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Cosmovisão Reformada
Introdução
1
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Deus que fala: estudos no Salmo 19, Goiânia, GO.: Editora Vila Nova,
2016; Hermisten M.P. Costa, Fundamentos Pressuposicionais da Teologia Reformada: Apontamentos
teóricos e práticos, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2022.
2
Veja-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP, 2001, p. 175.
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 2
3
“No princípio, criou Deus os céus e a terra. (...) 26 Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os
animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. 27 Criou Deus, pois, o
homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.1,26-27). “ 6 Os céus por
sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. (...) 9 Pois ele falou, e tudo se fez; ele
ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 36,6,9).
4
“O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com inteligência estabeleceu os céus” (Pv 3.19).
5
“O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios (hb'v'x]m;) (machashabah) do seu coração, por
todas as gerações” (Sl 33.11). “Quão grandes (ld;G") (gadal), SENHOR, são as tuas obras! Os teus
pensamentos (hb'v'x]m;) (machashabah) (= desígnios, intentos) que profundos!” (Sl 92.5).
6
“7Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória.
8
Quem é o Rei da Glória (dAbK') (kabod)? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas
batalhas. 9Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória
(dAbK') (kabod). 10Quem é esse Rei da Glória (dAbK') (kabod)? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da
Glória (dAbK') (kabod)” (Sl 24.7-10).
7
"33Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os
seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! 34 Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem
foi o seu conselheiro? 35 Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? 36 Porque dele, e
por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm 11.33-36).
8
“No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele
o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “... O meu conselho permanecerá de pé,
farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e,
segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter
a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos também feitos
herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua
vontade” (Ef 1.11).
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 3
Sem a revelação de Deus seria impossível crer ou falar de Deus. 9 No entanto, nós
podemos conhecê-lo genuína e pessoalmente: “Conhecido ([d;y") (yada’)10 é Deus
em Judá; grande (lAdG") (gadol) (= supremo),11 o seu nome em Israel” (Sl 76.1).
O Senhor em sua Palavra, além de nos revelar facetas sublimes de sua natureza,
nos dá a conhecer aspectos de seu propósito eterno, que envolve o seu amor que
antecede à nossa criação, o seu cuidado para conosco nos instruindo como
devemos viver, a correção quando nos desviamos, e a garantia final de nossa
salvação futura já assegurada.
9
“A revelação cristã não é somente necessária para que se possa crer no Deus da religião cristã, como também
não tem sentido imaginar que se possa conhecer a existência desse mesmo Deus de outro modo que não pela
fé em sua própria revelação” (Étienne Gilson, O Filósofo e a Teologia, São Paulo; Santo André, SP.: Paulus;
Academia Cristã, 2021, p. 88).
10
([d;y") (yada’). Este conhecimento envolve a capacidade de discernir (Sl 4.4), experimentar (Sl 9.11; 20.7;
25.4.14; 119.75; 139.1,2,4, 14), ver (Sl 16.11); pensar/perceber (Sl 35.8); perfeito conhecimento (Sl 37.18;
44.21; 50.11; 69.5; 94.11; 103.14; 139.23; 142.3); conhecimento íntimo e pessoal (Sl 51.3);
intimidade/proximidade (Sl 55.13; 88.18); compreender (Sl 73.16); aprender (Sl 78.3); ensinar (Sl 90.12);
fazer notório/manifestar (Sl 98.2; 103.7; 145.12).
11
Para um estudo mais exaustivo do uso da palavra e de suas variantes, vejam-se: M.G. Abegg, Jr., Gdl: In:
Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento,
São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 798-801; Jan Bergman, et. al., Gâdhal: In: G.J. Botterweck, Helmer
Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1977 (Revised
edition), v. 2, p. 390-416. (Para os nossos objetivos, especialmente, as páginas 406-412).
12
Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 62.
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Aqui já nos deparamos com algo grandioso demais para nós. Pensamos sempre
em termos de causa e efeito e, dentro das categorias tempo e espaço repletos de
circunstâncias temporais, geográficas, culturais, sociais e pessoais.
