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HOME OPINIÃO & ANÁLISE COLUNAS DEFENSOR LEGIS O QUE É O DEVIDO PROCESSO…
DEFENSOR LEGIS
ROBERTA SIMÕES
NASCIMENTO
17/02/2021 07:46
Atualizado em 17/02/2021 às 19:19
Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal
(art. 5º, inciso LIV, da CF). A essa garantia fundamental se reconhece um caráter
dúplice: material ou substantivo (vinculado à ideia de razoabilidade e
proporcionalidade) e processual (exigindo a adoção de ritos com previsão legal,
justos e adequados).
Como não poderia deixar de ser, o devido processo também condiciona a própria
criação legislativa, daí a expressão “devido processo legislativo”, que aparece nos
acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente os que avançam no
controle de regularidade do processo de produção das leis.
No entanto, a despeito de muito repetida, não existe muita clareza sobre o que é,
aZnal, o devido processo legislativo, como se articula e se desdobra em concreto.
Seria um princípio? Uma regra? Uma garantia? Um valor? Uma cláusula geral? Um
direito fundamental de titularidade difusa? É substancialmente diferente do devido
processo legal?
Desde já, convém registrar que não há consenso na literatura e tampouco o STF
contribui para a Zxação do conceito de devido processo legislativo, parecendo não
acolher uma única visão na sua jurisprudência.
Após esse julgamento, outros se seguiram (MS n. 20.247, 20.464, 20.452, 20.471,
21.239, 21.303, 21.374, 21.754, 22.487, 22.972, 23.334, 23.565, entre tantos outros),
e o fato é que, pouco a pouco, o STF foi ampliando as hipóteses de cabimento do
mandado de segurança impetrado por parlamentares, já não só para os casos de
tramitação de PEC em suposta contrariedade às cláusulas pétreas, mas de forma
ampla, para garantir a observância das normas constitucionais que regem o
processo legislativo em geral.
Sobre esse uso atípico dessa ação constitucional, mais recentemente em 2002 o
ministro Gilmar Mendes declarou tratar-se de uma “(…) variante da “doutrina brasileira
do mandado de segurança, que permite a utilização desse peculiar instrumento de
defesa de direitos subjetivos públicos na solução de eventuais conOitos de atribuições
ou de conOito entre órgãos, a Organstreitgkeit do direito constitucional alemão (Lei
Fundamental, art. 93, I, n. 1)” (MS n. 24.138, pp. 85-85).
Ainda assim, trata-se de uma construção frágil, e, como Zcará mais claro adiante,
incoerente.
Em primeiro lugar, porque Zxou que não cabe ao STF conhecer das violações
exclusivamente regimentais. É preciso que se registre, no entanto, que existem vozes
isoladas dissonantes (rejeitando que as normas regimentais sejam imunes à
apreciação judicial), mas esse entendimento contrário ainda não chegou a ser
consagrado na Corte de forma ampla.
Em outro trecho, com bastante lucidez, consignou a sua visão de que “O processo
legislativo é um mecanismo, em suas diversas fases, em seus diversos incidentes, é
um esforço de alcançar a maioria necessária, mediante transações e acomodações
recíprocas entre as correntes parlamentares, nas quais, muitas vezes, alterações
pontuais, em alguns dispositivos, mudam politicamente o destino de uma proposta
complexa” (pp. 553-4).
Para evitar toda a confusão gerada por esse entendimento, teria sido mais adequado
do ponto de vista técnico que o STF tivesse reconhecido, simplesmente, que a
legitimidade para desencadear o controle jurisdicional de constitucionalidade do
processo legislativo é exclusiva dos parlamentares.
