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TEMAS

ESPECIAIS PARA DEFENSORIA


PÚBLICA ESTADUAL

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Utilização de normas e precedentes do sistema


interamericano de proteção de direitos humanos no
processo penal

1. A força normativa da Convenção Americana de Direitos


Humanos

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto


de San José da Costa Rica, é o texto fundamental do sistema regional americano de
direitos humanos.

A elaboração do Pacto se iniciou em 1959, mas alguns Estados membros da


Organização dos Estados Americanos (OEA), como Brasil e Argentina, entendiam que
não se fazia necessário um tratado regional de tutela de direitos humanos, pois seriam
suficientes os de escala global, sua vigência se iniciou em 1978, quando houve o
depósito do 11º instrumento de ratificação na Secretaria Executiva da OEA.

O Pacto trata de questões como personalidade jurídica, vida, integridade pessoal,


liberdade pessoal e, entre outros direitos humanos, aqueles relacionados a garantias
judiciais, objeto de interesse ao processo penal.

A CADH passou a ter vigência no Brasil em 25 de setembro de 1992, com a


promulgação do Decreto nº 678/1992.

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Quando isso ocorreu, a Constituição Federal (CF/1988) não deixava explícito qual seria
a natureza jurídica das normas de direitos humanos, incorporadas no ordenamento
jurídico nacional por meio de tratados internacionais.

Assim, o art. 5º da CF/1988 apenas mencionava que, além dos direitos e garantias
fundamentais estabelecidos em seu exemplificativo e extenso rol de incisos, outros
também seriam reconhecidos pela República ao aderir aos tratados internacionais.

Várias correntes doutrinárias surgiram a respeito do tema.

Uma dessas correntes doutrinárias sustentava que essas normas de direitos humanos
estabelecidas em tratados internacionais teriam natureza de lei ordinária, tendo em
vista que, para sua incorporação no sistema jurídico pátrio, não dependiam de processo
legislativo qualificado, como se dá nos casos de emenda constitucional.

Outra corrente sustentava que se tratava de norma constitucional, justamente por força
do que dispunha o art. 5º da CF/1988, que equiparava as normas de direitos humanos
de tratados internacionais, incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro aos direitos
e garantias fundamentais enunciados no citado artigo.

Em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, o texto constitucional passou a ser claro
no sentido de que, para que tenha natureza constitucional, as normas de direitos
humanos previstas em tratado internacional deveriam ser aprovadas pelo Congresso
Nacional, em votação de dois turnos, por três quintos de seus membros.

Contudo, a divergência permanecia em relação aos tratados internacionais de direitos


humanos anteriores a 2004, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica.

Até que, no julgamento do RE nº 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao


decidir sobre a licitude da prisão civil do depositário fiel, debateu a matéria.

De um lado, houve o posicionamento do Min. Celso de Melo no sentido de que as


normas de direitos internacionais de direitos humanos, ainda que incorporadas no
ordenamento jurídico brasileiro sem o quórum qualificado das emendas constitucionais,
têm natureza de norma constitucional. Por outro, em posição majoritária de seis
Ministros, prevaleceu a tese levantada pelo Min. Gilmar Mendes, segundo a qual as
normas de direitos humanos, incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro sem
quórum qualificado das emendas constitucionais, têm natureza de normas supralegais.

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Portanto, de acordo com o entendimento firmado no RE nº 466.343/SP, o Pacto de São
José da Costa Rica tem natureza de norma supralegal. Com isso, ocupa um lugar
específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém, acima da
legislação infraconstitucional com ele conflitante.

2. O processo penal na Convenção Americana de Direitos


Humanos

A CADH trata sobretudo dos direitos civis e políticos da pessoa humana, reservando aos
direitos econômicos, sociais e culturais apenas o art. 26.

Em apertada síntese, os direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à


propriedade privada e à igualdade perante a lei, os quais devem ser observados pelo
Estado.

O modelo de processo penal garantista estabelece sistema de garantias ao acusado,


que limita o poder persecutório do Estado em favor dos direitos civis do cidadão.

