Você está na página 1de 7

Para indexação

Palavras

O Deus transcendente
Conhecimento de Deus
Revelação
Ser de Deus
Sentido da realidade

Assuntos

Revelação de Deus
Conhecimento de Deus

Rei e Pastor:
O Senhor na visão e vivência dos salmistas (3)

Categorias compatíveis: senso religioso e acomodação

A revelação de Deus encontra eco em nós pelo fato de Deus a realizar em


categorias compreensíveis à nossa mente1 – conforme Ele a criou – já que o Senhor
se “acomoda” à nossa compreensão.2

A despeito do pecado, continuamos sendo a imagem de Deus (aspecto


metafísico), carregando conosco o senso do divino, sendo, portanto, incuravelmente

1
“As tentativas de explicar a origem e a essência da religião sem fazer referência a Deus e sua revelação
cognoscível estão fadadas ao fracasso” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 302).
2
“Não podemos compreender plenamente a Deus em toda a sua grandeza, mas que há certos limites dentro dos
quais os homens devem manter-se, embora Deus acomode à nossa tacanha capacidade toda declaração que
faz de si mesmo. Portanto, somente os estultos é que buscam conhecer a essência de Deus” (João Calvino,
Exposição de Romanos, São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Rm 1.19), p. 64). (Vejam-se: Hermisten M.P.
Costa, João Calvino 500 anos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009; Herman Bavinck, Dogmática Reformada:
Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 214; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e
a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 97ss.). Mesmo Calvino valendo-se amplamente desse
princípio para interpretar de forma mais clara e simples as Escrituras, Battles (1915-1979) nos adverte que
Calvino nunca empregou a palavra “acomodação” na forma substantivada (accommodatio) nas Institutas e,
possivelmente em qualquer de seus escritos. Porém, utilizou os verbos accommodare ou attemperare.
(acomodar). (Cf. Ford L. Battles, Interpreting John Calvin, Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1996, p. 117).
(Para maiores detalhes, veja-se: https://www.hermisten.com.br/o-ser-as-pessoas-e-as-coisas-ontologia-
epistemologia-e-etica-1/).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 2

religioso.3 Além disso, temos o seu Espírito que nos ilumina 4 para podermos ter uma
compreensão verdadeira das Escrituras. De fato, podemos compreender a
mensagem e o significado do Evangelho. Isso é ponto pacífico.

Bavinck sintetiza

Todos os povos ou puxam Deus panteisticamente para baixo, na direção


daquilo que é criado, ou o elevam deisticamente, colocando-o infinitamente
acima da criatura. Em nenhum dos casos se chega a uma verdadeira
comunhão, a uma aliança, a uma religião genuína. No entanto, a Escritura
insiste em ambos: Deus é infinitamente grande e condescendentemente
bom; Ele é soberano, mas também é Pai; Ele é Criador, mas também é
5
Protótipo. Em uma palavra, Ele é o Deus da aliança.

Por meio de Isaías, Deus faz registrar:

Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o
nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o
contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar
o coração dos contritos. (Is 57.15).

A Palavra de Deus nos ensina que Deus não pode estar limitado pelo universo,
que é sua criação: Deus é infinito e, por isso, é imenso e eterno, transcendendo de
forma perfeita todas as limitações espaciais e temporais – que são próprias da
criatura, não do Criador. Entretanto, Deus está presente em todas as suas criaturas
e em todos os lugares, sustentando toda a existência e realidade. De certa forma,
toda a existência é teológica, já que tudo que existe é teosustentado e
teopreservado.

