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TEMAS

ESPECIAIS PARA DEFENSORIA


PÚBLICA ESTADUAL

DIREITOS HUMANOS

Teorias críticas sobre os direitos humanos

1. Introdução

Ressalta-se que há diversas teorias que incidem sobre a disciplina de direitos humanos,
sendo assim, não raras vezes, é objeto de estudos de pós-doutorado.

Importante não confundir as principais teorias dos direitos humanos — teoria do status
e teoria das gerações — com as chamadas teorias críticas dos direitos humanos.

Essas últimas, objeto desta unidade, criticam uma visão majoritária sobre o que se
entende por direitos humanos e sua efetivação. Visam, portanto, oferecer um olhar
diferenciado, por meio de algumas posições filosóficas e doutrinárias, fugindo do
majoritário, do senso comum, em uma visão analítica sobre o que se entende e porque
se respeitam ou desrespeitam os direitos humanos.

Portanto, elas não criticam os direitos humanos. As teorias críticas não vão contra os
direitos humanos, pois são um olhar crítico, um olhar especialista sobre esses direitos
— se eles, de fato, são ou não respeitados ou como deveriam ser respeitados.

Dentre os autores críticos, merecem destaque Boaventura de Souza Santos, Karl Marx,
Giorgio Agamben, Michael Foucault, Joaquín Herrera Flores e David Sanchez Rubio.

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2. Teoria crítica dos direitos humanos

Trata-se de um método de análise dos direitos humanos surgida a partir dos estudos de
um filósofo espanhol chamado Joaquín Herrera Flores, que foi professor na
Universidade Pablo de Olavide de Sevilha e faleceu em 2009.

Em apertada síntese, com base no pensamento libertário e emancipador de Paulo


Freire, o professor Flores entendeu que o mundo não é estático, pois se encontra em
constante movimento e transformação. Não se pode, assim, conceber a noção de
direitos humanos ou as violações a eles como algo imutável ou natural, sem
possibilidade de críticas ou modificações.

Reinventar os direitos humanos significa abrir a possibilidade de pensá-


los como algo transitório, um constructo histórico que pode ser
reconstruído, em busca de um mundo livre, sem opressão, sem
discriminação, sem exclusão, que não imobilize o pensamento ou a ação.
Reinventar como busca de um mundo instituinte de pessoas — em suas
diferenças, mas na identidade de sua humanidade — e de povos de
diferentes culturas. Para tanto, é imprescindível que a própria teoria dos
direitos humanos seja modificada de acordo com o contexto histórico-
social (CADEMARTORI; GRUBBA, 2012).

Em sua obra Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos, Boaventura pontua que a
hegemonia dos direitos humanos como linguagem de dignidade humana é hoje
incontestável. No entanto, a realidade demonstra que a maioria da população mundial
não é sujeito dos direitos humanos, sendo apenas sujeito de discursos desses direitos.

A partir dessa constatação, Boaventura indaga se os direitos humanos são realmente


eficazes na luta dos excluídos, dos explorados, discriminados, ou se, na verdade, vão de
encontro a ela.

Assim, a partir de uma realidade totalmente apartada do discurso predominante de que


os direitos humanos são universais e atingem a todos, vê-se uma realidade carcerária,
de população de rua, de grupos vulneráveis, deficientes, sendo massacrados, vivendo à
margem dos direitos humanos.

2.1. Estado de coisas inconstitucional

Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF nº 347 MC/DF,

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julgada a medida cautelar em 09.09.2015, reconheceu, a partir de uma ideia
desenvolvida pela Corte Colombiana, o chamado “estado de coisas
inconstitucional”. Isto ocorre quando é verificada a existência de um quadro de
violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou
incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a
conjuntura; de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder
Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação
inconstitucional.

Em apertada síntese, o STF reconheceu expressamente a situação de calamidade


enfrentada pelo sistema penitenciário brasileiro, vivendo um estado de coisas
inconstitucional, justamente por conta da massiva violação dos direitos humanos dos
presos, não raras vezes, submetidos a tratamento cruel, situações de sobrevivência
indignas, locais insalubres, sem as mínimas condições de higiene, sujeitos a rebeliões
violentas, por conta de superlotações, culminando inclusive com a decapitação de
detentos uns pelos outros.