Diante disso, o Pacto de San José da Costa Rica enumera direitos e garantias ao
acusado, os quais devem ser observados pelo Estado brasileiro, tanto no que se refere
ao próprio texto da Convenção, quanto os relatórios da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Entre as garantias processuais estabelecidas, no Pacto de São José da Costa Rica, se


desatacam o do devido processo penal, o de presunção de inocência e o do
contraditório e o da ampla defesa.

2.1. Devido processo legal

O princípio do devido processo legal é um dos mais amplos e relevantes direitos civis, a
ser aplicado nas relações de caráter processual e nas de caráter material, embora se
reconheça que, no primeiro aspecto, o princípio ganha relevância, porque traduz uma
série de garantias, como o direito ao contraditório e à ampla defesa, ao juiz natural, a
ser processado e condenado somente com fundamento em prova lícita e de não ser
preso senão pela autoridade competente e na forma estabelecida na ordem
constitucional.

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O sistema processual penal deve se centrar no direito fundamental ao devido processo
legal, tido como estatuto constitucional de defesa do acusado e fonte de limitação do
poder persecutório do Estado.

O due process law é o estatuto constitucional de defesa do acusado, porque dele


irradiam todos os demais princípios constitucionais processuais penais, como o
contraditório, a ampla defesa e a vedação de provas ilícitas.

Em sua dimensão substantiva, o devido processo legal exige que, mais do que a simples
subsunção ao procedimento previsto em lei, tal procedimento deve conferir efetividade
aos seus corolários princípios.

2.2. Presunção (estado) de inocência ou estado de inocência

No sistema americano de direitos humanos, o postulado de presunção de inocência é


assegurado pelo art. 8º, 2 da CADH, como garantia judicial.

O estado de inocência impõe ao Estado duas regras específicas em relação ao acusado:

a) de tratamento: ao longo do procedimento, a ele não se pode impor restrições


fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação;
b) de fundo probatório: o ônus da prova de fato e de autoria recai exclusivamente sobre
a acusação.

O estado de inocência proíbe a antecipação do resultado final do processo. Com isso,


por exemplo, torna defeso que a prisão cautelar represente antecipação de
cumprimento de pena.

O outro aspecto do princípio de presunção de inocência se refere ao ônus probatório,


que recai completamente sobre a acusação, responsável no processo por comprovar a
materialidade e a autoria do fato criminoso.

Nesse cenário, o acusado tem direito à produção de prova em seu favor, mas, quando se
queda inerte, não se desincumbe de um ônus probatório, quando assume o risco de
perder uma chance de influir na formação de convicção do juiz.

Por fim, o juiz, como sujeito imparcial da relação jurídica processual penal, não deve
auxiliar a acusação na desconstrução da presunção de inocência do acusado, devendo
acolher a tese acusatória somente se estiver provada. Do contrário, provada a inocência

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do réu ou, ainda que não provada esta, sendo inconclusiva a culpa (in dubio pro reo),
deve prolatar sentença absolutória.

2.3. Contraditório e ampla defesa

Tradicionalmente, o contraditório é visto como garantia de participação no processo


para a formação da convicção do juiz. No entanto, trata-se de concepção reducionista.
No processo penal moderno, o contraditório é tido também como meio de se garantir a
paridade de armas entre as partes.

Sob o ponto de vista de participação no processo, o contraditório garante o direito à


informação sobre qualquer fato ou alegação contrária e a consequente reação a ambos.
Já sob a ótica da paridade de armas, ele exige a participação simétrica das partes, que
a resposta seja possibilitada na mesma intensidade e extensão.

No processo penal democrático, não se concebe decisão jurídica construída sem que se
leve em consideração as argumentações das partes interessadas e que serão afetadas
por tal decisão. O contraditório se manifesta pela forma controversa.

O contraditório deve ser pleno, porque se exige sua observância durante todo o
procedimento, até o seu encerramento; e efetivo, porque não é suficiente dar à parte a
possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo
imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-
los.

A ampla defesa não se confunde com o contraditório, embora seja por meio dela que
este se torne efetivo.

