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DOS IMPACTOS DA MEDIAÇÃO NO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO

Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas


se as que lá existem são executadas; pois leis boas há por
toda a parte. (Montesquieu. O espírito das leis.)

Thiago Vinicius Papaterra Boa Morte*

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A Resolução nº 125 de 2010, do Conselho


Nacional de Justiça; 3. O marco legal da Mediação: Lei 13.140 de 2015; 4.
A Mediação no Novo Código de Processo Civil; 4.1. O acesso à justiça e o
sistema multiportas; 4.2. Centro Judiciário de Solução Consensual de
Conflitos; 5. Considerações finais.

RESUMO

O presente artigo visa promover uma análise acerca dos impactos da Mediação no
ordenamento jurídico brasileiro, tendo como enfoque, especialmente, o âmbito dos conflitos
civis. Decerto, o atual momento é deveras oportuno, à vista das recentes mudanças a respeito
da matéria, introduzida pela Lei de Mediação e pelo Código de Processo Civil de 2015. Tais
inovações legislativas justificam-se pela necessidade da superação do modelo eminentemente
litigioso, em contraponto com o fortalecimento dos meios adequados de resolução de
conflitos, ao longo das últimas duas décadas. Ainda assim, há um longo caminho a percorrer,
até a consolidação destes métodos, o que tende a ocorrer de forma lenta e gradual, vez que
pressupõe uma profunda transformação cultural. Nesse diapasão, ao longo de todo o trabalho,
os aspectos políticos, jurídicos e sociológicos envolvidos na temática, com vistas à uma
leitura interdisciplinar dos dispositivos concernentes à matéria.

PALAVRAS-CHAVE: Mediação Judicial; Direito Processual Civil; Novo Código de


Processo Civil; Lei de Mediação.

1. INTRODUÇÃO

Da análise minudente do escopo e da estrutura do processo de Mediação é possível


concluir que trata-se de uma “poderosa ferramenta não adversarial de resolução de
controvérsias”. Eis porque este método tem granjeado destaque cada vez maior no
ordenamento jurídico brasileiro, tendo se consolidado, especialmente a partir do da Resolução
nº 125 de 2010, do CNJ, como instrumento de pacificação social.1

* Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito. Graduado em Direito pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mediador e Instrutor em Mediação Judicial, certificado pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Advogado (Sócio-Diretor – Alves e Papaterra Advogados Associados),
com atuação preponderante na área Cível. Membro-Colaborador da Comissão de Mediação e Conciliação da
OAB-BA, e Presidente da Comissão de Mediação e Conciliação da OAB-BA, Subseção Camaçari-BA.
Em decorrência da atual crise que acomete a estrutura do Poder Judiciário, marcada
pelo excessivo e crescente número de processos em tramitação, e pela consequente
morosidade deste sistema tradicional de resolução de conflitos, a Mediação tem se
apresentado como importante mecanismo de prevenção e solução de conflitos, tanto no
âmbito judicial como extrajudicial.2

Na prática, o interesse pode ser constatado pelo crescimento do número de câmaras


de mediação no país, seja na área pública ou privada, pela criação de cursos para a
formação e capacitação de mediadores e, principalmente, por todo esse empenho
legislativo nos últimos anos.3

Em verdade, no plano normativo brasileiro, a Mediação começou a ser pensada a


partir do Projeto de Lei nº 4.827/98, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra. Apesar de
apresentar uma redação concisa, o projeto só foi aprovado pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados em 2002, quando foi encaminhado ao Senado Federal.
Contudo, o projeto teve sua tramitação encerrada em 2007, sem resultar em texto de lei.4
Isso porque, em 1999, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) já havia
constituído uma comissão para elaborar um Anteprojeto de Lei sobre a mediação no processo
civil, tendo apresentado o respectivo texto ao governo federal. Ocorre que, à época, o projeto
de lei da Deputada Zulaiê Cobra já havia sido aprovado na Câmara, razão pela qual o
Ministério da Justiça promoveu uma audiência pública, convidando a Deputada, o IBDP e
demais organizações sociais envolvidas, para debater o tema, diligência que culminou na
apresentação de um texto final, decorrente do consenso dos participantes.5
O Governo Federal, por sua vez, como parte do Pacote Republicano decorrente da
iniciativa que ficou conhecida como “Reforma do Judiciário”, instaurada a partir da Emenda
Constitucional nº 45 de 2004, apresentou diversos Projetos de Lei modificando o CPC,
implicando, também, em alterações no relatório do PL nº 94 de 2002, da Deputada Zulaiê
Cobra. Em vista disso, o Governo resolveu encaminhar um Projeto de Lei autônomo,
elaborado pelo IBDP, o qual acabou tendo sua tramitação interrompida na Câmara em 2007.6

1
MAZZOLA, Marcelo. Tempo de mediação. 4 jan. 2015b. Disponível em: <http://www.mediare.com.br/20-
16/05/16/tempo-de-mediacao/>. Acesso em: 11 set. 2016.
2
Cf. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em números 2015: ano-base 2014/CNJ. Brasília:
Conselho Nacional de Justiça, 2015. 499 p.
3
MAZZOLA, op. cit.
4
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação no direito brasileiro: evolução, atualidades e
possibilidades no projeto do novo Código de Processo Civil. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, 2011a.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9685>.
Acesso em: 11 set.
5
Ibid.
6
PINHO, 2011a.
Quando já se perdiam as esperanças de uma positivação da mediação em nosso
Direito, eis que, em 2009, foi convocada uma Comissão de Juristas, presidida pelo
[então] Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, com o objetivo de
apresentar um novo Código de Processo Civil. [...] Em tempo recorde, foi
apresentado um Anteprojeto, logo convertido em Projeto de Lei no Senado (nº
166/10). [...] O texto foi submetido a reiteradas consultas e audiências públicas,
recebeu um Substitutivo, sob a Relatoria do Sen. Valter Pereira, foi votado e enviado
à Câmara.7 (grifo nosso)

Após a votação nas duas Casas Legislativas, o PLS 166 de 2010, de autoria do
Senador José Sarney, foi sancionado pela Presidência, em 16 de março de 2015, instituindo o
Novo Código de Processo Civil. Além de contemplar os métodos autocompositivos dentre as
normas fundamentais do processo (art. 3º, §§ 2º e 3º, CPC), e introduzir a Mediação, de forma
positivada, no ordenamento jurídico brasileiro, a nova lei processual fez a autocomposição
ganhar uma nova conotação no ambiente jurídico.8

[...] A solução consensual dos conflitos passa a ser uma meta a ser realizada. O
dispositivo ratifica a Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que já
havia determinado a implantação dessa política pública. Agora, há a consagração
legal dessa opção, que está em consonância com movimento mundial de
estímulo à solução negociada, considerada o mais efetivo entre todos os métodos
de resolução de conflitos.9 (grifo nosso)

Nada obstante, o PLS 517 de 2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, que já
vinha tramitando no Congresso, foi sancionada no dia 26 de junho de 2015, culminando em
uma lei autônoma sobre a Mediação, a Lei 13.140 de 2015: o marco legal da Mediação.10
Impende destacar que, embora os dois instrumentos normativos acima apresentados
(Código de Processo Civil e a Lei de Mediação) representem um importante marco, na
consolidação dos métodos autocompositivos no ordenamento jurídico brasileiro, a Mediação
já vinha sendo utilizada como política pública de tratamento adequado de conflitos anos antes,
no âmbito extrajudicial, em várias partes do país.

