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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Queops de Lourdes Barreto Silva

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N.


213/2015 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A
“CONVENCIONALIDADE” DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À CONVENÇÃO
AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Belo Horizonte
2016
2

Queops de Lourdes Barreto Silva

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N.


213/2015 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A
“CONVENCIONALIDADE” DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À CONVENÇÃO
AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Trabalho de Conclusão de Curso de


Especialização em Ciências Criminais como
requisito parcial à obtenção do título de
especialista.

Professor(a): Fábio Passos

Belo Horizonte
3

2016

Dedico este trabalho primeiramente à Deus,


arquiteto do Universo e maestro da perfeição
da sinfonia cósmica. Dedico também aos
Delegados de Polícia do Brasil, ante o
trabalho árduo na construção de um país
melhor.
4

Os anseios sociais devem ser legitimados pelos


instrumentos disponíveis à alteração do ordenamento
jurídico, sob pena de se purgar o princípio da segurança
jurídica.
5

SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................................................6
INTRODUÇÃO..............................................................................................................6
DOS TRATOS INTERNACIONAIS – A HIERARQUIA DA CONVENÇÃO AMERI-
CANA DE DIREITOS HUMANOS E DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIRE-
ITOS CIVIS E POLÍTICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO SEGUNDO O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL...............................................................................7
A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E AO PACTO INTERNA-
CIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – A CONVENCIONALIDADE DO
CODÍGO DE PROCESSO PENAL...............................................................................9
A RESOLUÇÃO N. 213/2015 DO CNJ – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. .16
CONCLUSÃO.............................................................................................................20
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................21
6

RESUMO

A Resolução n. 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, ao instituir a audiência


de apresentação – ou audiência de custódia, como popularmente difundido, gerou
um intenso debate jurídico e social no Brasil. Ao invocar documentos internacionais
para legitimar o ato infralegal como meio de inovação do ordenamento jurídico,
abriu-se um debate sobre a finalidade, as consequências e a constitucionalidade da
audiência de apresentação. O presente trabalho analisará o instituto da audiência de
apresentação e sua compatibilidade com o direito interno, estudando a
convencionalidade do direito posto à legislação internacional.
Palavras-chaves: Audiência de apresentação. Audiência de Custódia. Tratados
Internacionais. Convencionalidade.

INTRODUÇÃO

A Resolução n. 213/2015 do Conselho Nacional de


Justiça estabeleceu a conhecida audiência de custódia. Referida medida provocou
intensos debates na seara acadêmica.
Anteriormente à Resolução n. 213/2015 do Conselho
Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou o
Provimento Conjunto n. 03/2015, que estabelecia a audiência de custódia. Referido
provimento teve sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal
Federal, na ADI n. 5240.
Na ADI citada, o Supremo Tribunal Federal, por maioria,
conhecendo em parte da referida ação, entendeu pela constitucionalidade do
Provimento Conjunto n. 03/2015. Na oportunidade o Supremo Tribunal Federal
sugeriu a denominação “audiência de apresentação” como nomen iuris mais
adequado ao instituto.
Nada obstante o referido julgamento, a discussão jurídica
da audiência de custódia não se encerrou, mormente com a Resolução n. 213/2015
do Conselho Nacional de Justiça.
7

DOS TRATOS INTERNACIONAIS – A HIERARQUIA DA CONVENÇÃO AMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS E DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIRE-
ITOS CIVIS E POLÍTICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO SEGUNDO O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A ideia de hierarquia normativa surgiu com Hans Kelsen,