A ampla defesa abrange a defesa técnica e a defesa pessoal ou a autodefesa.

A defesa técnica decorre de exigência de equilíbrio funcional entre defesa e acusação e


da presunção de hipossuficiência do sujeito passivo da relação processual penal, que
não tem conhecimentos necessários para resistir à pretensão estatal, em iguais
condições técnicas à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, e, por vezes, ao próprio
juiz.

O exercício da defesa técnica não é de interesse individual do acusado apenas. Ela


também atende ao interesse coletivo na correta apuração do fato e justa aplicação da
lei.

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Tem-se que essa modalidade de defesa é indisponível e sua ausência e mesmo sua
deficiência são casos de nulidade absoluta.

A ampla defesa, também, se compõe pela defesa pessoal ou autodefesa, em que o


próprio acusado resiste pessoalmente à pretensão estatal, fazendo valer seu critério
individual e seu interesse privado. A autodefesa se manifesta de diversas formas, mas é
no interrogatório extrajudicial ou judicial que tem o momento de maior relevância.

3. Alguns julgados da Corte Interamericana de Direitos


Humanos

Não apenas a CADH, como também as decisões da Corte Interamericana de Direitos


Humanos (Corte IDH) são precedentes que devem ser trazidos como argumentos
jurídicos no processo penal.

3.1. Caso Cantoral Benavides versus Peru

O caso se refere à privação ilegal da liberdade de Luís Alberto Cantoral Benavides, seu
encarceramento arbitrário, tortura, violação de garantias judiciais e do direito a não ser
julgado ou punido duas vezes pelos mesmos fatos. A vítima foi detida por agentes da
División Nacional contra el Terrorismo (DINCOTE) em fevereiro de 1993, época em que
se encontrava vigente um estado de emergência constitucional, com suspensão de um
conjunto de garantias. Durante a sua detenção, Cantoral Benavides foi sujeito a atos de
violência com o fim de obter a sua autoincriminação.

Os fatos se inserem no contexto do conflito armado entre grupos armados e agentes


das forças policiais e militares vivido no Peru durante a década de 1980 e até final do
ano 2000. Esse conflito se agravou com a prática sistemática de violações de direitos
humanos de pessoas suspeitas de pertencerem a grupos políticos opositores. Tais
práticas foram realizadas por agentes estatais e ordenadas por chefes militares e
policiais.

Cantoral Benavides foi julgado na jurisdição militar, fato considerado pela Corte IDH
como violador dos requisitos de independência e imparcialidade estabelecidos na
Convenção Americana. A Corte IDH analisou também a compatibilidade do tipo penal
de terrorismo e traição à pátria com o princípio de legalidade penal.

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No que tange à violação ao princípio da presunção de inocência, a Corte IDH assinalou:

a) neste caso, está provado que o sr. Cantoral Benavides foi exibido perante a mídia,
vestido em um processo infame, como autor do crime de traição, quando ainda não
havia sido legalmente nem processado nem condenado;

b) o princípio da presunção de inocência, como deriva do art. 8.2 da Convenção, exige


que uma pessoa não possa ser sentenciada até que haja provas completas de sua
responsabilidade criminal. Se funcionar contra ela, com evidências incompletas ou
insuficientes, não é apropriado condená-la, mas absolvê-la;

c) nos processos penais realizados no Estado contra Luis Alberto Cantoral Benavides,
não foram reunidas provas completas de sua responsabilidade, apesar deque os juízes
da jurisdição comum o condenaram a 20 anos de privação de liberdade;

d) consequentemente, a Corte considera que o Estado violou, em detrimento de Luis


Alberto Cantoral Benavides, o art. 8.2 da Convenção Americana.

