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DIREITOS HUMANOS
Iniciando-se pelos sistemas regionais, o quadro atual de proteção dos direitos humanos
no mundo pode ser visualizado no esquema abaixo:
Por que existem os sistemas regionais? Quais seriam as vantagens de sua existência, já
que existe o sistema global de proteção dos direitos humanos?
Além disso, a existência de sistemas regionais cria para as vítimas mais uma
possibilidade de acesso às instâncias internacionais. Uma mulher, por exemplo, que tem
seus direitos humanos violados, pode tanto acessar o sistema global – o comitê dos
direitos da mulher – quanto pode buscar uma proteção no âmbito do seu sistema
regional. Há essas duas possibilidades, e a mulher pode avaliar qual é o melhor
caminho para fazer cessar a violação ou obter a reparação dos seus danos.
Essa fase tem como requisito o prazo de seis meses, isto é, entre a violação e a petição
deve-se observar o prazo de seis meses, contados, portanto, a partir da violação. Além
5) Primeiro informe – Caso não haja conciliação, a Comissão edita o seu primeiro
informe ou primeiro relatório, chamado Relatório 50, que é encaminhado,
reservadamente, aos Estados. Isto é, a Comissão verifica que houve violação de algum
tratado, portanto faz o parecer reconhecendo a existência da violação e encaminha
para os Estados reservadamente.
Observa-se, assim, que podem acontecer quatro coisas depois do primeiro informe:
A Corte não é explícita sobre a decorrência da natureza jurídica vinculante, mas fala
que, do ponto de vista da boa-fé, os Estados devem realizar os seus melhores esforços
para cumprir o segundo informe.
O art. 46, inciso 2º, da Convenção Americana fala que não será exigido o esgotamento
dos recursos internos se:
Outro ponto interessante é que a Corte tem jurisprudência pacífica quanto a essa
exceção preliminar, haja vista que o esgotamento dos recursos internos tem natureza
de exceção preliminar dos Estados. Desse modo, quando o Estado é requerido na
Comissão, ele apresenta a alegação de não esgotamento dos recursos internos como
A Corte interamericana já pacificou que tal exceção deve ser apresentada perante a
Comissão e, se não for apresentada, o Estado não pode apresentá-la perante a Corte
quando esta tiver que conhecer a matéria. Isso se dá com base no princípio do
estoppel, o mesmo que non venire contra factum proprium.
Assim, se o Estado aceitou que a Comissão conhecesse daquele caso, não apresentando
exceção de esgotamento dos recursos internos, não pode depois, quando o caso chega à
Corte, apresentá-la. Sendo assim, ocorre uma preclusão dessa exceção perante a Corte
caso o Estado não tenha apresentado tal exceção à Comissão.
Por fim, tem-se que o ônus de indicar quais recursos faltam ser esgotados é de quem
alega a exceção. Portanto, se o Estado, perante a Comissão ou Corte, alega que não
houve o esgotamento dos recursos internos, deve indicar quais recursos internos
restam à parte para resolver a questão internamente.
Sua composição é de sete juízes, eleitos por seis anos, admitida uma reeleição. O
Brasil já teve vários juízes na Corte Interamericana, como Antônio Augusto Cançado
Trindade e Roberto Caldas.
Quem tem legitimidade (jus standi) para levar causas até a Corte Interamericana é a
Comissão Interamericana ou o Estado-parte, de modo que indivíduos não possuem
legitimidade perante a Corte.
2) Fase probatória – Nessa fase, a Corte Interamericana faz sessões para ouvir
testemunhas e as vítimas; pode colher prova pericial; e admitir amicus curiae, que é um
amigo da corte (alguém que faz contribuições, no âmbito do seu conhecimento
especializado) para possibilitar o melhor julgamento da causa.
4) Fase executória – Nessa fase, a Corte faz a supervisão do cumprimento das suas
sentenças, isto é, a própria Corte faz esse acompanhamento. Quando há
descumprimento, apresenta um relatório à OEA, que pode tomar suas providências.
