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Trabalho de Processo Penal I

Grupo: Brenda Arantes Miranda Pereira, Carolina Barreto, David Dias, Ingrid Chaves,
Isabelle Silveira Paulo de Souza, Maria Clara Rabelo Bruno Löss, Mayara Ferron

A CRIAÇÃO DO JUIZ DE GARANTIAS PELA LEI ANTICRIMES (Lei 13.964/2019)

1. Noções introdutórias
O nosso atual Código de Processo Penal – CPP de 1941, foi promulgado sob a égide do
chamado Estado Novo, época em que vigia a Constituição de 1937, chamada de Constituição
Polaca, visto que sua inspiração se baseou na Constituição fascista Polonesa, sem esquecer a
forte influência das constituições autoritárias da Alemanha, Itália e Portugal.
Nesse período, a base executiva nacional se fortaleceu, extinguindo com a autonomia
dos estados e com o federalismo. Os poderes legislativo e judiciário foram enfraquecidos e os
direitos individuais foram diminuídos e extinguiram-se os partidos políticos. Fortemente
influenciado pelo contexto desse tempo, o código mostra-se ultrapassado em alguns aspectos.
Desde então com a ordem democrática instaurada no Brasil com a Constituição de 1988
e com a entrada de Tratados Internacionais na ordem jurídica, o Código passou por mudanças
pontuais, sendo mantida sua estrutura originária, qual seja, inquisitorial.
Era notório a necessidade de mudança na nossa legislação processual penal para que sua
estrutura fosse adaptada a nova ordem constitucional e convencional, notadamente ao sistema
acusatório, à garantia de um juiz imparcial. A partir de uma interpretação mais teleológica,
observa-se que deixa de ser razoável aplicar o processo penal puramente com a finalidade de
exercer o ius puniend do Estado.
O processo penal começa então tutelar direitos e garantias individuais, pautado em
condutas probas, éticas, equilibradas e com regras definidas. O ser humano passa a ser visto
sob outra perspectiva, como um processo de partes, em que a função de julgar e acusar passa a
ser protagoniza por diferentes personagens dentro da relação processual, sendo sempre
oportunizado o contraditório e a ampla defesa, cabendo às partes desenvolver a atividade
probatória, e com isso convencer o julgador imparcial.
A partir desse contexto, nasce a Lei 13.964/19, chamada de “ Pacote Anticrime”
apresentado ao Congresso Nacional em 19 de fevereiro de 2019 pelo Ex Ministro da Justiça,
Sergio Moro, cujo objetivo era dar uma nova roupagem a legislação criminal e o processo penal,
implantando mudanças ao enfrentamento da criminalidade.
Por fim, o sistema acusatório e o juiz de garantias passam a ter nesse contexto, um papel
decisivo na direção de um processo penal democrático capaz de realçar o papel das partes e
seus direitos fundamentais.

