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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JATAÍ

UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE DIREITO

PROCESSO LEGISLATIVO E TÉCNICA LEGISLATIVA

ANNA GABRIELA SILVA SANTOS

202100925

TEXTO 1

DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO E QUALIDADE DA DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA

I. Introdução:

Para que uma lei seja definida como “corretamente feita”, é necessário que ela cumpra
quatro requisitos, sendo eles:

a) Atender as recomendações da técnica legislativa acerca do uso da linguagem;

b) Se a decisão legislativa introdutória superou as diversas perguntas para que seja


determinado a sua necessidade, eficácia e a sua inteligibilidade.

c) Se cumpriu o “devido processo legislativo”, expressão está que surgiu nos acórdãos do
STF, onde não há clareza sobre seu significado e sua natureza jurídica.

d) Se a lei satisfez o “princípio da deliberação suficiente”, estando este associado a ideia


da efetiva deliberação política entre os parlamentares a fim de alcançar uma decisão em
comum baseado na argumentação.

Dessa maneira, o objeto do trabalho em questão é abordar os problemas acerca do “devido


processo legislativo” e do princípio da “deliberação suficiente” que vem ganhando espaço nas
jurisprudências do STF e na literatura brasileira.

II. Breves notas sobre o devido processo legislativo na literatura brasileira e na


jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Na Jurisprudência do STF foi onde esse termo apareceu pela primeira vez, sendo
assim absorvido pela literatura brasileira sem muita clareza em seu sentido. O devido
processo legislativo surge possibilitando o controle judicial preventivo do processo
legislativo, declarando inconstitucionais proposições que forem aprovadas no Congresso
Nacional, sem que se tenha uma maior compreensão acerca das etapas necessária para a
elaboração legislativa.

O Mandado de Segurança n° 20.257 se tornou um importante marco na jurisprudência do


STF pois foi a parte de que o controle judicial da constitucionalidade de propostas de emenda
à Constituição foi admitido. O MS em questão foi impetrado por dois parlamentares que
buscavam garantir o “direito substantivo de não deliberar” determinadas propostas, e dessa
forma, foi autorizado o controle judicial na tramitação das PECs em questão. Dessa forma, o
STF foi ampliando as possibilidades de implementação desse instrumento, disciplinando não
apenas as normas constitucionais, mas todas as demais.

No ano de 2015, no julgamento da ADI n° 5.127, o devido processo legal ganha um novo
sentido, sendo um “direito fundamental de titularidade difusa”. De acordo com a ministra
Rosa Weber, significa “um direto que tem todos os cidadãos de não sofrer interferência, na
sua esfera privada de interesses, senão mediante normas jurídicas produzidas em
conformidade com o procedimento constitucionalmente determinado” (p. 149). Assim sendo,
trata-se de respeito aos trâmites e procedimentos previstos na Constituição para a aprovação
de determinada espécie legislativa. Logo, seria uma garantia do parlamentar e do cidadão de
que as leis sejam elaboradas de forma adequada, regular e correta.

“O direito ao devido processo legislativo é um exemplo de direito


fundamental de titularidade difusa, não um direito subjetivo de um ou
outro parlamentar, ao menos no que se refere à regularidade do
processo de produção das leis. Esse direito funciona simultaneamente
como um direito de defesa e como um direito à organização e ao
procedimento. Enquanto direito de defesa, o direito ao devido
processo legislativo articula, em princípio, pretensões de abstenção e
de anulação. As pretensões de abstenção dirigem-se aos órgãos
legislativos e exigem que eles se abstenham de exercer sua função em
desconformidade com os parâmetros constitucionais e regimentais que
a regulam. As pretensões de anulação, por sua vez, são comumente
dirigidas ao Poder Judiciário, que delas conhece em sede de controle
de constitucionalidade (BARBOSA, 2010).”
Ante o exposto, é importante salientar que os direitos difusos são aqueles
transindividuais, de natureza individual ao qual pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato são seus titulares. Logo, conferir ao devido processo legislativo a
natureza do direito difuso concederia a população o controle do processo legislativo, como
por exemplo, via ação civil pública.