(a) extrema gravidade na violação. Dessa forma, não é qualquer violação que dá ensejo
à expedição de medidas provisórias;
(b) urgência. Deve ser uma situação que exige uma atuação imediata da Corte
Interamericana;
A própria Corte tem assentado que essas medidas provisórias não têm natureza
puramente cautelar, mas tutelar. Isso significa que as medidas provisórias não têm o
objetivo puro e simples – que se vê nas medidas cautelares – de preservar o objeto do
processo. O objetivo é proteger justamente o direito das pessoas.
Portanto, quando não há tempo para a Corte fazer todo o processo que foi visto há
pouco, ela expede essas medidas provisórias com intuito, realmente, de proteger os
direitos das pessoas e não apenas proteger o processo ou objeto do processo.
Dessa forma, no âmbito do controle, a Corte aduz que os juízes estão vinculados aos
seus direitos nacionais/internos, porém, quando um Estado é parte da Convenção
Americana – do sistema interamericano – os juízes devem prestar obediência, também,
ao direito internacional e à interpretação que é dada pela Convenção.
Assim, a Corte diz que todo juiz, antes de aplicar uma norma, além de fazer o controle
de constitucionalidade, se isso for previsto em seu ordenamento interno (se for possível
o controle difuso de constitucionalidade), deve fazer também o controle de
convencionalidade. Portanto, atualmente, quando o juiz aplica uma norma no Brasil, ele
deve, além de verificar se aquela norma é compatível com a Constituição Federal de
1988 (CF/1988), verificar se é compatível com o direito interamericano.
Em 2011, no caso Gelman vs. Uruguai, a Corte inovou ao dizer que até mesmo as
autoridades administrativas estão obrigadas a fazer o controle de convencionalidade.
Sendo assim, as autoridades administrativas também devem, no limite dos seus direitos
internos, fazer o exame de compatibilidade entre os atos internos e o direito
internacional, entre os tratados internacionais de direitos humanos e a jurisprudência
da Corte Interamericana.
Em 2006, a Corte, no caso dos Trabajadores cesados del Congreso vs. Peru, falou que o
controle de convencionalidade deve ser exercido também ex officio. Sendo assim, o juiz
ou a autoridade administrativa não precisam ser provocados para fazer o controle de
convencionalidade.
Serão apresentados os casos mais importantes, os que mais caem em concurso e os que
o Brasil foi parte, pois têm uma probabilidade ainda maior de serem cobrados em
provas de concurso.
Como foi visto, a Corte Interamericana, além da sua competência contenciosa, tem a
competência consultiva, pela qual a Corte expede pareceres e opiniões consultivas a
respeito da interpretação de tratados de direitos humanos.
Esse caso já foi cobrado em concurso, mas outro aspecto que também o torna muito
importante é que essa questão já foi decidida pelo STF no RE nº 511.961-SP, sendo que,
na ementa do acórdão do STF, esse parecer consultivo é citado. Trata-se, portanto, de
um exemplo de diálogo das Cortes, em que o STF, para tomar sua decisão, observou a
jurisprudência consultiva da Corte Interamericana e aplicou esse entendimento.
Nesse caso, o Estado de Honduras foi acusado de, em 1981, por meio de suas Forças
Armadas, prender violentamente e sem ordem judicial o estudante Velásquez
Rodríguez, submetê-lo a torturas e interrogatórios e, ainda, negar a sua detenção.
Essa primeira tese está dizendo que o desaparecimento forçado constitui violação não
apenas do direito à integridade física e, eventualmente, do direito à vida, mas também
Além do acesso à Justiça, o direito que será construído posteriormente pela Corte IDH é
o direito à verdade. Assim, os familiares do desaparecido ficam obstados tanto de obter
o acesso à Justiça, ou seja, de buscar a responsabilização das pessoas envolvidas no
crime, quanto do direito à verdade, porque ficam sem saber o que aconteceu, onde
estão os restos mortais da pessoa etc.
Essa é a primeira tese, muito importante, firmada pela Corte IDH nesse caso. A outra é
a seguinte: os Estados têm o dever de prevenir, investigar e punir violações de
direitos humanos enunciados na CADH.
Essa tese foi muito importante para casos posteriores porque – com base na premissa
de que os Estados têm a obrigação de prevenir, investigar e punir violações dos direitos
humanos – as normas do direito interno, que afastam ou relativizam essa obrigação,
tornam-se nulas perante a CADH no entender da Corte.
