Nen1 é difícil encontrar homens que
queiram negociar com um tal Jovem. C-om dinheiro à cinta
-ei-lo que parte para -plágas longínquas e atraentes. Aí não
se tem um non1ie e en-contram-se tambem pessoas que não têm
nome: nessas com-panhias permanece igualmente sem nome.
o que ae faz.
Um belo dia, contudo, o filho tem de reconhecer que se ha--
via enganado: - -o dinheiro sumiu-s-e muito -mais depressa do
que ele imaginava. E os amigos e as amigas foram desapa-
recendo do mesmo modo que -o -dinheir.o.
Alinda ·p-or cima surge a fome nessa região, -como se fosse
mesmo apontada para ele. Na última ,guerra os habitante-s de
Belé·m diminuíram -em cerca de um bom quarto da população.
Um dos motivos foi que expulsaram simplesmente os que não
eram nativos do lugar. Este pri0cedime-nto data de épocas
antiquíssimas. O adv•entício que não quer ou não pode ausen-
tar-se só tem uma saída: pôr-se sob a proteção de um mora-
dor do lu-gar, declarando-se como "-pertencente a essa casa" ..
Assim -o -pobre jovem ainda se devia dar p-or satisfeito em achar
uma possibilidade de vida como ,guarda de porcos ; ele, que na
casa paterna se sentia independente e livre.
A palavra de Jesu-s "para um·a região longín-qua", pode ser
interpretada co1no sendo aquelas regiões que se distinguem da
Judéia, ao longe, por •sobre o vale do Jordão, as terras de Moab.
Para aí é que emigravam pessoas que, p. ex., para fugir a uma
vingança por derramamento de sangue, tL11h-am -que refugiar-
se nalguma terra desconhecida. Havia aí extensa'S flores tas
de carvalho apropriadas à criação de porcos. No próprio evan. .
gelho se menciona a manada de porcos em Géras-a, cerca de
duas mil cabeças. O dono mandou o seu novo criado ·guardar
os porcos; aí o rapaz passava horas assentado e tinha tempo
para refletir. Os jornaleiros da casa de seu pai ocorreram-Ih-e
à mente! Ganhava.m -bastante para comprar pão em abun-
dância! O seu salário, porém, não dava para nada. Ele via
como os porcos devoravam avidame·nte as vagens de alfar-
roba! Se ao menos, em lu;gar do salário, lhe de-ssem bastante
20*
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dessas vagens! A alfarroba era tida como alimento dos mais
pobres! "Se os israelitas tiverem -que comer algum dia alfar-
robas", i. é, se cairem na miséria, -declarava um rabino, ·en-
tão hão de fazer penitência.
Foi então que -o jovem caiu em si. Ele tinha abusado da
1
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feriam geralmente e-sta -época para celebrar ban-quetes e ca-
samentos.
Entrementes o filho mais velho estava trabalhando no
campo. A-o voltar, os preparativos do festim já estavam em
andamento. A1proximando-se da casa, ouviu os sons de instru.-
mentos e o compasso das dansas. Que terá s·ucedido ao pai
avelhanta-do? O primeiro escravo devia infonnar. ''Teu irmão
voltou e teu pai alegra-se deste modo!" Semelhante informa-
ção parecia-lhe um escárneo. Ele ficara em casa ou lado do
1
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Gmn·des proprietários e arrendatários
310 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
um arrendat~rio de grandes terras e u;n arr~ndatário de. pou-
cqs palmos de terra. O tempo do arrendamento varia. de um
ario para cima. Dois arrendatários declaram ;uma vez .que já
administram um terreno há cerca de vinte e cin·co anos. O ar-
rend~mento •era pago ,quer em ouro, quer em -cereais; confor~
1I1:e um doc-umento do ano 88, monta para uma vinha na t~rça
parte do produto, portanto -o .que h-oje é ainda de praxe na Pa-
lestina. Artífic-es, para viver mais folgadamenteJ procuravam
arrendar campos mais limitados.
O proprietário era o capitalista, e o arrendatário, o traba-
lhador daqueles tempos. Esses f.elás -conheciam uma espécie de
greve: abandonavam atoa -os terrenos arrendados e fugiam,. a
deduzir-a-e de um docun1ento -do ano 141/140 a. de Cr. S.itua-
ção semelhante supõem prescrições posteriores, que ordenam
aos arrendatários voltar para o -seu trabalh-o.
E-ssas observações referem-se em parte ao modo de agir do
estado; é contudo uma lei fixa na história que as in!stitui. .
ções do estado e das grandes empresas mutuamente se influen-
ciam e niv-elam.
A depreender-se dos documentos, havia motiv.o para descon-
fiança relativam,ente -aos administradores e arrendatários. Já a
oferta dos bens do fisco era -cercada de toda -espécie de se . .
gurança.s. C,ada um dos arrendatários tinha de apresei'ltar
uma hipoteca c·orre-spondente a uma ,determinada quantia de
todo o arrendamento; o !contrato era registado, ficando a
escritura na chancelaria real. Para im.pedir especulações por
parte dos arrendatários, -era determinado que qualquer ofer-
ta e venda se tornava inválida, se mais tarde alguem ofereces-
se u,ma soma qu-e fosse 10 veze.s mai:s alta. Es-ses regulamen-
tos não eram destituidos de base, como demon-stra um fato
ocorrido em Atenas cerca -de 400 a. de Cr. Um certo Ar.gíria
fundou uma liga de arrendatários ;que baixava os preços,
comprometendo-,se todos a não oferecer mais do .que os
-outros. Um indivíduo por nome An·docide.s of.ereceu, porém,
trinta e seis talentos ,em vez de trinta, ,quebrando a-ssim a
aliança. S-entia-·se então um herói e exclamava: "Bracrh~a
apokerdáinomen hoi metéchontes·" - "Como ·associados pode ...
mos embolsar apenas um lucro demasiadamente pequeno".
Os oficiais procedem pór vezes de um modo que pouco di-
fere da atitude -do .administrador ímpio ,do -evangelho. No ano
111 a. de Cr. os secretários rurais do distrito de Arsín-oe ti~
veram -que pa•gar solidariamente uma -multa de 1.500 ártabes_,
i. é, oitocentos hectolitr-os de trigo, Precedeu à ·sen~ença um
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exame acerca da administração, sendo excluidos da multa tre-
ze oficiais. Os fiscais eram temidos. Um certo Polemon avisa
por isso um seu irmão que o revisor estaria em Berenicis no
dia quinze de Paini ( o mês da colheita), devendo ir a Cerceo-
siris no dia 16. Esse aviso foi dado .no dia 11 com a advertên-
·cia de dispor tudo para evitar- aborrecimentos. Valia tambem
alí o "presta contas de tua administração".
Aduz Jesus na sua parábola do administrador prudente a
alu,;,ão de ·uin "homem rico". Entende-se por ~i mesmo que era
um -proprietário de -grandes latifúndios. Tinha, pois, um ecô-
nomo, ao qu~l ele tudo confiara. Muito se tem escrito. princi-
palmente sobre -as faturas que o administrador mandou fal-
sificar antes de sua partida.
A explicação mais evidente se obtém, tomando-se em con-
sideração o fato que os grandes proprietários preferiam ar-
rendar suas terras não diretamente aos camponeses, mas a
sociedades. Documentos egípcios mostram que neste caso um
"archones", um chefe e11carrega,do, firm.ava o .contrato em no . .
m-e de toda a sociedade. A assinatura -da .firma era, :p. e.: "Sa-
tabus e Cia''. Podemos entender por devedores do senhor os
outros membros da ·sociedade, como ta-mbem na parábola dos
maus arrendatários -da vinha se tratava, com certeza, de uma
sociedade; então m~is facilmente se pode ,compreender que
todos e.m conjunto tenham investido -contra o delegado do se-
nhor.
Os documentos egípcios contêm ainda outros traços impor ...
tantes. Os proprietários ou os seus administradores para cada
terreno determinavam o que deviam plantar e dispunham tudo
de modo a receber, como paga do arrendamento, de toda es-
pécie de frutos a -quantidade desejada. ( O mesmo sistema ti-
nham adotado -os proprietários da Campanha até aos tempos
mais recentes; todos os anos -deter1ninavam, numa reunião,
quanto trigo deviam ·plantar).
De tudo ·isso colhemos para a parábola do adn1inistrador
infiel o seguinte quadro: O administrador arrenda as terras
a membros de certas sociedades. Um grupo de arrendatários
recebe terrenos próprios- para o plantio do trigo e ter.a que
pagar em trigo o arrenda-m·ento; outro recebe pomares de
oliveiras e d-eve pagá-lo com óleo. Os contratos são feitos de
modo que as re-nda-s, calculadas · em -dinh-eiro, são mais ou me-
nos as mesmas em todos os -grupos. Tanto cem batos de az-eite
de lag,ar (a quantidade ordinária), como -cem coros de trigo,
valiam então, a dar-se crédito aos docum-entos, 3.000 a 3.300
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denários. Um coro contém dez batos; em tro-ca, •porém, o azei-
te é dez vezes mais caro. Este cômputo de preço é o que se
supõe no contrato entre o rei Hiram e Salom.ão, no qual um
bato de azeite e um coro de trigo são igualados no preço ...
O administrador infiel
Jesus referiu aos discípulos: "Um bom.em rico tinha
um administrador; foi-lhe este acusado de diss-ipar os,
seus bens. Ele o chamou e disse: Que ou~o eu de ti?
Presta contas de tua administração!. Pois não podes.-
mais admimstrar!'·' (Lc 10, 1-9).
313',
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:s~-as i.ncli~ações e beija-mãos! Terá ele .que daí em diante pe-
_gax na pá? Ah, não! Para isso não é -que por tanto tempo ha. .
via vivido à !grande, bebido vinho velho e tomado ban-hos ! -
Uma outra possibilidade: pessoas de.postas do trabalho pu~-
nham-se a mendigar! Mas se ele imaginava -que neste novo
"ofício" teria que aproximar-se de .pessoas. -que outrora depen-
·diam de seu auxílio e favor - ah! então, não, de forma algu-
m.a! - "Mas já sei o que vou fazer, de modo que, sendo demi--
tido da administração, eles me recebam em suas casas." Com
um dos muitos gestos próprios dos orientais e na mais viva ex-
.citação, vai aj-eitando aos próprios olhos o nov-o plano-: Agora
. '
.sim.
Já antes ele tinha calejado a con-ciência, de modo •que deste
.lado não havia barreiras -para a execução do pliano. Levanta
_pois a cabeça, põe .. se a caminhar com dignidade e ma.n•da cha-
·mar os lavradores.
Apresentam-se os devedores, temendo uma ação. E, à pri-
Jncira vista, parecia mesmo assim.
"Quanto deves ao meu senhor?" Antes, ·ele certamente não
falava muitas vezes do "seu" senhor!
"Cem medidas de azeite".
C•em medidas de azeite, sendo que um bato contém cerca
.de 35 litros, equivalem a 3.500 litros. Agora a surpresa. Com
um gesto da mão ,que nunca falha a U•m oriental, o administra-
,dor lhe propõe :
"Toma a tua carta e escreve depressa. -cincoenta !"
Cem batos de azeite custavam, segundo ,documentos judai-
co, 3.000 -denários (mais -ou menos outros tantos mil réis). O
:administrador baixou portanto na dívida o valor de um conto
e quinhentos.
Não .sabem-os se esta conta era escrita ·em uma folha de per-
_gaminho ou papel ou mesmo numa chapa de barro.
Estavam de acordo. Obrigado!
Apresenta-se o segundo : Devia cem moios de trigo. Um moio
.é dez vezes um bato, e a dívida, quanto à 1nedida, ·subia ao
•décuplo do prim-eiro.
Quanto ao valor, como temos notado acima, cem moios de
trigo e cem batos de azeite são quase a mesma -coisa. Um
quinto, pois, cerca de 600 a 700 denários a m-enos, era sempre
um ótimo arranjo !
"Escreve oitenta!" - Obrigado!
Esfregava a.s mãos! Essa gente me.sma é que tinha fal-
·sificado os -documentos, nenhum deles diria alguma coisa! E
314 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
quando fosse demitido, iria ter -com eles e então poderia1n rir
conjuntam-ente, caçoando do rico pachá !
J,esus refere ainda só o final: a falsificação tornou-se co-
n-hecida. ·O mais natural é :Su:por--se que o administrador se.
refugiou de fato nas -casas dos seus •companheiros na trapaça
-e as.sim foram todos desmascarados.
O :senhor -possuía tanto ·que nem por isso ae perturbou. O
m~lhor é não se •dar por achado! Assim ele pôs-se a louvar o
antigo administrador. Que espertalhão! Ainda !bem que as-sim
fez -com um homem que pouco se dá de um denário a mais!
Jesus chama o administrador expres;samente de "filho deste
mundo", um homem s·em conciência, .condenando assim seu
procedimento. "Entretanto como ele foi industrias-o, do seu pon-
to ~e vista, dispon•do dos -ben:s alheios de modo a ass.e,gurar•s.e
,para si uma vida cômoda!"
De modo ·semelhante os filhos -da luz, como :pessoas. -que co-
nhecem a vida depois desta vida, deverão e.mpre.gar tudo o
,que é terreno para as:Segurar-se para -si mesmos advogados na
eternidade.
"Em vista disso eu vos di,go: Conciliai-vos amigos com o
mamon injusto, para que, ao •che·gar o fim (da vida), eles vos
recebam nas mansões eternas!''
A palavra "mamon" no .sentido de ben-s terrenos era fami•
liar a todos, ocorrendo muitas v~·zes nos escritos judaicos.
Lemos aí, p. ex., em certo lugar -que o :primeiro templo foi des-
truido, porque -os judeus a,mavam o mamon e odiavam o pró--
.
x1mo.
Quem -quiser conservar para se-mpre dinheiro e bens- deve
empregá-los para o ibem do ·próximo. Quem o não con,seguir,
tem ,pouca probabilidade de alcançar a bem-aventurança eter-
na. Eis aí o pensamento principal -de toda a parábola.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 315
O que vamos dizer ag-ora servirá para se entenderem melhor
certos pormen·ore.s e particularidades das parábolas de Jesus.;
além disso demonstra como o -cristianismo encontrou, desde
o princípio, um mundo em que já existiam todas as con-quistas
de hoje, exceto unicamente a técnica.
O movimento -comercial serve-se de formulários já fixos. pa-
ra faturas e contas de débitos. Tinha-se então mais tempo do
que hoje, não se omitindo mesmo nestes casos a saudação- in-
trodutória. As faturas e declarações de dívidas eram -papeis
ante os ·quais se tinha e se infundia respeito.
A tinta, feita muitas vezes de fuligem, podia-se apagar. Pes-
soas prudentes ligavam muita importância em empregar para
algum documento papel "ainda não usado" e em evitar que no
texto ocorressem "cancelamentos" ; quan•do o papel já tinha
sido escrito uma vez, tendo sido a tinta apagada, as le-
tras podiam ser novame11te apagadas e belas somas obtidas
com pequenos riscos à direita ou à esquerda. Havia mesmo
expressões próprias para documentos "impecaveis''. Nos es-
critos judeus e egipcíacos falava--se de ":papel .apagado", e
comparava--·se com muito acerto um velho já entrado em anos,
mas desejoso ainda de aprender, com um "papel apa,gado"
·em que de novo se pode escrever.
-Compreendemos assin1 o modo- de agir de um falsificador de
documentos, -quais os qu-e Jesus apresenta, falando nas pará-
bolas: "Senta--te e es-creve -cincoenta; .senta-te ·e escreve oi-
te-nta". Para evitar esta sorte de manobras., exigia-se desde o
princípio uma duplicata.
Os recibos apresentam igualmente expressões fixas. Depois
da paga exigia-se a -devolução da conta -ou escrevia-se nela o
certifi-cado da paga, expressamente como condição de -que ela
-devia ser devolvida. O pagador a recebia depois de novo para
a "azethesis" e "akyrosis", i. -é, para a "extinção" -e "cance-
lamento" da dívida. O ·sinal X (cruzin,ha) que pomos numa dí-
vida paga, já era conhecido no tempo de Cristo. E são Paulo
h-otava-Ihe a semelhança com a cruz, ao escrever: "Cristo to-
111ou a escritura de dívida que em nosso~ nome -pesava sobre
nós e a fez -desaparecer do mundo, prégando-a na -cruz". Ge-
ralmente era a cruz que colocava,m na escritura, desta vez,
·porém, a cruz €ra maior e mais real do que a própria escri-
tura; por isso foi a escritura .que foi pregada na cruz.. Pela
-expressão pregada, -ele alude ainda uma vez à verdadeira cruz
e à crucifixão de Jesus.
316 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Tambem os em-préstimos não eram sem importância para o
_povo simples. Ao passo que agora os empréstimos se fazem
quase sempre em dinheiro, os documentos aduzem emprésti-
mos ·em mercadorias, mormente em trigo, ou ·em din-heiro con-
juntamente com mercadorias. No ano 96-97, no Egito, uma tal
;Sátabe, filha de Erieus, emprestou a Sátabo e Petesuchos 80
-dracmas (cerca de 100$000) e 10 ártabes de trigo (uns 300
litros); no ano de 128 um tal Artes recebe de um outro, cha-
.mado Passion, 100 drac-mas e um certo número de ártabes de
trigo .
Um certo Onofris empresta a Sotas 100 dracmas ( cerca de
120$000) e 5 ártabes de trigo no dia 5 de Mequir (fins de ja-
neiro, tempo da plantação) até ao mês de Paini (junJ}o, tempo
da colheita) no ano 158 d. Cr. No dia 16 de Tot de 143 d. Cx.
(II1:eados de setembro, antes do tempo da plantação) Stotoe-
tis empresta a Apolo 200 dracmas e 15 ártabes de trigo "bem
purificado e sem mistura, da última colheita". Stotoetis des-
creve ·bem exatamente o seu trigo para -que, à restituição,
pudesse mais facilmente reclamar em caso dalguma falha! A
mercadoria devia ser restituida no mês de Paini, logo depois
da colheita.
'Tod-os esses empréstimos destinam-se à sem~nte~ dos pe . .
qucnos lavradores. Raramente os documentos acusam somas
.superiores a 1.000 dracn1as. Trata-se, pois, daquela camada so-
cial que aparece nas pará,bolas de Jesus. As-sim é que .ele nos
fala dos dois devedores, dos quais um devia 500 den.árlos ( 500
dracmas) e o outro 50.
Aos israelitas era proibido ceder e receber entre si emprés-
tiinos a juros. Para com aqueles que não eram israelitas, po-
rém, -consideravam lícito este modo de agir. Igualmente um
israelita, tendo recebido de um pagão certa soma, -podia em-
prestá-Ia e exigir juros. Estas prescrições não acabaram com
a instituição dos empréstimos; apenas impr.imiam-lhe uma di-
reção própria .. Burlava-se a proibição de exigir juros de um
israelita, entre-gando-se o capital a um gentio com a condição
que este o emprestasse e exigisse juros. Contra ·esses arti-
fício-s foi -dada a decisão: Se um israelita dis·ser a um não-is-
raelita: "Aquí eu te dou uma quantia, vai ver se colocas meu
dinheiro a juros!" semelhante procedimento não é lícito.
Já o livro do Eclesiástico (29, 4-6) descreve com a maior
vivacidade um oriental à procura de empréstimo: "Pessoas há
que consideram o empréstimo um achado e magoam aquele
-que os auxiliou. Até que alguem tenha conseguido um emprés-
.317
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timo, beija a mão ao credor e faz-se toda sorte de confirma--
ção, humildemente. Mas ,quando soa a ·hora -em que ele exige
a restituição, põe-se a falar como um ofendido, murmura, en--
ge moratórias e começa a falar dos tempos precários". No se-
gundo século, os usurários são descritos do modo mais plás-
tico: Ele aí vem com escrivão, com a pe11a e com a tinta, com
a escritura e com as testemunhas. - Sarcasticamente disse
certa vez um pachá que passava por cima da proibição de ju-
ros: "Se Moisés tivesse sabido quanto lucramos, não teria
proibido emprestar a juros!''
Sobre a porcentagem dos juros daqueles tempos temos tam-
bem algumas notícias. Elevava-se -ela tanto no 7º ·séc. a. Cr. co-.
mo n-o -século 2º d. Cr., portanto em toda a época -que mais nos
interessa, a 12 o;,;. Esta porcentagem tem uma ·significação prá-
tica, cabendo 1 % a cada mês do ano. Os empréstimos eram
muitas vezes por pouco tempo. A fórmula comercial para os
juros, -usada no Egito, corresponde às -expressões empregadas
na parábolas de Jesus das 10 minas e dos 10 talentos. "syn
tolto" -- "-com juros".
Quando um dev~dor não podia pagar, procedia-se contra ele
inexoravelmente. Na parábola dos dois devedores, -cita-se tudo
o que contra ele se podia fazer: O senhor mandava vender a
sua mulher e filhos e tudo o que lhe pertencia para ,que as.sim
pagasse a dívida. . . O servo investiu contra o seu devedor, pe. .
gou-lhe pela garganta e exigiu dele: "Paga o que deves!''
•
Contra esta •descriçã.o se tem objetado ,que o direito romano
de entã-o proibia violentar o devedor. Mas as recentes des.co-
bertas demonstram que a bíblia tem toda a razão. O direito
roman•o nunca penetrou inteiramente, no tocante a certas ~e-
terminações, em muitas :províncias do oriente, como na Síria,
na Palestina e no Egito. Antes dos romanos já o .rei Bocoris
havia. formulado
.. uma lei contra a venda do devedor. Na rea-
lidade os documentos comprovam que em todos esse-s países,
em que vigorava o direito grego .geral ou in·dígena, ocorriam a
detenção -e a venda do devedor. Justiniano ·proíbe -a prisão num
cárcere privado, impondo ao =que violasse esta prescrição uma
prisão de prazo igual ao .que tinha sido imposto ao devedor,
e perda de todas as reclamações. Santo Ambrósio descreve tão
vivamente a prisão de devedores, como só pode fazer quem
o conhece por ter vi-sto. Fala de como o devedor é levado à
casa do credor, como -é detido em recintos dos -quais~ não pode
escapar e como -os pre·so=s famintos ·pediam um ·pedaço de pão.
Nas parábolas judaicas ·supõe-se igualmente que violentavam
318 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
os que não podiam pagar e que. e.alocavam os :seus filhos "na-.
-pedra de vendas", i. é, que os vendiam com-o escravos.
Quanto ao E-gito, somos infarmados de uma iníqua insti-
tuição com resp,eito ao contrato de empréstimos. O credor es--
crevia no documento a cláusula -que, s-e o d~evedor não pudes-
se restituir, ele tinha o direito de proceder "kathaper ek di--
ke.s", i. é, que, sem iniciar processo algum, p-odia proceder co--
mo se o tribunal :se tivesse :pronunciado em caso de dívida...
.&dverte-se expressamente neste documento que "será castiga-
do todo particular ou funcionário que s:e ·quiser imiscuir na,
-confiscação dos ben-s". Já antes ·de -Cristo vigorava no E·gito;
esta instituição e um fato do tempo de Jesus mostra que ela.
não era desconhecida na Palestina: Herodes Magno tinha es--
polia-d-o inteiramente um árabe in-surreto por n.ome Silaios ..
Qu.~ndo em Roma ,exigiram que ele se defendesse, diss-e que ti--
nha direito de proceder daquele modo •em virtude de um contra-
to de empréstimo de 60 talentos. Estes ,casos correspondem.
novamente às descrições ·que J-e-sus faz sobre o credor sem mi-
sericórdia. Ao devedor que não podia ·pagar tomava-se tudo-
.quanto tinha, mesmo .sem processo judicial: ''·Como ele nada.
tivess.e com que pudess·e pagar, o .senhor mandou -que o v·en--
dessem a ele mesmo e a sua :mulher, ·os seus filh-os e tudo o que:
lhe ·pertencia, para assi~ pagar a dívida".
No concernente aos empréstimos, existiam já então todas:
a:s medidas preventivas de .garantia conh-ecidas na vida mo-
derna. A palavra "hipoteca" é -de origem grega e no tempo de
Cristo tinha a mesma significação que hoje. Dos anos em que
Jesus vivia em Nazaré, do ano 23 da nossa era, foi-nos con--
servado um contrato -hipotecário •que nos faz ver as necessida-
des da gente do -povo. Panefremis, filho. -de Erieus, persa de
origem, espos-o e representante legal de Tases, filha d-e Nest-
nefis, ta1nbem -persa, tomou emprestadas 64 dracmas de Sta-•
toetis, filho do sacerdote Tesenufis, dando como hipoteca a sé--
tima parte da propriedade de uma casa ,conjuntam,ente com
o átrio, ,do 4º ano de Tibério até ao mês de Tibi no 10º ano: os
juros eram de 12%. Neste documento ,de dívida :se data pelos.
anos do imperador lTibério, como, p. ex., tam-bem são Lucas
no evangelho data pelos anos do -governo do mesmo imperador•.
Este Panefr,emis não -estava muito bem. de fortuna, tendo
de fazer uma hipoteca pelo empréstimo de 64 dracmas. Horas
de apuros pa-ssa tamb-em Tasis até conseguir -a ,soma de 1.200
drac-mas que lhe deviam servir de fiança hipotecária. Para
-chegar a esta quantia teve .que hipotecar 5 a..ru.ras de teITas
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·( cada arura, cerca de 50 metros quadrados), acrescentando- um
terço ,da arura como parcela separada, e por cima ainda dois
. escravos que, aliás, só lhe pertenciam pela metade. Por fim
_ainda tres filhos adulto~ lhe deviam servir de -garantia.
Os documentos judaicos apresentam o mesmo •quadro. Acon-
~selha-se aí a um usurário: Se alguem tem um campo -ou uma
vinha, não lhe deves dizer: Aquí tens uma mina! Negocia com
~ela e hipoteca-me o teu campo e a tua vinha! Talvez venha a
fazer pouco depois um mau negócio e tu lhe irás tomar o cam-
po e a -vinha.
As parábolas de Jesus, em que ocorrem transações em di-
nheiro, confrontando-se com os documentos profanos, apresen-
·tam episódios de todo autênticos, tirados da vida desses tem-
pos.
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das contas de .banquetes, .que, sem mais nada, a tornam vero-
símil. Em apuros, porém, se via um oficial qu~ devia restituir
ta~anha quantia ..Era si:mple:Smente impossível. O rei da pa-
rábola ordena, pois, para cobrir ao menos uma parcela da dí-
vida, que o -oficial, sua mulher e seus filhos e tudo o que era
s-eu fossem vendidos.
O oficial, que até então vivera -como grande senhor, caiu
de joelhos aos pés do rei, prostrou-se diante dele e p-ediu mise-
ricórdia. A sú-plica: "Tem compaixão de mim! Eu tudo te pa-
garei!" era_ uma promessa que, em vista do tamanho da dívida,
ele nunca poderia cumprir. O rei patenteou que mais lhe im-
portava o reconhecimento da culpa do que a restituição dos
bens desencamin-hados - dá-lhe novamente a liberdade e per-
doa-lhe a dívida. ·
o· favorecido agradeceu com a mesma viva-cidade oriental,
com ,que pouco antes tinha suplicado; numa coisa, porém, não
se havia tocado em toda essa ocorrência: o seu coração em-
pedernido.
Mal ia saindo da porta do palácio, encontra um oficial de
categoria inferior. D:epois da hmnilhação ante o rei, ele ar-
dia em de-sejos de dar-se a si próprio uma -satisfação. Caiu
a-ss-im e-m chna do outro, e pegou--o ·pela garganta, exigindo:
"Pag·a o que deves!"
O ·pobre homem não dispunha sequer de 100 denários
(100$000) ! Prostra-se por terra. ''Tem compaixão de mim!
Eu l1ei de pagar!" - Nada disso! Rijo e frio, o ,credor pas-
sou adiante e mandou prendê-lo.
Outros -oftciais, tinham -sido testemunhas do oc-orrido e,
cheios -de indignação, foram contá-lo ao rei. Este mandou cha-
mar o favorecido e m·udou a primeira resolução, exigindo ago-
ra -que ele servisse con10 escravo, até pagar toda a dívida.
Ele foi entregue aos algozes!"
Cícero, num dos -seus discursos, aduz um ca-so que mostra
o que -se deve entender por esses "algozes". A população cje
Sálamis devia ·unia certa quantia a um usurário romano, por
nome Scaptius; este arranjou uma divisão de cavalaria, man-
dou prender todos os membros do conselho da ilha e lhes ti-
rou todo o alimento, de modo que muitos morreram de fome.
Jesus, por fim, interpretou brevemente a parábola. Exor-
tando, l"epete aquela petição do Padre nosso: "Perdoai as nos-
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WHJam, A vi.da de Jesus - 321
sas dívidas, assim com-o nós perdoam.os aos nossos devedores!"
•'Assim (como o rei com o servo mau) o ·pai .celestial proce-
derá convosco, .se não perdoardes de coração uns aos outros!"
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junto de fontes cristalinas e embaixo de árvores fr.ondosas.
O lugar dos maus era um abismo cheio de fogo.
Neste modo d-e ver Jesu-s enquadrou a sua parábola. Ha. .
via certa vez um homem rico ·que aparecia sempre vestido com
uma túnica do mais fino linho, certamente importado do E-gi. .
to. As fibras. de algodão egipcíaco são hoje indispen:Saveis,
como então o era o linho ·egipcíaco para eertos tecidos. Por
1
21* 323
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"O rico foi enterrado". Destas palavras deduzimos: "Termi-
nada estava a sua vida futil!" Este pensamento é ampliado
e aproveitado em interpretações piedosas. O sentido próprio
é provavelmente: "E·splêndido, como a sua vida, foi tambem
o seu enterro!º
O rico opulento, do fundo do abismo, em seus tormentos
olhava para cima, contem·plava o reino dos bons e via aí o
mendigo que outrora jazia junto ao seu portão sobre as lages
duras - ele repousava no seio de Abraão como uma criança
no seio de sua mãe.
A expressão "no seio de Abraão" parece não ter sido tão
usual, como mlritas vez·es se pen.sa. No fundo lateja a ima-
gem de uma mãe que tomou a si o filhinho e o faz reclinar no
seu peito. Lem-os assim uma -canção infantil: "Toma-me como
uma vagenzinha, nas dobras do teu vestido, ao teu peito!"
Como Lázaro dependesse de Abraão, o rico dirige-se ao pa-
triarca.
Ele suplica com insistên-cia: "Pai Abraão, tem .piedade de
mim e manda a Lázaro -que molhe o dedo na água -e refri-
gere a minha língua; pois que neste fogo padeço muitos tor-
. mentos".
Pai Abraão! Agora ele invoca o seu pai Abraão, -que não
procurou imitar durante a vida. Ele bem ·sabia .que ·a senten-
ça havia sido lançada. nenhuma esperança lhe restava de
deixar algum dia esse lugar de torm.entos. Mas talvez pudes-
se obter um pequeno alívio.
Lembra-lhe A'braão os antigos dias passados -na terra: "Meu
filho, pensa -que, durante a tua vida terrena, recebeste mui-
tos bens -e Lázaro recebeu muitos males! A-gora, por isso, ele
aquí é consolado; tu, porém, deves sofrer! De mais; entre nós
abriu-se -profundo ·precipício, de modo que os ,que queiram
descer até vós, não o possam e daí ninguem possa vir ter
conosco".
O rico, nas profundezas, perdera a esperança, mas ao menos
seus cinco irmãos, ainda no mundo, podiam tirar proveito de
sua triste ex-periência. De Abraão para o mundo não havia
um abismo in·superavel.
"Então eu te suplico, pai, manda Lázaro à casa de meu pai,
pois tenho cinco irmãos. Que os admoeste a que não caiam
neste lugar de desgraças !,,
Abraão não se deixa levar a uma conversa e responde bre-
vemente: "Eles têm Moisés e ·os profetas; é a eles que devem
ouvir".
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·O rico continuou a suplicar: "Não fales assim, pai Abraão!
Se algum dos mortos for ter com eles, hão de converter-se!"
Abraão conhece essa espécie de gente entre a sua descen-
dência. Haveriam de espantar-se, sim; mas converter-se, não!
Por alguns dias viveriam impressionados com a visita do fan•
tasma, depois arranjariam toda sorte de e:xplicações possi-
veis para tranquilizar-se: não se podia averiguar nada de
"absolutamente certo !"
"Se não atendem a M:-0isés e aos profetas, então não se hão
de converter mesmo se algum dos mortos. ressu·scitasse!"
A m e n s a g e m de Betânia
Lázaro de Betânia, do mesmo lugar que Maria e Mar-
ta suas i1·mãs, estava doente. Ma1·ia era aquela que un-
giu o Senhor com mirra e enxugou os pés dele com os
seus J>róprios cabelos; adoecera, pois, o seu irmão. As
irmãs mandaram um m.ensageh·o ir ter com Jesus para
anunciar-lhe: "Senhor, eis que aquele que amas está
d.oente!" (Jo 11, 1-16).
Entrementes foram chegando as semanas, em -que clias re-
lativamente quentes se revezavam com outros frios e chu-
vosos. Jesus achava-se ainda lá em baixo• no vale do Jordão,
provaveln1ente na margem de além sujeita a Herodes A11ti-
pas. Chega aí certo dia um mensageiro que tinha descido de
Betânia com a notícia de que Lázaro, o irmão de Maria e Mar-
ta, sem dúvida mais moço do que elas, estava ·gravemente én-
f.errno. Talvez ele tivesse apanhado uma dessas doenças, co-
n1.uns nessa época do an,o, que, corr1plicadas com febre alta,
podem ser facilmente fatais, maxim-é para pessoas adolescen-
tes. ·O organismo mais farte pode ceder em poucos dias. .As
duas irmãs, em sua aflição, enviaram a. ·mensagem ao Mestre.
A sua casa parece ter sido para Jes-us, na Judéia, o que a casa
de são Pedro -era para ele na Galiléia. As irmãs estavam sem-
pre inf orn1adas acerca do lugar em que Jesus se -detinha, co-
nhecendo ta:mbem perfeitamente que planos forjavam contra
Jesus um pouco além do jardim das -Oliveiras, em Jerusalém.
Daí, elas deixaram ao Senhor tomar qualquer decisão.
Partindo de Betânia, o mensageiro teve que caminhar ou
cavalgar seis horas até Jericó. Jesus. achava-se provavelme11te
mais ao norte do vale.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 325
Os discípulos sentiam-s-e aliviados, vendo que Jes-us não se
en·caminhava imediatamente para Betânia.. Na presença do
mensageiro ele declarou: " Esta doença não é de morte, mas
para a glória de Deus; o ~ilho ·de Deus deve ser g~orificado
por ela!"
Tanto os discípulos, como o mensageiro, estavam cheios de
e·sp-erança. O estado de Lázaro não era, :pois, assim tão grave;
havia de re.st8Jbelecer-se, como Jesus mesmo dizia!
-Jesus, porém, sabia mais do que eles: o doente morrera pou-
co depois da partida do mensageiro. D-e nada adiantaria uma
viagem apressada para Betânia. Ainda po~ dois dias Jesus per-
maneceu no mesmo lugar, até ,que por fim, quando os discí-
pulos já não pensavam no ocorrido, de repente lhes disse:
"Vamos voltar à Judeia!"
Para eles, sim·ples pes-cadories, a luta entre o.s fariseus e o
Mestre era uma coisa teITivel. Era-lhes como -que .natural e
espontâneo -o respeito a essas instituições superiores; lá es-
tavam eles inern1es, quando Jesus falava audaciosamente com
o.s fariseus. Só o nome de J~déia os apavorava. Daí ser re . .
passada de um medo infantil a sua resposta:
"Mestre, ainda não há muito tempo ,que os judeus lá te
quiseram apedrejar -e tu queres ir para lá outra vez?" Isso
parecia-lhes ex:por-se desn,ecessariamente aos perigos!
Jesus já colocara a sua vida nas mãos do Pai. A hora da
sua morte já estava determinada; antes disso força alguma
do mundo poderá fazer-lhe algum mal e quando essa hora
soar, ninguem o poderá apartar da morte.
"Não tem o dia doze horas? Se alguem caminha enquanto
é dia, não tropeça porque vê a luz ,deste mundo. Mas, se al-
guem a:nda de noite, então tropeça, porque não tem claridade
em si" .
P-or "dia" compreende-se aquí, ao modo de ver oriental, o es-
paço de tem·po da man;hã à noite. Só essas horas claras é
que são divididas em doze ,partes: uma hora abrangia, nos
dias mais curtos do ano, apenas 49 minutos e, nos dias mais
longos, 71 ·minutos. Cada dia tinha as-sim, com efeito, 12 ho-
ras -claras; o que importava era a claridade. Estas doze ho-
ras são expostas como uma instituição certa, contra a qual
ninguem se -opõe. Passadas estas horas, es.vai-.se inexoravel-
mente a claridade. Queria, portanto, Jesus -dizer aos dis.cípu-
los: En-quanto não chegar para mim a hora da morte muito
certa e determinada pelo Pai, tambem na Judéia nada me pode
acontecer. Para aí me dirijo conforme a vontade do Pai.
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Mais tarde Jesus começa a falar-lhes veladamente de Lá-
zaro. "Lázaro, nosso amigo, adormeceu, mas eu vou _para
despertá-lo!"
Os discípulos não compreendem a palavra "dormir" no .sen-
tido que Jesus lhe dava, parecendo que -pensavam nalguma
febre. Só depois que a febre vai cedendo é que o doente con-
segue dor.mir. Daí acham desneces-sário ele ir à Judéia. Espon--
tanerunente lhes brotam dos lábios as palavras: "Senhor, se
ele dorme, ficará bom!,.,
Revela-lhes J·esus então em que sono profundo Lázaro caira.
Já naqueles tempos e~pregavam a palavra "adormecer", no
sentido que hoje lhe costumamos dar, aos ·sinais da morte de
uma pessoa.
"Lázaro morreu!" - Os discípulos en,chem-se de espanto.
Prossegue Jesus, consolando-os: "Alegro-me por vossa cau-
sa ·de não ter estado lá, para que creiais! Eia, vamos ter com
ele!"
Betânia ficava no caminho d'e Jerusalém, não lon-ge da ci-
dade. Como iria terminar esta viagem?
Um deles, então, toma a palavra, exatamente um -que não
costumava adiantar-se, o a'póstolo são Tomé, fato esse que se
repetiu mais tarde depois da ressurreição; de um modo mara-
vilhoso, entretanto, é-nos descrita toda a sua ·personalidade
por essas poucas -palavras -que nos foram conservadas. São
Tomé era um pensador refletido, que vai logo indagando qual
,s-erá "o desfecho de uma ocorrência". Um ·pensamento logo
s-e liga a outro, como um elo a outro elo para formar uma
corrente; Jesus e.stá ·decidido a subir a Betânia. Que eles, os
discípulos, o deixem ir sozinho não .convém de todo; se,ria
contra a fidelidade, para a qual homen·s de condição inferior
têm um ·sentido todo particular. -O próprio Tomé fica firme
no -que uma vez ,decidiu fazer. Portanto só restava uma reso-
lução a tomar: subir com Jesus a Betânia e· enfrentar final-
mente tudo quanto possa sobrevir.
"Vamos tambem nós e morramos com ele!"
Empreenderam as-sim o caminho para o planalto; primeiro
1
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algum torneio do caminho. Muito ao fundo assomava o píncaro
do monte das Oliveiras em que ficava Betânia e além do qual
se estendia Jerusalém. Como peregrinos, olhavam outrora an-
siosos para essas alturas, mas agora sentiam o peito oprimido.
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momento em que Jesus proferira essas palavras, Lázaro já.
tinha morrido!
