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Sumário

Introdução

1 Espírito Santo, O Dom de Deus 13


O Contexto problemático de Corínto

2 Os Dons do Espírito 34

3 Dons de Revelação 40
Palavra de Sabedoria
Palavra de Conhecimento
Discernimento de Espíritos

4 Dons de Poder 50
Dom da Fé
Dom da Cura
Operação de Maravilhas

5 Dons de Inspiração 55
Variedade de Línguas
Interpretação de Línguas
Profecia
Introdução

Antes de entrarmos na teologia dos dons espirituais e


imergimos naquilo que o Senhor tem pessoalmente me en-
sinado ao longo desses dez anos sobre esse assunto específi-
co – eu gostaria de te contar meu testemunho.
Como a maioria de vocês sabem, eu cresci e fui criado
em uma cultura e doutrina cessacionista. Isso quer dizer que
meu ambiente de Igreja não cria na continuidade dos dons
– o que fez com que eu vivesse sem exemplos, referências
de pessoas que se moviam nos dons e por fim fez de mim
alguém cético e crítico em relação manifestação de dons
espirituais. Apesar de ter tido algumas breves experiências
com o Espírito Santo durante a minha adolescência, das
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quais me marcaram, elas não foram suficientes para mudar


a minha mentalidade e concepção acerca da maneira que eu
havia sido ensinado. A consequência dessa falta de mudança
de mentalidade me levou a questionar por muito tempo o
que eu havia experimentado, me perguntando se tinha sido
real ou algo fruto da minha imaginação.
O tempo passou e quando já estava na faculdade, eu
ainda estava mergulhado nas crises de querer mais de Deus,
estar limitado pela doutrina que eu cria e por não ver fru-
tos a partir dela. Foi então que em meados de 2012 – mais
precisamente em maio desse ano – eu recebi um podero-
so batismo no Espírito Santo, na verdade foi um encontro
pessoal com o próprio Espírito de Deus que por horas fez
correr correntes elétricas no meu corpo físico até que se es-
gotassem todas as minhas forças. Era como se Ele tivesse
dito: “pronto, agora eu te venci!”. E venceu mesmo! Eu esta-
va afundado em pornografia e masturbação – viciado seria a
palavra certa – estava lutando contra isso, contra mim mes-
mo, contra o sistema da Igreja e lutando até mesmo contra
Deus. Ele queria me salvar de mim mesmo e eu resistindo
porque estava apegado demais as minhas doutrinas e con-
vicções.
Nesse encontro com o Espírito Santo eu sofri – talvez,
seja essa palavra que descreva melhor esse encontro – um
derramamento abundante de dons espirituais em minha
vida. Esse derramamento foi tão intenso que amigos próxi-
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mos e pessoas que me acompanhavam podiam reconhecer


dons extraordinários e até mesmo raros em minha vida. Os
mais evidentes eram o dom de palavra do conhecimento,
dons de curar, operações de milagres, profecia, discernimen-
to de espíritos, dons de línguas e capacidade de interpretá-
-las, além de visões abertas.
Entretanto, pela minha falta de maturidade espiritual,
toda essa abundância de dons me levou a muitos sofrimen-
tos emocionais e até mesmo rejeição temporária de alguns
dons. Como por exemplo o dom de visão aberta. As pesso-
as romantizam esse dom, sonham em ver coisas espirituais,
mas não calculam os sofrimentos que acompanham esse
dom tão incrível. Eu não entendia o porque eu tinha tantos
dons; não entendia porque eles funcionavam 24h por dia
sem interrupções; e eu não tinha noção de como adminis-
trá-los. Eu era um presbiteriano, vindo de um contexto teo-
lógico cessacionista, recém introduzido na vida do Espírito
e que nunca tinha tido contato com dons carismáticos em
mim mesmo.
Tirando o âmbito pecaminoso de Corinto, eu me
identificava totalmente com a realidade carismática dessa
Igreja — completamente imaturo e despreparado sobrena-
turalmente. Foram muitos erros, algumas dores causadas e
alguns mal entendidos gerados, muitos julgamentos e pre-
conceitos sobre o que Deus estava fazendo em mim foram
formados, o que me levou a uma longa jornada de descobri-
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mento pessoal e relevação correta das Escrituras.


Com um pouco mais de amadurecimento em Deus –
seja de identidade, intimidade, estrutura emocional, cons-
ciência de chamado, maturação doutrinária e teológica – eu
pude compreender o porque Deus tinha agido de forma tão
extravagante comigo. Sim, tem o fato de eu ser amado e por
eu ser um amigo especial para Ele (o que seria suficiente
para mim!). Mas para muito e muito além disso, Deus que-
ria preparar a minha geração para ser gloriosa no tempo da
volta de Jesus. Eu entendi que – junto com outros na minha
geração – eu tinha sido chamado como um João Batista para
preparar e habilitar a nação brasileira para o Dia do Senhor.

E irá adiante do Senhor no espírito e poder de


Elias, para converter o coração dos pais aos filhos,
converter os desobedientes à prudência dos justos e
habilitar para o Senhor um povo preparado.
LUCAS 1:17

Como eu disse em meu segundo livro “A Igreja do Fim”,


a identidade de João Batista estava totalmente entrelaça-
da com a missão profética de Elias para habilitar e prepa-
rar toda uma nação. Por muito tempo – sem eu entender
– Deus falava comigo através do número dezessete. Esse
era um número que sempre causava uma forte impressão
no meu espírito quando o via nas Escrituras ou em alguma
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ocasião na minha vida. Era algo importante acontecer e o


número dezessete estava lá marcando espiritualmente aqui-
lo como um sinal.
Eu fiquei tão intrigado com isso que comecei a pesqui-
sar um possível significado espiritual para esse número. Foi
então que eu achei o livro do Dan Duke – um pai da minha
família espiritual – chamado “Nomes e Números Bíblicos”.
Lá ele explica que o número dezessete (17) representa ordem
espiritual já que dez (10) é o número da lei e sete (7) é o
número da perfeição, desta forma, a soma (10 + 7 = 17) nos
trás a revelação de ordem e alinhamento espiritual. Isso foi
como uma bomba no meu espírito! – mas ainda havia um
espaço de revelação que precisava ser preenchido em mim.
Foi então que eu comecei a pesquisar sobre a relação de
Elias com o número dezessete e percebi que grande parte
das vezes que esse profeta aparecia estava relacionado a esse
número. Elias apareceu pela primeira vez em 1 Reis 17, de-
pois ele reaparece novamente em Mateus 17, mas historica-
mente é citado pela primeira vez em Lucas 1:17, e por fim,
ele é citado pela última vez no Novo Testamento em Tiago
5:17. Estava claro para mim que a missão profética de Elias
estava diretamente ligada com o conceito de ordem espiri-
tual extraído no número dezessete. Sim, isso é místico e não
precisa ser tomado como doutrina – entretanto, a maneira
que o Senhor estava me apontando esse número tão enfa-
ticamente e me guiando na construção desse entendimento
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serviu como uma das muitas confirmações de um chamado


profético na minha vida. Isso não quer dizer que eu sou um
Elias ou que sou um João Batista, mas que fui chamado para
andar no espírito, na missão e no mesmo poder que esses
profetas andaram.
Tanto a missão de Elias quanto a missão de João Batista
era a de habilitar e preparar um povo para o Senhor. Es-
sas duas palavras podem parecer dizer a mesma coisa, mas
olhando profundamente conseguimos observar tudo que
incluía essa missão.
A primeira palavra habilitar (hetoimazo) significa tor-
nar tudo pronto, fazer que algo seja completo, e preparar al-
guém para algo. Dessa forma, habilitar está relacionado com
preparar a mente das pessoas para dar ao Messias uma recepção
apropriada e para manter seguras Suas bênçãos naqueles que O
receberiam. João Batista fez isso através da mensagem de
arrependimento. As pessoas ouviam a mensagem de João
Batista e se tornavam prontas através do arrependimento de
pecados e batismo.
Já a segunda palavra é preparar (kataskeuazo) que car-
rega o sentido de guarnecer, equipar ou adornar alguém. Ha-
bilitar permite que uma pessoa esteja pronta internamente,
porém preparar está relacionado a estar pronto externamen-
te. Sabemos que João Batista era um profeta e assim como
Elias, ele tinha uma companhia de discípulos que a Bíblia
chama de discípulos dos profetas (2Rs 2:3,5,7,15; 4.38; cf. Jo
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1:35, 37). Essas pessoas andavam com João Batista e apren-


deram a viver de maneira profética como ele. Esse profeta
preparou todo o povo com a mensagem de arrependimento,
mas equipou os seus discípulos com o estilo de vida profético
que ele vivia. Houve uma transferência do espírito profético
de João Batista para os seus discípulos. João entendeu cla-
ramente sua missão: habilitar um povo e equipar discípulos.
Talvez você pergunte: “o que isso tem haver com dons
espirituais?”. Basicamente, tudo! Já que a promessa de der-
ramamento do Espírito está diretamente ligada com os úl-
timos dias e a volta de Jesus. O profeta Joel profetiza uma
das maiores promessas para os dias que antecedem a volta
de Jesus:

E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre


toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão,
vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até
sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito
naqueles dias.
JOEL 2:28,29

Os cessacionistas creem que essa profecia se cumpriu


totalmente em Atos 2 quando o apóstolo Pedro interpreta o
que tinha acontecido naquele dia à luz dos oráculos de Joel.
Sim, essa profecia se cumpriu lá, entretanto, ela continua se
cumprindo toda vez que o Espírito se derrama na história.
Ou seja, a profecia não se cumpriu completamente, já que
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ela continua se cumprindo ao longo da história e se cum-


prirá totalmente nos dias que antecedem a volta de Jesus.
O resultado desse derramamento abundante do Espí-
rito causará uma explosão massiva de dons espirituais na
Igreja. O que precisamos entender é que os dons espirituais
serem derramados em larga escala está diretamente ligado
aos últimos dias e a volta de Jesus. Eu – particularmente –
acredito que quanto mais nos aproximamos do dia da volta
de Jesus mais veremos dons sobrenaturais e extraordinários
sendo manifestos através de nós.
Você sabia que a Igreja de Corinto tinha todos os dons?
Paulo explica isso em sua primeira carta a essa Igreja dizen-
do que eles foram enriquecidos em Jesus com toda palavra,
todo conhecimento, no testemunho de Cristo, de maneira
que não lhes faltava nenhum dom (1Co 1:7).