em sua teoria pura do direito, ao escalonar as normas em uma pirâmide normativa.
Segundo Kelsen, determinado sistema jurídico é composto de diversos tipos de
normas, escalonadas, de forma que a norma de hierarquia inferior deve buscar seu
fundamento legal na norma de hierarquia superior e assim sucessivamente, cabendo
à constituição a posição fundamental de legitimação de todas as demais normas
(BULOS, 2009).
Após os ensinamentos de Kelsen, consagrou-se nos
diversos ordenamentos jurídicos a ideia da hierarquia fundamental da constituição
na formação do sistema jurídico.
Posteriormente, com a globalização, com a constante
troca de relações entre os diversos estados e a criação de organismos
internacionais, para regulamentar esse intercâmbio, surgiram os tratados
internacionais.
Sobre a hierarquia normativa dos tratados internacionais
no ordenamento jurídico, há várias correntes doutrinárias, a saber: a) a que
reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados em matéria de direitos
humanos; b) o posicionamento que atribui caráter constitucional; c) a interpretação
de que referidos documentos internacionais incorporam-se a determinado sistema
jurídico com hierarquia de lei ordinária; d) a tendência que atribui patamar supralegal
aos tratados sobre direitos humanos (SARLET, 2012).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
466.343/SP, firmou o entendimento de que os tratados internacionais que versem
sobre direitos humanos, que não seguirem o procedimento delineado no art. 5º, § 3º,
da Constituição Federal – incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004, terão
status supralegal, em decorrência da norma constante no art. 5º, § 2º, da Magna
Carta.
8

Partindo desse entendimento, o Supremo Tribunal


Federal entendeu como ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a
modalidade de depósito, conforme acórdão abaixo transcrito:
"Esse caráter supralegal do tratado devidamente ratificado e
internalizado na ordem jurídica brasileira - porém não submetido ao
processo legislativo estipulado pelo artigo 5º, § 3º, da Constituição
Federal - foi reafirmado pela edição da Súmula Vinculante 25,
segundo a qual 'é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer
que seja a modalidade do depósito'. Tal verbete sumular consolidou o
entendimento deste tribunal de que o artigo 7º, item 7, da Convenção
Americana de Direitos Humanos teria ingressado no sistema jurídico
nacional com status supralegal, inferior à Constituição Federal, mas
superior à legislação interna, a qual não mais produziria qualquer
efeito naquilo que conflitasse com a sua disposição de vedar a prisão
civil do depositário infiel. Tratados e convenções internacionais com
conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados,
ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os
indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais
infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação." (ADI
5240, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgamento em
20.8.2015, DJe de 1.2.2016)

A Convenção Americana de Direitos Humanos,


incorporada pelo direito pátrio pelo Decreto n. 678/1992, possui status supralegal,
efeito esse que paralisa toda a eficácia de normas infraconstitucionais conflitantes.
Em relação à prisão civil do depositário infiel, a norma
constante no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal assegura um direito fundamental
com âmbito de proteção estritamente legislativo. Em outras palavras, referido
dispositivo veda a prisão por dívidas, facultando ao legislador regulamentar as
situações e formalidades para a sua incidência nos casos de inadimplência de
obrigação alimentar e na situação do depositário infiel.
Pela clássica classificação das normas constitucionais
preconizada pelo eminente José Afonso da Silva, tem-se uma norma de eficácia
contida, já que é apta a, desde já, produzir todos os seus efeitos, mas pode, no
futuro, tere seus efeitos restringidos (contidos) por atuação do Poder Público (SILVA,
2007). A vedação da prisão por dívida já é autoaplicável, sendo que o legislador
poderá excepcionalizar referida vedação às situações em que o próprio constituinte
expressamente indicou.
Dessa maneira, percebe-se que a Convenção Americana
de Direitos Humanos não revogou o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal. E nem
poderia tal feito, diante da supremacia constitucional. A Convenção Americana de
9

Direito Humanos paralisou toda a legislação infraconstitucional – que regulamentava


a eficácia contida da norma constitucional – contrária aos seus preceitos.
No julgamento do HC 87585 - TO, o Ministro Marco
Aurélio foi bem preciso ao sintetizar a questão:
A Constituição Federal continua a prever a possibilidade, em
verdadeira exceção, de prender-se, consideradas a dívida e a
obrigação contratual, quer sob o ângulo dos alimentos, quer sob o
ângulo do depósito. Só que essa norma, para ter eficácia e
concretude, depende da regulamentação da prisão, inclusive quanto
ao instrumental, para alcançar-se essa mesma prisão. E aí, o Brasil
subscreveu o Pacto de São José da Costa Rica, que limita a prisão
por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia.
Logo, os parâmetros legais alusivos à prisão, em decorrência do
depósito – não é a Constituição, pois o Pacto não a alterou -, não
subsistem.
HC 87585, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 03/12/2008, DJe-118 DIVULG 25-06-2009 PUBLIC 26-06-
2009 EMENT VOL-02366-02 PP-00237

Assim, atualmente, segundo o posicionamento do


Supremo Tribunal Federal, prevalece o entendimento de que a Convenção
Americana de Direito Humanos - Decreto n. 678/1992, e o Pacto Internacional Sobre
Direitos Civis e Políticos – Decreto n. 592/1992, possuem hierarquia supralegal no
sistema normativo vigente.

