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O LIVRO DO S M ÁRTIRES
Tradução
03-1574 CDD–272.092
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SUMÁRIO
Prefácio • 7
S IR JO H N O LD CASTLE, C AVALEIRO , LO RD E C O BH AM • 71
8
P REFÁCIO
N ossa in ten ção ao lan çar esta n ova edição d’O Livro dos M ártires é
provocar, em cada leitor, um a reflexão sobre a exten são e a profun di-
dade da fé cristã.
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A PERSEGUIÇÃO AO S
PRIMEIRO S C RISTÃO S
tudo isso, sem pre resistiu e preservou o que é seu! As torm en tas e
tem pestades por ela superadas form am um quadro adm irável. A fim
de apresen tar esses fatos de m odo m ais eviden te, eu preparei este
livro de história, com o objetivo de, prim eiro, pôr em evidên cia as
m aravilhosas obras de D eus n a Sua Igreja para a Sua glória; e, segun -
do, para que, m edian te a con tin uação dos an ais da Igreja publicados
de tem pos em tem pos, m ais con hecim en to e experiên cia possam de-
les resultar, em proveito do leitor e da edificação da fé cristã.
N o in ício da pregação de Cristo e da chegada do evan gelho, quem
sen ão os fariseus e escribas daquele povo que detin ha a Sua lei deve-
ria tê-lo recon hecido e recebido? N o en tan to, quem O perseguiu e
rejeitou m ais do que justam en te eles? Q ual foi a con seqüên cia? Eles,
recusan do Cristo com o seu Rei e escolhen do serem súditos de César,
pelo próprio César foram com o tem po destruídos.
O m esm o exem plo do irado castigo de D eus deve ser igualm en te
visto n os próprios rom an os. Pois quan do Tibério César, ao tom ar co-
n hecim en to, por cartas de Pôn cio Pilatos, dos feitos de Cristo, dos
Seus m ilagres, ressurreição e ascen são ao céu, e de com o Ele foi rece-
bido com o D eus por m uitos, ten den do o próprio im perador para essa
cren ça, acon selhou-se ele sobre o caso com todo o sen ado de Rom a e
propôs que Cristo fosse adorado com o D eus; os sen adores, n ão con -
cordan do com a proposta, recusaram -n a porque, con trarian do a lei
dos rom an os, Ele foi con sagrado (disseram eles) com o D eus an tes
que o sen ado de Rom a O t ivesse aprovado por decreto. Assim os
vaidosos sen adores (satisfeitos sob o rein ado do im perador e n ão sa-
tisfeitos sob o m an so Rei de glória, Filho de D eus) foram atorm en ta-
dos e apan hados em arm adilhas pela sua in justa recusa, exatam en te
do m odo que eles escolheram . Pois com o preferiram o im perador e
rejeitaram Cristo, assim a justa perm issão de D eus atiçou con tra eles
os seus im peradores de tal sorte que os próprios sen adores foram
quase todos destruídos e toda a cidade foi afligida do m odo m ais
horrível pelo espaço de quase trezen tos an os.
Em prim eiro lugar, o m esm o Tibério, que, duran te gran de parte
do seu rein ado foi um prín cipe discreto e tolerável, torn ou-se depois
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den tro de vidros e frascos, com a fin alidade de destruir um espan toso
n úm ero de pessoas. M ais tarde esses ven en os, ao serem jogados ao
m ar, causaram um a gran de m ortan dade de peixes.
M as aquilo que Calígula havia apen as con cebido, isso m esm o pu-
seram em prática os outros dois im peradores que o sucederam ; isto é,
Cláudio N ero, que reinou durante treze anos com muita crueldade; mas
especialm ente o terceiro desses N eros, o cham ado D om ício N ero, que,
suceden do a Cláudio, rein ou catorze an os com tal furor e tiran ia que
assassinou a maioria dos senadores e destruiu toda a ordem da cavalaria
de Roma. Tão prodigioso monstro da natureza era ele (mais parecendo
um an im al, ou m elhor, um dem ôn io do que um hom em ), que dava a
impressão de ter nascido para a destruição da humanidade. Tal era a sua
lamentável crueldade que o fez matar a própria mãe, o cunhado, a irmã,
sua m ulher e seus m estres, Sên eca e Lucan o. Além disso, orden ou que
Rom a fosse in cen diada em doze pon tos, e assim a cidade ardeu du-
rante seis dias e sete noites, enquanto ele, para ter o exemplo de como
queim ara Tróia, can tava versos de H om ero. Para livrar-se da in fâm ia
desse feito, pôs a culpa n os hom en s cristãos e os fez perseguir.