Nisso. Jesus se foi aproximando da localidade. P·elos atalhos.
entre as vinhas e olivais era-lhe possivel chegar perto da casa.
das duas irmãs sem ser visto. Jesus ma•ndou chamar Marta,.
que era a dona da casa. Maria estava na sala, recebendo as.
visitas.
"Senhor, se aqui tivesses estado, o meu irmão nã-o teria.
morrido!" O Mestre foi saudado com es·sas palavras que as:
irmãs repetiam sem·pre de novo.
Marta possuia uma fé que -corre-spondia ao seu gênio cir--
cunspeto e ativo. Ao se-u modo de ver, o Senhor devia estar·
ao lado do enfermo se o quisess-e -curar. De outro lado ela não"
se podia esquecer da misteriosa palavra de Jesus ao mensa-
geiro. Como .quando se fala a um homem em que se tem con---
fiança ilimitada, mas que no momento não se pode compreen-
der, Marta termina a sua primeira queixa -que, espontanea-
mente, lhe veio aos láibios, com as palavras: "Mas eu sei que
tudo o que pedires a Deus, ele te concederá!"
A-ssim como ela só se achegava a Jesus- de longe, tambem_
o Mestre lhe fala em termos vagos, declarando: "T-eu irmão-
vai ressuscitar!"
Essas ·palavras exprimem uma consolação, como tam-bem
nós as costumamos usar. Na-s visitas de luto e anúncios fú--
nebres fala-se sempre de rever- um dia. Marta apanha vi--
vamente este pensamento e diz: "Sim, eu sei que ele há de res-..
suscitar no último dia".
Jesus replica solene1nente: "Eu s-ou a ressurreição e a vida!
Quem crê em mim viverá, mesmo que tenha mon'i-do, e quem.
vive e ·crê em mim, não morrerá eternamente. Crês tu isso ?"
Lázaro morreu na graça de Deus, participando da vida di-
vina de Jesus. Fôra, pois, arrebatado para o mundo no -qual
se considera como uma questão de somenos importância se se
poss-ue ou não a vida terrena; está-se aí unido com Jesus,.
a fonte de toda a vida.
Jesus tem diante de si Marta, atraida a ele pelo seu modo-·
de falar e pelas palavras que lhe dirigiu. Profundamente emo--
cionada, ela lhe declara : "Eu creio, Senhor ! Tu és o Messias,.
que devia vir ao -mu~-do !"
Para Jesus não existe o véu impenetravel -que separa mes--
mo os ho1nens que se amam rn.ais ter-namente. Marta estava.
alí a ver Lázaro, seu irmão, onde Jesus e-stava; unida a Je--
sus, ela se sentia tambem perto de seu irmão.
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A ressurreição do morto
.
J:)epois dessas palavras ela voltou para ir buscar l\la-
ria, sua irmã, e disse-lhe sem que os outros compreen-
dessem: "O Mestre está aí e te chama!" Maria, logo que
o ouviu, levantou-se e foi ter com ele (Jo 11, 28-44).
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Nisso J ésus tinha chegado ao sepulcro e de novo se mani-
festou a sua comoção.
Que terá dado o último -ensejo para essa comoção? A alusão
de que ele amava a Lázaro terá sido uma razão; mas Je-sus já
ia r-essu-scitá-lo dentre os mortos. A agitação ,da alma de· Jesus
deve relacionar-se com o que de n1ais íntimo havia na sua vida
interior, partindo daí como de sua fonte. Se entre os homens
ocorre que a morte de um outro ·os agita até ao âma-go do
·seu -ser, por uma espécie de pressentimento da própria morte,
talvez tão perto, com maior razão •pode-se ter dado esse pres-
s-entimento em Jesus; pois a ressUITeição de Lázaro devia ser
a ocasião que d-e-cidiria de sua morte.
Provavelmente havia uma escada que, tendo a entrada fe-
chada por uma pedra, conduzia ao sepulcro. J esu·s ordena:
"Tirai a pedra !"
M·arta ·sente-se possuida de uma natural repugnância. Ela
estava presente quando o -cadaver fôra aí de-positado e sabia
que já estava sendo corrompido._ Por isso ela não pode deixar de
avisar o Mestre p~ra -que não o surpreenda insuportavel -cheiro:
"Senhor, já -está cheirando! Já está há ·quatro -dias no se-
pulcro".
J.esus responde c-om palavras que soam como uma repreen-
são: "Não to tenho dito que tu, .se creres, verás a glória de
D·eus ?"
Os circun.stantes retiram a pedra - todos afastam-se com
os olhares fixos em Jesus. Es·palh-a-se o cheiro de cadaver.
1Jesus levanta os olhos para o céu e, arrebata-do, põe-se a
rezar solenemente: ''Pai, eu te agradeço que me tens ouvido!
Para mim mesmo eu já ·sabia -que tu sempre me .ouves. Mas
pela multidão que está presente -é -que estou falando, para que
creiam que tu me enviaste!''
Como a alguem a quem ele era mais ach-egado do que a to . .
dos os circunstantes e que ele conhecia melhor que o mundo
inteiro, Jesus dirigiu-se ao Pai .celeste. A.gora adianta-se para
o sepulcro e brada em alta voz: "Lázaro, ·sai para fora!"
Apareceu então um vulto branco no -semi-escuro do sepul-
cro, o contorno de uma cabeça envolta num pano, braços amar-
rados com tiras : o morto saíu do -sepulcro, m•udo como um es-
pírito, despertado à voz de Jesus, -sem ver coisa algum.a, obe-
decendo apenas a essa voz.
Só Jesus ·é que conservava a tran•quilidade e orden-ou aos
circunstantes : "Desatai-o e deixai-o ir livremente".
331
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Depois do invemo (Vista geral)
Começa o sol novamente a subir mais verticalmente no céu
e a brilhar com ,mais força sobre a terra. Já passou a época
do frio, próprio do inverno, acompanhado de .chuvas. Os
grãos, semeados alí pelos dias da festa da Dedicação do tem-
plo, já germinaram e formam verdes tapetes nas ondulações
e depressões dos vales, nas encostas das montanhas e en-
tre as fendas das rochas. Mesmo nos descalvados píncaros
desperta uma nova vida. Já estão murchas as flores das plan-
tas que -conservam ,a ·seiva em raízes de cebolas e que logo
depois das primeiras chuvas perfuram a terra com as suas
folhas ainda enroladas, -cobrindo-se logo de flores nos t,alos.
Em troca, florescem com nova vida todas -aquelas plantas que
estendem à flor da terra larga rede de raizes, podendo assim
absorver a água das chuvas em muitos pontos de uma vez e
des~nvolver-se rapidamente. Voltam -por esta época os reba. .
nhos das invernadas das regiões do Jordão e da baixada para
as paisagens em torno dos povoados. E' chegado o melhor
tempo para o gado de pasto, que se habitua -sem grande dificul-
dade às ervas verdes. Aumenta a quantidade de leite e é o
tempo de fazer manteiga e -queijo. Os camponeses escolhem
o cordeiro ,que na páscoa levarão a Jerusalém para imolar
e nas regiões mais distantes aparecem negociantes que pro-
curam os pastores par.a comprar os cordeiros que sobram, pa-
ra o tempo da Páscoa.
Com ansiedade os lavradores -e arren,datários põem-se a
olhar para o oeste. Se agora se atrasam as "chuvas tardias",
com o calor crescem os talos muito rapidamente, ficando fra-
cos, e pequenas são as espigas que produzem. Se antes da
Páscoa não chover, poderá acontecer .que a colheita seja seria-
m-ente prejudicada.
Mas, mesm-o naquelas semanas em que o monte e o vale apa. .
recem para o israelita "cobertos de verde'', o planalto da Ju-
déia permanece um reino de pedras. Por toda parte há ter-
renos cobertos de ca.scalhos, blocos de -pedra desnudados, e
a.rredonda1n-se para o céu cabeças de montanhas, descalvadas
e se1neadas de ruinas.
As árvores e arbustos despertam igualmente para nova
vida. Bem pouca.s deixam cair no inverno as folhas, mas exa-
tamente estas têm sua especial importância: tais são a fi-
gueira e a videira. Nas figueiras ·e videiras os prim-eiros bro-
tos estão começando a sair. No prin-cípio aparecem pequenos
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sinais de folhas enroscadas, agrisalhadas e aveludadas, e vão
se desenvolvendo muito lentamente. De repente, porém, chega
o momento em .que se sentem, por assim dizer, seguras de si
mesmas e então desaparecem debaixo de um verdor exube-
rante os galhos cinzentos d~s figueiras e os sarmentos fibro-
sos.
Jesus não deix-ou passar inutilmente ,~se tempo ainda frio
e preparou-se para a última viagem por toda a região. Não sa-
bemos ao certo que caminho ele terá tomado; mas parece
que preferiu as redondezas do Jordã-o, onde as chuvas ces-
sam mais cedo.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 333
as criancinhas!" ao serem pronunciadas por Jesus, devem ter
tido um tom muito mais forte do q11e comumente supomos.
Se as imaginamos -repassadas de ·suavidade, é em consequên-
cia da-s muitas representações desta cena, onde, as mais das
vezes, vemos diante de Jesus as crianças de cabelos enca.chea-
dos -e rostos bem cuidados.
Quão mais rú.stica deve ter sido esta cena na sua realidade,
e ao mesmo tempo .quanto mais íntima, mais ,doce e mais es•
piTitual. Tratava-se de crianças do povo, •de vida muito sim-
ples, e levaran1-nas a Jesus assim como estavam. Meninos, de
cabelos no ar, descalços, an.drajosos, rasgados, sujos - as
crianças não to1nam banho diariamente, pois -que a água mui-
tas vezes falta inteiramente, e, como bem se sabe, propaga
doenças infe-e ciosas. Crianças com doenças dos olhos e eru-
pções de pele pelo corpo não podiam faltar nu·m grupo como
esse. Na luta contra os "m·au.s olhare.s", tê.m roes.mo como
medida de defesa o pouco asseio ,dos olhos e de toda a cara.
E' literaln1ente u1na v-erdade que aí s,e podem ver crianças as-
.se!ltadas ao sol com uma coroa de moscas em torno das pes-
tanas, sem quasi força para def~nder-se delas.
Por onde é que já teriam andado estes meninos nesse mes-
mo dia! Terão ido com a mãe ao poço e molhado as mãos;
terão revolvido os monturos de lixo perto da população; há aí
3empre alguma matéria aproveitavel para acender o fogo, entre
o lixo das casas abastadas: gravetos, pedaços de esteiras, pa-
péis e pergaminhos velhos; se s.e tem sorte, êncontram-se tam-
bém folhas em branco. Cacos de vasilhas e potes podem, às
vezes, ser aproveitados. Neles o pai inscreve letras mal for-
madas e a mãe os mói fazendo uma espécie de cimento. Es-
ses meninos terão parado ainda . no-s montes de lixo nas ruas
à procura de alguma coisa p.ara -comer. "Isto é bom" - "Isto
não ·presta", ·gritam un-s e outros. Figos! ain,da não: estão de
todo podres! A gente não deve ter nojo! Os meninos estão
portanto cheios de poeira ·e suados, e sujos e rasgados; ma·s
as mães pensam que ainda passa; são coisas iuevitaveis ! As
mulheres não têm compreensão de -que o asseio é uma virtude
moral e, ·podemos dizer, a prirneira de todas.; ao contrário,
vivendo num país em que se cuida demasiadamente da beleza,
pensam que a limpeza pode facilr.aente ser um vício.
Jesus .faz mais do que elas desejavam.
Ele toma as criancinhas nos braços, impõe-lhes as mãos e as
abençoa. Não se pode supor -que -essas crianças, criadas li-·
vremente nas ruas e nos campos, tenham medo do rabino Je-
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sus. Assentavam-se nos seus joelhos e· -olhavam para o seu
rosto como que a indagar de alguma coisa; voltavam encan~
tadas para a·s suas mães, e sentiam-se :sumamente importan--
tes. Nenhuma delas, entretanto,. -podia parecer ao próprios
olhos tão .grande e importante, como -o •era na realid-ade aos··
olhos de Jesus!
Abriu o Mestre os olhos ao·s homens para conhecerem que a:
criança, -como criança, já é algo de grande e que tem direito
de .ser considerada e tratada como tal pela sociedade huma-
n.a. "Dela é o reino dos c-éus !"
E' de notar-s,e que exatan1ente do ano 1 a. Cr. nos foi con-
servada uma carta em que um trabalhador adventício de. Ale_,..
xandria, do qual não se evidencia se ama ou não a sua mu-
lher mais do que os outros hon1ens de sua classe, escreve à
sua esposa: "Quando deres à luz, se for menino, deixa-o viver·;.
se for menina, expõe-na!" No ano 29 do Imperador (Augusto)
no dia 23 de Paini (Junho).
A-ssim ·era a situação naquele tempo em ,que Jesus dizia.~
"Deixai as criancinhas virem a mim !"
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"Eis qu,e vamos para Jerusalém; aí -o Filho do homem vai
-ser -entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas. Hão
-de ·escarnecer dele e conspUTcá-lo, açoitá-lo e matá--lo; mas
.ao terceiro dia ele há de ressuscitar".
Pela terceira vez Jesus tornava a falar de ·sua morte igno-
miniosa. Nunca, porém, começara com ''eu", mas falara sem--
_pre de si mesmo, designando-se por ",Filho do homem", como
.se fosse alguem que estavam vendo alí presente.
A nova profecia era sombria como as precedentes no que
tinha de comum com elas; e ainda muito mais no que continha
de particular. Ã morte do Filho do ·homem pre,cederiam coi-
_ sas terriveis; Je-sus seria entregue aos :gentios, L é, aos ro-
manos; antes de morrer seria escarnecido, cuspido, flagelado.
Ao que parece, os apóstolos não pensavam que o Mestre
·.estava profetizando, mas simplesmente expri-mindo um re-ceio.
Todo o país estava cheio de ,espanto com a notícia da res-
surreição de Lázaro! Até então nenhum milagre causara tan-
ta impressão! Era passivei que tudo corresse melhor do que
Jesus cuidava! . Permaneceriam ao seu lado e saberiam de--
fender-se!
Muito animada estava principalment,e a mãe de Tia-go e João,
que ia na comitiva das mulheres ,que 8€rviam a Jesus. As mu--
.lheres inclinam-se a julgar geralmente uma situação pelo set1
iestado de ânimo; neste caso, porém, ,parec;e que os seus dois
-filhos estavam bem ·de acordo c-om ela. Opinaram os tres que
era o momento azado de se entenderem cõm o Mestre. Mãe e
.filhos .se tinham associado a Jesus; portanto não podiam eles,
Tiago e João, alimentar a pretensão de ser os prim,eiros no
novo reino, eles e não Pedro?
Assim os tres, apr-oveitando-:s-e talvez de um momento de
rde-scanso, se achegaram de Jesus, para esclarecer esse a.ssun--
to antes dos dias decisivos de Jerusalém. Salomé inclina-se
diante de J-esus e este pergunta-lhe:
"Que .queres tu?"
Ela responde: "Concede-nos -que, na tua glória, um de nós
--se assente 'à tua direita e o outro à tua esquerda!"
à direita e à es-querda do monarca assentam-se os hóspedes
·de honra. ·Quem quiser estar tão perto de Jes•us, deve estar
•·preparado a .sofrer com ele; mas nem todos que sofrem com
ele poderão ocupar os primeiros lugares no n-ovo reino, ou
seja, na Igreja.
"Não compreendeis de todo o que estais pedindo! Sois ca-
·pazes de beber o cálice que eu bebo e ser batizados ,com o
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batismo com que eu sou batizádo ?" - Estais a pedir coisas
que não. se devem pedir .sem primeiro refletir bem.
"Somos -capazes·!" responderam eles resolutam·ente. De novo
demonstravam .quão pouco, com efeito, estavam c.ompreenden~
do o- que ·pediam. A mãe terá olhado orgulhosa para Jesus:
E.stás vendo? Não merecem el~s o que pedem ?
Jesus responde:
"O cálice -que eu bebo, haveis de beber e com o batismo com
-que -eu sou -batizado, sereis batizados. M~ conceder a alguem
que assente à minha direita ou à mi~ha es.querda, não é a mim
que toca; é para aqueles aos quais· está determinado!"
Parece -que os outros apóstolos vieram a saber imedia,t~-
mente do que se tinha -passado. A resposta de Jesus não ti-
nha sido afirmada e, portanto, os discípulos podiam tranqui-
lizar-se, mas eles ainda não se tinhan1 livrado de ciumes e in.-
veja.s. Durante esta última viagem Jesus ainda devia apazi-
guar conflitos mes.quinhos entre os seus melhor,es companhei-
ros ! Ele lhes faz ver qu·e os cargos no -seu reino são cargas
e- os postos honrosos são postos de ignomínia. Contradiz•em-se
inteiramente a ordem que ·reina no mundo e a ordem do seu
.
reino.
"Sabeis que aquele-s ·que são considerados príncipes das na-
ções oprimem os seus povos e que os grandes da corte exer-
cen1 vigilância s:01?re ele.s. Entre vós outros não deve ser as-
sim. Qu~m entre vós quiser ser maior, torn-e-se o criad9 dos
outros, e quém de vós quiser ser o primeiro, torne-se o escra-
vo de todos! Pois o Filho do homem tambem não veio para
ser servido, mas para fazer-se servo de todos e, portanto, para
dar a sua vida em redenção de muitos!'.
Os grandes da -corte imitavam o exemplo do soberano. Os
monarcas oprimiam, -os grandes violentavam. Os discípulos de-
viam tomar o seu senhot por exemplo: o senhor dava a vida
pelo bem de outro; assim. tambem eles deviam imolar por ou-
tros a própria vida. Porque o ·-senhor era diferente dos outros,
tambem os discípulos deviam ·proceder· de modo diverso.
'338
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mo é isso ? Ele vai deter. . se em casa de um ch·efe de publica-
nos, portanto um "arquipecador".
Zaqueu veio a saber do que diziam. De fato, sua casa não
era apropriada para acolher um homem como Jesus. Contudo
queria fazer o que possivel lhe era antes que Jesus entrasse.
Daí declara solenemente ao Mestre: "Senhor, a metade de
meus haveres dou aos pobres, .e no caso de haver defraudado
alguem devolvo o quádruplo!"
Zaqueu impõe . . se a si mesmo uma revisão de contas. Quer
devolver quatro vezes mais, se acaso nas contas da alfândega
tenha ocorrido alguma irregularidade: segundo esta . propor.-
ção media-se o castigo que, pelas leis romanas e, e~ caso da-
do, tambem na Judéia, se impunha aos furtos.
Os circunstantes devem ter ouvido com certa satisfação que
o próprio publicano se confessava pe-cador. Mas agora mesmo é
que não podiam desculpar Jesus de hospedar-se em casa de
semelhante homem. Jesus, porém, põe-se do lado do publica-
no, defendendo . . o: "Hoje veio a salvação a esta casa! Tam-
bem ele é um filho de Abraão! O Filho do homem .veio para
procurar e salvar o que estava perdido!"
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Vista do- ponto mais aito da montanha das Oliveiras pará outra montanha em frente com a região
de Betfagé e de Betânia
Por cima de um bosque de oliveiras vê-se no declive uma igreja. A esquerda é o caminho
de Jericó; à direita antigo caminho s~mpre plano conduz a um lugar donde do alto se avista Je-
rusalém. No próximo quadro vê-se a · mesma igreja, fotografada deste caminho. Conforme todo o
ambiente pod~-se supor que sejam vestígios da antiga rede de caminhos. que -existiam no tem-
po de Cristo e já antes dele. Perto da fileira de ciprestes escuros e das muralhas brancas no
fundo, o caminho conduz para a ribanceira onde fica Betânia, a pátria dos irmãos Lázaro, Marta e
Maria. Por semelhantes atalhos, como os -que se podem ver à direita da capela, é possiv-el que al-
guem. se· aproxime de uma localidade sem_ ser visto. Talvez num trilho como este é que teve lu-
gar a entrevista de Jesui com Marta. Aquí ·neste vale ficava Betfagé, a "casa dos figos". Esta
região apropria-se muito para figueiras, amadurecendo aí os figos mais cedo do que em outros lu-
gares. Vindo Jesus da ribanceira para cá, compreendem-se bem as suas palavras: "Ide à localida-
de que -está na vossa frente!" Aqui multidões de Jerusalém vinham receber as caravanas de Je . .
ricó. Rodeavam a ribanceira até avistar a cidade. Os peregrinos a saudavam. Jesus porém chora-
va. A . nova estrada de Betânia segue p~lo dorso das montanhas em que se vêem grandes ·edifí-
cios, perfazendo -enorme arco. Um trecho pode-se ver melhor no quadro da pág. 348. Mais ao fun-
do o olhar vagueia pelas ondulações descalva das do deserto de Judá, à luz do sol já quasi a
descambar. Além de imensas cavidades do mar Morto, levanta-se o planalto do Além-Jordão. Mais
ou -menos onde ter.mina o quadro estava situada numa montanha o forte . Maquero. É típica a
nuvem que se estende sobre a montanha das Oliveiras. Forma-se aí mesmo e torna a desaparecer,
ao ·estender-se por sobre o deserto que, ficando mais baixo, expele mais calor.
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22
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~~<:> µ;r:pJt gr~~de .. fort,µµa., mª~-- 1()... dracma~,.- 1(; óllu:-
Et .Stptoe~,
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34:t
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peculavam às vezes cottt os cereais, dá a. entender a prescri-
ção seguinte: "Ninguem pode diz·er a um outro: Empresta-
me um córo de trigo, e eu te· .devolverei da própria eira. Por-
·que o trigo poderia subi:z: ·de preço, ·e então a diferença do
preço equivaleria a juros". E isso era proibido para '!não se
resvalar a exigir juros", como se exprimia o rabino' Hillel, que
vivia mais ou menos no ano 20 a. Cr. Os judeus conheciam o
costume de tomar trigo emprestado das autoridades do esta-
do; uma parábola rabínica assim eomeça: "E' semelhante a
~lguem que recebeu do rei, emprestados, 1.000 coros -de trigo".
Os acontecimentos desenvolvem-se em seguida como na pará-
bola dos devedores que não podem pagar e terminam com se-
veros castigos.
O seguinte provérbio jurídico demonistra com maior clare. .
za o desfecho de contratos de ne-gócios a -prazo fixo. "Ven-
das de quanto passa pela eira só podem ser realizados pelo
preço da eira; vendas do que não passa pela eira _podem ser
feitas à vontade em qualquer tempo". Pela ·eira passam to-
dos aqueles cereais -que em determinada -época se vendem para
todo o ano. O trigo, p. ex., passa pela eira e tem assim o seu
tempo de eira; da mesma forma os frutos das árvores. Ex-
pressamente era declarado que tambem os peixes do lago de
Tibérias tinham o ".seu tempo de eira", a época de "cotação".
Era proibido comprar de antemão estas mercadorias: os
negócios só podiam .ser feitos quando já estavam na "eira",
i. é, quando o trigo, os frutos, os peixe:;., etc., já estavam ali
à venda e todos tinham então -que observar o preço da eira",
i. é, -o preço oficial da bolsa. E,stas determinações valiam só
para o comércio por atacado; não para as compras pequenas
dos consumidores. A "época" dos peixes era mais ou menos
de novembro até Pá'Scoa; precedia, portanto, a época do tri-
go. Por esse tempo ·é que tambem os apóstolos iam com a pes-
ca·ria a Tariquéia.
342 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
sorte feliz daqueles que molTem com-batendo.). Tinham .em vis-
ta côisas estupendas: mesmo que o restabelecimento do reino.
nij,o p.udesse ser levado a efeito sem feridos e mortos,.. ele, o
guia, tinha o poder de ressu-scitar os caidos nos combates. Je-
sus sentia a tensão ·que ·o cercava.
Para desfazê-la, ele começou a contar uma parábola.
"Um príncipe partiu para -uma terra longínqua pará ser aí
declarado rei. Antes· da viagem, porém, chamou à parte dez
servós seus e deu a cada um uma mina ( cerca de 100$000) :
"Negociai com esta quantia até que eu volte!"
"Aquí ten·s- uma mina! Negocia com ela!" Estas mesmas
palavras um usurário dirigiu, numa narração, a um proprie-
tário de casas e terrenos ao qual queria arrebatar o dinheiro,
apoderando-se de seus campos· e vinhas.
Por "terra longínqua" compreendia-se muitas vezes, nos an-
tigos documentos judaicos, um país que, partindo-se da Pa-
lestina, só s·e podia alqançar após a travessia dos mares, por
meio de algum navio. Em Jer.icó os ouvintes pen·saram com
certeza nas viagens a Roma, -que os príncipes herodianos em-
preendiam.
O.s cidadãos, os futuros súbditos, entretanto, nada queriam
saber desse rei e mandaram atrás dele uma embaixada in-
cumbida de falar contra ele. A tentativa não surtiu efeito: o
príncipe voltou feito rei.
Mandou então os dez servos (oficiais) virem à sua presen-
ça e apresentarem as contas. O primeiro declarou, sem men-
cionar o seu trabalho, com -uma modéstia g·enuinamente orien-
tal : "Senhor, a tua mina lucrou outras dez!"
O príncipe mostrou-se um_ homem que recompen.sa regia-
mente_: "Bem, servo bom; uma vez -que foste fiel no pouco,
serás éonstituido sobre dez cidades!"
Apresentou-se o segundo; e falou de um modo sem,elhante
ao primeiro: "Senhor, a tua mina lucrou outras cinco!" O se-
nhor recompens·o.u tambem a este: "Serás constituido sobre
cinco cidades !''
Um deles, porém, foi demasiadamente.preguiçoso para traba-
lhar por um senhor que não estava por detrás dele como um
vigia; um traço muito caraterístico tirado da vida oriental.
Exatamente este servo começou a falar dos trabalhos e cui-
dados que teve com a mina. Co~ aparato teatral foi des-
atando o dinheiro do pano em que o tinha embrulhado; mais
uma e uma e outra dobra; ainda uma prega até •que apare-
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 343
c,e .. afinal.. 3--i luzidia-""- mQ~.d~.. En.quanta .jsso-. ia. e:x;plicando. _cQ-
a
m,o. __-quem -te;r.n.. di:reito :. :.'-~Senhor, ·ei~ _a,quí :mina que: me deste.?.
Tive _medo de. tj ! -~i. _que...és um._ sen}lor severo,; exiges o qµe.
não deste_ . e colh.es o que. não sem.e.as.te!"
O oficial apela para uma justificâção. jurídica .. que_ nãq_ v.em
ao cas.o: " Tratei o teu dinheiro como um depósito, como uma
coisa que me f of confiada para. ,guardar. ! PorqÜe ·ês tão seve-
ro, pàreceu-:m.e isto o mais seguro!"
As-sim poderia f~lar uni senhor livre, nãó, porém, um ser-
vo do rei. Conci-ente dos seus direitos, o rei ó in-crepa: "Em
conformidade -com que aca:bas de diz.er, eu te julgo a-gora, ser-
vo inutil. Tu· sabia~ que eu sou um senhor ·severo, que exige
o· que não deu e eolhe o -que não ·semeou! ·Por que· ao menos
não pus.este o dinheiro num banco? Assim, depois da minh-a
volta, eu -0 rehaveria com juros!"
Então ordenou aos circun.stantes: "Tirai-lhe .a mina e
dai..a. ao que tem dez!."
Admiram-se os cortesãos. O rei,. porém, exige .que esta seja
presenteada àquele que tanto tinha .conse,guido. "Eu vos digo:
Ãquele que já tem alguma coisa ser-lhe-á dado ainda mais;
mas àquele que nada tem, .ser-lhe-á tirado mesmo o que tem!"
Esta foi a primeira decisão do n-ovo rei. Segue-se logo uma
segunda: "Ainda mais! Trazei-me aqueles que trabalharam
contra mim para que eu não fosse rei e matai-os diante de
meus olhos!,,
Esta narração -pode-se contar não só -entre as parábolas da
Judéia, ·mas ainda designar co~o uma parábola de Jericó.
Pois Jericó era uma cidade em que -qualqu,er jovem já pos-
s-uia um pequeno negócio, onde bancos e casas de câmbio se
amontoavam -entre os bazares e empr_esas de transporltes.
Partindo desta -cidade e não de Jerusalém é -que outrora H~-
rodes Magno transpôs os mar-e.s e voltou com .o título de rei;
~eu filho Arquelau quis imitar o pai, mas a população, depois
de sua partida para Roma, enviou uma embaixada para pro-
testar contra a sua nomeação para rei. J~-sus falava a ouvin-
tes, dos quais muitos tinham conhecimento destes fatos.
'Tambem o Filho do homem ia ,empreender uma viag,em a
terras longínquas e não pensava nu·ma coroação im-ediata.
Aqueles_, que a-gora tanto se agrupavam em torno dele para
lhe estarem bem perto quando -ele revelas.se o seu reino, ain-
da teri~m que passar por um tempo de provação e sair-se
bem. dela. E terrível castigo· aguardava aqueles -que, na al)sên-
cia do seu :senhor, se insurgissem contra s-eu. domínio.
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--~f:itad9 ele . â~b.nQ do _po.v.o ~- cl1.-,ga4a Jle "-"~ •
. . • t. ' ..
J:ud.~~---
. •
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Parece, à vezes, ,que entre os povos meridionais as -resolu-
f.ções procedam de transformações passageiras. Mas -dificilmente
te encontraremos alhures tanta inexo~abilidade e prudência
:·.na realização de um plano. E' o que vemos na resolução to-
_ mada contra Jesus. Imediatamente foi dado o aviso de que de-
viam denunciar o lugar.em·que Jesus -se acp.ava e que ~zaro
,,.devia ser morto.
Esta disposição não dei~ou de ,produzir impressão no povo
~simples. Os -p~regrinos que., por causa dos sacrifícios purifi-
,-.catórios, tinham chegado a Jerusalém -dias antes da festa, es-
tavam reunidos na praça do templo e só trocavam idéias so-;
""bre Jesus, quando se senti~ seguros dos guardaa! Atrever-
:-se-ia ele a comparece~ à f est~?
'.:346
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.
As mulheres, em banquetes deste gênero, costumavam tomar
parte, não como comensais, mas como serventes. A\ nin·guem,
porém, teria parecido com·pleto o número dos oonvidad~,
se Lázaro não tivesse estado presente. Marta, dona de casa
:sempre ativa e previdente, ocupava-se em.. servir os hóspedes.
Maria, que mais amava o Senho;r, "fiéáva, aparentemente,
alheia ao movimento; é o que se dá sempre com pessoás de sua
índole por ocasião d-e uma festa. E ,.-ela mesma, na dor que
a acabrunhava, não desejava outra coisa. Depois da ressur-
reição de seu irmão, J'es:us tinha escapad"O às intrigas dos
seus advers~io~ como um fugitivo. Agora voltava à frente de
um-a peregrinação, resolvido a -celebrar com .eles em Jerusalém
a festa de Pás·coa.
·O-s discípulos, como M;aria podia ver, ti!llham recobrado
novo ânimo. A passagem ·por Jericó tornara-se um desfile tri-
:unfal e os peregrinos, que com ele tinham subido -o deserto e,
em seguida, deixando Betânia de lado, s·e tinham dirigido ,logo
para Jerusalém, est~vam possuidos de entusiasmo por J·esus.
Maria, -entretanto, tinha ouvido dos discípulos tambem as
palavras da :paixão e da morte ,que Jesu:s pronun,ciara durante
o caminho. Sabia, pois: Jesus está ,conosco ·pela última vez. Não
procurou dissuadí-lo de ir a Jerusalém, mas só s.e preocupava
do modo como ainda lhe podia mostrar o seu afeto.
Animou--se então a "ociosa" e se ativou. Toma um vaso cheio
de uma libra de riquíssimo e puro bálsamo de nardo; entra na
sala dos convidados, quebra à vista dos comensais o fragil
.gargalo do frasco e derrama o ·bálsamo sobre a cabeça de
Jesus. A unção não era em si nada de extraordinário. Na
classe mais alta da sociedade não era raro que a dona da
casa ~e apresentasse com um frasco de -essência de rosa e
a f asse derramando .gota a gota nos cabelos e vestes do hós-
pede de honra. O que de extraordinário havia é que Maria
não, se aproveitara de tão precioso bálsamo para misturá-lo
com outros unguentos, mas .que o empregara puro como era.
Uma libra continha mais ou menos 350 ·gramas; era, pois, da
forma -e tamanho de u-m pequeno vaso de flores. Da seme-
lhança desta -cena com a unção de Maria Madalena não se
pode deduzir de forma alguma -que s-e trate do mesmo acon-
tecimento.
A nós hoje uma tal unção poderia parecer refinado e mes-
mo exag.erado tratamento da beleza corporal. No oriente per-
fume e unções sã.o meios comuns de defesa contra os ardores
ress.ecantes e enervantes do verão. Os perfumes refrescam, a
347
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A· ct"i~pressão dá montanha perto de Retfagé
À direitfl da igreja passa o caminho entre .d~as n1u-
ralhas para Betânia. Deve ter sido por aí que antiga-
mente se viajara ·de Jericó para Je·rusalém. Ao longe as
montanhas do Além-Jordão. Na frente um grupo de ·ho-
.mens. Está soprando o vento do oeste, como se pode
ver dos agitados panos de cabeça. S<;>bre .o dorso d~
1nontanha nuvens dispersas.
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unção torna flexível a pele endurecida nas yiagens, peia mis--
tura de poeira e·~ suor. Contudo n~o era -comum usar uma tal
.quantidade de bálsamo tão -precioso para uma só unção. Com
os movimentos de suas mãos Maria esp~lhava o perfume em
todo o ambiente.
Entre os que consideravam toda esta cena, cheios de pasmo,
estava Judas, a quem, seguindo ainda o Mestre, mas sem a fé
que há muito. perd-era, deviam irritar interiormente as duas
irmãs com a sua fé abnegada, principalmente esta Maria, em
.sua lhane.za e simplicidade. Se ·ele tivesse possuido a f ortu-
na delas, teria vivido de modo muito diverso! Ele sentia como
uma ofensa a ele próprio fazerem-se semelhantês despesas
com o Mestre sem que algum lucro lhe viesse às mãos. São
João nota: Judas guardava a "bolsà" ·e punha de parte o que
aí lançavam. A palavra "bastazein", que significa propriamen-
te "conter, tocar, levar", era empregada em documentos egí-
p-cios da mesma época no s-entido de "roubar". Quanto _mais
J.udas s·e aferrava na per.suas.ão de que a vida de Jesus não
tei:minaria com um reino terre~tr~, tanto mais avidamente ~a
guardando para si parte- das esmolas dadas ao Mestre ..
.Sem querer, escaparam-Ih-e da ·boca -as palavras: ·"·Por ·que
não .se vendeu este bálsamo! Poder-se-ia ter obtido pór ele
300 denários! E o dinheiro poder-se-ia ter distribuido ·aos po-
bres!" Eu já me teria incumbido do negócio! Judas, ·como os
outros apóstolos, tinha calculado, pelo -perfume, b valor do
bálsamo. Os apóstolos concor.daram com ele, p·ens.ando, po-
rém, realmente nos pobres, e não, como Judas, em si mesmo.
Jesus defendeu a mulher que emsilêncio o ungia, repre:..
endendo tanto Judas como os apóstolos. · -
"Deixai-a en1 paz! .Por que a molestais! Boa ação ela fez
comigo. Pobres, sempre os tendes convosco,. e quando quiser-
des podereis fazer-lhes bem; a mim, porém, nem sempre te--
reis convosco. O que ainda lhe era possível, ela o fez! de an--
temão ela ungiu o meu corpo para a sepultura! Em verdade,
eu vos. digo: Onde quer que o evangelho f ar anunciado em
todo o mundo, contar-se-á tambem para ·sua glória o que ela
:fiez.!"
Maria e .Judas sentiram-se dominados pelo pensam·ento da
morte próxima de J-esus .. Maria queria dar quanto _poili:_a aõ
condenado à morte; Judas queria tirar-lhe o mais possivel.
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ENTRADA TRIUNFAL DE JESUS
EM JERUSALÉM
Jesus aclamado messias diante da cidade
As multidões de povo dos jud~us souberam que Jesus
estava em Betânia; sairam, pois, não só por sua causa,
mas tambem para ver Lázaro que ele tinha ressuscitado
dentre os mortos. Os sumos sacerdotes, porém, toma-
ram a resolução de matar tambem Lázaro, porque mui-
tos judeus por causa dele se apartavam e acreditavam
em. Jesus (Jo 12, 9-11).
Quando Jesus, no dia seguinte, se ia aproximando de
Jerusalém e chegou em Betfagé no monte das Oliveiras,
mandou dois de seus discípulos, dizendo-lhes: "Ide a
este lugar que está diante de vós! Logo que aí entrar-
des, encontrareis uma jumenta atada e um jumentinho
com ela. Desatai-os e trazei-os aqui (Jo 12, 12-19; Mt 21,
1-9; Me 11, 1-10; Lc 19, 28-40).
350
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Na manhã seguinte Jesus deixou essa localidade. O·s discí-
pulos esqueceram-se do medo e das preocupações; apossou-se·
deles um tal entusiasmo por Jesus como não tinham sentido.
desde os dias da pregação na Galiléia. Só aguardavam o mo-
mento em que Jesus saiss·e de sua misteriosa calma e reco-
lhimento. Assim iam andando com ele pelos caminhos muito•
batidos entre cercas de vinhedos e olivais.
No meio do caminho Jesus parou - achava-se presumi--
velmente n~ ribanceira do lado do sul do monte das Oliveiras,.
onde, num recanto da montanha, estava encravada pequena.
aldeia. Semelhante local supõem as palavras de Jesus, orde-
nando a dois de seus discípulos: "Ide- a essa localidade que~
está diante de vós. Logo ao entrardes nela, encontrareis uma.
jumenta amarrada e um jumentinho com ela! Desatai-os e·:
trazei-os aquí ! e se vos perguntarem: Que estais a fazer? res---
pondereis: O Senhor precisa dela, mas a devolverá imediata-·
mente!"
Não é raro encontrarem-se numa aldeia palestinense jumen--
tos atados junto de uma porta; muitas vezes para isso já es--
tão fincadas arg-olas nas paredes. Mas que os discípulos encon-
trariam logo numa das primeiras casas uma jumenta com um .
jumentinho, no qual ainda ninguem montara, e que estes dois.,
animais lh-es seriam entregues à sua disposição, era só ~ oni-··
ciência que o podia declarar eom tanta certeza.
Penetraram os discípulos na localidade e viram o animal;..
conforme a palavra do Senhor, começaram a desatar a rédea, .
sem primeiro perguntar pelo dono. Pessoas indagaram o que.
faziam; eles responderam como Jesus lhes ordenara. E deixa--
ram-nos ir.
Os costumes orientais confirmam estas indicações. Em ge. . -
ral deixam os jumentinhos andarem junto das mães, conser. .
vando-se eles espontaneamente a-0 lado. Entre os agricultores,
do Egito é costume tocar as vacas até às casas de uma loca-
lidade e tirar o leite ali mesmo na rua. Mesmo neste caso,
deixam os bezerros acompanharem. Corresponde, pois, inteira-
mente aos usos de então, se nos evangelhos se diz que só a.
jumenta estava amarrada. Pelo aluguer de um jumento não se
pagava muita coisa. E' interessante que, por acaso, nos foi.
conservado um contrato de aluguer de um jumento exatam·en-·
· te no ano de 33, presumivel ano da morte de Jesus. Ta~to a ..
jumenta como o jumentinho foram entregues, inteiramente:~
conforme o texto dos evangelhos, pelo espaço de tempo desde'.:-
18 de Fevereiro até 28 de Agosto, pelo -preço de tres dená- ·
351.
