Você está na página 1de 16

TEMAS

PARA DEFENSORIA ESTADUAL

DIREITO PROCESSUAL PENAL

A defensoria pública no tribunal do júri

1. Previsão constitucional

A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) prevê a instituição do júri para o julgamento


dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei
(...) (Grifos nossos.)

O Tribunal do Júri é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância,


pertencente à Justiça Comum Estadual ou Federal, colegiado e heterogêneo.

1.1. Competência constitucional para julgar crimes dolosos


contra a vida

Com a vigência da Lei nº 11.689, de 09.06.2008, alterou-se substancialmente o


procedimento de apuração dos crimes dolosos contra a vida. Com efeito, antes
regulamentado nos arts. 394 a 497 do Código de Processo Penal (CPP), esse rito era
idêntico ao ordinário até a fase de encerramento da instrução, oportunidade em que se
iniciavam as diferenças.

Pela atual concepção, o procedimento do júri encontra-se regulamentado nos arts. 406

Curso Ênfase © 2021 1


a 497, incorporando disciplina absolutamente autônoma em relação aos demais
procedimentos.

O tribunal do júri é competente para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra
a vida (art. 5º, XXXVIII, CF/1988). Assim, são considerados (tentados ou consumados):
homicídio doloso (art. 121, Código Penal – CP), induzimento, instigação ou auxílio a
suicídio ou a automutilação (art. 122, CP), infanticídio (art. 123, CP) e abortos (arts.
124, 125 e 126, CP).

Define-se, portanto, como sendo uma competência mínima, que não pode ser afastada
nem mesmo por emenda constitucional, haja vista que se trata de uma cláusula pétrea
(art. 60, § 4º, IV, CF/1988), o que, no entanto, não significa que o legislador ordinário
não possa ampliar o âmbito de competência do Tribunal do Júri. É isso, aliás, o que já
ocorre com os crimes conexos e/ou continentes.

Com efeito, por força do art. 78, inciso I, do CPP, além dos crimes dolosos contra a vida,
também compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes conexos, salvo em se
tratando de crimes militares ou eleitorais, hipótese em que deverá ocorrer a separação
obrigatória dos processos.

1.2. Composição

É formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por 25 jurados, sete dos quais
compõem o Conselho de Sentença, com competência mínima para o processo e
julgamento dos crimes dolosos contra a vida, temporário, porquanto constituído para
sessões periódicas, sendo depois dissolvido, dotado de soberania quanto às decisões,
tomadas de maneira sigilosa e baseadas no sistema da íntima convicção, sem
fundamentação, de seus integrantes leigos.

1.3. Características

O Tribunal do Júri apresenta algumas características (TÁVORA; ALENCAR, 2019).

a) Órgão heterogêneo: é composto por um juiz-presidente e por 25 jurados, dos quais


sete irão compor o Conselho de Sentença. Vale destacar que quanto à posição do órgão
jurisdicional, as decisões estão assim classificadas:

(a.1) decisões subjetivamente simples: são aquelas proferidas por órgão singular.
Exemplo: juiz de primeiro grau;

Curso Ênfase © 2021 2


(a.2) decisões subjetivamente plúrimas: emanadas de órgão colegiado homogêneo.
Exemplo: turma recursal;

(a.3) decisões subjetivamente complexas: exaradas por órgão colegiado heterogêneo.


Exemplo: júri.

b) Órgão horizontal: porque não há hierarquia entre o juiz presidente e os jurados.

c) Órgão temporário: o tribunal funcionará durante alguns períodos do ano. A


definição desses períodos é dada pela lei de organização judiciária de cada Estado-
membro.

d) Decisões por maioria de votos: não sendo exigida a unanimidade dos votos, como
ocorre em outros ordenamentos.

Princípios constitucionais

Os princípios instituidores estão previstos no art. 5º, XXXVIII, da CF/1988. São também
cláusulas pétreas:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (...)


(Grifos nossos.)