E assim con tin uou esse lastim oso im perador até que fin alm en te o
sen ado, proclam an do-o in im igo público dos seres hum an os, o con de-
n ou a ser arrastado pela cidade e depois flagelado até a m orte. Te-
m en do essa pun ição, ele, escapan do das m ãos dos seus in im igos, fugiu
n o m eio da n oite para um a herdade de um de seus servos, n o in terior,
on de foi forçado a m atar-se, queixan do-se de que n ão lhe sobrara
n em um am igo e n em um in im igo disposto a fazer aquilo por ele.
O s judeus, n o an o seten ta, cerca de quaren ta an os depois da pai-
xão de Cristo, foram destruídos por Tito e por seu pai Vespasian o
(que sucedeu N ero n o im pério) n um total de um m ilhão e cem m il,
sem con tar aqueles que Vespasian o m atou ao subjugar a região da
Galiléia. D ezessete m il foram ven didos e en viados para o Egito e ou-
tras provín cias com o vis escravos; dois m il Tito trouxe con sigo para a
celebração do seu triun fo. D estes, m uitos ele en tregou para que fos-
sem devorados por an im ais selvagen s, os restan tes foram assassin a-
dos de outras form as cruéis ao extrem o.
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É preciso en ten der que os relatos dos m artírios dos apóstolos provêm sobretudo
da tradição.
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Por isso, quan do m uitos dos seus hom en s im portan tes passaram a
crer, houve um tum ulto provocado pelos judeus, escribas e fariseus,
os quais diziam : “C orre-se o p erigo d e qu e t od o o p ovo ven h a a
con siderar Jesus com o o Cristo”. Reun iram -se, portan to, en tre si e
disseram a Tiago: “N ós te im ploram os para refrear o povo, pois as
pessoas crêem em Jesus com o se ele fosse Cristo. N ós te rogam os para
persuadir a todos os que vieram para a festa da Páscoa a pen sarem
corretam en te sobre Jesus. Pois todos prestam ouvidos a ti e todo o
povo atesta que tu és justo e que n ão aceitas a pessoa de qualquer
hom em . Portan to, persuade o povo para que n in guém seja en gan ado
a respeito de Jesus, pois todo o povo e até n ós m esm os estam os dis-
postos a obedecer-te. Por isso, fica de pé sobre o pin áculo do tem plo,
para que possas ser visto n o alto e tuas palavras possam ser ouvidas
por todos, pois todas as tribos e m uitos gen tios se reun iram para a
Páscoa”.
E assim os referidos escribas e fariseus puseram Tiago sobre as
am eias do tem plo e dirigin do-se a ele gritavam : — Tu, hom em justo,
a quem todos n ós devem os obedecer, este povo está se perden do se-
guin do Jesus que foi crucificado.
E ele em voz alta respon deu: — Por que m e pergun tais sobre Je-
sus, o Filho do H om em ? Ele está sen tado à m ão direita do Altíssim o
e virá sobre as n uven s do céu.
O uvin do isso m uitos se persuadiram e glorificavam a D eus pelo
testem un ho de Tiago dizen do: — H osan a ao Filho de D avi.
En tão os escribas e fariseus diziam un s aos outros: — Agim os m al
ao provocar esse testem un ho de Jesus. Vam os subir até ele e atirá-lo
para baixo, para que outros, tom ados de m edo, ven ham a n egar a fé.
— E puseram -se a gritar dizen do: — Ei, cuidado! Esse hom em tam -
bém foi seduzido. — Por isso, subiram ao pin áculo do tem plo a fim
de atirá-lo lá do alto. Todavia, ele n ão m orreu com a queda, m as,
viran do-se, pôs-se de joelhos dizen do: — Ó Sen hor D eus, Pai, eu te
suplico para perdoá-los, porque n ão sabem o que fazem . — E eles
disseram un s aos outros: — Vam os apedrejar Tiago, o hom em justo.
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Jesus Cristo vin do ao seu en con tro, a quem Pedro, adoran do, disse: —
Sen hor, para on de vais tu? — Ao que Ele respon deu dizen do: — Es-
tou voltan do para ser crucificado. — Assim Pedro, perceben do que
com essas palavras o Sen hor se referia ao m artírio do qual ele estava
fugin do, voltou para a cidade. Jerôn im o diz que ele foi crucificado,
com a cabeça para baixo e os pés para o alto a pedido dele m esm o
porque era — disse ele — in dign o de ser crucificado do m esm o m odo
e jeito com o o fora o Sen hor.