No mesmo julgado, o STF pontuou que a responsabilidade por essa falha estrutural é
dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), cabendo a este último retirar os
demais da inércia, coordenando ações voltadas à resolução do problema; bem como
monitorar a sua implementação.

De acordo com a obra de Carlos Alexandre de Azevedo Campos, “Estado de Coisas


Inconstitucional e o litígio estrutural” (disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-
set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural>), o estado de
coisas inconstitucional estará presente quando:

a) se verificar a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de


direitos fundamentais;

b) for causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades


públicas em modificar tal conjuntura;

c) apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma


pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional.

Ainda segundo Carlos Alexandre, na mesma obra, citado na ADPF nº 347, exige-se para
o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional, no caso concreto:

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a) vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número
significativo de pessoas;

b) prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para


garantia e promoção dos direitos;

c) superação das violações de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas


por uma pluralidade de órgãos, envolvendo mudanças estruturais que podem
depender da alocação de recursos públicos, correção das políticas públicas existentes
ou formulação de novas políticas, dentre outras medidas; e

d) potencialidade de congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus


direitos violados acorrerem individualmente ao Poder Judiciário.

Nessa linha de intelecção, o STF determinou, repise-se, em sede de medida cautelar:

a) que juízes e tribunais de todo o país implementem, no prazo máximo de 90 dias, a


audiência de custódia;

b) que a União libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo
Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a
realização de novos contingenciamentos.

2.2. Hermenêutica da suspeita

Ainda nas lições de Boaventura, encontramos a chamada hermenêutica da suspeita,


que se trata de uma visão crítica que deve ter o jurista sobre o cenário de violação
massiva de direitos humanos.

Boaventura, na sua análise dentro dessa hermenêutica da suspeita – interpretação


crítica do direito –, traz algumas ilusões que existem sobre esse consenso que nós
temos dos direitos humanos, sobre essa visão, às vezes até literária, de universalidade
dos direitos humanos, como se nós, de fato, já os tivéssemos conquistado para a
maioria da população.

Em apertada síntese, a hermenêutica da suspeita comporta as chamadas ilusões do


consenso sobre os direitos humanos – a teleológica, o triunfalismo, a
descontextualização, o monolitismo e o antiestatismo.

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a) Ilusão teleológica – Deve-se ler a história de trás para frente, usando como ponto
de partida o consenso atual. Assim, pode-se perceber que a visão hodierna de dignidade
humana é fruto de árduas lutas, conquistas históricas, guerras etc. Portanto, não se
pode perder de vista que a visão atual é fruto de toda essa trajetória.

b) Triunfalismo – A visão de direitos humanos é uma versão contada pelos


vencedores, uma concepção ocidental de direitos humanos, a partir dos valores caros
aos vencedores, os que triunfaram, sem considerar os povos indígenas massacrados
pelos europeus quando do descobrimento do Brasil, por exemplo, assim como outros
casos de colonização.

Um bom exemplo de choque em relação ao tema está disposto no Estatuto do Índio, Lei
nº 6.001/1973, em seu art. 57, ao abordar a tolerância de penalidades penais próprias
dos grupos tribais, desde que revistam caráter cruel ou infamante, proibida a pena de
morte.

Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições
próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não
revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.

Ora, essa visão de que um tratamento cruel e infamante atenta contra os direitos
humanos é uma visão ocidentalizada, porquanto em determinados grupos tribais há
rituais de passagem da infância à vida adulta, revestidos de crueldade, infamantes, mas
que são uma honra para os jovens que a eles se submetem.

O mesmo pode ser dito em relação à cultura oriental, que, não raras vezes, se
contrapõe à ideia de direitos humanos ocidentalizada, especialmente nos países árabes.

c) Descontextualização – Os direitos humanos como os conhecemos atualmente


nasceram a partir de uma quebra revolucionária com o regime absolutista, revoluções
liberais do século XVIII. Mas, a partir do século XIX, passaram a se subsumirem ao
direito estatal, convivendo com políticas liberais, desenvolvimento capitalista, com o
colonialismo e a globalização.

Exemplo disso está disposto na Constituição Federal de 1988 (CF/1988), art. 170, que a
ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tendo por fim garantir a todos uma existência digna, revelando também um viés liberal
e social ao mesmo tempo, demonstrando esse entrelaçamento do Estado aos direitos
humanos.