O primeiro princípio a ser estudado é o da Plenitude de Defesa que não se confunde


com a ampla defesa (art. 5º, LVII, da CF/1988), já que, tal princípio, traz a ideia de que
além dos argumentos técnicos para a defesa do acusado, podem ser empregados

Curso Ênfase © 2021 3


argumentos não jurídicos, afinal, os jurados são juízes leigos.

A ampla defesa, por sua vez, entende-se pela defesa técnica, relativa aos aspectos
jurídicos; como exemplo, pode-se citar o direito de trazer ao processo todos os
elementos necessários a esclarecer a verdade, o direito de omitir-se, calar-se, produzir
provas, recorrer de decisões, contraditar testemunhas, conhecer de todos atos e
documentos do processo etc.

O sigilo das votações impõe que a votação ocorrerá em sala especial ou, como é
comum, no salão em que ocorre a sessão do júri. O sigilo nas votações existe para dar
concretude ao princípio da soberania dos vereditos. O sigilo, na verdade, é instrumento
que concretiza a soberania e dá concretude ao princípio da soberania dos vereditos.

O terceiro princípio, basicamente, traz a ideia de que a decisão dos jurados não pode
ser modificada pelo juiz togado ou pelo tribunal que venha a apreciar um recurso.

Por fim, temos a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida que
representa uma competência mínima, que não pode ser reduzida pelo legislador
infraconstitucional.

3. Procedimento bifásico do tribunal do júri

Independentemente da alteração determinada pela Lei nº 11.689/2008, persiste a


divisão do procedimento em duas partes: a primeira, denominada judicium accusatione
(sumário da culpa), abrangendo os atos praticados desde o recebimento da denúncia
até a pronúncia; e a segunda, chamada judicium causae, compreendendo os atos
situados entre a pronúncia e o julgamento pelo Tribunal do Júri. Por isso, dizemos que o
procedimento do júri é escalonado, bipartido.

a) Judicium accusatione (sumário da culpa): nessa fase, há apenas a intervenção


do juiz togado, aqui denominado de juiz sumariante. O judicium accusatione é a fase em
que se reconhece ao Estado o direito de submeter o acusado a julgamento perante o
Tribunal do Júri. Embora não conste expressamente do art. 411 do CPP, o princípio da
identidade física do juiz também se aplica à primeira fase do procedimento do júri.

Logo, o magistrado que tomou conhecimento da prova continuará vinculado ao feito,


devendo proferir a decisão final da primeira fase do procedimento do júri. Dessa

Curso Ênfase © 2021 4


maneira, em caso de eventual desmembramento da audiência una, o magistrado que
iniciou a colheita da prova deverá proferir a decisão ou sentença.

Em regra, o procedimento do júri tem início com o oferecimento da denúncia pelo


Ministério Público (MP), já que todos os crimes dolosos contra a vida (homicídio,
participação em suicídio, infanticídio e abortos) são de ação penal pública
incondicionada.

Essa denúncia deve ser elaborada com fiel observância dos requisitos do art. 41 do CPP,
atentando-se o promotor de justiça para a explicitação do elemento subjetivo do agente,
obrigatoriamente doloso. Se, em regra, o judicium accusatione tem início com o
oferecimento da denúncia, daí não se pode conclui-lo pela impossibilidade de
ajuizamento de queixa-crime no âmbito do júri, como, por exemplo, no caso da ação
penal privada subsidiária da pública.

b) Judicium causae (procedimento da segunda fase): nos termos do art. 421 do


CPP, uma vez preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz-
presidente do Tribunal do Júri com vistas à preparação do processo para o julgamento
perante o Conselho de Sentença, seguindo-se, a partir daí, o disposto nos arts. 422 a
424.