A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E AO PACTO INTERNA-


CIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – A CONVENCIONALIDADE DO
CODÍGO DE PROCESSO PENAL

Estabelece o artigo 9, 3, do Decreto n. 592/1992 – Pacto


Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos:
Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração
penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou
de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais
e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento
não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar
condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da
pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se
necessário for, para a execução da sentença. (grifo nosso)

Na mesma linha estabelece o artigo 7, 5, do Decreto n.


678/1992 - Convenção Americana de Direito Humanos:
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Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à


presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a
exercer funções judiciais e tem direito de ser julgada dentro de um
prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que
prosseguia o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a
garantias que assegurem seu comparecimento em juízo. (grifo nosso)

Perceba-se que tanto o Pacto Internacional Sobre Direitos


Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos estabelecem que
toda pessoa presa ou detida tem o direito de ser apresentada a um juiz ou outra
autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.
Nesta linha, de fácil entendimento que referidos
normativos internacionais adotam o sistema descentralizador de garantia das
liberdades – já que autoriza que as legislações dos Estados atribuam a autoridades
não pertencentes ao poder judiciário, mas que exerçam funções jurisdicionais, a
função de salvaguardar o direito fundamental à liberdade.
Há, nestas situações, o que Canotilho denomina de
reserva relativa de jurisdição, em que o juiz não tem o monopólio da primeira
palavra, mas sim da última, em relação à proteção dos direitos humanos
(CANOTILHO, 2003). A atitude de centralizar a proteção dos direitos humanos ao
órgão judicial provoca um engessamento e um retrocesso ontológico na atuação
estatal, cuja finalidade é, antes de tudo, a salvaguarda dos direitos fundamentais 1.
Nesta linha, a Convenção Americana de Direitos
Humanos, estabelece em seu artigo 7, 6:
Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz
ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora,
sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua
soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-
partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de
ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou
tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de
tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O
recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.
(grifo nosso).

O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, no


mesmo sentido, estabelece em seu artigo 9, 4:
Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou
encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que
este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene
sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.
1
Direitos humanos e fundamentais são tratados aqui como sinônimos, não se utilizando a diferenciação pre-
conizadas na doutrina.
11

Portando, os instrumentos internacionais são bem claros


quanto às autoridades e suas respectivas atribuições. No momento da prisão, a
pessoa detida deve ser apresentada a uma autoridade judiciária ou a outra
autoridade que exerça funções jurisdicionais. Neste momento deverá ser analisada
sobre a legalidade de sua prisão, devendo a autoridade fazer cessar a violação ao
direito à liberdade, acaso existente.
Após este momento, a legislação deverá garantir à
pessoa detida – que já teve a restrição de sua liberdade analisada pela autoridade
judicial ou com atribuições jurisdicionais – o direito de recorrer da decisão a um juiz.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já se
pronunciou sobre a interpretação de quem seja outra autoridade habilitada por lei a
exercer funções judiciais. Veja o julgamento do caso Vélez Loor Vs. Panamá:
Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida
en el artículo 7.5 de la Convención en materia migratoria, la
legislación interna debe asegurar que el funcionario autorizado por la
ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las
características de imparcialidad e independencia que deben regir a
todo órgano encargado de determinar derechos y obligaciones de las
personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas
características no solo deben corresponder a los órganos
estrictamente jurisdiccionales, sino que las disposiciones del artículo
8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos
administrativos. Toda vez que en relación con esta garantía
corresponde al funcionario la tarea de prevenir o hacer cesar las
detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho
funcionario esté facultado para poner en libertad a la persona si su
detención es ilegal o arbitraria.