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Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) (Grifos nossos.)

Em suma, percebe-se que os direitos humanos, em que pese terem surgido de ideias
revolucionárias, tendem a ser avessos a essas mesmas ideias, em um movimento de
subsunção ao direito estatal, abandonando o viés emancipatório.

d) Monolitismo – Tenciona negar ou, pelo menos, minimizar as contradições internas


dos direitos humanos.

A concepção tradicional dos direitos humanos, muitas vezes, acaba eliminando —


tentando minimizar — as diversas contradições internas que existem entre os direitos
humanos. Pela complexidade da sociedade, pelas diferenças postas na prática e
também por eventuais distorções e distinções existentes em eventuais documentos
legislativos, vale mencionar que Boaventura traz e aponta que os direitos humanos não
se atentam para essas contradições.

Deveras, especialmente quanto à concretização desses direitos, há diversas


contradições em relação ao disposto nos documentos internacionais e à prática, bem
como entre os próprios documentos internacionais de proteção.

e) Antiestatismo — A ideia de que o violador por excelência dos direitos humanos é o


Estado cede lugar a outras figuras violadoras, a exemplo de grandes empresas
transnacionais, grupos multinacionais, notadamente no cenário atual – globalização,
neoliberalismo, extrema exploração do indivíduo.

Nesse ponto, surgem questões como o trabalho infantil, a redução à condição análoga a
de escravo, o tráfico de pessoas.

No que diz respeito ao trabalho infantil, vale lembrar a Convenção nº 182 da


Organização das Nações Unidas (ONU), fruto da Conferência Geral da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, realizada no dia 1º de junho de 1999,
tendo em conta a necessidade de adotar novos instrumentos para a proibição e
eliminação das piores formas de trabalho infantil, principal prioridade da ação
nacional e internacional, incluídas a cooperação e a assistência internacionais, como
complemento da Convenção e Recomendação sobre a idade mínima de admissão ao
emprego em 1973, um dos instrumentos fundamentais sobre o trabalho infantil, surgem
a Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190.

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Logo em seu art. 1º, a Convenção já deixa claro o caráter emergencial das medidas
protetivas por parte dos Estados-Parte, revelando a extrema sensibilidade do tema.

Art. 1º Todo membro que ratifique a presente Convenção deverá adotar medidas
imediatas e eficazes para assegurar a proibição e eliminação das piores formas de
trabalho infantil, em caráter de urgência. (Grifos nossos).

A Convenção nº 182 tenciona combater as chamadas piores formas de trabalho infantil,


elencando seu âmbito de abrangência, incluindo a escravidão de menores, a exploração
sexual, recrutamento para o cometimento de atos ilícitos, bem como o trabalho
potencialmente prejudicial à saúde, à segurança ou moral das crianças, enquadrando-
se o trabalho infantil doméstico nesta última categoria.

Art. 3º Para efeitos da presente Convenção, a expressão "as piores formas de trabalho
infantil" abrange:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e


tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado
ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem
utilizadas em conflitos armados;

b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção


de pornografia ou atuações pornográficas;

c) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades


ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos
tratados internacionais pertinentes; e

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é


suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças. (Grifos
nossos.)

Do exposto, denota-se claramente que não apenas o Estado é violador de direitos


humanos, mas também o podem ser pessoas físicas ou empresas, em suma, os
particulares.

3. Teoria dos status

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A Teoria dos Estados foi desenvolvida por Jellinek (que buscava observar o
comportamento das normas jurídicas) e consubstancia-se em uma crítica à
perspectiva jusnaturalista dos direitos humanos. Foi elaborada no final do século
XIX, período marcado pela passagem do estado liberal para o estado socialista.

Há, portanto, o espraiamento dos ideais sociais no estudo dos direitos humanos. A
partir disso, a teoria de Jellinek estuda a estrutura de tais direitos, observando o seu
comportamento e revelando, sob essa perspectiva, que existem estágios de interação
entre os indivíduos e o Estado.

Em síntese, desse modo, Jellinek buscava estudar o comportamento das normas de


direitos humanos e observar como ocorreria o estágio de interação entre os seres
humanos, e entre estes e o Estado, no plano jurídico.