Paulo, o apóstolo, que antes se chamava Saulo, depois da sua grande
luta e trabalhos in dizíveis n a prom oção do evan gelho, padeceu tam -
bém duran te essa prim eira perseguição de N ero. Abdias declara que,
para a sua execução, N ero en viou dois de seus escudeiros, Ferega e
Partêm io, para lhe com un icar a n otícia de sua m orte. Eles, quan do
chegaram e o viram en sin an do ao povo, pediram -lhe que orasse por
eles a fim de que pudessem vir a crer. Paulo lhes disse que em breve
eles passariam a crer e seriam batizados sobre o seu sepulcro. D epois
disso, os soldados se aproxim aram e o con duziram para fora da cida-
de até o lugar da execução, on de ele, após fazer as suas orações, en tre-
gou o pescoço à espada.
A prim eira perseguição cessou duran te o rein ado de Vespasian o
que perm itiu algum descan so aos pobres cristãos. D epois dele, logo
veio a segun da perseguição desen cadeada pelo im perador D om ician o,
irm ão de Tito. Agin do n o in ício de form a bran da e m oderada, ele em
seguida com eteu um ultraje tão gran de em seu in suportável orgulho
que orden ou a adoração de si m esm o com o deus e m an dou que em
sua hon ra im agen s de ouro e prata fossem erigidas n o capitólio.
N essa perseguição, João, o apóstolo e evan gelista, foi exilado por
D om ician o para a ilha de Patm os. D epois que o im perador m orreu
assassin ado e o sen ado revogou as suas leis, João foi posto em liberda-
de e n o an o 97 veio para Éfeso, on de perm an eceu até o rein ado de
Trajan o. Ali dirigiu as igrejas da Ásia e escreveu o seu evan gelho. E
assim viveu ele até o an o 68 depois da paixão de n osso Sen hor, quan -
do a sua idade era de aproxim adam en te cem an os.
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preciso. Com o Cristo m orreu por n ós, eu darei a m in ha vida por ti.
Acredita-m e, foi Cristo que m e en viou.
O capitão, ouvin do tais palavras, prim eiro, com o se estivesse con -
fuso, ficou estático, e com isso a sua coragem se abateu. D epois jogou
as arm as ao chão e aos poucos com eçou a trem er, sim , e depois cho-
rou am argam en te. Em seguida, aproxim an do-se do velho, abraçou-o
e falou com ele choran do (da m elhor m an eira que pôde), sen do n ova-
m en te batizado n o ato com lágrim as. M as escon dia a m ão direita que
estava en coberta.
Em seguida o apóstolo, depois de prom eter que obteria o perdão
de n osso Salvador, orou, cain do de joelhos, e beijou-lhe a m ão direita
assassin a (que por vergon ha ele an t es n ão ousava m ost rar), agora
purificada pelo arrepen dim en to, e o trouxe de volta para a Igreja. E
quan do havia rogado por ele com oração con tín ua e jejun s diários, e
o havia fortalecido e con firm ado a sua m en te com m uitas m áxim as,
João o deixou n ovam en te restaurado para a Igreja. U m gran de exem -
plo de sin cera pen itên cia, prova de regen eração e um troféu da futura
ressurreição.
As causas de tan ta perseguição aos Cristãos por parte dos im pera-
dores rom an os foram prin cipalm en te estas: o m edo e o ódio.
Prim eiro, o m edo, porque os im peradores e o sen ado, por ign orân -
cia cega, descon hecen do a n atureza do rein o de Cristo, tem iam e des-
confiavam que ele pudesse subverter o seu im pério. Por isso, buscaram
todos os m eios possíveis, com o a m orte e todos os tipos de tortura,
para extirpar totalm en te o n om e e a m em ória dos cristãos.