Portanto, foi dentro dessas categorias tão importantes para nós, que Deus se
revelou. Ele criou o tempo, a matéria e o espaço dentro de uma coligação temporal
e multidependente. No entanto, todos preservados pelo seu poder.
13
Veja-se: Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian
and Reformed Publishing Co. 1974, p. 22.
14
Sl 40.5.
15
Curiosamente, um filósofo pagão, Xenófanes (c. 580-c.460 a.C.), criticando a religiosidade de sua
época, propõe uma visão próxima ao monoteísmo ou pelo menos, um “politeísmo não
antropomórfico” (W.K.C. Guthrie, Os Sofistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 211), mas, ainda assim,
cosmológico, identificando, conforme pontua Aristóteles, o uno, ou seja, o universo (Ver: Giovanni
Reale; Dario Antiseri, História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 1990, v. 1,
p. 49.), como sendo Deus (Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4),
1973, I.5, p. 223). Escreve tendo uma visão grandiosa de deus: “Um único deus, o maior entre deuses
e homens, nem na figura, nem no pensamento semelhante aos mortais” (Xenófanes, Frag., 23: In:
Gerd A. Bornheim, org., Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977. (Tradução um
pouco diferente: In: José Cavalcante de Souza, org., Os Pré-Socráticos, São Paulo: Abril Cultural (Os
Pensadores, v. 1), 1973, p. 71).
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16
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Uma fé que investiga e uma ciência que crê, Goiânia, GO.: Cruz, 2020.
17
Pascal (1623-1662), faz uma crítica a Descartes: “Não posso perdoar Descartes; bem quisera ele, em toda a
sua filosofia, passar sem Deus, mas não pôde evitar de fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em
movimento; depois do que, não precisa mais de Deus” (Blaise Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril
Cultural, 1973 (Os Pensadores, v. 16), II.77. p. 61-62).
18
Daniel L. Migliore, Faith Seeking Understanding: An introduction to Christian Theology, Grand Rapids,
Michigan, 1991, 1996 (Reprinted), p. 4.
19
H. Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association,
1976, p. 15.
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20
João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.12), p. 318. "Se reputamos ser o Espírito de
Deus a fonte única da verdade mesma, onde quer que ela haja de aparecer, nem a rejeitaremos, nem a
desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus” (J. Calvino, As
Institutas, II.2.15). “Se o Senhor nos quis deste modo ajudados pela obra e ministério dos ímpios na física,
na dialética, na matemática e nas demais áreas do saber, façamos uso destas, para que não soframos o justo
castigo de nossa displicência, se negligenciarmos as dádivas de Deus nelas graciosamente oferecidas” (J.
Calvino, As Institutas, II.2.16). Esta compreensão esteve sempre presente no pensamento teológico da Igreja;
cito alguns exemplos: Justino Mártir (c. 100-165): “.... Tudo o que de bom foi dito por eles (filósofos),
pertence a nós, cristãos, porque nós adoramos e amamos, depois de Deus, o Verbo, que procede do mesmo
Deus ingênito e inefável” (Justino, Segunda Apologia, São Paulo: Paulus, 1995, XIII.4. p. 104); Agostinho
(354-430): “Todo bom e verdadeiro cristão há de saber que a Verdade, em qualquer parte onde se encontre, é
propriedade do Senhor. Essa verdade, uma vez reconhecida e professada, o fará rejeitar as ficções
supersticiosas que se encontram até nos Livros sagrados” (Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo:
Paulinas, 1991, II.19. p. 122). “A verdade fundamenta-se de modo permanente na razão das coisas e foi
estabelecida por Deus” (Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, II.33. p. 140-141). “Todo bem procede de Deus.
Não há, de fato, realidade alguma que não proceda de Deus” (Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, São Paulo:
Paulus, 1995, II.3.20.54. p. 143) (Ver também: Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas,
1991, II.41. p. 149-151 e II.43. p. 153-154). Strong (1835-1921): “A Ciência e a Escritura lançam luz uma
sobre a outra. O mesmo Espírito divino que deu revelação a ambas está ainda presente, capacitando o crente a
interpretar uma pela outra e então progressivamente chegar ao conhecimento da verdade” (A.H. Strong,
Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, PA.: The Judson Press, 1993, p. 27); A.A. Hodge (1823-1886):
“Toda verdade é um só todo” (A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 7).