Esta Corte considera que para satisfazer a garantia prevista no artigo


7.5 da Convenção em questão migratória, a legislação interna deve
garantir que o servidor público autorizado por lei a exercer funções
jurisdicionais preencha as características da independência e
imparcialidade que deve reger todo órgão responsável por definir
direitos e obrigações das pessoas. Neste sentido, a Corte tem
estabelecido que as referidas características não devem pertencer
somente aos órgãos estritamente jurisdicionais, mas que as
garantias previstas no artigo 8.1 da Convenção também se aplicam
às decisões de órgãos administrativos. Todas as vezes que esta
garantia se relacionar as atribuições do servidor público que tenha por
função prevenir e fazer cessar capturas ilegais ou arbitrárias, sendo
imprescindível que o referido servidor tenha capacidade de
devolver a liberdade da pessoa quando sua captura for ilegal ou
arbitrária (tradução livre e grifo nosso).

No mesmo sentido o Caso Nadege Dorzema e outros vs.


República Dominicana:
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Dichas garantías deben ser observadas en cualquier órgano del


Estado que ejerza funciones de carácter materialmente jurisdiccional,
es decir, cualquier autoridad pública, sea administrativa, legislativa o
judicial, que decida sobre los derechos o intereses de las personas a
través de sus resoluciones.

Tais garantias devem ser observadas por qualquer órgão do Estado


que exerçam funções materialmente jurisdicionais, ou seja,
qualquer autoridade pública, seja administrativa, legislativa ou
judicial, que tenha poder de decisão sobre direitos ou interesses
das pessoas através de suas decisões. (Tradução livre e grifo
nosso)

De acordo com os referidos excertos, a Corte


Interamericana de Direitos Humanos exige que a outra autoridade habilitada por lei a
exercer funções judiciais deve possuir independência e imparcialidade. Deve possuir
poder de decisão sobre a liberdade da pessoa, detendo capacidade de devolver a
liberdade da pessoa quando sua captura for ilegal ou arbitrária.
A Constituição Federal estabelece a carreira de
Delegados de Polícia, que possuem as funções de polícia judiciária e de polícia
investigativa, nos termos do art. 144, §1º e § 4º.
O Delegado de Polícia é a autoridade policial, conforme
determina o art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.830/13, responsável por, dentre outras
atribuições, conduzir a investigação criminal e presidir a lavratura do auto de prisão
em flagrante.
A Lei n. 12.830/13 atribui ao Delegado de Polícia os
requisitos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos exige da outra
autoridade autorizada por lei a exercer funções jurisdicionais:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo
delegado de polícia.

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações


penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,
essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial,


cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito
policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo
a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das
infrações penais.

§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a


requisição de perícia, informações, documentos e dados que
interessem à apuração dos fatos.

§ 3º (VETADO).
13

§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em


curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior
hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de
interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos
procedimentos previstos em regulamento da corporação que
prejudique a eficácia da investigação.

§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato


fundamentado.

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por


ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que
deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em


Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar
que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e
do Ministério Público e os advogados.

Referida lei confere ao Delegado de Polícia algumas


prerrogativas para o desenvolvimento independente e imparcial de suas funções. O
art. 2º, § 2º, atribui ao Delegado de Polícia o poder de requisição. O art. 2º, § 4º,
confere à autoridade policial independência na condução das investigações, diante
da excepcionalidade fundamentada da avocação ou redistribuição de procedimentos
investigativos. Referido normativo atribuiu ao Delegado de Polícia, ainda, a
inamovibilidade relativa, nos termos de seu art. 2º, § 5º.
O art. 2º, § 3º, vetado, possuía a seguinte redação:

O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo


com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e
imparcialidade

O veto do referido dispositivo guarda íntima ligação com o


poder de requisição e de investigação do Ministério Público e um possível conflito de
atribuições.
Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao
convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as
atribuições investigativas de outras instituições, previstas na
Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é
preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas
funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa
entre as instituições responsáveis pela persecução penal.