Sempre dou graças a [meu] Deus a vosso respeito, a pro-


pósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; por-
que, em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e
em todo o conhecimento; assim como o testemunho de
Cristo tem sido confirmado em vós, de maneira que não
vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso
Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até
ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor
Jesus Cristo.
1 CORÍNTIOS 1:4-8
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Isso mesmo, era tanta abundância espiritual que não


lhes faltava dons! E o apóstolo, no mesmo versículo, explica
que o motivo disso era que eles fossem achados irrepreen-
síveis no dia do Retorno de Jesus. Bem, se desejamos ar-
dentemente a volta de Jesus, precisamos – como Paulo nos
ensinou – a buscar ardentemente a manifestação dos dons
na nossa vida para que preparemos o caminho para Sua vol-
ta. Dons espirituais são manifestações escatológicas para a
volta de Jesus.
Diante disso, eu creio que é possível uma pessoa reter o
máximo de dons extraordinários porque essa foi a realidade
da minha história com o Espírito Santo. Como eu disse, a
minha história e chamado é apenas um pequeno sinal da-
quilo que o Espírito deseja fazer violentamente na nossa e
nas próximas gerações.
Eu creio no que creio porque em meio a muitas dores
pessoais em buscar compreender e administrar os dons es-
pirituais eu pude entender o que estou transmitindo a vocês.
Por vezes, essa foi uma jornada solitária. Muitos dos meus
amigos próximos se encontravam na mesma medida de ma-
turidade espiritual que eu e eles se viam impossibilitados de
dar as respostas que eu tanto precisava para compreender o
que Deus estava fazendo através de mim.
Eu encontrei sim, muitas pessoas mais experientes e
mais sábias que tornaram essa jornada mais leve ao me pro-
porcionar princípios práticos que fazia com que a dimensão
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espiritual se tornasse mais simples. Uma delas, talvez a prin-


cipal nesse início de jornada, foi a pastora Sarah Hayashi
que com muita paciência e muitos aconselhamentos pas-
torais me fez crescer espiritualmente e administrar melhor
os dons que eu encontrava em mim mesmo. Entretanto,
também havia questões difíceis para ela nos meus muitos
questionamentos, não porque ela era incapaz de responder,
já que ela construiu em mim – através de princípios bíbli-
cos – um lugar seguro para que os dons se manifestassem
de uma maneira saudável. Mas porque muitas das minhas
questões exigiam de mim trilhar a minha própria jornada no
Espírito que Ele estava propondo para mim, respostas que
somente o espírito de revelação poderia me dar através de
processos, prática dos dons e maturação da vida com Deus.
Espírito Santo,
O Dom de Deus

Para começar os nossos estudos sobre dons espirituais,


precisamos analisar a primeira menção da palavra dom nas
Escrituras. Ela aparece pela primeira vez em uma conversa
que Jesus estava tendo com a mulher samaritana ao explicar
sobre a água viva.

Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de


Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedi-
rias, e ele te daria água viva.
JOÃO 4:10
14 | espírito santo, o dom de deus

Jesus introduz o Espírito Santo à mulher samaritana


como o dom de Deus e como a água viva. A palavra grega
para dom (dōrea) significa uma dádiva ou um presente dado
a alguém. Ela se aproxima da verdade do coração de Deus
sobre o valor da pessoa do Espírito Santo, como sendo um
precioso presente dado a nós através do Seu Filho Jesus.
Com isso, é importante entendermos que aquilo que Deus
nos dá não é diferente de quem Ele é. O dom de Deus não é
algo coisificado, que é separado da pessoa do Espírito Santo
ou do Seu caráter eterno. Não é possível coisificar o dom
de Deus. O dom de Deus é uma pessoa e essa pessoa é o
Espírito Santo.
O termo hebraico para águas vivas (mayim chayyim)
transmite a ideia de uma água que corre de uma fonte ou de
um rio, em contraste com a água parada em uma cisterna.
Isso claramente nos remete a Jeremias 2:13, onde o profeta
revela o coração de Deus acerca de Israel:

Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixa-


ram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cister-
nas rotas, que não retêm as águas.
JEREMIAS 2:13

Nesse texto, Deus se revela como sendo O manancial de


águas vivas, ou seja, uma fonte ou um rio que alimentava um
povo. O Espírito Santo é esse Deus identificado na revela-
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ção profética de Jeremias. Seu nome é Manancial de Águas


Vivas. Ele é um com o Pai e com o Filho, tendo em si mes-
mo a mesma essência divina, natureza e poder. O Espírito
Santo é o rio de água viva, brilhante como cristal, que sai do
trono de Deus e do Cordeiro (Ap 22:1).
No contexto do segundo capítulo de Jeremias, a denún-
cia do profeta é que o Deus Espírito foi abandonado e ao
invés de ser buscado, o povo construiu para si mesmos cis-
ternas de águas paradas que eram completamente incapazes
de suprir suas necessidades espirituais. Além de serem
cisternas de águas paradas, elas eram quebradas e racha-
das, fazendo com que as águas armazenadas vazassem. As
cisternas rachadas falam da nossa natureza quebrada ten-
tando de toda forma suprir nossas necessidades espirituais
sem o Espírito Santo. Já o manancial de águas vivas, fala da
natureza divina do Espírito Santo como o único capaz de
nos preencher e fazer de nós rios de águas vivas. O Espírito
é tanto a própria vida de Deus quanto o dom de Deus dado
aos homens.
Em João 7:37-39, agora de maneira pública, Jesus apre-
senta novamente a pessoa do Espírito Santo como a água
viva:

Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior


fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito
que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito
16 | espírito santo, o dom de deus

até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia
sido ainda glorificado.
JOÃO 7:38,39

Nesse contexto, estava acontecendo a festa de


Tabernáculos (Zc 14:16).1 Durante os sete dias da festa
um sacerdote especial carregava água num cântaro de
ouro do Tanque de Siloé para ser derramado numa bacia
aos pés do altar pelo sumo sacerdote, na hora da oferta
do sacrifício matinal.2 David Harold Stern, um teólogo e
judeu messiânico, comenta que também era costume da
festa ser comemorada com os judeus derramando água
um no outro.3 Esse ato – de jogar água um sobre o outro
durante a festa – era realizado como uma oração por um
massivo derramamento do Espírito Santo sobre todo o
povo de Israel. Isso porque os israelitas foram ensinados
pelos mestres judeus a relacionarem a cerimônia de
derramamento de água com a promessa do derramamento
do Espírito. Através da própria interpretação rabínica, a
cerimônia era chamada de “tirar água” porque por meio da
inspiração do Espírito Santo, eles deveriam “com alegria tirar
águas das fontes da salvação” (Is 12:3).

1. Zacarias 14 era a leitura dos profetas prescrita para o primeiro dia da Festa dos Taber-
náculos (Talmude Babilónico, artigo Mrgillãh 31a).
2. É possível que essa festa seja uma referência a 1 Samuel 7:6 onde nessa festa o povo
tirava água e a derramava perante o Senhor com jejuns e orações.
3. Jewish New Testament Commentary, David H. Stern. 1992. Messianic Jewish Publishers.
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O sétimo e último dia, chamado de Hoshana Rabbah,


era o ápice da celebração da presença de Deus e do futuro
derramamento do Espírito Santo. Jesus estava participando
daquele êxtase de alegria espiritual manifestado pelo povo
de Israel quando se dirigiu ao altar e exclamou: “Se alguém
tem sede, venha a mim e beba” ( Jo 7:37). A nossa palavra
portuguesa para exclamar não revela tão profundamente
o clamor de Jesus. O termo grego para exclamar (krazo)
significa berrar, vociferar ou chorar alto. Isso revela o
quão profundo era o clamor de Jesus para que aqueles que
tivessem sede viessem a Ele e bebessem das águas vivas.
Ele – em lágrimas – estava vociferando: ‘’Eu sou a resposta
para suas orações”. Esse grito paralisou a festa e atraiu a
atenção de todos para pessoa Jesus. Esse intenso clamor
messiânico gerou um impacto espiritual tão profundo nas
pessoas ali presente que elas responderam dizendo: “Este
é verdadeiramente o profeta” ( Jo 7:40). Esse grito ecoa até
hoje como um clamor de Jesus para que nós bebamos
profundamente do Espírito Santo. Aqueles que respondem
a esse intenso chamado terão rios fluindo do seu interior.4
Essa com certeza deve ser uma chave para nós quan-
do nos referimos ao fluir no Espírito que tanto desejamos!
Fluir no Espírito acontece quando estamos desespera-
damente sedentos pelas águas que fluem do Cordeiro de

4. Compare com Isaías 44:3; 55:1; 58:11 e também com o cumprimento final em Apo-
calipse 22:17.
18 | espírito santo, o dom de deus

Deus (Ap 22:1). Os rios de águas vivas só fluem através do


batismo no Espírito Santo. Muitas pessoas aguardam de
maneira passiva o batismo do Espírito Santo como se isso
não dependesse de um coração desejoso por uma imersão
na natureza e vida do Espírito. Deixa eu te dizer uma coisa:
você jamais será batizado no Espírito Santo enquanto você
não manifestar aos céus um intenso desejo de ser emergido
e mergulhado Nele.
Nesse sentido, Jesus nos ensina sobre o valor de uma
oração sedenta por Deus! Em Lucas 11 Jesus começa fazer
as famosas declarações nos incitando a buscar a Deus:

Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis;


batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que
busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á.
LUCAS 11:9,10

Jesus ainda nos dá garantia divina de que quando busca-


mos a Deus com essa santa insistência, certamente seremos
respondidos com a promessa do alto:

Qual dentre vós é o pai que, se o filho lhe pedir pão, lhe
dará uma pedra? Ou se pedir um peixe, lhe dará em lugar
de peixe uma cobra? Ou, se lhe pedir um ovo lhe dará um
escorpião?
LUCAS 11:11,12
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Infelizmente, nosso coração carnal, materialista e ego-


ísta, só nos faz enxergar nesse texto uma promessa de que
todos os nossos pedidos seriam realizados com uma insis-
tência mimada e infantil por nossos desejos e sonhos terre-
nos. Entretanto, o Senhor Jesus garante que nós seríamos
atendidos prontamente pela paternidade de Deus quando
clamarmos pelo recebimento do Espírito Santo:

Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vos-
sos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo
àqueles que lho pedirem?
LUCAS 11:9-13