É possível encontrar muitos projetos que, durante a década de 90 e início dos anos
2000, foram denominados “direito achado na rua” [...]. O primeiro subprojeto do
programa Pólos de Cidadania foi nomeado Núcleo de Mediação e Cidadania. A
primeira localidade de atuação do Núcleo foi a região nordeste de Belo Horizonte.
[...] No final da década de 90 e início de 2000, o Programa Pólos de Cidadania e
outros projetos e pesquisas que surgiam no Brasil trabalhavam com a mesma

7
PINHO, 2011a.
8
BRASIL. Senado Federal. Substitutivo da Câmara dos Deputados nº 166, de 2010, ao Projeto de Lei do
Senado 166, de 2010. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/ativ-
idade/materias/-/materia/116731>. Acesso em: 11 set. 2016.
9
DIDIER Jr., Fredie. Eficácia do novo CPC antes do término do período de vacância da lei. out. 2014.
Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/eficacia-do-novo-cpc-antes-do-termino-do-periodo-de-
vacancia-da-lei/>. Acesso em: 11 set. 2016.
10
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 517, de 2011. Institui e disciplina o uso da mediação
como instrumento para prevenção e solução consensual de conflitos. Disponível em: <https://www25.sena-
do.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/101791>. Acesso em: 11 set. 2016.
perspectiva de refletir sobre o Direito e as classes populares – inclusive as favelas,
uma vez que estas práticas de acesso à Justiça visavam atender os seus moradores –
com base em duas orientações/vertentes principais: (i) o direito achado na rua, e (ii)
o pluralismo jurídico.11

Mais tarde, iniciativas como esta, que visavam a descentralização do acesso à justiça,
além da democratização e reconhecimento de direitos, passaram a ser financiadas pelo
Ministério da Justiça, e, no caso de Minas Gerais, pela antiga Secretaria Adjunta de Justiça e
Direitos Humanos daquele estado.12
Na Bahia, no ano de 2003, o Tribunal de Justiça do Estado (TJBA) deu início as
atividades do Balcão de Justiça e Cidadania (BJC), com a iniciativa de promover ferramentas
de acesso à justiça e inclusão social, por meio da Mediação Comunitária e serviços de
orientação jurídica. O objetivo do BJC é aplicar a Mediação e outros meio dos métodos
autocompositivos de resolução de conflitos, especialmente nas comunidades carentes da
capital e do interior do estado, resolvendo e prevenindo conflitos extrajudicialmente.13
Desde a implementação dos “Balcões” (como ficaram conhecidos na Bahia), a
iniciativa vem experimentando franca expansão, sobretudo pelo fato de contar com o apoio de
inúmeras instituições de ensino superior do estado, tendo atendido, ao longo dos anos,
centenas de milhares de famílias. Como resultado, no ano de 2010, o TJBA conquistou o “I
Prêmio Conciliar é Legal”, instituído pelo CNJ, em reconhecimento à prática.14
Apesar da inadequação terminológica, a premiação instituída pelo CNJ foi uma das
iniciativas que visavam o estímulo e a valorização destas ferramentas de promoção de acesso
à justiça, por meio de métodos autocompositivos, e, em especial, a Mediação. Nesse diapasão,
o Conselho Nacional de Justiça, em 29 de novembro de 2010, editou a Resolução nº 125, a
qual dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos.15
Desde então, políticas públicas semelhantes à iniciativa do TJBA passaram a ser cada vez
mais incentivadas e fortalecidas em todo o território nacional, como políticas de interesse
nacional do Poder Judiciário, sob a orientação do seu órgão máximo.

11
LEANDRO, Ariane Gontijo Lopes. Descentralizando o acesso à Justiça: em busca por reconhecimento de
direitos. 7 mar. 2016. Disponível em: <http://www.mediare.com.br/2016/03/07/descentralizando-o-acesso-a-
justica-em-busca-por-reconhecimento-de-direitos/>. Acesso em: 11 set. 2016.
12
Ibid.
13
CARNEIRO, Daniel Carneiro; VASCONCELOS, Mónica Carvalho; SILVA, Silvio Maia da. O projeto
“Balcão de Justiça e Cidadania” como instrumento de efetivação do acesso à Justiça e à cidadania ativa por
meio da Mediação Comunitária. 2010. Disponível em: <http://www5.tjba.jus.br/images/pdf/artigo_bal-
cao_de_justica_e_cidadania.pdf>. Acesso em: 11 set. 2016.
14
Ibid.
15
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre
a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e
dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em:
26 ago. 2016.
2. A RESOLUÇÃO Nº 125 DE 2010, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A insatisfação do jurisdicionado, decorrente da morosidade e da ineficácia da


prestação jurisdicional pelo Estado, foram preocupações que fizeram o Ministro Cezar Peluso,
tão logo que assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), e, por conseguinte,
do CNJ, nomeasse uma comissão especial para promover um estudo de requalificação do
tratamento de conflitos pelo Poder Judiciário. Resultado desta iniciativa foi a instituição da
“Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do
Poder Judiciário”, através da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do CNJ.16
Por meio desta, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a orientação, para
todos os Tribunais do país, no sentido de que estes organizassem os serviços prestados, tanto
no curso das atividades processuais já estabelecidas, bem como em caráter preventivo
(extrajudicial), fazendo uso das ferramentas de tratamento adequado para a correta
administração dos conflitos. Isto é, a partir de então, os Tribunais deveriam incentivar e
introduzir em suas atividades os métodos autocompositivos, inclusive em caráter pré-
processual, como forma de resolução de conflitos e prevenção de demandas judiciais.17
A expectativa dos juristas que participaram da elaboração das diretrizes delineadas na
Res. 125 de 2010 era a promoção de uma “transformação revolucionária, em termos de
natureza, qualidade e quantidade dos serviços judiciários, com o estabelecimento de filtros
importantes de litigiosidade”, pela capacitação de auxiliares da justiça, a fim de que estes,
efetivamente, atuassem de modo a promover a solução consensual dos conflitos.18
Isto porque, formalmente, a preocupação pela solução amigável dos conflitos, existe
no ordenamento pátrio antes mesmo da independência do país, desde as Ordenações Filipinas:

E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes que antes que façam
despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensões, se devem concordar e não
gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa
sempre he duvidoso. (Livro 3º, T. 20, §1º)19