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.:~rios ao mês. Afirmaiidó os discípulos que o Senhor 'devolveria
..imediatamente os animais, é de ·supor-se :qtie mesmo pessoas
que mal conhecessem a Jesus, nã-o se recusariam a emprestá-
1os.
A volta dos dois discípulos enche de alegria os corações dos
demais discípulos. Até então tinham caminhado a pé com o
)Y.lestre pelas várias localida-de-s do país - agora ele mandou
,que lhe preparassem u,ma cavalgadura! E-le monta! (A ju-
menta ao lado faz com que o jumentinho vá andando quieto
e mansinho!)
Em poucos momentos a pere-grinação dos galileus se tinha
tran-sformado numa solene manifestação, um verdadeiro trib.n-
f o para o Messias. Um -deles começou a exclamar: "Hosana !
(Senhor, auxiliai-nos!)", era a -exclamação fe.stiva dos judeus
que reboava principalmente sem cessar na festa dos Taberná-
culos, quando chegavam à passagem onde esta palavra ocorre
no salmo 117.
A1guns dis•cípulos tinham posto os seus. mantos no lombo
d-o animal, um ,serviço que costumavam pre.star a pessoas no-
bres, -quando lhes ofereciam uma cavalgadura sem dispor no
momento de uma sela. Outros tomavam os mantos dos om-
bros e os estendiam à guiza de tapetes. Nas tradições judai-
cas conta-se de um homem rico para. o qual preparavam o
caminho de sua casa à sinagoga, forrando de lã todo o trajeto.
Eistes costumes •s1upõe naturalmente tempos sem chuv.a.s e
caminhos -secos. Ainda outros, mulheres e crianças, tomavam
parte no cort:ej-o, cortavam ramos de árvores e os agitavam,
como na festa dos Tabernáculos.
Fariseus estavam alí presentes como testemunhas do entu-
siasmo do povo. Jesus tinha evitado sempre semelhantes ma-
nifestações-. Talvez fosse possivel levá-lo a reprimir esse en-
tusiasmo. Em todo o caso ·que.riam- torná-lo responsavel pelas
consequências ·daquelas multidões agitadas. Achegaram-se as-
sim do aclamado e· aconselharam-no -com ares de im·portân-
cia: "}.tJestre, chama à ordem os teus discípulos!"
Jesus não consentiu que os perturbassem. Tudo isso fazia
· parte do ritual -santo, determinado desde sempre quanto à
sua entrada em Jerusalém antes de oferecer o sacrifício d-e suà
vida. Portanto ele declarou simplesmente: ·Eu vos digo, que,
:. se estes se calas-sem, âs pedras bradariani'!"
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Jesus chora sobre Jemsalém
Quando Jesus foi chegando mais perto e enxergou a
cidade, come~ou a chorar sobre ela, falando do modo se-
guinte: "Oh! se tu conhecesses ao menos neste teu dia
o que te pode trazer a paz! Mas agora está encoberto
aos teus olhos!" (Lc 19, 41-44).
Chegara o :eortejo a um lugar donde se descortinavam a
cidade e o templo por sobre o profundo vale de Cedron com
s·uas 'íngremes ribanceiras. Pela manhã, o sol, levantando-se
no oriente, inunda toda a região com sua luz esplendorosa.
Aparecem cúpulas se.mi--·esféricas e tetos -chatos em desorde-
nada mistura, os edifícios mais antigos, .no meio, apinhado&
uns sobre os outros, e os novos, separados, diante das mura. .
lhas da cidade; apenas aquí e alí percebem-se estreitas vielas
cortando, como uma torrente negra, -o complexo das casas.
Só as sombras das aberturas ·dos respiradores e das paredes é
que permitem
.,
perceber as disposições de todas estas con-stru-
~
çoes.
Tudo is~o entretant,o tinha a aparên-cia -de um montão de
pedras aglomeradas sem ordem, em co1nparação do templo
que .se levantava no alto da montanha. Amplamente esten-
diam-se os átrios cercados de muralhas colos.sais •e de edifícios
adjacentes; o sol o ilumina fulgurosamente; ,o i)rÓprio templo
cintila -como se fosse feito de luz, uma construção toda celeste
em suas dimensõ-es e em es-plendor e não deste mundo.
1 •
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Nestes dias iam chegando a Jerusalém ·as caravanas de-
peregrinos uma após outras. Nisso 'fez-se ouvir um alarido
ainda maior, que indicava algo de extraordinário em todo
aquele movimento já de si fora do comum. AprQximava-se,
com Jesus no meio, uma multidão alvoroçada em que rostos
ardentes não cessavam de gritar'! Acorrem ·pessoas de todos·.
os lados e perguntam: "Quem é esse?" A comitiva respondia:
''Jesus, o profeta de Nazaré na Galiléia!"
Ao. cortejo naturalmente foram .s·eguipdo todos os meninos
das ruas de Jerusalém, que não se amedrontavam diante dos.
fariseus todo-poderosos. Ao passo que os adultos no templo,.
ao que parece, silenciaram, os meninos não viam por que não,
podiam repetir tambem no templo· as mesmas exclamações ..
Em coro e livremente gritavam com todas as forças: "Hosa-
na ao Filho de Daví! Hosana!
Estas cenas iam s·e desenrolando espontaneamente confor-
me a vida religiosa dos meninos. Já nas escolas aprendiam de·
cor o salmo donde se origina o Hosana. Além disso eram en-
sinados a agitar os ramos de árvores logo -que no templo era
entoado o Hosana na festa dos Tabernáculos, sendo, portan-
to, naturalmente transportados ao ceremonial .desta festa ao
acompanharem a entrada triunfal de Jesus.
Imediatamente apresentam-se os fariseus a Jesus, dizendo-
lhe: "Ouves o que estão clamando?" Responde-lhes Jesus:
"Perfeitamente!" Essa manifestação não contrariava à lei,
porque correspondia ao plano de -Deus: "Não tendes vós lido
a passagem de Escritura: Pela boca dos meninos e das crian-
cinhas mandaste anunciar o teu louvor?"
Os espaçosos átrios do templo não se esvaziaram depois de
terminada a manifestação; a comoção localizou-se em vário$
pontos, que se tornaram centros de reunião. Jesus mesmo de--
teve-se algum tempo no templo; viam, porém, que ele dava
por terminada a sua obra.
Entre os peregrinos da festa de Páscoa, achavam-se tam..
bem gentios -que falavam grego. Tinham subido a Jerusalém
para a f·esta e rezavam ao Deus de Israel no átrio mais afasta-
do, pois -que, sob pena de morte, lhes era proibido entrar no
átrio interior, como ainda hoje é expressamente proibido a
qualquer pessoa, que não seja muçulmana, visitar a praça do
templo durante a festa de Nebi-Musa. Estes gentios tinham
sido testemunhas da· entrada. triunfal e, ao que parece, origi-
navam-se do norte, tendo co.nhecimento -com alguns dos discí-
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23•
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pulos. Nesse mesmo dia ou num dos seguintes, foram ter com
Felipe, ,pedin-do que os apresentas-se ao Salvador.
Felipe, sempre prudente, viu-se bem atrapalhado; como é
que o Mestre havia de atender a gentios aquí no templo, ago-
ra, .que estava . sendo vigiado continuamente? Aconselhou-se
com André, seu -conterrâneo, e os dois juntos foram expor o
caso a Jesus.
Vê-se Jesus naquele momento separado dos gentios pelas
prescrições do Velho T-estamento, como por uma muralha, en-
quanto interiormente lhe fossem mais achegados do que mui-
tos judeus. Esta muralha devia ser destruída .pela sua morte,
pela qual desapareceriam os limites entre judeus e gentios.
Jesus sente ao mesmo tem·po o temor ante a paixão já tão
próxima e a feliz visão das bençãos que da cruz se derrama-
riam sobre todo o mundo. E pelas suas palavras ele deixa en-
trever a comoção de sentimentos opostos que se iam suceden-
do uns aos outros, como o agitavam durante todo o solene
cortejo.. Ele diz:
'.'E' chegada a hora em que o Filho do homem deve ser glo-
rificado. Em verdade, em verdade, -eu vos digo: Se o grão de
trigo não for lançado debaixo da terra e aí morrer, permane-
cerá sozinho para -si. Mas, se morrer, produzirá fruto copioso!
Quem ama a sua alma perdê-la-á; mas quem odeia a sua
alma neste mundo, conservá-la-á para a vida -eterna. Quem
me quer -servir siga-me! Onde eu estou, deve tambem estar o
meu servo ! Quem me serve, -o meu Pai o honrará!"
C0m que atenção puseram-se todos a escutar, quando ele
falou de sua "hora!"
Jesus, porém, com a entrada triunfante começou a sua pai-
xão. O temor, que permitiu que se fosse apoderando de sua
natureza humana, prorron1pe agora em palavras e g-estos.
"Agora a minha alma se perturba! Direi eu talvez: Pai, pre--
:serva-me desta hora! Exatam·ente para isso é -que vim a esta
l1ora !"
Já anteriormente Jesus falara de modo misterioso de "uma
hora", u1T1a época de sua vida que se diferençaria dos outros
dias por particular iml)ortância. Mas nunca sentira tal pa-
·vor desta "hora" co1no agora depois -da -entrada em Jerusa-
lém. Sem apoio e a envergonhar--s-e pelo seu Mestre, os discí-
pulos <? rodeiam, ao ouvirem-no .;falar as.sim. Oh! ele agora
destrói todos os resultados dos últimos dias!
356 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Jesus ergue-se vitorioso, dominando o terror; eleva para os
c-éus os olhos, es-quece-se dos ouvintes e exclama ao seu Pa~
nas alturas: ''Pai, glorifica o teu nom~!"
Ocorreu aí algo de importantíssimo. J·esus já não rez-a, di-
rigindo-se para o santíssimo no templo! E do céu ouve-se uma
voz aterradora, respondendo ao seu clamor:
"Eu o tenho glorificado e de novo o hei de glorificar!"
E' a resposta do Pai. Pelos milagres que o Filho fazia con-
forme a sua vontade, foi glorificado o nome de Deus; seguir-
se-ão novos milagres logo que o Filho tiver superado a hora
da paixão e da morte. _ .
Os circunstantes ouviram igualmente -a voz do céu, mas fi-
caram sobre-maneira surpreendidos. Toda a atmosfera ao re-
dor deles estava perpassada de um surdo rumor que sempre
se produz num lugar onde milhares de pessoas se reunem. Só
os que se achavam mais ,perto é que de fato compreenderam
a voz; os outros, entretanto, tambem verificaram que esses
sons procediam do céu. Explicavam uns que havia trovejado,
opinavam outros, vivendo num n1undo todo impregnado de
religiosidade: Um anjo falou com ele!
Jesus os adverte:
"Não por mim e sim por vossa cau-sa -é que veio esta voz!
Agora é o juizo do mundo, -agora será expulso o príncipe des-
te mundo! E eu, quando for exaltado, atrairei tudo a mim!"
Soara, pois, a hora da luta decisiva. O .próprio Deus Pai en-
viou publicamente o seu Filho para o último combate. Em
breve tudo será pa~sado.
Jesus emprega uma expressão que indica a cruz ao mesmo
tempo como suplício de sua morte e ·como assento de seu no-
vo trono. Deste trono é que ele reunirá todos os homens a-o
redor de si, "atraindo-os" com força irresistivel.
Compreendem os ouvintes que ele e.stá falando de sua ni,or-
te. Ainda há pouco, porém, aclamfl,varo-no: Hosana ! hosana !
Irritam-se, pois, ouvindo-o falar, como sempre, de -coisas tão
tristes, e replicam :
"Nós sabe-mos da lei - tambem nó.s entendemos de alguma
coisa! - que o Messias permanecerá -para sem·pre ! Que en-
tendes, portanto, por isso que o Filho do homem deve ser exal-
tado ? Quem é afinal esse Filho do hom-em ?"
Estranho nome o d-e "Filho do homem"! O Filho do homem
de Daniel que -baixará das nuvens do céu, esse, -sim, conforma-
se aos seus des-ejos ! Mas e~te filho do homem! Há sempre um
·ar de doçura, de resignação e de tristeza quando Jesus fala do
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"Filho do homem". "Que há. cqm esse Filho do homem?" Per-
gu·ntim eles bru_scamente. ·alg-µns min~tos ·d~pois que o pró-
prio céu deu téstemunho des~ Filho do homem!
Jesus, res·ponde~do, eyita a expressão que tanto os irrita, e
retrai-se atrás de um quadro. No oriente a noite fecha-se ra-
pidamente. Os olhos. que, devido à farte claridade do dia, não
estão afeitos à quasi súbita escuridão, não podem <µstinguir
claramente as pedras ponteagudas; quem é surpreendido pela
noite, cairá infalivelmente.
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onde as uvas eran1: -~~magadas e: do~de, por meio de canais,
o vinho escorria pa~a os depósitos; topam-se montes de pe-
dra, o último resto das atalaias, onde os donos moravam e
dormiam no tempo da vindima_.
A·s vinhas ,é que- davam a toda a região, no tempo de Cristo,
o seu carater típico, e os trabalhos que aí se tornavam nece-s-
sários, mês a mês, determinavam em larga escala a vida do
povo simples. Não eram, entretanto, vinhas como na agricul-
tura moderna. Várias espécies de árvores frutíferas -aí se en-
·Contravam entre as videiras. Falando dos "frutos" das vinhas,
entendiam os produtos destas árvores ,que deviam entregar
aos donos. Os frutos das videiras podiam conservar como pas-
sas e v-en-dê. . las.
Logo que Jesus começou a falar, os ouvintes foram trans-
portados a contemplar quadros de sua própria experiência e
muito familiares. Eis que um proprietário, assaz abastado
para custear esses trabalhos, plantou uma vinha e a cercou de
uma muralha; esta muralha é feita de pedras soltas que se
encontram alí mesmo no campo.. Construiu tambem um lagar,
cavando-o na rocha, e uma torre. Entende-se por si mesmo,
que o proprietário mandou fazer todos esses trabalhos por
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Decide, pois, enviar-lhes o próprio filho, o único que tem;
eles não podem deixar de conhecê-lo e nenhuma dúvida pode
-haver ac-erca dos seus direitos.
Manda-lhes o filho. Os. arrendatários reconhecem-no
. e s-a-
bem que este, não sendo simples mensageiro, mas co-,proprie-
tário e herd-eiro, tem todo o direito de reclamar. Mas •as con-
sequên,cias que daí tiram são muito diferentes das que ó se-
nhor cuidava. Matando o filho, não há outro herdeiro. Que o
senhor mesmo venha, retome a sua propriedade e vin·gue a
morte do filho, é cois•a em que não pensam. Por tempo demais
já tinham abusado da sua bondade; obceca-dos, interpretam-
na agora como estupidez ou fraqueza. Atiram-se sobre o filho
com ainda maior crueldade e o matam.
Acontece o que sempre ocorria quando Jesus falava com
palavras simples e compreensíveis a todos. Iam seguindo os
fatos e formavam um juizo acerca das pessoas descritas.
Terminou J-esus a sua descrição com a pergunta: "Que fará,
pois, o senhor da vinha?" ~ Ele mesmo respondeu com seve-
ridade. "V;irá e acabará com os arren-datários e ·entregará a
vinha a outros!"
Havia aí, porém, fariseus que -compreenderam que os arren-
datários eram. eles mesmos, devendo, -pois, s-er c,astigados tão
s-everamente. _Estes contradisseram: "Que tal não suceda!"
Citando uma passagem da Escritura, Jesus declara que es--
s,as coisas já estava1n. sendo postas em 12-rática. Nesses mes--
m.os dias eles, os , fariseus tinham decidido, à semelhança dos
arrendatários: Hav-e-mos de matá-lo! Mas seu Pai já determi-
nou tambem vingar a morte de seu Filho.
Jesus replica :
"Que há com o texto da Es-critura que reza: A pedra que
desprezaram os que edificam veio a tornar-s=e pedra angular?"
Esse passo encerra em si uma parábola e e~at~mente uma
dessas "parábolas da Judéia". Na planície da Filistéia e jun-
to do Jordão as casas são construidas de barro ; na Judéia,
porém, em toda parte, encontra-se grande quantidade de pe-
dras. Conhecem aí as diversas classes de pedra, tão hem como
alhures s-e di,stingue.m claram·e:nte a.s várias es.pécies de made_i:,
ra: as pedras cinzenta·s com veias e cantos avermelhados, pe-
dras completamente cinzentas, brilhantes e brancas e-orno o lei-
te; pedras tão mol~s que, recem-tirada-s da pedreira, se podem
s·errar e cortar facilrnente, outras, por fim, tão leves que se
adaptam otimamente para as cúpulas.
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Uma parábola tirada de uma pedreira calhava perfeitam.e:n-·
te alí na presença do templo com. as suas magníficas muralhas·
e paredes de pedra de cantaria; talvez ali por perto .se amon-
toassem peQras para alguma construção, pois, que, por esse
tempo, ainda se ia edificando sempre alguma coisa mais no
templo.
O construtor vai à p~dreira e escolhe as pedra·s ou exami-
na as que já foram transportadas para o lugar d-a constru--
ção; um~ cena que hoje em dia muitas vezes se repete na Pa-
lestina, ond-e cresce -a atividade de construções. O con-strutor-
pega na pedra, toca nas veias ,e juntas e ·passa a mão pelos.-
cantos e lugares salientes. Acontece por vezes que o constru-
tor e o f ornec-edor das pedras disputam sobre a prestabilida-
de das pedras, querendo aquele excluir uma ou outra como,
imprestavel; uma não tem os cantos certos e ângulos bem for-
mados, outra apresenta uma greta ou camadas frageis. Ba--
tem com o martelo para fazê-las soar. Vão continuando as.
discu~sõe-s, mas nunca são excluidas pedras leves e grandes,
próprias para fundamentos angulares, num país em que, em.
vista de frequentes terremotos, a solidez se torna absoluta-·
mente necessária.
Mas o que •de mais incrivel há, suce-deu em Israel! - Neste.
sentido Jesus mesmo pergunta: "Que há com a passa·gem da_.
E-scritura que reza: A pedra, que desprezaram os que con--
stróem, veio a tornar-se pedra angular?"
A esta pergunta Jesus lhes fita nos olhos: deve ter sido um
olhar que os desarmava, penetrando até ao âmago da alma ...
Eles haviam dito : "Que tal não suceda!" E-ste olhar é a res-
posta: Mas sim, acontecerá de.ste modo! Eu sou a pedra an. . -·
gular que tendes desprezado!
Jesus torce o qua•dro da pedreira, de modo que ele passa.
a significar outra -coisa. Ele ·próprio é uma pedra, ele com a
sua força divina: é uma loucura que as criaturas em sua exis-
tência limitadíssima se rebelem contra ele: "Aquele que cair··
nesta pedra contundir-se-á e a.quele ·sobre o qual ela cair será.
esmagado''.
A embaixada retirou-se enraivecida, r-econhecendo que nada-.
podia fazer contra Jesus. Outra vez -ele se tinha proclama-
do Filho de Deus sem que o pudessem compreender devida--·
mente, chegando a ponto de anunciar o fim do seu domínio ..
No primeiro ímpeto de ira sobreveio-lhes o impulso de lançar--
se sobre ele, mas não se atreviam com medo do povo.
3'61.
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A moeda do tribufu
Enviaram a ele alguns homens do partido dos fari-
seus e alguns herodianos, para que, dando-se como .pes-
soas concienciosas, o apanhassem em suas palavras
(Me 12, 13-17; Mt 22, 15-22; Lc. 20, 20-26).
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S.e Jesu.s respondesse que sim, _poderiam c~.amá-lo de- trai-
dor de Israel. Se _dissesse que _não, alí estavam os herodianos
;que, mantendo relações com os magistrados romanos, po4iam
denunciá...J.o, sendo eles próprios testemunhas. Os romanos
eram um povo .que muita coisa... toleraya,_, mas muito sensivel
se mostrava em matéria de impostos. E, tratan,do-se de um
g~lileu, eram ainda mais desconfiados, porque nessa região,
pouco antes, um homem por nome Judas encabeçara uma re-
·belião por causa de impostos.
Conversas sobre impostos são sempre muito populares. De
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https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 363
qualquer das mãos. Com certeza, sob -a primeira ·•impressão
.causada por esta solução, ressoou uma boa gargalhada entre
os circunstantes.
Os escarnecedores da ressurreição
Foram ter com ele saduceus, homens que diziam que
não há ressur~eiçâo e perguntaram-lhe: "Mestre, Mof-
sés determinou para nós: Se um homem morre, deixan-
do a sua mulher sem prole, o seu irmão a deve tomar
em matrimônio e suscitar descendênci~ pa1·a ele. Ora,
havia sete irmãos. O primeiro tomou uma mulher e mor-
reu sem deixar filhos. O segundo a recebeu em matri-
mônio, mas tambem morreu sem. descendência e ao ter-
ceiro aconteceu a mesma coisa. Numa palavra, todos os
sete morreram sem filhos. Por fim morreu tambem a
mulher. A qual dos sete pertencerá a mulher depois da
ressurreição dos mortos, se eles 1·ealmente ressuscita-
rem?" (Me 12, 18-27; Mt 22, 23-33; Lc 20, 27-40).
364 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
pre um tanto pesadas, porque supõem verdade determinada
, .
e un1ca.
Até então eles se tinham alegrado com as derrotas que Je-
sus ia infligindo aos fariseus; mas agora a coisa se lhes afi-
gurava mais séria. As boas :relações com Roma podiam ser
facilmente perturbadas por um homem como Jesus.
Num estado de ânimo -que só é po.ssivel nesta classe de gen-
te, empreendem a luta contra o Mestre de Nàza{"é. Nada de
política! Nada de pesquisas profundas! Coisas· f aceis e ligei-
ras, -compr.eensiveis tambem a ,pes·soa s incultas e que se pos-
1
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 365
alma. -Ora, o número das almas que Deus quer criar, estará
concluido depois do fim do mundo. Portanto, após a ressur-·
reição, já não haverá acréscimo da humanidade nem tão pou-
co instintos correspondentes.
"Que os mortos, porém, realmente hão de ressuscitar, não
tendes lido o trecho da sarça ardente no livro de Moisés, como
Deu·s aí falou: Eu sou o Deus de Abraão, Isaac e Jacó ! Mas
ele não -é Deus dos mortos e sim dos vivos!
Os saduceus tinham pretendido apoiar a.s suas opiniões nos
livros de Moisés. Os seus adversários, os fariseus, não tinham
podido provar dos mesmos livros a ressurreição dos mortos .
Jesus os refutou.
Deus dissera expressamente a Moisés: "Eu sou o Deus de
Abraão, Isaac e Jacó!'' Ora, estes patriarcas, ao tempo de
Moisés, já tinham morrido há muito tempo. Caso não ·houves-
se almas imortais e uma ressurreição, Deus se teria declarado
por estas palavras um Deus de cadáveres. Entretanto não po-
dia ser este o sentido das palavras de D·eus !
Houve quem- publicamente aprovasse a Jesus: "Mestre, tens
respondido bem!"
O Messias senhor de Daví
Estando os :fariseus rewiidos ao redor dele, Jesus lhes
fez a seguinte pergunta: ''Q~e pensais vós do Messias?
De quem ele é filho?" (Mt 22, 41-46; Me 12, 35-37; Lc 20,
41-44-). ..
Jesus procurou, por uma última vez, ganhar para si os fa-
riseus, demonstrando-lhes que muitos textos da Es-critura lhes
passavam quasi despercebidos. Os legisperitos cuidavam que
tudo já estava pesquisado; na realidade era como se arras-
tassem cofres fechados. Jesus começa com uma pergunta que
parecia inteiramente supérflua; qualquer vendedor de melões
a poderia responder:
"Que pensais vós do Messias? De queiµ ele é filho?"
Responderam: "Filho de Daví!"
"Mas como é então que Daví, inspirado pelo Es-pírito, o cha-
ma de Senhor, dizendo: Falou o Senhor ao meu Senhor: As-
senta-te à minha direita at~ que eu ponha teus inimigos como
esca:belo de teus pés! Se Daví o chama de seu senhor, como
é que ele. pode ser ao mesmo tempo seu filho?"
Jesus citou uma passagem da Escritura muito explorada por
aqueles que na mesma Escritura queriam provar o reino do
Messias. Conforme este texto, o Messias seria um descendente
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de Daví, que ·ve-nceria todos os inimigos: "Tornar os inimig-os~-
escabelo de seus pés" - ,este quadro exprime a~ mais com.: .
p1eta sujeição. Os príncipes vencidos são levados diante do-•
vencedor e este coloca os pés- na s·ua nuca. Num dos muitos .
e preciosos escabelos do ouro de Tut-Enchamon, que se con--
servam no museu de Cairo, vê-se a representação desta cena.
Não observavam, ·porém, aí, uma particularidade: Davi, nu--
minado pelo Espírito, ·chama o Messias -de seu senhor! N en--
hum oriental pode in1aginar a possibilidade de um homem cha-·
mar seu senhor um descende~te seu, por mais célebre que .
se torne. Para os habitantes do oriente, um homem que em
espírito contempla os seus descendentes, parecer-lhes-á sem--
pre um pai rodeado de seus filhos. Os descendentes é que de--
verão chamá-lo de senhor. Se, pois, Davi, o grande rei, cha-·
mava o Me-ssias de seu senhor, este não seria apenas um de-
scendente do rei - Jesus não toca neste ponto, antes o confir--
ma, - mas já devia ser seu s-enhor e ser-lhe superior num tem-
po em que ainda não era seu filho. Com delica•deza, para não,,
exacerbá. . los de novo, Jesus insiste que a própria Escritura.
designava o Messias não só como filho de Daví, mas como fi-
lho de Deus!
Sem ruido e taciturnos, mesmo sem saudação alguma, os.
fariseus, assim como se tinham aproximado de Jesus, se foram.
afastando dele.
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 36T
1erentes. Jesus repete agora o que já no sermão da monta-
~nha tinha ac,entuado:
"Na ·cátedra de Moisés assentaram. .se os escribas e os fa-
_ riseus ! Tudo o -que ele vos· dizem deveis fazer e. seguir; mas
'
c-onfarme o -que fazem vós não deveis proceder! Dizem. . no, mas
não o fazem! Atam cargas insuperaveis e põem-nas nos om-
-bros dos h-omens .. Eles mesmos, porém, nelas não tocam com
um dedo sequer para movê-las".
O quadro -çl.e cargas insu-peraveis amolda-se inteiramente à
realidade ori ental. Aí está um chefe de ,caravana: com as pró■-
1
..3·68
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hipocrisia desses homens na vida que levavam: agora ele pas-
sa a descrever, frisando alguns casos-- e -quadros conforme o
modo de pensar do povo, os muitos danos que causa o seu fin-
gimento, sen-do eles os gruas do povo de Israel.
"Ai de vó.s, escribas e fariseus hipócritas, porque fecha~s o
rein-o dos eéus aos =homens; pois nem vós entrais, nem dei. .
x:ais -que entrem os que desejariam entrar".
"Ai -de vós, es-criba.s e fariseus hipócritas! Rodeais terras e
mares para fazer um prosélito e, quando -encontrais alguem,
fazeis dele um f1.i.ho do inferno, ain-da pei-or do que vós roes. .
mos!''
"Ai ·-de -vós, ·guia:s cegos.! Dizeis: Se alguem jura pelo tem-
plo, não vale nada: mas· se jura pelo ouro do templo, então
vale! Loucos e ce-gos ! O que -é mais, o ouro ou o templo, que
santifica o ouro? E vós ·dizeis: S•e alguem jura pelo altar,
não vale na:da: mas, se jura pela oferenda em cima do altar,
-então vale! ,Cegos! ·O que é mais: a oferenda ou o alt~r que
santifica a -oferenda? Quem jura pelo altar, jura por tudo o
que nele está! E quem jura pelo templo jura tanto pelo templo,
como por aquele que nele habita, e quem jura pelo céu jura
pelo tro:!o de Deus e por aquele ,que se ass,enta nesse trono!"
A ambição de dominar seduzia os escribas a reservar só pa-
ra si o direito de explicar a lei, introduzindo toda sorte de
subtilezas. Na realidade, as suas interpretações destruíam to-
do o respeito devido a Deus.
"Ai de vós, escribas e fariseus hipó-critas, que dais o dízimo
da hortelã, do ,endró e do cominho e des·prezais o mais impor-
tante, a justiça, a misericórdia e a fidelidade: deveis fazer es-
ta~ -coisas e não omitir aquelas. G-uias cegos! que coais uma
. .tosca e engulís camelos!,,.
Ao passo -que a lei só prescrevia o dízimo para o vinho, o
~eite e o trigo, plantaçõ·es estas em .ponto maior, que serviam
propriamente de alimento, os fariseus .gabavam-se de pagar
tambem -o dízimo dos ,legumes e da hortelã - que na aplicação
corresponde ao .porro - do endro e do cominho.. O dízimo era
determinado em primeiro lugar como uma dádiva para os Je. .
vitas, e os pobres, - portanto, como ·uma dádiva de caridade
para com Deus e o próximo. Os fariseus não tinham, porém,
amor nem de Deus, nem do próximo, nem justiça, nem mise-
ricórdia ·que levam a dar esmola. No dízimo viam apenas um
titulo de ·glória do partido, que conseguiu que se observassem,
370
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Se tivés-semos vivido no tempo de nos.sos pais, não teríamos
sido cúmplices do sangue -dos profe tas!
Estais a testemunhar contra vó-s mesmos ,que soi.s filh-o-a
dos que mataram os profetas! - Vós sois os que encheis as
medidas dos vossos pais! s.erp-entes e raças de ví,boras ! Como
escapareis da condenação ao infem.o? Eis que eu vos enviarei
profetas, sábios e escribas: a uns deles matareis e crucifica-
reis : a outros açoitareis nas vossas- sinagogas, perseguireis
de cidade em cidade. Todo o sangue justo, ·que foi derramado
na terra, deve cair sobre as vossas frontes: desde o sangue
de Abel, o justo, até ··o sangue -de Zacarias, filho de Baraquias,
que matastes entre o santuário e o altar!"
Sobrecarregar-vos-·eis de uma tal culpa por sangue derra-
mado que todos os outros assassínios desaparecerão diante de
vossos crimes: fulminar-vos-á, porém, igualmente um tal cas-
tigo que em .si encerra e ultrapas,sa todos os outros castigos.
"Em verdade, eu vos digo : Todas estas cois~s hão de vir
sobre esta -geração!"
.
Jesus alude aquí à sua própria morte, .para a qual ele estava.
caminhando: fala em seguida da perseguição de seus mensa--
geiros aos judeus -e dos castigos que assolaram o povo e toda.
a região, -porque permaneceram obstinados mesmo depois da.
revelação do .seu poder na ressurreição : su,põe, portanto, taci-
tamente a -sua morte e ressurreição.
Na presença do templo, em pé, com as mãos levantadas:
para o santuário, Jesus prorrompe na sua última exclamação-
sobre o futuro da cidade: Ele aduz, como -quadro de seu amor
cheio de solicitude, a c-omparação -com a ave que se ocupa de
seus pintinhos. Este quadro é ainda hoje muito familiar no
oriente. Assim, 11:um hin.o, os trabaihadores designam-se a si
mesmos como pintinhos do seu patrão.
"Jerusalém, Jerusalém, cidade que malas os profetas e ape-
drejas os que t~ são enviados! Quantas vezes eu quís ajuntar
em torno de ~}m os teus filho~, como a. galinJ1a ajunta os
seus pintinhos debaixo ·das asas, mas tu não quiseste! Eis que
por isso a vossa casa vos vai ficar um deserto! Eu vos digo:
De agora em diante já não me haveis de ver até que digais:
Bendito~º que vem em· nom•e do Senhor!"
Foi esta a despe:dida do templo e do povo de Israel! Nos
apóstolos toda esta cena deve ter produzido uma impressão
esmagadora! Tais palavras o mestre tinha ousado proferir
contra os fa.riseu:s todo-poderosos!
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Vista do páteo da caserna turca para o lugar do tempto e a mesquita de Omar
A caserna turca foi edificada no mesmo lugar e-m -que estava situada
no tempo de Jesus a fortaleza Antônia. Esta fortaleza Antônia, como sim-
ples construção, era muito maior, se bem que não tão luxuosa, do que o
templo propria-m-ente -dito. Daquí para o lugar do templo havia -escadarias,
pelas quais os soldados podiam descer. As perturbações políticas começa-
vam quasi sempre nas grandes solenidades judaicas. A cúpula da esplên-
dida mesquita Omar levanta-se -exatamente no. lugar onde no tempo de
Cristo estava o altar do holocausto. No seu interior pode-se ver perfeita-
mente a rocha e um canal. A ~esquerda aparece ainda perfeitamente a cúpu-
la da mesquita Acsa. Pelos tr-es arcos pode-se olhar _para a parte sul da
enorme praça. Ao tempo (\e Cristo tinham edificado perístilos ao longo das
muralhas para resguardar das chuvas e dos raios do sol. Na festa da De-
dicação Jesus deteve-se num pe-rístilo. Deviam dar a impressão dos arcos
murais da fotografia. Mais à esquerda a porta aurea. No tempo -de Jesus
era uma espécie de porta litúrgica que só podia -ser utilizada p·elos sa-
cerdotes.
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,
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Os apóstolo-s ~terrorizados ,pelas profecias sobre a destrui-
ção do tempI,o, observavam, com mais atençã:0, e~quanto iam
saindo, ªf? colossais construções. Algumas -pedras eram tão
grandes como as pequenas casas da G;aliléia.
N,o templo mesmo eles se tinham calado: era como se agora
quisessem reatar o contato com J·esus, quando um deles lhe
diss•e: "Mestre, olha que pedras e que construções imponen-
tes!" Ainda -hoje quem contempla as últimas ruínas, que res-
tam da -con:atrução do templo, proITomperá em exclamações
sem·elhantes, mesmo os técnicos modernos teriam que refletir
muito, se tivessem ·que transportar essas imensas pedras -qua-
dradas. ·Quanto mais- ·se deviam es·pantar então os apóstolos,
quando vêem que J-es-us -se d·etem e re.sponde a ·quem o in-
terpelara: "Observas estes grandios-os edifícios? Nenhuma des-
sas pedras ficará sobre a outra sem ser deslocada!"
0-s apóstolos ficam fora de si. Não só passag,eirarnente, mas
de uma vez para sempre o templo deve ser destruido! Para eles
isso significava tanto como a própria destruição do mundo.
Silenciosos vã-o descendo ao lado de Jesus o vale de Cedron
e subindo •do outro lado a montanha das Oliveiras. Entre oli-
veiras acinzentadas, que a-gora, à luz crepuscular, tomam uni
aspeto de ensanguentadas, chegam ao lugar em ·que Jesus,
dias antes, chorara sobre Jerusalém. Naquele mon1ento o tem-
plo lhes parecia con10 que renascido da noite e das trevas,
numa esplêndida luz ·matinal: agora o sol se ia pondo atrás
das monta-nhas do lado do oeste.
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~ -va de -grandes acontecimentos: numa extraordinárià excita-
.ção, mais an·sios-os pela verdade do que preocupados com o
seu próprio bem-estar.
Jesus aproveitou-se da pergunta como de um ensejo para
·lh-es comunicar algumas profecias sobre o futuro. Do povo
de Israel ele já ·se tinha despedido; agora dava- a entender
aos discípulos ·que daí em diante tambem eles em. sua vida se
·deviam -separar desse povo obstinado. Depois da morte do ver-
•dadeiro Messias surgiriam falsos: viriam tempos turbulentos,
mas tudo isso não os deveria inquietar. Não seriam ainda os
dias realmente maus, mas apenas os dias qu•e os deviam pre-
c-eder !
"Cuidad-0 que ninguem vos seduza! Muitos virão em meu
no1ne e di1·ão : "Sou eu ( o Messias)" e enganarão a muitos!
Quando ouvirdes falar de guerras e de rumores de guerra,
;não vos perturbeis: porque assim deve acontecer, mas ainda
_não será o fim. Levantar-se-á nação contra nação, rein9 con-
tra reino e haverá terre1notos. em div,ersos lu·g~es e haverá
f ames. Is-so será o princípio das dores".
Pessoalmente eles podia1n estar das-preocupados a ;e-sse res-
peito. A1guardavam-nos outras tribulações, pois deviam dar
testemunho de Cristo: portanto estivessem de sobreaviso pa-
ra não trair o Senhor por tem,or ou pusilanimidade.
"Mas atendei a vós mesmos! Entregar--vos-ão aos tribunajs
e sereis arrastados às sinagogas para ser açoita-dos: deveis
aparecer diante dos gove~nador-es e reis por amor de mim,
para diante deles dar testemunho ( de mim). Irr1porta que pri-
meiramente o evangelho seja pregado entre todas as gentes!"
Como s-e terão espantado os pescadores da Galiléia~ Não
temiam, é certo, quando se tratava de medir-se com os seus
iguais, ou de lutar com as forças da natureza: das autorida-
des, porém, tinham grande pavor. Daí já começavam a se in-
quietar. Jesus os consola:
"1\,Iesn10 -que vos venham buscar para vos entregar, não vos
preocupeis de antemão pelo que haveis de dizer. Direis o que
vos for dado naquela hora. Pois não sois vós, mas o Espírito
Santo é que há de falar (-em vós). Uni irmão entregará en-
tão à morte o irmão, e um pai, o filho: levantar--·s,e-ão os fi-
lhos contra os pais e lhes tirarão -a vida: por ~mor do meu
nome sereis odiados de todos. !\-Ias quem perseverar até ao fim
será salvo!"
Entretanto -esta·s coisas não se deverão suceder imediata-
mente umas às outras: primeiro deviam deixar o seu próprio
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país e espalhar-se entre as nações. Então, sim, virá o tempo
em que os adeptos fiéis de Cristo deverão tomar o máximo
cuidado para não ser acometidos por tremendos casti,gos.
Agora que Jesus começa a falar da destruição d9 tem·plo,
as su~s expressões se tornam mais precisas e concretas, con-
formadas às circunstâncias judaicas:
"Ora, quando virdes a abominação da desolação onde não
deveria estar - quem ler que o entenda - então os que es-
tiverem na Judéia, fujam para as montanhas!"
Por ocasião de guerras era costume refugiar-se em cidades
fortificadas: n1as agora dev,er-se--á fugir
.. para o deserto ou
para o planalto do Além-Jordão! - "E aquele que se achar
no terraço, não desça e não entre em casa para tomar qual-
quer coisa! n O terraço ou telhado chato de m·uitas casas da
Judéia dava diretamente .para a encosta de um m•onte ou ti-
nha uma escada pelo lado de fora. Nas cidades podia-s·e pas-
sar de um terraço a outro por meio ·de uma espécie de peito-
rís. Por qualquer dess,e caminhos mais -curtos deverão fugir
naquele dia! -- "Quem estiver no campo, nem sequer volte
atrás para buscar o seu manto!" No campo, o.s trabalhadores
vestiam-se apenas co1n uma túnica: para a noite, porém, um
manto era indispens.avel. Entretanto, quando se fizerem os
·preparativos para o cerco de Jerusalém, deverão fugir o mais
depressa· possivel, mesmo sem o manto! - "Ai das mães que
naqueles dias estiverem -grávidas ou amamentando!" Ao passo
-que outras pessoas devem fugir sem manto ou qualquer em-
brulho, as mães se verão impedidas -de fugir depressa. No
m·eio da descrição do justo castigo revela-se a misericórdia de
Jesus. Das mães lembrou-se ele tambem -mais tarde, no ca-
minho da cruz, quando se referiu a um semelhante castigo.