Disseminar o controle das leis em formação aos juízes representaria uma distorção no
desenho institucional de controle dos agentes políticos, gerando assim insegurança jurídica. A
ideia de que o devido processo legal é um direito difuso apenas amplia o controle judicial no
processo legislativo, mudando a arena dos debates parlamentares, tendo em vista que é
utilizado por aqueles que, durante a deliberação legislativa, saem “perdedores”.

O devido processo legislativo controla a tramitação de espécies legislativas e tende a


engessar e padronizar decisões políticas, buscando a procedimentalização de decisões
políticas do poder Legislativo.

III. O princípio da deliberação suficiente no processo legislativo brasileiro


O princípio da deliberação suficiente, vem sendo defendido juntamente com a noção de
devido processo legislativo, buscando justificar o controle judicial e a declaração de
inconstitucionalidade respectiva. Esse princípio busca assegurar tempo razoável para as
discussões e debates parlamentares, para que o mérito da proposta legislativa seja discutido e
aprofundado. Ele pode ser extraído a partir dos artigos:

Art. 58. [...] § 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência,


cabe:

[...] II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

Art. 60. [...] § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do


Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa

do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos

Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. [...]

Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela

outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção

ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se


o rejeitar.

Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.

No geral, essa prática é um tipo de controle judicial do processo legislativo,


direcionado para a qualidade da deliberação ou do processo de justificação deliberativa. Sousa
Filho (2019) e Teles (2019) foram os únicos autores que incluíram esse princípio em suas
obras. Ele ainda não foi propriamente acolhido pela jurisprudência do STF, apesar de alguns
mandados de segurança terem sido impetrados fundamentando-se nessa proposição.

Em tese, o princípio da deliberação suficiente é fundamentado pela literatura brasileira


com o argumento de que o princípio democrático deve ser respeitado no processo legislativo,
o qual exige que as decisões majoritárias sejam fruto de uma deliberação pública. Logo, os
projetos de lei deviam ser submetidos a uma “discussão mínima”, com a função de
racionalizar as decisões legislativas. Nesse sentido, cria uma lógica de que os dispositivos
constitucionais não são racionais o suficiente para essas deliberações.

De acordo com Nascimento (2020),

“Não se nega: de fato, que é necessário melhorar a qualidade da


deliberação legislativa, isso não se discute. Nada obstante, convém
não esquecer que inexiste necessária correspondência biunívoca entre
a qualidade do procedimento de elaboração legislativa – sobretudo
quanto aos tempos de duração e à argumentação legislativa – e o seu
produto: a lei. Por vezes, a despeito do caráter melhorável das
discussões parlamentares, a lei aprovada é irrepreensível. Mais debate
legislativo, simplesmente, não é o que garantirá leis melhores. O
processo decisório legislativo é mais complexo.”

Ante o exposto, o cumprimento estrito de todos os requisitos regimentais do processo


legislativo converteria a aprovação de normas em algo impossível. Nesse sentido, o não
cumprimento de algumas previsões regimentais não significa necessariamente na
inconstitucionalidade da lei ou emenda.

Os regimentos internos do Direito Parlamentar possuem natureza flexível. As normas


regimentais possuem a função de regular os processos e procedimentos até a aprovação das
leis, porém, há situações em que essas normas se tornam acessórias pois os regimentos não
podem engessar a tomada de decisões.

“Da forma em que vem sendo construído, o mencionado


princípio da deliberação suficiente tende a funcionar de forma
semelhante ao devido processo legislativo: como expressão obscura,
operada por grupos que perderam a discussão na arena parlamentar
para controlar a decisão legislativa, de conteúdo indeterminado, sem
que seja possível extrair com clareza, a partir dessas expressões
devido processo legislativo e deliberação suficiente, quais são as
condutas em concreto exigíveis dos legisladores por ocasião do
processo legislativo (p. 159)

IV. Objeções ao controle judicial da qualidade da deliberação legislativa no Brasil

A primeira objeção contra o controle de qualidade da deliberação legislativa é a falta de


previsão constitucional acerca desse tipo de controle, não há base jurídica.

A segunda consiste no apreensão de que a partir dessas novas modalidades de controle de


constitucionalidade ocorra a expansão do controle jurisdicional do processo legislativo, o que
restringe injustamente a liberdade dos legisladores acerca dos temas e aprovações. Abrindo,
dessa forma, margem para que o Judiciário não apenas interfira, mas se sobreponha acerca do
Legislativo sobre questões políticas.