A Corte também concluiu que houve violação ao princípio do contraditório e da ampla


defesa:

a) A Corte se refere ao que foi resolvido neste mesmo julgamento com relação à
violação dos arts. 8.1 e 8.2 c), d) ef) da Convenção, em relação ao processo criminal
militar contra Luis Alberto Cantoral Benavides.

b) Está provado no presente caso que ocorreram as seguintes situações no


desenvolvimento das ações executadas pelos juízes da jurisdição comum: a. foram
colocados obstáculos à comunicação livre e privada entre o sr. Cantoral Benavides e
seu defensor; b. o advogado da vítima não conseguiu obter determinadas medidas
probatórias cruciais para os fins da defesa, como o depoimento dos membros do
DINCOTE que participaram da captura de Cantoral Benavides e na preparação do
certificado incriminador; ele não conseguiu que o confronto de especialistas
esclarecesse as divergências produzidas pelas duas opiniões de especialistas em
grafologia praticadas no processo; e c. os juízes encarregados de conduzir os processos
de terrorismo tivessem o status de funcionários de identidade reservados, ou "sem
rosto", de modo que era impossível para Cantoral Benavides e seu advogado saberem
os motivos de recusa e exercício sobre uma defesa adequada.

c) A Corte conclui, pelo exposto, que o Estado violou, em detrimento de Luis Alberto

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Cantoral Benavides, os arts. 8.2.c), 8.2.d) e 8.2.f) da Convenção Americana.

3.2. Caso López Mendonza versus Venezuela

Os fatos deste caso se referem a Leopoldo López Mendoza. Em 4 de agosto de 2000, ele
foi eleito prefeito de Chacao e reeleito em 31 de outubro de 2004, atuando nessa
posição por oito anos, até novembro de 2008.

No final de seu mandato, ele aspirava a se apresentar como candidato ao Gabinete do


Prefeito do Estado Maior de Caracas. No entanto, ele não pôde fazê-lo devido a duas
sanções de desqualificação impostas pelo Controlador Geral da República no âmbito de
dois processos administrativos.

A primeira investigação a que o sr. López Mendoza foi submetido estava relacionada a
um suposto conflito de interesses quando, antes de se tornar prefeito, trabalhou na
empresa Petróleos de Venezuela S/A.

A segunda investigação foi limitada a eventos no contexto de suas ações como prefeito,
especificamente com o suposto uso indevido do orçamento.

No caso, a Corte IDH entendeu que houve violação das seguintes garantias
processuais, ainda que se tratasse de processo administrativo aberto pelo Estado
venezuelano: direito de ser ouvido, dever de fundamentação e direito de defesa em
relação à restrição do sufrágio passivo.

a) Em relação ao dever de motivação do Controlador, o Tribunal reitera que a


motivação "é a justificação fundamentada que nos permite chegar a uma conclusão". O
dever de motivar resoluções é uma garantia vinculada à correta administração da
justiça, que protege o direito dos cidadãos a serem julgados pelos motivos que a lei
fornece e dá credibilidade às decisões legais no âmbito de uma sociedade democrática.
“(….) Caso contrário, seriam decisões arbitrárias. Além disso, deve mostrar que os
argumentos das partes foram devidamente levados em consideração e que o corpo de
prova foi analisado(…)”.

b) O Tribunal observa que, nas duas resoluções de desqualificação, o Controlador se


concentrou em destacar os fatos pelos quais o sr. López Mendoza foi declarado
responsável pelo diretor da Diretoria de Determinação de Responsabilidades (...).
Embora o Tribunal considere que o dever de motivar não exige uma resposta detalhada
a todos e cada um dos argumentos das partes, o Tribunal considera que o Controlador

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Geral deve responder e apoiar autonomamente suas decisões, e não simplesmente se
referir a declarações anteriores de responsabilidade. De fato, a partir da leitura dessas
resoluções, o Tribunal não encontra uma análise concreta da relação entre a seriedade
dos fatos e o impacto na comunidade, ética pública e moralidade administrativa.

c) O Tribunal considera que “os problemas de motivação para impor a sanção de


desqualificação tiveram um impacto negativo no exercício do direito de defesa. A falta
de motivação impediu uma revisão aprofundada da argumentação ou evidência
diretamente relacionada à imposição de uma restrição ao sufrágio passivo que (...) pode
ser notavelmente mais onerosa do que a sanção principal (...)”.

d) Consequentemente, o Estado é responsável pela violação do dever de motivação e do


direito de defesa nos procedimentos administrativos que levaram à imposição das
sanções incapacitantes, estabelecidas no art. 8.1, em relação ao art. 1.1 da CADH, em
detrimento do sr. López Mendoza.