"Rezai para ·que a vossa fuga não .suceda no tem-po das
chuvas!" O cerco de Jerusalér.a começ-ou em abril: portanto, a
fuga pouco antes coincidiu com o tempo das -chuvas tardias.
Nessa época não se pode pernoitar ao relento: muitos ca-
minhos estão transfarmados em torrentes e outros em lon•go
lamaçal. Já uma chuva ordinária desorienta os palestinenses
como um grande temporal.
Jesus tinha falado até aqui dos aeontecimentos ·que prece-
deriam a destruição de Jerusalém, naturalmente não usando
de uma linguagem seca de escola, mas manifestando a maior
comiseração p.elo porvir d-os dis-cípulos. Agora Je.sus se cala.
Segundo a órdem das idéias parece que s,e devia ter ajunt~do
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.. aquí imediatamente a descrição da destruição de Jerusalém,~
m.a·s Jesus a passa por alto. Talvez· porque dias antes já a.
tinha des-crito nesse mesmo monte, falando do cerco, da to-
mada e da destruição da cidade. Os discípulos retinham ainda
na mente as suas palavras de então: as-sim a de.struiç_ã-o por
si mesma .se ia completando na sua imaginação. Todo o dis-·
curso de Je-s-us· tinha para eles um conexo muito mais íntimoi
e perceptível com tudo o que tinha sido dito anteriormente·
do que para nós hoje, leitores, que já não estamos tão no meio-
desses acontecimentos que possamos compreender nitidamen-
te a sua mútua relação e influência.
377·
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.crédito. Surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão si..
_nai~ e prodígios para, se possível fosse, seduzir até os eleitos •
.,Cuidado, -pois! A vós eu tudo tenho predito!
O prenúncio da destruição de Jerusalém seria a insurrei-
,ção de Israel, qu-e provocaria o avanço dos. romanos: os pre-
. núncios do fim -do mundo serão o levante e a perturbação- de
toda a natureza.
"Naqueles dias, depois das tribulações, o sol há de escurecer,
.a lua não dará o seu brilho e as estrelas cairão do céu e as
·virtudes dos céus se hão de con1over !"
Estas palavras soavam de uma maneira particularmente
·impressionante nos ouvidos dos discípulos que viviam numa
.r-egião em -que o sol se move ,meses a fio num céu s-em nuvens,
em que a lua é observada diariamente em suas fases e toma-
.da praticamente como o calendário de todos, em que as es-
trelas cintilam com rara claridade. Em parte poeticamente, em
parte por uma certa intuição da realidade, talvez muito mais
profunda do que supomos, atribuiam esta ordem de estrelas
,e estações, que aparecen1 e desaparecem, a uma outra ordem
misteriosa de forças -celestes, mediante as -quais todo o univer-
so se mantem em equ.ilí,brio. Esta ordem será perturbada! A
idéia ,que o homem simples da Palestina faz do universo
supõe ainda as concepções antigas. Atribuem-se ao universo
os fenômenos meteorológicos como a uma 0rdem de forças cós-
micas : assim, segundo eles, o "mundo~ chove, troveja, relam-
.
peJa.
Ao passo que a descrição da destruição de Jerusalém ter-
mina com a inespera~a admoestação para fugir, a segunda
conclue com alusão à vin-da do Fillio do homem.
"Então hão de ver o Filho do homem baixar das nuvens com
··grande poder e glória. Mandará seus anjos e ajuntará seus
·escolhidos dos quatro ventos, de.sde os extremos da terra até
·aos extremos do céu".
Os tempos d•e ambos os juizos:
Na destruição de Jerusalém, aqueles ,que criam no S-en-hor
deviam salvar.. se fugindo. Jesus indicava-lhes, pois, propria ..
··mente o tempo da fugida e não o tempo da -destruição, no mo-
r11ento em que profetizava.
"Da figueira aprendei a -parábola!
Quando os -seus ramos estão ten·ros e as folhas começam a
brotar, sabeis -que o verão está perto! Assim tambem deveis
saber que, quando e-stas coisas acontecerem diante de vossos
olhos, (a destruição) já está perto da port~. Em verdade eu
378
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vos digo: Esta geração não passará, até que tudo isso se cum-
pra! Os céus e a terra passarão: mas as minhas palavras não
hão de passar !"
Os hom-ens daqueles dias presen-ciarão ainda a destruição
de Jerusalém - ,e o tempo entre os -prenúncios e a destruição
foi muito breve. E' o que se -dá com a figueira. Suas folhas
grossas e carnosa~ só -c-omeçam a brotar quando o calor pe-
netra na terra. Indica isso na Palestina, on-de não se conhece
a primavera propriament•e dita, a proximidade imediata dos
ardores do verão.
Na destruição de Jerusalém poderão salvar-se pela fu-gida.
por isso Jesus precisa exatamente o te:t:Qpo. Mas no juizo uni-
versal nin-guem poderá .salvar-se pela fugida. Daí, uma fixação
mais determinada do tempo do juizo univ-ersal teria talvez con-
tentado a curiosidade, mas d·e nada adiantaria para a salva-
ção das almas. Jesus declara ex·pressamente que o tempo do
juizo universal só é conhecido do Pai. "A respeito daquele dia
ou daquela hora ninguem sabe de nada, n•em os anjos, nem
o Filho do homem, mas só o Pai!" Não fazia parte da mis-
são do Messias dar qualquer informação neste particular. Com
iss-o dava a entender que a destruição de Jerusalém ,e o juizo
universal não se realizariam no mesmo tempo.
O jnizo final
Quando vier o Filho do homem na sua majestade, e to-
dos os seus anjos com ele, então assentar-se-á no trono
de sua glória (M,t 25, 31-46).
B·em depressa o arrebol vespertino se inflamara e desapare-
cera: nesse tempo, antes da primeira lua cheia primaveril, a
noite não chega a escurec,er de todo: apenas as cores é que se
esvaem. Brinca o luar €ntre os galhos cinzentos e prateados
das oliv-eiras: as sombras em redor dos. troncos são manchas
negras como carvão : as rochas calcáreas brilham esplêndida-
mente: as cigarras e os grilos cantam nas ramagens: desper-
tam os cães nos arredores das cidades-, latem uns aos outros
e ajuntam-se para va·guear pel_as ruas.
Raras vezes na vida de Jesu.s deu--se um -contraste tão forte
entre o ambiente exterior e su~s palavras, como naquela noite
junto ao monte das Oliveiras, defronte do templo e da cidade.
Jes·us repousa en:costado numa pedra, um homem como os
outros. A luz da lua resvala nos seus vestidos, como pelas pe-
dras alí em redor e pelas oliveiras que parecem desfazer-se em
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Terraço de plantação com atalaias
No tempo de Cristo plantavam as vinhas misturadas
com figueiras. Agora, como os maometanos não podem
beber vinho, ·esses terraç-os servem de campos. Às ve--
zes encontram-s·e aí ainda algumas videiras, nunca fal-
tam porém as figueiras. No verão toda a família vai
para o campo e aí vive principalmente de uvas e de fi--
gos. É o tempo mais belo da Palestina. Pode-s-e ver
então o que diz a Escritura: ''·estar-se assentado de--
baixo das figueiras e das vinhas". A fotografia mostra
duas figueiras num campo já ceifado de um colorido·
cinzento claro. Os campos -estão cheios de ·espinhos co-
bertos de poeira. À esquerda, uma soberba oliveira.
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negras nuvens. Resvala tambem pelo sem1blante de· Jesus, dan-
do-lhe um aspeto impressionante.
Na calma e no ·silêncio da noite ele começa a falar do juizo
final. Esgotaram-se os profetas nas suas mais vigorosas ex-
pressões, quando profetizaram a es·se respeito. Jesus, porém,
começa com uma calma ainda maior do que de costume. En-
tretanto, logo na primeira frase, alí mesmo assentado numa
pedra, como um peregrino cansado, ele começa a falar da gló-
ria do Filho -do homem e dos seus anjos:
"Q·uando vier o Filho do homem em sua maj-estade e com
ele todos os seus anj-<;>s, então assentar-se-á no trono de sua
glória. Reunir-se-ão todas as nações diante dele: E ele há de
apartar os homens uns dos -outros como o pastor separa os
cabritos das ovelhas: colocará as ovelhas à ·sua direita e os
cabritos à sua es-querda. Então dirá o Rei aos que estiverem à
sua direita: "Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança
o reino -que vos está preparado desde a fundação do mundo.
Porque eu tive f orne e me destes de comer: tive sêde e me des-
tes de beber: era peregrino e me abrigastes: estava nu e me
cobristes: estava doente e me visitastes: estava preso e fostes
ver-me!"
Então os justos hão de responder-lhe, dizendo: "Senhor,
quando é que te vimos com fome e te demos de c.omer, ou com
sêde e te demos de beber? Quando ·é que te vimos ,como pe-
regrino e te abri-gamos, ou nu e te vestimos ? Quando é que
te vim,as doente ou . .na prisão e fomos visitar-te?''
O Rei respon-der-lhe-s-á dizendo: "Em verdade eu vos digo:
Q~e o que fizestes -a um dos meus mais pequeninos irmãos,
foi a mim m·esmo ,que o fizestes!"
Aos que estiverem à sua -esquerda dirá: "Apartai-vos de
mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para
o demônio e os seus anjos! Eu estava com fome e não me
destes de comer: estava com -sêde e não me •destes de beber;
era peregrino, e não me abrigastes; estava nu e n-ão me ves . .
tistes; estava doente ou preso e não fostes visitar-me!"
Então eles lhe hão de replicar:. Senhor, -quando é que te
vimos ,com fome ou com sêde, ou peregrino, ou nu, ou doente,
ou preso, e não te servimos ?
E ele responderá: "Em verdade eu vos digo: Quando não
o fizestes a um destes pequeninos,. foi a mim -que não o fi-
zestes!"
E então estes irão para o tormento eterno e -os justos para
a vida eterna!"
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 381
..-.Os .fariseus só falavam de UJil juiz que correspondia à ·süà:
natureza e ao seu orgulho: Israel seria elevado, todos os s-eus
inimigos ·humilhados e escravizados . -J:es·us-, pelo contrário,
anunciava um juizo, em que nen-huma diferença devia haver
entre os judeus e os gentios. Tambem como juiz, ele é o- "Fi;..:
lho do homem", assim como, ele se fez irmão de todos -os ho-j
mens e em cada homem vê um irmão seu, tam-b·em os homens
devem considerar cada um de seus semelhantes um seu irmão
em Jesus.
O amor d-e todos os oprimidos, humilhados, destituidos da
fortuna e. desp::rezados do mundo recebe -com estas palavras
um .sentido n-ovo: Não é um simples afeto de almas nobres, a
que se poderia renunciar livremente. O amor fraterno do pró-..
ximo é agora mais necessário para os que não são pobres do
que para os. pobres mesm.os: ele é a medida se-gundo a qual.
premeia ou castiga o Filho do homem que por todos deu a sua
própria vida.
382 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Foi. então que urn· dos doze, por nome Judas de Cariot, .se··
dirigiu aos sumos sacerdotes, e lhes ·perguntou: "Quanto me··
dareis para .que eu vô-lo entregue?"
;Os fariseus "obrigara1n-se" a dar-lhe trinta moedas de pra--
ta. Essa expressão podia =significar tambem que lhe deram.
esta quantia imediatamente. Se em amplificações retóricas:,
esta soma é interpretada como o preço de um escravo, é ape--
nas un1a aproximàção da realidade. Estas 30 moedas de pra-~
ta são o preço que Moisés determina como "pena" (como tam-..
bem lemos no -direito germânico) -para o caso -que um boi ati--
re por terra e m.ate um -escravo ou uma escrava . Os fariseus . .
não queriam pagar com esta quantia propriamente a traição,
de Judas: ao seu modo de ver todo is·raelita estava obrigado a.
denunciar onde ele se ·detinha. Estas trinta moedas eram ape-
nas uma espécie· de reco1npensa dada a Judas, por ter-se pres-·
ta.do a esse negócio com especial aptidão. Tambem Judas na.
sua pergunta acentua o "eu". Como se dissesse: "Eu!"
isso significa uma proposta extraordinária: cá comigo o di--·
nheiro não se gasta atoa !
Afinal é sempre um enig.ma como Judas chegou a esta re-
solução. Mistério é sempre o definitivo endurecimento de um..
homem para com Deus . Os ,homens, que se põem a perscrutar·
s-emelhante mistério na alma do próximo, são quase sempre de
uma natureza muito diversa e não consideram este fenômeno-,
psíquico tanto como mistério, -mas como loucura inc·ompreen---
sivel. Quão insensatas se afiguram a um homem moderado as.~
inchações de um vaidoso e as ambições de -um orgulhoso! Ao,
contrário, como é dificil ao vaidoso chegar a um conhecimen- ·
to perfeito de si mesmo! Judas inclinava...•se à avareza e à a11:1- ·
bição: é o que s-e deduz das narrações, - portanto, quem me-··
1
lhor poderá fazer uma idéia do estado de sua alma, é quem já.
passou por fortes tentações desta espécie, saindo delas vito- -
•
r10s0.
Certo é que, .quanto à vocação, a diferença ·entre Judas e os,
outros discípulos não foi muito .grande: - todos es·peravam .
llPl reino de esplendor ·e glória! Mas nos outros esses sonhos.
foram . desaparecendo .ao.amor de Jesus: - é o que há de lin-·
do, h-µmanamente falando, nos seus protestos, por ocasião da
ú_lt~a ,ceia. Em _Judas, pelo -contrário, ·o amor do dinheiro,
sufoca to_do o amor d~ J~sus. Já. :bem cedo deve ter começado
esta mudan,ça d'alnia_: como é natural, à avareza e à ambição'.":
foi-se _ass9Gjan-do a i;I)fi~elidad~, .e à infidelidade a hipocrisia..~::
3g3.·;
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Decisivo efeito devem ter produzido em Judas tambem. os
·últimos discursos de Jesus no ,templo - daí em diante, cui--
1dava ele, já não seria possivel uma recon·ciliação entre Je-
.$11'S e os :guias do pbvo. Além disso, a perman,ên-cia em Be-
tânia dev·e ter sido insuportavel para esse discípulo: - todo
.aquele delicado amor parecia-lhe puerilm·ente exagerado. Es-
tava ansioso por sair dalí para f.ora. Lá estava tambem ague-
.la Maria, por -cuja -causa o Senhor o tinha repreendido.
Para os fariseus foi uma alegre surpresa que alguem dos
círculos mais achega-dos de Jesus estivesse clis:p-osto a trair o
:Mestre. Não ,convinha que deixass-em transparecer quanto ti-
:nham desprezado esses discípulos, gente inculta, tirados da
.classe -mais baixa, e quanto desprezavam precisamente naque-
.le momento o próprio Judas.
A OLTIMA CEIA
A preparação da ceia pascal
No primeiro dia dos pães ázimos, em que se imolava
o cordeiro pascoal, os discípulos pergunta1·am a Jesus:
'"Onde queres que preparemos para comer a páscoa?"
(Me 14, 12-16; Mt 26, 17-19; Lc 22, 7-13).
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tavel e -bem preparada., com poltronas e leitos. Ai prepar&i,
para nós -o -cordeiro!"
Os discípulos tê-lo-ão ouvido com mais tran·quilidade: O
Senhor está c-ontando evidentem-ente com os seus inimigos
•
qu-e por toda parte espalhavam espias.
"Encontrareis um homem que l•eva um cântaro d'água!"
Com estas palavras Jesus lh·es dava um sinal: e isso signifi-
cava realmente no mundo da vida oriental um "sinal", i. é,
algo que chamava a atenção. Os homens ·que se ocupam em
carregar água empregam para isso em geral odres de couro
(recc-ntemente usam tambem latas de petróleo . . vazias)~ as
mulheres, ao. invés, costumam levar a água em cântaros bo-
judos à cabeça.
No mais, várias coisas nesta incumbência não lhes pare-
ciam tão estranhas -como a nós.. Os cidadãos de Jerusalém
estavam obriga,dos a ceder aos peregrinos, para com.-er a pás-
coa, todos os a:posentos -djsponiveis de suas casas. Os pere-
grinos nada pagavam de aluguer: era costume, todavia, dei-
xar ao dono da casa o pêlo do animal imolado. Para a ceia
pascoal adaptava-se de modo particular o grande aposento
do andar superior, que em geral tinha -como pavimento toda
a dimen.são dos alic,erces. Este aposento -é µa Palestina a "sala
de visitas" - -chamam-no tambem ·simplesmente de "diwan",
em vista das suas poltronas ou leitos. Ãs vezes tem uma
saída para fora, de modo -que se possa entrar e sair livre-
mente. A família detetn-se nos aposentos do andar térreo.
Assim Pedro e João saíram de Betânia, sem dúvida pouco
antes do meio-dia. Conforme a .plena liberdade que costuma-
vam dispensar a um hóspede, tambem os preparativos para
a ceia pasc-oal eram inteiramente .confiados. aa:~ próprios pe-
I'legrinos. E' o -que toda a narração parece estar indicando. Os
discípulos tin-ham ·perguntado a Jesus só a respeito do lugar
da ceia: quanto ao mais, não tinham dúvidas. Não se deve
,,,,, . . .
es-quecer que nao era a primeira vez que comiam a pascoa
,
com Jesus.
Na cidade, pouco depois de terem atravessado a.s portas,
antes de ser-em obrigados a es-colher alguma rua, os discípu-
los encontraram logo o homem com o cântaro.
Naturalmente não era o próprio dono da sala, situada num
andar superior: era apenas um servo. Foram-no seguind<;> :· o
que, no alvoroço de muitos peregrinos, não ·era tão facil. Se-
guiram-no entrando na ·casa onde ele entrou e aí dirigiram. .
s·e ao dono. Conduziu-os este ao .andar superior e convidou-os
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assar, porque o processo era muito- mais- rápido.- ,Supõe-se nas
-narraç&es. que .:es.ses ·fogões~ -eram transportav-eis: o ·rabino
Choni manda que levem -~stes. fogões do átrio para o .interior
da casa, p-orque estava para chover.
Entrementes Jesus despediu-se dos irmãos ·de B-etânia e en-
caminhou-se para a última -ceia em Jerusalém.
As palavras de introdu~ão
Quando chegou a hora, Jesus reclinou--se para_ a ceia
e com ele os seus discípulos. Nisso ele lhes disse: "Com
grandes desejos desejei comer esta páscoa convosco an-
tes que eu sofra. Pois eu digo: Nunca mais a comerei
até que se realize no reino de Deus". Então tomou o cá-
lice, abençoou-o e disse: "Tomai dele e reparti-o entre·
vós! Eu vos digo: Desde esta hora nunca mais beberei
do produto da videira até que comece o reino!" (Lc 22,
14-18).
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Tambem -quando ele disse:
"Com grandes -desejos de-sejei comer convosco esta ceia -pas-
cal, antes que eu sofra! Eu vos digo: Nunca mais no futuro
eu a comerei até que se consuma no reino de Deus!"
Toma o cálice e ·-pross-egue:
"Tomai-o ,e dividí-o entre vós! Eu vos digo: Nunca mais
de ora em diante beberei do produto da videira até que co-
mece o rei-no de Deus!''
Reflorescem nestas palavras os antigos s-ímbolos, ao mes-
mo tempo que são consumidos pelo fogo da nova realidade,
perdendo a própria razão de ser. Jesus mesmo o anuncia: bem
depressa estará passado para sempre o antigo rito da ceia
pascal.
O lava-pés
Jesus que, antes da Páscoa, sabia- que chegara para
ele a hora em que devia voltar para o Pai, tendo amado
os seus que ia deixar no mundo, amou-os àté ao fim (Jo
13, 1-20Y.
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toma a ,ba-cia numa das mãos e com a outra pega no jarro.
·No traje e na posição de um. esc•ravo volta ao círculo dos
discípulos, que agora afinal compreendem que ele lhes queria
lavar os pés.
Jâ outra vez, quando os discípulos estavam a disputar so-
bre a precedência entre eles, Jesus tinha intervindo com de-
cisiva firmeza, colocando-lhes um m-enino no meio. A-gora, en-
tretanto, ele mesmo se lhes apresentava como escravo. Toda-
via, se atendermos bem ao modo como são João no.s narra
todo este fato, não pode haver dúvida que Jesus, tendo nas.
mãos a bacia, o jarro e a toalha, conservava toda a sua di-·
gnidade e majestade.
Lavar os pés de alguem era um trabalho considerado como
próprio de escravos. Um escravo judeu não podia ser obriga-
do a esse trabalho, -como um outro qualquer que não fosse
judeu.
A vivacidade com que são Pedro .se opôs ao que Jesus que-
ria fazer, foi rnotivada sem dúvida pela atitude que Jesus to-
mou ao aproximar--se dele. Parece que Jesus começou -por são
Pedro, como se poderá depreender das palavras de são João.
Pela conversa entre Jesus e este discípulo ficara resolvida a
questão se podiam ou não consentir que o Mestre tomasse a
si est•e serviço.
São Pedro, pois, o pescador de temperamento vivo, preten-
deu opor-se:
"Senhor, queres mesmo lavar-me os pés?"
E' presumivel que ele tenha erguido as mãos para impe-
dí-lo: palavras tão decididas, quais as que nos foram conser-
vadas, não se podem imaginar no Oriente sem acom·panha-
m,ento de gestos correspondentes.·
"O que eu faço, não o entendes agora! Mais tarde o hás
de compreender!"
São Pedro estava excitado.
''Jamais me hás de lavar os pés!''
"Se eu não tos lavar, não terás• parte comigo!" - Uma das
duas! O 'Pescador fogoso, que tanto amava o Senhor, cuidara
até então causar prazer ao Mestre com a sua resistência.
Agora, pois, declara:
"Senhor, então lava-me -não só .os p·és, mas tambem as mãos
e a cabeça!"
"Quem já está lavado necessita apenas de lavar os pés:
pois já está todo limpo".
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 389
Jesus .com estas palavra-s alude às _purificações legais, se-
·gundo as ·quais -quem .tomara um banho completo só tinha
necessidade, -d.epois disso, de lavar os pés que em sandálias
abertas se sujavam com a poeira dos caminhos. "Viós já est~is
li~pos, mas nãq todos!"
Desta frase pode-se colher que Jesus não falava de uma pu-
reza "legal", mas da pureza d'alma. As palavras "não todos"
referem. .se a Judas, o traidor; e lhe servem de advertência.
Judas •cala-se, conformando-se bem ao modo comum do·
sentir humano. Ele ousava mentir, mas não se atrevia a dizer
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A ·indicação e a salda do traidor
1
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sivel ver a todos ao mesmo tempo. Ao invés é muito natu-
ral que dois vizinhos se 'ponha:m a conversar em particular,
sem que os outros, mesmo que queiram, possam compreender
o que estão falando.
Nesta cena figuram a-penas Jesus, Pedro, João e Judas. Pe-
dro terá pensa-do: Caso o traidor estiv-er aqui na sala, é bas-
tante s_aber quem se_ja para im:pedir ainda a tem-po a desgraça!
Mas· era necessário usar de toda a cautela.
Não se acha~a são Pedro tão perto de Jesus ,que lhe p·udes-
se perguntar sem ser ouvido pelos outros: ·podia, porém, do
seu lugar alcançar a João e falar-lhe em particular: João,
por sua vez, repousava no "peito do Senhor". Alí estava Jesus
apoiando a cabeça sobre o coxim na mão esquerda, com o ros-
to virado para a direita: o primeiro à sua direita era João,
a pequén.a distância. Jesus estava olhando ,para ele e se João
se virasse para a esquerda teria Jesus diante de st Bem per. .
to de Jesus, talvez à sua esquerda, devia estar Judas, que cui-
dava das coisas nece.ssárias. Quando Jesus lhe falou pouco de. .
pois, os discípulos interpretaram as suas -palavras como al-
guma incumbência de qu-e o en-carregara.
Pedro fez um sinal a João: "Pergunta-lhe de quem é que
ele fala?"
Volta-se João para: Jesus: "Senhor, quem é ?u
Os discípulos deviam poder te·stemunhar depois da paixão
que Jesus conhecia de antemão o hipó<!rita e que, portanto,
·permitira livremente a traição. Responqe, pois, Jesus a João:
"E' aquele a quem eu vou dar o pão molhado!,,
Então, tomando um pedaço de pã-o, molhou-o na salsa e deu-
o a Judas.
Entre os beduínos e felás é costume o dono da casa ofere-
cer ou mandar oferecer um prato, ou um bocado a um hós-
pede que deseja honrar es·pecialmente. Entre nós é costume
be-ber-se à saude de uma pessoa. Tais costumes encontram-se
não só entre os :beduinos e felás palestinenses, mas geralmen-
te entre os hom·ens de vida simples.: trata-s•e, pois, de uma
forma primitiva e natural de demonstrar o amor e o apreço por
alguem. Esta consideração é de -especial importância em vista
da instituição da divina ~-ucaristia, o alimento da alma.
Deste modo Jesus ofereceu a Judas um -pedacinho de pão.
Da sua parte!: e~-a, uma prova ··de -especial afeto e uma última
admoestação. Se assim não fosse, teria sido um fingimento.
392 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Para João, é certo, deve ter sido uma coisa incompreensiveL
que o Senhor ainda tivesse para com o traidor uma tal a~enção ..
Foi o momento em que Judas tomou a sua decisão final ...
Não há coisa que tanto repugne a uma pessoa do que rece-
ber um-a .prova de afeto de alguem que se odeia. Nesse- atoj
vai sempre uma perda: ou a perda da pessoa que ama, ou a .
perda da pessoa que -odeia. O amor de Jes·us não podia ar--
refecer, -mas Judas, que odiava, ·perdeu-se. Para poder resistir·
a esse amor e nã-o trair-se a -si mesmo, ele se deve ter en-·
chi do -de ódio -contra Jesus até ao mai.s íntimo de sua alma. - ·
Entretanto, ninguem fica a sós, proceden-do ;~este modo. Foi
com certeza neste momento, quan-do Je-sus 11~-e ofereceu o bo--
cado de pão, que ele lhe p~rguntou: "A-caso sou eu?"
A pergunta parece incrivel: é contudo o extremo a que ele .
se viu impelido. "Tu o disseste" respondeu Jesus. A!inda hoje.
usa-se na Palestina desta expressão no sentido de: Como o,
disseste, as-sim é. Aqui o seu s-entido -é ·precisamente: tu o és!
Judas estava interiormente obcecado. J·esus via que para.
ele já não havia um voltar atrás. O horror -que costuma apo-
derar-se de homens bons na presença de celerados, sobreveio,
a Jesus de um 1nodo como jamais um homem terá sentido. E.
como Judas mesmo se havia -separado, disse-lhe Jesus: "O
que qu~~es fazer, faze-o depressa.!"
Nestas palavras -e-ncerrava--se ao mesmo tempo uma nova.
tentativa de Jesus para salvar a Judas. Muitas vezes o único,
meio de fazer uma pessoa entrar em si -é deixá-la em liber--•
dade, ·mostrando desinteresse a seu respeito.
Os discípulos ouviram as palavras de Jes·us, mas não com--
preenderam. Alguns pensaram que Judas tives-se recebido or---
den-s de comprar alguma -coisa ou de dar alguma esmola.
São João en,cerra a narração -com breve frase: "Era noi--
te !" Não é, certa.mente, uma subtileza literária, se n-este ter-
mo não vemos apenas uma indicação do tempo, mas uma alu--
·são alegó.rica ao terrivel acontecimento •que se estava ar-
mando. Naturalmente um homem do século da eletricidade, que,
já não .saiba por experiência a sensação de uma noite -escura,
não poderá compreender tão bem, como um pastor solitário.
dos Alpes, ou um pescador do alto mar, ou um beduíno no 1
393:
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O sacrifício e a ceia sacriflcial do novo· te.stamento
Estando eles a comer, Jesus toinou o pão, partiu-.o em
pedaços, abençoou-o e lho deu, dizendo.: "Tomai, .este é
o meu corpo!" Então tomou o cálice, abençoou-o e deu-o
aos di.scípuios. Todos beberam dele. E ele lhes disse:
''Este é o meu .sangue do Novo Testamento que será der-
ramado por muitos!'' (Me 14, 22-24; Mt 26, 26-28; Lc 22,
19-20).
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cr.ifício em conexo cQm o sacrifício solene e o .banquete sacri..
..ficial do Velho Testamento ex:plicava já em parte a sua signi~
fi,cação.
Jesus instituiu um sacrifício e uma ceia sacrificial. Comer
em. conjunto, como já temos notado, sempre simbolizou en..
tre os povos primitivos uma espécie de sociedade espiritual.
·E desde sempre os povos têm sonhado em aproximar.. se de
I~eus ou dos deuses pelos sacrifícios e pelas. ceias sacrificiais,
!çomo os homens .entre os amigos se sentem unidos por uma. re-
feição. em comum. Mas nunca passou de tentativas; homens
pecadores podiam press·entir vagamente o auge do •que anela-
vam segundo a sua natureza, mas era apenas um ·pressentir:
longe estavam de poder alcançar a Deus desde a terra em
qµe se achavam e de poder participar da divindade de um
modo certo -e conciente. Por todos os pov-os da terra haviam-se
propagado u·sos sacrificiais estranhos ,e e-amplexos em gran-
de quantidade. Esforçam-se hoje os investigadores por inter-
pretá-los: ma.s uma única interpretação existe que satisfaz:
o anelo de participar de uma vida superior ·e divina nunca
·déixou os homens sos-segados. Cada suposta realização deste
desejo manifestou-se, em breve, ser uma nova ilusão e os ho-
mens se punham novamente à procura. Jamais, entretanto,
as ,criaturas humanas poderão alcançar a D·eus, partin-do de
"baixo" ; jamais- poderão oferecer a Deus uma dádiva ·que seja
digna de D-eus, sem que ele primeiro lhes conceda expressa-
mente esta dá,diva.
Acontecia naquele momento o que de verdadeiramente gran-
de há para os homens~ O próprio Filho de Deus adiantou-se
à frente das fileiras como sacerdote e vítima, trazendo consi-
go a plenitude dos tempos_. Afinal agora os homens recebiam
·o que mais necessitavam. Até então símbolos supriam a rea-
lidade: agora pelo poder de· Deus alí estava a plena realidade
em lugar -dos símbolos antigos. Os hom·ens tinham querido
por meio de seus .sacrifícios alcançar e re-conciliar a Deus -
o Filho de Deus agora imolava-se num sacrifício que abria
-todas as portas do céu. Por m·eio de comunhões sacrificiais e
simbólicas com deuse:s, os homens tinham pretendido encer-
rar dentro de si a vida divina. O p·ró-prio Filho de Deus os fa-
zia agora participantes da .vida d~vina sob as espécies do pão
e do vinh·o.
E isso não devia realizar-se uma só v-ez, não. Isso reali-
zou-se uma vez para ser o --começo de milhares e milhares de
outras ·vezes. ·como alimento das almas Jesus .queria perma-
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nec-er no mundo todo o tempo em que almas neces-sitassem de
alimento. Por isso ·ele deu aos ·discípulos solenemente o encar-
go e, ao mesmo tempo, o poder de. fazer o -que ele tinha feito·:
"Fazei isto. em memória de mim!"
Quando os banquetes, como na Palestina, s·e trasladam das
horas quentes ,do dia para as horas mais frescas da noite, com-
preende-se que essas re.uniõ.es se vão -estendendo pela noite a
dentro. Tambem depois de .comer o ,cordeiro pascoal c-ontinua-
vam reunidos. P-elo ritual era detenninada a quantidade do
vinho lícita: deste modo as conversas nunca degeneravam em
falas inconvenientes. Durante a refeição, propriamente dita,
está-se obrigado a ficar na me-sma posição em cima das estei-
ras: terminado, porém, o jantar, tem-s-e mais liberdade. Er-
guem-.s·e, assentam-se nos. coxins, dirigem-s-e a uns e outros
mesmo a certa distância: levantam-se ao calor das conversas
e ajuntam-se -em .grupos.
E' o que transparece de toda a .conversa de Jesus com os
discípulos, a qual se vai .desenvolvendo como ·entre nós, quan-
do estamos,. assentados em torno .de uma mesa. Jesus fala da
sua despedida e nesta conversa vão intervindo os discípulos
que, com certeza, se achavam um pouco mais afastados.
O DISCURSO DE DESPEDIDA
DE JESUS·
O estado d'alma ·de Jesus na despedida
Algo que tanto ·mais custa aos homens quanto mais neces-
sitados se sentem é a despedida. E' exatamente aí -que de mo-
do todo particular se revela o amor de uns para com os ou-
tros, muitas vezes de maneira mais expressiva do que numa
convivência d·e anos. Mais de uma pessoa só chegou a conhecer
e a avaliar a amizade de uma outra ao ·despedir-se. dela. Na
afeição, a força mais oculta d'alma, revela-se tambem a natu-
reza mais íntim-a -do h-omem : razão pela •qual os homens em
geral não desejam que lhes testemunhem as despedidas se-
não pessoas muito familiares.
E sempre de novo ocorrem aí as mesmas· expressões. Pro-
cura o afeto vencer a ·separação, declarando-a, por as-sim di-
zer, nula. ''.Fàla-se, ·por isso, de uma lembrança perene duran-
te a ausência, fala-se de mensageiros ·e notícias, fala-se de um
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rever-se em ,breve. E, ao tratar-se de uma pessoa pouco ex. .
perimentada na vida, outras mais idosas e prudentes procuram
esclarecê-la a respeito de qualquer eventualidade possivel.
Tudo is.so se efetua num co-ntínuo fluxo e refluxo de sen-
timentos: - despedem-se e tornam novamente a falar antes
da partida: de uma expressão de despedida vão-se originando
outras e outras: agora que cada palavra respira afeto, tanto
faz, para que os que se despedem, que repitam duas e tres ve-
z-es as me·smas frases: é mesmo um traço que então caracteriza
os homens repetir certas palavras em casos semelhantes à
guiza de -estribilho de uma canção.
Nunca, porém, s·e realizou na terra uma despedida tão im-
pregnada de um amor tão puro e intenso -como a de Jesus no
dia em que ceou pela última vez com os discípulos naquela
quinta-feita santa e naquela sala parca~ente iluminada por
lâmpadas tremulantes. Ele era o Filho de Deus: - mas o
que os homens costumam -sentir numa despedida, tambem ele
sentiu de um modo muito mais pungente.
Esta despedida não foi só a -despedida do maior amor possi-
vel, mas em certo sentido tambem do amor mais pobre e m·enos
correspondido de todos. Como no momento da ,despedida os
homens revelam o mais íntimo de sua alma, tambem Jesus.
E o seu âmago tinha por C•entro a divindade. Como um ho-
mem na despedida se excede a si próprio, as~im tambem nes-
se momento se excedeu a humanidade de Jesus, e a divindade,
-qu,e nele s,e ocultava, encontrou, por assim dizer, a possibi-
lidade de manifestar-se de um modo ainda mais fulgurante
e maravilhoso do que até então. ·Os pensam-entos que consolam
os qu-e se separam: "E' bom para nós que n-os separemos a.go-
ra; permaneceremos unidos em espírito mesmo separados cor-
poralmente: havemos de corresponder-nos!" roçam por aque-
le mistério do qual emana todo o amor -que há no· mundo,
-pelo mistério da santíssima Trin-da,de. Dá-se aí algo que à -p-ri-
meira vist~ ca~a espécie, mas que na realidade revela de
uma maneira estupenda a união- da. humanidade e da divin-
dade na ,divina pessoa de Jesus: na hora da despedida Jesus
descerra o mistério da santíssima Trindade.
Pobre era, entretanto, esse amor imenso_, porque ardia no
coração de alguem que era oniciente: Jesus não podia dar
ouvidos, como acontece entre -os homens, às palavras dos· dis-
cípulos, aceitando-as com um-a suave melancolia. Sabia per-
feitamente que a fidelidade que protestavam não duraria se-
quer aquela noite e ·devia assegurar aos discípulos que ele os
397
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amava com um amor muito maior e diferente- do que o amor
com que .eles o amavam, ·cúm um amor -que não consistia: em
inclinações naturais, mas que procedia do oceano- do- amor di-
vino e que, por issp, era. ilimitado.
Desaniparado era, portanto, tambem o aeu .amor. Tu·do•
previa, penetrava os discípulos.: mas não- lhes _podia falar como
a uma pessoa igual: daí a sua despedida ass.emelhava--se à
despedida de um pai ou de uma mãe, -que s-e devem separar
dos filhin-hos ainda em tenra idade. E' o próprio pai que deve
·dirigir -e con-cluir a despedida: as crianças, -que mal podem
-compreender de que se trata, vão começando sempre de novo
uma conversa, bem diferente da despedida. E' bem significati. .
vo ·que Jesus ponha um termo -a essas •conversas com a frase.
"Basta!" A.ssim diz um pai ao _filhinho que se põe a falar num
-nunca acabar.
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do,. de• antemão, das mãos do Pai c-eleste, pelo sacrifício do·,
Novo Testamento, a- morte na cruz, "e Deus é n~lé glorificado".--
Logo -que Deus for nele• glorificado, Deus o há de :glorificar·
tambem a ele: e já -em breve ele o glorificará!"
Os discípulos certamente se terão .impressionado vivamen--
te com estas palavras em vista do ardor de Jesus e de toda a.
sua atitude, mas não as terão. compreendido bem. Por isso,·
Jesus explica-se_ ·mais claramente:
"Filhinhos! Ainda por um pouco eu estou convosco! Ha-·
veis de procurar-me! Agora eu vos devo dizer -o que antes eu_
dizia aos judeus: Para onde eu vou, vós não me podeis se~
guir !t'
à primeira ·declaração de despedida segue imediatamente:
a última admoestação aos discípulos, que, em sua forma exte-
rior, lem,bra as palavras dum pai prestes a morrer:
'-'Um novo pre,ceito eu vos dou, que vos ameis uns aos ou--
tros como eu vos. tenho amado. Nisso que vos ameis uns aos.
outros é que todos devem conhecer que sois meus dis-cípu--
los !" O amor com que Jesus amou os discípulos foi algo de:
inteiramente novo na terra, porque_ -atendia unicamente ao que·
de divino há na alma humana. Daí Jesus, ordenando esse seu.
amor, podia falar com razão de um preceito novo.
Jesus já está prestes a separar-se deles. Até aí os discípulos,
compreendem, mas não mais do que isso. Por isso é ,que são-,
Pedro pergunta, não sem uma ,certa contrariedade :
"Senhor, para onde é que vais? - Por que não ;podemos ir·
contigo?" Jesus dá-lhe uma resposta que, sem ser clara, teil--
de a ·reprimir o desgosto dos discípulos impetuosos:
"Para onde eu vou, não me podes seguir agora. Seguir-me~--
ás, porém, mais tarde!"
Para Pedro era como se Jesus lhe dissesse: Para isso é
neces_sário gente mais corajosa! Ora, era . . lhe simplesmente in-
suportavel não ser tido por corajoso pelo Mestre! Compreen--
deremos assim a sua nova perguµta:
"Senhor, por que eu não poderei seguir já a-gora? Eu darei..
8-,· minha vida por ti!"
Assim fala o pescador ardoroso. Jesus declara--lh,e -que ele,.
o Mestre, o ama com um amor muito diferente do amor com.
que ele, o discípulo, acaso o possa amar. O amor de Pedro não·
resiste à- .prova, o. amor do Mestre há de sobreviver à infideli--
dade do discípulo.
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"Tua vida darás por mim? Em verdade, em verdade eu te
•ldigo.: Ainda -nesta mesma noite, antes ·que o ·galo cante duas
vezes, tu me hás de negar tres vezes!"
