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Rio de Janeiro, 11 de julho de 2022.

Ao Ilmo. Sr. Presidente da Convenção Batista Brasileira, Pr. Hilquias Paim,


(Extensivo aos demais membros da Diretoria)

Graça e paz.
Esperamos encontrá-lo bem e com saúde.
Inicialmente, cumpre esclarecer que nós, os pastores batistas a seguir assinados, dirigimo-
nos a V. Sª. imbuídos do mais nobre espírito cristão e no intuito de colaborar para a unidade
dos batistas brasileiros. Não é nosso desejo acusar ninguém, tampouco desestabilizar o
ambiente denominacional. Porém, a situação requereu de nós um posicionamento, que ora
externamos nos mais respeitosos termos.
O assunto que nos moveu a escrever é o processo em curso de revisão da Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira de 1986 (DD86). Primeiramente, convém fazer
um breve histórico de como as circunstâncias chegaram até aqui e porque elas nos preocupam.

Iniciativa de revisão da DD86 (2012)


Segundo apuramos, desde 2012 decidiu-se, em assembleia geral da CBB, revisar a DD86,
porém com um escopo bastante restrito. De fato, consta da ata da 12ª sessão da 92ª assembleia
da CBB (2012), no item “Assuntos especiais”, a seguinte decisão tomada em plenário:

2.4. Declaração doutrinária da CBB — Criação de um grupo de trabalho para elaborar uma
revisão da nossa declaração doutrinária no que tange ao capítulo XVII — Família que
contemple a questão do fortalecimento do casamento heterossexual para ser apresentado
na 93ª. Assembleia da CBB. Parecer: favorável ao encaminhamento ao Conselho Geral
para criação do GT. A comissão: Luiz Roberto Soares Silvado — PR — Relator, Dejalmir
da Cunha Waldhelm — CA (RJ), Gilton Alves de Aquino — SE, Josué Mello Salgado –
DF, Lourimar Vilarinho Albuquerque — RO.1

Em atenção a tal decisão, a Diretoria Geral da CBB fez constar, no relatório do Conselho
Geral (CG) apresentado à assembleia subsequente, de número 93, o tópico 2.1.23, que reproduz
o texto acima, porém acrescido do seguinte: “Atendimento: Encaminhado à comissão, que
ainda não concluiu o assunto”.2
Não consta das atas da 93ª assembleia da CBB (2013) nenhuma votação dessa matéria.
Com efeito, o relatório do CG, apresentado à 94ª assembleia da CBB (2014), apresenta, entre
os “Assuntos encaminhados através de parecer da Comissão de Assuntos Especiais”, o seguinte
tópico:

1
Livro da Convenção Batista Brasileira (jan. 2013), p. 450.
2
Livro da Convenção Batista Brasileira (jan. 2013), p. 43.
2.1.2.5. Adequação da Declaração Doutrinária — Adequação nos capítulos III e XVII da
Declaração Doutrinária da CBB substituindo a expressão homem por homem (macho) e
mulher (fêmea) e o texto sobre o casamento seja acrescentado a expressão: de um homem
com uma mulher. Encaminhado ao Conselho
Atendimento: Em atendimento3

No mesmo livro (Anexo 2), aparece a “Proposta de adequação dos capítulos III e XVII
da Declaração Doutrinária da CBB”, nos termos da adequação acima, formulada pela comissão
em Aracaju, em 23/01/2013.4 Não consta das atas da assembleia subsequente (2014) a
aprovação dessa proposta. Em vez disso, registrou-se a decisão em plenário no sentido de que
todas as matérias que contivessem a expressão “em estudo” ou “em andamento” constassem do
livro da próxima assembleia com as soluções dadas.5
No relatório do CG apresentado à 95ª Assembleia da CBB (2015), consta que a
recomendação acima foi atendida integralmente.6 No entanto, nele não se acha nada relativo ao
tema da adequação da DD86. Também não se verifica nenhuma votação acerca do tema nas
assembleias de número 96 (2016) e 97 (2017). Portanto, aparentemente, essa adequação jamais
foi levada a efeito, e a comissão se dissolveu sem cumprir seu mister.