Isso é tão real que os apóstolos só receberam o batismo


no Espírito Santo após perseverarem unanimemente em
oração pelo derramamento do Espírito (Atos 1:14). Essa é
a condição para que o Espírito fosse derramado como água
sobre o sedento, de forma que a perseverança em oração os
faziam como terra seca e preparada para a visitação enchar-
cada do Espírito (Is 44:3). A profecia de Isaías é de que o se-
dento e a terra seca se tornarão como rios, e brotarão como a
erva, como salgueiros junto às correntes das águas (Is 44:4).
Precisamos de uma vez por todas entender que os após-
tolos não estavam buscando por dons, mas pelo próprio
Espírito que Jesus tanto tinha falado e prometido. Eles es-
20 | espírito santo, o dom de deus

tavam desesperados pelo Espírito! E esse desespero, causou


um derramamento extraordinário do Espírito como torren-
tes de águas que os dons vieram junto com a enchente.
Pergunta pra você que quer tanto os dons: você está be-
bendo o Espírito de Deus? Bebendo de beber mesmo! De
gastar tempo com Jesus clamando: me dá o Espírito como
quando estoura uma barragem de água? É assim que você
tem se posicionado diariamente? Se não é assim que você
deseja o Espírito - como uma enchente d’água - como
você pode desejar os dons ou que eles fluam diariamente
de você?
É interessante que antes do famoso evento do Pente-
costes em Atos 2 os apóstolos já haviam recebido o Espírito
Santo como habitação dentro deles. O apóstolo João em
seu próprio evangelho relata que após a ressurreição Jesus
apareceu aos apóstolos dizendo: “Paz seja convosco! Assim
como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Depois de
ter dito isso, Jesus soprou sobre eles dizendo: “Recebei o
Espírito Santo” ( Jo 20:21,22). Isso não foi mero simbolis-
mo como alguns racionalistas acreditam! Jesus literalmente
soprou sobre eles e eles instantaneamente receberam o Es-
pírito Santo. Isso revela a situação de muitos cristãos genuí-
nos dentro das Igrejas. Eles realmente tem o Espírito Santo
habitando neles, porém, lhes falta a experiência de imersão
que acontece quando somos batizados na vida e no poder
do Espírito Santo.
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Essa imersão profunda no rio de Deus, só pôde aconte-


cer após Jesus ter sido glorificado e está disponível até hoje
para nós. O evento do derramamento do Espírito aconteceu
especificamente em Atos 2 no Pentecostes, onde os apósto-
los retomaram o ensino de Jesus acerca do Espírito como o
dom de Deus.
E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos peca-
dos; e recebereis o dom do Espírito Santo.
ATOS 2:38

A pregação apostólica de Pedro retoma o coração de Je-


sus em convidar o povo para receber o Espírito Santo como
o dom de Deus. Muito antes disso, João Batista testemunha
sobre o recebimento do Espírito Santo através da pessoa de
Jesus — o batizador com fogo:

Porque aquele que Deus enviou [ Jesus] fala as palavras de


Deus; pois ele não dá o Espírito por medida.
JOÃO 3:34

Assim como foi com João Batista, Deus não nos dá o


Espírito em partes, de forma limitada ou inferior ao que o
próprio Jesus recebeu. João Batista recebeu o Espírito Santo
quando Maria, mãe de Jesus, se aproximou de Isabel e junto
com ela o pequeno nazireu ficaram possessos do Espírito
22 | espírito santo, o dom de deus

Santo (Lc 1:41; cf. Lc 1:15). João Batista, ainda como pro-
feta do Antigo Testamento, não recebeu apenas uma visi-
tação do Espírito Santo com os outros profetas que vieram
antes dele, na verdade ele recebeu a plenitude do Espírito
que habitava dentro de Jesus. Ao receber o Espírito Santo
de Jesus, João Batista estava iniciando uma nova geração de
filhos e filhas de Deus que receberiam a medida completa
do Espírito.
Nós ainda somos essa geração! A partir de João Batista,
qualquer um que receba o Espírito Santo o receberá por
inteiro. Sobre esse versículo, F. F. Bruce comenta: “O Espí-
rito não lhe é dado em porções cuidadosamente calculadas.
Aquele que recebeu o Espírito nesta plenitude incomen-
surável e permanente ‘é o que batiza com o Espírito Santo’
(1:33), e ele não dá atenção escrupulosa a ‘medidas’ quando
distribui o dom celestial”.5 Muitas pessoas não crêem dessa
forma, não por discordância ou por se oporem à verdade
de Deus, mas simplesmente por um desconhecimento da
abundante graça de Deus e do desejo divino de nos dar tudo
que Ele é. Elas vivem presas na crença de que através de
algum mérito, esforço pessoal, ou crescimento espiritual,
elas poderão fazer com que o Espírito habite mais nelas.
Mas há uma clara confusão entre habitação e enchimento
do Espírito nesse tipo de mentalidade. Deus nos deu a ple-

5. The Gospel of John — Introduction, Exposition and Notes. 1983. F. F. Bruce. Pickering
and Inglis, England.
Gabriel Cantarino | 23

nitude da habitação do Espírito em nós, para que através


de um relacionamento possamos ser cada vez mais cheios
dEle (Ef 5:18).
Partindo desse princípio, o dom Deus e Sua pessoa são
um. Não há distinção entre o Espírito Santo e seus dons. Os
dons espirituais e o Espírito Santo também são um. Assim,
se recebemos o Espírito Santo sem medidas, então todos os
seus dons fazem habitação em nós. A lógica é simples:

Quanto do Espírito nós temos? – Tudo.


Então quantos dons eu tenho? – Todos.

Dessa forma, quando falamos de dons espirituais, não


podemos partir de uma mentalidade de que nos falta algo,
mas de que tendo todas as coisas em Deus, inclusive seus
dons, cresçamos para que sejamos perfeitos em tudo. Mui-
tas pessoas, talvez, possam não ver a manifestação do dom
nelas, mas isso quer dizer que elas não tem algum dom, isso
só quer dizer que elas precisam embarcar em uma jornada
de relacionamento de intimidade com o Espírito Santo para
que esses mesmos dons sejam ativados.
Podemos ver isso claramente na Igreja de Corinto. Essa
era uma Igreja que tinha sido incrivelmente tocada pelo
poder de Deus e isso se manifestava em diversos aspectos
de sua realidade eclesiástica. Quando Paulo escreve sua pri-
meira carta a essa Igreja, logo no primeiro capítulo, ele re-
24 | espírito santo, o dom de deus

conhece que Deus havia enriquecido aquela Igreja com toda


sorte de bênçãos e dons espirituais, de tal maneira que não
lhes faltava dom nenhum (1 Co 1:7). Apesar da palavra dom
(khä’rēsmä) ter uma grande variedade de aplicações, aqui ela
se refere aos dons espirituais no sentido técnico. Entretanto,
havia tanta abundância de dons espirituais entre os Corín-
tios que podemos afirmar assertivamente que Paulo tam-
bém se referia ao dom da habitação do Espírito Santo ( Jo
4:10; Atos 2:38), à salvação (Rm 5:15), aos dons de Deus
em geral (Rm 11:29), e às capacitações sobrenaturais do Es-
pírito (1 Co 12—14). Todo esse derramamento abundante
do Espírito e todos os seus dons sobre essa Igreja tem como
motivo principal equipá-los para a revelação escatológica de
nosso Senhor Jesus Cristo.

De maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós


a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também
vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no
Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.
1 CORÍNTIOS 1:7,8

A palavra aguardando usada por Paulo nesse versículo


carrega o forte sentido de esperar ardentemente por algo —
o Retorno de Jesus. Isso fica claro porque o termo revelação
(apokalupsis) é tanto traduzido como “vinda” quanto como
“manifestação” no sentido escatológico de presenciarmos o
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segundo advento de Cristo (2Ts 1:7; 1Pe 1:7). Eu carrego


a convicção de quanto mais nos aproximamos da volta de
Jesus mais veremos a plenitude da manifestação do Espírito
e dos Seus dons da vida da Igreja. A Igreja de Corinto era
uma expressão do que o Senhor está fazendo nos últimos
dias que antecedem a volta de Jesus em relação a capacitação
sobrenatural do Espírito no âmbito dos dons espirituais.
A verdade é que o sedento desespero da Igreja de Co-
rinto pelo derramamento do Espírito provocou neles a ca-
pacidade de reter o máximo de dons possível dentro da vida
da Igreja. Precisamos sair da mentalidade de que é do desejo
do Espírito do Senhor reter dons quando o desejo Dele é
derramá-los abundantemente para nos capacitar para a vol-
ta de Jesus. Existe uma barreira de frustração que criamos da
qual precisamos derrubar: Deus não retém dons espirituais.
Nesse mesmo sentido, vale analisarmos o pensamento
apostólico dos pais da Igreja no fim da Igreja Primitiva. No
segundo século, houve um bispo chamado Irineu de Lião,
nascido em 130 d.C e que morreu em 202 d.C. Irineu de
Lião foi um discípulo de Policarpo, que por sua vez, foi
discipulado diretamente pelo apóstolo João, discípulo de
Jesus. O que podemos observar é que a cultura apostóli-
ca acerca dos dons sobrenaturais foi passada de discípulo
para discípulo até se expandir para toda Igreja Global. Esse
bispo escreveu um importante livro chamado “Contra as
Heresias”, onde combateu as heresias dos gnósticos que
26 | espírito santo, o dom de deus

continuamente ameaçavam a vida da Igreja naquela época.