Com isso não queremos dizer que Deus esteja presente no mesmo sentido em
todas as suas criaturas. Deus está em todo ser de acordo com a natureza deles.
3
“Assim como não se pode encontrar homem algum, por mais bárbaro e mesmo selvagem que possa ser, que
não seja tocado por alguma ideia de religião, é certo que todos somos criados a fim de conhecer a majestade
de nosso Criador, e tendo-a conhecido, estimá-la acima de todas as coisas e honrá-la com todo temor, amor e
reverência” (João Calvino, Instrução na Fé Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 1, p. 11). “Os próprios
ímpios são para exemplo de que vige sempre na alma de todos os homens alguma noção de Deus” (João
Calvino, As Institutas, I.3.2). Vejam-se também: João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos,
1997, (Hb 11.6), p. 305; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.5), p. 167.
4
“As mentes humanas são cegas a essa luz da natureza, a qual resplandece em todas as coisas criadas, até que
sejam iluminadas pelo Espírito de Deus e comecem a compreender, pela fé, que jamais poderão entendê-lo de
outra forma” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299). Vejam-
se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São
Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.7), p. 10-11; João Calvino, As Institutas, I.9.3; II.2.19; III.2.33; III.21.3;
III.24.2; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 40.8), p. 229; João Calvino,
Salmos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2009, v. 4, (Sl 119.18), p. 184; John Calvin, Commentary on the
Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin's
Commentaries), 1996, v. 84, (Is 59.21), p. 271; João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos
Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109; João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo:
Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p, 374; João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996,
(1Co 2.11), p. 88-89; (1Co 2.14), p. 93; João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009,
p. 154; João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 152,154; Abraham
Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 113; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo
Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 230.
5
Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 580.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 3

Desse modo, afirmamos que Deus habita de uma forma no homem e de outra no
mundo orgânico, de outro no mundo inorgânico, etc. O modo como Deus está em
nós, seu povo, é diferente da forma como Ele habita nos incrédulos. Deus está
presente agindo soberanamente numa interminável variedade de maneiras. Ele
enche todo o universo, envolve com sua presença o céu e o inferno. 6 Não há
nenhum espaço ou ser que possa se afastar da presença sustentadora de Deus.

Somente Deus se conhece total e perfeitamente

A realidade pertence a Deus, quem a criou, e lhe confere sentido. Quando, então
nos referimos ao conhecimento que podemos ter do próprio Deus, do seu caráter e
majestade, temos de reafirmar a verdade bíblica de que esse conhecimento provém
do próprio Deus. Esse princípio é fundamental à fé cristã: a revelação de Deus é a
única fonte e possibilidade real de conhecermos a Deus. 7 Sem a revelação não há
um sim nem um não referente a Deus.

Portanto, Deus só pode ser conhecido por Ele mesmo. Por isso a necessidade de
revelação para que possamos conhecê-lo, e nos relacionarmos com Ele. 8 Deus em
sua integridade se revela verdadeiramente como é em sua natureza essencial, ainda
que não conheçamos a essência de Deus.9 Porém, nenhuma de suas perfeições
esgota a totalidade de seu ser. Este conhecimento resultante da graça é único,
singular e pessoal,10 é diferente de todos os demais conhecimentos, porque Deus é
único e singular.

É possível ter um conhecimento especial de algo comum, porém, conhecer a


Deus é sempre especial, porque Deus é singular em sua essência, existência e
revelação. Este conhecimento é iluminador e transformador; nunca mais seremos os
mesmos.

Conhecer a Deus pela fé11 é se relacionar com Ele. Portanto, não é um


conhecimento simplesmente a respeito de Deus, antes, é uma relação pessoal, de
confiança, obediência e amor.

6
Vejam-se: João Calvino, As Institutas, I.16.3; Edward Leigh, A Treatise of Divinity, London: Printed
by E. Griffin for W. Lee, 1646, Cap. 4, p. 39; Stephen Charnock, The Existence and Attributes of God,
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Two volumes in one), 1996 (Reprinted), v. 1, p. 370;
John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 92.
7
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p.
207ss.
8
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p.
287ss.
9
“Deus se revela como ele verdadeiramente é. Seus atributos revelados verdadeiramente revelam sua
natureza” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 98).
10
“Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular”
(John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).
11
“Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília,
DF.: Monergismo, 2013, p. 305).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 4

Somente Deus é o Senhor! Portanto, nunca poderemos ter um conhecimento real


e, ao mesmo tempo banal de Deus. Banalidade e majestade são termos que
essencialmente se excluem quando tratamos de Deus. Aliás, só há majestade em
Deus e, ao mesmo tempo, não há nada de comum e banal em nosso Glorioso
Senhor.