Esse filme, “A Última Tentação de Jesus Cristo”, de Martin Scorsese, causa muita
polêmica em ambientes religiosos e pessoas cristãs e, com base na Constituição do
Chile (sendo que o caso chegou à Corte Suprema do Chile), foi assentada censura a
esse filme, ou seja, o filme teve sua exibição proibida no Chile por causa da afronta que
causava a valores religiosos.
Nessa oportunidade, a Corte IDH condenou o Chile pela censura prévia, que violou os
direitos de liberdade de pensamento e expressão (art. 13) assegurado na Convenção. A
Contudo, o mais interessante desse caso é que a Corte IDH determinou que o Chile
modificasse a sua Constituição, o que mostra uma transformação muito grande
nas relações entre o direito internacional e direito interno. Registra-se que o
Chile cumpriu essa sentença e modificou a sua Constituição, retirando a
possibilidade de censura prévia, para compatibilizá-la com a jurisprudência da Corte
IDH e com o direito internacional.
Todos esses casos foram de execuções extrajudiciais, nas quais indivíduos vinculados às
O que aconteceu, tanto no Chile quanto no Peru, foi que Pinochet e Fujimori, quando
estavam no final de seus regimes, providenciaram a aprovação de leis que os
anistiassem de crimes praticados durante seus respectivos períodos de atuação.
Portanto, eles se autoanistiaram, consignado que sairiam do poder, mas queriam a
garantia de que não responderiam por nenhum dos seus crimes.
Sendo assim, a Corte assentou uma jurisprudência pacífica de que leis de autoanistia
são incompatíveis com a CADH, porque violam muitos direitos, inclusive, afastam o
direito à proteção judicial das vítimas, o acesso à Justiça e deixam impunes as graves
violações de direitos humanos.
O raciocínio feito é que crimes contra a humanidade não podem ser afastados
com base em leis de autoanistia.
A Corte IDH discute o que são crimes contra a humanidade em vários casos, sendo que
esse conceito de crime contra humanidade vem desde o Tribunal de Nuremberg e
evoluiu com os casos julgados pelas cortes internacionais criminais e, também, com
tratados que foram sendo celebrados desde os anos 1940 e 1950.
De uma forma geral, os crimes contra a humanidade são definidos como aqueles
ataques generalizados e sistemáticos contra a sociedade civil pelo governo. Portanto,
quando governador adota uma política de praticar uma série de atos de violência contra
a população civil, estamos diante de crimes contra a humanidade.
Para a Corte IDH, a responsabilidade por esses crimes contra humanidade não pode ser
afastada com base em leis de autoanistia, seriam leis absolutamente nulas em face da
CADH. Isso é muito importante porque mais à frente serão vistos os desdobramentos
dessa jurisprudência, tanto em relação ao Brasil, quanto em relação ao Uruguai.
Trata-se de caso que envolve direitos indígenas. Nele, a Nicarágua foi acusada de não
demarcar as terras da Comunidade Awas Tingni, de não tomar medidas efetivas que
assegurassem os direitos de propriedade da Comunidade em suas terras, de haver
outorgado uma concessão das terras da Comunidade sem seu consentimento e de não
ter garantido um recurso efetivo para responder às reclamações da Comunidade sobre
seus direitos de propriedade.
Nota-se que é um caso que envolve o direito à propriedade coletiva da terra dos
povos indígenas.
A Corte reconheceu o direito dos povos indígenas à propriedade coletiva da terra, como
tradição comunitária e como um direito fundamental e básico à sua cultura, à sua vida
espiritual, à sua integridade e à sua sobrevivência econômica.
Isso acontece porque a visão que os indígenas têm sobre a propriedade é muito
diferente da visão que povos não indígenas costumam ter. Eles têm uma visão que
associa a relação com a terra a uma relação espiritual. Também está associado à sua
cultura, à sua integridade e à sobrevivência econômica.
Nesse caso, a Corte reafirmou o significado especial das terras ancestrais para
os povos indígenas, inclusive para preservar sua identidade cultural e
transmiti-las para gerações futuras. Entendeu ainda que a identidade cultural é
um componente agregado ao próprio direito à vida lato sensu.