3.3. Caso Barreto Leiva versus Venezuela

Os fatos deste caso começaram em fevereiro de 2009, quando foi aprovado, pelo então
presidente Carlos Andrés Pérez Rodríguez, uma emenda orçamentária de Bs.
250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de bolívares). Oscar Enrique Barreto
Leiva ocupava o cargo de diretor geral Setorial de Administração e Serviços do
Ministério da Secretaria da Presidência da República.

O Supremo Tribunal de Justiça, daquele país, considerou que a referida retificação


orçamentária constituía um crime e condenou aqueles que considerou responsáveis ​​por
tais ilícitos, incluindo o sr. Barreto Leiva. Ele foi condenado a um ano e dois meses de
prisão e outras penas acessórias por ter sido considerado responsável pelo crime de
peculato genérico agravado.

O processo, durante a fase sumária, implicou que o sr. Barreto Leiva não foi assistido
por um advogado de sua escolha naquela fase do processo, questionou as testemunhas,
conheceu as evidências que estavam sendo coletadas, apresentou evidências em sua
defesa e contestou o corpo de evidências contra ele. Da mesma forma, a medida
preventiva de detenção foi imposta a ele, sem a possibilidade de obter fiança, que
durou mais do que a sentença que ele recebeu.

No caso, a Corte IDH chegou às seguintes conclusões:

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I – Comunicação prévia e detalhada da acusação

a) Para atender ao art. 8.2.b convencional, o Estado deve informar ao interessado não
apenas a causa da acusação, ou seja, as ações ou omissões que lhe são imputadas, mas
também os motivos que levam o Estado a formular a imputação, as bases probatórias
disso e a caracterização legal dada a esses fatos. Toda essa informação deve ser
expressa, clara, abrangente e suficientemente detalhada para permitir ao acusado
exercer plenamente seu direito à defesa e mostrar ao juiz sua versão dos fatos.

b) O art. 8.2.b convencional se aplica antes mesmo que uma “cobrança” seja feita
estritamente. Para que o artigo mencionado atenda aos objetivos inerentes, é
necessário que a notificação ocorra antes de o acusado fazer sua primeira declaração,
perante qualquer autoridade pública.

c) Nesse caso, é discutida a qualidade que o sr. Barreto Leiva possuía no momento que
fez suas três declarações perante as autoridades judiciais antes de ser colocado em
prisão preventiva. (…)

d) O Estado aceita que não informou o sr. Barreto Leiva dos fatos que lhe foram
imputados antes de testemunhar perante as autoridades judiciais. Portanto, é
apropriado analisar se os motivos apresentados são suficientes para justificar tal
omissão.

e) “É admissível que, em certos casos, haja uma reserva das medidas adotadas durante
a investigação preliminar no processo penal, para garantir a eficácia da administração
da justiça. (...) No entanto, esse poder deve ser harmonizado com o direito de defesa da
pessoa investigada, o que supõe, entre outras coisas, a possibilidade de conhecer os
fatos que lhe são imputados”.

f) O fato de o sr. Barreto Leiva poder ter aprendido com a mídia ou com sua declaração
anterior perante o Congresso o assunto da investigação que estava sendo realizada não
isentou o Estado de cumprir as disposições do art. 8.2. b da Convenção. O entrevistado,
antes de declarar, deve saber oficialmente quais são os fatos que lhe são imputados,
não apenas deduzi-los das informações públicas ou das perguntas feitas. Dessa
maneira, sua resposta pode ser eficaz e sem a margem de erro que as suposições
produzem; o princípio da consistência será garantido, segundo o qual a identidade deve
mediar entre os fatos de que o acusado é informado e aqueles pelos quais ele é
processado, acusado e condenado, e o direito à defesa é garantido.

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g) Com base no exposto, a Corte conclui que a Venezuela violou o direito consagrado no
art. 8.2.b da Convenção Americana, em relação ao art. 1.1 desta, em detrimento dos.
Barreto Leiva.