Ver também a citação nesta mesma direção de alguns puritanos em Leland Ryken, Santos no Mundo, São
José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 177-179.
21
“[A ciência] é provisória e limitada” (Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte
Editorial, 2006, p. 7). São pertinentes e embaraçosas as observações de Veith, Jr.: “Aqueles que
veem a ciência como algo que produz a verdade imutável deveriam estudar a história da ciência e
fazer a si mesmos outras perguntas: Se a ciência tem nos dado uma série de modelos para explicar
dados sempre crescentes, podemos esperar que seja absoluto o que a ciência nos diz agora? Daqui
a cem anos, a ciência estará nos dizendo o mesmo que nos diz hoje? (...) Se a ciência de 1500
parece bastante primitiva e ingênua, será que a nossa ciência também não parecerá primitiva e
ingênua daqui a quinhentos anos? O que a ciência proclama como fato nem sempre é tão certo para
a geração seguinte de cientistas” (Gene Edward Veith, Jr., De todo o teu entendimento, São Paulo:
Cultura Cristã, 2006, p. 57. Vejam-se também: K. R. Popper, A Lógica da Investigação Científica, São
Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 44), 1975, § 85. p. 383, 384; Karl R. Popper, O realismo e o
objectivo da ciência, (Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica, v. 1), Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1987, *27, p. 234-235; Jean Piaget, A Epistemologia Genética, São Paulo: Abril Cultural (Os
Pensadores, v. 51), 1975, p. 129-130; Hermisten M.P. Costa, Uma fé que investiga e uma ciência que
crê, Goiânia, GO.: Cruz, 2020.
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É preciso que, nós teólogos, entendamos que trabalhar com a teologia não
significa dizer sempre coisas novas, embora reconheçamos “as situações novas que
22
“A tarefa da dogmática é precisamente reproduzir racionalmente o conteúdo da revelação que se refere ao
conhecimento de Deus. Naturalmente, nessa reprodução do conteúdo da revelação, existe o perigo, em
muitos níveis, de se cometer enganos e cair em erro. Esse fato deve predispor o teólogo dogmático, assim
como todo aquele que se dedica à ciência, à modéstia” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 45). “Não devemos supor que temos toda a verdade e que não estamos
enganados em nada” (A.W. Tozer, O Poder de Deus, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p.
71). “Insistir que a Palavra de Deus é absoluta não é insistir que todo o conhecimento seja
absoluto” (Gene Edward Veith, Jr, De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006,
p. 65). “A teologia é uma tentativa humana de tirar conclusões da revelação especial de Deus. As
regras que controlam esse questionamento são as regras da hermenêutica e da lógica. Para fazer
uma boa Teologia deve-se buscar uma objetividade rigorosa quando se procura determinar a
verdade, mais sempre com um grau de humildade que reconhece que somente a Escritura é a
verdade absoluta. A Teologia pode ser corrompida pelo pecado humano e feita obscura por falta de
visão espiritual” (Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 15).
23
Em 1921 Machen (1881-1937) propunha-se a mostrar “que a tentativa liberal de reconciliar o cristianismo
com a ciência moderna tem realmente abdicado de tudo o que é peculiar ao cristianismo e, assim, o que
permanece é, em essência, apenas aquele mesmo tipo indefinido de aspiração religiosa que havia no mundo
antes do cristianismo entrar em cena”. Acrescenta de forma gravemente contundente: “Ao tentar remover do
cristianismo tudo o que possivelmente poderia ser objetado em nome da ciência, ao tentar subornar o inimigo
através das concessões que este mais deseja, o apologista realmente abandona o que começou a defender”
(J.G. Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Editora os Puritanos, 2001, p. 18-19). “A teologia tem
a tendência de ajustar-se a modas, como a filosofia” (A.W. Tozer, O Poder de Deus, 2. ed. São Paulo:
Mundo Cristão, 1986, p. 70).