Novos desdobramentos (2015–2018)


Entre os anos de 2015 e 2017, em alguma de suas reuniões, o CG decidiu retomar a
revisão da DD86, nomeando outra comissão, com novos integrantes. Vale dizer que, segundo
o Estatuto da CBB — que é retrato do princípio congregacional que professamos e
recomendado pela boa prudência —, o referido conselho não poderia propor inovações em
matéria de doutrina, cabendo-lhe apenas “o Planejamento, Coordenação e Acompanhamento
dos Programas da Convenção e de suas Organizações” (art. 13).
Por isso, o mais provável é que o CG tenha buscado dar seguimento à pendência de
adequação da DD86 que havia sido decidida em assembleia geral desde 2012. De toda forma,
não foi possível ter acesso às atas da reunião do CG no período para conhecer a motivação de
decisão nem a abrangência da revisão que a comissão deveria fazer. Também não está claro se
essa iniciativa foi uma continuidade da anterior ou uma nova iniciativa. O que se sabe é que
não consta das atas das assembleias relativas aos anos de 2016 e 2017 nenhum esclarecimento
ou discussão específica sobre tal assunto. Tampouco encontra-se qualquer indicação de que a
assembleia tenha referendado a composição dessa nova comissão.
O assunto volta a aparecer somente no relatório prestado pelo CG à assembleia no Livro
do Mensageiro de 2018, em que se lê um relatório assinado em 18/02/2018 pelo Dr. Lourenço
Stelio Rega, relator. Nele, descreve o foco da comissão na “consolidação das sugestões
recebidas na consulta pública obtida por meio de participação do público Batista no
preenchimento de formulário na internet e de participação e pastores durante as suas atividades

3
Livro da Convenção Batista Brasileira (jan. 2014), p. 42.
4
Livro da Convenção Batista Brasileira (jan. 2014), p. 299–230.
5
Livro de Atividades da Convenção Batista Brasileira — 2015, p. 303.
6
Livro de Atividades da Convenção Batista Brasileira — 2015, p. 43.
no período da 96ª Assembleia da CBB na cidade de Santos em 2016”.7 Ali menciona, também,
o intuito de “elaborar o texto final da revisão da Declaração Doutrinária para ser entregue à
próxima Assembleia da CBB que será realizada em 2019 na cidade de Natal”.8 Esse relatório
foi aprovado,9 mas, pelo visto, não houve tempo para término do trabalho no prazo mencionado.

Questões de linguagem e didática (2019)


Em novembro de 2018, o CG realizou um fórum com o tema “A CBB para um novo
tempo”, do qual surgiu a proposta de ter uma Declaração Doutrinária com uma parte fixa com
as doutrinas inegociáveis e uma parte sazonal para os temas da atualidade, revisada a cada cinco
anos.10 Reunida em 26–27/03/2019, a Comissão de Planejamento da CBB rejeitou tal proposta
e indicou, em vez disso, que a DD86 deveria passar por uma revisão de “linguagem e
apresentação didática [...] buscando maior eficiência e aplicabilidade da mesma”.11 De acordo
com o livro da 99ª assembleia (2019), essa revisão estava programada para ser apresentada na
assembleia de 2019, para finalização no ano seguinte.12
Nas atas desta assembleia (2019), aprovadas na assembleia consecutiva (2020), não
consta que a matéria supra tenha sido deliberada de maneira específica e suficiente, embora
aparentemente aprovada.13 Ainda assim, o máximo que se pode supor é que, se fosse para
efetuar uma revisão da DD86, esta deveria ater-se a questões de “linguagem e apresentação
didática”, jamais de modificação de doutrina, como se nota na proposta em curso.