Nesse âmbito, é importante saber que, em verdade, a Teoria dos Status é uma
passagem, isto é, a evolução do jusnaturalismo para o positivismo. Contexto no
qual o positivismo passou abarcar conceitos jusnaturalistas de direito divino,
positivando-os por meio de um procedimento que observa alguns estágios de interação,
denominados de status.

Desse modo, consoante Jellinek, há quatro estágios de interação dos indivíduos entre si,
e entre o Estado e esses indivíduos, quais sejam:

a) Status passivo.

b) Status negativo.

c) Status ativo

d) Status positivo.

Inicialmente, é importante observar que, em prova, o assunto costuma ser cobrado por
meio de conceitos ou exemplos, nos quais o enunciado questiona em que status
determinada norma se encaixaria. Dessa forma, a cobrança costuma ocorrer, por
exemplo, nos seguintes moldes:

a) O direito à saúde e o direito à educação se encaixam em qual dos status propostos


pela teoria?

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b) Sabe-se que as normas possuem estrutura variável, essa estrutura tem um status
passivo ou ativo?

Nesse sentido, os tipos de status mais cobrados em prova costumam ser o negativo e o
positivo. Isso se dá pelo fato de haver um consenso doutrinário sobre a aplicação desses
conceitos, diferentemente dos demais. Outrossim, o examinador costuma confundir o
candidato invertendo os conceitos de status passivo com negativo, ou do status ativo
com o positivo. Posto isso, passa-se à apresentação de cada um deles.

3.1. Status passivo

As normas de direitos humanos que possuem status passivo são caracterizadas por
posição de sujeição e subordinação ao Estado. Logo, são normas que o Estado
impõe e codifica por meio dos pactos sociais, observando o caráter independente dos
poderes, que devem ser exercidos de forma harmônica. Nesse ínterim, tome-se como
exemplo a descriminalização do aborto e a regulamentação do casamento
homoafetivo, ou seja, temas que constituem maior embate na sociedade.

Tratando-se de um processo legislativo regular, em que os representantes foram


constitucionalmente eleitos, tem-se a criação dessas normas por eles. Por seu turno,
tais normas impõem ao indivíduo condição de sujeição, determinando que as
observe, ainda que não concorde com elas, na medida em que, uma vez que a sua
criação corresponde à vontade da maioria, tem-se um procedimento legítimo,
característico do regime democrático.

3.2. Status negativo

As normas do status negativo, por sua vez, tratam de limitações impostas ao Estado,
ou seja, as garantias de que suas ações não desrespeitarão os direitos do homem.
Tem-se, em essência, a esfera das liberdades individuais, as quais demandam uma
postura negativa e de abstenção do Estado.

Acrescente-se que o status negativo é o que cai com maior frequência na prova, na
medida em que é o mais simples, pois trata de liberdades individuais.

Nesses termos, tome-se como exemplo a impossibilidade de o Estado retirar a liberdade


individual de ir e vir, bem como a liberdade de escolha de religião, de carreira
profissional etc. Todos esses direitos estão na esfera da liberdade privada, ou seja, da
autonomia da vontade privada, não sendo, portanto, permitido ao Estado intervenção

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(exceto em hipóteses excepcionalíssimas).

3.3. Status ativo

O status ativo corresponde ao conjunto de prerrogativas e faculdades atribuídas ao


indivíduo, para que possa participar da vida em coletividade, exercendo sua cidadania
e influenciando a criação de normas jurídicas. Nesse status, o indivíduo participa
ativamente do núcleo de normas de direitos humanos que demandam atuação pessoal.

Portanto, se no status passivo o indivíduo é subordinado ao Estado, no status ativo,


não o é. Isto é, enquanto no status passivo o indivíduo sujeita-se às normas
criadas, no ativo participará do processo de criação.

Nesse caso, os direitos ligados à cidadania são exemplos clássicos de prova de


concurso, em especial o poder de votar e ser votado, bem como a participação em
plebiscitos, a iniciativa popular etc.

3.4. Status positivo

Por fim, o status positivo trata de um conjunto de prerrogativas ou faculdades de exigir


do Estado sua atuação em prol do exercício dos direitos humanos. Em síntese, o
status positivo demanda a atuação do Estado, para que o indivíduo possa exercer
determinado direito.