Pedro -deve ter-se mostrado indignado. Jesus prossegue:
"Simão! Simão! eis que satanaz se tem esforçado para vos
~peneirar como o trigo, mas eu rezei por ti para que a tua f.é
não se esmoreça. E tu, quando te tiveres convertido, conf.ir-
. ,., ,,,
. .ma os t eus irmaos .
Este é o primeiro legado do amor de Jesus ao despedir-se·:
. a afirmação feita aos discípulos ·de que ele continuaria a amá-
Jos ·e a protegê-los, mesmo que eles f assem infiéis às -promes-
sas, afirmação esta que jamais um amor humano teve a for-
•. ça e coragem de fazer deste modo numa despedida.
Os discípulos poderão conta~ com dias tuvbulentos depois
de sua partida. Jesus lhes ·propôe a segunda -missão em con-
fronto com a primeira:
''Quando eu vos enviei ~em saco, sem bolsa e sem calçado:
faltou-vos alguma coisa?"
·Os discípulos responderam alegre-mente: "Não! Nada nos
.faltou!"
"Mas agora quem tem um saco, tome-o consigo e igualmen..;
te quem~ tiver uma bolsa e quem nada dis·so possuir, venda
uma túnica -e compre uma es·pa-da. Eu vos digo: Em mim ain-
..da se deve -cumprir a palavra da escritura: Ele foi reputado
.. entre os celerados!"
Virão dias ·que se assemelham a uma -perigosa viagem. Já
nada mais haverá do direito de hospeda.gem qu=e livr.ava um
. mendigo da míngua: os discíp-ulo.s igualarão a proscritos sem
_ proteção alguma legal, assim como o próprio Me.stre não pode
.contar ·com ela.
"S·enhor, aqui estão duas espadas!" responderam os apó-
..stolos.
Sorrimos e·spontaneamente ao ver com-o as palavras de Je-
•· sus foram interpretadas pelos apóstolos. Mas para homens da-
quele tempo, que já bem mais de uma vez tinham tido que
. defen•der a -própria vida com mão armada, este espírito be-
licoso não estava tão fora de propósito como acaso nos possa
_ parecer. Procuram assim tran-quilizar a Jesus. Com a alegria
triunfante de criança.a que pensam ter procedido ·de modo mais
prudente que em geral lhes ~tribuem, os dis-cípulos mostram as
t espadas ;que até ·então conservavam escondidas. Isso já era
,qualquer coisa·!
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Responde-lhes Jesus: "Basta!" Não tinha ele há pouco cha--
mado esses hom,en.s de crianças? Oh! eles bem •que o eram!
A última palavra da última instrução -que são Lucas nos
conservou soa-nos um tanto estranha em todas as traduções.
Daí toda espécie de interpretaçõ,es; entre elas o recurso à
ironia. Na realidade, esta expressão oferece as mesmas dificul-
dades que as ·palavras muito controversas das bodas de Caná.
As traduções dão de ordinário um sentido muito mais forte do
que as ex·pressões :primitivas nos lábios de J-esus. Há na lin-
guagem popular do oriente uma palavra que coincide inteira-
mente quanto ao s-entido e situação com ess-e enig-mático hi-
lranon estin (basta!) de são Lucas. Vezes sem conta dizem
aí "Chalaz !" O seu sentido é "basta" em todos os matizes de
-que este termo s-e pode revestir. A ex·pli-cação mais natural
deste texto é dizer ·que Jesus empregou uma palavra seme-
lhante a essa, terminando a conversa com um sorriso melan-
cólico. Era como se disse-s.se: E,stá bem! ou: E' isso mes-mo !
402
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está--•:unido •;insep-aravelmente ·,co:ni -·o Pai. -·O tempo, porém, dê
ver o Pai, fa-ée a face, os discípulos só· o teriam maís tarde.
Por enquanto os discípulos deviam tornar-se dignos da vi~
são beatífica no céu por uma vida -dedicada ao Filho, o qual
já está junto do Pai. Durante a sua aus,ência eles deviam ·con-
tinuar as suas obras na· terra. Já não limitariam a sua ação
à região de Israel ao anunciar o -reino ·de Deus: pelo· sangue
do Filho de Deus toda a terra está agora remida e santificada:
o Filho de n:eus em pessoa está assentado à direita do Pai e
ouve os brados dos -seus discípulos -que do mundo a ele se di-
rige1n.
"Em verdade, em verdade eu vos digo: Quem -crê em mim,
fará as obras que eu faço e há de fazer obras ainda maiores:
porque eu vou para o Pai. Tudo aquilo que então pedirdes
em meu nome, hei -de fazê-lo, para que o Pai seja glorificado
pelo Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, hei de
fazê-lo!"
S.e Jesus os deixa, is·s.o não significava tanto quanto os discí-
pulos cuidavam cheios de aflição. Eles a-gora haviam conhecido
pela fé o Filho .de Deus, 1nesmó sem tê.-lo visto na sua gló-
ria. Nessa mesma fé eles permanecerão unidos com ele, em-
!bora corporalmente separados. Intensificar-se-ia, entretanto,
ia relação .deles •com o Pai e o Espírito Santo -depois de sua par-
tida par~ o Pai. Estando ele junto do Pai, então os discípu-
lost unidos com ele pela fé, poderão expor as suas súplicas ao
Pai, e ele mesmo intercederá a-o Pai por ele~.
Particular intimidade manifestará a sua união com o Espí-
rito Santo depois que ele partir deste mundo. Costumam os
homens ,consolar--se ao separarem-se, prom,etendo enviar-s·e
not_ícias e retratos. Jan1ais, _porém, um homem poderá mandar
um mensageiro como o que Jesus promete mandar aos discí-
pulos; ele lhes mandará um mensageiro que não só relatará
tudo f~elniente e que pessoalmente os ama, mas que possue
com ele e com o Pai a mesma natureza e que é a imagem do
seu mútuo amor e o exemplo de todo o amor das almas para
com Deus. Jesus passa a falar da missão do Espírito Santo,
depois -que revelar aos discípulos a relação dos fiéis para com
o Pai -e para consigo mesmo, tal como deveria ser depois de sua
p,artida. A condição para receber o Espírito Santo é contudo a
uilião com o Pai e com o Filho por meio de uma fé viva e ar-
te:
"S•e me amais, guardareis ·os ·meus mandamentos. Então eu
pedirei ao Pai e ele. vos- mandará- uin outro atixllio, para que
26*
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fique sempre convosco, o Espírito da ·verdade, que o mun-
do não pod-e receber, porque não o vê nem o conhece. Vós, po-
rém, o conheceis, porque ele ·em vós permanece e em vós está
presente!"
.Sendo o E.spírito uma pessoa divina que com ele possue a
m-e-sma natureza e essência, J es·us p-ode dizer com toda a ver-
dade, referindo-se à expressão de "filhinhos" que dera aos
discípulos :
"Eu não v-os deixarei orfãos : eu voltar,ei a vós de novo!'·'
- Numa vi-da invisível, ·principalmente pela santa Cçmunhão,
ele volta sempre de n,ovo aos seus.
Mas essa convivência visivel não duraria muito tempo.
"Ainda um pouco e o mundo já não n1e verá: vós, porém,
m-e vereis, porque eu vivo e vós viveis. Naquele dia conhece . .
reis - melhor do que ag.ora - que eu ·e-stou no Pai e vós em
mim e eu em vós! Quem tiver os meus mandamentos e os
observar, é quem me ama. Mas quem me ama, será amado
pelo meu Pai e tambem eu o amo e revelo-me a ele".
Nisso Judas Tadeu participa vivamente da conversa, fazendo
u.ma pergunta que a todos trazia surpresos: os discípulos, que
esperavam uma solene manifestação de Jesus perante o povo-,
compreendem agora que -semelhante coisa nun-ca se efetuaria.
E agora que eles perdem esta esperança, falam dela mais
abertamente ·do qu·e antes - traço ess·e •bem próprio da psique
humana!
"Senhor como é que tu te r~velarás a nós e não ao mundo?"
Jesus declara mais abertamente em que propriamente con . .
siste a .sua revelação de Redentor - não numa mudança exte-
rior, mas em alg.o de muito interior. "Se alguem·me ama, guar-
dará as minhas palavras e o me·u Pai o amará e viremos a
ele e fixaremos nele a nossa mansão. ·Quem não me ama, não
guarda as minhas palavras. Os -ensinamentos ·que de ·mim ou-
vís, não são meus próprios, mas ·de meu Pai que me enviou!"
De novo Jesus -chama a atenção dos di!scípulo·s que agora,
como estavam demonstrando, não podiam compreender tudo, /
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E·spírito, poderiam compreender tudo muito melhor do- que
agora.
Ohalon! - "A paz esteja convosco!" ainda hoj-e é a pala-
vra que se ouve nas despedidas palestin,enses. Tambem Jesus
fala com os discípulos. Mas do modo como ele pronuncia es-
ta .palavra, aprofunda-lhe igualmente o s-entido. Ele sabe me-
lhor do que qualquer outro ·homem em -que consiste a paz: ele
tem tambem o poder de dar aquilo -que a produz.
O ·mun-do só pode desejar a paz.
"Eu vos dou a paz, eu vos dou a minha paz! Não como o
mundo a dá, eu vo-la dou!" -O·s discípulos compreendem: agora
por •estas palavras ainda .melhor que Jesus realmente os vai
deixar. Ainda uma vez Jesus procura -consolá-los, falan·do, po-
ré.m, abertamente das horas amargas que estavam para so-
brevir a ele e a eles :
"Q·ue o vosso -coração não des~nim.e nem tema! Tendes ou-
vido o ·que vos tenho dito: Eu parto, mas eu voltarei de novo
a vós. S-e me amardes, haveis de vos ale,grar de que eu vá -para
o Pai, porque o Pai é maior do que eu o sou!" Como "Filho do
homem", Jesus era sujeito tambem à sorte dos homens, e, por-
tanto, à morte: neste· sentido, antes da morte e da subida ao
céu, ele estava sujeito ao Pai.
Não para entristecê-los, fala-lhes Jesus das coisas futuras,
mas para prepará-los para o que ia aconte-cer.
"Eu vos tenho dito estas coisas já agora antes que acon-
teçam, para que acrediteis, quando elas se realizarem. Porque
já não posso falar convosc,o muitas coisas. Eis que aí vem o
princípe do mundo! E' verdade que ele não tem nenhum p9-
der em mim, mas o n1undo deverá ver que eu amo o Pai e,
por isso, faço o que o Pai me ordenou!"
Jesus diz: "O prín.cipe deste mun·do não tem poder -em mim".
O sentido destas palavras é mais claro do que o fund-o "todo
peculiar .suposto para a sua interpretação.
. Quando antiga . .
mente um senhor libertava um -seu servo, usava da fórmula:
Já nen-hum poder -eu tenho em ti! i. é, já não tenho nenhum
direito sobre ti! "O ·príncipe deste mundo nenhum poder tem
em mim" significa, portanto, "não tem nenhum direito sobre
mim, porque eu não tenho nenhum pecado". \noluntariamente
e pelo hem de outros é ,que eu me sujeito à morte!
"Levantai-vos! Vamos!" com -estas ·palavras J.es-us termina
a conversa.
·Na realidade eles não partiram imediatamente. Ou porque
os discípulos estava~ irresolutos na sua profunda tristeza e
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ie~or -- .as últimas _palavras; ''Eis que- .virá o princípe...deste
mundo!'' soavam misteriosamente! -· ou -porque -se tinham
~evantado das esteiras e dos coxins, o certo é -que. se detinham
ain-da na sala. Ónde é que homens se despedem, sem proceder
.~e modo análogo ?
~06
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modo . qu~, sem cessar, forças divinas prorrom;pam de Jesus e se
.comuniquem com eles ~xatamente como . . a. videira e os ramos
formam: uma única planta, ,perpassada, toda ela, da.mesma vida.
Esta união só é dissolvida pelo pecado, a apostasia do amor.
Por isso Jesus admoesta: Se. ·agora vos penaliza que já não
possais v-er com .os :vossos próprios olhos,. deveis prestar- aten-
ção. a que o. amor que me tendes não seja dissolvido. Porque
neste .caso. eu me teria que retirar· de vossas almas .. Isto, sim,
é que -seria uma desgraça propriam,ente dita. Deveis, portanto,
~ezar para que isso nunca aconteça. Esta oração será certa"!
mente -aten-dida.
.
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duzir frutos e·-•que os vossos frutos permaneçam para sem-
pre. Tudo a-quilo que então em ·qualquer tempo pedirde-s ao
m-eu Pai, ele vos há de con.ceder ! E·ste é, pois, o meu preceito:
que vós vos amei.s uns aos outros".
A união com J-esus é uma vida misteriosa em Jesus. O mun--
do não conhece esta vida por experiên,cia própria. Sente, po--
rém, ao considerar esta vida -dos discípulos-, -que ela é inteira:-
mente diferente da sua e há d-e perseguir, portanto, os discí-
pulos .com inexoravel inimizade, do mesmo modo como já per--
aeguira o ·Mestre.
Os discípulos não deverão e-spantar--s·e, quando estas coisas
acontecerem. Pelo contrário, nisso deverão v-er a prova mais
certa de que estão unidos com a vida divina de Jesus.
"Se o mundo vos odiar, .pensai que ele já me odiou a mim
antes de vós. Se vós fosseis do mundo, o munido teria amado
o que era seu. Ma-s, porque vós não sois do mundo, tendo-vos
eu separado dele, por es·se motivo é que o mundo vos odeia.
Lembrar-vof?-eis, pois, da palavra que eu vos ten·ho dito: O ser-
vo não é maior do -que o seu senhor! Se eles me -perseguiram,
tambem vos hão de perseguir! Se eles ,observaram a.s minhas
palavras, tambem hão de guardar as vossas. iTudo isso hão
de levar a efeito contra vós por amor do meu nome, porque
não -conhecem aquele que me enviou".
Esta falta de conhecimento não deixa de ter sua culpa, por-
•
que é o estado d'alma de hom-ens que -se obstinam interio~-
mente em não aceitar a revelação divina.
"Se eu não tives.se vindo e não tivesse anunciado, eles nãü
teriam -culpa. A-gora, porém, nenhuma desculpa ·podem ter de
s-eus pecados. Quem me odeia, odeia tambem o meu Pai. Se
eu não tivesse praticado entre eles as obras, que ainda ne-
nhum -outro operou, seria-m .sem pecado. A-gora, porém, foram
testemunhas e -se pus,eram a odiar ta11:to a ,mim, como tambem
a meu Pai. Assim devia. .suc,eder para que se realizasse a ,pala--
vra que está escrita na sua lei: "Sen1 motivo -eles me odia-
ram!"
O amor une com o Espírito Santo (Jo 15, 2·5 até 16,. 33)
Na parábola da videira, Jesus tinha -consolado os dis-cípulos
com o pensamento de que a separação .sen.sivel em -nada pode-
ria prej.µdicar a união -espiritual. Pelo amor continuarão uni-
dos com ele. E exatamente es·te amor é •que os -separa do mun--
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do. Por esse amor, depois de sua partida ;para o Pai, eles unir-•
se-ão igualmente com o Espírito .San.to. O mundo tambem não)
conhece o Es.pírito Santo, mas suspeita dele alguma coisa, co-
mo tambem de alguma f o-rma tinha conhecido a divindade· do,i
Filho.
"Quando vier o Paráclito, que eu vos vou mandar do Pai, oj
E·spírito da verd~de que proc-ede do Pai, ele há de dar teste-
munho de mim. E tambem vós haveis de dar testemunho de~
mim, porque tendes estado ·comigo desde o princípio".
D epois de sua partida, portanto, nada se mudaria de seus~
1
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wós __ já não m..e. possais ver" --; -o crucificaqo . sobe aos. céus .e
edai man.~a o Espírito S~to· como µm _mensageiro. que. certifica
. a sua entrada no céu - "como o. juizo c-.onsiste em já ser jul-
·ga,do. Q príncipe deste .mundo" - os judeus declararam o seu
juizo, a c-ondenação de Jesus à morte na cruz, c-omo o seu
juizo propriame-nte. dito, .que satisfaz à justiça: pelo Espírito
:santo revelar~se-á -que -este. juizo é uma agressão de satanaz
r.contra Deus e que satanaz se aniquilou a si mesmo.
Esta -é ·consequência da _operação do Espírito Santo para
~o "mundo". Diante do mundo ele defende -a obra de J e.sus que
voltará ao céu: mas ele há de concluir tambem a obra de Je . .
:sus nos discípulos:
"Muitas coisas teria eu ainda a dizer-vos, mas não as po-
deis suportar agora. Quando, porém, vier o Paráclito, o Espí-
·rito da verdade, el,e vos instruirá -em toda a verdade. Ele não há
·de falar de -si mesmo, mas -comunicará o que ouviu e anun. .
ciará -o que ainda está para vir. Alquele que me ·glorificará,
·porque há de to-mar do que é meu e vos anun·ciará. Tudo o que
pertence ao Pai é tambem meu. Por isso eu vos disse ·que ele
tomará do -que é meu e vos anunciarán.
Começa então Je.sus a falar do -que ·sempre de novo ocorre
numa despedida. "Até outra vista!" costuma-se dizer •por úl-
timo. Assim tambem Jesus consola os discípulos, dizendo-lhes
-que entre esta -despedida e sua partida -própriamente dita
ainda se haveria de encontrar por um .. -pequeno -espaço de tem-
·po:
"Ainda .por um ·pouco e já não me vereis. E de novo um
·pouco e me tornareis a ver! Porque eu me vou para o Pai!"
Os discípulos diziam uns aos outros: "O -que :significa isso
.que ele está diz·endo : Ainda um pouco e já não me vereis. e
,outra vez ainda um pouco e me tornareis a ver? E depois as
J)alavras: Porque eu me v,ou para o Pai? Nó.s não c-ompre-
. endemos o que ele quer dizer!"
Responde Jesus com uma frase que não -corresponde pro-
_priamente à -pergunta, mas que se alarga livren1ente em torno
,do seu pensamento.
"Estais a in-dagar uns dos outros por que eu vqs disse: Ain. .
da um pouc-o e não me vereis mais e outl'a vez um -pouco e
~ornareis a ver-me! Em verdad-e, em verdade ·eu vos digo: Ha . .
·veis de -eh-orar e la:rnentar; o mundo, porém, s-e alegrará. I-Ia.-
·veis de entristecer-v-os, ,mas a vossa tristeza .será transforma-
da em alegria!"
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Virá subit:a.-mente para.eles ·uma mudança no meio. do maior
d.~sal-ento_ - _ele. vai. morrer e será- colocado. n<;> se,pulcro. Esta-
xão então como u~a. -mãe na..sua an·gús-tia cheios· de temor e
de tristeza: ma-s há de seguir-se uma alegria, __igual àquela que
~nin;ia uma mãe depois dos transes de" dar à luz.
·''Quando a mulher está para' dar à luz, vê•se toda em aper:-
tos, porque chegou para ela a hora, inas quando aparece, a
criança, ela já não pensa na tribulação pela grande aleg.rià,
porque um homem veio ao mundo. As.sim tambem vós agora
estais tristes. Mas eu_ :vos hei de rever, então o vosso coração
se alegrará e esta vossa alegria ninguem vos -poderá tomar".
E' então o tempo em que se manifestarão pelos frutos to-
~das estas novas relações Pª!ª -com o Pai, ,para c-om ele mes-
mo e para com o Espírito Santo.
"Naqueles dias nada mais me haveis de .perguntar. Em- ver-
-dade eu vos digo: Tudo aquilo que então pedirdes a-o meu Pai,
ele vo-lo -dará em meu nome. Até agora nada tendes. pedido
·em.meu nome. Pedi e recebereis e a vossa alegria s-erá perfeita.!
Em parábolas eu vos tenh-o falado sobre todas estas coisas.
Virá, porém, a hora em que ·eu já não falarei e~ parábolas,
mas em que vos anunciarei abertamente o meu Pai. Naquele
dia pedireis e1n meu nome e eu já não vos preciso dizer que
eu .mesmo intercedérei ao meu Pai em vosso favor . Porqu~
q próprio Pai vos ama, porquanto vós rae tendes amado e cri-do
que eu procedo do Pai. Do Pai -é -que eu tenho saido e -vindo
ao mundo: agora de novo eu deixo o mundo e vou para o Pai".
Jesu.s perrr1itiu-lhes u~ leve olhar no futuro e um olhar re-
trospetivo em sua vida. E sucedeu aos discípulos o que en . .
tão sói acontecer: nada compreendem da explicação, pensam,
porém, que tudo entenderam perfeitamente. Com grande ale-
gria e vivacidade interrompem o discurs-o de Jesus: ''Eis que
agora falas .claramente e não propões parábolas! A-gora co-
nhecemos que sabes tudo e não precisa·s que ninguem te per-
gu.nte. Por iss-o nós cremos tambem -que tu tens saido de Deus!"
Falando deste modo, os apóstolos já tinham modificado um
pouco as suas palavras. Jesus dissera: Eu procedo de Deus!
Eles falam de ·um "sair" de Deus que inclue em -si uma certa
separação dele. Podiam, pois, começar de novo as perguntas
-e -explicaçõ·es. Mas Jesus põe um termo à -conversa: a hora da
.paixão está perto. Ain-da uma vez ele os admoesta, ·preocupado
mais com eles do -que consigo m-esmo:
"Agora credes? Eis que vem a hora e ela já ch-e-gou, em que
--vós todos vos ,haveis de espalhar cada um para a aua pátria e
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me deixareis sozinh-o ! Eu, porém, não estarei sozinho, porque
o Pai está comigo! Eu vos digo isto para ;que tenhais paz em
mim! No mundo, ·é certo, ;Sofrereis tribulações, mas, coragem!
eu venci o mundo!"
E.stas palavras e-coaram da .sala, .por assim dizer, pelo mun-
do inteiro e através de todos o.s tempos: elas valiam para to-
do os fiéis de todas as
épocas e -de todas as zonas.
ao Pai. Deste modo -ele faz com que os ais-cípulos já agora en-
trevejam com os próprios olhos e ouçam com os próprios ou-
vidos em que relação ele mes·mo estaria -desde e-ste momento
para c_om eles. S,eparado deles •e junto -do Pai, ele lhes estaria
bem perto, porque ele junto do Pai intercederia p-or eles.
"Jesus levantou os olhos". Sempre -que em outros -passos
da bíblia s-e fala de levantar os olhos durante a oração, trata-
.se de pessoas que estão em pé: p-ode"'.se supor pois tambem que
Jesus estives.se em pé. Talvez ele se tenha levantado para esta
oração, quando dis-se: "Levantai-vos e vamos!"
Diante do-s -discípulos Jesus começa a invocar o Pai -do qual
ele pouco antes lh-e-s tinha falado. Esta ,oração é a resposta mais
viva à pergunta dos apóstolos: "Para onde -é que tu vais?"
"Pai, chegou a h.ora ! Glorifica o teu Filho, para -que o teu
Filho te glorifique, assim como lhe tens dado -o -poder sobre
todos os homen:s, afim de que tudo o que tu lhe ,deste tenha
a vida eterna. Nisso consiste a vida -eterna: em que eles te
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conheçam a ti, o verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo que tu en-
viaste!
Elu te glorifiquei na terra: a obra que me ·confiaste para
fazer, eu a -con,cluí. A•gora glorifica-me tambem a mim, ó Pai,
de t11a .parte, com a glória •que eu po.s.suia antes de vir -ao
mundo!"
Jesu-s propõe na sua •oração ao Pai o -que ele até agora tinha
feito com os discípulos e o qu,e os discípulos se tinha-m torna-
do ·para ele.
"IDu revelei o teu ~~me aos homens que tu me deste do
mundo. Eram teus, a mim mos deste, •e eles ·guardaram a tua
palavra. Sabem agora que tudo o que -me deste só provém de ti.
Eu lhes tenho dado as palavras que tu me tens confiado e eles
receberam estas palavras: ~ eles reconhe-ceram verdadeira-
mente que eu de ti procedo e acreditaram que tu me enviaste!"
O Pai deverá tomar a .si o cuidado pelos fiéis do Filho pres-
tes a partir: deverá ,guardá-los naquela união interior pela fé
e pelo amor, em vista da qual nenhuma significação tem a se-
paração exterior.
"Por eles é -que eu rogo. Nãi0 pelo mundo, mas por aqueles
que tu me deste e que tam·bem são teus. Tudo aquilo qµe é
meu, é tambem teu e tudo aquilo que é teu, é tambem meu.
Neles é que eu me vou ·glorificar! Eu já não fico muito tempo
no mundo; eles, ·porém, fic-an1 no mundo, ao passo que eu volto
para ti!"
Os dis-cípulos -são do mesmo modo uma propriedade do Pai
e do Filho. ,Neles está colocada a honra do Filho no mundo-.
Mas só uma coisa é ,que Jesus pede ao Pai: -que os conserve
naquela misteriosa união com o Filh-o •que iguala a uniã-o do
Filho -com o Pai. As últimas palavras de despedidas de Jesus
aos discípulos parecem assim uma preparação para esta últi-
ma oração, -que é ao me.sino te1npo o c-omeço de sua perp-étua
,.., ,
oraçao no ceu.
"Pai santo! Conserva-os em teu nom•e n-o -qual tu mos deste,
pa-ra -que sejam entre -s-i um, assim como nó-s somos um. En-
quanto eu estive ·com eles, eu mesmo os ,con:servei ·em teu no-
me, n-o qual tu mos destes. Eu os guardei, nenhum deles se
perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a
palavra da Escritura.
Ag.ora -que -eu me vou para ti, falo assim, para que eles, es-
tando no mundo, participem abundantemente da minha alegria.
Eu lhes transmití a tua palavra: o mundo começou a odiá-los,
porque eles não .são deste mundo, as;sim -como tambem eu dele
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não sou. Eu não te ·peço que os- tires do mundo, mas que os
preserves do- mal. Eles não são deste mundo, assim como tam-
bem eu ·não sou deste mundo".
Eles estão no "mundo", mas não são do "mundo!" As-seme-
lham-se a um pequeno grupo de homens que se devem conser-
var in-contaminados no meio de pestilentos. E só se poderão
preservar, munindo-se p~ra is·so -de um meio todo pró-prio. Ora,
a proteção contra o pecado consiste em compenetrarem-se os
homens .até ao âmago das verdades da fé, de maneira que to-
das as sua!s forças estejam ocupadas e já não possam ser
escravizadas pelo pecado. E' is:so o que Jesus pede numa nova
invocação ao Pai. Ele o chamara de "Pai Santo!" agora ele
suplica ao Santo a santificação dos discípulos. Solenemente e
em altas vozes Jesus diri-ge-.s,e ao seu Pai: apresenta-lhe oa
discípulos e lhos recomenda, como sendo os homens que na
terra devem continuar a sua obra e que, portanto, não per-
ten-cem ao mundo, empora tenham de cumprir a sua missão
no mundo.
"Santifica-os na verdade, tua palavra -é a verdade! Assim
-como me mandaste ao mundo, assim eu os mando ao mundo.
E eu m•e .santifico por -eles de modo a -que eles s·ejam santifi-
cados pela verdade!''
Em palavras veladas fala aquí da sua morte pelos discípulos.
Mas tambem esta morte ele não a toma a si só pelos dis,cípu-
los que alí na sala estão reunidos em torno dele. Ele não se
despede nessa noite só •dos homen·s que tinha ;conquistado _para
si durante a vida, mas tam·bem de todos aqueles que mais tar-
de viriam a crer -em sua palavl"a que ele igualmente gosta-
ria de ver face a face e -que do mesm·o modo nã-o o teriam visto
com menos prazer com os seus -prbprios olhos. Já as palavras
da despedida de Jesus apoiavam-se em motivos de consolação
que tanto valiam para os discípulos como para ele - agol'a
as paredes da .sala tornavam-se transparentes aos olhos de
Jesus e abriam-·se-lhe os séculos -que estavam para vir. Ele vê
todos aqueles que mais tarde se uniriam -com ele pela fé e pelo
amor e recomen-da-os todos ao Pai no -céu:
''Não só para aqueles que aqui estão agora eu peço, mas
tamb-em para todos aqueles que ainda hão de crer n-a minha
palavra, para que todos sejam um entre si". _, Quanto maior
for o núm·ero dos fiéis em todos os -estados e em todos os po-
vos, tanto maior seria perigo que as diferenças sociais e os·
preconceitos na·cionais os levassem a uma divisão entre ·eles- _,_
'fassim como eu, ó Pai, sou 11m ·só contigo e tu és um só co-.
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migo. Assim tambem eles sejam um só conos.co, de modo que~
o m·undo se persuada ,de que tu me enviaste. Eu os fiz parti-;.
cipantes da glória que tu me deste, para que sejam entre si.
um -como nós somos um, para que eu seja um como eles, assim_
como tu és um comigo. Possam eles ser perfeitamente um,
para que o n1undo ,conheça que tu me enviaste e tambem que .
tu tanto os tens amado, como r.ae tens- amado a mim.
Pa.i, eu quero ·gue aqueles que tu me deste estejam junto-·
de mim onde eu estiver, para que vejam a minha •glória que tu:
m-e deste em teu amor, porque tu me amavas já antes da cria-·
ção do mundo!
Pai justo, .se o mundo não te conheceu, eu te c-onhecí ! E-1
tamben1 estes conheceram que tu me enviaste! Eu lhes anun-
ciei o teu nome e continuarei a anunciar-lhes para que o amor'·
com -que tu me amaste esteja tambem neles e eu esteja com
eles!"
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~de Cedron, o caminho começava a subir. C·omo fantasmas no-
i:urnos esbranquiçavam os túmulos com. a.s .sua.s. aberturas se-
·melhantes a tantas ;Sombras n-egras. E' possivel, porém, que
e-ss.as muralhas do poente .só se iluminas-sem na sua volta.
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Mais de um soldado já se des-pediu dos seus com os olhos se-
cos, embora com ,grande emoção, ao passo que todos choravam
- e ao achar-se a sós pouco depois, atira-se por terra e es-
tende as mãos por quem e.le cuida ainda estar perto.
E' certo -que Jesus permitiu voluntariamente que tudo isso
lhe sobreviesse. A livre vontade, entretanto, não diminue os
sofrin1entos: apenas os transforma. Dela foi exatamente que
se originou a terrivel luta na sua alma. Ele era um homem
e sentia como homem: um sofrimento -que já se espera há
muito tempo e se aceitou intimamente, difere muito ao come-
çar a tornar-se realidade. O homem que pensa estar prepara-
do sente-se então, por assim dizer, ata-cada num lugar da alma
em .que ele não esperava e os motivos -que pouc-o antes o enco-
rajavam perdem a su.a força. Forte aversão revela-se na natu"'
reza hu1nana de J-esus contra os seus surtos para o alto. Cada
um de seus membros revolta-se contra os sofrimentos que o
s-eu ·espírito via se irem aproximando. Ele anseia então por
muralhas ·que o protejam dos horrores desta noite de luar. Mas
tudo o desamparava: o sussurrar da folhagem em sua melan-
colia era-lhe terrivel e insuportavel nessa solidão, o sibilar in-
cessante dos ins-etos que se ajuntam nessas profundezas prote-
gidas dos ventos, os cantos das cigarras, os tons sonoros das
rijas folhas das oliveiras, quando o vento as move: tudo lhe
parecia um escárneo de toda a criação contra ele -que era ago-
ra o opróbrio de todos. Há pouco, no Cenáculo, o amor fizera
cor.o. que seu -coração se ·esquecesse de todas as dificuldades,
pensando unicamente naqueles que lhe eram caros. Agora den-
sas trevas envolviam toda a sua alma. Ele já não -considerava
os homens -como ·s,eres abandonados, indigentes, que· não sabiam
o -que fazer: percebia a malícia que se ocultav~ p-or baixo de
sua fraqueza - e daí como que corredores escuros c-onduziam
até às profundezas do inferno. Por detrás de tudo isso ele sen-
tia como alg-o de vivo, mas de invisivel, a proximidade daquele
que odeia os homens desde o prin,cípio.
Assomava-lhe na alma um anseio enervante pela sorte do
comum dos homens - ele ,cai por terra e luta rezando. Ele,
que no Cenáculo tinha invocado a Deus .solenemente, suplica-
va agora diante dele: "Pai! Tudo te é pos.sivel ! Apartai
de mim este ·cálice! Mas não se faça o que eu quero e sim o
que tu queres!"
A'Pós a oração ele volta para os seus discípulos. Apoderara-
se deles aquela estranha nec,essidade do sono -que sentem ho-
·mens ·sadios depois de emoções ,prolon.·gadas. Até Pedro lá ja-
c-om Deus. Só havia alguem por cujo amor ele devia tomar a
si o sacrifício: o amor de seu Pai. Amava ain,da os discípulos
co~no antes, mas a sua alma estava-lhes mais distanciada do
que há pouco. Ele sentia-se a ·sós, tão só, como jamais u1n
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homem se sentiu. Quanto -dele dependia, os discípulos agora
·podiam continuar a dormir.
"A.gora vós podeis dormir descansados.! Passado está ( o
tempo de vigiar e orar). - Chegou a hora! Eis -que o Filho do
home1n vai ser entregue às mãos dos pecadores!"
Os discípulos deviam notar -com os seus sentidos essas ex-
traordinárias tran-sfarmações, mas tudo isso parecia-lhes ain-
da um sonho. ·O mínimo q11e un1 servo oriental pode fazer
quando o seu senhor aparece diante dele é erguer-se de um
salto. Os discípulos .parece que até isso omitirãm. Jesus lhes
diz:
"Levantai-vos! Vamos, aí vem aquele -que me há de trair!"
A p,risão de Jesus
Conhecia Judas, que o traiu, o lugar no jardim das
Oliveiras, porque ele muitas vezes aí tinha ido com os
discípulos. Toma Judas consigo a coorte de soldados e os
servos dos su1nos sacerdotes e -dos fariseus e vem com
lanternas e archotes àquele lugar (Jo 18, 2-11; Me 14, 43...
52; Mt 26, 47-•56; Lc 22, 47-54).
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No caminho do cenáculo para o vale de Cedron
A antiga Jerusalém estava ·edificada em parte nesta
,encosta. Sendo o declive muito íngreme, as ruelas eram
_propriamente escadarias, uma semelhante viela que le-
-vava ao vale de Cedron foi descoberta ultimamente. Por
:estes mes·mos degraus ou por degraus bem parecidos
Jesus desceu depois da última ceia. A construção nova
,é uma igreja comemorativa da tríplice negação de Jesus
por Pedro.
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tinguir facilmente uns dos outros. Assim o apóstolo traidor
faz, durante o caminho, a seguinte combinação com os verdu--
gos que iam prender Jesus:
' Aquele que eu beijar é o tal! A este é que devei~ prender
4
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Agora toda a. atenção era dirigida só para Jesus. Ele mes-
mo apartava os discípulos fracos do trem-endo drama que ·co-
meçava: "Então, ·se procurais a -mim, deixai qu•e estes aí se
retirem!"
A expressão "estes aí" tem sua im.portância. Jesus não -que-
ria ou não podia chamá-los de discípulos.
Nesse instante despertou o sentimento de defesa nos an-
tigos pes,cadores da Galiléia. Aconteceu o que sempre se dá em
semelhantes colisões: su-cedem ao mesmo tempo vários fatos
dentre os quais as várias pessoas só notam os •que lhes tocam
mais de perto.
Os dis·cípulos gritam a Jesus: "Devemos usar das es-padas ?"
- Que -é isso! Quere.m prender. .te? Isso lhes -é uma coisa tão
inesperada, como se Jesus nunca lhes tivesse fala.do •que se-
ria entregue. Pedro já tinha de.sembainhado a espada e se ti. .
nha atirado contra o primeiro que lhe estava -defronte, fe . .
rindo a Malco, um servo do sumo-sacerdote. Esse nome lembra
a região do Além--Jordão, donde muitas vezes os jove-n·s iam
servir nas cidades da Judéia. Se Malco estava munido de um
capac•ete, é compreensível que o golpe de es·pada, sem atingir a
cabeça, pudesse f,erir a orelha: a espada terá escorregado pelo
capacete.
Ameaçava originar-se um verdadeiro combate. Mas Jesus
mesmo o impediu, advertindo a Pedro: "E1nbainha a tua espa--
da: todo -aquele qu~ pega da espada, pe.Ja espada perecerá!"
Nesse caso isso se verificaria ime-diata-mente: os .soldados. ro-
manos pouco atrás só a-guardavam a voz do ,c~omando. Pedro
nã-o ,co1n·preen·dia ainda que estava -começando a -6.Itirna obra
do I\ies.sias. Já não havia lugar para qualquer perturbação
quer da parte dos anjos, quer da -parte dos homens, uma v-ez
que o próprio Filho de Deus já dera o seu consentimento para
a morte violenta .
"Não te parece -que eu podia pedir ·ao Pai e o Pai imediata-
mente me mandaria mais de doze legiões de anjos? Mas e-orno
se cumpririam e·stas -palavras da Escritura, segundo a-s quais
tudo ·deve acontecer deste modo?"
Cumpria, poré-m, sossegar não só a Pedro, c,om,o tambem a
Malco que tinha -sido ferido: Jesus toca a sua orelha e cura-o .
Entrementes os sumos-sacerdotes, os es.cribas, aqueles que
não estavam armados ou que não .podiam -combater, s-e foram
aproximando.. T.amben1 -estes deviam ouvir dos lábios de J·e-
sus •que ele se entregava voluntariam-ente à morte.
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"Como contra um ladrão, saiste-s ,com espadas e paus., para
prender-me? Dia a dia tenho estado entre vós no templo en-
sinando e não me tende·s prendido! Mas agora dev·em-.se reali-
zar as palavras da Escritura! Esta é a vossa hora e a do po-
der das trevas !"
_Jesus permitiu que o amarrassem: os discípulos, vendo-o,
fugiram. Não tinham tido medo de enfrentar os servos : per-
deram, porém, toda a coragem, quando Jesus voluntariamente
se entregou.
A negação de P·e.d.ro
Simão Pedro e um outro discípulo iam seguindo a Je-
sus. Aquele discípulo era conhecido do próprio sumo-sa,..
cerdote e entrou com Jesus no átrio do palácio do sumo-
sacerdote. Pedro, porém, ficou fo1·a diante da entra.da.
Nisso aquele outro que era conhecido do sumo-sacerdote
foi ter com ele lá fora, falou com a porteira e levou Pe-
dro para dentro (Jo 18, 15-18, 25-27; Mt 26,. 69-75; Me
14, 66-72; Lc 22, 56-62).
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Pedro aproximou-se do fogo: não era isso de certo muito
prudente da sua parte, mas era o mais natural -que podia fa-
zer. Esse "esquentar-se" suavizava-lhe de algum modo a tor-
menta interior e ocultava-a aos olhos dos ·circunstantes.
A descrição da negação de são Pedro pelos evangelistas tem
o cunho de uma autenticidade insuperavel- uma cena em que
tudo se mostra como que ao .clarão incerto <l:e um fogo. Todos
reconhecem aí, por assim dize-r, a•penas parte do ocorrido e
nenhum vê estas partes exatamente como os outros. Todos,
entretanto, conhecem to-da a história.
Não só são Pedro, ma.s toda aquela gente estava ex:citada:
o taumaturgo estava preso! Quem é -que, dias ante:s, quando
ele fez a sua entrad-a triunfal em Jer~isalém, teria son-hado
~·emelhante -coisa! N-ecessário seria -que não fossem servos e
-criadas, homens •que exteriormente vivem ·separados dos seus
senhores conforme os costumes de então, mas que exatamen-
te por isso estão sempre a acompanhar com infantil curiosi-
dade tudo o -que lhes diz respeito. S-e alguem diz alguma coisa,
todos os mais caem logo s-obre ele com perguntas e afirmações.