Últimos andamentos (2020–2022)


No livro da 100ª assembleia, de 2020, consta, no bojo do relatório do CG, mais um
relatório da Comissão de Revisão da Declaração Doutrinária da CBB, datado de novembro de
2019, desta vez relatando a ocorrência de 370 contribuições na consulta pública realizada —
número este que, a despeito da intenção de dar publicidade ao processo, ainda se revela
insuficiente para conferir representatividade ao trabalho realizado. Ali aparece, pela primeira
vez em um documento submetido à assembleia, a composição da comissão, a saber: Lourenço
Stelio Rega, Relator, Irland Pereira de Azevedo, Josué Salgado, vice relator, Klaudy Garros,
Linaldo de Souza Guerra, Oswaldo Luiz Gomes Jacob e Samuel Mouta.14
Outro relatório aparece no livro da 101ª assembleia, de 2021, dentro do relatório do CG.
Nele, a comissão informa já ter concluído a primeira versão da revisão até o Artigo XIV
(Educação Religiosa), e estar trabalhando no Artigo XV (Liberdade Religiosa), indicando seu
plano de divulgar o trabalho em mais uma consulta ao público batista. Segundo a comissão,
“um trabalho dessa natureza e importância requer todo cuidado e dedicação para que possamos,
ao final, obtermos resultados satisfatórios”.15

7
Livro da 98ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 38.
8
Livro da 98ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 38.
9
Livro da 99ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 374–375.
10
Livro da 99ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 53.
11
Livro da 99ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 51–54.
12
Livro da 99ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 53.
13
Livro da 100ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 198–199, 203.
14
Livro da 100ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 52–53.
15
Livro da 101ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 29–30.
Por fim, em 3 de julho de 2022, V. Sª. disponibilizou na internet o texto final da nova
Declaração, elaborado pela comissão, e momento em que inaugurou a segunda consulta pública
de revisão da DD86, a qual estará aberta até 11/08/2022. No entanto, a disponibilização da
oportunidade de consulta pública, por mais bem-intencionada que seja, não convalida os
equívocos acima explicitados, uma vez que o que está em questão é a própria decisão de
atualizar a DD86 de maneira global, como está ocorrendo — em vez de simplesmente adequá-
la ao tema do casamento heterossexual e aprimorá-la em linguagem e didática —, bem como a
composição da comissão, que, ao que indicam os documentos, não foi nomeada em assembleia.

Um problema eclesiológico grave (além de jurídico)


À parte das questões jurídicas que podem vir a ser suscitadas, houve, ao nosso ver, um
equívoco de ordem eclesiológica em todo esse procedimento de revisão da DD86. É que das
duas uma: ou o CG iniciou um novo processo de revisão da mesma, ou ampliou (ou permitiu
que a comissão ampliasse) o escopo original das alterações que deveriam ser feitas. Em ambos
os casos, há um problema eclesiológico grave (além de jurídico).
Na primeira hipótese, o CG fere o princípio congregacional ao ter tomado a iniciativa de
decidir, em nome das igrejas, acerca do momento oportuno para uma revisão geral da
Declaração Doutrinária; e, além disso, nomeou uma comissão para esse mister antes de ouvi-
las. A própria reação antagônica dos pastores a essa proposta de alteração, percebida nas redes
sociais, já demonstra o quanto as igrejas batistas não estavam nem estão desejosas dessa revisão
no atual momento histórico, marcado por instabilidades e polarizações.
Não é preciso relembrar que, como congregacionais que somos, o CG não funciona como
representante das igrejas (presbitério), nem os integrantes da comissão possuem prerrogativas
magisteriais. A deliberação acerca da conveniência e oportunidade para uma revisão
substancial da DD86, como essa, dado o seu impacto para a comunhão denominacional,
somente seria possível em evento de natureza conciliar (reunião extraordinária de igrejas
autônomas e soberanas), realizado mediante convocação específica e com intensa divulgação,
tudo isso visando à maior representatividade possível, o que infelizmente não ocorreu. Vale
observar, neste particular, que não aparece no ato convocatório para a 96ª assembleia (2016),
publicada em O Jornal Batista, Edição n.º 5, de 31/01/2016, nenhuma menção de que tal
assunto seria tratado em plenário.16 A mesma ausência se nota na convocação para os anos de
201717 e 2018.18 O próprio Estatuto da CBB (art. 38), que retrata nossa eclesiologia, impõe,
para a alteração do mesmo, uma convocação especial nesse sentido — quanto mais, então, essa
convocação ampla, clara e específica deveria ser observada para a alteração da DD!
Note-se que o fato de o Estatuto da CBB ser omisso quanto ao quórum para alteração da
DD constitui uma prova de que a preocupação aqui externada não é uma questão de mera
filigrana jurídica, mas da essência de quem somos como batistas e do princípio congregacional
que professamos. Com razão, a ideia de que o CG ou mesmo uma assembleia anual corriqueira
da CBB — para a qual a imensa maioria das igrejas batistas não costuma acorrer, justamente
por não ser obrigada a isso nem bíblica nem juridicamente, vez que autônomas e soberanas —
tenha a capacidade de modificar nosso mais importante documento de fé (depois da Bíblia, é