Essa parte, talvez seja a mais interessante desse caso, porque a Corte IDH faz uma
leitura bastante ampla do direito à vida. Isto é, a CADH prevê o direito à vida e, para a
Corte, o direito à identidade cultural está integrado ao direito à vida. Assim, este
direito não é apenas o direito a estar vivo – direito de não ser morto pelo Estado –, mas
um direito também de ter respeitada a identidade cultural e, para os índios, a
identidade cultural está eminentemente ligada à sua relação com as terras ancestrais.
Dessa maneira, nota-se que não foi vista nenhuma condenação do Brasil. Até 2005, o
Brasil tinha passado ileso pela Corte IDH, sendo que ele já tinha reconhecido a
competência da Corte desde dezembro de 1998. Todavia, em 2006, houve a primeira
condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana, como se vê a seguir.
Damião Ximenes recebeu maus tratos em uma clínica psiquiátrica, em 1999, chegando
posteriormente a falecer.
Detalhando o caso, Damião Ximenes Lopes era um jovem que tinha problemas
psiquiátricos, razão pela qual sua mãe o levou para ser internado em uma clínica
psiquiátrica vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Quando ela retornou à clínica
para visitá-lo poucos dias após, ele já estava totalmente machucado, tinha sofrido maus-
tratos e alguns momentos depois veio a falecer.
Isto é, no Hospital do SUS, ele sofreu maus-tratos e, em decorrência disso, adveio a sua
morte. Depois do ocorrido, a família dele buscou a responsabilização civil e penal dos
agentes envolvidos nesse crime e após muitos anos não obtiveram resposta alguma.
O que mais se destaca nesse caso, além da violação à integridade física e à vida de
Damião Ximenes, é a omissão do Estado em providenciar uma resposta a essas
violações, bem como a demora do Estado – tanto que um dos fundamentos da decisão
foi que a Corte entendeu que a demora da Justiça em dar resposta e proteção judicial
aos familiares da vítima violou o direito de acesso à Justiça.
Percebe-se que o direito ao acesso à Justiça, para a Corte, não é apenas o direito de
bater às portas do Poder Judiciário, de apresentar uma petição ou ajuizar uma ação,
mas é de ter uma resposta em prazo razoável.
Essa foi a primeira condenação do Estado brasileiro na Corte IDH e, a partir desse
momento, foram várias as condenações que o Estado brasileiro sofreu.
Nesse caso, ficou demonstrado nos autos que a juíza, deliberadamente, tentou atacar o
MST. Para isso, combinou com um policial militar que a Polícia Militar (PM) fizesse um
requerimento de interceptações telefônicas (ou seja, fora da competência da PM). Com
isso, a juíza, sem fundamentação, deferiu a interceptação na sede do MST, pegou as
partes que comprometeriam os dirigentes e as pessoas desse movimento social e
divulgou para imprensa.
Esse caso também não conseguiu ter uma resposta no direito interno e chegou à Corte
IDH, que entendeu que o Brasil violou os arts. 11 (proteção da vida privada) e 16
Diante isso, o caso foi levado à Corte IDH, que entendeu o que o Panamá violou a CADH
e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Afirmou que é arbitrária
a detenção obrigatória dos migrantes irregulares, sem que as autoridades competentes
verifiquem em cada caso a possibilidade de utilizar medidas menos restritivas que
sejam efetivas.
O Estado Brasileiro foi acusado de não cumprir a sua obrigação de investigar e punir as
violações dos direitos humanos decorrentes da execução extrajudicial de Sétimo
Garibaldi, militante do MST.
Esta é mais uma ocasião em que o Brasil foi condenado por causa da demora ou da
É um caso que deu muita repercussão na imprensa e que, até hoje, ainda não foi
solucionado. A relação entre a jurisprudência da Corte IDH com a jurisprudência
interna – que estão em conflito nesse caso – ainda não foi resolvida.
Aconteceu que, nos anos 1970, várias pessoas – principalmente jovens – começaram a
organizar uma Guerrilha na região do Araguaia para se opor com armas ao regime
militar. Sendo assim, o exército brasileiro iniciou algumas operações para poder
sufocar aquele movimento armado, de modo que foram feitas algumas campanhas e o
resultado dessas operações foi que várias pessoas desse movimento armado foram
mortas.