II – Permitir tempo e meios adequados para preparar a defesa

a) Um dos direitos fundamentais do processo penal é o direito de dispor de tempo e


meios adequados para preparar a defesa, previsto no art. 8.2.c da Convenção, que
obriga o Estado a permitir o acesso ao conhecimento dos autos. Da mesma forma, o
princípio contraditório deve ser respeitado, o que garante a intervenção do primeiro na
análise das evidências.

b) Se o Estado pretende limitar esse direito, deve respeitar o princípio da legalidade,


argumentar de maneira bem fundamentada qual é o objetivo legítimo que pretende
alcançar e demonstrar que os meios a serem utilizados para alcançar esse objetivo são
adequados, necessários e estritamente proporcionais.

c) No presente caso, o Tribunal observa que, de acordo com a lei, as coletas de


resumos, enquanto duravam o resumo, sempre foram secretas para a pessoa
investigada que não foi privada de sua liberdade.

d) Com base no exposto, a Corte conclui que o Estado violou o art. 8.2.c da Convenção,
em relação ao art. 1.1 da mesma, em detrimento do sr. Barreto Leiva. Da mesma forma,
como essa violação ocorreu como consequência da aplicação dos atuais arts. 60, da
Constituição, e 73, da CEC, o Estado também não cumpriu o art. 2 da Convenção.

III – Direito do acusado de ser assistido por um defensor de sua escolha

a) Como pode ser visto, o fato de o sr. Barreto Leiva não ter um advogado de defesa na
época para depor perante o TSSPP e perante o Tribunal de Substituição do CSJ não
está em disputa. A questão a ser resolvida é se a presença do Ministério Público nessas
declarações substitui a do advogado de defesa.

b) Se o direito de defesa surgir a partir do momento em que uma pessoa é condenada a


investigar, a pessoa sob investigação deve ter acesso à defesa técnica a partir desse
momento, especialmente nos procedimentos em que sua declaração é recebida.
Impedir que este último tenha a assistência de seu advogado de defesa é limitar
severamente o direito de defesa.

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c) O direito à defesa técnica não pode ser satisfeito por quem fará a acusação, ou seja,
o Ministério Público. A acusação afirma a reivindicação criminal; a defesa responde e a
rejeita. Não é razoável depositar funções naturalmente antagônicas em uma única
pessoa.

d) Consequentemente, de acordo com a Convenção Americana, o sr. Barreto Leiva tinha


o direito de ser assistido por seu advogado de defesa e não pelo Ministério Público, (...).
Tendo sido privado de tal assistência, o Estado violou o art. 8.2.d da Convenção, em
conjunto com o art. 1.1 da mesma.

IV – Direito de apelar da decisão

a) A jurisprudência deste Tribunal foi enfática ao afirmar que o direito de contestar a


sentença busca proteger o direito de defesa, à medida que concede a possibilidade de
interpor um recurso para impedir que uma decisão tomada em um procedimento
imperfeito seja definitiva e que contém erros que causarão danos indevidos aos
interesses do réu.

b) O duplo cumprimento judicial, expresso mediante a revisão completa da condenação,


confirma a fundação e confere maior credibilidade ao ato jurisdicional do Estado e, ao
mesmo tempo, proporciona maior segurança e proteção aos direitos da pessoa
condenada.

c) Embora os Estados tenham uma margem de apreciação para regular o exercício


deste recurso, eles não podem estabelecer restrições ou requisitos que violem a própria
essência do direito de recorrer da sentença.

d) Com base no exposto, a Corte declara que a Venezuela violou o direito do sr. Barreto
Leiva reconhecido no art. 8.2.h da Convenção, em relação aos arts. 1.1 e 2 da mesma,
uma vez que a condenação veio do tribunal que ouviu o caso em uma única instância e
o condenado não teve, portanto, a possibilidade de contestar a decisão. (…) Nesse caso,
a aplicação da regra da conexão, admissível em si mesma, trouxe consigo a
consequência inadmissível de privar a pessoa condenada do recurso mencionado no art.
8.2.h da Convenção.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
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