16
Livro de Atividades da Convenção Batista Brasileira — 2016, p. 5.
17
Livro da 97ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 4.
18
Livro da 98ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 4.
claro), com o efeito potencial de excluir da denominação — e, por consequência, alijar de seu
legado histórico e patrimonial — aquelas que se recusarem a subscrever o novo texto, não pode
nem sequer passar pela cabeça de um batista convicto de suas raízes teológicas e históricas.
Por outro lado, caso o que tenha acontecido foi que o CG apenas deu continuidade à
deliberação de 2012, então o problema é que a comissão — por infeliz equívoco dela ou do CG
— incorreu em uma ampliação indevida do escopo da revisão, que deveria se restringir ao
reforço do casamento heterossexual e a questões de linguagem e didática, conforme decidido
em assembleia. Ao reescrever, adicionar e suprimir trechos da DD86, a comissão — e isto
dizemos com todo respeito — atuou fora dos limites da delegação que recebera, produzindo um
material que possivelmente será lembrado como a Declaração Doutrinária de 2023, tamanha
sua disparidade com relação à de 86.19 E o que é pior: acabou fazendo alterações que trazem
dificuldades para muitas igrejas da CBB, incluindo as que os signatários desta representam,
conforme será a seguir demonstrado.

Dificuldades do novo texto da Declaração Doutrinária


O novo texto altera significativamente vários pontos da DD86. Porém, para nos atermos
à finalidade desta carta, apontaremos apenas aqueles que contradizem a herança confessional
exposta na Confissão de Fé de New Hampshire (CFNH), primeira confissão de fé dos Batistas
do Brasil, e na DD86, causando, assim, dificuldades para seus signatários e, potencialmente,
para muitas outras igrejas que partilham do mesmo entendimento. Por razão de tempo e espaço,
deixamos de fora questões de redação, além daqueles trechos que, ao nosso ver, poderiam ser
corrigidos com pequenos ajustes. Não é o caso das questões abaixo, que, como já dito,
promovem alterações substanciais na DD86, tornando-a praticamente uma nova Declaração:
1. Capítulo IV — Pecado: Inclui-se o período: “Portanto, assim que se tornam capazes
de ação moral, os seres humanos se tornam imputáveis e ficam sob condenação”. Com isso,
suprime a doutrina, professada por muitas igrejas e confirmada pela CFNH e pela DD86, de
que todos os seres humanos, sem exceção, já nascem separados de Deus e em estado de
condenação eterna. A doutrina do pecado original é uma doutrina cristã, fundamentada nas
Sagradas Escrituras e reconhecida pelas igrejas no decurso da história. A proposta apresentada,
a rigor, aproxima os batistas da heresia pelagiana, que nega a culpa e a condenação inerentes a
todos os filhos de Adão. Thomas Helwys, um dos pioneiros da história batista, rompeu com
John Smyth por causa de seus posicionamentos inconsistentes e heterodoxos, expostos de forma
muita clara na Short Confession of Faith in XX Articles, em que ele nega a doutrina do pecado
original. Ressaltamos que, desde a sua gênese, os batistas reconhecem que o pecado é uma
condição inata ao ser humano desde o nascimento.
2. Capítulo V — Salvação (eleição): Altera-se totalmente a DD86 no que toca à eleição,
eliminando a ideia de eleição individual — “Eleição é a escolha feita por Deus, em Cristo, desde
a eternidade, de pessoas... ” (DD86, cap. VI, destaque nosso) —, substituindo-a por uma eleição
coletiva (“A eleição é a escolha soberana de Deus do seu povo” — ênfase adicionada). Além
disso, trata-se a eleição como apenas uma “figura missiológica do Antigo Testamento aplicada
ao Novo Testamento”, diminuindo consideravelmente sua relevância como realidade teológica

19
Observe-se que é o próprio relator da comissão que afirma, em nota ao Jornal Batista, que “o trabalho da
comissão não é reescrever a Declaração Doutrinária da CBB”, o que, inadvertidamente, acabou acontecendo. O