Em segun do lugar, o ódio, em parte porque este m un do, por sua
própria con dição n atural, sem pre odiou e tratou com m aldade o povo
de D eus, desde o seu prin cípio. Em parte porque os cristãos, ten do
um a n atureza e um a religião con trárias às dos im peradores, servin do
apen as ao D eus vivo e verdadeiro, desprezavam os seus falsos deuses,
falavam con tra adorações idólatras e m uitas vezes detiveram o poder
de Satan ás que agia n os seus ídolos. Por isso, Satan ás, o prín cipe
deste m un do, in stigou os prín cipes rom an os e os idólatras cegos a
n utrir con tra eles um ódio e despeito cada vez m aiores. Q ualquer
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Três dias an tes de ser preso, en quan to estava oran do à n oite, ele
adorm eceu e viu n um son ho o seu travesseiro in cen diar-se e logo con -
sum ir-se n o fogo. Acordan do em seguida, im ediatam en te relatou a
visão aos circun stan tes e profetizou que ele seria queim ado vivo por
am or de Cristo. Q uan do as pessoas que an davam à sua procura fe-
charam -lhe o cerco, ele foi in duzido, por am or dos irm ãos, a retirar-se
para outra aldeia. Para lá, porém , logo foram os perseguidores em seu
en calço. E ten do apan hado dois rapazes que m oravam n a vizin han ça,
açoitaram um deles até que este os con duziu ao retiro de Policarpo.
O s perseguidores, ten do chegado tarde da n oite, descobriram que ele
já fora para a cam a n o alto da casa. D ali, se quisesse, ele poderia ter
fugido para o in terior de outra casa. M as recusou-se, dizen do: “Seja
feita a von tade do Sen hor”.
Ao saber que os perseguidores haviam chegado, desceu e dirigiu-
lhes a palavra com sem blan te alegre e agradável, de m odo que eles,
que n un ca o haviam visto, ficaram m aravilhados con tem plan do a sua
ven erável idade e gravidade e perguntavam-se por que deveriam se pre-
ocupar tanto com a captura de um homem tão velho. Ele imediatamen-
te orden ou que um a m esa fosse posta, exortou-os a com er com apetite
e pediu que lhe con cedessem um a hora para orar sem ser m olestado.
Tão repleto estava ele da graça de D eus que os circun stan tes ficaram
assom brados ao ouvir-lhe as orações e m uitos lam en taram que um
hom em tão ven erável e piedoso devesse ser levado à m orte.
D epois de term in ar as orações, n as quais fez m en ção de todas as
pessoas com quem en trara em con tacto n a vida, pequen as e gran des,
n obres e com un s, e de toda a Igreja católica dissem in ada pelo m un do,
chegada a hora de partir, eles o puseram sobre um jum en to e o trou-
xeram para a cidade. Lá Policarpo en con trou-se com o iren arca H ero-
des e seu pai N icetes, que, fazen do-o subir para a sua carruagem ,
puseram -se a exortá-lo dizen do: — Q ue m al há em dizer “Sen hor
César” e em oferecer sacrifícios e assim salvar a própria vida? — D e
in ício ele ficou em silên cio. Porém , ao ser forçado a falar, disse: —
N ão agirei de acordo com os seus con selhos. — Q uan do perceberam
que ele n ão se deixava con ven cer, dirigiram -lhe palavras grosseiras e
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Átalo tam bém foi exigido com veem ên cia pela m ultidão, por ser
en tre n ós um a pessoa de m uita fam a. Avan çou com toda a boa dispo-
sição e seren idade de um a boa con sciên cia. Cristão experien te, estava
sem pre pron to e atuan te para dar testem un ho da verdade. Foi con du-
zido ao redor do an fiteatro, en quan to um a tabuleta era carregada
dian te dele com a in scrição: “Este é Átalo, o cristão”. A fúria do povo
o teria despachado de im ediato. M as o govern ador, en ten den do que
se tratava de um rom an o, que poderia in vocar o privilégio da sua
cidadan ia, escreveu ao im perador e aguardou in struções. César expe-
diu orden s para que os con fessores de Cristo fossem levados à m orte:
os cidadãos rom an os tin ham o privilégio de m orrer por degolação; os
dem ais seriam expostos às feras selvagen s.
N essa ocasião o n osso Reden tor foi en altecido n a pessoa daqueles
que haviam apostatado. Eles foram interrogados à parte, como pessoas
que logo seriam dispen sadas. M as, para surpresa dos gen tios, con fes-
saram a Cristo e foram se som ar à lista dos m ártires.
A aben çoada Blan din a foi executada depois de todos os outros.
Q ual m ãe gen erosa que havia exortado os seus filhos, a quem n a fren -
te en viara vitoriosos ao Rei, recapitulan do toda a série de torturas,
apressou-se a prová-las ela m esm a, jubilosa e triun fan te em seu êxito,
como se fosse alguém convidado a um banquete nupcial e não alguém a
ser exposto às feras. D epois de ter suportado os açoites, a dilaceração
das feras e a cadeira de ferro, ela foi presa n um a rede e atirada a um
touro. D epois de ser jogada para o alto por algum tem po pelo an im al,
m ostran do-se m uito superior aos seus sofrim en tos pela in fluên cia da
esperan ça, pela visão con scien te dos objetos de sua fé e pela sua asso-
ciação com Cristo, ela fin alm en te en tregou o seu espírito.