24
“A prevalência de uma crença pode não ser um indicador confiável de sua verdade, mas apenas
um reflexo das modas intelectuais ou culturais transitórias. O que hoje parece ser permanente e
globalmente aceito é com frequência descartado amanhã como uma forma ultrapassada de pensar”
(Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos,
2015, p. 19).
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Por outro lado, precisamos entender, que a Palavra de Deus é mais completa e
abundante do que qualquer dogma; portanto, o nosso sistema doutrinário, por
melhor que seja – e eu estou convencido de que é – não pode ser mais rico do que
a Palavra de Deus, como bem observou Berkouwer (1903-1996): “Porventura a
Escritura não é mais rica do que qualquer pronunciamento eclesiástico, por mais
excelente e atento ao Verbo divino que este possa ser?”.26 Por isso, o critério último
de análise, será sempre “O Espírito Santo falando na Escritura”.27
O cientista por sua vez, precisa controlar as suas paixões para que não se
precipite em suas conclusões, sabendo que na ciência quase nada é definitivo,
exceto, talvez, a sua transitoriedade. O vislumbre do horizonte científico pode ser
percebido, mas nunca será alcançado. Como bem disse Graça Aranha (1868-1931):
“A marcha da ciência é como a nossa na planície do deserto: o horizonte foge
sempre”.28
Resumindo, podemos dizer que todas as vezes que houver aparente contradição
entre a Ciência e a Teologia, há, na realidade, uma falta de compreensão de uma,
ou de ambas as partes. Enquanto o que é perfeito não se concretizar (1Co 13.10),
essa tensão sempre existirá em nossas mentes finitas.
Como o Espírito Santo é o autor final dos dois livros, o que eles revelam
sobre a criação não pode entrar em conflito. Pelo contrário, os conflitos
surgem do nosso manuseio dos dois livros. Para o livro da natureza, os
cientistas observam e interpretam a criação usando abordagens
sistemáticas que levam a teorias bem confirmadas. A cada passo do
caminho, existe a possibilidade de má compreensão e erro. Para o livro das
Escrituras, trabalhamos com traduções, nos engajamos na exegese e
geramos doutrinas e teologias. Novamente, a cada passo do caminho,
29
existe a possibilidade de má compreensão e erros.
25
G. C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, São Paulo: ASTE., 1964, p. 72. “O Espírito sempre diz a mesma coisa
a todo aquele a quem Ele fala, e absolutamente sem atentar para as ênfases doutrinárias ou as modas
teológicas que passam. Ele faz cintilar a beleza de Cristo no coração surpreso, e o reverente espírito a recebe
com um mínimo de interferência” (A.W. Tozer, O Poder de Deus, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão,
1986, p. 70).
26
G.C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, p. 72.
27
Confissão de Westminster, I.10.
28
Apud G.V. do Monte Pereira, redator, Biblioteca Internacional de Obras Célebres, Lisboa: (s.d.), v. 7, p.
3539.
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Esse homem delimitou-se dentro de uma camisa de força que o venderam como
se fosse uma indumentária cognitiva que o permitiria dar o grande salto libertador,
mas, sem perceber, ele ficou limitado à razão33 que, também não funciona bem já
que um dos axiomas da razão é que há muito por conhecer além de sua capacidade
cognitiva. Além disso, ela operando bem, pode e deve ser uma boa companheira
epistemológica, mas não, senhora única e absoluta. 34
Satanás não sossega. Ele atua também dessa forma, talvez com mais habilidade.
para não ferir as suscetibilidade de uma fé frágil causada pela sua ingenuidade ou
29
Robert C. Bishop, Metáfora dos dois livros. In: Paul Copan, et al., ed. Dicionário de Cristianismo e Ciência,
Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018 (Edição do Kindle), posição 21614-21622 de 34343.
30
Quanto aos tipos de conhecimento, veja um resumo em: Hermisten M. P. Costa, Introdução à metodologia
das ciências teológicas, Goiânia, GO.: Cruz, 2015.
31
Cf. Carl F.H. Henry, O Resgate da Fé Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2014, p. 35.
