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Ateísmo
Rei e Pastor:
O Senhor na visão e vivência dos salmistas (2)
Guiar-se por especulações, cedendo à fútil tentação 3 de nos orientar por nossas
peregrinações intelectuais (devaneios), significa desejar ir além do que Deus revelou
1
“A verdade das criaturas, por exemplo, seria sem sentido sem a verdade de Deus, mas a verdade de Deus não
depende do mundo que ele criou. Ele conhece todas as coisas por si mesmo, conhecendo sua natureza e seu
plano eterno, e cria a verdade sobre o mundo real por meio de suas obras de criação e providência. Nosso
conhecimento depende do dele (Sl 36.9), mas o dele não depende de nada, a não ser dele mesmo” (John M.
Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 455).
2
“Devemos ficar satisfeitos com este oráculo celestial, sabendo que ele diz muito mais do que nossas
mentes podem conceber” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.:
Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.3), p. 34).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 2
A imaturidade, por vezes, se manifesta por via inversa, justamente por levantar
“grandes” questões que presumem grande inteligência mas, que à luz da Bíblia são
irrespondíveis e, certamente irrelevantes em nossa peregrinação. Maturidade cristã
se revela em santificação do Espírito e obediência a Deus, conformando-se a Cristo
dentro do revelado (1Pe 1.1-2,12-14,22/Rm 8.29/Hb 5.8).
Deus vivo e pessoal, que age e fala.7 É o Deus que se relaciona e cuida de seu
povo.
A história do Ocidente tem sido regida pela presença cristã, ora em suas
acomodações pecaminosas, ora, positivamente em seu testemunho profético
contextualizado.10 A história do mundo é, de certa forma, a história da igreja em seus
avanços e retrocessos; em sua voz profética e omissão covarde. A igreja está no
mundo quer de forma transformadora, quer em suas acomodações pecaminosas
mas, nunca fora do mundo.
7
Veja-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP, 2001, p. 175.
8
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 607.
“Deus nunca está ocioso. Ele nunca está passivamente presente, como mero espectador” (Herman Bavinck,
Dogmática Reformada: Deus e a criação, v. 2, p. 617).“De acordo com a Escritura e a confissão da igreja, a
providência é o ato de Deus pelo qual, de momento a momento, ele governa e preserva todas as coisas”
(Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, v. 2, p. 608).
9
Veja-se uma bom a esclarecedora discussão a respeito da presença de Deus no tempo em: John Frame, Não
há outro Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 109-120.
10
A obra de Stark sem sustentar esta tese, a ilustra: Rodney Stark, A vitória da razão: como o cristianismo
gerou a liberdade, os direitos do homem, o capitalismo e o milagre econômico do Ocidente, Lisboa: Tribuna
da História, 2007.
11
Francis A. Schaeffer, O Deus que intervém, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 146.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 4
Mas, ao mesmo tempo, temos em nós o aspirar pela eternidade que não nos
permite satisfazer com o que é terreno e, por isso passageiro (Ec 3.11). O
transcender-se marca sempre a arte e a literatura em toda cultura. 16 No tempo,
categorizamos o nosso anseio pelo eterno: “Caminhamos por essa terra, fazendo o
que podemos para torná-la um lugar melhor e, ao mesmo tempo, sabendo que
pertencemos a outro país. Lar é onde o coração está; e nossos corações anseiam
por estar com Deus”, comenta McGrath.17
12
“Logo, é impossível que, em Deus, a existência seja diferente da essência. (...) A existência está para a
essência, da qual difere, como o ato para a potência. Ora, Deus nada tendo de potencial, como demonstramos,
resulta que a sua essência não difere da sua existência e, portanto, são idênticas. (...) Deus é a sua essência.
(...) Deus é a sua existência e não somente, a sua essência” (Tomás de Aquino, Suma Teológica, 2. ed. Caxias
do Sul, RS.; Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Universidade de Caxias do
Sul; Livraria Sulina Editora; GRAFOSUL, 1980, v. 1, Primeira Parte, Questão 2, Artigo 4, Solução, p. 26-
27).
13
Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p.
247.