Como mais um ingrediente de cautela, devemos entender que o nosso


conhecimento de Deus por meio de sua revelação é um “conhecimento-de-servo”
delimitado pelo próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano. O nosso
conhecimento nunca é autorreferente com validade própria e por iniciativa nossa. 12
“Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma
vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”,
interpretam Geisler (1932-1919) e Bocchino.13

Aliás, não podemos escapar desse fato que nos humaniza. Por isso mesmo, a
realidade sempre é mais importante e complexa do que a nossa percepção e
experiência. A ontologia é a determinante de nossa possibilidade epistemológica.
No entanto, esta não condiciona a outra. As coisas são o que são
independentemente de nossa apreensão. Assim como o nome não delimita nem
determina a essência da coisa, a nossa percepção, com seus erros e acertos, não
estatui por si só a essência e o alcance da realidade.

A revelação de Deus já de início nos mostra que somos criaturas e continuaremos


assim. Conhecer a Deus não nos diviniza ou nos põe em um andar superior, como
uma espécie de superstar quase divino revestido de uma áurea de santidade e
infalibilidade. Para nossa angústia e frustração – por vezes tão intensa –,
continuamos pecadores, com inclinações ao pecado e possíveis quedas.14

12
A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo
do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a
rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na
ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento
em que recebem a luz – o evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David
Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro:
Textus, 2004, p. 68).
13
Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos
contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50. Da mesma maneira, veja-se:
Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília,
DF.: Monergismo, 2019, p. 74ss. Calvino comenta a necessidade da revelação de Deus em Cristo.
Argumenta: “Porque, visto que Deus é incompreensível, a fé poderia jamais alcançá-lo, a menos que
ela tenha uma consideração imediata por Cristo. Além disso, há duas razões por que a fé poderia
estar não em Deus, a não ser que Cristo interviesse como Mediador: primeiro, a grandeza da glória
divina deve ser levada em conta e, ao mesmo tempo, a pequenez de nossa capacidade. Nossa
acuidade sem dúvida está muito longe de ser capaz de subir tão alto a ponto de compreender a Deus.
Daí, todo conhecimento de Deus sem Cristo é um vasto abismo que deglute imediatamente todos
nossos pensamentos” (John Calvin, Calvin's Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 53).
14
“A verdade mais básica da Teologia é que há um Deus e Ele não é você. (...) Portanto, não fazemos Teologia
como deuses ou como seres iguais a Deus, mas como criaturas. Essa verdade tem duas consequências, ambas
as quais nos chamam à humildade” (Joel R. Beeke; Paul M. Smalley, Teologia Sistemática Reformada, São
Paulo: Cultura Cristã, 2020, v. 1, p. 64).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 5

Realidade e experiência

Por isso mesmo, a realidade possibilita a experiência e variados aprendizados,


porém, a experiência não determina a realidade. Ela pode, e costumeiramente deve,
nos ajudar a ver a realidade de modo diferente, de forma mais compatível com a sua
natureza. Isso, sem dúvida nos conduzirá a novas experiências e novos
aprendizados resultantes dos anteriores. A realidade vivenciada, portanto,
proporciona ensino e renovação. O aprendizado em geral é uma construção ainda
que nem sempre tenhamos a dimensão do processo durante o processo. Quem tem
olhos e ouvidos vejam, ouçam e aprendam.

Como temos insistido, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça
divina, que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer. O
nosso conhecimento é um ato de fé; e esta é procedente da graça.15

Mais: não somos nem nunca seremos o padrão de verdade. Os nossos


pensamentos e as nossas supostas experiências concretas, por mais nobres,
sinceras e convincentes que nos pareçam, não têm poder autorreferentes, se
constituindo em fundamento de nossas decisões e ensino. 16 Antes, precisam sempre
ser validados pela Palavra, que é a verdade (Jo 17.17).