Curiosamente, um dos argumentos de Irineu para defender
a genuína doutrina bíblica foram os testemunhos de inú-
meros milagres que ele mesmo presenciou nos seus dias que
eram pós-apostólicos, ou seja, depois da morte de todos os
doze primeiros apóstolos. Em um dos trechos ele escreve:

Alguns expulsam os demônios, com tanta certeza e


verdade, que, muitas vezes, os que foram libertos destes
espíritos maus creram e entraram na Igreja; outros têm
o conhecimento do futuro, visões e oráculos proféticos;
outros impõem as mãos sobre os doentes e lhes restituem
a saúde; e como dissemos, também alguns mortos
ressuscitaram e ficaram conosco por muitos anos. E que
mais? Não é possível dizer o número de carismas que, no
mundo inteiro, a Igreja recebeu de Deus, no nome de Jesus
Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos e que distribui todos
os dias em prol dos homens, a ninguém enganando e não
exigindo dinheiro de ninguém: porque como de graça
recebeu de Deus de graça distribui.6

Poderíamos dizer que Irineu está relatando fatos que


aconteceram em outro momento, porém, o trecho citado
está no tempo presente se referindo a manifestações ex-
traordinárias em seu próprio tempo. É muito pontual para

6. Contra as Heresias, Irineu de Lião. 1995. 1ª edição. Paulus Editora.


Gabriel Cantarino | 27

nossa reflexão a sua fala dizendo: “Não é possível dizer o


número de carismas que, no mundo inteiro, a Igreja recebeu
de Deus, no nome de Jesus Cristo”. Naqueles tempos, mes-
mo depois de todos os apóstolos terem morrido, era possível
ter a plena manifestação de todos os dons espirituais a par-
tir do entendimento correto daquilo que o Senhor deseja
liberar sobre a Sua Igreja global. O entendimento correto e
apostólico sobre os dons espirituais faz com que a Igreja os
retenham em toda sua plenitude e manifestação. É isso que
estamos buscando com esse livro!
Irineu – em seu testemunho histórico – relata algumas
manifestações sobrenaturais a partir da obra do Espírito
Santo presente em seus dias: expulsar demônios, conheci-
mento do futuro, visões, oráculos proféticos, curas e ressur-
reição de mortos. Duas perguntas me ficam a partir disso:

1. É possível que Irineu considerasse expulsar demô-


nios, vidência, visões, profecias e a capacidade de
ressuscitar os mortos como dons do Espírito não
listados por Paulo ou outros apóstolos?
2. Seria possível dizer que no livro “Contra Heresias”
havia um combate ao cessacionismo como heresia?

Deixo essas perguntas para reflexão!

o contexto problemático de coríntio


28 | espírito santo, o dom de deus

A Igreja de Corinto foi fundada por Paulo em sua segunda


viagem missionária, onde conheceu um casal de discípulos
judeus, Priscila e Áquila, que começaram a auxiliá-lo em
suas ministrações (Atos 18). Como era de costume em seu
ministério, sua pregação apostólica teve início nas sinagogas,
o que mais tarde, contou com a ajuda de Silas e Timóteo
que se juntaram a ele na propagação do evangelho. Muitos
judeus se converteram, inclusive Crispo que era o principal
líder da sinagoga, levou toda sua família, bem como muitos
outros coríntios, a serem batizados e se converterem (v. 5-8).
Por causa de uma visão espiritual, onde o Senhor apareceu
a Paulo, o apóstolo permaneceu um ano e meio em Co-
rinto com a promessa de que o Senhor tinha “ muito povo
nesta cidade” (v. 10). Certamente essa era uma promessa de
avivamento já que um poderoso derramamento do Espírito
resultaria na conversão de muitos naquela cidade. É debaixo
dessa promessa que a Igreja de Corinto tinha sido incrivel-
mente tocada pelo poder de Deus.
Os problemas de Corinto começaram quando Paulo
foi levado a um tribunal romano por alguns líderes judeus.
Após isso, o apóstolo tomou Priscila e Áquila com ele e foi
para Éfeso. A ausência apostólica de Paulo e a imaturida-
de da Igreja de Corinto provocou uma divisão completa na
comunidade, demonstrando sua carnalidade e imoralidade.
Mesmo com Apolo pastoreando Corinto por um tempo, a
Igreja começou a formar pequenos grupos que não se mis-
Gabriel Cantarino | 29

turavam uns com os outros. O real problema não era a saída


de Paulo ou alguma incapacidade na liderança de Apolo,
que era instruído no caminho do Senhor, fervoroso de espí-
rito, que e ensinava com precisão a respeito de Jesus e com
grande poder, convencia os judeus, provando, por meio das
Escrituras, que o Cristo é Jesus (Atos 18:25-28).
Alguns estudiosos afirmam que a diferença do minis-
tério de Paulo e de Apolo foi suficiente para produzir um
partidarismo por parte dos Coríntios. De fato, uns se diziam
fiéis ao ministério apostólico de Paulo, outros se diziam fiéis
ao ministério pastoral de Apolo e uns mais radicais se di-
ziam fiéis somente a Jesus (1Co 3:4-6). Eu particularmente
creio que o partidarismo carnal e infantil de Corinto foi a
origem e o que deu espaço a todos os outros problemas na
vida da Igreja. Não que antes não houvesse falhas morais ou
problemas individuais de ausência de caráter, porém, sob o
governo eclesiástico, apostólico e paternal de Paulo, essas
questões não tinham lugar para afetar a vida corporativa da
Igreja. Entretanto, com o início dos grupos partidaristas em
Corinto a carnalidade imoral teve espaço para adentrar na
vida da Igreja e fazer um estrago completo.
Além de interferir diretamente na organização do culto
devido aos grupos desejarem sobrepor os outros na mani-
festação individual dos dons no culto público. O espírito de
competição e divisão dos grupos chegou ao ponto de gerar
sentimentos competitivos em relação a manifestação dos
30 | espírito santo, o dom de deus

dons. Essa perspectiva nos leva a enxergar que havia profe-


tas que eram fiéis ao ministério apostólico de Paulo e profe-
tas que eram fiéis ao ministério pastoral de Apolo e durante
o culto eles buscavam sobrepor as palavras proféticas uns
dos outros para provar qual era mais divinamente inspira-
da. A imaturidade da liderança frente ao desafio de colocar
os dons recebidos em ordem, enquanto o Espírito concedia
as manifestações de cada um deles aos membros da Igreja,
fez com que o culto e a adoração coletiva sucumbissem em
completa desordem. Corinto era uma Igreja carismática
como nenhuma outra, porém desgovernada e infantil, como
ainda não havia se visto. Na expectativa de organizar o culto
público, o apóstolo Paulo começa o capítulo 12 de sua carta
colocando como fundamento que sem a ação do Espírito
de Deus é impossível que qualquer homem na terra declare
“Jesus é o Senhor”. Isso porque muito provavelmente al-
guns estavam começando a desacreditar dos dons devido à
falta de moral daqueles que o exerciam e isso estava geran-
do escândalo na Igreja. É muito natural esse pensamento,
porém Paulo estava dizendo: “Apesar do pecado, os dons
continuam sendo de Deus”. Ao lermos toda a carta de Co-
ríntios, saberemos que, de maneira nenhuma, Paulo esta-
va justificando o pecado por causa dos dons, pois ele gasta
muito tempo confrontando atitudes imorais dos cristãos na
Igreja de Corinto. Concordo com John MacArthur quan-
do ele diz: “Uma vez que esses dons são concedidos a cada
Gabriel Cantarino | 31

cristão (12:11,12), sem levar em conta a maturidade ou a


espiritualidade, os coríntios, embora estivessem em pecado,
os tinham por completo”.7 Isso nos faz compreender que
dons e frutos são completamente distintos fazendo com que
a análise deles também seja totalmente diferente. É impor-
tante estabelecermos algumas premissas antes de abordar-
mos cada dom especificamente.

I. No capítulo 12, o intuito apostólico de Paulo era or-


ganizar a ordem do culto público ao invés de dizer
que no âmbito individual uns tinham dons e outros
não. Paulo não estava falando da vida individual de
cada um e quantos dons cada pessoa pode ou não ter
fora do âmbito do serviço litúrgico (culto). Sabemos
disso, porque o capítulo 12 é uma continuação do
capítulo 11, não há razão para separar a desordem
do culto em relação à Ceia do Senhor e a desor-
dem do culto em relação aos dons espirituais. Tanto
a ceia quanto os dons estavam em total desordem
no culto público e estas devem ser conduzidas de
tal forma que refletia a vontade e o caráter de Deus,
que é o dono da reunião.

II. Paulo, dentro do contexto de ordem de culto, fun-

7. MacArthur, John. Comentário bíblico MacArthur: desvendando a verdade de Deus, versícu-


lo a versículo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.
32 | espírito santo, o dom de deus

damenta que o Espírito concede manifestações de


dons livremente. Conceder dons e conceder ma-
nifestações são coisas totalmente diferentes. Em 1
Coríntios 12:7, a frase “a manifestação do Espírito
é concedida a cada um” fica melhor compreendida
quando olhamos para o literal grego que está di-
zendo “aquilo que o Espírito torna manifesto”. A frase
fica melhor entendida dessa forma porque o termo
grego para manifestação (phanerosis) significa “ma-
nifestar aquilo que é uma realidade interna”, ou seja,
só posso manifestar dentro do culto aquilo que eu
tenho e já vivo fora da liturgia da minha Igreja. O
Espírito Santo manifesta dons para que eles se tor-
nem visíveis e públicos, a fim de ocupar um lugar
crucial de edificação na vida da Igreja. Isso quer di-
zer que por mais que eu tenha todos os dons em
minha vida individual, dentro do âmbito do culto o
Espírito manifesta qual Ele deseja e quando deseja
para ordem da liturgia e o fim proveitoso de todos.

Obs.: apesar dos dons serem manifestações


livres do Espírito dentro do culto, nós não
dependemos das manifestações soberanas do
Espírito para fazer uso desses dons no nosso
dia-a-dia. Os dons são irrevogáveis (Rm
11:29), ou seja, dados sem arrependimento.
Gabriel Cantarino | 33

Uma vez dado gratuitamente ao homem, não


há possibilidade deles serem removidos, dando
autonomia ao cristão de utilizá-los ou não.

III. Entendendo a ordem do culto e as livres manifesta-


ções, Paulo termina esse capítulo incentivando que
cada pessoa procure se aperfeiçoar nos melhores
dons, e não procurar obtê-los como se não tivés-
semos.

Tendo essas três premissas em mente, sigamos em fren-


te para crescermos no entendimento do que são os dons
espirituais.
Os dons do
Espírito

A palavra que Paulo utiliza para falar dos dons do


Espírito é diferente da palavra que os apóstolos utilizam
para descrever a pessoa do Espírito como dom de Deus.
Para dons espirituais, Paulo faz uso da palavra “carisma”
(khä’rēsmä), que tem como significado: “um favor com o
qual se recebe sem qualquer mérito próprio; o dom da graça
divina; o dom da fé, conhecimento, santidade, virtude; a
economia da graça divina, pela qual o perdão do pecado e da
salvação eterna é designado aos pecadores em consideração
dos méritos de Cristo pela fé; graça ou dons denotando
poderes extraordinários, distinguindo certos cristãos e
capacitando-os a servir a igreja de Cristo, a recepção da qual
é devido ao poder da graça divina operando em suas almas
Gabriel Cantarino | 35

pelo Espírito Santo”.