A mensagem de veto, contudo, não reconheceu a


inexistência da isenção e imparcialidade na atuação do Delegado de Polícia. E nem
poderia:
14

... porque o conteúdo dispositivo, apesar de vetado, já integra o rol


dos deveres funcionais atribuído aos Delegados de Polícia
implicitamente pelo sistema constitucional vigente, ou alguém
considera possível a condução de uma investigação de modo que se
privilegia a defesa ou a acusação, violando os deveres de
imparcialidade e isenção? OU, ainda uma atuação da Autoridade
Policial desassociada de uma análise técnica-jurídica do fato?
(ZANOTTI e SANTOS , 2013, p. 86)

O Delegado Polícia exerce algumas funções


jurisdicionais, mesmo não integrando o Poder Judiciário, a fazendo, por exemplo,
quando arbitra fiança como condição para concessão da liberdade do preso em
flagrante, quando apreende um bem relacionado ao crime, quando homologa a
prisão em flagrante e determina o recolhimento do conduzido à prisão ou quando
promove o indiciamento, ato que se reveste das mesmas formalidades das decisões
judiciais (GARCIA, 2016).
A prisão em flagrante é dividida em alguns momentos: 1)
captura; 2) condução coercitiva; 3) lavratura do auto de prisão em flagrante; 4)
recolhimento ao cárcere, não recolhimento e arbitramento de fiança (LIMA, 2014).
Neste sentido, pela sistemática do Código de Processo
Penal o Delegado de Polícia, posteriormente aos momentos da captura e da
condução coercitiva da pessoa, após ouvir as pessoas relacionadas à prisão em
flagrante delito na fase de lavratura do auto de prisão, decidirá acerca da legalidade
da prisão, com a análise técnico-jurídica do fato. Neste momento, abre-se a
possibilidade do Delegado de, em não reconhecendo a legalidade da prisão,
determinar a liberação da pessoa. Reconhecendo-se a legalidade, poderá arbitrar
fiança nos crimes cuja pena máxima seja de até 04 anos e, nas hipóteses onde não
caiba fiança, determinar o recolhimento da pessoa ao cárcere.
Nesta sistemática da prisão em flagrante, há o que o
eminente Delegado de Polícia Ruchester Marreiros Barbosa, chama de dupla
cautelaridade como direito humano fundamental (BARBOSA, 2015).
Perceba-se que, nesta linha, segundo o eminente Ministro
Celso de Mello, o Delegado de Polícia é primeiro garantidor da legalidade e da
justiça (HC 84548 – TJSP).
O Delegado de Polícia é a primeira autoridade a garantir o
direito humano à liberdade, aplicando-o em conformidade com as normas vigentes.
O Delegado de Polícia é a autoridade que possui o contato imediato e direto com
15

todos os elementos de informações, tendo uma visão completa da situação lhe


apresentada.
A legislação poderia atribuir ao Delegado de Polícia a
função de conceder fiança nas infrações cuja pena máxima seja superior a 04 anos
de prisão. Poderia também atribuir ao Delegado a competência para aplicar medidas
cautelares diversas de prisão, com posterior análise judicial. Não há limitação
constitucional alguma para tanto. Ao contrário, haveria celeridade e efetividade na
proteção ao direito fundamental à liberdade.
Pelo exposto, pode-se inferir que o Delegado de Polícia é
a primeira autoridade incumbida de fazer prevalecer os direitos humanos. O
Delegado de Polícia representa a outra autoridade autorizada pela lei a exercer
funções judiciais, conforme estabelecido nos pactos internacionais.
Na situação da prisão civil, em que os tratados
internacionais são bem precisos a permitir a restrição da liberdade apenas nos
casos de devedor de obrigação alimentícia, houve perda de eficácia de toda a
legislação conflitante – juízo de convencionalidade.
No caso em espécie, os tratados internacionais exigem
que a apresentação da pessoa presa seja feita a uma autoridade judicial ou outra
autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais. Exigem os tratados que
após esta apresentação, o preso deve ter o direito de recorrer a um órgão judicial.
Dessa maneira, não resta dúvida alguma de que o Código
de Processo Penal se amolda os preceitos internacionais. A pessoa presa é
apresentada ao Delegado de Polícia – autoridade autorizada pela lei a exercer
funções judiciais. Esta autoridade tem as atribuições de, desde já, devolver a
liberdade, caso a prisão seja ilegal ou determinar o recolhimento ao cárcere, caso
não seja cabível a fiança. Posteriormente, em qualquer hipótese, os autos são
remetidos ao poder judiciário, onde o mesmo será realizará uma segunda análise
sobre o caso.
A legislação permite ainda à pessoa detida recorrer da
decisão do Delegado de Polícia a um juiz, ou a um Tribunal, caso o juiz já tenha se
manifestado sobre a situação.
Neste sentido é bem precisa o entendimento do eminente
Guilherme de Souza Nucci, doutrinador e juiz de direito:
16