Registra-se que elas não foram apenas mortas, foram também enterradas em valas e
tiveram seus restos mortais escondidos no centro do Brasil, no Araguaia. Na Comissão
Interamericana e na Corte Interamericana ficou provada a morte de uma pessoa e o
desaparecimento de várias outras.
Entretanto, nessas incursões do exército brasileiro, esses não foram os únicos eventos
ocorridos. Houve também expropriações, torturas e interrogatórios aos camponeses –
pessoas que moravam lá –, tudo com o fim de identificar e localizar onde estavam os
membros desse movimento armado e para poder ter sucesso a operação militar.
Essa lei foi um pouco diferente das leis de anistia do Peru e do Chile, anteriormente.
Enquanto no Chile e no Peru as leis de anistia foram leis aprovadas pelos regimes
autoritários com a finalidade específica de obstar as ações penais contra os agentes
públicos, no Brasil, a Lei de Anistia foi o resultado de um movimento iniciado para se
anistiar os perseguidos políticos, no caso, os opositores políticos do regime militar.
Porém, quando a Lei foi aprovada, ela adquiriu outro sentido, qual seja: anistiar não
apenas os perseguidos políticos, mas também os agentes públicos. Posteriormente, essa
Lei, interpretada pelo STF, teve a sua constitucionalidade declarada na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153. O STF afirmou que a Lei de
Anistia brasileira era geral, ampla, bilateral (ou seja, alcançava os dois lados).
Como foi dito, no Brasil, não foram para frente as investigações e ações penais contra
as pessoas envolvidas na Guerrilha do Araguaia, justamente porque a Lei de Anistia
tinha sido interpretada como ampla, geral e bilateral, o que impedia que os agentes
públicos fossem punidos por crimes praticados durante a ditadura.
Diante disso, o caso chegou à Corte IDH, que concluiu que o Estado brasileiro é
responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas. Com base no direito
internacional e em sua jurisprudência constante, a Corte Interamericana concluiu que
as disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a investigação e sanção de
graves violações de direitos humanos, são incompatíveis com a CADH, razão pela qual
não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do
caso, nem para a identificação e a punição dos responsáveis.
Portanto, no caso Gomes Lund, a Corte IDH afirmou com todas as letras que a Lei
brasileira de anistia é incompatível com a CADH e com o direito internacional dos
direitos humanos.
Consoante foi dito sobre sistema interamericano, as sentenças da Corte IDH, nos casos
em que os Estados são parte, são para eles vinculantes. Dessa forma, quando o Estado
Tem-se que os Estados são obrigados a cumprir as condenações com base no princípio
da boa-fé e do pacta sunt servanda, ou seja, se o Estado reconheceu a competência da
Corte IDH para julgar casos contenciosos, se ele é signatário da CADH – diz que as
sentenças são obrigatórias e que os Estados que são condenados devem cumpri-las –
ele não pode, posteriormente, dizer que não cumprirá determinada sentença, porque
não a considera justa ou correta. Isso seria uma violação, inclusive, do princípio do non
venire contra factum proprium, ou princípio do estoppel, que veda atos
contraditórios. Portanto, os Estados devem cumprir as condenações.
O primeiro problema que se tem é que a Corte IDH, no momento em que o STF julgou a
ADPF nº 153, já tinha uma jurisprudência constante e pacífica no sentido da
inconvencionalidade, ou seja, da incompatibilidade das leis de anistia com a CADH.
Sendo que o STF, nesse caso, simplesmente ignorou a jurisprudência da Corte.
Em suma, o Brasil não havia, ainda, no momento da ADPF nº 153, sido condenado pela
Corte IDH, mas já existia uma jurisprudência pacífica na Corte e, mesmo assim, o STF
simplesmente a ignorou.
Registra-se que o único ministro, nesse julgamento, que faz algumas considerações a
respeito da jurisprudência da Corte IDH é Celso de Mello. Os demais não tomam
conhecimento da Corte. Esse é um problema que existe no STF: o diálogo do
Supremo com a Corte Interamericana é superficial. Nota-se que o STF, às vezes,
cita a Corte IDH apenas para reforçar uma decisão que já foi tomada. Dificilmente, o
STF vai à jurisprudência da Corte para poder aprender, discutir, dialogar e debater.