14
“A essência de Deus é perfeitamente simples e livre de toda e qualquer composição. (...) Toda composição
infere em mutação, por meio da qual uma coisa se torna parte de um todo, o que ela não era antes” (François
Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 262,263).
15
Veja-se: Herman, Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 156.
16
“As artes apontam para o que está além do meramente humano, pois a fonte da beleza, creio, está
além de tudo que é meramente humano” (Charles Colson; Harold Fickett, Uma boa vida, São Paulo:
Cultura Cristã, 2008, p. 248).
17
Alister McGrath, A Fé e os credos, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 23.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 5
Deus existe por si mesmo, não dependente de nada fora dele (Ex 3.14/Ap 1.4).
Ele é a causa eficiente de tudo o que existe (Is 44.24/Jo 1.1-3). 21 Deus antecede à
criação. Permanece para sempre e não muda.
Asseidade divina
18
Como bem escreve Clark (1902-1985): “É, portanto, relativamente sem importância se uma pessoa crê ou
não na existência de Deus. Existência é um pseudoconceito. A questão importante é ‘Quem é Deus?’. A esta
pergunta o Cristianismo oferece uma resposta trinitariana” (Gordon H. Clark, Ateísmo: In: Carl Henry, org.
Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 63. Do mesmo modo, na mesma obra, ver o
verbete escrito pelo autor, “Dios”, p. 164).
19
“É claro que todo o nosso conhecimento de Deus é ectípico ou derivado da Escritura. Somente o
autoconhecimento de Deus é adequado, não-derivado ou arquetípico. Apesar disso, nosso
conhecimento finito, inadequado, ainda é verdadeiro, puro e suficiente” (Herman Bavinck, Dogmática
Reformada: Deus e a criação, São Paulo, Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 97). Vejam-se: Herman
Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, v. 2, p. 98,99,110; Emil Brunner, Dogmática, São
Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 156-157; Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, São Paulo:
Cultura Cristã, 2002, p. 151; John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p.
164ss.; Morton H. Smith, Systematic Theology, South Carolina: Greenville Seminary Press, 1994, p.
100-106.
20
“A substância suprema (...) tudo o que ela é, é por si mesma e de si mesma” (St. Anselmo de Cantuária,
Monológio, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 7), 1973, I.6, p. 21).
21
“Deus é aquele que existe de si mesmo e por meio de si mesmo, o ser perfeito que é absoluto em
sabedoria e bondade, justiça e santidade, poder e bem-aventurança” (Herman Bavinck, Dogmática
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98).
22
Quanto ao conceito, veja-se: Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms,
4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 47.
23
Cf. Gordon H. Clark, Atributos divinos: In: E.F. Harrison, ed., Diccionario de Teologia, Grand Rapids, MI.:
T.E.L.L., 1985, p. 72-74.
24
Cf. Herman, Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
154-156; Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and
Reformed Publishing Co., 1974, p. 206-210.
25
Cf. John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 453-454, 624 (nota 3).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 6
Moisés, por revelação direta de Deus, registra de forma inspirada (2Pe 1.20-21),
narrando os atos criadores de Deus, sem se preocupar em falar com mais detalhes
a respeito daquele que, mediante a sua Palavra, faz com que do nada surja a vida.
Cria o universo. Estabelece suas leis próprias e as preserva. Avalia a sua criação
como muito boa. A providência de Deus é o seu governo soberano persistindo na
existência do que foi criado (Preservação).26
Moisés apresenta o Deus Todo-Poderoso exercitando o seu poder de forma
criadora, segundo o seu eterno propósito. Portanto, Deus existe. Este é o fato
pressuposto em toda a narrativa da Criação. Deus cria segundo a sua Palavra e isto
nos enche de admiração e reverente temor: a Palavra de Deus é o verbo criador que
manifesta a determinação e o poder de Deus (Gn 1.1,26, 27; Sl 33.6,9; Jo 1.1-3; Hb
11.3),27 que criou todas as coisas com sabedoria (Pv 3.19).28
26
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p.
603.
27
“No princípio, criou Deus os céus e a terra. (...) 26 Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os
animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. 27 Criou Deus, pois,
o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.1,26-27). “6Os céus
por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. (...) 9 Pois ele falou, e tudo se fez; ele
ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 36,6,9).