No mesmo sentido, a Constituição do Império, de 1824, estabelecia em seu art. 161


que “sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará

16
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos
de interesses. Revista de Processo (RePro), São Paulo, ano 36, n. 195, mai. 2011. p. 389-391.
17
AZEVEDO, André Gomma de (org.). Manual de Mediação Judicial. 6ª Ed. Brasília: Ministério da Justiça,
2016, p. 37.
18
WATANABE, op. cit., p. 392.
19
Ibid., p. 387.
processo algum”.20 Mais tarde, mesmo estando a “defesa da paz” e a “solução pacífica dos
conflitos” (respectivamente, incisos VI e VII, do art. 4º, da CF/88), consagrados como
princípios da República Federativa do Brasil, inclusive no âmbito de suas relações
internacionais (vide Preâmbulo da Constituição Federal de 1988)21, o que se experimentava,
até então, era a tentativa de autocomposição em caráter meramente formal.
Mesmo no âmbito infraconstitucional, instrumentos normativos como a Lei nº 9.099
de 1995, que inaugurou os Juizados Especiais Cíveis, tendo como mote a valorização da
autocomposição, como meio de solução rápida dos conflitos de menor complexidade, não
atingiram os objetivos inicialmente almejados.22 Na prática, constatou-se que a tentativa de
solução consensual vinha sendo desvirtuada, algo que, lamentavelmente, em certa medida,
ainda hoje é possível verificar.
Bem mais que restringir a tentativa de autocomposição ao questionamento acerca da
existência ou não de proposta de acordo, a Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado de conflitos, instituída pela Res. 125 de 2010, do CNJ, supõe, dentre outras
diretrizes e cuidados, a serem adotados pelo Poder Judiciário:

a) critérios técnico-científicos na organização dos serviços de solução conciliada dos


conflitos; b) formação de um quadro de mediadores/conciliadores adequadamente
preparados; c) determinação de estratégias na instalação, em todo país, dos setores
de conciliação/mediação; d) criação de uma nova cultura na sociedade brasileira,
qual seja a da solução negociada e amigável dos conflitos de interesses.23

A proposta introduzida pelo CNJ, com o advento da Res. 125 de 2010, foi no sentido
de mudar a própria concepção de acesso à justiça. Além do necessário esforço de assegurar ao
jurisdicionado um maior grau de satisfação, no que se refere ao resultado final do processo,
com a efetiva resolução dos conflitos pelo Estado, esta nova Política Judiciária caracteriza-se,
sobretudo, pela reestruturação do Poder Judiciário, a fim de consolidá-lo como um efetivo
centro de harmonização social.24
Busca-se, a partir desta, a emancipação do jurisdicionado quanto à administração dos
conflitos, ao passo que apresenta a Mediação não só como um mecanismo de resolução de

20
WATANABE, op. cit., p. 387.
21
Cf. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso
em: 13 set. 2016.
22
Cf. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em:
13 set. 2016.
23
WATANABE, op. cit., loc. cit.
24
AZEVEDO, op. cit., p. 39.
demandas, mas também como ferramenta de transformação social.25 Por meio desta,
possibilita a construção de espaços sociais públicos legítimos, valorizando a atuação dos
envolvidos, com a difusão de práticas democráticas.26 Desta forma, endossa a premissa de que
o acesso à Justiça deve compreender, também, as tarefas de “estimular, difundir e educar seu
usuário a melhor resolver conflitos por meio de ações comunicativas”.27
Para tanto, o CNJ estabeleceu, no art. 7º, da Res. 125 de 2010, a necessidade da
criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
(NUPEMEC), no âmbito dos Tribunais de Justiça, incumbindo a estes as seguintes
atribuições, entre outras:

[...] II - planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao


cumprimento da política e suas metas; [...] IV - instalar Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de
conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos
órgãos por eles abrangidos; V - incentivar ou promover capacitação, treinamento e
atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos
métodos consensuais de solução de conflitos; VI - propor ao Tribunal a realização
de convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins
desta Resolução; 28 (grifos nossos)

Nota-se, aqui, uma especial atenção quanto à adequada capacitação de todos os


agentes envolvidos neste processo. O objetivo é formar equipes especializadas, que possam
promover a implantação de programas voltados à formação continuada dos auxiliares da
justiça (mediadores e conciliadores), bem como a implementação de Políticas Públicas como
o Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC).29
Resultado de projetos-piloto desenvolvidos no âmbito do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o CEJUSC (art. 8º, Res. 125 de 2010) consiste numa
estrutura voltada, especificamente, à realização de sessões de Conciliação e Mediação. O
objetivo é centralizar tais atividades neste órgão auxiliar, visando assegurar o adequado
tratamento dos conflitos, inclusive antes do ajuizamento de ações. Deste modo, a estrutura do
25
Trata-se de uma estratégia baseada na lição do Prof. Paulo Freire, o qual considera que a educação não
transforma o mundo, mas sim as pessoas; as pessoas, por sua vez, sob influência da educação, mudam o mundo.
De igual modo, a necessidade de mudar o olhar sobre o papel do Poder Judiciário perpassa por uma mudança
cultural. Somente através da promoção de uma nova cultura para o tratamento adequado dos conflitos é que se
faz possível dar novo significado aos mecanismos de administração dos conflitos, inserindo os indivíduos como
agentes de transformação desta própria realidade que os aflige.
26
ALBERTON, Genacéia da Silva. Repensando a jurisdição conflitual. Revista Brasileira de Direito, Passo
Fundo, v. 4, n. 1, p. 53-98, jan./dez. 2009, apud PEREIRA, Daniela T. Mediação: um novo olhar para o
tratamento de conflitos no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez. 2011. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10864&revista_caderno=21
>. Acesso em: 13 set. 2016.
27
GENRO, Tarso. Prefácio da primeira edição do Manual de Mediação Judicial, Brasília/DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, p. 13, apud AZEVEDO, op. cit., p. 41.
28
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), 2010.
29
Cf. Seção II, da Resolução nº 125 de 2010. In: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), 2010.
CEJUSC fora idealizada no sentido de realizar, especialmente, sessões de Mediação, em
caráter extrajudicial, pré-processual, e, também, endoprocessual.30 Por tratar-se de uma
Política Pública que sofreu diversas alterações, sobretudo, com o advento do CPC/2015, a
temática voltará a ser discutida no tópico correspondente.
Entrementes, o que se observa é que a Res. 125 de 2010 fez a Mediação granjear
destaque especial no âmbito do Poder Judiciário. Por esta razão é considerada por muitos
como marco introdutório da Mediação no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda assim, os
doutrinadores que se debruçaram sobre a temática, ao longo dos anos, celebraram muito a
chegada da Lei de Mediação (Lei 13.140 de 2015), sobretudo porque representa a
concretização legal do instrumento, bem como pelo fato desta dialogar, em muitos aspectos,
com o Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015), conforme a análise que segue.31