“Quanto à afirmada ilegalidade da prisão em flagrante, ante a


ausência de imediata apresentação dos pacientes ao juiz de Direito,
entendo inexistir qualquer ofensa aos tratados internacionais de
direitos humanos. Isto porque, conforme dispõe o artigo 7º, 5, da
Convenção Americana de Direitos Humanos, toda pessoa presa,
detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.
No cenário jurídico brasileiro, embora o delegado de polícia não
integre o Poder Judiciário, é certo que a lei atribui a esta autoridade a
função de receber e ratificar a ordem de prisão em flagrante. Assim,
in concreto, os pacientes foram devidamente apresentados ao
delegado, não se havendo falar em relaxamento da prisão. Não
bastasse, em 24 horas, o juiz analisa o auto de prisão em flagrante”
(TJ-SP — HC 2016152-70.2015.8.26.0000 — relator Guilherme de
Souza Nucci, j. 12.05.2015).

A RESOLUÇÃO N. 213/2015 DO CNJ – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL

O Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução n.


213/2015, de 15 de dezembro de 2015, estabelecendo no sistema processual penal
brasileiro a audiência de apresentação.
Em apertada síntese, referida Resolução determina que
toda pessoa presa seja apresentada, no período de 24 horas da comunicação do
auto de prisão em flagrante, à presença de uma autoridade judicial. O juiz, nesta
audiência, com a participação do Ministério Público e de um advogado particular ou
de um defensor público, não poderá inquerir a pessoa presa sobre questões do fato.
A pessoa detida será indagada sobre as circunstâncias de sua prisão. Ao final, o juiz
tomará umas das seguintes providências: i) o relaxamento da prisão em flagrante; ii)
a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar
diversa da prisão; iii) a decretação de prisão preventiva; iv) a adoção de outras
medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa.
Havendo indícios de que a pessoa presa tenha sido
torturada ou vítima de maus-tratos, será tomada as providências estabelecidas na
Resolução.
Anteriormente a referida Resolução, o Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, inspirado no PLS n. 554/2011 2 – de 06/09/2011, editou o
Provimento Conjunto n. 03/2015, de 22/01/2015.

2
O projeto de Lei do Senado n. 554/2011 altera o CPP para dispor que no prazo máximo de vinte e quatro ho-
ras após a realização da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, juntamente com
o auto de prisão em flagrante, acompanhado das oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu
advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. Referido projeto ainda encontra-se em tramitação na casa
legislativa.
17