28
“O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com inteligência estabeleceu os céus” (Pv 3.19).
29
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 113.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 7
Substituir o Deus das Escrituras pela nossa imaginação é uma forma, por vezes,
bem elaborada, porém ilusória, de se constituir no centro de todas as coisas. O
antropocentrismo em seus devaneios centrífugos e centrípetos, é idolatria,
carregando em seu ventre o feto do ateísmo. Nesse sentido, há muitos “teólogos
ateus”, que transformaram a teologia em antropologia.34
Frame comenta:
30
François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 246, 249.
31
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Princípios bíblicos de adoração cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
32
“A perda total de significado implícita no ateísmo é de mais para que muitos suportem. As pessoas precisam
de alguns valores, alguns padrões, algumas maneiras para orientar suas vidas. Entre essas pessoas, aqueles
que continuam a resistir à crença no verdadeiro Deus tornam-se inconsistentes quanto ao seu ateísmo, ou
tornam-se idólatras. Se não querem o verdadeiro Deus, terão de procurar outro” (John Frame, Apologética
para a Glória de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 150).
33
“Qualquer que seja esse nosso objeto de preocupação fundamental, isso será o nosso deus. Por esta razão,
não existem ateus genuínos. Encontramos, em vez disso, pessoas que veneram ou adoram coisas ou ideias em
lugar do único Deus verdadeiro” (Ronald H. Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em
um mundo de ideias, Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 39).
34
Sem dúvida, esse tipo de construção corresponderia à interpretação de Feuerbach (1804-1872) sobre
teologia. De fato, se a teologia se limitar a ser um reflexo daquilo que o homem pensa de si mesmo,
poderíamos reduzir "a teologia à antropologia" (Veja-se: L. Feuerbach, A Essência do Cristianismo,
Campinas, SP.: Papirus, 1988, Prefácio à 2. edição, p. 35 e p. 55). Para Feuerbach a religião era apenas uma
projeção da razão humana, a objetivação da sua essência. "Pelo Deus conheces o homem e vice-versa pelo
homem conheces o seu Deus; ambos são a mesma coisa. O que é Deus para o homem é o seu espírito, a sua
alma e o que é para o homem seu espírito, sua alma, seu coração, isto é também o seu Deus: Deus é a
intimidade revelada, o pronunciamento do Eu do homem; a religião é uma revelação solene das preciosidades
ocultas do homem, a confissão dos seus mais íntimos pensamentos, a manifestação pública dos seus segredos
de amor." (Ibidem., p. 55-56. Veja-se também, p. 57 e 77). A razão é o critério último de toda a realidade
(Ibidem., p. 81); "é a medida de todas as medidas" (Ibidem., p. 84). Deus é uma entidade criada pelo homem
à imagem de sua razão: "Como tu pensas Deus, pensas a ti mesmo a medida do teu Deus é a medida da tua
razão. Se pensas Deus limitado, então é a tua razão limitada; se pensas Deus ilimitado, então a tua razão não
é também limitada (...). No ser ilimitado simbolizas apenas a tua razão ilimitada" (Ibidem., p. 82). Karl Marx
(1818-1883), interpretando a concepção de Feuerbach, diz que este "resolve o mundo religioso na essência
humana" (Karl Marx, Teses Contra Feuerbach, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 35), 1974, § 6,
p. 58). Acrescenta: "Feuerbach não vê, pois, que o próprio 'ânimo religioso' é um produto social e que o
indivíduo abstrato, analisado por ele, pertence a uma esfera social determinada" (Ibidem., § 7, p. 58).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 8
Deus não se deixa invadir pela razão humana, ou mesmo pela fé. Ele se dá a
conhecer livre, fidedigna e explicitamente. Deus se revela a si mesmo como
Senhor.36 E "Senhorio significa liberdade", pontua Barth (1886-1968).37
Conhecer a Deus é um privilégio da graça que tem o seu início sempre no Deus
Trino (Mt 11.27;1Co 12.3). Deus sabe tudo a nosso respeito, nos conhece mais do
que nós mesmos. Nada que lhe digamos é inusitado. Nós, só o conhecemos à
medida em que se revela, fala de si mesmo (Sl 139.1-4; 33.13-15; Jo 1.47-48; 2.25).