Ao receber os autos do processo, caberá ao juiz determinar a notificação do MP ou do


querelante (no caso da ação penal privada subsidiária), e do advogado do réu, para que,
no prazo de cinco dias, apresentem, se desejarem, o rol de testemunhas que deverão
prestar depoimento em plenário, até o máximo de cinco, oportunidade em que poderão,
outrossim, juntar documentos e requerer diligências (art. 422, CPP).

Ao final da primeira fase, o juiz terá quatro decisões possíveis de serem decretadas: a
pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e a desclassificação.

3.1. Pronúncia

A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a


vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma
possibilidade de condenação do acusado.

Como estabelece o art. 413, caput, do CPP: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o


acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes
de autoria ou de participação.”

Curso Ênfase © 2021 5


A decisão de pronúncia encerra a primeira fase do procedimento do júri, remetendo o
réu ao judicium causae, ou seja, para o julgamento em plenário perante o Conselho de
Sentença. Há a necessidade, portanto, de um juízo de certeza.

É bem verdade que os jurados podem, posteriormente, vir a absolver o acusado no


plenário do Júri por entenderem não estar provada a materialidade do delito. No
entanto, o juiz sumariante não pode permitir o julgamento de alguém pelo júri sob a
mera possibilidade de ter havido um crime doloso contra a vida.

A pronúncia é tratada pela doutrina como uma decisão interlocutória mista não
terminativa. Decisão interlocutória porque não julga o mérito, ou seja, não condena
nem absolve o acusado; mista, porque põe fim a uma fase procedimental; e não
terminativa, porque não encerra o processo.

Como a pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade (juízo de prelibação), cuja


finalidade é submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, tem natureza
processual, não produzindo coisa julgada, e, sim, preclusão pro judicato. Desse modo,
pode o Conselho de Sentença decidir contrariamente àquilo que restou assentado na
pronúncia.

É possível a aplicação do instituto da emendatio libelli e mutatio libelli?

Com a reforma processual de 2008, o art. 418 do CPP passou a prever que “o juiz
poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o
acusado fique sujeito à pena mais grave”.

Como se percebe, o referido dispositivo legal cuida da emendatio libelli, de modo bem
semelhante ao previsto no art. 383 do CPP. Em tal hipótese, prevalece o entendimento
de que não é obrigatória a oitiva da defesa. Quanto à possibilidade da aplicação da
mutatio libelli, existia divergência na doutrina quanto a sua aplicação.

Com a vigência da Lei nº 11.689/2008, deixou de existir qualquer controvérsia em torno


do assunto. Isso aconteceu porque o art. 411, § 3º, do CPP, dispõe expressamente que,
encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 do
CPP.

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova


definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos
de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação,

Curso Ênfase © 2021 6


o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de
cinco dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em
crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito
oralmente.

Atenção!

São requisitos da decisão de pronúncia:

Indícios suficientes de autoria.


Prova da materialidade delitiva.

a) Recurso cabível

Quanto ao recurso cabível contra a decisão de pronúncia, não houve qualquer alteração
pela Lei nº 11.689/2008. A impugnação deve continuar sendo feita por meio do recurso
em sentido estrito (RESE), nos termos do art. 581, IV, do CPP.

b) Despronúncia

A despronúncia ocorre quando uma decisão anterior de pronúncia é transformada em


impronúncia em virtude da interposição de um recurso em sentido estrito. Supondo que
o acusado seja pronunciado e contra tal decisão seja interposto um RESE (art. 581, IV,
CPP), a despronúncia estará caracterizada se referida decisão for reformulada,
transformando-se em impronúncia.

3.2. Impronúncia

De acordo com o art. 414 do CPP, o acusado deve ser fundamentadamente


impronunciado pelo juiz sumariante quando este não se convencer da materialidade do
fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Atenção!