Dessa forma, os dons espirituais, como carisma, são
capacitações espirituais concedidas a nós para servirmos
de maneira excelente o corpo de Cristo. Não podemos
confundir dons sobrenaturais dados unicamente pelo
Espírito com talentos naturais, habilidades e aptidões, que
tanto cristãos como incrédulos possuem ou desenvolvem a
partir de seus esforços naturais. Esses dons são concedidos
sobrenaturalmente pelo Espírito Santo a todos os cristãos
(1Co 12:7,11), capacitando-os a edificar uns aos outros
espiritualmente e honrando, assim, o Senhor.
Apesar de Paulo mencionar apenas nove dons neste
capítulo, precisamos ter em mente que isso não quer dizer
que exista somente nove dons. Isso porque, por exemplo,
sabemos que sonhos e visões são dons genuínos do Espírito
apresentados em toda a Escritura, porém não aparecem na
porção bíblica de 1 Coríntios 12. Também encontramos
em outras cartas paulinas listas de dons que apresentam
outras ênfases.
Por exemplo, em Romanos 12:6-8, encontramos a
seguinte relação de dons:

1) profecia;
2) ministério;
3) ensino;
4) exortação;
36 | os dons do espírito

5) contribuição financeira;
6) liderança; e
7) dons de misericórdia.

Em 1 Coríntios 12:8-10, encontramos a seguinte


relação de dons:

1) palavra de sabedoria;
2) palavra de conhecimento;
3) fé;
4) dons de curar;
5) operações de milagres;
6) profecia;
7) discernimento de espíritos;
8) variedade de línguas;
9) capacidade para interpretá-las.

Já no final deste mesmo capítulo, em 1 Coríntios 12:28-


30, Paulo apresenta de maneira mesclada e hierárquica os
dons espirituais com os dons de Cristo (Ef 4:11):

1) primeiramente apóstolos;
2) em segundo lugar, profetas;
3) em terceiro lugar, mestres;
4) operadores de milagres;
5) dons de curar;
Gabriel Cantarino | 37

6) socorros;
7) governos;
8) variedades de línguas;
9) interpretação de línguas;

Existe uma diferença nessa lista porque Paulo retrata os


dons de Cristo e os dons espirituais como pessoas. Ou seja,
Paulo não está falando de alguém que tem o dom de operar
milagres, mas de alguém cujo dom se tornou a própria pes-
soa e esta é uma operadora de milagres.
No mesmo sentido de uma pessoa se tornar a própria
manifestação do dom, encontramos em Efésios 4:11, Paulo
falando de pessoas que se tornaram dons de Cristo, ou his-
toricamente chamados de homens dom. Paulo lista os cinco
ministérios, cinco ofícios ou cinco dons de Cristo da se-
guinte maneira:

1) apóstolos;
2) profetas
3) evangelistas;
4) pastores; e
5) mestres.

Por último, em 1 Pedro 4:9-11, o autor apostólico nos


fornece uma pequena lista de dons diferente das famosas
listas de Paulo:
38 | os dons do espírito

1) hospitalidade;
2) falar profeticamente os oráculos de Deus;
3) servir segundo o poder de Deus.

Desta forma, é impossível que falemos de todos os dons


existentes na dimensão espiritual. Entretanto, é de suma
importância pontuar algo. Embora todos devam evangeli-
zar, nem todos são evangelistas. Embora todos devam servir
uns aos outros segundo o poder de Deus, nem todos têm
o ministério de serviço. Embora seja um mandamento da
grande comissão para que todos “ensinem uns aos outros”,
nem vão exercer o dom de mestre à frente da Igreja ou de
um ministério. E ainda, embora todos os crentes tenham
autoridade e devam expulsar demônios, nem todos exerce-
rão um ministério de libertação frente a uma comunidade
ou na nação. Nesse sentido, eu creio que todos os que são
batizados no Espírito Santo podem exercer naturalmente
todos os dons, mas dentre eles, somente alguns serão levan-
tados como ministros para carregar uma ênfase específica
pelo Espírito em cada área.
Por isso, vamos focar apenas na lista apostólica mais fa-
mosa de Paulo, encontrada em 1 Coríntios 12:8-10. Nesta
lista, Paulo enumera nove dons que podem ser divididos em
três classificações.
Três dons de revelação – concedem capacidade para saber
Gabriel Cantarino | 39

sobrenaturalmente, sendo eles: palavra de sabedoria; palavra


de conhecimento; discernimento de espíritos.
Três dons de poder – concedem capacidade para agir so-
brenaturalmente: dom da fé; dons de curar; dom de operar
maravilhas.
Três Dons de Inspiração – concedem capacidade para fa-
lar sobrenaturalmente: dom de variedade de línguas; dom
de interpretação de línguas; dom de profecia.
Abordaremos de forma específica cada dom.
Dons de
Revelação

palavra de sabedoria
O Espírito concede poder para a elocução — ou seja,
para comunicar um pensamento de maneira verbal — a
sabedoria sobrenatural concedida pelo Espírito. A palavra
usada nesse texto por Paulo para denotar sabedoria (sophia)
significa inteligência espiritual ampla e completa, usada
como conhecimento prático sobre diversos assuntos, sejam
eles divinos ou humanos. Também se manifesta como a
sabedoria de Deus, que se evidencia no planejamento e
execução dos Seus planos, na formação e governo do mundo
Gabriel Cantarino | 41

e nas Escrituras. Assim, a palavra de sabedoria vem como


uma instrução espiritual de como agir e se planejar de forma
prática diante do plano de Deus.1 A palavra de sabedoria
revela o coração de Deus para agir como Ele agiria em
situação específica. Exemplo: Gênesis 30:27 a 43.

palavra de conhecimento
O Espírito concede poder para comunicar de maneira
verbal a palavra de conhecimento. Paulo associa esse dom
aos mistérios, revelações e profecia dados por Deus (13:2;
14:6). A palavra de conhecimento está relacionada ao
conhecimento místico sobrenatural2, onde recebemos uma
informação que não poderíamos acessar senão por revelação
do Espírito. Portanto, essa é uma revelação sobrenatural
do Espírito Santo sobre algo que é importante para Ele
na vida de alguém. A informação contida na palavra de
conhecimento pode incluir fatos, lugares, datas, pessoas,
nomes ou qualquer informação sigilosa que só o Espírito
Santo teria conhecimento. Essa é a forma de Deus revelar
o quanto Ele se importa com uma situação ou o quanto é
importante para Ele que saibamos que Ele nos conhece de
maneira muito específica.

1. Ver também: Mateus 11:19, 13:54; Marcos 6:2; Lucas 7:35; Atos 6:10; Tiago 1:5;
3:13,17; 2 Pedro 3:15.
2. I Corinthians, An Introduction and Commentary. Leon Monis. 1958. Inter — Varsity
Press, Leicester, England.
42 | dons de revelação

Jesus manifestou esse dom enquanto conversava com


a mulher samaritana ao dizer: “Vai, chama teu marido e
vem cá”. Ela prontamente negou, dizendo: “Não tenho
marido”. Entretanto, Jesus insistiu em Seu conhecimento
sobrenatural e replicou: “Bem disseste, não tenho marido;
porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não
é teu marido; isto disseste com verdade”. Sem ter para
onde correr diante da revelação sobrenatural através da
palavra de conhecimento, a mulher por fim reconheceu o
dom profético: “Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és
profeta” ( Jo 4:16-19).
Uma outra dimensão do dom da palavra de conheci-
mento é que ela nos habilita para termos corpos proféticos.
Isso quer dizer que o nosso corpo passa a nos comunicar
revelações espirituais através de sensações físicas. Dessa for-
ma, a palavra de conhecimento pode vir através de pensa-
mentos originados pelo Espírito em nossa mente, da mesma
forma que o Espírito pode nos comunicar palavras de co-
nhecimento através dos nossos cinco sentidos: visão, olfato,
paladar, audição e tato. Precisamos aprender pelo Espírito a
dar voz ao que o nosso corpo está nos comunicando sobre a
vontade de Deus. Muitas vezes, nossa mente e o nosso es-
pírito não estão conseguindo compreender o que o Espírito
está dizendo e o nosso corpo começa a dar sinais para que
entendamos como estamos sendo guiados espiritualmente
pelas nossas sensações físicas.
Gabriel Cantarino | 43

Portanto, se existe uma sensação física sem razão na-


tural de estar acontecendo, se questione e/ou pergunte ao
Espírito Santo se essa sensação não é uma informação so-
brenatural da qual ele está te dando para se mover de acordo
com a vontade dele.
Certa vez eu estava em viagem missionária em Salva-
dor-BA e ao descermos o Elevador Lacerda passamos por
um grupo de homens que estavam cortando cabelo ao ar
livre. Ao passarmos por eles senti uma dor no meu torno-
zelo direito que eu sabia era uma palavra de conhecimento.
Então eu voltei e perguntei se algum deles sofria de dores
naquela região. Um dos homens me relatou que anos atrás
ele estava capinando o quintal e um colega de trabalho lhe
deu uma enxadada no calcanhar provocando um ferimento
grave. Ele precisou passar por cirurgias e colocar treze pinos
para sustentar o pé e lhe permitir se movimentar. Eu pedi
para ele me mostrar os pinos e movimentar o pé para ver
como estava. Ele contou todos os pinos na minha frente e
quando movia eles faziam barulho como de ferro estralando.
Foi então que eu disse que eu cria que Jesus poderia curá-lo
removendo aqueles pinos e lhe devolvendo os movimentos
sem dores. Ele deu de ombros como se esnobando com seus
amigos, mas me permitiu orar. Em uma única oração aquele
homem foi curado e ele não conseguiu mais encontrar os
pinos apalpando-os.
Essa foi uma palavra de conhecimento que me guiou a
44 | dons de revelação

cura de uma pessoa.

discernimento de espíritos
Esse é um dom de extrema urgência para desenvolvermos.
Trata-se de uma capacidade espiritual para discernir e jul-
gar alguma manifestação ou atividade espiritual. A palavra
grega discernimento (diakrisis) significa perceber, distinguir
ou diferenciar. A linha que divide a operação humana e a
divina pode ser obscura para os que não exercem esse dom,
mas para aqueles que fazem bom uso dele são capazes de ver
claramente a separação entre um e outro. Além disso, o dom
de discernimento de espíritos nos habilita para reconhecer a
identidade espiritual, a personalidade e a condição daqueles
que estão por trás de diferentes manifestações, sejam elas
oriundas do Espírito Santo, seres angelicais, espíritos ma-
lignos, além do espírito humano. Vejamos detalhadamente
cada um deles:

• Espírito Santo: discernir o Espírito de Deus é a


capacidade de conhecer especificamente a presen-
ça e a obra do Espírito de Deus. João Batista tes-
tificou dizendo: “Eu vi o Espírito descendo como
uma pomba do céu, e Ele permaneceu sobre ele”
( Jo 1:32). João foi capacitado para discernir qual
das pessoas na multidão era o Messias, isso por-
que ele tinha a revelação que o ajudaria a distinguir
Gabriel Cantarino | 45

quem era o enviado de Deus e quem não: “Eu não


o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar
com água me disse: Aquele sobre quem vires des-
cer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o
Espírito Santo” ( Jo 1:33). João não se utilizou de
critérios humanos para apontar o Cristo, mas do
discernimento de espírito que por uma revelação o
fez identificá-lo. Os apóstolos também eram habi-
litados sobrenaturalmente para reconhecer a pre-
sença e a obra do Espírito na vida da Igreja.