JORNAL BATISTA, ano CXVI, edição 16, 16/04/2017, p. 13.
em comparação ao texto de 86. Também eliminam-se as expressões “no exercício da sua
soberania divina” e “baseada na soberania de Deus”, que fazem um necessário contraponto à
eleição por mera presciência. Sem esse contraponto não será mais possível apaziguar a tensão,
existente em nosso meio, entre calvinismo e arminianismo, a qual nos acompanha desde nossa
origem. Esse debate é antigo e aparentemente insolúvel. Nosso desafio é preservar a liberdade
dos batistas de se posicionarem teologicamente de acordo com sua consciência, em uma dessas
duas tradições, sem sofrer censura ou sanções de quaisquer naturezas. Infelizmente, temos
conhecimento de intransigência, animosidade e até perseguição aos nossos irmãos batistas
reformados. Tememos que essa proposta acentue esse desnecessário conflito e promova uma
divisão denominacional, o que certamente não é a intenção de ninguém, muito menos a nossa.
3. Capítulo VII — Batismo e Ceia do Senhor: Inclui-se o aposto “que não são meios da
graça de Deus”, que não aparecia na DD86. Com isso, afronta-se o entendimento, professado
por um expressivo número de batistas ao longo da história, no sentido de que a Ceia é, sim, um
meio de graça, conforme amplamente documentado nas declarações de fé e na historiografia
batista.20 Vale dizer que, ao contrário do que se possa pensar, tal afirmação — de que se trata,
sim, de um meio de graça — está em harmonia com o caráter memorial da ordenança, e não
guarda nenhuma conexão com o sistema católico romano de salvação pela via sacramental,
sendo apenas uma maneira de referir-se aos meios que Deus, por sua graça, colocou à disposição
dos crentes para a santificação deles, a exemplo da “Palavra de Deus, exame próprio, abnegação
própria, vigilância e oração” (CFNH, cap. X). Saliente-se que, embora a CFNH não declare de
maneira expressa que a Ceia é meio de graça, também não declara que não o é. Na realidade, a
CFNH menciona as expressões “meios da graça” no capítulo XII e “meios de graça” no capítulo
XV, além do já citado capítulo X, que cuida dos “meios designados” de santificação, sendo
silente quanto a esse aspecto da Ceia. Dessa forma, não caberia à comissão definir posição nessa
questão, excluindo a possibilidade de entendimento diverso.
4. Capítulo IX — Ministérios cristãos: O título, que era “Ministério da Palavra”, passa
a ser “Ministérios cristãos”. Sendo esses ministérios um assunto já esclarecido no capítulo 3,
acerca dos dons espirituais, não entendemos a razão para tão grande modificação. O que chama
mais a atenção é a alteração de “certos homens” para “certas pessoas”, que fecha questão em
favor da ordenação pastoral feminina. Se o texto sugerido for aprovado, todos os pastores que
rejeitam o pastorado feminino encontrarão dificuldades em subscrever a nova DD e, ainda mais
grave, poderão ser injustamente acusados de sectários e insubmissos, quando estarão apenas
mantendo-se fiéis ao entendimento expresso em nossas confissões de fé desde o início de nossa
história. Portanto, na contramão do que se espera, pode ocorrer uma ruptura na comunhão entre
os pastores e um afastamento de inúmeras igrejas — de novo, o que nós não estamos buscando.
Há outros trechos do novo texto que nos incomodam, mas nos limitamos a apontar aqueles
que são irreconciliáveis e, caso aprovados, possuem o potencial de excluir da comunhão da
CBB muitos pastores e igrejas batistas que, ao longo dos anos, têm-se mantido fiéis à
confessionalidade da denominação — seja à luz da CFNH, seja à luz do texto original da DD86
—, ou, no mínimo, de impor-lhes o dever de manter sua teologia só para si, sem professá-la
nem ensiná-la publicamente, sob pena de incorrerem em desvio doutrinário à luz da revisão que
se está propondo para a DD86, o que seria desastroso, para não dizer ofensivo.