Lemos uma vez que estavam assentados em torno do fogo, ou-
tra vez em -que estavam por alí em pé. Hom-ens .que estão com
frio e excitados não -conseguem ficar por muito tempo na
mesma posição.
Uma cria-da, talvez a própria porteira, foi a primeira a in-
terrogar a Pedro. E' possivel que des·de que ele tenha atraves-
sado a ·porta, ela já nã-o tivesse desviado os. olhos dele. Ela
achega-se do fogo, fita-o atentamente e diz: "Tu. tambem es-
tavas com Jesus de Nazaré!"
Pedro, que aliás tão facilmente .se deixara levar, agora en-
tregue inteiramente a si próprio, estava todo perturba-do. E'
certo que as palavras de uma criada -pouco valiam, mas por
alí se -achavar.a tambem outros servos a escutá-la.
A resposta, tal -qual sã-o Marcos no-la conservou, repete ex-
pressões -sinonímicas, deixando assim transparecer a sua his-
toricidade.
'Quando alguem quer fingir, balbucia muitas vezes .qual-
·qu-er coisa como se n-ada soube.ss-e. _Ajs-sim diz Pedro: "Eu não
o conheço. Eu nã.o sei o que dizes!"
Em tanto desassossego ele levantou-se da claridade da luz
para algum canto escondido, provavelmente para algum lu.gar
diante -do átrio interior. E·ste não era tão espaços.o, de forma
que o eontato entre os presentes -não -se interrompia tão fa-
cilmente: a mesma criada, ou uma outra - as criadas anda-
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vam juntas - tornou a referir-se a ele. Caso tenha sido ai
mesma, teríamos então uma verdadeira criada ·que não largava-
mais a sua pre-sa. De novo ela afirmou: "Esse aí é tambem um .
daqueles !"
Passada uma hora, Pedro aproximou-se de novo dos servos . .
e criadas, esperando que, depois de o terem deixado em paz .
tanto tempo, não mais o in-c-omodariam. Talvez já se soubesse..
alguma coisa do que se passava lá dentro: para estabelecer al-
gum contato, Pedro foi tomando -parte na conversa. Esta ten-
tativa !'oi-s-e en·caminhan•do para um mau fim. Os torneios e.:
frases que ocorrem nas conversas de ·gente simples diferen--
ciam-se .sempre muito quanto à forma, ao som e à pronúncia,
nos vários -dialetos de um país. Assim estes servos da Judéia.
descobriram log.o: Pedro era u·m galileu! Tiram a conse-quên . .
eia e dizem-lhe: "·Certamente tambem tu -és um daqueles! ·Tua.
linguagem te -está traindo!" E um deles, parente daquele Mal-
co, a quem Pedro tinha -cortado a orelha, acrescentou às leves.
suspeitas uma afirr.aação certa: ''Pois eu mesmo não te vi lá
110 jardim com ele?"
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trega-.se ao pranto -- como se ,devem traduzir, -conforme o
;Sentido, as palavras de são Marcos.
O canto do galo faz parte d~s sensações depois da meia
noite, assim como o latir dos cães nas primeiras horas do anoi-
tecer. A-s aves -sentiram pelo ,barulho que algo de extra-ordiná-
-rio acontecia nessa noite. Em geTal os galos •costumam cantar
,·entre uma e duas horas. Confor-me in-dicações de antigos e;s ..
··critos judaicos, em Jerusalém havia a prescrição de prender
as aves domésticas num -cercado, nã-o sendo .permitido deixá-
. las andar soltas. A.s relações dos ·evangelhos supõem realmen. .
te um galinheiro no átrio e demonstram as:sim, num traço de
·somenos importância, a sua fidelidade histórica.
OS INTERROGATúRIOS
"PERANTE O TRIBUNAL JUDAICO
O interrogatório na presen~a, de Anaz
Os soldados, o centurião e os servos dos judeus pren-
deram Jesus e amarra1·am-no. Levaram-no então pri-
n1eiro a Anaz: este. era o sogro de Caifaz que era o su-
mo-sacerdote na.quele ano (Jo 18, 12-14; 19-24).
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tenha acompanhado Jesus até à casa de Anaz. Só •eritão é que
se terão rec,olhido à fortaleza Antônia.
Anaz era um e-x-sumo-sac-erdote já ancião, qu·e, à ,guiza de
um prefeito de cidade dotaçlo de especial habilidade, uma vez
deposto, conseguiu diplomaticamente (e não se.m auxílio do
dinheiro) aplanar o caminho para a .suprema dignida·de do
sum-o-sac,erdócio a cinco de seus filhos, um ap6s outro. E de-
pois qüe terminou a série de filhos ele colocou nesse mesmo
supremo cargo um genro seu: esse Caifaz, que agora já
ocupava ess·e lu·gar há ·cerca de vinte -anos.
Enquanto Jesus era apresentado ao velho Anaz, enviaram
m·ensag-eiros aos membros do sinédrio, para conv:ocá-los -a uma
se.ssão.
Durante esse tempo teve lugar o interrogatório de Jesus na
presença de Anaz. Toda a narração dá a entender que Anaz
e seu genro Caifaz habitavam -em duas ·casas com o mesmo
àtrio interior. Semelhantes átrios supõe1n-se em escritos ju-
daicos anti-gos.
Por mais de um ano Jesus tinha trazido toda a nação sus-
pensa: con:seguira um séquito de p-escadores da Galiléia, cuja
incerteza estava, é certo, em evidente e triste contraste com
a ousadia de seu Mestre. Agora, para terem um pretexto con-
tra Jesus, queriam propô-lo como herege do qual deviam li-
vrar a nação. Daí, logo ern -começo, Jesus foi interrogado a
respeito -dos ·seus discí-pulo.s -e de sua doutrina. Ele recusou
qualquer declaração.
"Eu tenho falado abertamente diante de todo o mundo. Eu
tenho falado nas ·sinag-ogas - nas várias localidades :__ e no
templo - em Jerusalém - onde todos os Judeus s,e reun·em.
Pergunta àqueles que ouviram o que eu tenho dito! Eles
sabem o -que tenho dito!"
Não era -costum--e que o próprio pre:so a.presentasse a quei-
xa ao. juiz! Se se afirmava -q~e ele espalhava doutrinas se-
cretas, nenhum sentido, nem motivo havia para indagá-lo dele
mesmo: mas se ele ensinava ab~rtamente, não· era dificil in-
f armar-se a esse respeito sem perguntá-lo a e-le.
Em geral, os acusados, perante o tribunal, perdiam a cabe-
ça inteiramente. Jesus falava, porém, com um hom·em livre.
Sem -dúvida o sum-o-sacerdote, por um gesto, demonstrou o
seu desagrado. Imediatamente um dos seu:s servos a.pareceu
·para tomar partido pelo s-eu senhor, à guisa de escravo.
Põe-se diante de J·esus e bate-lhe com a mão aberta na face.
Tais castigos c-ostumam os policiais aplicar no oriente, quando
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Caminho do monte das Oliveiras
Vista da ponte de Cedron de baixo para a nova igreja
do monte das Oliveiras
A sombra dos muros. do templo pr-ojeta-se no leito
da torrente. E·ntre as ]ages sepulcrais as ervas come-
çam a brotar. Esse lugar deve ter tido uma aparência bem
semelhante no tempo de Jesus. Os sepulcros, excavados
na pedra, abriam-se entre as colunas como negras son1-
bras durante a noite, quando Jesus ia subindo da tor-
rente de Cedron. O sepulcro mais na frente é o de Za-
carias e o túmulo mais atrás é o de Absalão. Bem no
fundo a nova basílica das Oliveiras.
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se d(;'sembaraçam de um caso qual-que~ mesmo no meio da rua..
O servo toma ares de indignado: "E' assim que respondes ao
sum.o~sacerdote ?"
O homem rude há de ter-se es·pantado com a calma de Jesus,
que se conaerva tlem:pre ~enhor de 'Si, e lh e -pergunta a ele, co-
1
me bates?"
O último escravo alí ,pres=ente sentia que Jesus estava pre-
so, mas não "dominado".
Enquanto isso, o .sinédrio se tinha reunido. Em sua com-
posição, este tribunal tinha a aparência das antigas dietas.
Havia representantes -dos magistrados religiosos : os sumos-
sacerdotes, representantes do partido dominador; os fariseus,
repre-sentantes das famílias feudais, e d-os ,grandes proprietá-
rios, i. é, da nobreza antiga e recente. Os membros não esta--
vam todo ·presentes; -de Nicodemos, por ex·emplo, sabemos que
não tinha sido ,convidado, ou, ao m·enos, não compareceu. A,
sessão tambem não correspondia de forma alguma às deter--
minações legais: ilegal era prin-cipalmente o tempo ---- ses--
sões noturnas eram proibidas. Para homens, como os f aris,eus,
a falta da-s suposições exteriores tinha uma significação mui..
to maior do que para outros homens em geral.
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Haviam a-n·gariado testemunhas que ,deviam depor c·ontra ele.•
Nesse interrogatório não se tratava propriamente de formar
um juizo, mas de motivar u1na ,condenação à morte, já de-:
terminada. Como as testemunhas deviam representar "ouvin..
tes dentre o ·povo", procuraram para isso p·essoas da classe
mais baixa : estas, porém, mal conhe,ciam a-s determinações le-
gais sobre os testemunhos. A-ssim foi frustrada toda a ses-
·são: não havia duas testern.unhas .que diss·essem a mesma
coisa.
Talvez só depois desses fracassos -é que foram em. bu.s•ca
daquelas duas testemunhas que se limitaram a uma única fra-
se tirada dentre os ,ensina1nentos de Jesus. Estes adiantaram-
se e ·prestaram -a sua declaração, dando--se como testemunhas
auriculares, cujos depoi:mentos não careciam de nenhum exa-
m·e ulterior e referindo . . se aos discursos de Jesus no templo de
Jerusalém: "Nós m•esmos temos 011vi.do como esse disse: Eu
hei de destruir este templo feito por mãos de homens e levan-
tarei em .seu }ugar um outro novo que não será feito por mãos
de homens!"
Uma agressão ao te-mplo equivalia a uma agressão ao povo.
Ais.sim, por esta acusação, Jesus era propost,o como inimigo de
Israel, peior e mais perigoso do que os romanos.
Mas tambem esta acusação de-via passar pelo caminho ju-
rídico preestabelecido -e aí tam-bem -ela ;se desfaz por si mesma!
Nem sequer os depoin1entos desse·s dois, •que se referiam a. uma
única frase de Jesus, estavam suficientemente :de acordo.
Originou-se .na sala um -silêncio contrafeito, sentindo todos
o ambiente perpassado de uma dolorosa tensão. E essa ten·são
acumulava-se- mais e mais em torno do sumo-sacerdote Caifaz,
o dirigente de todo -o processo: ele já não podia conservar a
calma. Era con10 ;se ele quisess•e declarar Jesus responsavel por
essa situação, quando se levantou e se en,caminhou para o
meio da sala, onde Jesus estava, e lhe fez em tom solene a per-
gunta:
"Não respondes tu ao -que estes testemunham contra ti?"
Em toda a serenidade que Jesus conservava, reconheciam
que ele não queria r•esponder e não se deixaria apartar desta
resolução ..
Neste ·momento crítico, em -que todo o processo ameaçava
desfazer-se inteiram-ente, ·C.aifa·z m-ostrou que tinha a-pren. .
dido alguma coisa da sagacidade do seu ·sogro. Era exata-
mente a serenidade e firmeza de Jesus que agora o levariam
à desgraça.
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Com a maior imponência ele coloeou-se diante do prisionei-·
ro e, ostentando toda a -dignidade do seu sumo-sacerdócio,-;
diz-lhe:.
"Eu te c.0njuro pelo Deus vivo a dizer-nos: E's· tu o Messias,.
o Filho de Deus ?"
P·ela primeira vez Jesus declara pública e solen-emente que.:
era de fato o Messias : "E' assim como disseste! Por isso eu.
vos digo: Dora em diante (a outra vez) vereis o Filho do ho-
mem assentado à direita de Deus e baixando das nuvens do
céu!"
Respondendo Jesus: "Tu o disseste!" - "E' assim com<;> di--
zes !", esta frase não é apenas uma circunlocação em vez de·
"sim", mas é uma declaraçã-o em lugar de juramento. No tra-
to comum empregavam uma palavra que correspondia exata-
mente ao nosso "si-m".
Diversos deles ao me,smo tempo gritaram a Jesus·: "Então
és tu o Filho de Deus?" Calmo e firme como antes, eJesus de--
clarou: "Sim, eu o sou!"
Já o sumo-sacerdote tinha segurado no seu manto junto ao
peito: ouviram o ruido de pano rasgado. Era este o gesto- ofi-·
cia1 de santa ind.ig.nação, -quando se ouvia alguma ,blasfêmia.
Foi como um sinal. O próprio sumo-sacerdote, em sua sen-
sação -de triunfo, dava a entender que todo o ;proces-s-o até en-
tão juridicamente nada tinha apurado: "Para -qu,e precisamos
ainda de testemunhas? Vós. 1nesmos tendes ouvido a blasfê-
mia ? Que vos parece?''
Era uma votação em que não se precisava -contar: o e.s-pe-
táculo é conhecido por certas "decisões" toma·das em ses--
sões. Declaram, concientes do ·seu p-od-er e da limitação desse
poder, que Jesus era digno de morte. Agora urgia conseguir
de Pilatos uma idêntica sentença do tribulfal romano.
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7iservos.. Eles mesmos não tinham mais o l)Oder de executar ~
. sentença de morte contra uma pessoa: desafogavam-se por isso
em ·seu ódio, vingando-se pessoalmente -de Jesus. Esse proce-
.dimento violava toda a lei: -de outro lado, ·porém, tais desva-
rios eram então mais a.-plicaveis do qu-e ·em nossos atuais pro-
. cessos jurídicos. Já antes os fariseus tinham apan·hado pe-
,dras para atirá-las contra Jesus e matá-lo. Para crimes, como
a blasfêmia, havia uma execução, de certo modo legalmente
··reconhecida, sem uraa condenação propriamente dita.
"Cuspiam nele". Em todos os povos -que estão ainda num
_,grau inferior de cultura, ocorrem sempre semelhantes coisas,
··mas exatamente para essas pessoas- o -escarro é considerado a
···suprema desh-onra que ninguem pode s·uportar.
Um fato hediondo e nunca bem avaliado em todo o seu al-
cance contém as palavras que seguem: "Então venderam-lhe
•~os olhos, bateram . . lb·e com a mão cerrada e diziam-lhe: Profe-
tiza! Que,1n é que te bateu?"
'rinham cuspido ,e1n Jesus e o humilhado tanto .que já nem
queriam tocar nele com as suas mãos. Mas a sua vingança
. ainda não -estava saciada. Tapam-lhe o r.osto: a-gora, sim; po-
,.dian:1 contin,uar livremente!
E-stes maus tratos, começados. pelos membros do sinédrio,
.:.serviam de sinal para os -cria<f os e servos que, para com este
..condenado, tudo lhes era permitido. E mostraram-se doceis
discípulos, repetindo o -que os :s-uperiores tinham feito à sua
vista e traduzindo p,S suas imprecações na linguagem mais bai-
xa de plebe. E' -o -que sã-o Lucas quer dizer com as palavras:
proferiram'' ainda muitas outras hnprecações" -contra ele, sem
.as citar verbalmente.
Ao mesmo tempo todos s,entiam claramente -que tinhan1 con-
denado um inocente. Exatamente por isso não tinham sosse-
__ go: - a condenação de Jesus de-via ser -e-amo que repetida
sem ,cessar ·por contínuos ultrajes. Conjuntamente queriam
observar a forma jurídica de um proc-esso, quando esta lhes
favorecia, e dela pouco se importavam, se redundava •em pro-
,teção para Jesus.
Ainda na vésp·era à noite Jesus tinha feito um n1ilagre ! Por
que não faria ele agora um outro? A essa gente altamente colo-
, cada e da ínfima plebe, parecia agora um "fato ·ex,perimen-
talmente comprovado'', como hoje se diria, -que Jesus ti-
-·uha p-erdido aquela força -que ·possuía outrora de fazer mila-
·.gres. E sentiam um gosto todo particular, em seu ódio e pra-
. . 432
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zer com· ,o mal alheio, em confirmar novamente este "fato"
com toda sorte de provocações.
Nada, porém, -os exasperava tanto como observar que Jesus,
apesar de tudo, conservava sempre a sua serenidade e supe-
rioridade.
O INTERROGATôRIO
ANTE O TRIBUNAL ROMANO
A PAIXÃO
Jesus é levado à presença do procurador romano
O fim de Judas
Quando Judas, que o traiu, viu que Jesus tinha sido
condenado, encheu-se de arrependimento e levou de no-
vo as t1·i11.ta moedas de prata aos sumos sacerdotes e
anciãos, declarando: "Pequei, traindo ~ sangue inocen-
te!" Estes responderam-lhe: "Que nos importa isso? Tu
que te avenhas!" (Mt 27, 3-10).
Pessoas de todas as posições :sociais tinham parte na pri~
são de J•esus. E' natural, pois, que bem depressa s-e espalhas-
se esta notícia e do que se tii,ha passado durante a noite -
dos servos e criadas essa notícia voara para outras pessoas
da plebe e dos membros do sinédrio para os círculos de cida-
dãos mais nobres.
Na cidade ia-se apoderando de todos uma sensação de esta-
rem .alí reunidos por causa da prisão de Jesus e não para
celebrar a Páscoa. Quem observou pessoalmente, mesmo em
parte, a.s perturbações na Palestina no ano de 1929, poderá
fazer uma idéia desta comoção: aquí e alí -g_rupos que aparen-
temente se formaram ·por acaso, mas que de fatQ são reuniões
de partidários; esses grupos desaparecem num ápice, mal se
mostre por alí um policial ou uma pessoa graduada: nas ruas
todo o mundo a se espreitar, embora com ares da mais com-
pleta despreocupação.
Mas .quem mais avidamente espreitava era, em certo sen-
tido, Juda~, o traidor. Depois da traição, ele se sentia num
estado d'alma bem diferente do que tinha pen-sado.
Por que será que este desfecho perturbou tanto a Judas?
Devemos pensar -certamente numa outra coisa tambem tre-
menda: que Judas, depois do pecado, tenha recuperado de um
modo estranho a sua fé, já não a f.é que salva, mas aquela fé
que é po.ssuida igualm·ente pelos espíritos maus. Assim ele
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Pôncio Pilatos, o procurador roma.no 8-0 tempo de Cristo
(Vista geral)
No tempo de Cristo estava em voga, como hoje, uma ques-
tão palestinense. Todas as potências mundiais •que têm pre-
tensões nas regiões do Nilo e do Eufrates, devem atender a
este pequeno país montanhoso, porque é a ponte e a p~s:sagem
entre os grandes centros culturais da antiguidade na Ãsia.
O posto de um procurador na Palestina er~ então tão difícil
como o posto de um alto comissário inglês.
Pilatos, como muitos romanos, pessoalmente não era gran-
de amigo dos judeus : acresce que, por esse tempo, em Roma,
sob o ministro Sejano (23-1), toda a orientação dominante era
contrária aos judeus. Conservou-se Pilatos como· procurador
de 26 até 36 depois de Cristo. Tibério, o imperador romano,
introduzira o costume de estender o mais possivel o tempo
de função dos procuradores, -comparando--os c-om ''mosquitos
que mai.s facilmente deixam a gente em paz depois -que já es-
tão cheios". Logo no começo do seu governo, Pilatos quis fa-
zer os judeus sentirem qual era o vento que então reinava.
Os antigos procuradores, respeitando os sentimentos religiosos
dos judeus, tinham mandado as suas tropas entrar em Je-
rusalé1n sem os respetivos distintivos -com a imagem do im-
perador. Mal Pilatos tinha tomado posse do governo, os ha-
bitantes de Jerusalém notaram pela manhã d_e um belo dia que
durante a noite os soldados romanos tinham penetrado na
cidade com estátuas do imperador. Multidõe.s de judeus descem
a Cesaréia e cercam a residência de Pilatos. Este deixou-os
gritar ·e bradar cinco dia:s. No sexto dia convocou-os à arena
e aí mandou que os soldados, de •espada desembainhada, in-
vestissem contra eles. Isso serviu para ·que Pilatos tivesse
uma prova das peculiaridades do povo: os homens desnudaram
a nuca, declarando que preferiam morrer do que tolerar a vio-
lação da lei.
Noutra ocasião irrompeu um tumulto na própria Jerusa-
lém. A .nobreza da cidade une-se com os filhos ·de Herodes e
acusam-no ao imperador Tibério. Este mand~u tirar de lá os
escudos e colocá-los no templo de Augusto -em Cesaréia. E'
bem certo .que e·sta ocorrência veio à mente tanto dos judeus,
como de Pilatos durante o interrogatório de Jesus, tornando
Pilatos mais vacilante e ·os judeus mais ousados.
Quanto à mentalidade, Pilatos era um "agnóstico", como
hoje diríamos. Para ele o -que havia de certo é que nunca se
28* 435
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poderá -encontrar uma verdade objetiva. Entre aqueles que
em nada acreditam, os ideologistas são sempre os pei.ores ps-i-
cólogos e os ,cépticos os melhores. Daí, a troca de idéias entre
Jesus e Pilatos são im·portantes não só como partes do pro-
cesso, mas porque aí temos o encontro de Jesus com um ''in-
-acrédulo moderno", um -céptico e agnóstico.
1
.0 procura-dor residia e-m -geral em· Cesaréia, junto do mar,
(,aonde, em alguma situação crítica, lhe era possivel, ,pelo mar,
·uma comunicação com Roma e onde o clima se assemelhava
mais com o do sul da Itália e da Sicília. Nos· dias de festas
dos judeus, em que todo o povo peregrinava para Jerusalém
e se comp.enetrava de sua grandeza e força, tam.bem o procura-
-dor -costumava dirigir-se para lá. Os procuradores residiam
,em geral nds palácios reais da cidade. Se dermos crédito, po-
.rém, à tradição que indica a fortaleza Antônia como residência
·de Pilatos, devemos supor qu•e se tenha tratado de uma exce-
-
<çao.
·Mais -de uma pessoa já tem manifestado certos pareceres
,.contra .a historicidade do processo que os evangelhos nos con-
servaram:~ teni-se achado impossível -que dois tribunais, com
direitos tã-o diversos .como o romano e o judaico, tenham po-
dido funcionar um junto do outro. Entretanto, documentos
egipeíacos do tem-po de Cristo supõem idêntica situação. Ha-
via aí, ao lado do tribunal estrangeiro-grego, um outro nati-
·vo e n·acional : este era. chamado o tribuilal dos "Laócritos",
i. é, o tribunal conforme o direito do p-ovo. Como em Jerusa-
lém o sinédrio, assim tambem no Egito o tribunal dos Laó-
·critos, em comparação com o tribunal estrangeiro, se ocupa-
va principalmente com ceremônias religiosas: o presidente do
tribunal trazia no peito a imagem da deusa "Verdade": na
frente dos juízes estavam os livros da lei do rei Bocoris. Deste
tribunal faziam parte trinta membros, assim como do sinédrio,
setenta e dois. O direito era bem diverso, conforme era tra-
tado diante do tribunal antigo -ou do n~vo. Daí, .se se passava.
de um para o outro, em caso dado, a situação jurídica era in-
teiram-ente diversa. O process-o de Hérmias, que :QOS foi con-
servado num desses documentos, pode servir de exemplo. E•
o que se deu tambem no processo de Jesus. Mudou-se por com-
pleto a situação jurídica, quando Pilatos começou o interroga-
tório c-om a pergunta: "Que acusação tendes -contra e-ste ho-
mem?'' Os fariseus, acomodando-se ao seu modo de ver, trans-
formaram as acusações e atribuiram a Jesus uma atividade de
carater político. Deste modo Jesus foi condenado à morte pelo
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sinédrio ·por .causa de blasfêmia e .pelo procurador romano,.
conforme a in.scrição na cruz, como revoltoso.
A luta entre os fariseu.s e Pilatos é geralmente imaginada
do modo seguinte: Pilatos fica irresoluto, sentem-no os judeus
e tornam-se sempre mais -ousados, até que o procurador _não,
vê outra sai•da senão entregar-lhes Je.sus para ser crucificado •.
Este foi realmente o subterfúgio escolhido, mas não o único,
possível. Pilatos podia tamben1 enviar todo -o processo para.
Roma, tirando--s-e assim do aperto em -que se via. O procura-
dor Ventício Cumano ( 48-52) pouco depois dele livrou-se as-·
sim de um caso complicad9, em que se tratava tambem de:
uma revolta, mandando todos os implicados embarcarem para
Roma, afim de se apresentarem ao imperador. Semelhante
saída teria sido possivel a Pilatos: só lhe foi fechada pelo seu
próprio carater orgulhoso e cheio de si. Dado este seu tem. .
peran1e11to, nem sequer lhe terá vindo à mente a possibilidade
de responder aos judeus, que o amedrontavam de acusá-lo ao
imperador: "Falais do imperador? Bem! Enviarei o processo
para o imperador em Roma!
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cheios de mercadorias, punham-se a aquecer a ·gordura de car. .
n-eiro, a amas·sar pães •e bolos e a expor fazendas e adornos.
J esu.s lá ia :sendo conduzido pelas ruas, amarrado: n-as ci. .
dades orientais, num cas.o como ess·e, tem. . se literalmente a
sensação de que todas as ruelas estão entre si unidas umas às
outras por travessas secretas. Em p-oucos minutos as ruas se
tinham enchido de tal modo que já não podiam prosseguir com
o prisioneiro. E entre a multidão começavam as disputas a
favor ou contra Jesus. Não há dúvida que, nesse caso de Je. .
sus, a maioria dos e:s.pectadores, vendo-o amarrado, já se pu-
nham a formar dele o seu conceito: o poder dos mila,gres a ban-
1
.aglomerada na rua.
Pilatos d•eve ter recebido de antemão uma co1nunicação de
-que lhe iam levar um acusado. E' mesmo presumivel que ele
-se tenha informad9 a-cerca do prisioneiFo, ouvindo o centurião
-q~e assistira à prisão. Certamente ele já tinha ouv.ido falar
de Jesus e da sua entrada triunfal ·em Jerusalém. Cumpria
usar de máxima cautela, agar.a que Jerusalém estava cheia
-de .peregrinos. Herodes, um filho de Herodes Magno, que não
podia ver com bons olhos que tivessem colocado um procura-
dor acima de sua estirpe, a.chava-se tambem na cidade para
mostrar-se ao povo como um judeu fiel à lei. Este já se tinha
patenteado em certa denúncia como adversário de Pilatos.
,
Os membros do sinédrio mandaram dizer ao procurador que
por motivos religiosos não podiam entrar no pr_etório. Pilatos
fez-lhes a vontade, sai:ndo-lhes ao encontro. Não eram ,para
ele certamente os _peiores proce.S$0S, quando os judeus lhe le-
vavam um judeu, mas ·quando lhe apresentavam algum roma-
no conhecido ou amigo.
As primeiras palavras entre Pilatos e os ·principais da dele-
gação não devem ter tido aquele tom excitado como muitas-
438
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vezes lhe atribuem. Pelo contrário, servem de introdução mui-
to ;comum no oriente a uma conversa sem compromisso al-
gum. Neste ·caso -os fariseus terão certamente escolhido pala-
vras delicadas, esperando ,cd.11.:seguir de Pilatos facilmente uma
confirmação da sentença -que tinham decidido.
Depois das saudações usuais que não foram mencionadas,
Pilatos-· pergunta oficialmente:
"'Que acusação tendes contra este homem?
·Os judeus sentem-se desiludidos, vendo -que ele começa a
examinar de novo a -q11:estão. El·es afirmam: "Se ele não fos-
se um -malfeitor, nã-o to teríamos entregue!" - Hás de com-
preender -que não se trata de uma ninharia se nós, judeus, te
entregamos um outro judeu! E isso nas vésperas de Páscoa!
Pilatos, suspeitando ou mesmo sabendo que se tratava de
questões religiosas, procurou reenviar o processo para os pró-
prios judeus por meio de um g-esto de complacência.
"'Tratai-o vós mesmos e julgai-o conforme a vossa lei!"
Agora é que aparece o lance propriamente dito dos fariseus.
Chamam a atenção do procurador ·que se tratava de um ho-
mer.a. que merecia. a morte:
"Não nos é lícito matar a ninguem !"
Com esta fras-e declaravam -conjuntamente que eles já ti-
nham terminado o interrogatório do prisioneiro. Como resulta-
do desse processo aduzem apenas, quanto à essência, a con-
fissão de Jesus à pergunta: E's tu o Messias? Dão-no, porém,
-como um homem -que forjava planos políticos.
"Encontramos -que esse aí está a sublevar o nosso povo: ele
proibe pagar o tributo a Cesar e declara-se a si mesmo pelo
Messias, o rei !"
Caso os herodianos denunciasse·m em Roma que Pilatos não
havia tomado a peito um.a semelhante acusação, poder-se-ia
1
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Ele pretendia pegá-lo de surpresa: --- eu já .o S ei ! Sim ou
1
não! Jesus é em certo sentido rei: não lhe era possivel ne-gar
a pergunta simplesmente. Faz, portanto, a Pilatos uma outra
pergunta, pela qual o sentido da palavra "Messias-rei" devia
ser esclare<!ido.
"Perguntas . isso de ti mesmo -ou foram outros que te fala-
ram de mim?"
Pilatos percebe que a sua pergunta estav~ sendo evitada.
E·m todo o mundo nã-o há um juiz -que, em semelhante caso,
não pense logo que o acusado estava se esforçando por eva-
dir-se .à confis·são.
"Lá sou eu um judeu'? Teu p-pvo e os sumos-sacerdotes é
que te entregaram a mim! - Que é -que tu fizeste?"
O procurador torna--se mais severo. Pensa que não se trata
aquí de uma conv-ersa sobre a acusação, mas -da própria acusa-
.ção ! E -esta provém de teus concidadãos! Nenhum des-ejo te-
nho de me informar sobre as vossas -contendas! Deves ter
feito qualquer coisa de anormal! Pois não é costume que os
judeus me apresentem um judeu!
Jesus prossegue:
"O meu reino não é deste inundo. Se o meu reino fosse des-
te mundo, os meus súbditos (como guerreiros) combateriam
p-or mim, para que eu não fosse entregue aos judeus! Agora,
porém, o meu reino não é deste mundo!"
Jesus declara que ele não era rei conforme o modo de ver
do mundo, mas ·em sentido espiritu·al. ...
Ele tinha •diante de si um agnóstico para o qual. a mais alta
saJbe'doria consiste em saber que não existe uma verdade que.
seja mais do -que uma predileção dos homens, como uma es-
pécie de escolha! Por este motivo Jesus ·parte de um ponto
que tambem Pilatos devia compreender: Eu não tenho solda--
dos, portanto não sou um rei deste mundo!
Estas palavras do acusado muito contribuiram para a.cal--
mar o ânimo de Pilatos depois das informações que tinha co ..
lhido do centurião, testem.unha de sua prisão. Sabia perfeita..
mente desta segunda fonte que o acusado estava falando a ver-
dade: Jesus tinha ordenado aos seus -as.seclas de embainhar a
espada.
E, -contudo, esse homem realmente estranho se tinha de
n-ovo declarado rei! Então ·ele podia acaso ignorar .que ess,es
títulos impressionam mal -os magistrados romanos ? Por que
é qu-e ele não escolhe outras expressões menos ambíguas? Que
-sentido poderia ter a sua -pretensão de se -atribuir o pomposo tí-
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t-ulo "rei dos judeus", depois que os próprios judeus o tinham
expulsado de sua comunidade?
Se o prisioneiro se decidisse a renunciar a e-ste perigoso tí-
tulo "rei dos judeus", todo o caso estaria terminado! Que é
que ele se imaginava por este título?
Diz-lhe, pois, Pilatos, refletidamente: "Portanto tu és rei!'''
Jesus responde mais explicitamente:
"E' assim com-o disseste: eu sou rei. Para. is·so nascí e vim
ao mundo para dar testemunho da verdade. Q-uem é da ver-
dade, ouve a minha voz!"
De ur.a "outro mund-o", do qual se ten-ha vindo a este mun-
do para um fim determinado, i. é, .para angariar adeptos-, Pi--·
latos pouco se importa. Uma coisa, :porém, ele compreende::
Jesus =afirmava poder esclarecer os. h-omens a respeito da ver-·
dade em si. Ivlas o único ·princípio vital ,que Pilatos tinha por·
aceitavel era: não existe uma verdade propriamente dita e in-·
con-cuss.a ! Ele sabe o que sabe! Daí a sua breve observação::
"Que é a verdade?"
·O interrogatório se ia demorando. Os sun10s--sacer,dotes e·
anciãos em pé na rua procuravam intrometer-se .gritando ao
juiz, ora um depois do outro, ora muitos em grupos.
Pilatos silenciou para observar a impressão que esses gritos:
produziam em .Jesus. Este conserva toda a sua serenidade ..
Era uma coisa :inaudita.! Nestas províncias orientais o contí-·
nuo e in1portun-o falatório tornava os processos uma verda--
deira tortura para os magistrados romanos. Criminosos, apa~
nhados em flagrante, afir1navam com toda a espécie de g·esti--
culações a sua inocência. Esse Jesus era de fato inocente e
calava-se.! Era extraordinário!
"Nada dizes a isso? - Pensa que grave-s acu-s.ações eles fa-
zem contra ti!"
Pilatos espera ainda ·um pouco. l'Tão, um tal homem ele nun-
ca tinha tido diante- de sua barra de juiz'!
Adianta-se então até ao :parapeito e proclama: "Não en·con-
tro n-es.se hom·em nenhuma culpa!"
No mesmo instante desaba a torn1enta: Acaso absolvê-lo?
"Ele agita o povo, em toda a parte, na Judéia, ele se dá como
Mestre; começou na Galiléia e chegou até aquí !"
Pilatos ausculta. Como psicólogo que -é, vê claramente que
os rnotivos reais desse .processo .são bem diversos dos que alu-
dem. Os judeus estão aí a perseguir esse seu compatriota, de
um modo estranho: com o mesmo ódio ameaçam qualquer
que o defenda. Não falaram da Galiléia? Herodes, que é tão ze-
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loso de sua realeza, deixou este homem em liberdade? Aí está
.um.a saída! Deixar a decisão a Herodes ! O.s -procuradores cos-
tuma vàm enviar os acusados à sua própria pátria, caso pos-
.siv·el fosse.
Herodes era um libertino, um intrigante, uma "raposa" -
como Jesus mesmo o designara. Quanto aos seus conceitos. re-
l~giosos, ele pertencia ao número daqu·eles que não toleram
nenhuma influência da eteternidade" n-a sua vida particular,
mas que muito se interessam por toda espécie de práticas de
·•'.ocultismo".
Muito se alegrou ele ao ver que Pilatos lhe confiara a causa
de Jesus. Ninguem podia avaliar bastante essa honra que o
procurador lhe fazia. De-mais seria uma agradavel surpresa
poder presenciar algum milagre de Jesus. Ele ,era aliás. um
·súbdito s,eu!
-J.esus foi-lhe, pois, apresentado. Como se pode deduzir de
toda a narração, Herodes quis qu·e toda a corte compartilhas;.
·se de .sua satisfação. Começou a conversar com Jesus - mas
aos pou-cos f oi-s,e arrependendo do pomposo início do inter-
rogatório: -- Jesus não proferia palavra alguma. =Os s'Ul-
mos-sacerdotes já se iam persuadindo que nada poderiam con-
seguir. Sem cessar persistiam em aduzir as suas acusações.
Herodes, entr,etanto, era de fato -uma "raposa" e absteve-
se de to:mar uma decisã,o em caso tão delicado. Uma fineza
seria paga com outra. Pouco tempo antes Pilatos tinha man-
dado massacrar no templo u1n grupo de galileus - esta aten-
ção ines·perada na vigília de Páscoa podià ser consid~rada como
uma espécie de reparação diplomática. Se Pilatos lhe tinha
confiado o julgamento desse galile·u, tambem ele queria dar
·a entender ao procurador ,que não S•e intrometia nesse caso.
Contudo o modo como o fez procedia do seu ódio pessoal e
impetuoso -contra Jesus: 1nandou vesti-lo de um manto branco
de escárneo e levá-lo embora dalí.
O evangelista 11arra brevemente: "Naquele dia Pilatos e He-
rodes tornaram-se amigos, sendo que antes dis-so viviam em
:inimizade".
Jesus e Barrabás
Pilatos convocou os sumo-sacerdotes, os anciãos e o
povo e declarou-lhes: "Vós me tendes trazido este homem
como um agita.dor. Eis que, i:µterrogando-o em vossa
presença, não pude encontrar nesse homem nada das
acusações que fazeis contra ele. Tambem Herodes nada
encontrou nele de tudo isso, tanto que no-lo mandou de
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volta! Vós .vedes, portanto, que por ele nada foi prati-
cado que mereça a morte. Vou pum-lo e depois pô-lo em
liberdade" (Lc 23., 13-23; Mt 27, 15-23; Me 15, 6-14).
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são nem melhores nem peiores do que muito.s outros, mas que
por uma circun-stância ·qualquer se tornam "célebres". Talvez
o tumulto tenha sido de fato o que se atribuía a Jesus: uma
revolta contra Roma. Então compreende-se da parte de Pi-
latos o paralelo: Jesus e Barrabás. Além dis-so o procurador
·estava vendo que era :por ódio que os sumos-sacerdotes _lhe
entregavam esse Jesus: portanto depositava a sua esperança
no povo, que não estava obce·cado de ambição e de inveja.
Qual é dos dois que escolheis .para ,que o liberte: Barrabás
ou Jesus, o Mes.sias, c,omo é chamado?"
Ao que parece, a libertação de um preso era um ato que
se revestia de um ceremonial judiciário. E,staria assim de acor-
do com o que sabem,os da libertação de escravos comuns -
era realizada obedecendo a determinadas -ceremônias. Pilatos
ter-se-á assentado na sua poltrona de juiz, sendo •que para a
validade de uma sentença jurídica era necessário que fosse
lançada no "devido lugar".
Enquanto Pilatos aí estava assenta-do, um novo caso inter-
rompe o -processo. A mulher de Pilatos que, segundo a tradi-
ção, se chamava Prócula, manda um mensageiro ao s·eu ma-
rido. Já isso ,era uma coisa extraordinária e mais extraordiná-
rio -ainda era o motivo: ela lhe mandava dizer: "Nada tenhas-
que ver -com esse justo! N·esta noite eu sofrí muito em sonhos.
por sua causa!"
Quando Pilatos começou o interrogatório, sua mulher taJ . .
vez ainda não S(?·ubesse quem ·era o acüsado. Entremente·s o
processo s-e tinha tornado conversa forçada em toda a cidade.
Portanto, os sonhos durante a noite r•eferia-m-.se a essa reu-
nião judiciária que estava tendo lugar. O seu comparecimento
pessoal nesse caso só poderia ter ·prejudicado a causa e, em
vez de ir ela mesma, preferiu enviar u1n mensageiro.
A pausa era, no momento, mesmo desejada pelos inimigos
de Jesus - puseram-se enquanto.is.soa influenciar a multidão,
ditando-lhes -o que eles como verdadeiros israelitas deviam de-
sejar. Quando Pilatos recomeçou o processo, repetiu, como con-
vinha a um proces;so Judiciário, a última pergunta:
"Qual é dos -dois ·que escolheis para que o liberte?"
"Barrabás !"