Nesse sentido, tem-se como exemplo os direitos sociais em espécie, como o direito à
educação, que é constitucionalmente previsto, estando presente, inclusive, na
Declaração dos Direitos Humanos e em diversos outros instrumentos jurídicos que
positivam a sua existência.

Contudo, para que o cidadão exerça o seu direito à educação, é necessário que o Estado
intervenha, fornecendo as ferramentas de maneira a garantir que uma pessoa tenha
acesso a esse direito, como a criação de escolas, criação de concursos públicos para a
contratação de professores, fiscalização etc. O mesmo processo vale para o direito à
saúde, que demanda a criação de hospitais, contratação de profissionais etc.

Assim, em apertada síntese, podemos definir:

a) Status passivo – Sujeição da pessoa ao Estado, submetendo-se às leis editadas


legitimamente.

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b) Status negativo – Sujeição do Estado aos direitos fundamentais das pessoas.

c) Status ativo – Prerrogativas de participação popular, audiências públicas, direitos


políticos (votar e ser votado).

d) Status positivo – Obrigações positivas do Estado em relação ao bem-estar social,


escolas, hospitais etc.

4. Teoria das gerações

As gerações de direitos estão intimamente ligadas às fases históricas de evolução dos


direitos humanos. Em suma, a teoria das gerações foi desenvolvida por Vasak (1979),
ao perceber que os direitos humanos foram conquistados ao longo da história, em
blocos, geração a geração, configurando o que propõe como gerações de direitos.

Desse modo, por exemplo, em um período de 20 a 30 anos, positivava-se uma espécie


de direito, como os direitos sociais. Após passado mais um período de 10 a 20 anos, a
humanidade estava focada em direitos coletivos e difusos.

Contudo, ressalte-se que perpassar por esses períodos entre gerações não garante o
estabelecimento efetivo e completo deles. Isso porque, conforme estabelecido por
Rudolf von Ihering, “o fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta”. Portanto,
a transição de uma geração para outra não indica, necessariamente, que os direitos que
foram objeto daquela foram completamente conquistados, havendo momentos de
intersecção entre gerações.

Veja-se: a luta pelos direitos é dotada de caráter permanente; afinal, igualmente ou


mais importante que a positivação de um direito ou garantia, é sua implementação
prática, cuja realização exige acurada atenção fiscalizatória do provedor estatal.

Em outros termos, a sociedade luta permanentemente para positivar e implementar


novos direitos, de modo que o fato de, atualmente, existirem ações civis públicas,
direitos difusos e coletivos etc., não significa que os direitos relativos à liberdade
individual estejam plenamente conquistados, por exemplo. Tal percepção é muito
vinculada a uma perspectiva histórica de implementação de direitos.

Logo, para desenvolver a teoria das dimensões, Vasak observou uma Revolução Liberal,

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a Revolução Francesa, e relacionou cada um de seus ideais a uma geração de direitos
humanos, nos termos seguintes:

a) Liberté ou Liberdade: corresponde aos direitos de primeira geração, aqueles


mais básicos à existência humana, relacionados à vida, à propriedade privada, à
liberdade individual etc.

b) Egalité ou Igualdade: caracteriza os direitos de segunda geração, como os


direitos sociais (por exemplo: direitos trabalhistas, de alimentação, a cultura e ao lazer,
à previdência, desporto, saúde etc.). Embora a luta por tais direitos ainda ocorra,
naquele momento histórico lhe foi conferida dimensão maximizada.

c) Fraternidade: representa os direitos de terceira geração, difusos e coletivos,


como o direito a um meio ambiente equilibrado ecologicamente. Trata-se, portanto, de
direitos que não são titularizados por um indivíduo apenas, mas pela coletividade, de
forma difusa, e pertencem, inclusive, às gerações futuras.

Logo, em correlação às fases históricas, pode-se estabelecer a seguinte associação:

a) A dimensão dos direitos de liberdade estaria mais positivada na fase de Estado


Constitucional Liberal.

b) Os direitos de igualdade seriam compreendidos na fase do Constitucionalismo Social


e associados à ideia de bem-estar social.