São requisitos da decisão de impronúncia

Curso Ênfase © 2021 7


Ausência de indícios suficientes de autoria.
Ausência da materialidade delitiva.

a) Recurso

Antes da reforma processual de 2008, o recurso cabível contra a impronúncia era em


sentido estrito, tal qual disposto na antiga redação do inciso IV do art. 581 do CPP. Com
a entrada em vigor da Lei nº 11.689/2008, o recurso cabível passou a ser o de apelação.
De fato, segundo a nova redação do art. 416, CPP, “contra a sentença de impronúncia
ou de absolvição sumária caberá apelação”.

A legitimidade para interpor o recurso de apelação é do MP ou do próprio querelante


(ação penal privada subsidiária da pública). Ao assistente de acusação também se
defere o direito de apelar contra a impronúncia.

Esse recurso do assistente será subsidiário em relação ao do MP, ou seja, só poderá


recorrer se restar caracterizada a inércia do MP. Se habilitado, o prazo do assistente
será de cinco dias; se não habilitado, o prazo será de 15 dias. Sobre o assunto, aliás, a
Súmula nº 448 do Supremo Tribunal Federal (STF) dispõe que “o prazo para o
assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso
do prazo do Ministério Público”.

Se o Tribunal der provimento à apelação interposta pela acusação ou pelo assistente da


acusação contra a impronúncia, estará pronunciando o acusado. Quando negado,
significa dizer que a decisão de impronúncia foi confirmada e que o acusado não será
submetido a julgamento perante o plenário do Júri, salvo se surgirem provas novas,
hipótese em que nova peça acusatória deverá ser oferecida contra ele.

3.3. Absolvição sumária

Antes da reforma processual de 2008, a absolvição sumária só era cabível na 1ª fase do


júri, quando verificada a presença incontroversa de causa excludente da ilicitude ou da
culpabilidade. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.689/2008, houve uma ampliação de
suas hipóteses de cabimento.

Com efeito, além das excludentes da ilicitude e da culpabilidade (art. 415, IV, CPP), que
continuam autorizando a absolvição sumária, tal decisão também passa a ser cabível

Curso Ênfase © 2021 8


quando provada a inexistência do fato, provada a negativa de autoria ou de
participação, ou quando o juiz entender que o fato não constitui infração penal (art.
415, I, II e III, CPP).

Antes da reforma processual de 2008, tais hipóteses não estavam elencadas como
causas de absolvição sumária, funcionando como motivo de impronúncia absolutória,
que fazia coisa julgada formal e material. De acordo com o art. 415 do CPP, o juiz
deverá, fundamentadamente, absolver o acusado quando:

a) provada a inexistência do fato;

b) provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

c) o fato não constituir infração penal;

d) demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Conforme leciona o parágrafo único do art. 415 do CPP, se a inimputabilidade do art.


26, caput, CP, não for a única tese defensiva, não é possível a absolvição sumária
imprópria.

O motivo para tal vedação é evidente: quando o agente é absolvido com base na
inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou
retardado (art. 26, caput, CP), temos a sentença absolutória imprópria em que será
imposta ao inimputável a medida de segurança (art. 386, parágrafo único, III, CPP, c/c
art. 97, caput, do CP).

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na fase do art. 415 do


CPP, o juiz sumariante pode efetivar a absolvição imprópria do acusado inimputável.
Trata-se de hipótese em que, além da tese de inimputabilidade, a defesa apenas
sustenta por meio de alegações genéricas que não há nos autos comprovação da
culpabilidade e do dolo do réu, sem qualquer exposição dos fundamentos que
sustentariam esta tese (STJ, 5ª Turma, RHC nº 39.920/RJ, rel. Min. Jorge Mussi, j.
06.02.2014).

Para que o acusado seja absolvido sumariamente, é necessário um juízo de certeza. De


fato, como pode ser visto pela própria redação dos incisos do art. 415 (“I – provada a
inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não
constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do

Curso Ênfase © 2021 9


crime”), a absolvição sumária, ao subtrair dos jurados a competência para apreciação
do crime doloso contra a vida, deve ser reservada apenas nas situações em que não
houver qualquer dúvida por parte do magistrado.