Então eles abandonavam realmente o -seu "rei"! Pilatos não
alcançava todo o ardor do ódio que animava os judeus. Por
isso com tão :p-ouca habilidade quanto pos-sivel, ele pergunta:
"E que farei eu ·de Jesus, cognominado o Messias?"
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C·om e.stas ·palavras ele os exasperava ainda mais. A ex-
pressão "Messias" era como um escárneo para o povo de Is-
rael! Todos põem-se a gritar promiscuamente: "Ã cruz com
ele!" Estavam ditando a Pilato-s a sentença e repetiam-na so-
zinhos e em coro.
Ainda -uma vez o procuraqor esforça-se: "Mas que mal fez
ele?" - Eu não posso mandar crucificar um inocente!
"Ã cruz com ele !"
Iam ficando fora de si. Pilatos já conh·ecia esses orientais
de sangue ·-e-s.quentado. Agora, nas vésperas de Páscoa, eles es-
tão aí reunidos aos milhares: de todas as ruas e becos que
dão .para a praça diante do pretório, massas de povo se iam
aproximando: nos tetos debaixo do céu azulado -são inúmeros
os espectadores.
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Os evangelistas não s-e detên1 em. descrever estas cenas,
porque os leitores daqueles tempos sabiam o que este castigo
significava. Flávio José narra-nos do procurador Albino (62--
64) que mandou açoitar um homem -durante tanto tempo, até
que "os ossos foram desnudados". Não era raro que os con-
denados m-or~essem durante a flagelação.
Entretanto, mesmo depois -que os soldados puseram de lado
os b1strumentos de suplício, :sentiam vontade de atormentar a
Jesus ainda mais. Com a sensibilidade que é muitas vezes
assaz desenvolvida em pessoas rudes e longe da pátria, per-
ceberam que o prisioneiro interiormente não estava abatido
ao peso dos seus golpes. Que lamúrias, em outros -casos, pre-
cediam a uma flagelação! Como gritavam as vítimas já antes
dos a~oites, para provocar misericórdia e como s;e estorciam
em todo o corpo, não podendo proceder de outro mo-do! Esse
homem tinha er.a si muita coisa de um rei! Sentiam-se pertur-
bados ante a n1isteriosa força de Jesus. Enfureciam-.se com a
sua firmeza e tudo faziar.ti por abafar nele e-s-se último traço
real por toda espécie de ludíbrios e escárneos.
].,izera1n-no ass,entar-se num pedaço de coluna que alí estava,
talvez na mesma em que o tinham amarrado para flagelar.
Então envolveram-no num velho manto avermelhado como os
soldados usavam. Uma i-déia induzia -a outra. E' algo de terrivel
-quando hornens p-erversos s-e ajuntam parâ seguir os próprios
instintos! Fizeram uma coroa -çle espinhos ·ou cardos, que pro-
vavelmente alí estavam para acender o fogo. E' passivei que
tambem alí junto estives·sem os caniços. Colocaram-lhe a co-
roa de espinhos na cabeça, deram-lhe um caniço na mão di-
reita, faziam genuflexões diante dele e diziam em tom de es-
cárneo: "Ave, rei dos judeus!" O termo grego "Chaire", "Ave!"
era mais tarde usado pelos judeus como um estrangeirismo.
Pelos soldados, já ·então a saudação deve ter ;sido proferida em
grego.
Cuspiam ·em Jesus, arrebatavam-lhe o caniço das mãos e ba-
tia1n-lhe -com ele na cabeça. Tudo isso era um tormento para
Jesus e, mais ainda, uma humilhação: um rei em quem po--
diam ·bater com o próprio cetro! Demonstra aquí a narração,
inconcientemente, um traço de inatacavel fidelidade: como já
-não queriam tocar no seu rosto ·preciosís-simo com as próprias
mãos, maltratavam-no ,c-om os caniços.
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A última tentativa, de Pilatos
Pilatos saiu ainda uma vez do pretório e explícou-llí.es:·
"Vêde! Eu aqui vo-lo trago, para que saibais que eu não•
encontro nenhuma culpa nele!" Então saiu Jesus com·;
a coroa de espinhos na cabeça e com o manto vermelho~.
E Pilatos lhes disse: "Eis aí o homem!" Quando os su-
mos sacerdotes e os servos o avistaram, gritaram: "A'·
cruz com ele! A' cruz com ele!" (Jo 19, 4-16; Mt 27, 24-
25; Me 15, 15: Lc 23, 24-25).
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Um Filho de D eus! Já lá S·e ia muito tempo, mas nesse
1 1
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só nos refere o desfecho da catástrofe. Os judeus abandonam
a acusação de blasfêmia e ameaçam abertamente uma denún--
cia perante o Imperador.
"S-e a bsolves a este, não és amigo de Cesar ! Todo aquele
1
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de sempre e latem uns aos outros : os abutres, que se detêm
sempre perto das povoaçõe-s, começam a voltear em torno. Os
gritos dos condenados eram ora exclamações de dor, ora bra-
dos de anseio pela morte que para eles significava uma liber-
tação. Tudo isso -era bem conhecido ·dos primeiros leitores do
evangelho, que o podiam ·presenciar ·com frequência.
A -crucifixão era um castigo que, fora dos judeus, era apli-
cado em todos os países circunvizinhos - entre os judeus
o apedrejamento estava mais em voga. Daí, no processo de Je--
sus, a crucifixão correspondia ao código penal roma~o. O pró-
prio -con,denado devia levar a cruz para o lugar do suplício,
que era escolhido nas proximidades -das portas da çidad-e, para
que as pessoas, que por aí -passassem, se atemorizassem por
esse horrivel exemplo. Este castigo era tido por tal ignomínia
po:rque só •era aplicado a escravos ou a grandes celerados das
p-rovíncias. Só nos anos posteriores da decadência do império é
que tambem cidadãos romanos eram supliciados deste modo.
A própria cru·cifi.xão podia .ser eX!ecutada diversamente. Os
quadros representativos mostram-nos em geral J·esus. deitado
em cima duma cruz já pronta e estendida no chão, sendo aí
pregado. Entretanto, muitas vezes .pregavam o condenado na.
cruz já suspensa. De particular significação para as expres-
sões que Jesus empregava, falando de sua cruc-ifixã-o, é um
proces,so que de ambos participa. ·O condenado, deitado no chão,
era pregado com os braços na vara transversal: esta era em
.t/fi
29*
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O vale do Cedron. Vista da ponte de cima do Cedron pelo vale abaixo
A muralha branca vai cercando um caminho que é a continuação da
subida que se vê na fotografia. A direita plantações de oliveiras enchem o
vale e parte da encosta sombreada. Os pedaços esbranquiçados são
campos já ceifados. Os pináculos da muralha do templo aparecem nitida-
mente no céu. No canto em que se vê a maior saliência sobre o vale de
Cedron, supõe-se ser o "pináculo do templo", onde Jesus foi tentado. A
colina em baixo, donde uma descida leva ao vale, estava então inteiramente
coberta de construções. Aí em qualquer punhado de terra, encontram-se ca-
cos de barro. Pela cavidade do vale avista-se parte da torre, forma de cone
que é o s-epulcro de Absalâo, a encosta, onde, segundo a tradição, ficava o
campo Hacélda-ma, "o campo de sangue". Nos dias de Jesus a aparência
deve ter sido· semelhante.
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funerais, bem como na festas da circuncisão. A associação~
nesse casos, ocupava-se de seus ·sócios·: mandava-lhes os. ne-
cessários com·participantes ·e estes cuidavam dos parentes, em
conformidade ·com a posição social. Tambem certa comiseração
com homens que- eram levados ao lugar do suplício entrava
no campo de -ação dessas associações. E~ muito ·possivel que as
mulheres -que choravam e que são designadas expressamente
como moradoras de Jerusalém ·pertencessem a uma •de-ssas cha-
·burat ir, uma "associação urbana". Então elas seriam, no sen-
tido próprio, representantes das mulheres de Jerusalém e as
palavras de Jesus eram dirigidas a todas as mulheres da ci-
dade.
O cam.in·ho da cruz
Leva1·am Jesus para fora da cidade para crucificá-lo.
E quando iam deixando a cidade, encontraram um ho-
mem de Cirene, por nome Simão, o pai de Alexandre e
de Rufo. Angariaram-no para levar a cruz atrás de Je-
sus. Ia seguindo tambem uma grande multidão de pes-
soas, inclusive mulheres que manifestavam o seu pesar
e pror1·ompiam em lamentações sobre ele (Me 15, 20-21;
Mt 27, 31-32; Lc 23, 26-32; J-o 19, 16-17).
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multidão ,que já v:inha acompan~.an do 4esde o pretório - nes-
1
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dos limites do império romano, porque cuidamos que as pes-
soas dos séculos passados, quando não existiam as estradas
de ferro, não viajavam além do pequ-eno círculo em que hoje
nos movemos sem nos utilizar destes meios de comunicação.
Entre os 76 habitantes da rua Museu de Apolônio de Arsínoe,
no ano 71/72 dep. de Cr., numa época em que muitos con-
tem·porâneos de Jesus ainda viviam, verificou. .se num exame de
meios de vida que nada menos de •quatro se tinham ausentado,
tres para a Itália e um até para as índias.
Talvez tenha sido durante a entrega da cruz a Simão qu-e
as mulheres, de que são Lucas nos narra, puderam aproximar-
se 'de Jesus. Em todos os povosi cujos sentimentos naturais
se conservam intatos, é sem.pre um direito das mulheres ma-
nifestar a sua piedade para com sentenciados. N•este caso tra-
tava-se de -cidadãos de Jerusalém: não é inverossimil que, co-
mo temos n"Otado, houvesse uma espécie de associação para as-
sistir os condenados ·que iam •ser executados. As mulheres com-
portavam-se com"O nas lamentações fúnebres: batiam nos pei-
tos e prorrompiam em altas vozes. Nisso .sucedeu uma coisa
·que eles não esperavam: Jesus volta-s-e para elas, o que era
possivel depois que lhe tinham tirado a cruz. Portanto, de cer-
to modo, esta cena supõe a antecedente. Jesus procura elevar
a sua natural comiseração a um temor do pe·cado, que o leva-
va a ele, inocente, a tais tormentos e levaria os pecadores que
s-e não arrependessem a uma desgraça ainda maior.
"Filhas de Jerusalém! Não choreis sobre mim! Chorai so-
bre vós miesmas e sobre vossos filhos! Eis que dias virão em
•que .se dirá: Bem-aventuradas as estéreis e aquelas ·que não
-deram à luz e os seios que n·ão amamentaram! Começarão
então a ,gritar às montanhas: Caí s-obr-e nós! e à·s colinas: Co-
bri-nos! Se tais coisas acontecem com o madeiro verde, o que
há de suceder então com o seco?
A crucifixão
Levaram-no então para o lugar que se chamava Gól-
gota, ''lugar do crâneo". Aí lhe deram vinho misturado
com mirra: ele tomou apenas um pouco, mas recusou-
se a beber todo. Era mais ou menos a terceira hora.
quando o crucificaram. Com ele crucificaram tamhem
dois ladrões, um à sua direita e o outro à sua esquer-
da (Me 15, 22-27; Mt 27, 33-38; Lc 23, 33-34; Jo 19, 17-24).
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devia ficar longe da povoação. A colina chamava-se, por cau-
sa da sua forma, Gólg.0ta, o "lugar do crâneo".
As mulh-eres que lamentavam Je,sus talvez se puderam con-
s-ervar perto do con,denado e foram provavelmente a.s mesmas
que prepararam vinho misturado -com mirra e o entregaram
aos soldados. Os israelitas que, em geral, misturavam vinho
com água, -conheciam tambem toda espécie de meios de tor-
ná-lo mais forte e inebriante. A um vinho em que a mirra se
dis.solvia, atribuia-se uma ação "narcótica", como hoje se di-
ria. Jesus tom-ou um pouco desse vinho para não ofender os
que o oferec.iam: mas não o ·bebeu todo : queria sofrer em
perfeito uso dos sentidos.
D-ep-ois dis s0 tiraram-lhe as roupas. Mesmo •que Jesus esti-
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Pilatos tinha mandado escrever exatamente o .que eles lhe:.
tinham. dito ·como acusação: •que queriam eles agora? Respon-
deu-lh,es, pois, com brevidade e· decisão romanas que não per-·
mitiam n-enhuma réplica: "O que escreví, está e-scrito!" De·-·
modo análogo ao -que Pilatos es·creveu: " O que escreví escre-
ví !",procedeu tambem, numa parábola antiga, um rei anuncian-··
do a completa remissão de impostos a súbditos seus que im--
ploravam: "O que já se passou, passou---se!"
En·quanto a delegação ia ter com Pilatos, os soldados pro-
cediam àquela ação que terminava a vida de Jesus para este:
mundo: conforme o costume, repartiram entre si as suas,J
vestes.
Como a crucifixão era feita segundo -o regulamento militar<
romano, quatro soldados eram designados para cada um dos:;
-crucificados. Daí serem tambem quatro -que entre si dividiam
as vestes de cada um. Os soldados que crucificaram a Jesus
dividiram as quatro peças: sandálias, cíngulo, manto e túnica...
Se se tratava de um pano qualquer, a túnica de baixo seria.
em seguida dividida em quatro .partes. Mas esta peça era in-
consutil. Esta observação nos foi con.servada num modo só
compreensivel, supondo-s-e que quem a narrou estava alí pre-
sente e viu como os soldados a e·stiveram revistando e pro--
curando algum-a .costura. Nisso nenhuma sensibilidade os im-
pedia. In,consutil era tamhem, como Flávio José descreve, a:,
túnica do sumo-sa!cerdote.
•Tiraram, pois, a sorte a respeito desta túnica. Dados eram.
objetos -que faziam parte, por assim dizer, da farda de um.
soldado. Deste modo, por -gentios que nada sabiam, foi reali-
zado aquele texto -da Escritura em que se lê: "Repartiram en-·
tre si a minha roupa e th:aram a sorte quanto à minha tú--
nica !''
Jesus na cruz
Jesus disse: '"Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o:i
que fazem" O povo ai estava e olhava, e as pessoas que
passavam, abanavam a cabeça e diziam: "Então tu és.
aquele que destróis o templo e dent1·0 de tres dias o re-
edificas! Desce da cruz e salva-te a ti mesmo!" (Lc 23,.
34-46; Mt 27, 39-49; Me 15, 29-36; Jo 19, 25-30).
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~dos. Jesus, ao contrário, só tinha um pedido para todos, um
pedido -que ele tanto queria ver realizado, que, antes de o fa-
:zer, pTocurava tornar a Deus no céu .prop-icio, chamando-o de
·"Pai!": "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!"
A eles! Jesus não exceptuava. a ninguem! O -seu pedido era
··principalmente em favor daqueles que mais necessi~avam do
·-perdão, dos guias -do povo! Como motivo de lhes ser propício,
·aduzia: "Não sabem o que fazem!" Os sumos-sacerdotes e os
·faris-eus estavam cegos de ódio!
Tal era a oração de Jesus, assim -como subia -para o Pai no
.-.céu. Outro sentido tinham estas me.smas palavras a-os ouvidos
~dos circunstantes. 'Tambem ·agora, depois da condenação, na
presença da morte, Jesus re-petia a sua declaração de ser o Fi-
·1ho de Deus. Ele olhava para o céu, onde só podem existir se-
res espirituais, -e exclamava_: "Pai!" - Igualmente ele afir~
mava que era inocente e que outros eram culpados: "Perdoa-
lhe:s !" E ainda um novo testemunho de sua divindade estava
incluido nas palavras com que ele procurava diminuir a cul-
pa dos culpados: ''Não sabem o que fazem!"
Esta oração pedindo perdão foi, por fim, o en,sejo para re-
_.novarem todos os escárneos e gracejos contra Jesus. Até en-
tão um certo temor não deixava ,de todo -0s seus inimigos: ao
.ser pres-o, Jesus ainda mostrara o seu poder. Quem podia sa. .
·ber se ,ele ainda de repente não recobraria a sua antiga for-
.
ça. Agora ele mesmo dava a ente11der que não esperava ser
.libertado! Os sumos-sacerdotes sentiam-se mais consolidados,
tanto assim que abertamente concediam que ele outrora fizera
milagres: "A outros ele auxiliou, a si mesmo não pode auxi-
liar-se ! ·O Messias ! O rei de Israel ! Desça ele agora da cruz
-para que creiamos nele! ·Confi,ou em Deus! Pois a-gora Deus
-·que o ajude, se ·nele deposita o 'Seu -agrado! Ele disse: Eu sou
,o Filho de Deus!"
Os sumos-sacerdotes e os escribas conservavam-se s,epara-
·.dos da "plebe": Daí eles não se dirigiam dir-etamente a ~esus.
.A.s suas palavras, porém, alvejavam os circun.stantes.
Outra.s pessoas havia que mais casualmente se aproxima-
vam da -cruz. Estas caçoavam de Jesus tão mais dolorosa-mente
quão breves eram as suas palavras. Punham-se diante dele,
,olhavam desdenhosa.mente para ele e1n seu abandono e escar-
neciam: ''Então tú és aquele que destróis o templo e o re-
·edificas dentro de tres dias! Des-ce da cruz e salva-te a ti
·mesmo!''
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Os soldados gentios associavam-se ao exemplo dos judeus:
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'Se és o rei dos judeus, -salva-te a ti mesmo!"
Até um dos criminosos •que estavam tambem alí crucifica.-
dos começou a ludibriá-lo. Em todas as suas dores ele s.entia
uma espécie de -satisfação em ouvir ess·es gracejos e em ·pro-·
ferí-los ele mesmo. Com um sentimento que muitas vezes nu-
ma alma de ladrão adivi nha com mais certeza do que num
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Na rua da via.. sacra
As ruas estreitas estão quasi sempre à sombra. O
chão é simplesmente '.terra socada ou lages alisadas.
Para Jesus com a cruz às costas o último calçam·ento
era mais penoso. Pode-se calcular -o que deve ter sido
nestas estreitas vielas o movimento dos peregrinos e
ainda por cima o ajuntamento de pessoas por ocasião
da crucifixão de Jesus. Na frente uma -mulher toda co-
berta com o seu véu.
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tou~se - ·cada movimento ocasionava-lhes novos tormentos -
para Jesus e suplicou: "Jesus, lembra--te de mim quando ti-
veres chegado ao teu reino!"
Quan·do tiveres chegado ao teu reino! - Ele acreditava na
onipotência desse homem desamparado segundo a aparência:
não lhe pedia, porém, que o libertasse ou mitigasse as dores,
-mas só que lhe desse um pouco de amor! Reconheceu que
Jesus ia morrer antes dele. Se esse Jesu.s lhe prometesse, antes
de morrer, que dele lá em cim-a não se esqueceria, ele o havia
de seguir tranquilamente.
Falando com a mesma serenidade como outrora, ,quando es-
tava assentado na montanha ou debaixo d-e uma árvore ou
na barquinha, Jesus .pendente da cruz, declarou: "Em verda-
de, eu te digo: Hoje mesmo estarás comigo no Paraisa!"
Misteriosas palavras! Morrerem~s ambos ante-s que rompa
um novo dia! Não só eu, não, tambem tu! Mas naquele outro
mundo lá em -cima estaremos juntos como aquí !
As duas primeiras palavras de J-e-sus na cruz estão em cer-
to sentido rela'Cionadas intimamente uma com a outra: po-
·ae-se pensar que uma tenha sido proferida pouco depois da
outra.
Pendeu Jesus da cruz por tres horas inteiras. Durante esse
espaço -de tempo todo o mun-do em torno da cruz passou por
uma estranha tran.sformação. Da sexta hora em diante até à
hora nona trevas cobrian1 toda a região.
Racionalistas recentes ,cuidaram ter descoberto algo de , novo,
fazendo ver que na fase da lua cheia não é possivel um ecli-
pse do sol. Isto era bem conh-ecido já do velho Orígenes e
provavelmente dos Apóstolos, porque •estes fenômenos da na-
tureza já vinham sendo observados na Ásia há milhares de
anos.
Na maior parte do ano a região recebe em cheio os arden-
tes e claros rai:0.s do sol. Que impressão deve ter causado,
quando aí pelo meio dia os cumes das montanhas se foram es-
curecendo, as muralhas da cidade já não projetavam as suas
sombras e a cruz lá aparecia como numa gruta ~e escuridão!
Judeus e gentios atemorizaram-se.
Em povo algum, cuja juris·prudência é como ,que um refle-
xo dos seus sentimentos, prohibe-se aos parentes achegarem-se
de um moribundo. Tambem a Mãe de Jesus teve acesso junto
.da cruz: e perto dela -estava são João, ·o discípulo que agóra
destemidamente se de-clarava por J·esus.
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As vestes já estavam divididas. Jesus não tin.ha de seu pró-
prio nada mais que deixar aos -que eram seus._ Quem cuidaria
de sua Mãe? Ela o havia seguido no caminho da paixão, so-
frendo com ele -cada dor •que ele sentia, mitigando-as ao mes-
mo tempo que intensificando-as com aquela amargura que
só experimentam ·homens ·que amam -a outros mais do que a
si mesmos e não lhes podem valer.
Já era tempo de despedir-se daqueles -que lhe permane·ceram
fiéis até ao fim. Jesus olhou para sua Mãe e disse-lhe: "Mu-
lher, eis aí teu filho!" Um olhar que •dele passava para são
João explicava a frase, um olhar repassado de sangue, em que
o amor :se -separava do amor. E repousando esse olhar em
João, Jesus acrescentou: "Eis aí a tua Mãe!"
A;gora Jesus tinha deixado tudo!
Como ·preciosa seiva, o sangue palpitante ia escorrendo aos
poucos das feridas por sobre camadas de sangue coalhado:
corria pelo tronco até ao chão e espalhava-se em veios negros
para todas as direções do mundo. Como de duas fontes qµe
jorravam do -próprio céu, gotejava o sangue das duas chagas
das mãos. ·Onde foi parar esse sangue em poucas horas-?
Infiltrara-se ·pelas pedras das ruas de J.erusalém: gruda-
ra-se nas pequenas peças de metal -e nos cintos de cou_ro da
farda romana: havia-se i-mprimido como terrivel .selo nas la.-
ges do pretório e demarcava o caminho por onde Jesus pas-
sara: as sandálias dos nobres e -os ·pés descalços dos pobres
tinham-no calcado.
A tremenda escuridão era apenas uma pálida imagem do que
ia na alma de Je.sus. Efetuava-se aí de modo desolador o que
era propriamente a amargura mortal: o moribundo s-e·para-se
interiormente do que exteriormente o abandona. Desde o pri-
meiro instante Jesus cumprira sempre a vontade do seu Pai
e o amor a seu Pai ia crescendo ~gora no meio do sofri-
mento não só de hora em hora, m,as de se-gundo em segundo,
acima de toda a nossa compreensão . Por entre os açoites e. as
martela·das, ·na ardência das dores pelos gracejos dos homens
ele havia ouvido a voz do Pai como o que de mais doce e pene--
tra-nte podia existir. E ele assemelhava-se a um pássaro que,
mesmo preso, se alegra todo aos raios do s-ol. A sua v9ntade,
a des·peito de todo o constrangin1ento exterior, permanecera
mais livre do -que a de outro homem qualquer. Exatamente
por esta íntima convivência co:qi Deus é que o condenaram
como blasfemador.
4:62
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.AJc-onteceu então o que mesmo a ele como homem permane-·
ceu um mistério, um mistério tão tremendo -que ele não o po..
dia compreender. A .sensação da proximidade do Pai querido-
foi-se esvaindo na mais cruciante incerteza. No seu· íntimo,
onde as dores corporais não p-odiam chegar, cruciava-o esta~
out·ra dor. Deus sentia-se abandonado por D•eus !
Era um tormento que fazia parar misteriosamente as dores··
físicas, para logo depois aumentá-las, tornando-as como ·que de,.
outra ·espécie em consequência desse abandono. Tudo lhe des-
apareceu de diante dos olhos nesse tormento: - os rudes sol--
dados que -o vigiavam, os sumos-sacerdotes que o escarneciam,.
mesmo a Mãe querida e o fiel .dis-cípulo estavam-lhe agora.
muito -distantes. Jesus exclamou: "Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste? e começou a recitar o salmo 21.
Foi um grito que fez tremer os bons e que o aniquilava mais.
aos olhos dos inimigos do que todos os ludíbrio-s o tinham con-
seguido fazer. Agú1•a eles triunfam: Eis que, por fim, ele
-perde a força de fingir!
"Eli, Eli, lama s.abactani!'' foram a:s palawas h-ebraicas pro--
nuncia,das por ele. Os evangelistas mencionam-nas expressa--
mente, .porque de outra forma não se podia compreender o que:
ia seguir. A palavra "Eli", "meu Deus", que· Jesus pronunciou.
duas vezes em seguida, soava como Elias. O profeta Elias re-
presentava na fé popular saliente papel, não só como prede ..
cessar do Messias, mas tambem como padroeiro em qualquer
necessidade. Ainda hoje a festa de Santo Elias reu·ne, como ne-•
nhuma outra, todas as confissões no monte Carmelo.
Jesus clamou no meio de tudo isso: "Tenho s,êde !"
-A sê-de em consequência •da perda do san-gue n_a flagelação·,
1
463,
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·tinham assentado um pouco distante daquele lugar em qae
o sangue escorria - e umedece uma esponja no vinagre,
talvez a esponja ten-ha servido de tampa, ·pendur~. . a num ca..
.niço ou ·pau e leva-a à boca de Jesu-s. Deve ter um ríspido gra-
.cejo a frase: ''Deixe--o beber! Vamos ver se Elias vem li-
vrá-lo da cruz !"
Pouco depois Jesus exclamou: "E-stá •consumado!" Esta pa-
lavra soava bem diversamente dos brados precedentes. Num
·tremor que tinha envolvido eternidades inteiras, ele sentira-se
;aban,donado pelo Pai - agora ele ·conhecia que ·esse Pai nunca
lhe tinha estado tão perto -como nesse mom·ento: ·conforme os
. desígnios do Pai, ele sofrera ·em sua alma, tanto quanto pos ...
··sivel ao Filho de Deus, o ·estado interior do pecador em s-ua
.separação de Deus.
Ainda uma vez Jesus testemunhou ·que sofria voluntaria-
. .mente. Mas seus sofrimentos foram tão intensos que, uma vez
.passados, ele já não podia viver. Na misteriosa separação do
Pai ele já tinha morrido interiormente. O que agora acontecia
-.e-ra ·como -um suave arrebol de-pois da borrasca, uma tarde so--
..lene: - E o regresso!
"Pai, em tuas mãos encomendo o m·eu espírito!"
No abandono, Jesus, por assim dizer, já não ousava invo--
1.car a Deus, como Pai. Agora esta palavra lhe vinha de novo
aos lábios, era como- o começo do eterno rever-se. Em altas
·vozes -ele bradou: "Em tuas mãos encomendo o meu espírito!"
A palavra ''en·comendo" tem a-quí um sentido jurídico: "dar
alguma •Coisa para ser guardada", afim de ser ela .própria res . .
tituida mais tarde, e não u·m seu ·equivalente. As.sim este ter-
. mo inclue em si um primeiro clarão da ressurreição futura.
Depois desta invocação toda confiante no Pai, ele in'Clinou
.a cabeça e expirou: Mesmo a morte era para ele uma açã-o efe-
·tuada em pleno livre arbítrio.
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A obra estava terminada: partira-,se o invólu-cro do Velho
Testamento. O Pai manifestava-o por sinais aos judeus e aos
gentios.
Rasgou-se o véu do tem.plo. Havia um véu ou cortina in-
terior entre o Santo e o Santíssimo e mn outro exterior entre
o Santo e o átrio. Tratando-s·e de um sinal para o povo de
Israel, como comunidade religiosa, devemos supor que tenha
sido o véu interior. O Santíssimo no templo tornara-se ago-
ra um recinto ,que não tinha nenhuma significação es!pecial.
No momento em que a alma de Jesus deixava o templo de
seu corpo, Deus retirou-se do templo de Jerusalém.
A terra tr'emeu·: este terremoto ocasionava uma inquieta-
ção interior em todos aquele·s q-ue tinham notícia da condena-
ção. Durante o tremor da terra, fenderam-se as .pedras: as
la-ges -das bocas dos túmulos sairam do lugar, deixando-os aber-
tos. AISsim é certamente -que devemos compreender a frase do
evangelista: abriram-se os túmulos. Como se tocassem as trom-
betas para o juizo, os defuntos levantaram-se dos sepulcros.
Imediatamente -ou pouco depois da ressurreição ·mostraram-se
a muitas pessoas.
Mais profundamente estes fenômenos co1noveram aqueles
que estavam reunidos em torno da cruz. As trevas eram in-
terpretadas por eles naturalmente - sobreveio o terremoto
que faz uma impres·são toda especial nas -colinas de pedra: o
escuro sinal da cruz vacilava no céu!
A vigilância em torno da cru:eifixão fôra confi~da, confor-
me o regulamento romano, a um centurião. Este, como oficial,
não se tinha assentado perto dos soldados. Toda a sua aten-
ção estava aplicada ao ·que via e ouvia. Da mesma forma que
Pilatos, sentia-se que, por trás do ódio dos judeus, se oculta-
vam forças sobrehumanas - Jesus ao contrário, mostrava-se
como alguem -que livrem'.ente aceitava a morte.
Forcas
... celestes revelavam-se tambem nos fenômenos extra-
ordinários que ocorriam simultaneamente. Esse oficial cer-
tamente terá experimentado momentos em -que dele se ap·ode-
rou aquele pavor que Pilatos sentiu, quando ouviu que esse
Jesus se declarava Filho de Deus. E e-sse c-enturião quebrou
corajosamente as prisões do medo e chegou à região da fé:
"Verdadeiramente, e.ste era o Filho de Deus!"
O-s espectadores, que ·permaneceram junto da -cruz, foram-se
calando aos poucos. Iam compreendendo :sempre mais clara-
mente que o moribundo na cruz era o motivo de todos esses
pavorosos fenômenos. Batiam no ·peito: era um sinal de que, de
466
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Arimatéia apresentou. .se a Pilatos. Este hom-em fazia parte do
sinédrio, pertencendo, ·como hoje se diria, à representação dos
gra.ndes proprietários·. Até então, por medo dos demais sócios
do partido, .não tinha confessado abertamente a sua fé em
Jesus. Agora,· porém, foi ter com o procurador, pedindo o ca-
daver do Mestre. O tempo urgia: logo que os soldados se ti-
vessem retirado, os cadáveres seriam lançados em qualquer
cova e enterrados .
Pilatos tinha o direito de entregar o cadaver de Jesus a
quem lho pedisse. José de Arimatéia -encontrou o procurador
num estado d'alma em que se inclinava a conceder qualquer
coisa em favor do ·condena-do inocentemente. Tam·bem ~o ·seu
·palácio penetrara a escuridão e o pavimento estalar-~ às osci-
lações do terremoto.
José de Arimatéia falara com Pilatos d-epois das ordens da-
das aos. soldados e antes da notícia da morte de Jesus. Pilatos
ficou "surpreso", ouvindo que ele já tinha morrido. Desper-
tou-se nele certamente de novo aquele pavor que sentira pela
manhã: - A esse homem ele ainda naquele dia perguntara:
Donde és tu? Voltara ele por fim ao lugar donde viera? Cum-
pria-lhe saber o que se passara na sua morte, O próprio cen-
turião devia informá-lo.
José recebeu o cadaver "de presente". Pilatos podia ter exi-
gido em troca uma grande soma. Entretanto nada -exi~iu, em-
,bora esses magistrados de famílias enriquecidas soubes-sem
aproveitar-se_ de semelhantes ocasiões para grandes lucros.
H-omens que ousam defender uma opinião própria dentro do
seu partido, costumam trocar idéias em todas as circunstâncias
mais extraordinárias. Ajuntou-se assim a José de Arimatéia um
outro mem-bro do sinédrio, por nome Nico.demos, que certa vez
durante a noite tivera com Jesus uma conferência. José tinha
mandado excavar um sepulcro num seu jardim fora da cidade.
A todos os povos -do oriente era peculiar cuidar do sepulcro,
a moradia depois da morte, quase que mais do que da resi-
dência, enquanto viviam. Há ai·nda muitos ·orientais que já
de antemão -mandam preparar o.s seus túmulos.
Este seu sepulcro José cedeu a Jesus. E como ficava perto
do lugar da crucifixão, era _pos.sivel sepultar a Jesus ainda
antes do pôr do sol. Não s-e exporiam ao perigo de -que os fa-
riseus prQibissem e enterro, baseando-se na festividade já co-
meçada.
•Como José punha o sepulcro à disposição, Nicodemos de seu
lado quis arranjar profusamente todo o necessário pera um
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Túmulos antiquíssimos
Vista da antecâmara do sepulcro para a sua entrada
propriamente dita para a qual conduzia uma escada
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enterro nobre. Seus, servos trouxe:ram cerca de 100 libras de
especiarias, uma mi.stura de mirra e áloe. Depuseram o cada-
ver da cruz,- coloca:ram-no no seío de sua santa Mãe e leva-
ram-no para o sepulcro.
O sol já ia desca.mban-do perto das lisas cadeias de monta-
nhas ao poente da cidade. A·s m111heres iam acompan•hando ~
o enterro, ·propriam·ente dito, era feito pelos homens. Os túmu-
los atuais ,explicam as .palavras qt1e, à primeira vista, causam
espécie: "Ais mulheres assentaram-se em frente do s-epulcro" ..
Não é costume quê as mulheres estejam olhando o ente·rro:
elas esperam em qualquer lugar fora do cemitério até que os
homens voltem. Isto nãó -exclue q11e antes do enterro elas não
tivessem revistado o sepulcro e C!om•binado completar e con-
cluir, de sua parte:, a obra dos h()mens por particular dádiva
• •
em espec1ar1as.
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sem! Sua resposta foi breve. e .romana: "Tendes uma guarda!
.Icle ·e velai o sepulcro como melhor vos parecer!"
Entremente.s ele repelia um soITiso: - Gente •Curiosa, e~ses
orientais!
Os sumos-sacerdotes e os fariseus alcançaram assim, por
virtude de uma licença oficial, franca entrada até a-o túmulo
de Jesus. Este ·procedimento era tambem uma desforra contra
José de Arimatéia, ·que ·se atrevera a pôr-se abertamente ao
iado ·do .sentenciado. Não menos indignado se terá sentido de
certo modo o jardin.eiro, vendo -que devia tolerar esses solda-
dos no seu terreno.
Os fariseus selaram o sepulcro-: nisso nenhuma dificuldade
havia, porque, a depreender-se da:s relações da ressurreição, o
s•epulcro era s-emelhante àqu·eles túmulos que ainda hoje se
vêe-m -nas -cercanias de Jerusalém: De u-m recinto exterior pas--
sava-se por uma entrada estreita .para o recinto. sepulcral pro-
priamente dito. Diante desse sepulcro colocavam uma pedra do
tamanho de um.a pedra molar, fechando assim a entrada. O
.que os fariseus pretendiam era impedir que a pedra f asse rola-
da para fora ocultamente e tiras.sem daí o cadaver de Jesus.
Selaram a pedra, prenderam fitas na própria penha e nes-sa
pedra e afirmaram-na -com massa em que imprimiram seu selo .
Os s.oldados receberam ordens de vigiar alí diante do ·sepulcro.
A selagem estava então mais em em voga do que hoj-e. Fala-
va-se de "selar" os sacos de mercadoria. O selo do sumo-sa-
cerdote fazia parte do seu cargo, como o ,c-etro do cargo de um
.
rei.
A RESSURREIÇÃO DE JESUS
'
A RESSURREIÇÃO DE JESUS
O sepulcro selado está v-azio
Eis que se deu um forte terremoto. Um anjo do Se-
nhor desceu do céu, achegou-se, rolou dali a pedra e sen-
tou-se em cima dela. A sua face era resplandecente co-
mo o raio e a sua roupa b1·anca como a neve. Os guar-
das foram tomados de terror e ficaram como mortos
( Mt 28, 2-4).
Uma ma:n,hã em Jerusalém: - a massa de casas começa
a refletir .as cores do :eéu.. E' como se ess-es ·edifícios re-s-pl.an-
decessem ·de dentro ·para f.ora, primeiro num verm-elhão es-
curo, depois certos lugares vão tomando o aspeto de amarela-
dos e alvinitentes. Acentuam"".se os limites entre a luz e as
sombras.
470 https://alexandriacatolica.blogspot.com.br
Ao mesmo tempo as cercanias da cidacf.e vão saindo do cre-
púsculo. Os muros dos jardins e pomares vão ·clareando do
·lado do nascente: lã ·se levantam nitida-mente as negras ban-
deiras -dos ciprestes para o c-éu arroxeado e as oliveiras mais
,baixas parecem nuvens prateadas.
As:sim deve ter sido aquela ·manhã em que os vigias aguar-
davam com .impaciência a hora de voltar ·para·· a ·caa~rna. Nun-
ca lhes haviam incumbido de um serviço mais insensato! Só
mesmo no país desses judeus é que tal coisa -era possível! As·
horas de vigia não passaram sem toda -sorte de .palavras pe-
sadas.
Entrementes a alma de Jesus, depoi-s de -peregrinar entre
os justos do Velho Testamento, voltou ao sepulcro. Se um ho-
mem, ·perto da morte, recupera a saude c-ontra toda a e-speran..
ça e numa madrugada, ·despertando de profundo sono, sente
no mais íntim-o do seu ser a feliz transforma·ção, há nisso um
mixto de emoção ag-itada e deliciosa tranquilidade, que não
se pode descrever com palavras. Como ·é que a linguagem hu-
mana em sua fragilidade poderá acaso _exprimir o -que Jesus,
como Filho do homem, terá -sentido ao subir dQ sepulcro?
Os apóstolos f aram assaz sóbrios para evitar descrições de
coisas que não viram. Começam a falar da re-ssurreição de Je-
sus por aqueles fatos em que -simples homens estiveram pre-
sentes como testemunhas.
0-s guardas esperavam o mom·ento de serem revezados: eis
que a terra começa a tremer: - uma figura sobrenatural, vin-
da do céu, aproxima-se do sepulcro e rola dali a pedra. O sem-
blante do mensageiro celeste fulgurava como um raio e a sua
veste resplandecia como neve ..Os guardas :aterrorizam-se e, a
tremer, perdem -o domínio de si mesmos.
E' apenas isto o -que o evan·gelista nos narra. Em todo
e-aso os soldados, depois -que o anjo desapareceu, procederam
do modo que os hom-ens em geral costumam proceder nestes
casos. Procuram primeiro interpretar tudo como um engano
- mas alí estava a pedra ·posta de lado -e eles viam -que o ca-
daver já não -estava no sepulcro. Estes eram os fatos.
As m11lheres vão ao sepulcro
Terminando o sábado, Maria Madalena, Maria mãe de
Jacó, e Salomé compraram especiarias para ir ungi-lo.
De manh~ cedo, no primeiro dia depois do sábado, ao
nascer do sol, dirigiram-se para o sepulcro. Durante o
caminho, diziam umas às outras: "Quem é que nos tira-
rá a pedra da entrada do sepulcro (Me 16, 1-8; Mt 28,
1-10; Lc 24, 1-11; Jo 20, 1-2).
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Os. adeptos de Jesus não só se tinham s·eparado dele, •conio
tambem em parte se tinl1.am espalhado. Além disso achavam-
_ se :numa cidade cuj-os ha;bitantes 1·hes eram adversários. Um
.-passo fora de -ca-sa já lhes importava numa ·certa ousadia: poi~
nos acanhados _quarteirõef? da-s cidades orientais todo aquele
que aí não reside é observado por inúmeros olhos.