3. O MARCO LEGAL DA MEDIAÇÃO: LEI 13.140 DE 2015

Por mais de 17 (dezessete) anos, diversos Projetos de Lei sobre Mediação tramitaram
no Congresso Nacional, sem êxito. Desde a primeira iniciativa (PL 4.827/1998), nenhum
projeto havia avançado com sucesso nas duas Casas Legislativas, até que, em 2011, com o
fortalecimento das discussões sobre o Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), o
Poder Legislativo voltou a tratar sobre o assunto. Visto que o novo regramento processual
trazia inúmeros dispositivos acerca da Mediação, o legislador “não pareceu satisfeito nem
disposto a deixar que o Código processual se tornasse o marco legal sobre o tema”.32
Assim, em 25 de agosto de 2011, o Senador Ricardo Ferraço protocolizou o Projeto
que resultou, menos de 4 (quatro) anos depois, na Lei nº 13.140 de 2015: Lei de Mediação.33
O Marco Legal sobre o tema, sancionado no dia 26 de junho de 2015, entrou em vigor em 26
de dezembro de 2015, isto é, 180 (cento e oitenta dias) após a sua publicação, e, portanto,
antes mesmo do término da vacatio legis do Novo Código de Processo Civil, que somente
passou a vigorar no dia 18 de março de 2016.34
A discussão acerca da vigência das leis, para alguns autores, revela-se importante em
virtude da interação entre elas, de modo que consideram que pode existir alguma antinomia,
30
AZEVEDO, op. cit., p. 42.
31
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2ª ed., rev., atual., e ampl – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Editora Método, 2015b, p. 264.
32
Ibid., loc. cit.
33
BRASIL, 2011.
34
Vide art. 1.045, do CPC. Cf. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015a. Institui o Código de Processo
Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso
em: Acesso em: 26 ago. 2016.
remetendo, então, à necessidade de se recorrer à Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB – Decreto-Lei nº 4.657 de 1942).35 Contudo, há que se destacar que tal
discussão é improfícua, uma vez que, na pior das hipóteses, por estarmos diante de uma lei
especial (Lei de Mediação), a lei geral (sobre o processo civil, isto é, o CPC/2015), ainda que
posterior, não revogaria a anterior, consoante o disposto no art. 2º, §2º, da LINDB.36
Além disso, o que se observa é que os institutos contemplam disposições que estão em
perfeita consonância, existindo, por outro lado, situações que implicam uma pequena margem
para a discussão acerca de antinomias aparentes. Por exemplo, o art. 168 do CPC, preconiza
que “as partes podem escolher (sic), de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara
privada de conciliação e de mediação”, ao passo que a Lei de Mediação, em seu art. 25,
dispõe que, em se tratando de “mediação judicial (sic), os mediadores não estarão sujeitos à
prévia aceitação das partes”. Neste caso, a interpretação sistemática dos dispositivos permite o
hermeneuta concluir que, em se tratando de Mediação Extrajudicial, podem as partes, em
comum acordo, escolher o mediador ou a câmara onde será realizada a sessão, enquanto que,
no caso da Mediação Judicial, não será dado às partes, em tese, o direito de escolha.37
Inclusive, são estas nuances entre a Mediação Judicial e Extrajudicial que se
apresentam como uma das mais relevantes contribuições que a Lei de Mediação introduziu no
ordenamento jurídico. Embora traga disposições comuns a ambos, é evidente a preocupação
do legislador em destacar as peculiaridades de cada procedimento.38
Por exemplo, no que se refere à presença de advogado na sessão de Mediação, a lei
apresenta uma clara distinção entre a esfera judicial e extrajudicial. Enquanto na Mediação
Judicial (aquela realizada no curso do processo judicial) “as partes deverão ser assistidas por
advogados ou defensores públicos (art. 26, Lei de Mediação; art. 334, §9º, CPC), em se
tratando de Mediação Extrajudicial (fora do âmbito do Poder Judiciário), “as partes poderão
ser assistidas” pelos seus respectivos procuradores, se assim desejarem, não se tratando,
todavia, de uma obrigatoriedade (art. 10, Lei de Mediação).

35
TARTUCE, 2015b, p. 265-269.
36
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 14 set.
2016.
37
Devem ser ressalvadas as hipóteses de impedimento e suspeição (art. 5º, Lei de Mediação), bem como a
possibilidade de os Tribunais apresentarem rol de mediadores (ou câmaras), constantes do respectivo cadastro,
quando houver, para seleção pelas partes, na forma dos §§1º e 2º, do art. 168, do CPC. Cf. BRASIL, 2015a.
38
Cf. BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015b. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio
de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a
Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da
Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 26 ago. 2016.
Apesar de ser um assunto polêmico, é justificável a opção do legislador. Isso porque,
muito embora a Mediação seja um tema que tem despertado cada vez mais interesse entre os
profissionais, trata-se de uma prática já há muito difundida no país. Assim, ao deixar de
estabelecer a obrigatoriedade da presença do advogado na Mediação Extrajudicial, quis o
legislador, na verdade, resguardar a validade dos procedimentos realizados fora do âmbito do
Poder Judiciário, a exemplo do que ocorre nas corporações empresariais e outras entidades,
que já faziam uso da ferramenta, para lidar com conflitos em sua esfera de ingerência.39
Vale destacar que isto não atenua ou afasta a importância do advogado neste processo.
Mesmo porque, como já dito, se, por um lado, ao mediador, incumbe o esforço de facilitar o
diálogo entre as partes, aos advogados cabe a orientação dos seus respectivos constituintes,
com postura colaborativa, para que estes, com informação suficiente, possam resguardar a sua
autonomia da vontade. Por esta razão, mesmo na Mediação Extrajudicial, embora não seja
obrigatória, é extremamente recomendável o assessoramento das partes, pelos seus
respectivos advogados ou defensores.40
Há que se considerar, ainda, que a Lei de Mediação não se limitou a estabelecer as
peculiaridades da Mediação no âmbito judicial e extrajudicial. Para muito além disso,
introduziu no ordenamento inovações jurídicas de extrema relevância, a exemplo da
possibilidade de instaurar processo autocompositivos, em conflitos que tenha como parte
Pessoa Jurídica de Direito Público (art. 32 e ss., Lei de Mediação). Isto é, a partir de então,
exsurge a possibilidade de submeter a própria Administração Pública a processos de
Mediação, inclusive, por intermédio da criação de câmaras próprias, podendo ser tratadas
nestas, dentre outros, conflitos de natureza tributária (art. 34, §2º, Lei de Mediação).41
Além disso, a Lei de Mediação contempla diversos dispositivos que implicam efeitos
processuais significativos, a exemplo do parágrafo único do art. 17: “enquanto transcorrer o
procedimento de mediação, ficará suspenso o prazo prescricional”. A mesma regra se aplica
aos procedimentos instaurados para a resolução de conflitos no âmbito da Administração
Pública, devendo ser observadas, por outro lado, as nuances relativas à matéria de natureza
tributária (art. 34, da Lei de Mediação).

39
Cf. BRAGA NETO, Adolfo. A mediação de conflitos nas organizações. Valor Econômico, Caderno E2, 8 out.
2004.
40
ALMEIDA, Tânia. Mediação e conciliação: dois paradigmas distintos, duas práticas diversas. 2008.
Disponível em: <http://www.mediare.com.br/2016/03/02/mediacao-e-conciliacao-dois-paradigmas-distintos-
duas-praticas-diversas/>. Acesso em: 25 ago. 2016.
41
Por força do art. 37, da Constituição Federal, enquanto ao particular é dado fazer tudo aquilo que não é defeso
em lei (art. 5º, II, CF), ao Poder Público somente é permitido agir em conformidade com os mandamentos da lei,
não podendo desta se desviar, sob pena de praticar ato inválido ou incorrer, até mesmo, em crime. Cf. BRASIL,
1988.
Por fim, não se pode olvidar os diálogos que a Lei de Mediação estabelece com o
CPC/2015, no sentido de reforçar ou complementar algumas das iniciativas nele contidas. Por
exemplo, a possibilidade de valer-se da fixação de cláusula compromissória, em disposição
contratual, que precede a instauração do conflito (art. 2º, §1º, Lei de Mediação), como meio
de ensejar a obrigatoriedade do comparecimento à audiência de Mediação, é reflexo do
instituto delineado no art. 190 do CPC: o negócio jurídico processual.42 A validade jurídica
do termo de acordo celebrado na sessão de Mediação, como título executivo extrajudicial,
delineada no art. 20, parágrafo único, da Lei de Mediação, é reforçada pelo art. 784, IV, do
Código de Processo Civil.
Em verdade, da leitura da Lei de Mediação, é possível extrair inúmeros instrumentos
normativos que refletem o caráter dialógico entre esta e o CPC/2015. Nesse diapasão, a
harmonia e complementariedade dos institutos revelam o cuidado do legislador ao estruturar
este sistema normativo, de modo a assegurar a integridade e eficácia do processo de
Mediação, granjeando maior segurança jurídica ao procedimento, e contribuindo para a
consolidação deste mecanismo no ordenamento jurídico brasileiro.