A terceira objeção é acerca da “falta de parâmetros objetivos para a avaliação judicial”.


Ou seja, não há uma metodologia ou densidade na justificativa do sustentado “princípio da
deliberação suficiente” ou “devido processo legal”. Estes ainda são temos vagos.

A quarta é a “jurisprudência do STF, em sentido contrário”, pois a corte não admite o


controle jurisdicional em face da norma regimental, ou seja, inclui aqueles que envolvem
disposições regimentais legislativas.

A quinta objeção diz respeito acerca do possível aumento do custo decisório, isso porque,
“se tal controle de constitucionalidade impuser padrões de deliberação muito exigentes, a
capacidade do parlamento para responder às demandas sociais podem ser prejudicadas”, o que
implica no engessamento do legislativo.
“Por isso, no lugar de uma postura apegada a ritos rígidos, que
desconsidera a instrumentalidade das formas, o caminho mais
promissor para aperfeiçoar a qualidade do processo legislativo é o de
incrementar a justificação das escolhas legislativas, a partir da
apresentação das razões substanciais capazes de eliminar as dúvidas
quanto à higidez da decisão legislativa. Assim, o eventual controle
deve recair sobre tais razões (NASCIMENTO, 2019).”

PERGUNTA:

A justificação das escolhas legislativas pode ser considerada como um novo tipo de
controle judicial? Quem julgará essas justificativas? No fim o judiciário não poderá discordar
de determinada justificativa, baseando-se em seus interesses e ideais e defini-la como
inconstitucional?

TEXTO 2

O Impacto das Regras de Organização do Processo Legislativo no Comportamento dos


Parlamentares: Um Estudo de Caso da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) *

É fato que a Constituição de 1988 é um marco na luta e na superação do autoritarismo,


sendo de extrema relevância para a democracia brasileira. No entanto, houve duas fortes
críticas ao processo de promulgação da carta magna, uma delas é a respeito do processo de
procuração da Constituição, o qual foi muito longo; O segundo é em relação ao tamanho do
texto constitucional, que é muito extenso.

Dessa maneira, “uma pesquisa de opinião promovida pela revista Veja antes do início
dos trabalhos constituintes revelou que 60% dos constituintes preferiam a adoção de uma
Carta Constitucional concisa (Veja, 4/2/1987)” (GOMES, p. 193). Além dessa apuração,
pode-se perceber uma gama de preferências originárias da maioria dos constituintes que não
foram atendidas na CRFB/88. Segundo a interpretação neo-institucionalista isso ocorreu pois
o resultado da Constituição se deu por influência de diversos procedimentos definidos durante
a Assembleia Nacional Constituinte, tendo em vista que o resultado da Constituição não pode
ser justificado apenas baseando-se nas preferências individuais originais dos atores
constituintes. Logo, além das preferências individuais, é preciso atender a forma de
organização dos trabalhos legislativos para entender o resultado da CRFB/88. Portanto, os
atores políticos também tomam por base o quadro institucional que maximiza a realização de
seus interesses.
Nesse sentido, o que justifica o tempo gasto e o tamanho da Constituição é a influência
de duas formas diferentes de organização dos trabalhos legislativos em uma mesma
Assembleia Constituinte, o que afeta nas escolhas de um mesmo grupo de parlamentares.
Portanto, a escolha das normas internas no começo da Assembleia Nacional Constituinte
compactuou para um processo descentralizado de organização dos trabalhos legislativos, da
mesma maneira que centralizou a votação em uma única comissão que não reproduzia a
representação do plenário.

Diante disso, sucedeu-se a aprovação de um segundo regimento interno em janeiro de


1988, pois autores políticos não aprovaram o Projeto Inicial da Constituição, fazendo com que
o processo constituinte praticamente se iniciasse novamente, estendendo assim o prazo para a
entrega do resultado.