Nesse estado d'alma não havia n.enhum plano tomado por
todos: é caraterístico, sob um ponto de vista humano, que as
mulheres, levadas dos seus afetos mais delicados pelo Mestre
morto, se uniram entre si mais depre-ssa do que os homens.
Na sexta feira à tarde essas mulheres não tiveram mais
tempo suficiente para -ás carinhosos -cuidados com o ,corpo de
Jesus. Propuseram-se, porém, fazê-lo logo -no domingo, no
dia seguinte ao do ,descanso legal. Algumas compraram ainda
no sábado de-pois do pôr do sol e-speciarias, quer seivas per-
fumosas em pó, quer óleos odoríferos. No domingo, o primeiro
dia da ·semana conforme o cômputo de então, o niais cedo ·pas-
sive! puseram--se a caminho do sepulcro.
Em abril, o sol ·nasce às 6 horas mais ou menos por cima
das montanhas das Oliveiras. Domina nessa época uma -sen-
sação toda própria. Pelas ruas respira-se ainda o ar fresco e
como que impregnado de orvalho da noite. Aí vêm trotanto os
prim-ei~o~ jumentos carregando odres d'água, haurida. nas
fontes fora da -cidade: - levanta-se a poeira, ressoam frescas
e fortes as vozes dos guias. Mulheres com cesto~ de legumes
à cabeça vão .seguindo os animais.
Nessa manhã, dopois do dia do des-canso, o movimento é
ainda maior. Abrem-se os bazares e negócios, expõem-se as
'
mercadorias e víveres, acen-de-s-e o fogo, fogem os cachorros.
Algumas dentre as mulheres, no caminho para o sepulcro,
pararam nos bazares onde podiam obter .espe:ciarias e óleo.
Maria Madalena foi a primeira que ,chegou ao sepulcro. Ela
partira junto com as outras, mas dirigiu-se sem se deter em
parte alguma logo para fora da --cida~e. Ela, -que amava o Se-
nhor mais do que as outras, ansiava ·por ficar um instante a
sós junto do seu cadaver.
As mulheres não sabiam que haviam colocado .guardas di-
ante· ·do sepulcro. Caminhando para· lá com as suas -especia-
rias, só tinha•m ·uma ·preocupação: "Quem nos há de tirar a
p-edra de .entra.da?" Não ,havia por alí ainda nenhum homem
ocioso que se prontificasse a isso por uma gorgeta qualquer.
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·A p9rta dQ jardim, ·pela -qual os soldados tinham es-capado,.
~stava aberta. Aproximando-se mais, viram -que a pedra estavaJ
fora do lugar.
Na sensação de estarem cercadas de inimigos, tinham-se-;
apressado para o sepulcro, como ·para um lugar de refúgio-.
onde estariam seguras. Mais eis que nem no sepulcro tinham
deixado -o s-eu Mestre em paz!
Maria Madalena, quando estas outras mulh-e:res chegaram,.
já tinha estado algum tempo junto do sepulcro: e foi a pri--
meira que pensou em comunicá-lo aos apóstolos. 'Torna, por--
tanto, depressa à cidade para ir ter com Pedro e J-oão. Na sua
imaginação o peior que podia pensar era um fato: "Tiraram.
o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram!"
A.s demais mulheres, que chegaram ao sepulcro pouco de---
pois, detiv•eram-.se aí ainda por mais tem-po. Depuseram no.
chão os vasos com óleos odoríferos e as suas provisões de es--
peciarias, inclinaram-s·e e penetraram do recinto da entrada no.
sepulcro propriamente dito. A·p-oderou-se delas então um novo,
sobressalto: de repente aí estavam diante delas dois -homens·.
em ve-ste-s brancas. A aparição alí ne.sse recinto sepulcral cer-
cado de rochas causava impressão ainda mais viva do que si.
fos.se ao ar livre. E-spavoridas, não podiam olpar p-ara essas:
.figuras resplandecentes, fixando os olhos no chão.
Nisso um dos anjos lhes diz: "Não temais! Procurais a Je-
sus de Nazaré, o -crucificado! Ele ressuscitou, não está mais~
aqui! Eis que aquí está o lugar onde o tinham colocado! Lem--
brai-vos -com-o, esta:ndo ainda na Galiléia, ele vos predisse que.
o Filho do homem devia ser entregue às mãos dos pecadores,,.
crucificado e que ao terceiro dia ressuscitaria! Ide, pois, ime-
diatamente anunciar aos seus discípulos e antes de tudo a Pe--•
dro, -que -ele vos precedeu indo ·para a Galiléia! Aí o vereis.
como ele vos predisse !"
As mulheres deixaram o sepulcro como fugitivas: estavam.
fora de si, tremendo em todo o corpo. Nada mais tinham que.
fazer ·s-enã-o procuTar os dis.cípulo:s: -em todo. caso tinham que.
comunicar-lhes que o sepulcro estava vazio.
Não nos foi referido quando é que encontraram os discí--
pulos. Te-ndo-se em vista o complexo de ruas e vielas de u-ma
cidade oriental, que, além· dis.so, não lhes era a .cidade pátria,.
-é muito natural que na volta n·ão se tenham encontrado com
Pedro e João, que enquanto isso, à notícia levada por Ma--
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dalena, tinha;m_ corrido ,para o -sepulcro. E' passivei que elas
tenham encontrado primeiro outros discípulos além de Pedro
e João. A relação da res-surreição, ·no modo como nos foi trans--
mitida, está ainda como que -perpassada das emoções d-ague..
Ja .manhã. São-nos propostas apenas algumas cenas e essas
mes·mas não aparecem nitidamente·•Tseparadas umas das outras.
Os apóstolos e os discípulos não acreditaram nessas mulhe-
res -q-ue, excitadíssimas, foram ter c·om eles.
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Nisso realiza-se na sua alma algo de semelhante à ressur-
reição: desperta-se a fé que, pouco conciente de si -mesma, ti-
nha adormecido: prorrompe aquela força vital .,-que os fizera
apressar-se para o se-pulcro: - reconhecem que Jesus ressus-
·citou e este reconhe-cimento é· p~a eles .como· um sol nasc-ente
que os faz ver numa nova luz tudo o ·que· tinham vivido na
companhia de Jesus: - ·seus milagres, ·suas palavras sobre a-
paixão, a morte e a ressurreição, ,bem como sobre a traição
deles ao Mestre.
A agitação interior que nesse momento começou a m~ni-
festar-se nas alma-s dos apóstolo-s e perdurou até à vinda do
Espírito Santo em sensações variadas, podemos talvez suspi-
car, mais nunca sentir perfeitamente. Tud-o a-quilo que foi mais
tarde -para algumas almas o romper do cristianismo, para eles
era não só uma experiêl!cia interior, mas tambem exterior.
Eles tinham convivido com aquele que agora, vindo de um ou-
tro mundo, ·se revelava Filho de ·neus e Senhor de todas as
•
-coisas.
Na vida dos homens há dias que -correspondem a anq-s in,
teiros: semelhantes dias . os apóstolos tinham vivido desde a
entrada triunfal em Jerusalém, um depois do outro, e novos
ainda lhes; estavam .para vir.
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Vista do cimo da montanha das Oliveiras para a região de Belém ao sul
A colina no horizonte é a antiga fortaleza Herodium, -o sepulcro de
Herodes. O cadáver foi levado para aí num cortejo de .pompas inauditas. Je-
sus ao subir ao céu avistou ainda o lugar do seu nascim·ento.
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o seu filhinho - toda ela é um ol·har e um pranteEar c-omo
que bicon-ciente, consequência de uma dedicação elev1ada até
à quase perda dos sentidos. Pessoas nesse estado d'alJma não
se afastam do lugar ·da des.graça. Talvez mais pelo dfesa-ssos-
sego da dor do que por uma vontade deliberadà ela see inclina
para o sepulcro. Eis ·que lá dentro estão dois anjos: u 1m perto
da pequena elevação destinada a servir de travesseiro à cabe-
ça do defunto :e -o outro da parte de baixo.
Os anjos perguntam: "Mulher, por que -choras?"
Madalena só vê. o ·mundo através de suas lágrimas Ee só tem
uma lamentação de pesar: "Tiraram o Senhor e eu .não sei
onde o puseram !"
Que lhe importavam esses dois que nem sequer sa~iam por
que é que ela ·chorava! Sem olhar com mais atenção, e~la volta--
se para trás, agora com vontade de examinar todo o, jardim,
Percebe que alguem alí está, mas não olha bem I=lara..
ele I
como um.a mulher cujo viver era um chorar -contínuo: _ Uma
voz lhe pergunta: "Mulher, por que choras? A quella. procu--
ras ?"
A que~ procuras? - esta pergunta atin·ge-lhe a amo.a. Agd-
ra ela revive: esse homem que ela não considerou IDq,is aten-
tamente e que não se a-chegava mais ~perto1 é certa:mente 0
jardineiro! Apodera-se dela imediatamente uma imaginação
perpassada de de·sconfiança. Quem sabe se afinal a e~te O se-
pultamento de um crucificado no sepulcro do seu senhor tenha
parecido uma espécie de profanação e que o t~nha ~~emovido
dali? Esta suspeita é mais p-ossivel do que se possa pe:nsar. Os
jardineiros caminham -como dominadores no meio dos parques
que lhes foram confiados, não tolerando que ningue~n se in-
trometa dentro dos seus limites. Daí Madalena interpela O su-
posto jardineiro com insistência: '
"Senhor, se tu o tiraste daí, dize-me onde o pus·este. Eu 0
irei buscar !"
Esse desconhecido diante dela tinha na realidade ''tirado 0
cadaver": ele é Jesu·s mesmo que se revela a ela par;, capaci-
tá-la de sua ressurreição:
''Maria!''
E' como uma advertência : Olha para mim! Ela já se tinha
virado para outro lado à maneira de uma mulher q·1 e chora
loucamente.
Basta-lhe agora esta palavra pronunciada num to:n que a
toca o ·mais profundamente possivel: ela .só pode proferir- uma
palavra: ''Rabboni! - Mestre!''
https://alexandriacatolica.blogspot.com.br 477
Ela o sauda como o fazia antes da sua paixão e morte. Ca-
rinhosamente Jesus lhe faz ver que já se tinham ·passado os
tempos antigos, em ~gue ele vivia como homem ·entre os homens.
E em breve aquele seu estado de então se transformaria num
outro. "Não me detenhas! Eu ainda não s·ubi para o Pai! Vai
ter c.om os meus irmãos e dize-lhes: Eu vou subir para meu
Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso D=eus !"
Pela segunda vez Madalena foi à procura dos discípulos:
desta vez não menos excita.da do que a primeira vez, mas de
modo bem diverso: "Eu vi o Senhor!"
E começou a contar.
478.
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sobrenatural na Igreja .não o continuasse a ras:gar .sem c.essar
então Jesus, já há muito tem·po, estaria de uma. vez. para s·em. .-
pre sepultado deb~ixo dessas mentiras~
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O desconhecido pela sua maneira de ·perguntar já lhes ti-
:nha ganhando a confiança: tambem eles se puseram a falar.
Com µma expre:ssão de admiração, ·Clé-ofas .pergunta-lhe:
""Então és tu o único estrangeiro em Jerusalém que não sabe
.do que lá acontec,eu nestes dias?"
Jesus -quis ouvir dos seus próprios lábios o que eles agora
·pensam a seu respeito: "O que é?"
Seguiu-se logo a prim•eira -relação da "vida de Jesus". Esta
:relação é repa·ssada de uma admiravel autenticidade de sen . .
timentos, mostrando-nos claramente o que os discípulos sen-
·tiam na-quele dia. Continuavam a amar a Jesus; tinham, po-
rém, perdido toda a esperança de que ele fosse o Messias. Con-
tudo, na sua grande decepção, e.stão prontos a atribuir, diante
do pereg.r.ino desconhecido, a culpa da grande desilusão antes
.a.si mesmos do que de -qualquer forma, a Jesus.
Disseram, pois: "De Jesus de Nazaré, que era um .profeta
_·poderoso em obras· e em palavras diante de Deus e de todo o
_·povo ! ·Com-a os nossos sumos-sacerdotes e os nossos magistra-
r.dos o entregaram para ser condenado à morte e o crucifica-
ram! - Nós, entretanto, tínhamos esperado ,que fo~se ele quem
-.devia remir Israel. Mas hoje já é o terceiro dia depois que tudo
isso aconteceu: E' verdade que umas mulheres nos perturba-
ram: elas foram ao sepulcro ao amanhecer do dia e não acha--
:ram lá o cadaver e voltaram com a notícia de que lhes apare-
ceram anjos e lhes anunciaram que Jesus, vive de novo. Al-
guns dos n-ossos dirigiram-se ao sepulcro e acharam-no, de
fato, assim como as mulheres tinham referido: a ele mesmo,
·pbrém, não chegaram a ver".
As palavras de Cléofas têm rnuita .semelhança com a rela-
•ção de investigadores, que, mesmo sem poderem explicar tudo,
·man-ifestam a persuasão de ter feito o possivel.
"Algumas mulheres" - esta expressão na boca de um ori-
.ental já indica certa suspeita. Contudo alguma coisa do que
.afirmaram comprovou-se com verdade: o cadaver desapare-
-.ceu. A narração começou com indicações _,bem certas: termina,
porém, s-em uma conclusão propriamente dita - aí é que as
_perguntas pod·eriam começar.
"E's acaso o único estrangeiro em Jerusalém?" exclamou
·Cléofas ao peregrino entre gesticulações orientais e certamen-
te parando um instante. Agora Jesus ·começa ta:mbem com
·uma expressão de admiração:
"O' estultos! Quanto tempo ainda demorais até crerdes tu-
do o que ó.s profetas anunciaram.!- Não estava acaso determi-
-480
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:nado -que- o Mes·sias devia sofrer tudo isso e a·ss-im entrar na
,sua glória?"
1 0 p"eregrmo mostrava-se muito familiarizado com as Escri--
turas. Começou com Moisés e foi passando de um profeta a
,,outro, apontando -sempre para aqueles passos que indicavam
io Me.ss.ias como o homem das dores.
A esperança vai alvorecendo no mais íntim-o do coração dos
-0uvintes. Afinal eram eles que agora se tinham enganado com
.a interpelação que estavam dan·do aos acontecimentos. De Je...
sus vai-se derramando sobre eles uma onda de delícias incom...
·paraveis. Mais depressa do -que desejavam, chegaram ao lugar
·donde deviam desviar para tomar um trilho ao lado. Jesus quer
·prosseguir : e como procederia ele de outro modo? Eles é que
·primeiro o deviam convidar a ficar na sua companhia: só en-
tão é que ele os poderia seguir!
10s discípulos. têm-no agora por un1 doutor da lei, que não
-era tão célebre como outros, nem tão orgulhoso como muitos,
mas muito mais iluminado do que qualquer outro. Com um
.modo de fala·r genuinamente oriental, apresentam-lhe o seu
-convite: "Fica conosco! Já começa a tarde! O dia se está
;inclinando !"
Idênticas palavras ainda h-oje estão em uso .. Assim que o ca.-
.lor mais farte vai cedendo, aí pelas tres hóras, já falam de
um "declinar do dia". Fazem-no principalmente quando estão
a convidar um hóspede - uma pequena exageração faz parte
,do bom tom.
O peregrino cede. Dentro de sua casa ou talvez defronte dela
reclinam-se ·para a refeição: ao hóspede é indicado o lugar de
·honra.
Nisso Jesus toma o pão em suas mãos, abençoa-o, parte-o
e o oferece a eles. E' provavel •que não se tenha tratado de
uma repBtição -da última ceia: estes discípulos não estavam
então presentes.
Aigora eles reconhecem o Mestre. Ao mesmo tempo, porém,
percebem que esta sua nova vida não estava sujeita às leis
da natureza. Ele desaparece diante dos seus olhos.
Jesus começa a reunir de n9vo em torno de si os discípulos
dispersos. Temos --aí um dos efeitos, muitas vezes despercebido,
das suas repetidas aparições.
Os dois discípulos devem ter-se ausentado de Jerusalém ain-
da hem cedo: .só conhecem os primeiros acontecimentos desse
dia: a ida das mulheres ao sepulcro e a investigação feita por
482
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~e. lhe mostram· novos caminhos,. banhados de. es·plêndida luz,
pelos quais ele deve seguir em sua vida. Jesus os exorta::
Olhai para mim! vós vedes as -cha.gas nessas -mãos e pés! Apal-
pai-me! Um espírito nunca se deixa tocar!
Por fim ele ainda lhes pergunta : "Tendes alguma coisa para
comer?" .-· ....
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-O modo como aquí o-s evangelhos nos men-cionam este duplo
nome, testemunha-nos ainda nas ·s.uas últimas páginas mais
uma vez, ·por um único traço, a autenticidade histórica de suas.
narrações. O,s documentos egipcíacos provam -que nomes du--
·plos estavam então em voga e os citam várias vezes e entre:
eles ocorre até o nome Dídimo.
A sã-o Tomé os outros discí-pulos anun.ciam com grande ale-
gria: "Nós vimos o Senhor!" Mas ele não se deixa envolver·
no mesmo regozijo, declarando obstinadamente: "Enquanto•
eu não vir os sinais dos cravos nas suas mãos -e não colocar-
º dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não creio!"
Comparando . .se esta expressão de ·são Tomé e todo o seu.
procedimento depois da ressurreição com a.s poucas indicações
dos evangelhos a seu res·peito, devemos confessar: ou esses-
pescadores ·eram simplesmente gênios no tocante a delineamen-
tos de caracteres, ou conseguiram uma tal veracidade em sua
vida, -que S·e pautavam inteiramente segundo a verQ,ade, nar-
rando apenas o que tinham vivido. São Tomé mostra-se no-
vamente como um pescador independente, inclinando-se na sua
independên-cia para a obstinação. E1le já não espera que Jesus
ressuscite e pensa afinal de e-antas: Se Jesus já não -está na.
terra, tambem nós não formamos mais uma sociedade! Talvez
tenha sido e.ste o motivo pelo qual -ele não estivera presente
à prime.ira aparição de Jesus.
E agora ao encontrar-se com os dis-cí-pulos, mostra outra vez
o seu temperamento. Esses homens acreditaram muito de. .
pressa de mais!. "Nós o temos visto!" Não basta ver, devendo-
se decidir se era um homem ou um espírito que tinham diante
de -si. Narram-lhe que Jesus lh-es tinha mostrado as feridas
nas mãos e nos pés! Tomé replica: "Enquanto eu não vir os
sin.ais dos cravos nas suas mãos e não colocar o dedo no lu.gar
dos cravos e· a mão no seu lado, eu não creio!" Estas palavras
lembram a linguagem ríspida de pessoas obstinadas ao defen-
derem o seu ponto de vista. O de-do nas feridas dos cravos,
que, como dedos de ferro, tinham perfurado as mãos - a mão
na grande ferida -do lado, amplamente aberta!
Tem-peramentos como •estes _não desaparecem! Os homens da
"nova realidade" podem vene;rar em são Tomé o seu -padroeiro.
Pa·ra sairem de .s-uas ·peia.s-, precisam como este apóstolo de
uma. graça toda particular de Deus - para estas pessoas tudo
deve estar à vista ~om uma nitide~ apropriada ao alcance-.:de
•
cr1.anças.
484
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Mesmo que Jesus, por misericórdia, lhe ten·ha querido sa-
tisfazer ·estas condições, foi ele quem determinou para isso o
mom-ento e Tomé teve -que mostrar-se digno desta graça, re-
··unindo-se de novo aos apóstolos.
Oito clias mais tarde Jesus torna a aparecer aos discípulos.
Por esse tempo é -que ,os últimos peregrinos costumam voltar
para suas casas. E'· possivel ,que os apóstolos se tenham re-
unido para combinar a volta ;para a Galiléia. Ã seguinte apa-
rição que nos foi conservada, já aí estavam os discípulos e,
ao -que parece, se tinham dispersado.
Oito dias! Muitas vezes não se pensa -bastante no que estes
oito dias encerram ~m per~urbações e t~nsões d'alma ! Tudo
se devia ir tran-sformando no fundo dos s-eus corações. Não só
os acontecimentos da última seman~ a-pareciam agora numa
outra luz, mas cada palavra e cada lembrança de outros tem-
pos passados tinha um sabor diverso. A1legravam-·se ao mesmo
tempo que temiam, sentiam-se unidos com Je-sus e tambem
abandona-dos por ele. Momentos havia em -que toda a sua con-
vivên-cia com o Mestre lhes parecia muito mais sublime do que
ele-s jamais tinham pensado: conjuntamente apoderava-se deles
uma amarga dôr - e eles não tinham ·sido dignos desse J e-sus !
Assim lá estavam eles assentados em reunião! Auscultavam
atentam.ente se e-m )baixo na rua passavam pessoas falando
calorosamente: e sentiam-se aliviados, percebendo que tinham
seguido adiante. A porta continuava fechada!
De repente. alí estava Jesus:
"A paz esteja con vo.sco !"
Logo em seguida ele se dirige a são Tomé. "Põe teu dedo
aquí e olha para as min-has mãos! Aproxima a tua mão e co-
loca-a no meu lado, e não te mostres incrédulo, mas fiel!"
Tomé conserva-se um homem ló-gico, mesmo agora em que
se submete à graça. Tambem neste momento ele pensou que
era o primeiro a tributar ao Me-stre honras divinas. Daí as suas
palavras ,breves, mas de vastíssimo conteudo: "Meu Senhor e
meu Deus!"
Benignamente Jesus o acautela a não- tornar a pôr obstina-
d~men te condições pessoais à ação· da .graça: "Porque me viste,
Tomé, acreditaste! Felizes os que não vêem e acreditam!"
As representações nas telas .. seduzem-nos muita·s vez·es à
imaginar, por fim, uma cena em que ·são Tomé toe~ realmente
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as ·chagas do lado de Jesus-. Muito ·terá sofrido o apóstolo em
sua .incredulidade - demon:5tram-no suas palavras em tom
excitado - a-gora Jesus revela-lhe a sua oniciên-cia, a:pontan-
do-lhe para as suas ásperas palavras de dúvida. S•eria obsti-
nação de um incrédulo -endurecido, se Tomé tivesse ous.ado
aproximar-se de Jesus e com as suas mãos lhes tivesse tocado
e examinado as feridas. A exclamação: "Meu Senhor e meu
Deus!" bas-eia-se no mesmo sentimento que outrora o centurião
exprimira ·pelas palavras: "Senhor, eu não sou digno!" Tam-
bem as ·palavras de Jesus, depois da -confissão de Tomé, estão
indicando ·que este viu, mas não tocou nas suas chagas. E se
ele realmente tocou nessas chagas, ·esta sua ação em conjunto
com a expressão "Meu Senhor e meu Deus!" já não significa-
ria uma investigação no sentido em que. tinha exigido dias an-
tes, mas uma adoração do corpo glorioso de Jesus.
·Comparar entre si as relações das aparições de Jesus depois
de sua ressurreição é um trabalho muito· eficiente. Confirma-
se aí a nossa persuasão de que se trata, com efeito, de fatos
históricos. Mencionemos aquí, p. ex., apenas as particularida-
des: A Maria Madalena Jesus diz: Não me toques! A Tomé,
ao contrário, ele ordena: Põe a mão no meu lado!
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O estado d'alma dos apóstolos era, entretanto, bem diverso
do que esta gente .supunha. Atravessando as. ondas do lago
nas suas antigas embarcações, compreendiam perfeitamente
que nunca mais podiam ser os antigos pescadores que tinham
sido. Os hábitos antigos, o labutar m-udo de pessoas acostuma--
das a trabalhar em conjunto, reapareceram:· - os seus pen-
samentos eram, ·por isso mesmo, inteiramente livres e tão mais
vivamente se recordavam dos tempos em que Jesus com eles
viajara pelo lago nessas mesmas e-mbarcações. O seu torrão
natal havia-.se transformado: era-lhes agora uma região em
que tudo lhes recordava Jesus e não mais a sua vida passada:
- aquí era o lugar da pesca milagrosa, ali -se dera a multipli-
·cação dos ;pães, mais adiante o declive do sermão da monta-
nha, acolá o lugar da sua vocação: · - chamam-nos de pesca•
dores ·crédulos; o seu e-oração, .porém, constrange-se de arre-
pendimento de não ter tido ainda mais fé. Tinham olhado ago-
ra bem dentro de uma vida que era muito mais simples, mais
1
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.
ma em grego de "Paidia" - "rapazes.". Em outro contexto
p·oder-se-ia traduzir esta palavra por "gentinha". Pesca-
dores que nada pescaram e caçadores que nada caçaram são
gente de poucas palavras. Sem entabolar conversa, os discí-
pulos responderam secame~te: "Nada!" Tam,bem para orien-
tais existem situações em que a sua loquacidade se estanca.
O -desconhecido, porém, não larga: "Lançai a rede do lado
direito e haveis de apanhar alguma coisa!"
Ess·e homem, -que lhes era estranho, parecia con·hecer alguma
coisa de pescaria. O -conselho era formulado com tanta fir-
meza!
Estendem, ·pois, a -rede e manejam-na. Eis que as cordas que
seguram as redes começam a tremer! Quando as quiseram
suspender, já nãq eram capazes de puxá-las inteiramente, como
de costume, para dentro da barca.
João foi o· primeiro -que compreendeu que esse homem só
podia ser Jesus.
"E' o Senhor!" diz ele a Pedro,, que, conforme o seu carater,
se .deixava absorver todo pelo trabalho. Como já notamos,
nesse tempo do ano, tanto o ar como a água parecem quentes
mesmo durante a noite. Os pescadores costumam tirar as tú-
nicas, vestindo-se apenas com uma ligeira camisa de pescar,
sem o cinto. Caso s,eja necessário, estão as-sim ·prontos para
lançar.se à água (Vide quadro "Pescadores no lago").
Os mesmos orientais que, durante o trabalho, se desembara-
çam de suas vestes, evitam cuidadosamente de aparecer neste
estado diante de pessoas •que não têm a mesma profissão.
Pedro estava "despido", i. é, não estava inteiramente vestido,
quando João lhe diz: "E' o Senhor!" Não só para nadar me-
lhor, mas taro.bem levado deste sentimento de conveniência,
Pedro se cinge - é o que são João quer dizer - apertando a
sua roupa de pescador ao corpo, antes de lançar-se à água.
Os outros discípulos foram seguindo com a barca: ·pois esta-
vam a cerca de ce1n metros da p.raia. A rede, que noutras oca-
siões puxavam facilmente para dentro da barca, agora iam
arrastando a custo ainda dentro da água.
Ao desembarcarem viram perto de Jesus um fogo com pei-
xes sobre as brasas e pães alí ao lado. Gostavam de assar os
peixes log-o que -os pes·cavam alí mesmo na praia. Jesus não
se deu a conhecer. Era como uma instrução aos discípulos para
o futuro: - deviam aprender a sentí-lo ·bem perto, mesmo sem
falar com ele ,como uma pessoa •de sua condição. Jesus con-
servou-se como um amavel estranho.
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"Trazei alguns dos peixes .que aeabais de pescar!'' disse ele
em pé_ junto do fogo.
Agora que o Senhor falou, o mesmo Pedro ·que pouco antes
tinha abandonado tudo, começou de novo .a mexer-se. Subiu
·à barca: com o auxílio dos outros suspendeu a rede e levou
os peixes quanto pos·sivel ainda dentro da água, .para a praia.
Os discípulos conservaram-se, agora que Jesus lhes aparecia
como uma pess-oa -estranha, muito mais ,calmos do que na sala
de Jerusalém. Em toda a narração resplandece um encanto
~aravilho.so. De tudo se tinham esquecido: era como se ne-
nhum deles nada mais soubesse da morte e da crucifixão e de
que aquele homem na praia era um homem de outro mundo.
Pare-eia que os tempos idos tinham voltado novamente.
Assim eles nã-0 tomam imeditamente alguns peix-es para
assar, mas esvaziam primeiro a rede e contam os peixes. Ti-
nham pescado -cento e cincoenta e tres peixes -grandes. São
João nota expressamente que, apesar disso, a rede não sofreu
nenhuma ruptura. Quem fala é um entendido: - as redes
eram velhas, talvez não tinham .sido usadas durante a sua
ausência e ·portanto já estavam estragadas.
Então assentaram-se para comer. Jesus mesmo era, por as-
sim dizer, ·quem os hospedava, o~erecenqo-lhes os pães e os
peixes.
São Pedro é nomeado chefe da. Igreja
Depois que comeram, Jesus pergW1.tou a Simão Pedro:
"Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?':,
Pedro respondeu: "Sim, Senhor, tu mesmo sabes que
eu te amo!" Disse-lhe então Jesus: "Apascenta os meus
cordeiros!" (Jo 21, 15-17).
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Surpreso, Pedro pergunta: "Senhor, que há com a-quele ali?"
Jeaus lhe reS'po11de de um modo que em parte é uma infor-
mação, em parte, porém, uma recusa de qu·alquer informação.
De nada valeria que ele se importasse com a missão confiada
a outrem em vez de ocupar-se c.om a sua própria: "Se eu qui-
ser que ele assim fique até que eu volte, ·que te importa isso?"
- \Tu me seguirás pela morte da cruz: ele morrerá de morte
natural!
São João nesta aparição às margens -do lago nada diz de
um d.esaparécimento repentino de Jesus. E' como se desta vez
ele se tenha apartado deles como de outras vezes durante a
vida, quan·do se recolhia à solidão para rezar. Ta-mbem para
Jesus mesmo estas aparições na Galiléia eram em -certo sentido
uma última permanência na sua pátria antes da subida ao
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vam .s·em·pre coni ele, quer o vissem, ·quer não. E agora anun-
ciava aos apóstolos solenemente que eram c·hamados a dar
testemunho em todo o mundo dele mesmo, de sua vida, ensi-
namentos, paixão, morte e ressurreição. O Pai tudo lhe tinha
confiado e ele os constituia seus mensageiros a todos os po-
vos de todos os tempos.
"A mim me foi dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois,
ensinai a todos os povos e batizai-os em nome do Padre, e do
Filho e do Espírito Santo! E -ensinai..Jos -a fazer tudo o que eu
vos tenho ordenado. Eis que eu estou convosco todos os dias
até à con?sumação dos séculos!"
Era uma linguagem nova. A mim me foi dado todo o poder
no céu e na terra! - depois de sua paixão e morte ele tinha
o dir,eito de ser venerado ·por todos os povos. Agora já não
havia um povo esc-olhido, mas apenas uma grande sociedade
de povos remidos pelo Filho do homem, a humanidade que ti-
nha formado uma unidade pelo pecado original e -que agora
tornava a formar outra unidade pela redenção! - Ensinai a
todos -os povos!
Se os povos recebessem a mensagem do novo reino, deviam
ser ins-eridos nele: - Batizai-os em nome do Padre, e do Fi-
lho· e do Espírito Santo! Depois do batismo os 11-eo-incorpo-
rados deviam manter-se numa vida nova, a vida conforme a
doutrina de Jesus: "Ensinai-os a fazer tudo o que eu vos te-
nho ordenado !"
Esta foi a missão de maior relevância que jamais foi dada
na terra. Aí está um grupozinho de galileus numa montanha:
- daí se vê ou se adivinha no oeste o mar imenso e detrás do
mar a metrópole e as províncias do onipotente im·pério roma-
no. Olha-se para o este - lá se vão empalidecendo mais e
mais as montanhas ao longe e mais adiante começa o deserto.
Dessas regiões ·procedem. as caravanas, homens rijos e rudes
pelo calor, cobertos de finísshna areia, e os seus guias falam
de outras regiõ-es além do deserto. Do sopé dest.as montanhas
viaja-se para o E,gito, o país das fábulas e mistérios. Em to-
dos esses paises e nações regorgitam os deuses e as deusas: -
por toda parte os seus ten1plos são •os edifícios mais impo . .
nentes e os sacerdotes dess·es templos são os homens mais in--
struidos e influentes.
Estes pes-cadores galileus na montanha recebem a ordem:
Ide a todos esses países·! Apresentai-vos diante dos povos e
dizei: Vos.sos deuses são sonhos vossos, nós, porém, temos no-
4'92
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tícia do Filho de Deus, que realmente viveu entre os homens
e foi crucificado!
Jes-us sabia o -que estava dizendo, sabia-o melhor do que
qualquer um que lê as palavras que nos foram conservadas.
Presumivelmente os apóstolos se terão .aterrorizado mais do
que nós ante a enormidade desta missão . Não foi, portanto, só
uma promessa solene, mas tambem uma resposta aos seus
olhares perscrutadores e vacilantes: "Eis que eu estou con..
vosco até à -consumação dos séculos!"
última vez para a praia e levaram as redes para casa. Era an-
tes de P-entecostes, pela época em que começava o verão nas.
montanhas
. da Judéia e era1n ceifadas as últimas s-earas. Ou-
'
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·dos os povos a penitênci~ para remissão dos pecados. Vó-s
deveis ser a-s testemunhas de tudo isso! Eis ·que eu vos man-
darei aquele que foi prometido pelo Pai! Por isso permanecei
na cidade até serdes munidos com a força do céu!"
Pensamos muitas vezes que os apóstolos tenham suportado
com relativa facilidade esta solidão, uma vez que tinham vis-
to a Jesus com os seus próprios olhos. Na realidade a au-
··sên-cia de Jesus lhes era particularmente -dolorosa: a força
do Espírito Santo os devia confortar para que a pudessem su-
portar.
Foi no -quadragésimo dia depois da ressurreição que o Filho
do homem deixou esta terra. Jesus dirigiu-se do cenáculo para
a montan·ha das Oliveiras: foi andando, pois, pela última vez
por aquele caminho como na última noite antes da sua paixão.
De novo desceram as vielas até chegar à garganta do vale de
Cedron. Jesus viu o jardim das Oliveiras - e foram subindo
até ao ;cimo da montanha. Os dias pelas festas de Pentecostes
são •bem se-melhantes un:S aos outros: o sol brilha num céu sem
nuvens: a colheita está terminada: em lugar da seara, moi-
tas de espinhos e cardos, as árvores frutíferas carregadas de
folhas banham-s-e es-plend·orosamente à luz do sol. Os amplos
átrios do templo cintilam com raro fulgor.
Jesus abençoa pela última vez o .grupo de fiéis. Estes viram
então como ele se foi elevando da terra por sua própria· for~
,ça sempre mais alto.
Do monte das Oliveiras Jesus avistou ao longe os lugares
que sua existência terrena santificara desde o nascimento até
.à morte. Para o este lá se -estendiam os desertos de Judá em
seu colorido pálido-escuro, além o vale do J.ordão : para o
oeste avistava diante das muralhas da cidade o monte do Cal-
vário : para o sul, os -campos de Belém.
Este panorama foi-se tornando sempre mais am·plo, quanto
mais ele foi ·subindo. Ele viu as inúmeras· colinas da Judéia
como um mar condensado: nas suas ribanceiras e vales apa-
reciam as cidades e aldeias: tornou-se então visível o lago de
Genesaré com a coroa de povoações em torno -de suas águas:
viu ao longe Nazaré ·por sobre a -planície de J-esreel. Os luga-
res de sua vida, quanto mais ele subia, iam-se aproximando
un.s dos outros, tornando-se afinal como que um único lugar:
o país de Israel, a terra do Salvador.
Os dis-cípul-0s tinham-se esquecido de~ tudo em torno deles.
Sempre de novo, aguçando o olhar, esforçavatn-se por avistar
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um vestígio do seu Mestre. Dois mensageiros do céu deviam
·despertá-los para a realidade da vida presente:
"O' vós, homens de Galiléia! Que estais aí a olhar para o
céu? O mesmo Jesus, que vistes subir ao céu, de lá descerá um
dia, com.o o vistes subir !"
Voltaram os apóstolos para Jerusalém - ·radiantes de ale-
gria. - Ao menos uma coisa eles tinham aprendido agora:
- sabiam que Jesus lhes estava perto, mesmo que eles não o
pudessem ver.
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íN1DICE-
497·
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•Os primeiros discípulos de J"esus .............................. . 90
A caminho da Galiléia . . .................................... . 92
Bodas no oriente (vista geral) . . . ·........................... ,, . 95
.As bodas de Caná . . . . ............... 98
. ... ...
111 ••••••••••• ,. ••••••••••
NA FESTA DE JERUSA~M
.A cura do enfermo na piscina de Betesda ...................... 160
-498
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Comportamento do povo ao tempo das parábolas ( vista geral) . . 208
As parábolas do reino do céu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
A parábola do semeador ................... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
Interpretação que Je-sus dá à parábola do semeador ........... 213
A parábola da semente que cresce ............................ 214
A parábola do joio entr.e o trigo ~ ... ·...... -. ......... ~ . . . . . . . . . . . 216
A parábola do grão de mostarda e do fermento . . . . . . . . . . . . . . 218
A parábola do tesouro e da pérola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
A parábola da rêde ............... _.............. ~ . . . . . . . . . . . . • 221
A parábola do pai de família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
.A tempestade no lago de .Genesaré (vista geral) ................ 222
A tempestade é serenada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
Jesus em Nazaré .. ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
A missão dos apóstolos .................. ~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
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Jesus e Herodes Antipas .................................... ~ . . 302
O hino da misericórdia divina ......... : ..... ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303
A parábola da ovelha perdida ................. ~ . . . . . . . . . . . . . 304
A parábola da dracma perdida .. ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
A parábola do filho pródigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
Grandes proprietários e arrendatários ........... ~ . . . . . . . . . . . . . . 310
O administrador infiel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313
As formas de comércio ao tempo de Cristo ...... ~ .............. 315
A parábola dos dois dev.edores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320
O rico opulento e o pobre Lázaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322
A ressurreição de Lázaro . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325
A mensagem de Betânia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325
A conversa com as irmãs de Lázaro ......................... 328
A ressurreição do morto .......... ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330
Depois do inverno (vista geral) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33?.
Jesus abençoa as crianças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
No caminho de Jerusalém. Terceira profecia da paixão . . . . . . . . . 335
Zaqt1eu ........................................................... ,. . . 838
As instituições bancárias no tempo de Cri~to ................... 339
A parábola das dez minas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342
Estado de ânimo do povo à chegada de Jesus à Judéia ......... 845
Maria unge a Jesus na ceia de Betânia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
A ú:LTIMA CEIA
A preparação da ceia pascal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38·:l
As palavra-s de introdução ........................................ ·3g7
O lava-pés ..................... ·. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·388
A indicação e a saída do tra.idor .............. ~ ....... ·......... ~391
o· sacrifício e a ceia sacrificial do novo .testamento ............ -. 394-
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O DISCURSO DA DESPEDIDA DE JESUS
O estado d'alma de Jesus na despedida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 396
A última advertência: Permanecei no meu amor! .............. 398
O amor une com o Pai . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
,o amor une com Jesus, o Filho de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 406
O amor une com o Espírito Santo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 408
A entrega dos discípulos ao Pai, pela oração ....... _.. _.......... 412
A RESSURREIÇÃO DE JESUS
O sepulcro selado está vazio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 470
As mulheres vão ao sepulcro . . .• , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 471
Pedro e João .no sepulcro ...... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4
Jesus apa-rece a Maria Madalena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475
A primeira tentativa de negar a. ressurreição de Jesus •........ 478
No caminho para Emaús . . ............ .e• ••••••••••••••• ·•• • • • • • 479
A aparição na tarde de páscoa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 482
São Tomé duvida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483
A aparição no lago de Tibérias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 486
São Pedro é nomeado chefe da Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 489
Os apóstolos são mandados ao mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 491
A última aparição de Jesus em Jerusalém. A ascensão . . . . . . . . . 493
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tNDICE DAS GRAVURAS
503,
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