20
Para exemplificar, citamos a obra de Michael A. G. Haykin, Amidst Us Our Beloved Stands: Recovering
Sacrament in the Baptist Tradition, e a de Joseph Early Jr., Readings in Baptist History, as quais dão conta dessa
herança teológica.
Nossa herança confessional como batistas brasileiros
Pesquisando os registros históricos da CBB, é possível notar que, no tempo da produção
da DD86, a motivação de nossos antecessores foi atualizar a CFNH, e não substituí-la nem
revogá-la. Com razão, a iniciativa que culminou na DD86 foi “no sentido de levar à convenção
a proposta para a nomeação de uma comissão para atualizar a Declaração de Fé aceita pela
Convenção” (ênfase nossa), justificada pelo fato de que “alguns temas da mais alta significação
e atualidade não são abrangidos pelo documento em vigor”.21 Também se detecta, pelo parecer
do Grupo de Trabalho, datado de 1978, a seguinte explicação:

Na 60ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, realizada no Recife, em janeiro de


1978, foi resolvida a nomeação de um Grupo de Trabalho para atualizar a chamada
“Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil” [ou seja, a CFNH] dando consideração
especial à doutrina do Espírito Santo.22

Desse modo, a CFNH ainda serve de fonte de interpretação subsidiária da DD86, para
elucidar aquilo em que se mostre omissa ou ambígua, preservando-se, assim, a herança
confessional dos batistas brasileiros, a qual não pode de forma alguma ser desconsiderada nem
muito menos apagada. Caso o novo texto seja aprovado, haverá um rompimento radical com
essa valiosa herança, para tristeza de muitos e ofensa a nossos bravos pioneiros.23