35
John M. Frame, A History of Western Philosophy and Theology, Phillipsburg, New Jersey: P&R Pub-
lishing, 2015, p. 7. Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 245-249; Herman Bavinck, A Certeza da fé, Brasília, DF.: Monergismo,
2018, p. 32-33.
36
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 181,186ss.
37
K. Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, I/1, p. 306.
38
“Até mesmo a robusta rejeição que o ateu faz de Deus é uma declaração teológica. A pergunta é se
a nossa teologia é verdadeira ou falsa” (Joel R. Beeke; Paul M. Smalley, Teologia Sistemática
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2020, v. 1, p. 37).
39
Ronald H. Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,
Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 35. “O secularismo nega, exclui e suprime os ideais e valores
morais dos outros enquanto mantém o mito da própria neutralidade” (Alister E. McGrath,
Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 166).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 9
40
Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 156. “O mistério é a força vital da
dogmática” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v.
2, p. 29). “A teologia cristã sempre tem a ver com mistérios que ela conhece e com os quais fica
maravilhada, mas não compreende, nem sonda” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 619).“Quanto mais compreendemos a verdade de Deus, mais somos chocados
pelo mistério” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 32). Dentro de
outro tema, escreveu Packer: “Seja como for, não devemos ficar surpresos ao encontrar mistérios dessa
espécie na Palavra de Deus. Pois o Criador é incompreensível para as suas criaturas. Um Deus que pudesse
ser exaustivamente compreendido por nós, cuja revelação sobre Si mesmo não nos apresentasse qualquer
mistério, seria um Deus segundo a imagem do homem e, portanto, um Deus imaginário, e nunca o Deus da
Bíblia” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 20). (Veja-se:
Morton H. Smith, Systematic Theology, South Carolina: Greenville Seminary Press, 1994, p. 100ss.).
41
“O verdadeiro mistério só pode ser entendido como um mistério genuíno mediante a revelação”
(Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157).
42
Ver: João Calvino, As Institutas, III.21.2; III.23.8. Na edição de 1541, escrevera: “E que não achemos ruim
submeter neste ponto o nosso entendimento à sabedoria de Deus, aos cuidados da qual Ele deixa muitos
segredos. Porque é douta ignorância ignorar as coisas que não é lícito nem possível saber; o desejo de sabê-
las revela uma espécie de raiva canina” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com
notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3 (III.8), p. 53-54). Semelhantemente,
François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 647-648.
43
Joannes Owen, Epigrammatum, Amsterdã: Janssonius van Waesberge editor, 1657, 3.16, p. 50.
(Há várias edições desta obra).
44
Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157, 159ss.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 10
Sem revelação nada sei a respeito de Deus. Com a graça objetiva da revelação e
o guiar interior do Espírito (Iluminação), é que passo a saber e a descobrir que não
sei. É no conhecimento intensivo e experimental de Deus que vamos ampliando
reverentemente o nosso conhecimento e descobrindo o quanto ignoramos.
Desse modo, sem revelação, o homem passaria toda a sua vida e estaria na
eternidade sem o menor conhecimento de Deus por mais engenhosos que fossem
os seus métodos, por mais sistemáticas que fossem as suas pesquisas, por mais
que evoluísse a ciência e refinasse a sua lógica.
viu o Pai, também é verdade que quem não viu o Filho, não viu o Pai”, escreve
Hendriksen (1900-1982).52 Jesus Cristo, a plenitude da graça encarnada, é a medida
da revelação; o seu padrão e apelo final!
Deus também não é uma mera força impessoal sem nenhum sentido de
racionalidade, antes, é o Deus transcendente e pessoal que se revela
genuinamente, com quem podemos nos relacionar: ouvir, amar, temer, confiar e
orar.54
52
William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 14.9) p. 657.
53
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26.
“Deus se revelou mais abundantemente no nome ‘Pai, Filho e Espírito Santo’. A plenitude que, desde
o princípio, estava no nome Elohim, foi gradualmente desenvolvida e tornou-se mais plena e
manifestamente expressa no nome trinitário de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus
e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 150).