A sentença de absolvição sumária é uma decisão de mérito. Além de encerrar o


iudicium accusationis (primeira fase do procedimento bifásico do júri), também põe fim
ao processo.

Ao contrário da impronúncia, que atua apenas na coisa julgada formal (autorizando,


portanto, o oferecimento de nova peça acusatória diante do surgimento de provas
novas), a sentença definitiva de absolvição sumária do art. 415 do CPP faz coisa julgada
formal e material, porquanto o magistrado ingressa na análise do mérito.

Isso significa dizer que, ainda que surjam provas novas após o trânsito em julgado da
decisão de absolvição sumária, o acusado não poderá ser novamente processado pela
mesma imputação.

a) Recurso cabível

A Lei nº 11.689/2008, além de revogar o inciso VI do art. 581, que previa o cabimento
de recurso em sentido estrito contra a absolvição sumária, deu nova redação ao art.
416 do CPP, que passou a dispor que cabe apelação contra a sentença de absolvição
sumária.

3.4. Desclassificação

De acordo com o art. 419 do CPP, quando o juiz estiver convencido, em discordância
com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 do CPP
(homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto, em suas
diversas modalidades) e não for competente para seu julgamento, remeterá os autos ao
juiz que o seja.

No entanto, se entender que o fato delituoso versa sobre crime de infanticídio, a


decisão proferida não é a de desclassificação, mas, sim, a de pronúncia. Afinal, o
referido delito também é da competência do júri.

Não se pode, portanto, confundir a expressão desclassificação, utilizada quando o juiz


dá ao fato capitulação legal diversa daquela constante da peça acusatória, com a citada
no art. 419 do CPP, cabível apenas quando a imputação não versa sobre crime doloso

Curso Ênfase © 2021 10


contra a vida.

No que se refere à infração conexa, preceitua o parágrafo único do art. 81 do CPP que,
se o juiz desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver sumariamente o
acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo
competente.

Em síntese, excepcionando-se a regra da perpetuatio jurisdictionis constante do art. 81,


caput, do CPP, não caberá ao juiz sumariante o processo e julgamento do crime conexo
quando impronunciar, absolver sumariamente ou desclassificar a infração da sua
competência. Ele deve remeter as infrações conexas ou continentes ao juízo
competente.

Nesse caso, o juiz deve aguardar o julgamento do recurso voluntário que possivelmente
será interposto contra a desclassificação. Isso acontece porque é possível que o
Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal – TRF) dê provimento ao recurso,
pronunciando o réu. Nesse caso, a competência para julgamento de ambos os delitos
(homicídio doloso e crime conexo) será do Tribunal do Júri.

Tivesse o juiz julgado prontamente o crime conexo, sem aguardar o pronunciamento do


juízo ad quem, estaria subtraindo do Tribunal do Júri crimes de sua competência.

Em contrapartida, mantida a decisão de desclassificação pelo juízo ad quem, o juiz


deve, sumariante, aplicar o disposto no art. 419, caput, do CPP, remetendo os autos ao
juiz singular competente para conhecer a infração conexa.

Quanto ao recurso cabível contra a decisão de desclassificação, não houve qualquer


alteração. O recurso continua sendo o Recurso em Sentido Estrito, com fundamento no
art. 581, II, do CPP. Afinal, trata-se de decisão advinda da incompetência do juízo. Esse
recurso em sentido estrito poderá ser interposto pelo MP, pelo querelante, pelo acusado
e por seu defensor.

Se o recurso cabível contra a desclassificação for em sentido estrito, significa que é


cabível juízo de retratação (art. 589, caput, CPP).

Logo, convencido acerca da procedência dos argumentos apresentados pelo recorrente,


poderá o juiz sumariante se retratar e alterar sua decisão, inclusive para fins de
pronunciar o acusado.