• Seres angelicais: O discernimento de espíritos


também envolve o discernimento de anjos, porque
eles são espíritos ministradores enviados por Deus
para nos ministrar (Hb 1:14). Jesus reconheceu
que o Pai tinha enviado um anjo para confortá-lo
no Jardim do Getsêmani (Lc 22:41-43). Felipe,
o evangelista, tinha o dom de discernimento de
espíritos elevadíssimo para reconhecer na mesma
situação quando era o Espírito Santo falando com
ele ou quando era um anjo dando uma diretiva ce-
lestial (Atos 8:26 e 29). O profeta e apóstolo João
nos dá a ordem apostólica para provar os espíritos
se procedem de Deus (1Jo 4:1), essa é uma atitude
dos verdadeiros profetas.
46 | dons de revelação

• Espíritos malignos: Uma área de discernimento


muito importante também é o discernimento de
espíritos malignos. Muitas vezes a mesma mani-
festação espiritual pode ter procedências diferen-
tes, uma pode vir do Espírito de Deus e a outra
de um espírito maligno. É possível primeiramen-
te diferenciar o espírito pela obra que está sendo
realizada. Por exemplo, o Espírito de Deus ou os
seres angelicais não promovem doenças, mas sim
cura. Em Lucas 13:11-17, Jesus discerne um es-
pírito maligno como a causa de uma aflição física
em uma mulher. Já em Atos 16, Lucas nos con-
ta a história de uma mulher que todo dia seguia
Paulo dizendo: “Estes homens são servos do Deus
Altíssimo e vos anunciam o caminho da salvação”
(Atos 16:17). Essas eram claramente palavras boas,
porém procedentes de um espírito maligno de adi-
vinhação, que no original grego, Paulo identificou
esse espírito como python. Lucas relata que isso “se
repetia por muitos dias” (Atos 16:18), dando a en-
tender que Paulo levou alguns dias para reconhecer
esse espírito maligno. A demora em discernir o es-
pírito não é relevante, o que é relevante para nós é
que Paulo só agiu mediante a certeza e o diagnós-
tico correto do dom de discernimentos de espíritos
para fazer aquela escrava livre.
Gabriel Cantarino | 47

• Espírito humano: Outra habilidade do discerni-


mento é a capacidade de discernir o espírito hu-
mano. Esta consiste em avaliar o verdadeiro caráter
ou motivo por trás das palavras ou ações de uma
pessoa, mesmo que isso não seja óbvio para as
nossas faculdades mentais. Jesus manifestou essa
habilidade sobrenatural no Seu primeiro encontro
com Natanael: “Eis um verdadeiro israelita, em
quem não há dolo!” ( Jo 1:47). Jesus recebeu um
diagnóstico correto do dom de discernimento de
espíritos sobre o caráter verdadeiro de Natanael.
É interessante que nesse caso o dom de discerni-
mento foi vinculado ao dom de visão e de pala-
vra de conhecimento. Natanael pergunta: “Como
você me conhece?” e Jesus respondeu: “Antes de
Filipe te chamar, eu te vi, quando estavas debaixo
da figueira” ( Jo 1:48). O apóstolo Pedro também
demonstrou a capacidade de discernir a condição
do espírito humano quando encontrou Simão, o
mágico, que morava em Samaria, onde os apósto-
los estavam batizando no Espírito Santo. Quando
Simão viu que o Espírito Santo era concedido pela
imposição de mãos dos apóstolos, ofereceu dinhei-
ro para comprar essa habilidade. Qualquer pessoa
poderia reconhecer isso como maligno, porém Pe-
dro, através do dom de discernimento de espíritos
48 | dons de revelação

viu que Simeão estava “em fel de amargura e laço


de iniquidade” (Atos 8:23). Dessa forma, o dom de
discernimento de espírito também pode ser visto
como uma capacidade de distinguir se os frutos de
uma pessoa são bons ou ruins (Mt 7:15-23). Outro
âmbito da manifestação de “espíritos humanos” é
que pessoas em um alto nível de bruxaria e sata-
nismo podem sair de seus corpos para se infiltrar
em espírito em um lugar – prática que sem a auto-
rização divina é pecado e abominação. Entretanto,
profetas de alto nível de autoridade, debaixo da di-
reção exclusiva de Deus e em contextos específicos,
podem fazer o mesmo. Um exemplo disso é quan-
do Eliseu repreende seu servo Geazi por receber
oferta de Naamã quando ele mesmo tinha negado.
A revelação de Eliseu é espantosa ao dizer: “Por-
ventura, não fui contigo em espírito quando aquele
homem voltou do seu carro, a encontrar-te?” (2Rs
5:26). As pessoas tentam disfarçar esse evento so-
brenatural, mas a prova que Eliseu tinha ido em
espírito acompanhando Geazi é que ele sabia o
que Geazi tinha recebido como oferta. Isso passa
longe de ser espiritismo! – é a própria bíblia reve-
lando como funciona o mundo espiritual. Caso –
em ocasiões raríssimas – recebamos a visita de um
espírito humana com o propósito de feitiçaria, é só
Gabriel Cantarino | 49

chamarmos pelos anjos de Deus para resolverem a


intrusão e paralisar as obras do inferno.

Portanto, o discernimento de espíritos é como uma in-


tuição espiritual, pela qual podemos ver ou perceber o que
realmente provém de Deus ou não, seja em uma pessoa, si-
tuação ou lugar.
Certa vez, eu estava no Pão de Açúcar de esquina com
a Universidade Presbiteriana Mackenzie. E naqueles dias
eu ainda permitia que minha visão ficasse totalmente aber-
ta durante 24 horas por dia – na verdade, naqueles dias eu
não sabia que eu podia exercer controle sobre esse dom para
abri-lo e fechá-lo. Eu estava pagando minha conta no caixa
quando olhei para fora e avistei uma garota e por cima dela
estava sobrevoando em círculos um passarinho. No momen-
to eu soube que aquilo era uma visão e a minha reação hu-
mana ao vê-lo foi: “Que bonitinho esse passarinho”. Foi en-
tão que o Espírito Santo me respondeu: “Não é bonitinho,
esse é um espírito de confusão que toda vez que uma palavra
é lançada sobre essa menina, esse pássaro o come e a deixa
perdida sem um senso de identidade propósito”. Foi uma
grande surpresa para mim deparar com aquela revelação
de sabedoria espiritual. A partir dessa visão e ensinamento
aprendi a depender mais do Espírito Santo para discernir
aquilo que eu vejo.
Dons de Poder

o dom da fé
Não deve ser confundido com a fé salvadora, que todo filho de
Deus possui. Não se trata da fé para salvação ou para agradar
a Deus, mas de uma fé como dom especial e sobrenatural
que nos capacita a crer em Deus para realizarmos feitos
espirituais, miraculosos ou extraordinários. Frequentemente
opera em conjunto com outras manifestações do Espírito,
tais como curas e milagres. Exemplos: 1Rs 18:33-39.

dons de cura
Este dom aparece no plural nos levando a compreensão de
que ele é uma classificação de muitos dons relacionados à
Gabriel Cantarino | 51

cura. É possível que, em alguma ocasião, o Espírito Santo


se manifeste para curar câncer, em outra para curar audição,
em outra para curar visão e assim por diante. Algumas
pessoas, devido à medida de graça concedida pelo Espírito
Santo, têm mais “facilidade” para curar enfermidades do que
problemas físicos como ossos quebrados do que problemas
de saúde de ordem orgânica. Exemplos: Mt 4:23-25; 10.1;
At 3:6-8; 4:29-31.
Em 2019, conheci um casal incrível, donos de um ótimo
restaurante no Rio Grande do Sul e logo que os conhece-
mos, eu e Prisca tivemos a impressão que Deus ia fazer algo.
No final sentimos que tínhamos que orar por eles e soube-
mos que eles queriam engravidar e não estavam conseguin-
do porque a esposa tinha um útero bicorno (dividido) e isso
lhe impossibilitava de engravidar. Pronto, descobrimos o
que Jesus queria fazer naquele restaurante. Foi um momen-
to incrível de oração e várias profecias em favor daqueles
empresários! Quem me conhece sabe que eu não costumo
fazer isso, mas Jesus me disse que eles engravidariam em 6
meses e a profecia se cumpriu exatamente na data. A impos-
sibilidade deles era tão grande que quando ela engravidou o
médico achou que eles tinham feito inseminação artificial,
mas não, tinha sido o toque fresco e sobrenatural de Jesus
que tinha realizado aquilo. Hoje eles são pais de uma me-
nininha linda e muito carismática de aproximadamente três
anos.
52 | dons de poder

operação de maravilhas
A palavra grega para maravilhas (dunamis) nesse versículo
significa poder – palavra que acentua o elemento de “obras
poderosas”. Como esse dom é mencionado imediatamente
depois de “curas”, o apóstolo está fazendo diferenciação
da manifestação da cura com a manifestação de milagres.
Isso porque esse dom trata-se mais especificamente de atos
sobrenaturais que intervêm nas leis da natureza, ao invés de
curas milagrosas para doenças e enfermidades, tais como:
acalmar tempestades, transformar água em vinho, alimentar
multidões, ou atos apostólicos como o ato de ferir Elimas de
cegueira (Atos 13:11), e na morte de Ananias e Safira (Atos
5:1-10). No Antigo Testamento, temos exemplos famosos
como Moisés abrir o mar vermelho e Elias fazer fogo cair
do céu. Os milagres em Éfeso são uma demonstração da
operação deste dom (At 19:11-12; 5:12-15). Note, porém,
que eram usados lenços e aventais de uso pessoal de Paulo e
não não devemos mistificar esse tipo de atuação, chamando-
os de “lenços milagrosos”.
É interessante observar que Paulo está falando da ma-
nifestação desse dom extraordinário no meio da Igreja e não
somente “pelas mãos dos apóstolos”. Outro aspecto bíblico
a se observar neste dom, é que a palavra “maravilhas” está
diretamente ligada a palavra operações (energema) que apa-
rece no versículo 6 dizendo: “e há diversidade nas realizações
[energema], mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos”
Gabriel Cantarino | 53