4. A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Mais que um instrumento de resolução de controvérsias, a experiência com a


Mediação revela que o método representa uma ferramenta democrática de exercício da
cidadania. Por esta razão, a sua consagração, no atual cenário normativo, desvela um campo
fértil para formatação de novas políticas públicas que se apropriem deste mecanismo, como
meio de ampliar a participação do cidadão no processo decisório, seja ele decorrente de uma
lide processual, ou na articulação de interesses no âmbito da própria convivência social.43
Isso porque, o empoderamento dos indivíduos, por meio de mecanismos que
estimulam o diálogo, fortalece a comunicação no meio social, possibilitando uma interação
mais sadia, reduzindo, assim, a ocorrência de conflitos que demandem a intervenção estatal.

A participação em um processo de facilitação de diálogos possibilita adquirir


consciência sobre as circunstâncias (núcleo e contornos) da situação que a motiva,
sobre uma escuta qualificada e sobre uma tomada de decisões de natureza inclusiva.
Os participantes desse processo, movidos por suas novas percepções e/ou

42
Cf. DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. 18ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016a, p. 380.
43
ALMEIDA, Tânia. Construção de consenso: um instrumento contemporâneo e democrático para formatação
de políticas públicas. 21 dez. 2015b. Disponível em: <http://www.mediare.com.br/2015/12/21/construcao-de-
consenso-um-instrumento-contemporaneo-para-gestao-de-politicas-publicas/>. Acesso em: 15 set. 2016.
discernimentos sobre determinado assunto ou questão, passam a propor ações de
mútuo benefício.44

O objetivo é racionalizar a prestação jurisdicional pelo Estado, uma vez que nem todo
conflito carece, necessariamente, da intervenção do Poder Judiciário para ser resolvido. Para
tanto, é preciso repensar o conceito de acesso à justiça, não sendo correto limitá-lo a acesso ao
Poder Judiciário, pois é justamente esta cultura de litigiosidade que retroalimenta o
assoberbamento da própria estrutura estatal, impedindo-a de entregar uma prestação
jurisdicional justa, efetiva e em tempo razoável.45
O êxito destas estratégias, contudo, demandam uma transformação cultural, processo
que exige tempo, e a participação de toda a sociedade.

A conjuntura atual do Poder Judiciário exige empenho no sentido de mudar a


mentalidade do povo brasileiro; principalmente, de todos os artífices do direito, que
precisam conscientizar-se das benesses que a participação maciça de auxiliares [...]
poderão trazer à prestação jurisdicional, aprimorando-a.46

Por esta razão, o legislador dedicou uma seção inteira (Seção V, Capítulo III, CPC)
aos conciliadores e mediadores judiciais, tal qual agentes facilitadores dos métodos
autocompositivos, reforçando a importância destes auxiliares da justiça neste processo. Por
outro lado, há que se destacar que esta nobre missão incumbe não só a estes agentes, uma vez
que o CPC/2015 apresenta o princípio da adequação jurisdicional como norma fundamental
do processo civil (art. 3º, CPC). Com efeito, o estímulo às práticas autocompositivas compete,
também, aos “juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público”.47
Assim, em virtude do seu caráter pedagógico, a Mediação merece especial atenção,
sendo certo que o CPC/2015 menciona o instituto cerca de quarenta vezes.48 Além de indicar
a Mediação, ou melhor, o interesse na realização do procedimento, como requisito da petição
inicial (art. 319, CPC), o legislador impôs o cabimento de multa, de até dois por cento do
benefício econômico pretendido ou do valor da causa, para aquele de deixar de comparecer,
injustificadamente, à audiência (art. 334, §8º, CPC). Logicamente, nos casos de dispensa, isto

44
ALMEIDA, 2015b.
45
MAZZOLA, Marcelo. O novo CPC e uma visão contemporânea do acesso à justiça. 16 fev. 2016. Disponível
em: <http://www.mediare.com.br/2016/05/16/2177/>. Acesso em: 15 set. 2016.
46
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Formas alternativas de solução de conflitos. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. v. 251, 2009, p. 270.
47
Para o juiz, porém, a tentativa de autocomposição representa um dever (art. 139, V, CPC), sendo pertinente em
qualquer etapa do processo, ou grau de jurisdição. Afinal, ninguém melhor que as próprias partes para construir
uma solução adequada, uma vez que foram elas que vivenciaram os fatos, experimentaram as sensações e,
portanto, conhecem os seus limites.
48
Cf. BRASIL, 2015a.
é, as exceções previstas em lei (art. 334, §4º, CPC), a não realização da audiência não implica
ato atentatório à dignidade da justiça (contempt of court).49
Há que se destacar, no entanto, que “a Mediação é um trabalho artesanal”, de modo
que a execução do trabalho de forma mecanizada, “como hoje, infelizmente, se faz com as
audiências prévias ou de conciliação, nos juizados especiais e na justiça do trabalho”, não
possibilitará os impactos que se esperam da ferramenta.50

Cada caso é único. Demanda tempo, estudo, análise aprofundada das questões sob
os mais diversos ângulos. O mediador deve se inserir no contexto emocional-
psicológico do conflito. Deve buscar os interesses, por trás das posições externas
assumidas, para que possa indicar às partes o possível caminho que elas tanto
procuravam.51

Por esta razão, é fundamental que o mediador tenha condições de trabalho dignas, que
o permita realizar esta tarefa de maneira adequada. Daí, também, a importância do princípio
da independência do mediador. Nesse diapasão, embora o §2º, do art. 334, do CPC, disponha
que o intervalo entre a realização da primeira sessão e da subsequente – relativas à mesma
demanda – não possa exceder dois meses, trata-se, em verdade, de um prazo impróprio. Isto é,
entendendo o mediador, e as partes, que se faz necessário um prazo maior, para
amadurecimento das ideias, até a promoção de um novo debate, poderá redesignar a sessão
em data ulterior. Aliás, é o que dispõe o art. 28, da Lei de Mediação: “o procedimento de
mediação judicial deverá ser concluído em até sessenta dias, contados da primeira sessão,
salvo quando as partes, de comum acordo, requererem sua prorrogação”.
Outro dispositivo que reforça a necessidade do uso racional do tempo, para o sucesso
da tentativa de autocomposição, é o §12, do art. 334, do CPC, o qual tem sido interpretado,
equivocadamente, de forma literal, trazendo sério prejuízo à condução do procedimento: [...]
“a pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o
intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte”.
O objetivo do legislador, a priori, era assegurar um tempo de duração adequado à
complexidade do processo de Mediação, bem como possibilitar que o mediador, diante de sua
árdua tarefa, gozasse de um tempo de descanso entre uma sessão e outra. É o que se
depreende do texto originário, aprovado pelo Senado, apresentado pela Comissão de Juristas
convocada para elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil, que segue transcrito:

49
ASSIS, Araken de. O contempt of court no direito brasileiro. Revista de Processo (RePro), São Paulo, v. 111,
p. 18-37, 2003.
50
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. O novo CPC e a mediação. Revista de informação legislativa,
Brasília, ano 48, n. 190 t.1, abr./jun. 2011b, p. 225.
51
Ibid., loc. cit.
Art. 323 - Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de
improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação com
antecedência mínima de trinta dias.