Curso Ênfase © 2021 11


Contra a decisão de pronúncia proferida em juízo de retratação em RESE interposto
contra a desclassificação, caberá recurso em sentido estrito mediante simples petição,
com dispensa de novos arrazoados, subindo os autos para o reexame pelo Tribunal, nos
termos do art. 581, IV, c/c art. 589, parágrafo único, todos do CPP.

Caso a desclassificação seja operada pelo Conselho de Sentença quando do julgamento


em plenário, ao juiz-presidente caberá o julgamento da infração desclassificada e
também das infrações conexas (CPP, art. 492, §§ 1º e 2º).

Exemplificando, se ao acusado tiverem sido imputadas as condutas de homicídio doloso


e estupro consumado, concluindo os jurados, todavia, pela desclassificação da
imputação de homicídio doloso para lesão corporal seguida de morte, ao juiz-presidente
caberá não só o julgamento desse delito, como também da infração conexa de estupro.
É o que dispõe o art. 74, § 3º, do CPP.

Art. 74. (...)

§ 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída


à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas,
se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu
presidente caberá proferir a sentença (art. 492, § 2º).

4. Desaforamento

O desaforamento é instituto que implica tão somente o deslocamento do julgamento da


causa para comarca distinta da que tramitou a primeira fase do procedimento,
preferencialmente comarca mais próxima, onde não subsistam mais os motivos que
determinaram tal deslocamento.

4.1. Hipóteses

O desaforamento deve ser usado de maneira excepcional, somente quando


demonstrada a presença de um dos motivos constantes dos arts. 427 e 428 do CPP.
Isso, porque a regra fundamental é que o acusado seja julgado no distrito da culpa, no
local onde cometeu o delito.

Os motivos que autorizam o desaforamento estão elencados nos arts. 427 e 428 do CPP:

Curso Ênfase © 2021 12


a) interesse de ordem pública; b) dúvida sobre a imparcialidade do júri; c) falta de
segurança pessoal do acusado; e d) quando o julgamento não for realizado no prazo de
seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, desde que
comprovado excesso de serviço e evidenciado que a demora não foi provocada pela
defesa.

4.2. Legitimidade

De acordo com o disposto no art. 427 do CPP, o desaforamento pode ser decretado em
virtude de requerimento do MP, do assistente da acusação, do querelante ou do
acusado ou mediante representação do juízo competente.

Caso a medida não tenha sido solicitada pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, deve o
relator do pedido providenciar sua oitiva. Ademais, de acordo com a Súmula nº 712 do
STF “é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do
júri sem audiência da defesa”.

4.3. Momento

Só há que se falar em desaforamento após a decisão de pronúncia, como deixa entrever


o art. 427, § 4º, do CPP. Portanto, não é possível o desaforamento se ainda está
pendente o recurso da defesa contra a pronúncia. Ou seja, ele acontecerá apenas após
o trânsito em julgado da decisão de pronúncia do réu, mesmo porque, até então, não há
como se cogitar de julgamento pelo Tribunal do Júri, diante da possibilidade de não ser
o acusado pronunciado (desclassificação da imputação, impronúncia ou absolvição
sumária) ou de ser a pronúncia reformada em sede recursal.

5. A Defensoria Pública na CF/1988

5.1. Previsão constitucional

A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do


Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados. É o que determina o art. 134 da CF/1988:

Curso Ênfase © 2021 13


Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais
e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do
art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de
2014.)

5.2. Sistema acusatório e a separação de funções

O sistema que vige no Brasil, atualmente, é o acusatório conforme determina os arts.


129, I, da CF/1988, e 3º-A do CPP.

Portanto, para que haja o julgamento de uma pessoa no Brasil, faz-se necessário
formalizar um processo, em que lhe seja assegurada a separação das funções de julgar,
acusar e defender e principalmente que se faça garantir a aplicação dos princípios da
ampla defesa e do contraditório.

Em outras palavras, não se realiza justiça sem o devido processo legal.