Vejam os agora a história daquele extrem am en te con stan te e cora-
joso m ártir de Cristo, São Louren ço, cujas palavras e obras m erecem
perm an ecer frescas e verdes n os corações cristãos com o as folhas de
um verdejan te loureiro. Esta corsa seden ta, an sian do pela água da
vida, desejoso de con quistá-la passan do pela porta estreita da dura
m orte, quan do em certa ocasião viu o seu vigilan te pastor Sixto, bis-
po de Rom a, sen do con duzido por perigosos tiran os com o um cordei-
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habitar? Pois assim está escrito: “Tive fom e, e m e destes de com er;
tive sede, e m e destes de beber; era forasteiro, e m e hospedastes.” E
n ovam en te está escrito: “Vede, o que vós fizestes ao m en or destes
pequen in os, foi a m im que o fizestes.” Q ue riqueza m aior pode ter
Cristo, o n osso M estre, do que as pessoas pobres, n as quais Ele gosta
de ser visto?
Ah, lín gua n en hum a saberia expressar a fúria e loucura do co-
ração do tiran o! Ele bufou e estrilou, m ugiu e tugiu, com o alguém
que perdeu o juízo: os olhos se lhe in can desceram com o fogo; a boca
espum ava com o a de um javali; m ostrava os den tes feito um cachor-
ro. Podia-se dizer que já n ão era um hom em racion al, m as sim um
leão a rugir.
— Acen dam a fogueira! — gritou ele. — N ão econ om izem len ha.
Este vilão ludibriou o im perador? Fora com ele, fora com ele! Casti-
guem -n o com açoites, façam -n o pular com pauladas. O traidor quis
brin car com o im perador? Belisquem -n o com ten azes in can descen tes,
apertem -n o en tre lâm in as em brasa, tragam as corren tes m ais fortes
com espetos can den tes e a cam a com grade de ferro: pon ham -n a so-
bre o fogo. Am arrem o rebelde, m ãos e pés. Q uan do a cam a estiver
em brasa, joguem -n o em cim a dela: que seja assado, grelhado, virado
e atirado para o alto. Q ue cada um de vós, ó carrascos, cum pra o seu
papel, sob pen a da n ossa gran de irritação.
M al a ordem fora dada e já era plen am en te cum prida. D epois de
m uitos tratam en tos cruéis, o m an so cordeiro foi deitado, n ão digo
sobre a sua cam a de ferro in can descen te, m as sim sobre um m acio
leito de plum as. Tão poderosam en te operou D eus n o seu m ártir, tão
m ilagrosam en te tem perou o Seu elem en to, o fogo, que Louren ço n ão
se deitou sobre um a cam a de dor que m ata, m as sobre um colchão
que recon forta.
Alban o foi o prim eiro m ártir da In glaterra a padecer a m orte pelo
n om e de Cristo. Foi n o tem po de D ioclecian o e M axim ian o. O s im pe-
radores haviam expedido suas cartas decretan do que os cristãos fos-
sem perseguidos com todo rigor. Alban o, que n a época era um in fiel,
recebeu em sua casa um certo clérigo que estava fugin do das m ãos
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ção de cristãos, e tudo porque Rom an o os in stigou com tal veem ên cia
que eles n ão hesitaram em oferecer a própria gargan ta, desejan do
m orrer gloriosam en te pelo n om e de Cristo. — En con trem o rebelde
— disse o prefeito — tragam -n o à m in ha presen ça para que ele res-
pon da por toda a seita. — Ele foi apreen dido e, am arrado com o um a
ovelha con duzida ao m atadouro, foi apresen tado ao im perador, que,
fixan do-o com sem blan te irado, disse: — Com o! És tu o autor da
revolta? És tu a causa de tan tos perderem a própria vida? Juro pelos
deuses que tu hás de pagar caro por isso. Prim eiro, n a tua carn e sofre-
rás as dores para as quais an im aste o coração dos teus colegas.