Conclusão
Por todo o exposto, achegamo-nos para solicitar a V. Sª., com toda consideração que
merece, que interrompa o processo de revisão da DD86 e, antes de dar qualquer outro passo,
examine os documentos que foram aqui mencionados a fim de convencer-se da alegada falta de
legitimidade da revisão em curso, tanto com relação a sua abrangência quanto com relação à
composição da referida comissão. Se for o caso de dar-nos razão, nossa sugestão é que, a bem
do que foi decidido em 2021, seja levado à próxima assembleia tão somente a inclusão, no
capítulo XVII da atual DD, do adjetivo “heterossexual” entre as palavras “casamento” e
“monogâmico”, medida esta que atenderá à vontade das igrejas e apaziguará a questão.
Reiteramos, aqui, nossa mais alta estima e indizível respeito à CBB, suas organizações e
sua liderança, e também manifestamos nosso reconhecimento pelas horas gastas pelos
integrantes da comissão em serviço voluntário à denominação. Contudo, não poderíamos nos
omitir diante dos problemas mencionados e de seus possíveis desdobramentos nocivos para o
cenário da CBB, presente e futuro.
Por derradeiro, embora não se exija ser necessariamente calvinista para subscrever os
termos desta carta, cremos que é tempo de observar a recomendação do eminente pastor Irland

21
Anais da Convenção Batista Brasileira — 1977, p. 26.
22
Livro do Mensageiro da 61ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira — 1979, p. 258.
23
À guisa de exemplo, na organização da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1884,
Wiliam Bagby fez questão de transcrever na ata de fundação dessa igreja a CFNH e o Pacto das Igrejas Batistas,
o que revela seu zelo pela doutrina e seu apreço pela nossa herança confessional. BLEDSOE, David. A Confissão
de Fé de New Hampshire: a surpreendente história da primeira Confissão de Fé dos Batistas do Brasil. Rio de
Janeiro: Pro Nobis Editora, 2022, p. 124–125.
Pereira de Azevedo, externada em discurso proferido por ocasião da celebração dos 150 anos
dos batistas no Brasil, no sentido de “enfrentar a antiga tensão teológica, que reacende nos dias
atuais, entre batistas arminianos e calvinistas ou reformados, como procuraram fazer os
pioneiros de nossa denominação na Inglaterra”. Para ele, a maneira correta de enfrentar essa
tensão, com a qual concordamos integralmente, é nada mais do que a seguinte: “Respeitemos
os calvinistas, respeitemos os arminianos, e nos demos as mãos e continuemos a pregar o
evangelho no Brasil”.24
Certos de que nosso arrazoado será ponderado com sabedoria, despedimo-nos com um
cordial e fraterno abraço.

“Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas
mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos.” (Salmo 90.17)

Pr. Alex Campinas Uemura Pr. Hudson Joffer Benites Schildt


Igreja Evangélica Batista Paulistana/SP Primeira Igreja Batista de Maracaju/MS

Pr. Áquila Serra Cabral Pr. Hugo Santos Zica


Primeira Igreja Batista de Muriaé/MG Igreja Batista Plenitude - São Luiz/MA

Pr. Darcy Sborowski Júnior Pr. Jonas Lucas Ferreira Padilha


Igreja Batista de Vila Mariana Primeira Igreja Batista de
São Paulo/SP Miguel Pereira/RJ

Pr. David Bowman Riker Pr. Jorge Max da Silva


Primeira Igreja Batista do Pará/PA Igreja Batista em Constantinópolis
Manaus/AM

Pr. Fábio Luciano Soares e Santos


Pr. Judiclay Silva Santos
Igreja Batista Betel de Mesquita/RJ
Igreja Batista do Jardim Botânico/RJ

24
Os Batistas no Brasil: uma história de 150 anos. Disponível em: https://youtu.be/Pi3MlbcoPHs?t=3129.
Acesso em: 9 jul. 2022.
Pr. Júlio Cézar Ferreira Pr. Madson Gonçalves da Silva
Primeira Igreja Batista em Itabaiana/SE Igreja Batista em Paul - Vila Velha/ES

Pr. Leandro B. Peixoto Pr. Marcio André Coelho Gama


Segunda Igreja Batista em Goiânia/GO Segunda Igreja Batista em Aracaju/SE

Pr. Leandro Hüttl Pr. Riedson Alves de Oliveira Filho


Igreja Batista Betel – Goiânia/GO Igreja Batista Monte Gerizim
Salvador/BA

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