54
“A principal ênfase do cristianismo bíblico consiste na doutrina de que um Deus infinito e pessoal é a
realidade final, o Criador de todas as outras coisas, e de que um indivíduo pode se aproximar do Deus santo
com base na obra consumada de Cristo, e somente desse modo” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre
Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 272).
55
Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 90-91.
56
Cf. Terence Fretheim, Javé: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e
Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 740-741; Gottfried Quell, ku/rioj,
etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids,
Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 3, p. 1062-1063.
57
Cf. A.H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 1, p. 21.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 12
Como temos insistido, o nosso conhecimento pode ser real e genuíno, porém é
fragmentado e limitado.58 Contudo, devemos nos alegrar em poder conhecer. O
Senhor não exigirá mais do que nos foi dado. Mas, o Senhor exige a nossa
fidelidade no muito e no pouco.59
As Escrituras não tratam a Deus como um ser que se confunde com a matéria
(panteísmo)61 nem como uma divindade ausente, distante do mundo (deísmo), 62
58
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 98, 110.
59
Veja-se: Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 10.
60
Veja-se: Carl F.H. Henry, Deus, Revelação e Autoridade v. 2: Deus que fala e age - 15 teses - parte um, São
Paulo: Hagnos, 2017, p. 232ss.
61
Panteísmo [“Pan” (pa=n = tudo, todas as coisas) & “Theós” (qeo/j = Deus)], é a doutrina que ensina
que não há nenhuma realidade transcendente e que tudo é imanente; por isso, Deus e o mundo
formam uma unidade essencial, sendo, portanto, a mesma coisa, constituindo um todo indivisível; por
isso a negação da transcendência de Deus visto que Ele se confunde com a própria matéria, sendo
esta a própria manifestação de Deus.
A Bíblia não confunde Deus com a matéria; antes, afirma que Deus criou a matéria (Gn 1.1) e a
sustenta com o seu poder (Cl 1.17; Hb 1.3). Esta distinção entre o Deus Criador e a criação é um
ensinamento fundamental das Escrituras.
62
Deísmo é uma denominação genérica das doutrinas filosófico-religiosas que surgiram em meados
do século XVII, as quais, contrapondo-se ao “ateísmo”, afirmavam a existência de Deus; entretanto,
negavam a Revelação Especial, os milagres e a Providência. Esse Deus é concebido preliminarmente
como a causa motora do universo. Uma das ideias predominantes, era a de que um Deus
transcendente criou o mundo dotando-o de leis próprias e retirou-se para o seu ócio celestial,
deixando o mundo trabalhar conforme as leis predeterminadas. Uma figura comum ao deísmo do
século XVIII era a do relógio de precisão que seria o equivalente ao universo que trabalha sozinho
depois de se lhe dar corda. Neste caso, Deus seria uma espécie de relojoeiro distante, apenas
observando a sua criação sem “intervir” em suas questões cotidianas. A conclusão chegada pelos
deístas é a que as leis que regem o universo são imutáveis. O deísmo consequentemente atribui à
Criação a capacidade de se sustentar e se governar por si mesma. Temos aqui um naturalismo
autônomo.
Desta forma, Deus é um proprietário ausente, que não age diretamente sobre a Criação; a única
relação existente entre o Criador e a Criação, dá-se por meio de suas leis deixadas, as quais regem o
universo de forma determinista. Deus seria regente do universo “apenas de nome”. O deísmo não
deixa de ser um ateísmo prático visto que Deus não é considerado de forma concreta na vida de seus
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 13
O Deus nas Escrituras é o Deus em quem podemos confiar, orar e nos conduzir
por sua Palavra. Ele é fiel. Ele é o Senhor; é o nosso Pastor.
adeptos. Deus sai do cenário real e concreto, mas, o destino e o acaso terminam por ser
entronizados. (Para maiores detalhes sobre o panteísmo e o deísmo, vejam-se: Hermisten M.P.
Costa, O Homem no teatro de Deus: providência, tempo, história e circunstância, Eusébio, CE.:
Peregrino, 2019, p. 96-101).