Na verdade, o STF apenas vai a esta jurisprudência depois que toma a decisão, ocasião
em que, eventualmente, busca as decisões das cortes internacionais – inclusive da
Corte IDH – para reforçar seu argumento. Dificilmente, ao ter que tomar uma decisão,
observa o que dispõe a Corte.
A Corte IDH, aliás, quando julgou o caso Gomes Lund, que foi depois da ADPF nº 153,
Nota-se que, nesse caso, há um impasse. Tem uma decisão do STF dizendo que a Lei de
Anistia é válida, que crimes contra humanidade, praticados durante o regime militar,
não podem ser investigados, processados e punidos. Lado outro, tem uma sentença
obrigatória da Corte IDH dispondo que a Lei brasileira de anistia é inválida e não pode
obstar a persecução de crimes contra a humanidade, ou seja, aqueles agentes públicos
que praticaram grave violação de direitos humanos – que perseguiram a população civil
– devem ser processados.
Diante dessa controvérsia, muitos textos já foram escritos e muitas reflexões já foram
feitas a respeito desse problema. Uma proposta interessante é a de André de Carvalho
Ramos, membro do Ministério Público Federal, que propõe, para resolver esse impasse,
a teoria do duplo controle.
Essa teoria afirma que os atos internos devem se sujeitar a um controle tanto de
constitucionalidade quanto de convencionalidade. Sendo assim, para que um ato seja
válido, ele deve passar nos dois testes, tanto no de constitucionalidade quanto no de
convencionalidade.
E, para ele, a Lei de Anistia brasileira foi aprovada no teste de constitucionalidade (pois
o STF é quem dá a última palavra em matéria de constitucionalidade), contudo, foi
reprovada no teste de convencionalidade, pois a Corte IDH (que dá a última palavra em
matéria de CADH) disse que a lei brasileira de anistia é incompatível. Portanto, como
foi reprovada nesse teste, não pode ser aplicada – é nula do mesmo jeito.
Provavelmente o STF irá se deparar de novo com o tema, pois há uma ADPF em curso –
que tenta reinterpretar a ADPF nº 153 à luz da jurisprudência da Corte IDH – dizendo
que o STF não se pronunciou especificamente sobre os crimes contra a humanidade.
Dessa forma, essa ADPF busca uma declaração do STF para dizer o seguinte: ainda que
a Lei de Anistia seja válida, como se trata de crimes contra a humanidade, ela não pode
ser aplicada e afastar a responsabilidade dos agentes públicos.
Em 1976, Marcelo Gelman foi executado e María Gelman – sua companheira – foi
trasladada ao Uruguai onde deu à luz a sua filha María Macarena, que foi entregue a
uma família uruguaia. María Gelman encontrava-se desaparecida até a data do
Esse casal de opositores políticos ao regime militar no Uruguai foi procurado, inclusive,
por uma operação conjunta – a operação Condor – que envolvia autoridades de várias
ditaduras da América Latina, porque essas ditaduras foram mais ou menos
coordenadas.
Agentes dessa operação Condor foram à Buenos Aires, executaram Marcelo Gelman,
pegaram a esposa dele que estava grávida e a levaram para o Uruguai. Ela desapareceu
(provavelmente foi morta e os restos mortais enterrados em algum lugar) e a filha foi
entregue a um casal uruguaio para ser adotada, sendo que ela cresceu sem saber do
seu passado. Somente quando adulta, teve conhecimento da sua história.
A partir disso, o caso chegou à Corte IDH, que fez pronunciamentos muito
interessantes.
Observa-se que, até então, a Corte IDH tinha se defrontado com casos de
desaparecimento forçado em que o desaparecido, muito provavelmente, havia sido
executado, ou seja, havia sido morto e os seus restos mortais escondidos em um lugar.
Todavia, nesse caso, María Macarena não havia sido executada, não havia sido morta.
Ela havia sido apagada de outra forma, sendo entregue a um casal, de modo que os pais
tanto de Marcelo Gelman quanto de María Gelman ficaram sem saber onde estava neta.
Com isso, consignou-se que a referida situação afetou o direito à identidade, que
apesar de não se encontrar expressamente contemplado na Convenção, pode ser
determinado nas circunstâncias do presente caso com base no disposto na
Convenção sobre os Direitos da Criança.