§ 1º - O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na


audiência de conciliação, observando o previsto nos artigos 144 e 145, bem como
as disposições da lei de organização judiciária.

§ 2º - Poderá haver mais de uma sessão destinada à mediação e à conciliação, não


excedentes a sessenta dias da primeira, desde que necessárias à composição das
partes.

§ 3º - As pautas de audiências de conciliação, que respeitarão o intervalo


mínimo de vinte minutos entre um e outro ato, serão organizadas separadamente
das de instrução e julgamento e com prioridade em relação a estas. 52 (grifos nossos)

Lamentavelmente, durante a tramitação do anteprojeto nas Casas Legislativas, o texto


sofreu alterações, apresentando redação final que termina por dar margem à implementação
equivocada do intervalo entre os atos da pauta de audiências, prejudicando a adequada
condução das sessões. Isso porque, o tempo médio de duração de uma sessão de Mediação é
de, aproximadamente, 2 (duas) horas. No entanto, o texto final do CPC/2015, pode ensejar a
interpretação de que cada sessão de Mediação duraria 20 (vinte) minutos, tempo que sequer
permite ao mediador apresentar a si e as diretrizes da Mediação (Declaração de Abertura), e
criar um ambiente propício ao desenvolvimento das demais etapas do processo.53
Mais uma vez, mostra-se essencial que o hermeneuta realize uma cuidadosa
interpretação sistemática dos dispositivos concernentes à Mediação, sobretudo, porque a ideia
é promover uma nova visão de acesso à justiça, de maneira humanizada. É, deveras,
preocupante, a ideia de apego a estatísticas e a “busca frenética de resultados rápidos”, afinal,
estes conceitos “são absolutamente incompatíveis com a Mediação”.54
Impende destacar que o interesse maior do legislador, ao nomear uma Comissão de
Juristas especializada no tema, foi assegurar à Mediação, e aos mecanismos
autocompositivos, como um todo, “o destaque que modernamente eles têm tido”.55 Deste
modo, a implementação equivocada das iniciativas constantes do texto normativo não pode
ser tolerada, sob pena de invalidar todo o esforço envolvido na construção deste sistema
normativo, que tem como mote a concretização do conceito ideal de acesso à justiça.

52
GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e Mediação Judiciais no Projeto de Novo Código de Processo Civil.
Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 48, n. 190, 2011, p. 4.
53
Cf. TARTUCE, 2015b, p. 242-248.
54
PINHO, 2011b, p. 228.
55
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. In: FREIRE, Alexandre;
MEDINA, José Miguel Garcia; DIDIER Jr., Fredie; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; MIRANDA, Pedro
(orgs.). Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o Projeto do Novo CPC, v. 1, Salvador: JusPodivm,
2013, p. 752.
4.1. O ACESSO À JUSTIÇA E O SISTEMA MULTIPORTAS

O Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015) faz a primeira referência à Mediação
já entre os seus primeiros dispositivos, dentre as Normas Fundamentais. Há que se destacar
que o legislador, ao dispor acerca dos mecanismos de solução de conflitos, inaugurou, no
ordenamento jurídico brasileiro, um novo modelo de sistema jurisdicional, consoante se
depreende do fragmento abaixo:

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos


conflitos.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos


deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. 56

Verifica-se, ab initio, que o legislador trouxe ao texto normativo infraconstitucional,


um dispositivo consagrado na Carta Magna, em seu art. 5º, XXXV: o princípio da
inafastabilidade da justiça.57 Porém, nota-se uma sutil diferença entre o texto constitucional e
o disposto no caput do art. 3º do CPC, que não decorre do acaso. Ao substituir a expressão
“apreciação do Poder Judiciário” por “apreciação jurisdicional”, quis o legislador enfatizar a
necessidade de se estabelecer um novo olhar sobre o que se entende por “acesso à justiça”.

O fato de um jurisdicionado solicitar a prestação estatal não significa que o Poder


Judiciário deva, sempre e necessariamente, ofertar uma resposta de índole
impositiva, limitando-se a aplicar a lei ao caso concreto. Pode ser que o Juiz entenda
que aquelas partes precisem ser submetidas a uma instância conciliatória,
pacificadora, antes de uma decisão técnica. 58 (grifo nosso)

Ora, cabe ao Estado, em virtude de sua função pacificadora, colocar à disposição do


jurisdicionado ferramentas que estejam em consonância com as peculiaridades do caso
concreto, e possibilite a resolução adequada do conflito. Assim, ao trazer no art. 3º do CPC, a
inafastabilidade da “apreciação jurisdicional”, que abarca tanto os métodos
heterocompositivos (jurisdição estatal, e Arbitragem) como os mecanismos autocompositivos
(Conciliação e Mediação), o legislador consagrou o chamado sistema multiportas.59

56
BRASIL, 2015b.
57
Dispõe o art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Cf.
BRASIL, 1988.
58
PINHO, 2011b, p. 230.
59
MAZZOLA, 2016.
Cunhada pelo Prof. Frank Ernest A. Sander (Harvard Law School), a expressão
Multidoor Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas, ou sistema multiportas)60 representa uma
visão do Poder Judiciário como um “centro de resolução de disputas”. Este modelo baseia-se
na premissa de que “existem vantagens e desvantagens em cada procedimento que devem ser
consideradas em função das características específicas de cada conflito”. Sendo assim, em vez
de apresentar a demanda, para resolução, por um único meio (o processo judicial), o sistema
multiportas apresenta diversos mecanismos de resolução, formatando um “Centro de Justiça”,
no qual as partes podem ser direcionadas ao mecanismo mais adequado à sua demanda.61
O critério que deve orientar o direcionamento o conflito para o respectivo meio de
resolução, portanto, deve ser o da adequação. Pode-se dizer que o sistema multiportas tem
como fundamento a Resolução Adequada de Disputas (RAD), de modo que o Estado não
deve adotar um mecanismo como prioritário (ou principal), enxergando os demais métodos
como “alternativos”. Sob a ótica da RAD, inexiste hierarquia entre os métodos, devendo ser
sempre observadas as peculiaridades do caso concreto, como forma de eleger o meio mais
apropriado para tratar do conflito apresentado.62
Portanto, embora o CPC/2015 tenha fortalecido a importância da Mediação, a lógica
do sistema multiportas permite concluir que o método “não deve ser utilizado para todo e
qualquer caso”. Devem ser expurgadas as soluções e/ou direcionamentos generalistas, ao
passo que “cada tipo de conflito tem uma forma adequada de solução”. Para tanto, é de
fundamental importância a adoção de um processo de triagem coerente e preciso, que permita
analisar as peculiaridades do caso, a fim de direcionar o jurisdicionado ao mecanismo mais
adequado à sua demanda.63
Nesse contexto, faz-se necessário a reestruturação de dois espaços, que orientam,
aprioristicamente, o acesso à justiça: o Poder Judiciário, e os escritórios de advocacia. Ora,
não é possível conceber a “administração da justiça” sem reconhecer, neste processo, o papel