I. A estruturação do trabalho constituinte sob o primeiro regimento interno

De início, na Assembleia Constituinte Nacional havia uma maneira descentralizada de


realização dos trabalhos constituintes, o novo Regimento Interno aprovado demonstrava que
os trabalhos constituintes teriam formatos descentralizados, tendo várias subcomissões
responsáveis por apresentar esboços preliminares em suas áreas de tema específicos. Tendo
assim:

“Oito comissões foram formadas com 63 membros cada,


chamadas Comissões Temáticas. Uma nova divisão dos trabalhos foi
feita: cada uma dessas oito comissões se dividia em três subcomissões,
portanto formando 24 subcomissões das quais os trabalhos
constituintes partiriam. Cabia ao relator de cada subcomissão preparar
um anteprojeto com base nas propostas, sugestões e emendas
encaminhadas. O relator dava parecer às emendas, e votava-se na
subcomissão, chegando-se ao anteprojeto aprovado por seus membros
por maioria simples. As mesmas regras regiam o processo decisório
nas respectivas Comissões Temáticas após o recebimento dos
anteprojetos aprovados de suas respectivas subcomissões” (GOMES,
p.197).

Uma vez liberada as oito Comissões Temáticas, estas


deveriam encaminhar os oito relatórios a uma nova comissão,
chamada Comissão de Sistematização. Esta era responsável por
organizar os relatórios, sem a introdução de novos conteúdos, e propor
um Anteprojeto de Constituição que seria, então, encaminhado ao
plenário da Assembleia Nacional Constituinte para discussão,
recebimento de emendas, parecer do relator da Comissão de
Sistematização e, finalmente, a proposição de um Projeto de
Constituição (ou um Substitutivo). A proposição aprovada na
Comissão de Sistematização seria, então, o documento a ser
encaminhado à Mesa Diretora da Assembleia Nacional Constituinte
para discussão e votação em 1o turno, em plenário.” (Id. p. 197)

No dia 15 de julho de 1987, o documento Anteprojeto foi divulgado, e posteriormente o


Primeiro Projeto de Constituição (Projeto-A). Este foi duramente criticado pela opinião
pública e por atores políticos. Logo, era de responsabilidade do relator da Assembleia
Nacional buscar uma saída para o Projeto-A. Dessa maneira, surge o projeto Cabral I no dia
26/07/1987, como um substituto ao projeto reprovado. E, devido à pressão de alguns grupos
políticos, o Cabral I foi substituído pelo Cabral II, buscando a conciliação das forças
conversações e progressistas e do presidente da república, José Sarney. Em novembro do
mesmo ano, houve a aprovação do Projeto-A, visto que a comissão de sistematização rejeitou
o Cabral II. Visto que, ao analisar o regimento interno, o Projeto-A era o resultado esperado.

O que parece não ter sido previsto no tempo da aprovação do Regimento Interno é que
a Comissão de Sistematização não iria aceitar as propostas alternativas de Cabral que se
assemelhavam mais aos ideais da maioria dos membros do Plenário. Assim sendo, a extensão
do Projeto-A encaminhou consigo um problema de conteúdo, demonstrando ser muito mais
progressistas do que os atores constituintes prefeririam. Além de que o Projeto-A foi resultado
da predominância estratégica dos autores progressistas juntamente com sua maioria na
Comissão de Sistematização.

II. Os aspectos e os atores políticos no processo constituinte

A diferença entre conservadores e progressistas relaciona-se com o pertencimento a


determinados grupos políticos. Dessa maneira, progressistas seriam o grupo político que teve
seu início no partido de oposição ao regimento militar, chamado de Movimento Democrático
Brasileiro-MDB. Em 1985, a chamada Aliança Democrática se organizou como um bloco
unido de oposição à candidatura do governo militar. Portanto, seria uma alternativa ao regime
autoritário, significando também a dispersão das forças conservadoras. Inicialmente, nos
trabalhos constituintes, os conservadores ainda estavam divididos em função da luta
sucessória presidencial que levou ao declino do Partido Democrático Social- PDS e dos
membros associados ao regime militar, estando distribuídos em diversos partidos.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte e com a proximidade das eleições


presidenciais, essas diferenças ideológicas foram aumentadas, tornando a aliança algo
infundado. Assim, no grupo da Aliança Democrática, nesse processo, é possível notar as
diferenças nas preferências e princípios dos atores políticos. Também, dentro do PMDB, o
maior partido da Assembleia Constituinte, as pressões advindas desse processo forçariam uma
ruptura, visto que as os interesses políticas dentro desse grupo haviam de separado,
contribuindo para a existência de membros que prefeririam romper com o governo e formar
um novo partido político (o Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB) de oposição ao
governo Sarney.