Só pensamos verdadeiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, é


que conhecer a Deus é algo singular, sem paralelo, porque somente Deus é
soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo. E tudo isso, por meio de
Jesus Cristo, o Deus encarnado,17 a revelação pessoal de Deus.18

Portanto, como cristãos devemos em nossas pesquisas – e, na realidade, em


todo o âmbito de nossa vida –, buscar em Deus a sabedoria para desvendar os
mistérios revelados na criação a fim de que possamos compreendê-los de forma
correta, glorificando a Deus em todo o nosso labor.19

Conhecimento libertador

Conhecer a Deus em sua soberania, portanto, é um dom da graça do soberano


Deus. Podemos descansar na certeza gloriosa de saber que podemos conhecê-lo,
ainda que limitadamente, porém, de modo verdadeiro, suficiente e claro. 20 Este
conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possamos conhecer genuinamente

15
“Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.:
Monergismo, 2013, p. 305).
16
Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 127.
17
“Toda nossa luz e conhecimento consistem (...) em conhecer a Deus na pessoa de seu Filho
unigênito. Com isso, digo eu, é que devemos nos contentar” (João Calvino, Sermões em Efésios,
Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 146-147). Veja-se também: John Calvin, Calvin's Commentaries,
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 53.
18
Vejam-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p.
25-26; Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 167; John Frame, Teologia
Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 89.
19
Veja-se: Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e
de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 130.
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 6

a nós mesmos e as demais coisas da realidade, 21 possibilitando-nos ter uma


dimensão adequada de todas as coisas.22

Em outras palavras, citando Frame: “É um conhecimento acerca de Deus como


Senhor, e um conhecimento que está sujeito a Deus como Senhor”.23 A teologia é o
trabalho do servo totalmente comprometido em ouvir e ensinar o que o seu Senhor
revelou, rogando a Deus que lhe dê compreensão adequada e que transmita com
fidelidade – sem nada acrescentar ou omitir – o que nos foi dado conhecer.

Somente a partir de um genuíno conhecimento de Deus poderemos nos conhecer


verdadeiramente bem como toda a realidade. O conhecimento de Deus possibilita-
nos enxergar a realidade em suas múltiplas facetas com os seus valores próprios
conferidos pelo próprio Deus que a sustenta. A verdade nos liberta (Jo 8.32) de uma
visão puramente terrena ou mesmo, metafísica, para que possamos visualizar cada
aspecto da realidade dentro de um referencial fornecido pelo próprio Deus que a
criou.

Sem o conhecimento de Deus, nada faz sentido. Somente pelo conhecimento de


Deus adquirimos a compreensão e o sentido de toda a realidade que nos circunda.

O conhecimento que Deus deseja que tenhamos dele está revelado nas Escrituras.
Originalmente, Deus se revelou na Criação. Criação é sinônimo de revelação: no
Éden só havia um livro – o livro da Natureza. Todavia, com o pecado, houve um
transtorno na vida humana, com alcance físico, moral e espiritual (Gn 3.16,19. Leia
também: Gn 4.1-11; 6.5) e a natureza também sofreu os efeitos devastadores da
desobediência do homem (Gn 3.17,18). Ficou obscurecida. Perdeu parte da sua
eloquência primeva em apontar para o seu Criador (Gn 3.17-19). 24 E como parte do
castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiritual para ver a glória de
Deus manifesta na Criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23).