60
O Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos (multi doors system), adotado já por alguns estados
americanos, integra o painel de opções da American Arbitration Association e da Câmara de Comércio
Internacional (CCI), entidades renomadas no campo da resolução extrajudicial de controvérsias. Ele oferece
recursos customizados, tendo sido alguns deles formatados para atuar preventivamente, resolvendo o
conflito durante a sua construção, ou, até mesmo, antes dela, resolução em tempo real (just in time resolution).
ALMEIDA, 2002.
61
AZEVEDO, op. cit., p. 39-40.
62
Com o advento da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, começa-se a criar a necessidade de
tribunais e magistrados abordarem questões como solucionadores de problemas ou como efetivos pacificadores,
o que fora ratificado e consolidado pelo CPC/2015. Nesse diapasão, a pergunta recorrente no Poder Judiciário
deve deixar de ser “como devo sentenciar em tempo hábil” e passar a ser “como devo abordar essa questão para
que os interesses que estão sendo pleiteados sejam realizados de modo mais eficiente, com maior satisfação do
jurisdicionado e no menor prazo”. Cf. AZEVEDO, op. cit., p. 41.
63
PINHO, 2011b, p. 226.
do advogado (art. 133, CF/88). Na prática, porém, o que se observa é que ainda prevalece o
costume de se buscar a jurisdição estatal (processo litigioso), antes mesmo de tentar
estabelecer um diálogo com a parte contrária. Por isso, tem sido mais comum que o
jurisdicionado tenha o primeiro contato com a mediação na sua modalidade judicial.64
É preciso que os advogados repensem este modelo de atuação profissional, por serem
os escritórios, quase que sempre, a “porta de entrada que dá acesso à justiça”. Não foi à toa
que o próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), quando da
edição do novo Código de Ética e Disciplina, asseverou que incumbe ao advogado o dever de
“estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo,
sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, parágrafo único, VI).65
Nota-se, portanto, que deve haver o esforço de todos que participam, direta ou
indiretamente, do sistema de acesso à justiça, para a consolidação deste novo modelo. A
esperança é que a sociedade amadureça, “no sentido de que passe a ter um papel mais ativo na
procura de soluções e no gerenciamento dos conflitos, abandonando a atual postura de
recorrer sempre e de forma automática ao Judiciário”.66
Ao Estado, por sua vez, permanece a tarefa de se estruturar adequadamente,
viabilizando a apreciação jurisdicional, isto é, a resolução de conflitos, por múltiplos
caminhos. Por isso, urge a necessidade de se promover a capacitação e requalificação de
magistrados e servidores, para que estes estejam aptos a operacionalizar este novo sistema,
sobretudo, no âmbito dos CEJUSC’s.

4.2. CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS

Tanto o Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015), como a Lei de Mediação,
respectivamente, em seus arts. 165 e 24, dispõem acerca da obrigatoriedade de implantação
dos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC’s). O texto normativo
de ambos os diplomas legais, que reproduz redação idêntica, endossa um comando legal que
não trata de uma norma meramente simbólica.67 Antes disso, representa a consagração legal
da Política Pública pensada pelo CNJ, à época da edição da Res. 125 de 2010, assegurando-

64
Ibid., p. 228.
65
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Resolução nº 2, de 19 de outubro de 2015.
Aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Disponível em:
<http://www.oab.org.br/arquivos/resolucao-n-022015-ced-2030601765.pdf>. Acesso em: 17 set. 2016.
66
PINHO, op. cit., p. 228.
67
No Brasil, o conceito de legislação simbólica foi desenvolvido por Marcelo Neves. Para ele, considera-se
legislação simbólica a “produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que
serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico”.
DIDIER Jr., 2014.
lhe, doravante, força cogente. Isto é, a partir de agora, torna-se imperiosa a “necessidade de os
tribunais instalarem CEJUSCs”, como parte de uma política judiciária unificada, coordenada
pelo seu órgão máximo.68
O CEJUSC consiste numa estrutura, projetada para funcionar de forma complementar
e suplementar às atividades dos respectivos Tribunais, onde deverão ser realizadas as “sessões
e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais”, sendo responsáveis,
ainda, “pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a
autocomposição” (art. 165, CPC; art. 23, Lei de Mediação). Ou seja, o CEJUSC é composto,
necessariamente, por uma estrutura tríplice: setores processual, pré-processual e de cidadania
(Enunciado nº 2, do FONAMEC).69
Ao setor processual, incumbe a realização de audiências e sessões de Conciliação e
Mediação, conforme o caso, quando já houver sido deflagrado o processo. Neste, portanto,
serão realizadas as audiências de que tratam os arts. 334, 565 e 695, do CPC.70 Já o setor pré-
processual ficará com o encargo de receber reclamações cíveis e de família, antes mesmo da
instauração do processo, com a finalidade de evitar a deflagração do processo litigioso.
Conforme o disposto no Enunciado nº 7 do FONAMEC, os Tribunais poderão organizar as
suas rotinas de trabalho, visando atender, também, matérias de natureza tributária, ambiental,
criminal e previdenciária, bem como aquelas de competência dos Juizados71, devendo, em
todos os casos, ser observado o disposto no art. 26, da Lei de Mediação.72
Ao setor de cidadania incumbe outra nobre missão. Além de desenvolver os
programas “destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”, tais como, as
“Oficinas de Divórcio” e de “Parentalidade” (Enunciado nº 11, FONAMEC), que têm como
escopo o tratamento adequado dos conflitos entre pais e filhos, bem como o auxílio
multidisciplinar para o desenvolvimento de um ambiente familiar salutar, este setor será o
responsável pela orientação e encaminhamento do cidadão aos serviços que atendam
adequadamente às suas respectivas demandas. Isto é, quando o caso apresentado pelo
jurisdicionado não puder ser tratado por Mediação (Enunciado nº 12, FONAMEC), ou houver

68
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Guia de Conciliação e Mediação: orientações para
implantação de CEJUSCs. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. p. 14.
69
AMORIM, José Roberto Neves (org.). Enunciados do Fórum Nacional de Mediação e Conciliação
(FONAMEC). Brasília: Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 2015.
70
Cf. BRASIL, 2015a.
71
Vide arts. 3º e 60, da Lei 9.099 de 1995, e arts. 2º e 3º, da Lei 10.259 de 2001. Cf. BRASIL, 1995 e 2001.
72
Cf. BRASIL, 2015b.
outro mecanismo extrajudicial mais adequado ao caso apresentado, cabe a este setor realizar a
sua orientação, e diligenciar o devido encaminhamento do cidadão ao órgão competente.73
Nota-se, portanto, que o CEJUSC representa uma estrutura complexa, que depreca a
atuação de profissionais qualificados, e a articulação do Poder Judiciário com diversas
entidades, públicas e privadas. Ocorre que, nos estados onde a política pública já foi
inaugurada, o trabalho ainda tem sido conduzido de maneira voluntária, inexistindo, até então,
divulgação acerca de qualquer iniciativa sobre o destaque de dotações orçamentárias para
arcar com as despesas relativas ao funcionamento correto destas.74
Conforme a lição imortalizada de Montesquieu, em sua obra clássica, O espírito das
leis, não basta que a lei seja boa, ela precisa ser executada, ter eficácia; pois leis boas existem
por toda a parte.75 Não basta que o Poder Legislativo dê força cogente às boas iniciativas, e
que o Poder Judiciário coordene e se permita absorver novas diretrizes que impliquem a
reestruturação do seu sistema. É preciso que o Poder Executivo se mobilize, a fim de
assegurar concretude à norma. Por isso, o atual momento exige profunda reflexão, mas, acima
de tudo, a participação ativa de todos.