Analisando a situação do país, não se tem como negar que grande parte dos réus são
pessoas pobres na forma prescrita em lei, ou seja, sem a mínima condição econômica
de pagar o patrocínio da causa.

É nesse ponto, que se justifica o caráter imprescindibilidade da Defensoria Pública.

5.3. Defensoria Pública no Tribunal do Júri

As imposições constitucionais de que a defesa técnica é indisponível, oriundas do


princípio do contraditório e da ampla defesa, impõe que o Estado cumpra seu mister,
promovendo a defesa do acusado.

A atuação da Defensoria Pública perante o Tribunal do Júri pode ocorrer de maneira


típica, nos casos em que o réu não tem condições de pagar pelo patrocínio da causa, e
de maneira atípica. Importante mencionar que não há uma limitação para o exercício
da defesa técnica pela Defensoria Pública, de modo que a atribuição atípica pode ser
desenvolvida em qualquer juízo. O Tribunal do Júri, à evidência, está incluído neste rol.

Sabe-se que o CPP passou a viger desde 01.01.1942 e sofreu muitas alterações desde a

Curso Ênfase © 2021 14


sua edição. Especificamente quanto ao tema, por ora, tratado neste estudo, chama-se a
atenção para o que dispõe o art. 456:

Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não
for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da
seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.
(Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008.)

§ 1º Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo
o acusado ser julgado quando chamado novamente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de
2008.)

§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo


julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo
mínimo de 10 (dez) dias.

O que se percebe pela leitura do referido dispositivo é que existe uma particularidade
de tentar evitar o aditamento indefinido e proposital da sessão de julgamento.

a) Adiamento da sessão de julgamento

Pela leitura do art. 456, § 2º, do CPP, caso o advogado se ausente novamente na
próxima sessão, o juiz transferirá o patrocínio da defesa técnica para a Defensoria
Pública.

Importa registrar, por ser relevante, que não haverá obrigatoriedade de que na próxima
sessão de instrução e julgamento a defesa tenha que ser exercida pela Defensoria.

O que se impõe apenas é a cautela de intimação do órgão, no afã de impedir que haja
mais um aditamento.

Por isso, se o réu comparece à nova sessão acompanhado de advogado, seja o que se
ausentou na primeira sessão, seja outro que foi por ele constituído, caberá a tal
causídico a promoção de sua defesa.

b) Prazo para o novo julgamento

O prazo mínimo previsto para a nova sessão de julgamento é de dez dias, conforme
previsão do art. 456, § 2º, do CPP.

Curso Ênfase © 2021 15


É aqui que reside grande parte das críticas pelos profissionais atuantes, já que os
processos de competência do Tribunal do Júri apresentam profunda complexidade e
demandam notório esforço do Defensor Público durante a sessão plenária,
principalmente pela necessidade de estudar com minúcias, todos os elementos de prova
produzidos na fase do juízo da acusação.

É forçoso dizer que um lapso temporal tão curto implica na própria impossibilidade de
uma defesa técnica eficaz. O que vai de encontro ao que se espera da garantia
constitucional da plenitude de defesa. O tema objeto deste estudo, inclusive, já foi
analisado pelo Supremo Tribunal Federal:

Princípio da ampla defesa. Tratamento isonômico das partes (princípio da paridade de


armas). Em observância ao sistema processual penal acusatório instituído pela CF de
1988, a aplicação do art. 456 do CPP deve levar em conta o aspecto formal e material
de seu conteúdo normativo, ante a ponderação do caso concreto. O reconhecimento,
pelo defensor público nomeado, de que a análise dos autos se limitou a apenas 4 dos 26
volumes, por impossibilidade física e temporal (12 dias), somado à complexidade da
causa, prejudicou a plenitude da defesa (a, XXXVIII, art. 5º da CF/1988) do paciente
levado ao tribunal do júri (HC nº 108.527, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2013, 2ª T.,
DJE de 02.12.2013).

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts.
Todos os direitos reservados.

Curso Ênfase © 2021 16

Você também pode gostar