Respon deu Rom an o: — A tua sen ten ça, ó prefeito, eu a recebo
com alegria. N ão m e recuso a ser sacrificado pelos m eus irm ãos, por
m ais cruéis que sejam os m eios que tu possas in ven tar. N o que se
refere ao fato de que os teus soldados foram repelidos pela con grega-
ção cristã, isso apen as acon teceu porque era in adm issível que idóla-
tras e adoradores de dem ôn ios en trassem n a casa de D eus e poluíssem
o lugar da verdadeira oração.
En tão Asclepíades, absolutam en te furioso com essa in trépida res-
posta, orden ou que Alban o fosse am arrado com os braços presos ao
corpo e depois eviscerado. O s próprios carrascos, que tin ham um co-
ração m ais piedoso que o do prefeito, in tercederam : — N ão pode ser,
sen hor. Este hom em é de um a fam ília n obre. É ilegal subm eter um
n obre a m orte tão ign óbil. — Respon deu o prefeito: — Q ue seja en tão
flagelado com açoites com pon tas de chum bo. — Em vez de lágrim as,
suspiros e gem idos, ouviu-se a voz de Alban o can tan do salm os du-
ran te todo o tem po da flagelação, pedin do aos algozes que n ão o
poupassem pela sua n obreza. — N ão é o san gue dos m eus progen ito-
res — dizia ele — m as sim a profissão de fé cristã que m e faz n obre.
— As salutares palavras do m ártir eram com o óleo para o fogo da
fúria do prefeito. Q uan to m ais o m ártir falava, m ais en louquecido ele
ficava, a pon to de orden ar que as ilhargas do m ártir fossem perfura-
das a faca até aparecer o bran co dos ossos.
Q uan do Rom an o pela segun da vez pregou o D eus viven te, o Se-
n hor Jesus Cristo, Seu Filho bem -am ado, e a vida etern a por m eio da
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grado se apresen tou. O prefeito orden ou que a crian ça fosse pen dura-
da e açoitada. O s con doídos espectadores desse ato im piedoso n ão
con seguiam con trolar as lágrim as. Apen as a m ãe, exultan te e feliz, a
tudo assistia com as faces secas. N a verdade, ela repreen deu o seu
doce filhin ho por im plorar um gole de água fria. D isse-lhe para ter
sede da taça da qual outrora beberam os in fan tes de Belém , deixan do
de lado o leite e as papin has de suas m ães. Ela o en corajou a lem brar-
se do pequen o Isaque que, ven do a espada com a qual seria abatido e
o altar sobre o qual seria queim ado em sacrifício, de boa m en te apre-
sen tou o ten ro pescoço ao golpe da espada do seu pai. En quan to era
dado esse con selho, o san guin ário algoz arran cou o couro do alto da
cabeça do m en in o, com cabelo e tudo. Gritou en tão a m ãe: — Agüen -
ta, filhin ho! Logo tu verás Aquele que te en feitará a cabeça n ua com
um a coroa de glória etern a. — A m ãe con sola, a crian ça sen te-se con -
solada; a m ãe an im a, o m en in in ho sen te-se an im ado e recebe os açoi-
tes com um sorriso n o rosto.
O prefeito, perceben do que a crian ça era in ven cível e sen tin do-se
derrotado, m an dou o aben çoado m en in in ho para a fétida m asm orra
e deu orden s para que as torturas de Rom an o, prin cipal autor destas
m aldades, fossem repetidas e in ten sificadas.
Assim , Rom an o foi trazido outra vez para n ovos açoites, deven do
os castigos ser ren ovados e aplicados sobre as suas velhas feridas. O
tiran o já n ão agüen tava m ais; era n ecessário apressar a sen ten ça de
m orte. — É pen oso para ti — disse ele — con tin uar vivo por tan to
tem po? N ão ten has dúvida de que um a flam ejan te fogueira será em
breve preparada. N ela tu e aquele m en in o, teu com pan heiro de rebe-
lião, sereis con sum idos e tran sform ados em cin za. — Rom an o e o
m en in in ho foram con duzidos para a execução. Ao chegarem ao local
escolhido, os carrascos arran caram o filho da sua m ãe, que o tom ara
n os braços. A m ãe, lim itan do-se a beijá-lo en tregou a crian cin ha. —
Adeus! — disse ela — Adeus, m eu doce filhin ho. Q uan do tiveres en -
trado n o rein o de Cristo, lá n o teu aben çoado estado lem bra-te da tua
m ãe. — E en quan t o o carrasco aplicava a espada ao pescoço da
crian cin ha, ela can tou assim :
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A P ERSEGU IÇÃO AO S P RIM EIRO S C RISTÃO S
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