A Revelação Geral que fora adequada para as necessidades do homem no Éden


– embora saibamos que ali também se deu a revelação Especial (Gn 2.15-17,19,22;

20
“É claro que todo o nosso conhecimento de Deus é ectípico ou derivado da Escritura. Somente o
autoconhecimento de Deus é adequado, não-derivado ou arquetípico. Apesar disso, nosso
conhecimento finito, inadequado, ainda é verdadeiro, puro e suficiente” (Herman Bavinck, Dogmática
Reformada; : Deus e a criação, São Paulo, Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 97). “Embora não
conheçamos nada exatamente como Deus conhece, o verdadeiro conhecimento humano não
contradiz o conhecimento divino, mas depende dele” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São
Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 59).
21
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Soberania de Deus e a responsabilidade humana, Goiânia, GO.:
Editora Cruz, 2016.
22
“Somente o crente é que pode realmente ver na criação a mão de Deus, e lhe rende seus louvores
pelas maravilhas de suas obras” (Allan Harman, Comentário do Antigo Testamento ‒ Salmos, São
Paulo: Cultura Cristã, 2011, (Sl 19.1), p. 122).
23
John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 56.
24
Groningen acentua: “O Senhor soberano julgou necessário revelar explicitamente a natureza de sua relação
pactual com a humanidade. Ele fez isto antes do homem cair em pecado. Depois da queda, isto se tornou
ainda mais necessário devido aos efeitos do pecado” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho
Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63).
Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (Sl 23) - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 7

3.8ss.) – tornou-se, agora, incompleta e ineficiente25 para conduzi-lo a um


relacionamento pessoal e consciente com Deus.

No entanto, em sua revelação (Geral e Especial) haverá sempre uma multiforme e


harmoniosa mensagem a respeito da glória de Deus e da necessidade de nosso
retorno à comunhão com o nosso Criador. Nesses dois livros, a Natureza e a
Escritura, por serem sobrenaturalmente produzidos por Deus, comunicam a mesma
mensagem.26 Portanto, para o crente, toda a revelação é sobrenatural porque
provém de Deus. Toda ela testemunha e aponta para o seu Criador.

Porém, somente a Bíblia, como Palavra inspirada e inerrante de Deus, dá ao


homem a resposta adequada às necessidades espirituais de que tanto carece, e
aponta para Jesus Cristo (Jo 5.39) e para o poder de Deus. Nas Escrituras,
encontramos a esperança da vida preparada, realizada e consumada pelo Deus
Triúno (Rm 15.4; 1Jo 5.13).

Epistemologicamente, o conhecimento humano consiste sempre em uma relação


lógica entre sujeito e objeto, visto que o sujeito só é sujeito para o objeto e, por sua
vez, o objeto só o é para um sujeito. Assim, a revelação objetiva reclama alguém e,
este alguém (objeto) só o é, enquanto recebe de forma adequada a revelação.

A razão, como parte da criação divina, é o instrumento de que dispomos, pela


graça de Deus, para descobrir a sabedoria divina no mundo que nos rodeia e,
portanto, é o principium cognoscendi internum da ciência. Entendemos que o
conhecimento também se dá pela experiência, contudo cremos que o espírito
humano traz consigo certas categorias que lhe são inerentes as quais não podem
ser apreendidas pela experiência. A experiência pode ser a fonte de quase todo o
conhecimento, mas não é necessariamente do conhecimento todo.

Concluindo este tópico, reafirmamos que: Deus criou o homem à sua imagem e
semelhança (Gn 1.27), dotando-o de capacidade para receber e interpretar as
impressões da sua revelação que são demonstradas por meio do universo, da sua
Criação (Sl 19.1; At 14.17). Toda a Criação de Deus foi realizada de forma sábia e
soberana (Sl 115.3; Pv 3.19: Ef 1.11).

São Paulo, 18 de abril de 2023.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

25
Vejam-se: B.B. Warfield, Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids,
Michigan: Baker Book House, 1981, p. 7ss.; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São
Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 312ss.; William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, Grand Rapids, MI.:
Zondervan, [s.d.], v. 1, p. 66ss.). A revelação Geral é “tênue e obscura para a humanidade pecadora, e mesmo
para a humanidade redimida” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento,
Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 64).
26
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 44.

Você também pode gostar