O Provimento Conjunto n. 03/2015 do Tribunal de Justiça


do Estado de São Paulo – com idêntico procedimento ao estabelecido pela
Resolução n. 213/2015 do CJ, foi o primeiro ato normativo, infralegal, a regulamentar
a obrigatoriedade de qualquer pessoa detida ser levada à presença de um juiz.
Referido ato normativo paulista fundamentou-se no artigo
7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos e no PLS n. 554/2011.
Com a edição de referido ato, a Associação Nacional dos
Delegados de Polícia ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5240 junto ao
Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade do Provimento.
No julgamento em 20/08/2015 o Supremo Tribunal
Federal considerou constitucional referida resolução.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. 1. A Convenção
Americana sobre Direitos do Homem, que dispõe, em seu artigo 7º,
item 5, que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida,
sem demora, à presença de um juiz”, posto ostentar o status jurídico
supralegal que os tratados internacionais sobre direitos humanos têm
no ordenamento jurídico brasileiro, legitima a denominada “audiência
de custódia”, cuja denominação sugere-se “audiência de
apresentação”. 2. O direito convencional de apresentação do preso
ao Juiz, consectariamente, deflagra o procedimento legal de habeas
corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da prisão, à vista do
preso que lhe é apresentado, procedimento esse instituído pelo
Código de Processo Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. 3. O
habeas corpus ad subjiciendum, em sua origem remota, consistia na
determinação do juiz de apresentação do preso para aferição da
legalidade da sua prisão, o que ainda se faz presente na legislação
processual penal (artigo 656 do CPP). 4. O ato normativo sob o crivo
da fiscalização abstrata de constitucionalidade contempla, em seus
artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º normas estritamente regulamentadoras do
procedimento legal de habeas corpus instaurado perante o Juiz de
primeira instância, em nada exorbitando ou contrariando a lei
processual vigente, restando, assim, inexistência de conflito com a lei,
o que torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o status do
CPP não gera violação constitucional, posto legislação
infraconstitucional. 5. As disposições administrativas do ato
impugnado (artigos 2º, 4° 8°, 9º, 10 e 11), sobre a organização do
funcionamento das unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça,
situam-se dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I,
alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição Federal,
admitindo ad argumentandum impugnação pela via da ação direta de
inconstitucionalidade, mercê de materialmente inviável a demanda. 6.
In casu, a parte do ato impugnado que versa sobre as rotinas
cartorárias e providências administrativas ligadas à audiência de
custódia em nada ofende a reserva de lei ou norma constitucional. 7.
Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não
foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido
estrito legitimando a audiência de apresentação. 8. A Convenção
Americana sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal,
18

posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a esfera de


atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a alegação de violação
da cláusula pétrea de separação de poderes. 9. A Associação
Nacional dos Delegados de Polícia – ADEPOL, entidade de classe de
âmbito nacional, que congrega a totalidade da categoria dos
Delegados de Polícia (civis e federais), tem legitimidade para propor
ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, inciso IX, da CRFB).
Precedentes. 10. A pertinência temática entre os objetivos da
associação autora e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade é
inequívoca, uma vez que a realização das audiências de custódia
repercute na atividade dos Delegados de Polícia, encarregados da
apresentação do preso em Juízo. 11. Ação direta de
inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte,
JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática
da audiência de apresentação por todos os tribunais do país.
(ADI 5240, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
20/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-
2016 PUBLIC 01-02-2016)

Percebe-se que o acórdão se fundamentou, dentro outros


argumentos, no procedimento do habeas corpus, onde se faculta ao juiz que
determine a apresentação do paciente à sua presença, nos termos do art. 656, do
CPP, com a seguinte redação:
Art. 656. Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar
necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este Ihe seja
imediatamente apresentado em dia e hora que designar.

Como se percebe, a Resolução n. 213/2015 impetrou um


habeas corpus preventivo ex ofício para todas as pessoas detidas, obrigando o juiz –
nota-se que a legislação faculta a apresentação caso o juiz entenda necessário - a
mandar que as mesmas sejam lhe apresentadas em no máximo 24 horas da
comunicação do auto de prisão em flagrante.
No que se refere à tortura, é de causar espécie que
referida Resolução tenha sido implementada com referida finalidade. A tortura é,
segundo parte da doutrina, o único direito fundamental absoluto, que não sofre
restrição alguma (BULOS, 2009). O Delegado de Polícia tem plena condições de
auferir as situações de tortura e de ser, inclusive, mais eficiente do que a autoridade
judiciária neste mister, já que tem a possibilidade imediata de realizar a prisão em
flagrante dos torturadores e apurar os fatos.
A Delegacia de Polícia é o local onde, primeiramente, é
assegurado o cumprimento dos direitos humanos.
Em relação aos tratados internacionais, a questão já resta
esclarecida. A legislação brasileira não descumpre os documentos internacionais, na
19