Na oportunidade, a separação das forças conservadoras deu uma melhor posição aos
progressistas no momento de prostração do Regimento Interno. A Comissão de
Sistematização continha uma sobre representação das forças progressistas em comparação ao
Plenário. Está sobre representação se deu pela escolha estratégica dos membros progressistas
pelo líder do PMDB, o senador Mário Covas, uma vez que os líderes partidários eram
responsáveis por indicar seus parlamentares para compor as comissões, tendo em vista a
proporcionalidade partidária da representação na Assembleia Nacional Constituinte. Usa-se
como exemplo para explicitar a diferença das escolhas dos membros da Comissão de
Sistematização em comparação com as do Plenário, as votações nominais, uma vez que nestas
a preferência da maioria dos membros da Comissão de Sistematização foi oposta àquela
atingida pelo Plenário. Por exemplo, quanto aos resultados da segunda votação da emenda do
presidencialismo: “no Plenário, 62% dos constituintes votaram pela aprovação da emenda
presidencialista, ao passo que apenas 42% dos membros da Comissão de Sistematização
votaram pela aprovação da emenda” (GOMES, p. 204).

Portanto, a Comissão de Sistematização definiu o Projeto de Constituição que seria


enviado ao Plenário. Entretanto, os conversadores invocaram a necessidade de alteração do
Regimento Interno, por meio do argumento de que uma medida que tivesse sido aceita na
Comissão de Sistematização precisaria de 280 para modificações em plenário. Assim,
perceberam que as regras internas tinham concedido a uma minoria um poder maior do que o
de sua representação em plenário. Uma das razões que explica o porquê de os conservadores
não terem invocado este argumento desde o início dos trabalhos constituintes, seria a de que:
“Com o andamento dos trabalhos constituintes, tornou-se
mais claro que as chances de mudança no texto aprovado na Comissão
de Sistematização em plenário eram muito limitadas. Assim, a
mobilização da opinião pública tornou-se a estratégia central para que
a formação de uma coalizão de veto dentro da Assembleia Nacional
Constituinte, defendida pelos descontentes com o Projeto de
Constituição da Comissão de Sistematização, pudesse ser formada”
(GOMES, p. 206).

III. A formação de uma coalizão de veto

Percebe-se que fora da Assembleia Nacional Constituinte havia diversas críticas às


decisões que eram tomadas, todos querendo defender seus próprios ideais. O presidente José
Sarney já se mostrava preocupado com relação às decisões da Assembleia Constituinte. Os
progressistas do PMBD preferiam que a duração de um mandato de um presidente que era
identificado com o período anterior ao regime militar fosse mais curta.

No interior da Assembleia Nacional Constituinte, essas críticas permitiram a formação


de um consenso com relação a necessidade da alteração de aspectos considerados inaceitáveis
no Projeto de Constituição. Os ânimos passaram a relaxar com a apresentação do Cabral II.
Porém com a aprovação do Projeto-A pela comissão de Sistematização, juntamente com as
críticas conservadoras, a proposta de alteração do Regimento Interno possuía a maioria
necessária para sua aprovação. Um grupo de 152 parlamentares de direita dormiu uma
coalizão suprapartidária apelidado de Centrão. Esse grupo de parlamentares propôs a
modificação do Regimento Interno.

Posteriormente, um Projeto de Resolução assinado por 309 parlamentares foi


apresentado à Mesa Diretora da Assembleia Constituinte, com a finalidade de mudança no
Regimento. No dia 5 de janeiro de 1988, o novo Regimento Interno (Resolução no 3) foi
aprovado, dando maior poder de modificações ao plenário. Assim, as chances de alterações
substantivas eram muito maiores. Dentro do PMDB, a derrota imposta a uma facção do
partido após a aprovação do novo Regimento Interno levantou a questão de romper ou não,
formalmente, com o governo.

IV. O segundo regimento interno e a centralização dos trabalhos constituintes

Por um lado, tem-se a aprovação do novo Regimento Interno a possibilidade de


modificação do Projeto de Constituição, do outro tem-se o longo período e custeio que o
projeto constituinte estava tomando. Nesse viés, a aplicação encontrada para agilizar o
processo foi a centralização das negociações ao redor dos líderes partidários.