Como María Macarena não teve oportunidade de conhecer o seu passado, a sua
Ademais, a Corte afirmou que não apenas as “autoanistias” são incompatíveis com a
CADH, pois, mais do que o processo de adoção e da autoridade que emitiu a lei de
anistia, a Corte se atém a sua ratio legis: deixar impunes graves violações ao
Direito Internacional.
Esse é o ponto mais polêmico do caso Gelman porque, conforme foi dito, as ditaduras
militares na América Latina não foram idênticas – cada uma teve um histórico, um
procedimento etc. – embora elas estivessem um tanto coordenadas.
O fim dessas ditaduras também não foi idêntico e as leis de anistia também não.
Enquanto no Peru e no Chile as leis foram de autoanistia, ou seja, os ditadores, ao final
das ditaduras, aprovaram leis de anistia como condição para deixar o poder, no Brasil, a
anistia começou como uma discussão para anistiar os perseguidos políticos e, depois, a
lei acabou abrangendo também, na visão do STF, os agentes políticos – perseguidores.
No Uruguai, por sua vez, foi muito diferente, pois já no regime democrático um
Congresso eleito democraticamente aprovou a lei de anistia, alcançando os fatos
ocorridos durante a ditadura.
Portanto, a Corte IDH se deparou com essa situação, que é bem diferente da situação
do Chile, do Peru e do Brasil, tendo em vista que foi um caso no qual a lei de anistia foi
aprovada já na democracia, por um Congresso eleito e que o povo, diretamente,
afirmou que considerava essa lei legítima e que queria, realmente, anistiar o passado.
Portanto, o problema das leis de anistias, para a Corte IDH, é que as vítimas e seus
Nesse caso, a Corte IDH também afirmou que a democracia direta não tem o poder de
confirmar qualquer conteúdo, isto é, caso vá para mecanismos de democracia direta, se
é possível violar direitos humanos, esse resultado, ainda que chancelado pela soberania
popular, não será legítimo perante o direito internacional, justamente porque a
democracia direta não pode chancelar qualquer conteúdo.
Dessa forma, o simples fato de ter sido aprovado por plebiscito ou referendo não
significa que aquele ato é legítimo perante o direito internacional. Esse foi o
entendimento da Corte IDH. O direito internacional tem os seus próprios princípios e
critérios para examinar se um determinado conteúdo é válido ou não e, nesse caso,
apesar de a população ter dito que a lei era válida, a Corte IDH disse que, perante o
direito internacional, essa lei não era válida. Portanto, a Corte IDH declarou a
inconvencionalidade da lei uruguaia.
Repisa-se que, nesse caso, a Corte afirmou que o fato de que a Lei de Caducidade tenha
sido aprovada em um regime democrático e ainda ratificada ou respaldada pela
população em duas ocasiões não lhe concede automaticamente, nem por si só,
legitimidade perante o direito internacional.
Mais um aspecto interessante mencionado pela Corte foi que todos os órgãos estatais,
inclusive seus juízes, são obrigados a exercer ex officio um controle de
convencionalidade, evidentemente no marco de suas respectivas competências e da
normativa processual correspondente.
Isto é, não apenas os juízes devem fazer o controle de convencionalidade, mas todos os
órgãos estatais. O Poder Executivo e o Poder Legislativo também devem fazer o
controle de convencionalidade.
Segundo a Corte, restou provado que, na Fazenda Brasil Verde, foram encontradas mais
de cem pessoas que, depois de terem os seus documentos confiscados, eram colocadas
em uma situação degradante, não podiam sair da Fazenda e eram obrigadas a comprar
comida e remédios com o dono da Fazenda.
Como se trata de crime contra humanidade, esses mecanismos do direito interno não
podem afastar a responsabilidade dos autores do crime.
Nesse caso, aconteceu que a própria PM investigou o que havia ocorrido e tudo ficou
justificado como autos de resistência, isto é, as pessoas tinham sido executadas e
violentadas sexualmente porque haviam resistido à operação militar.
Evidentemente, a violência sexual ficou omitida, mas as mortes foram justificadas com
base em autos de resistência e o procedimento, no âmbito da PM, resultou em
arquivamento, de modo que não se deu andamento à apuração desses crimes.