medida em que faculta a apresentação inicial para uma autoridade judicial ou outra
autoridade autorizada a exercer funções jurisdicionais.
Somente no caso de inércia da legislação nacional, poder-
se-ia abrir espaço para discussão no âmbito infralegal para a regulamentação de um
direito fundamental estabelecido em tratado internacional. O que não ocorre na
espécie.
Princípio basilar do ordenamento jurídico nacional é o da
legalidade. As regras estatais devem ser previstas e discutidas no congresso
nacional, pelos representantes do povo, únicos legitimados à realizarem a inovação
no ordenamento jurídico (BULOS, 2009). Os tratados internacionais, antes de serem
recepcionados, foram discutidas no âmbito do parlamento. E referidos tratados,
conforme já explicitado, coadunam-se com a legislação pátria.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 22, I, que é
competência da União legislar sobre direito processual. A Magna Carta em seu art.
5º, II, também estabelece o princípio da legalidade.
Tem-se uma situação um pouco quanto inusitada. O
Conselho Nacional de Justiça a pretexto de regulamentar uma norma supralegal, já
regulamentada pelo Código de Processo Penal (norma legal), edita um ato
infralegal, que afronta a Constituição Federal.
Importante contextualizar o momento da referida decisão
do Supremo Tribunal Federal. No julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 347, o Supremo Tribunal Federal, ao se deparar com a
situação de superlotação carcerária, determinou a adoção da audiência de
apresentação.

CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA


PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição
de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação
degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO
NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES
DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de
violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente
de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja
modificação depende de medidas abrangentes de natureza
normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema
penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas
inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS –
20

CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das


penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do
Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA –
OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5
da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em
até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo
máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.
(ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031
DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016)

Percebe-se o julgamento da ADI 5240, da APDF 347 e a


edição da Resolução n. 237/2015 do Conselho Nacional de Justiça demonstram
uma intenção consequencialista, diante da questão da superlotação dos presídios.
Reconhece-se que atualmente o Delegado de Polícia não
pode restituir a liberdade em casos de crime cuja pena abstratamente cominada seja
superior a 04 anos de prisão. Nestas situações, em que a restrição carece de
isonomia e razoabilidade, a pessoa detida sofre um prejuízo diante da falta de
instrumentos do Delegado de Polícia para o restabelecimento do direito fundamental
à liberdade. Acrescenta-se ainda, o fato de pessoas sem condições financeiras
terem que ficarem detidas por mais tempo, pelo fato do Delegado de Polícia não
poder aplicar cautelar diversa de prisão em lugar da fiança.
Poder-se-ia vislumbrar diversas soluções mais efetivas
para os problemas do encarceramento nacional, desde que discutidas no ambiente
constitucionalmente estabelecido:
I - Atribuir ao Delegado de Polícia a atribuição de fixar fiança para
todos os crimes afiançáveis, independentemente do quantum da
pena;
II - Atribuir ao Delegado de Polícia a atribuição de fixar medidas
cautelares diversas de prisão, com posterior análise judicial;
III - Estabelecer um procedimento mais célere diante da prisão em
flagrante, onde na apresentação do preso ao juiz haveria a instrução
do feito, caso o Ministério Público entendesse devidamente instruído
os elementos;

Enfim, as diversas possibilidades de inovação no


ordenamento jurídico devem ser discutidas no âmbito legislativo, o local adequado e
apropriado para tanto.

CONCLUSÃO
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Por todo o exposto, pode-se concluir que a Resolução n.


213/2015, do CNJ, que implementou a audiência de custódia no sistema jurídico
brasileiro padece de inconstitucionalidade formal, na medida em que o Código de
Processo Penal está em consonância (controle de convencionalidade) com a
Convenção Americana de Direito Humanos - Decreto n. 678/1992, e o Pacto
Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos – Decreto n. 592/1992, e, dessa
maneira, não há vácuo de regulamentação.
O Delegado de Polícia, na atual conjectura jurídica, é a
outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções jurisdicionais, o que mantem a
legislação pátria em consonância com os tratados internacionais.
Dessa maneira, a Resolução n. 213/2105 do Conselho
Nacional de Justiça viola a Constituição Federal, já que é um ato infralegal,
alterando a sistemática processual estabelecido pela legislação pátria, que está em
consonância com os tratados internacionais e a Constituição Federal. Assim, a
Resolução n. 213/2015 do CNJ viola o princípio da legalidade, padecendo de vício
de inconstitucionalidade.

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