(1Co 12:6). Isso nos leva a compreensão de que assim como


“Deus é quem realiza” todas as coisas, aquele que administra
esse dom tem a mesma autonomia divina para realizar esses
feitos extraordinários. Isso explica porque Paulo personifi-
ca esse dom na Igreja como aqueles que são especialmente
operadores de milagres.
Certa vez, eu e o Alessandro estávamos liderando uma
equipe de missionários em Poço do Boi-PE – sertão nor-
destino. Em um dos últimos dias, íamos fazer uma confra-
ternização com as pessoas que nos receberam e nos planeja-
mos para fazer uma fogueira à noite. Para isso tínhamos que
andar alguns quilômetros até uma região montanhosa para
pegar gravetos e lenha. Entretanto, o sol do sertão estava
nos maltratando muito e o céu estava limpo sem nuvens a
não ser por alguns quilômetros de distância. Então, eu olhei
para essas nuvens e comecei a chamá-las para nos cobrir e
fazer sombra em nós. Então, elas começaram a responder
ao poder e a autoridade de Jesus e em alguns minutos pou-
saram sobre nós. Esse “milagre” não tinha muito propósito
a não ser nos proteger do sol e se não fosse legítimo que
acontecesse as nuvens não teriam obedecido ao serem cha-
madas. Ainda depois de terminarmos de colher os gravetos
e lenhas, podíamos perceber as nuvens nos acompanhando
e logo pararam.
Algumas pessoas muito específicas da Igreja One – es-
pecialmente eu e o Alessandro – carregamos a graça de al-
54 | dons de poder

gumas vezes estarmos em um determinado lugar e começar


a chover de maneira inóspita. Obviamente não é toda vez
que acontece, mas para nós esse é um sinal de avivamento
e de que Deus deseja fazer algo sobrenatural onde pisamos.
Dons de Inspiração

variedade de línguas
O falar em outras línguas é um dos primeiros dons que
se manifestam (junto com o de profecia) no momento
do batismo no Espírito Santo. Isso não quer dizer que as
línguas são necessariamente a evidência desse batismo. Há
duas ênfases para a manifestação desse dom, podendo ser
tanto no âmbito da oração quanto no âmbito da pregação
do evangelho. Na dimensão da oração, o dom de línguas
como oração é a linguagem sobrenatural para falarmos
diretamente com Deus, seja através da oração ou da
adoração, expressando-se através do Espírito enquanto
falamos em mistérios com Deus (1Co 14:2). Essa é uma
56 | dons de inspiraçãdo

língua que se manifesta de forma especial através de uma


linguagem extática, quando o portador do dom declara
palavras que não se sabe o que significado real delas, a menos
que estivesse exercendo o dom de interpretação de línguas.
Precisamos compreender que a maior ênfase do dom de
línguas é a capacidade de falar em mistérios com Deus.
Além de ser uma oração sobrenatural – ou seja, uma oração
investida de poder de Deus – o assunto principal da oração
em línguas são os mistérios de Deus. Paulo explica que quem
fala em outra língua – fala a Deus – visto que em espírito fala
mistérios (1Co 14:2). O que seriam os mistérios de Deus
senão revelações divinas sendo faladas em espírito através da
nossa língua? A palavra empregada por Paulo para mistérios
(musterion) se refere a algo escondido, aos segredos ou à
vontade secreta de Deus, a um conselho oculto do Senhor,
não óbvio ao entendimento e que só é compreendido por
meio da oração. Por isso quando oramos em línguas estamos
falando em espírito de revelação com o Senhor.
Ainda nos evangelhos, Jesus revela aos seus discípulos
que a eles é concedido a capacidade de conhecer os misté-
rios do Reino dos Céus (Mt 13:11; Mc 4:11), e nesta carta
apostólica, Paulo ensina que uma das maneiras de torná-los
conhecidos é por meio da oração em línguas. Quando des-
cobrirmos o poder que há no orar em línguas e fazemos dis-
so uma prática diária, somos levados a uma nova dimensão
de vida no Espírito. Sem dúvida, essa é uma das ferramentas
Gabriel Cantarino | 57

mais poderosas de edificação que a Trindade disponibilizou


aos homens.
A nossa edificação pessoal está diretamente ligada ao
nível de revelação que experimentamos em nosso espírito.
Ao orarmos em línguas, falamos em mistérios pelo espíri-
to, ou seja, falamos os “segredos divinos” que nos capacitam
sobrenaturalmente para compreender de maneira correta e
profunda as Escrituras! Costumo dizer que o dom da oração
é línguas é o único dom que pode ser usado de maneira to-
talmente “egoísta”, pensando em si mesmo e não nos outros,
já que Paulo enfatiza que esse dom não edifica ninguém a
não ser aquele que ora em línguas: “o que fala em línguas
edifica-se a si mesmo” (1Co 14:4). A carta profética de Ju-
das nos alerta sobre o valor e necessidade urgente de orar-
mos no Espírito: “Mas vós, amados, edificando-vos sobre a
vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo” ( Jd 20). O
termo usado para edificar (oikodomeo), no sentido técnico
da palavra, carrega em si mesmo o significado de ser como
um arquiteto que constrói uma casa ou ergue uma cons-
trução. Dessa forma, os apóstolos aplicavam essa palavra
metaforicamente no sentido de promover crescimento na
sabedoria cristã, nos afetos por Deus, na graça, na virtude,
na santidade, nas bem-aventuranças e na prática da piedade.
Nesse âmbito, é de comum acordo entre Paulo e Judas que a
oração no espírito – também chamada de oração em línguas
ou línguas de mistérios – coopera como uma ferramenta
58 | dons de inspiraçãdo

que constrói um edifício para habitação do Senhor e para


crescimento da Sua presença em nossas vidas.
Nós devemos ser os mais interessados no nosso cres-
cimento e fortalecimento no Espírito, por isso o dom de
línguas foi dado a nós para que invistamos o máximo de
empenho possível para edificarmos a nós mesmos. Hipo-
teticamente, ainda que não exista ninguém ao nosso redor
que possa nos edificar, ainda assim, temos um instrumento
sobrenatural dado a nosso favor para que sejamos os prin-
cipais agentes de edificação em nossa própria vida. Isso está
diretamente relacionado a nossa fome por Deus.
Creio que esse é um dos maiores segredos da vida espi-
ritual no âmbito da devoção apostólica de Paulo, ele mesmo
revela isso ao dizer: “Dou graças a Deus, porque falo em
outras línguas mais do que todos vós” (1Co 14:18). O dom
da oração em línguas era o maior propulsor do espírito de
revelação que agia na vida de Paulo. Por inúmeras vezes o
apóstolo Paulo se apresenta como alguém que é conhecedor
dos mistérios divinos1, e aqui nessa carta descobrimos segre-
do paulino: “eu falo em outras línguas mais do que todos vós”. A
Igreja de Corinto era intensamente avivada em suas mani-
festações de dons espirituais, entretanto Paulo, comparando
a intensidade espiritual de Corinto com sua própria devoção
apostólica, estava dizendo que orava mais em línguas do que

1. Ver Romanos 11:25, 16:25; 1 Coríntios 2:7, 4:1, 13:2, 14:2, 15:51; Efésios 1:9; 3:3-4
e 9, 5:32, 6:19; Colossenses 1:26-27, 2:2, 4:3; 2 Tessalonicenses 2:7; 1 Timóteo 3:9 e 16.
Gabriel Cantarino | 59

a soma total de toda a Igreja daquela cidade. Preste atenção


que Paulo não só dá graças a Deus por falar em línguas,
mas também por fazê-lo mais do que todos os Coríntios!
Eu creio particularmente que Paulo exercia livremente seu
dom de línguas durante as viagens, já que elas eram longas
demais para chegar de um lugar a outro.
Tenho buscado avidamente exercer o dom de línguas na
minha própria vida espiritual. Por dias e meses – inspirado
pelo testemunho de Dave Roberson – já investi muito tem-
po em oração em línguas chegando a orar 8 horas por dia
exercendo esse dom. Já fiz isso durante jejuns prolongados e
posso lhe assegurar que fui transformado ao focar em exer-
cer esse dom por horas livremente durante o meu dia.
Além da manifestação do dom de línguas para oração,
existe a manifestação do mesmo dom como uma capaci-
tação sobrenatural de falar em uma língua humana jamais
aprendida com o fim de pregarmos o evangelho de maneira
sobrenatural e divinamente capacitados (Atos 2:5-11). A
palavra grega para línguas (glossa) tem como sentido um
idioma ou dialeto usado por um grupo particular de pessoas
ou de outras nações. O termo glossa é de onde se deriva a
nossa palavra glossário que nada mais é que um conjunto
significados de palavras de uma determinada língua. Esse
dom foi dado sobrenaturalmente por Deus à Igreja para rá-
pida propagação do evangelho nas nações e também para
validar o evangelho como divino.
60 | dons de inspiraçãdo

interpretação de línguas

Diferente de outros dons, o dom de línguas tem como


finalidade a edificação própria e em raras exceções para
edificação coletiva, salvo quando há interpretações. Portanto,
o dom de interpretação de línguas se trata da capacidade,
concedida pelo Espírito Santo, para compreender e
transmitir o significado de uma mensagem dada em línguas.
Dessa forma, o falar em línguas dentro da Igreja em tom
de mensagem deve ser seguido de interpretação, também
pelo Espírito, para que a comunidade presente conheça o
conteúdo e o significado da mensagem (1Co 14:3, 27,28).
A interpretação de uma mensagem em línguas é um meio
de edificação para a Igreja inteira (1Co 14:6, 13, 26). Tal
mensagem pode conter revelação, advertência, profecia ou
ensino para a Igreja (1Co 14:6). Toda a comunidade pode,
assim, desfrutar dessa revelação vinda do Espírito Santo. A
interpretação pode vir através da própria pessoa que fala em
línguas ou de outra pessoa que exerce o dom. As línguas,
em conjunto com a interpretação, têm o mesmo valor de
profecia (I Co 14:5). Isso porque Paulo diz que o dom de
falar em línguas unido ao dom de interpretá-las é equivalente
à profecia, e o contrário disso também é verdade, já que o
falar em línguas sem interpretação é totalmente oposto
à profecia, sendo o objetivo final da profecia a edificação
Gabriel Cantarino | 61

coletiva e o do dom de línguas a edificação individual.