Por seu turno, os direitos de fraternidade estariam na fase de internacionalização dos


direitos humanos. Inclusive, para fins da teoria dimensional, a fase de
internacionalização de direitos humanos é conhecida, ainda, como 4ª Geração.

Nesse sentido, no âmbito dos direitos humanos, a 4ª Geração corresponde à


internacionalização dos direitos humanos, que é vivida até os dias atuais e marcada
pelo período histórico de globalização de sua proteção. Atente-se que, sob o viés
constitucional, por exemplo, essa fase equivale aos direitos relacionados à tecnologia,
bioética etc.

Para os direitos humanos, todavia, corresponde tão somente à fase de


internacionalização dos direitos humanos, pretendendo-se, nessa dimensão, levar todas
as demais gerações a uma discussão jurídica no âmbito internacional.

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Em síntese, a 4ª Geração propõe que os direitos de 1ª, 2ª e 3ª gerações sejam
maximizados e levados ao âmbito internacional, fazendo com que os Estados se
comprometam e estabeleçam um sistema de vigilância recíproca.

5. Crítica Marxista

Para Karl Marx, Direito é uma forma de legitimação e manutenção das estruturas de
concentração do capital, com função de manutenção do status quo, de concentração do
capital na mão da burguesia.

Assim, ele era avesso à atuação dos direitos humanos dentro desse contexto. Em sua
obra A questão judaica, ele traz, pela primeira vez, uma visão crítica dos direitos
naturais do homem (e, principalmente, aqueles invocados na Revolução Francesa),
apontando uma visão crítica que é chamada de crítica de denúncia, melhor dizendo,
da mistificação ideológica em abstrato dos direitos humanos.

Em uma análise crítica dos direitos humanos invocados pela Revolução Francesa
(1789), Marx não enxergava a proteção a todo e qualquer ser humano pela sua simples
condição de ser humano, mas apenas a um ser humano pertencente a uma pequena
classe denominada burguesia, deixando à margem o proletariado.

Ainda que a revolução pregasse os direitos e deveres de todos, um ser humano em


abstrato o fez sob a distinção entre homem e cidadão, o que, na prática, anulava a
proteção do ser humano em abstrato, enquanto conjunto de todas as pessoas.

Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista


que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas
causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar
solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta
declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre
permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder
Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a
finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que
as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e
incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

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Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide
do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art. 1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só


podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e


imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e
a resistência à opressão. (Grifos nossos.)

Nessa ordem de ideias, Marx explica que a declaração distingue duas classes de
indivíduos destinatários de proteção: os homens, classe trabalhadora, proletariado,
cujos direitos se limitavam a manter o status quo, vale dizer, continuariam oprimidos e
exercendo suas funções como meros trabalhadores. Já os cidadãos, classe burguesa,
detentora do poder econômico, buscariam emancipação política e uma implementação
real em seus direitos.

6. Crítica biopolítica

Principalmente fundada nas lições de Michael Foucault e de Giorgio Agamben, a crítica


biopolítica fala da gestão política da vida biológica dos indivíduos.

Inicialmente, para Foucault, o Estado utilizava a vida do homem segundo critérios de


utilidade e produtividade, de forma que a espécie humana fosse aproveitada segundo as
potencialidades do Estado.

Nesse viés, o direito, inclusive os direitos humanos, acaba sendo utilizado pelo Estado
para conseguir extrair do indivíduo as suas potencialidades, de acordo com critérios de
interesse do próprio Estado em um determinado momento.

Esse controle, gestão, se dá por meio das taxas de natalidade, das estatísticas, de
benefícios assistenciais etc. Assim, o Estado controla a produtividade e a utilidade de
cada indivíduo, como também sua vida biológica.

Para Foucault, o Estado assume no “direito de fazer viver e de deixar morrer” o


indivíduo.

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Assim, por meio de políticas públicas, o Estado maneja a vida produtiva do indivíduo, de
modo a tomar-lhe o melhor proveito aos seus fins (do Estado), podendo deixá-lo
simplesmente morrer assim que não fosse mais útil a esses fins.

7. Crítica descolonial

Essa crítica possui suporte principalmente em Joaquín Herrera Flores e David Sanchez
Rubio. Traz uma visão dos países do sul, uma visão latino-americana sobre os direitos
humanos, impregnada de necessidade de maior igualdade e, principalmente, uma visão
contra a hegemônica, ou seja, contra a concepção eurocêntrica e ocidental dos direitos
humanos.