Diante disso, a Corte IDH falou que não dava para a PM investigar os próprios policiais
militares quando se trata desses crimes, sendo assim, deve ser sempre um órgão
independente a investigar.
Sendo assim, o Brasil demorou muito para concluir o processo de demarcação das
terras, sendo que os indígenas já estavam nas terras há muito tempo antes de outubro
de 1988 – que foi o marco utilizado pelo ordenamento para se fixar o direito às terras
Desse modo, para fazer a demarcação demoraram mais de 10 anos; feita a demarcação,
o Estado brasileiro demorou para titular – registrar em cartório, adotando-se os
procedimentos administrativos – e, quando teve o julgamento, apesar de ser finalizada
a demarcação, não havia sido concluída a desintrusão dos não indígenas – retirada dos
não indígenas dessa terra do povo Xukuru.
Desse modo, a Corte concluiu que a demora do processo e da desintrusão dos não
indígenas foi excessiva e declarou o Brasil responsável pela violação do direito à
garantia judicial de prazo razoável (art. 8, inciso 1º), dos direitos de proteção judicial e
à propriedade coletiva (arts. 25 e 21) que os indígenas têm direito.
Essa é mais uma condenação do Brasil relacionada aos direitos indígenas. Como o
Brasil, até o ano passado, ainda não havia cumprido a condenação no caso Gomes Lund,
o país teve novamente julgada a questão relacionada à sua Lei de Anistia, conforme se
vê a seguir.
Vladimir Herzog era um jornalista (não era militante, não pegava em armas, não era
como no caso da Guerrilha do Araguaia, na qual se preparava para atacar com armas o
regime militar) que foi “convidado” para ir ao DOPS (Departamento de Ordem Política e
Social) para prestar esclarecimento. Salienta-se que as pessoas eram frequentemente
chamadas para dar esclarecimentos sobre suas atividades, para provar que não eram
subversivas ou que não participavam de partidos de esquerda etc.
Na verdade, a política chamou Vladimir Herzog para ir ao DOPS e alguém falou para
deixar que ele fosse no dia seguinte. Neste dia, ele foi voluntariamente ao
Departamento, onde sofreu tortura da qual resultou a sua morte. Mas a polícia, para
poder disfarçar o que havia acontecido, fez uma encenação de suicídio, considerada
“bizarra”, porque, pela fotografia do seu enforcamento, ele teria se enforcado em um
lugar mais baixo que ele. Foi feito também um laudo manipulado para dizer que não
houve tortura e que ele não foi morto pelos agentes públicos, confirmando a tese do
suicídio.
Apesar dessa ação declaratória, os responsáveis pela morte de Vladimir Herzog não
foram julgados, justamente com base na Lei de Anistia. Posteriormente, já na
democracia, descobriu-se que um determinado agente público estava envolvido nesse
assassinato. Quando o Ministério Público Federal propôs a ação, o caso foi arquivado.
Depois de um tempo, foi invocada a coisa julgada para que o agente público
responsável não fosse processado.
Pontua-se que foram invocados diversos argumentos para que os responsáveis não
fossem processados, tais como, a Lei de Anistia, coisa julgada – porque o inquérito
havia sido arquivado –, o ne bis in idem e a prescrição.
Com isso, o caso chegou à Corte IDH, que dispôs que houve violação do direito de
conhecer a verdade em detrimento dos familiares do jornalista.
Isso porque a Corte IDH tem o entendimento de que existe o direito à verdade – direito
de saber o que aconteceu no caso de desaparecimento forçado ou de violação dos
direitos humanos – e que essa verdade está muito associada ao processo penal.
Dessa forma, para a Corte IDH, a verdade nessas situações é alcançada por meio da
investigação e apuração criminal do caso.
Sendo assim, a Corte reafirmou que a Lei de Anistia, a prescrição, o ne bis in idem e a
coisa julgada são inaplicáveis aos crimes contra a humanidade.
Isto é, ninguém pode deixar de ser processado por um crime contra humanidade com
base em lei de anistia, em prescrição, em coisa julgada ou em ne bis in idem. Esse é o
entendimento da Corte IDH que foi reafirmado em 2018 no caso em que o Brasil foi
parte.