73
O Setor de Cidadania poderá contar com parcerias para emissão de documentos como Registro Geral, Carteira
de Trabalho, Título de Eleitor e serviços perante os Cartórios de Registro Civil e Registro Imobiliário
(Enunciado nº 13); atendimento por parte da OAB e Defensoria Pública para orientação do cidadão ou seu
encaminhamento para assistência judiciária (Enunciado nº 16); ofertar serviços decorrentes de convênios com a
Prefeitura, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e o INSS (Enunciado nº 17); realizar parceria com o
PROCON local para o encaminhamento e tratamento de conflitos consumeristas, em especial para negociação de
casos de superendividamento e renegociação de dívidas, com a homologação dos acordos encaminhados ao setor
pré-processual (Enunciado nº 18). AMORIM, op. cit.
74
TARTUCE, 2013, p. 764.
75
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de (1689-1755). O espirito das leis. Apresentação: Renato
Janine. Tradução: Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora seja crescente a percepção do conflito como ferramenta de transformação, isto


é, uma oportunidade de mudança, de modo geral, as pessoas ainda o enxergam somente pela
sua faceta destrutiva. Por esta razão, há uma busca constante e crescente pelo Estado-Juiz,
como forma de resolver os problemas, o que, ao longo dos anos, terminou por provocar uma
séria crise no Poder Judiciário, marcada pelo crescente volume de demandas, em contraponto
a uma deficitária resposta jurisdicional.
Além de retroalimentar a ineficiência do Estado, o ímpeto de se recorrer, quase que de
forma automática, ao Judiciário, decorre de uma mentalidade que enxerga a jurisdição estatal
como meio quase que exclusivo de resolução de disputas. Historicamente, os métodos
autocompositivos foram relegados ao segundo plano, e por muito tempo foram enxergados
como meios meramente alternativos de resolução de disputas. Com a evolução da ciência
jurídica, no entanto, o modelo tradicional de acesso à justiça começou a ser substituído por
um novo paradigma, que tem como mote o tratamento adequado dos conflitos, e a efetiva
prestação jurisdicional.
No entanto, por implicar uma transformação de cunho cultural, o amadurecimento da
sociedade, e o despertar para este novo momento requer tempo. Entrementes, é notável o
esforço do Poder Legislativo brasileiro, no sentido de fortalecer os mecanismos
autocompositivos, o que se revela pelo advento da Lei de Mediação (Lei 13.140 de 2015) e do
tão celebrado Código de Processo Civil vigente (Lei 13.105 de 2015).
Por intermédio destes dois instrumentos normativos, as iniciativas constantes da
Resolução nº 125 de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, passaram a ser concretizadas,
enquanto política pública, e a autocomposição ganhou mais notoriedade no meio jurídico. Isto
se torna ainda mais evidente no caso da Mediação, a qual passou a ser etapa obrigatória do
processo civil, podendo ser dispensada, tão somente, em situações excepcionais.
Como consequência, alguns passaram a criticar a iniciativa legislativa, aduzindo que a
criação de mais um ato no processo, isto é, a audiência de Mediação, em vez de resolver o
problema da celeridade processual, terminaria por agravá-lo. Ocorre que, em primeiro plano,
a Mediação não veio ao ordenamento como esperança de resolução rápida dos conflitos, e o
esvaziamento do Poder Judiciário. Na verdade, o fundamento basilar deste método é o
adequado tratamento do conflito, bem como o fortalecimento das relações entre os indivíduos.
Nada obstante, é possível que, com o tempo, aquilo que se espera por alguns termine sendo
concretizado, ainda que de forma lenta, gradual e contínua.
A expectativa pelo fortalecimento e consolidação desta nova cultura, justifica-se pelo
potencial transformador da Mediação. Por meio desta, é possível promover o empoderamento
das pessoas, e, por conseguinte, o fortalecimento da cidadania ativa. Desta forma, ao
experimentar a Mediação, os indivíduos são conduzidos por um processo que visa o seu
amadurecimento, e o despertar para um novo olhar sobre os conflitos.
A audiência de Mediação em caráter obrigatório representa uma oportunidade
democrática (pois há diversos caminhos para realização do ato) de educação social. Nos casos
em que o conflito envolve pessoas que têm relação continuada, este será o método a ser
aplicado pela resolução da demanda, vislumbrando o fortalecimento, sempre que possível.
Entretanto, há casos, que o conflito é o único elo entre as partes, de modo que o tempo tende a
agravar a indisposição entre estas. Nestes casos, o mecanismo de resolução adequado será a
Conciliação.
Embora sejam métodos diferentes, considerando-se os objetivos, o tipo de relação de
que tratam e o grau de interferência do terceiro facilitador, nada impede que os auxiliares da
justiça, desde que devidamente capacitados, promovam a aplicação de mecanismos híbridos,
sempre que isto não implicar prejuízo. Isto é, mesmo sendo caso de Conciliação, por exemplo,
à vista do caráter pedagógico da Mediação, poderá o terceiro facilitador, utilizando-se das
ferramentas desta segunda, promover debates voltados ao fortalecimento da cultura de paz.
A aplicação dos métodos, contudo, exigem extrema cautela. Especialmente no caso da
Mediação, os princípios norteadores que abalizam o instituto representam diretrizes de
validade, de modo que exige-se de todo aquele que se arvora a explorar a atividade, o estrito
cumprimento destes, sob pena de grave infringência ética. Além disso, a violação dos
princípios da Mediação, por representarem, doravante, normas legais, implicam, conforme o
caso, sanções nas esferas administrativa, cível e/ou criminal.
Todo este contexto revela o especial tratamento dado pelo Estado, em relação aos
métodos autocompositivos. As iniciativas legislativas traduzem o anseio pela promoção de
uma nova cultura de tratamento dos conflitos, que se funda no princípio fundamental da
adequação. A consolidação dos objetivos que se esperam, a partir de então, dependem do
esforço coletivo de todos os atores sociais. Somente através da participação plena de todos os
agentes da sociedade, isto é, cidadãos, operadores do direito, Poder Público, e todos os demais
envolvidos é que a tarefa de promover a paz social será possível. Afinal, o cenário mostra que,
para esta, é possível múltiplos caminhos.
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