Tem por base, ainda, as premissas da chamada filosofia da libertação, com expressão
na América do Sul, nos países latino-americanos e nos países em desenvolvimento, com
ampla desigualdade social, carecedores de direitos humanos básicos, como bem ilustra
a situação de estado de coisas inconstitucional vivida pelos sistemas carcerários.

Joaquín Herrera Flores, professor espanhol falecido em 2009, entendia os direitos


humanos como processos e dinâmicas sociais, políticas, econômicas e culturais que se
desenvolvem historicamente em estreita relação com a aparição do modo de produção
e relações capitalistas.

Para ele, os direitos humanos, dentro das relações sociais do sistema capitalista,
passaram por três fases:

1ª – Revolução Francesa de 1789 – direitos dos cidadãos burgueses.

2ª – Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – universalização dos direitos


humanos.

3ª – Convenção de Viena de 1993 – direitos humanos integrais.

Para Herrera Flores, os direitos humanos acabam surgindo, evoluindo e sendo criados
dentro de um processo de expansão do sistema e das relações capitalistas. A crítica
feita é no sentido de que a concepção hegemônica, ou seja, a concepção ocidental e
atual de direitos humanos, se dá baseado na relação de produção do sistema
capitalista.

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Portanto, essa concepção hegemônica está ligada com o sistema liberal de globalização
(liberal e globalizado) do capitalismo, sendo necessário, assim, um pensamento crítico
para contribuir com as lutas de emancipação de grupos sociais determinados.

Em trecho extraído de artigo escrito pelo juiz do trabalho Grijalbo Fernandes Coutinho
(<https://www.conjur.com.br/2009-out-05/joaquin-herrera-flores-militante-
integralidade-direitos-humanos>), em homenagem a Herrera Flores, destaca:

Para ele, as alternativas ao modelo de globalização hegemônica somente


serão construídas a partir do estabelecimento do pensamento
“sintomático” e “afirmativo”, combinado com atitudes políticas capazes
de desmoronar a “ideologia-mundo” da classe dominante e de seus
governantes.

Destaca o pensador espanhol que o humanismo não nasce do nada, nem


pode ser um valor abstrato. A sua concretude exige teoria e prática,
formulação consistente e consciência de classe para se enxergar que a
ideologia dominante expropria o trabalho e até mesmo a realidade.

Nessa perspectiva, a conquista dos direitos humanos requer a


combinação da teoria (pensamento sistemático) com a prática
(manifestações, atos, protestos, greves e outras ações), numa real luta
pela dignidade humana, produtos culturais os quais surgem, assim,
dentro de contexto histórico construído pelos seus atores.

Joaquín Herrera Flores, na qualidade de teórico engajado, intelectual


militante comprometido com os Direitos Humanos em sua integralidade,
não hesita em apontar a falsidade da base doutrinária construída pelos
arautos do neoliberalismo, desqualificando as mensagens, subliminares e
explícitas, dirigidas à manutenção do modelo de organização das
relações econômicas. Mostra, com isso, que nenhuma frase ou ação surge
por acaso.

A seu turno, David Sanchez Rubio, professor da Universidade de Sevilla, na Espanha,


aponta que a dimensão consensual que existe dos direitos humanos é pós-violatória,
vale dizer, somente depois que violados os direitos humanos é que se pensa na
concretização deles, portanto, se ignora a dimensão pré-violatória, preventiva, muito
mais eficaz à proteção da dignidade humana.

Curso Ênfase © 2021 16


Interessante ponto de vista de David Sanchez diz respeito ao efeito encantador dos
direitos humanos, de modo que o discurso de direitos humanos pode simplesmente
encantar o seu ouvinte, fazendo-o ignorar a realidade experimentada de desigualdades
e violações constantes dos encantadores direitos humanos em concepção abstrata e
teórica.

Em suma, o interlocutor deve se ater para que os discursos sobre direitos humanos se
transformem, na verdade, em medidas de concretização desses direitos e,
principalmente, em processos de abertura e de consolidação de espaços de lutas para
entender e se compreender a dignidade humana.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts.
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