“Três aspectos gerais presentes no novo Regimento Interno são


suficientes para exemplificar o tamanho da mudança imposta ao processo
constituinte. Primeiramente, o controle da Comissão de Sistematização sobre o
processo decisório, ou seja, a prerrogativa de que esta aprovasse, por voto da
maioria, modificações no Projeto de Constituição, já não era mais possível.
Em segundo lugar, o novo Regimento Interno eliminava as restrições de se
modificar o texto do Projeto. Por fim, houve uma inversão do ônus para a
manutenção de itens constantes no Projeto-A. Se no Regimento Interno
anterior era necessário juntar 280 votos para se modificar o Projeto-A, agora,
no novo Regimento Interno, a manutenção de qualquer parte do Projeto-A
exigia 280 votos.” (Gomes, p. 210).

Assim, aumentou-se as possibilidades de modulação do projeto constituinte. Desse


modo, passou-se, no início de 1988, a apresentação de diversas emendas para o projeto. Ainda
assim, essas mudanças não superaram todas as vitórias que o Centrão almejava, pois os
líderes desse bloco logo perceberam que as opiniões eram divergentes nesse grupo, de um
modo que não havia uma maioria que pudesse garantir decisões. Os constituintes também se
sentiam muito pressionados com a questão da demora do projeto de Constituição. Tendo esse
cenário, foi necessário a coordenação do processo de decisões pelos líderes partidários,
tornando seus trabalhos em conjunto altamente necessários. Assim os líderes dos 10 maiores
partidos passaram a se reunir pela manhã com esse objetivo de alcance do consenso, para que
a tarde pudesse iniciar a votação e discussão em plenário.

O processo de votação em plenário, em 1o turno, iniciou-se em 27 de janeiro de 1988


e completou-se em 30 de junho de 1988. É possível compreender que naquele momento não
era possível encontrar um grupo majoritário de parlamentares que agissem unidos nas
questões que acabaram por ser incorporadas na Constituição. A divisão causada no PMDB na
votação de algumas emendas (derrota do parlamentarismo e aprovação dos cinco anos de
mandato para Sarney) marcou a derrota dos líderes que estavam mais à esquerda, podendo ser
observado que 50% dos membros do PMDB apoiaram a emenda proposta por um grupo mais
à direita que não tinha vontade se tornar oposição ao governo.

Constata-se que diversas pautas introduzidas no Projeto de Constituição da Comissão


de Sistematização ficaram sem uma decisão definitiva já que eram dependentes de uma
legislação futura. Assim, uma nova ordem econômica que acabasse com o modelo
desenvolvimentista ainda não possuía um consenso majoritário. Por outro lado, muitas das
questões que envolviam direitos trabalhistas, incorporadas no Projeto de Constituição logo no
início da Assembleia Nacional Constituinte, tiveram aprovação consensual. Em três meses, o
2º turno havia sido completado, e em 22 de setembro de 1988 a aprovação do Projeto de
Constituição completava o final do processo constituinte brasileiro.

Tendo o apresentado é possível compreender que a Assembleia Nacional Constituinte


tinha a finalidade de mudar o legado autoritário, envolvendo vários conflitos de interesses
durante o processo de formação do Projeto Constituinte. Além do mais, a Assembleia
Nacional Constituinte foi certamente uma experiência importante para a formação das
identidades político-partidárias brasileiras. Conclui-se que a Assembleia Nacional
Constituinte apresenta como a forma de organização dos trabalhos legislativos teve um
impacto no resultado, com os arranjos institucionais estabelecidos pelos dois Regimentos
Internos. Além de que o uso estratégico das regras internas pela parte mais à esquerda do
PMDB permitiu uma sobre representação desses membros na Comissão de Sistematização
quando comparado à sua representação em plenário. Se não houvesse a formação de uma
coalizão de veto, mais à direita do aspecto ideológico, que exigia a reforma do Regimento
Interno, a Constituição Federal teria sido diversa da que foi promulgada. Portanto, se for
considerado que procedimentos decisórios são responsáveis pelas opções políticas, assim a
análise do funcionamento dessas regras permite o entendimento dos resultados possíveis que
serão atingidos.

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