Para que haja interpretação de línguas espirituais é
necessário que haja intencionalidade do nosso espírito em
se dispor para compreender a mensagem. A maioria das
pessoas ficam esperando uma evidência do dom para se
certificar se pode exercê-lo ou não. Tendo já interpretado
inúmeras vezes orações ou mensagens em línguas percebi
que a disposição do nosso coração em compreender permite
que o Espírito gere a interpretação em nosso espírito. Isso
está longe de inventar uma mensagem interpretada, mas de
estar disponível para o Espírito para que Ele mesmo gere o
significado em nós para que então possamos transmitir. Se
nos dispusermos, receberemos interpretação.
A interpretação pode ser de orações ou de profecias. No
âmbito da oração pessoal, existem duas dimensões: a
intercessão do Espírito por nós e orações pessoais que
fazemos a Deus.

1) Intercessão do Espírito: Paulo nos diz que o Espírito


intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexpri-
míveis (Rm 8:26). Nesse sentido, pode ser concedida a
pessoa que se dispõe a interpretar a oração em línguas o
conhecimento da intercessão que o Espírito realiza por
nós que não temos conhecimento inteligivelmente. As-
sim, aquele que interpreta a intercessão do Espírito tem
a responsabilidade de transmitir o que Ele está gerando
62 | dons de inspiraçãdo

naquele que foi tomado por esse tipo de oração com


gemidos inexprimíveis.

2) Orações Pessoais: É extremamente comum que fa-


çamos orações pessoais enquanto oramos em línguas
pelo Espírito. Nesse tipo de oração pode ter todo tipo
conteúdo assim como orações inteligíveis – ou seja, com
entendimento. Nem toda oração pessoal precisa ser re-
velada já que são orações pessoais. Entretanto, outras
orações – com muita sabedoria – se faz necessário co-
municar o significado. Já tive experiências de ouvir pes-
soas confessando pecados durante orações em línguas.
Certa vez, uma menina próxima a mim estava orando
em línguas e automaticamente – creio que pela permis-
são de Deus – o meu espírito começou a interpretar o
que ela estava orando. Pelo espírito compreendi que ela
estava confessando um pecado sexual de masturbação
do qual ela já estava cansada de lutar contra. Por ser uma
menina, eu esperei ela terminar de orar e, com muito
respeito e zelo, perguntei se podia compartilhar a inter-
pretação com ela por se tratar de um assunto delicado.
Ela prontamente se dispôs a ouvir e muito quebrantada
ela confirmou que realmente estava passando por aquela
situação. Ao fim, pude orar por ela essa menina ficou
livre daquele pecado e do vício em pornografia.
A interpretação de línguas no âmbito da profecia fun-
Gabriel Cantarino | 63

ciona no mesmo mecanismo do dom profecia que vere-


mos no próximo tópico.
profecia
A profecia é a maneira de Deus transmitir, através de
alguém, a Sua mente e coração para uma pessoa, uma Igreja,
um povo ou uma nação. São infinitas as formas de Deus
transmitir uma profecia. Pode ser através da revelação bíblica,
de sonhos, visões, através da voz de Deus, discernimento
espiritual, interpretação de línguas, etc. A palavra usada por
Paulo para profecia é (propheteia) denotando um discurso
que emana da inspiração divina e que declara os propósitos
de Deus, seja pela reprovação ou admoestação do iníquo,
para conforto do aflito, para revelar coisas escondidas ou
para prenunciar eventos futuros. O resultado imediato do
ato de profetizar é a edificação, encorajamento e consolação de
alguém (1Co 14.3). Vamos ver mais detalhadamente como
se dá esses três propósitos da profecia:

• Edificação: Tanto o dom de línguas quanto o dom


de profecia são para edificação. Entretanto, o dom de
línguas é para edificação pessoal enquanto o dom de
profecia é para edificação corporativa. Dessa forma,
aquele que profetiza é como um arquiteto que promove
crescimento da vida pessoal de alguém ou na vida
comunitária de um grupo de pessoas. Nesse sentido, a
profecia é como uma peça que se encaixa no todo para
64 | dons de inspiraçãdo

enxergarmos de maneira macra o que o Senhor está


dizendo ou fazendo.

• Exortação: Ao contrário do que muitos pensam, a


exortação não está ligada a correção, mas no sentido de
trazer alguém para perto com o intuito de encorajá-la.
A palavra exortação (paraklêsis) aplicada por Paulo é
a mesma palavra aplicada por Jesus para se referir ao
Espírito Santo quando declara o Seu principal pro-
pósito de que esteja sempre conosco ( Jo 14:16). Por
isso, a principal razão da exortação é trazer a presença
de Deus para a pessoa. O termo (paraklêsis) também
contém em si mesmo um tríplice significado: consola-
ção, encorajamento, exortação. Sendo consolação como
conforto num momento de tristeza (Lc 2:25; 6:24; 2Co
1:3-7), encorajamento para os que estão desanimados
(Rm 15:4,5; 2Co 7:4,13), ou exortação como um alerta
ou um apelo para que alguém faça algo (2Co 8:17; Hb
12.5; 13:22).

• Consolação: Esse último termo consolação


(paramythía) não se diferencia muito de exortação e
encorajamento — já que esse é o único lugar que essa
palavra aparece. Mike Bickle explica a dimensão dessa
manifestação profética dizendo: “O propósito deste
tipo de profecia é inspirar e trazer refrigério ao nosso
Gabriel Cantarino | 65

coração, nos lembrando do coração de Deus sobre seu


cuidado e seus propósitos para conosco e, muitas vezes,
enfatiza algum princípio já conhecido da Bíblia”.2 De
qualquer forma, os dois termos são desdobramentos
um do outro em manifestações diferentes que apenas
na prática podemos delinear os limites.

Esse é o primeiro nível de profecia que encontramos


no seu sentido mais básico. Por isso, nessa primeira mani-
festação profética não encontramos ações como corrigir ou
trazer novas direções — afinal, Paulo afirma que todos po-
dem profetizar, mas nem todos são profetas. Isso quer dizer
que existe um limite de atuação da profecia em seu primeiro
nível. Paulo diz que deseja que todos profetizem (1Co 14:5),
dando oportunidade de participação a todas as pessoas da
comunidade. O apóstolo ainda conclui “Pois vocês todos po-
dem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos se-
jam instruídos e encorajados” (1Co 14:31). Paulo valorizava
tanto o dom de profecia que colocou esse dom acima de
qualquer outro dom: “Sigam o caminho do amor e busquem
com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de
profecia” (1Co 14:1). Assim, no final de sua discussão sobre
os dons espirituais, ele conclui dizendo: “Portanto, meus ir-
mãos, busquem com dedicação o profetizar” (1Co 14:39).

2. Bickle, Mike. Crescendo no Profético. Campinas: Editora Novo Caminho, 2018.


66 | dons de inspiraçãdo

os últimos dias
Eu creio piamente que os últimos dias que precedem a vol-
ta de Jesus serão marcados pela máxima manifestação do
Espírito Santo na Igreja. A Noiva do Cordeiro será profun-
damente santa, altamente profética e se moverá extraordi-
nariamente em sinais e maravilhas para pré-anunciar que
tipo de governo o Messias inaugurará nas nações. Ela não
será limitada a nove dons, mas como na Igreja Primitiva, ela
terá ampla movimentação sobrenatural em todos os dons
para experimentarmos de fato o último e grande derrama-
mento do Espírito na história. Esse último avivamento da
presença e do poder de Deus culminará em um aumento
estratosférico de pureza e santidade e na salvação de bilhões
de pessoas que ainda estão cativas pelo império das trevas.
Uma salvação em tão grande escala carece de uma manifes-
tação de poder ainda maior que a demanda — assim como
foi no Egito, o dedo de Deus sobrepujou os poderes das
trevas naqueles dias. Por isso, é tempo de uma ativação so-
brenatural nos nossos espíritos que nos fazem representar
Jesus em sua totalidade assim como Ele representou o Pai
em seus dias na terra.
Eu não desejo nada menos que a máxima manifestação
do Espírito em minha vida e na Igreja que eu pastoreio!
Talvez algum teólogo discorde do que foi ensinado neste
e-book, mas ninguém é capaz de dizer que é pecado ou
alguma heresia desejar não apenas noves dons, mas todos
Gabriel Cantarino | 67

os que estão disponíveis na pessoa do Espírito Santo. Essa


pessoa da Trindade — o amado Espírito Santo — será res-
ponsável por arquitetar o maior espetáculo de liberação do
poder de Deus na terra jamais visto em toda história da hu-
manidade. Eu quero ver e participar disso! E além disso, eu
quero incentivar a minha geração a crer que é possível reter
o máximo de dons e exercê-los em sua plenitude como nas
histórias de Atos. Se é isso que você deseja, ore comigo:

Pai, é com um coração contrito, humilhado e sedento


que eu clamo por um derramamento do Espírito sem
medidas sobre a minha geração e sobre as próximas
que virão até que o Seu amado Filho Jesus volte para
se casar com a Sua Noiva. Eu oro por essa pessoa que
está lendo agora para que correntes elétricas celestiais
corram pelo seu espírito e atinja o seu corpo ativando
ela para plena manifestação do poder de Deus ainda
nessa era. Faça dela uma testemunha assim como os
seus santos apóstolos e profetas foram. Se for da Sua
vontade, faça dela um mártir para viver e morrer pelo
evangelho. Por último, faça dela uma pessoa santa que
não se corrompe com poder e para isso que o Senhor a
humilhe debaixo da sua poderosa mão toda vez que o
orgulho e a altivez acompanhe qualquer manifestação
espiritual. Nós desejamos uma coisa: que o Senhor
apareça, que o Seu Filho Reine e Seu Espírito faça de
nós semelhantes a Ele. Amém!

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