Como não há um prazo para a resposta judicial, esse controle preventivo anômalo
criado pela jurisprudência do STF gera ao menos dois problemas processuais: 1) se
o impetrante não é reeleito ou perde seu mandato, isso implicará sua ilegitimidade
ad causam superveniente; e 2) se no curso do julgamento, a proposição é aprovada
pelo Poder Legislativo, isso acarretará a falta de interesse de agir superveniente e
perda de objeto da ação. Nos dois casos, o writ será extinto sem resolução de
mérito.
Na prática, então, esse mandado de segurança – que apenas encobre uma “ADI
anômala”, preventiva e com iniciativa excepcional – tem o simples efeito de transferir
para o STF a decisão sobre os rumos da lei in Xeri ou, na melhor hipótese, de criar
uma supervisão judicial da elaboração legislativa.
Jamais se aZrmou, por exemplo, que tal devido processo legislativo determinaria a
obrigação de atendimento de todos os pormenores da marcha processual no Poder
Legislativo. Trata-se de uma premissa errônea a de que a aprovação das leis requer
tamanho formalismo procedimental calcado unicamente em normas regimentais
sem relevo constitucional.
Vale registrar que a petição inicial da ADI n. 5.127 não sustentou a violação ao
devido processo legislativo, tendo-se limitado a fundamentar a inconstitucionalidade
das “emendas jabutis” (sem pertinência temática), sob o argumento de usurpação
da competência exclusiva do presidente da República para editar medidas
provisórias.
Ainda que se pretendesse, com esse novo status de direito difuso, permitir o controle
popular do devido processo legislativo – via, por exemplo, ação civil pública para
impugnar a própria elaboração legislativa –, ter-se-ia uma ação natimorta ou, pelo
menos, inócua, porque seria ajuizada junto ao primeiro grau de jurisdição, tendo a
União Federal como ré, sendo de competência de um juiz federal nos termos do art.
109, inciso I, da CF.
Como consequência disso, incidiria o disposto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437/92:
“Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua
liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de
segurança, à competência originária de tribunal”. Assim, a ação coletiva em primeira
instância não serviria ao propósito de tutelar o processo legislativo das leis em
processo de formação no Congresso Nacional, porque tutela liminar não poderia ser
dada pelo juiz singular e, provavelmente, no curso da demanda o processo legislativo
seria Znalizado, acarretando a extinção sem mérito do processo por carência de
ação.
Mesmo que não existissem tais tecnicismos processuais, o fato é que o desenho da
Constituição claramente concentrou no STF o julgamento de ações com vistas a
discutir as pretensões de cunho eminentemente político. Difundir essa competência
para os juízes em todo o território nacional via ação coletiva equivaleria a uma
deturpação do controle dos agentes políticos e dos mais altos representantes dos
Poderes da República e acarretaria grave insegurança jurídica.
Em todo caso, deve-se ter o cuidado para não transformar a revisão judicial do
processo legislativo em uma manobra que sagre como vencedores os
parlamentares que perderam, na votação da Casa Legislativa, a discussão legislativa
e resistem a aceitar a decisão soberana do Poder Legislativo.
Quando à natureza jurídica do devido processo legislativo, parece ser melhor visto
como cláusula geral, que não termina de fornecer os critérios de sua realização, de
modo que o devido processo legislativo é um conceito complexo, com múltiplas
dimensões, e sumamente contexto-dependente.
A despeito disso, pode-se dizer que é formado por: a) algumas regras formais,
notadamente as constitucionais que Zxam os trâmites de aprovação das leis; b)
alguns princípios, como o democrático, que normativamente exigiria uma produção
legislativa com os maiores elementos possíveis de participação da sociedade.
Enquanto não houver uma maior clareza quanto ao que realmente importa no devido
processo legislativo, o STF continuará funcionando como Casa revisora ad hoc da
produção do Congresso Nacional, convertendo a judicialização em verdadeira última
etapa do chamado devido processo legislativo, sem que se saiba o que isso
realmente signiZca.
C O M PA RTILHE
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TAGS #Câmara dos Deputados #Processo legislativo #Senado Federal #Supremo Tribunal Federal
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