32
R. Albert Mohler Jr., Foreword: In: John M. Frame, A History of Western Philosophy and Theology,
Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing Company, 2015, p, xxii.
33
“A razão natural jamais guiará os homens a Cristo. O fato de serem eles dotados de sabedoria
para dirigir suas vidas e de se formarem em filosofia e ciências se reduz e resulta em nada” (João
Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.5), p.
38).
34
“Até hoje existem pessoas que falam sobre serem “guiadas” pela razão quando estão, na verdade,
sendo limitadas por ela. Elas estão desesperadas para limitar a realidade ao mundo diminuto e
apagado que a razão pode provar” (Alister McGrath, A fé e os credos, São Paulo: Cultura Cristã,
2017, p. 16). Veja-se: B. Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 16),
1973, IV.267. p. 110.
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 10
A realidade pertence a Deus, quem a criou, e lhe confere sentido. Quando, então
nos referimos ao conhecimento que podemos ter do próprio Deus, do seu caráter e
majestade, temos de reafirmar a verdade bíblica de que esse conhecimento provém
do próprio Deus.
Portanto, Deus só pode ser conhecido por Ele mesmo. Por isso a necessidade de
revelação para que possamos conhecê-lo, e nos relacionarmos com Ele. Deus em
sua integridade se revela verdadeiramente como é em sua natureza essencial,
ainda que não conheçamos a essência de Deus. 36 Porém, nenhuma de suas
perfeições esgota a totalidade de seu ser. Este conhecimento resultante da graça é
único, singular e pessoal.37
35
Cornelius Van Til, Epistemologia Reformada, Natal, RN.: Nadere Reformatie Publicações, 2020, v.
1, p. 12, E-book. Posição 170 de 715.
36
“Deus se revela como ele verdadeiramente é. Seus atributos revelados verdadeiramente revelam sua
natureza” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2,
p. 98).
37
“Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular”
(John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).
38
A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo
do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a
rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na
ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento
em que recebem a luz – o evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David
Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro:
Textus, 2004, p. 68).
39
Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos
contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50. Da mesma maneira, veja-se:
Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília,
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 11
Aliás, não podemos escapar desse fato que nos humaniza. Por isso mesmo, a
realidade sempre é mais importante e complexa do que a nossa percepção e
experiência. A ontologia é a determinante de nossa possibilidade epistemológica. No
entanto, esta não condiciona a outra. As coisas são o que são independentemente
de nossa apreensão. Assim como o nome não delimita nem determina a essência da
coisa, a nossa percepção, com seus erros e acertos, não estatui por si só a essência
e o alcance da realidade.
Como temos insistido, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça
divina, que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer. O
nosso conhecimento é um ato de fé; e esta é procedente da graça.41
DF.: Monergismo, 2019, p. 74ss. Calvino comenta a necessidade da revelação de Deus em Cristo.
Argumenta: “Porque, visto que Deus é incompreensível, a fé poderia jamais alcançá-lo, a menos que
ela tenha uma consideração imediata por Cristo. Além disso, há duas razões por que a fé poderia
estar não em Deus, a não ser que Cristo interviesse como Mediador: primeiro, a grandeza da glória
divina deve ser levada em conta e, ao mesmo tempo, a pequenez de nossa capacidade. Nossa
acuidade sem dúvida está muito longe de ser capaz de subir tão alto a ponto de compreender a Deus.
Daí, todo conhecimento de Deus sem Cristo é um vasto abismo que deglute imediatamente todos
nossos pensamentos” (John Calvin, Calvin's Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 53).
40
John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 56.
41
“Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.:
Monergismo, 2013, p. 305).
42
Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 127.
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 12
soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo. E tudo isso, por meio de
Jesus Cristo, o Deus encarnado,43 a revelação pessoal de Deus.44
43
“Toda nossa luz e conhecimento consistem (...) em conhecer a Deus na pessoa de seu Filho
unigênito. Com isso, digo eu, é que devemos nos contentar” (João Calvino, Sermões em Efésios,
Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 146-147). Veja-se também: John Calvin, Calvin's Commentaries,
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 53.
44
Vejam-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p.
25-26; Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 167.
45
Veja-se: Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de
todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 130.