1.1. A discussão e implementação no cenário brasileiro


A Constituição Federal de 1988, trouxe com ela grandes mudanças ao ordenamento
jurídico pátrio, prevendo garantias e direitos a serem praticados por todos individualmente, bem
como pelo próprio Estado, quando no exercício da função estatal.
Com essa nova visão, as normas processuais penais ganham destaque, pois regulam de
forma decisiva a atuação do Estado em face da pessoa humana, em decorrência do seu ius
puniendi, que notoriamente sofreu relevantes mudanças, fazendo com que o Poder Judiciário
se tornasse protagonista dos principais problemas atuais no Brasil.
Tradicionalmente, no Brasil, o Juiz que participa da investigação preliminar, seja de
forma ativa ou por invocação, será aquele que no processo irá decidir uma possível sentença.
Em razão disso, surge, então, o advento do projeto de reforma do novo Código de Processo
Penal, instituído pela Lei nº 13.964/2019 – Pacote Anticrime. É nesse contexto que se insere o
Juiz de Garantias e ante o tradicional e velho sistema jurídico brasileiro, no qual o juiz
prevento é o responsável por toda a persecução penal, o juiz das garantias vem a ser uma
inovação na legislação penal brasileira.
Alvo de inúmeras discussões, a introdução do Juiz de Garantias no Brasil, iniciou-se
cerca de 10 anos atrás, com o anteprojeto de Lei que visou à reforma do Código de Processo
Penal, com o objetivo de inovar no ordenamento jurídico trouxe à época a figura do juiz de
garantias, um magistrado atuante apenas na fase investigativa. Ao atuar no inquérito policial,
decretando uma medida cautelar, uma prisão preventiva, decidindo sobre uma interceptação
telefônica ou, simplesmente, tomando conhecimento de uma abertura de inquérito, este juiz
estaria impedido de atuar na fase processual.
Posteriormente, a proposta tornou-se no Projeto de Lei 156/2009 no Senado Federal,
distribuído na Câmara dos Deputados sob o número 8.045/2010. Na época, foi priorizada a
análise dos Códigos de Processo Civil e Comercial, com isso, a temática constante no projeto
de lei foi esquecida por considerável tempo. Atualmente, o tema voltou a ser rediscutido sob
a égide da Lei Federal 13.964/2019 que disciplinou novos artigos do Código de Processo
Penal, no qual, introduz ao ordenamento brasileiro a figura do magistrado “responsável pelo
controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”.
1.2. Conceito
Entende-se por Juiz de Garantias, aquele que exerce a função de garantir a eficácia do
sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no âmbito da fase investigatória da
persecução penal.
Na prática, o Juiz de Garantias no Brasil atuará como como responsável (penal, civil
e administrativamente) pelo controle de legalidade da investigação criminal, resguardando os
direitos individuais, tendo atribuições como: controle da legalidade do flagrante e da prisão
cautelar, controle das investigações e violação da duração razoável, garantia dos direitos dos
investigados e conduzidos, produção antecipada de provas, análise de cautelares probatórias,
homologação de delação premiada e acordo de não persecução penal, recebimento de
denúncia, entre outros pontos da investigação.
O resultado prático disso é uma separação das funções jurisdicionais, uma sendo
exercida na investigação e outra no julgamento. O juiz de garantias se torna totalmente
responsável pela parte investigativa, enquanto a responsabilidade pela apuração e pelas
sentenças é atribuída a outro magistrado.

1.3. A Figura do Juiz de Garantias no Direito Comparado


Apenas dois países da América Latina ainda não contam com a figura do Juiz de
Garantias, sendo estes Brasil e Cuba. Dentre os países que contam com essa função, há
desdobramentos como no caso da Argentina, onde o Juiz de Garantias é determinado por lei
desde 1991, porém ainda não foi colocado em prática em diversas cidades. O surgimento do
Juiz de Garantias, entretanto, se deu na Europa, especificamente na Alemanha, na década de
70 e a primeira experiência prática iniciou-se em Portugal, em 1987
Malgrado o mencionado instituto jurídico seja uma novidade do Brasil, a divisão da
atividade jurisdicional do estado nas fases pré-processual e processual não se trata de uma
ideia original de nosso país, sendo ela já aplicada em diversos países da Europa, tais como
Portugal, com o juiz de instrução, na Itália, com o giudice per le indagini preliminare, e no
Chile, com o juez de garantia. Importante se faz a análise do instituto propriamente dito sob
o aspecto do direito comparado, demonstrados a seguir.
Na Itália, o antigo Código de Processo Penal Italiano, outrora conhecido como Código
Rocco de 1930, baseava-se em ideias fascistas e em um sistema processual misto. De início,
havia o juizado de instrução, com características inquisitivas, onde era colhido todas as provas
para um posterior julgamento. Estas provas seriam apreciadas por outro juiz sem ao menos
terem as partes tido contato, pois eram sigilosas, nesta segunda fase, fazia-se presente a ampla
defesa e o contraditório.
Editado o novo Código de Processo Penal (1988) o juizado de instrução foi extinto,
fazendo com que a solução do crime fosse dividida em três fases, sendo a primeira conhecida
como a de investigações preliminares, conduzida pela Ministério Público juntamente com a
polícia judiciária, que tinha o objetivo de coletar as provas para a propositura da ação penal,
devendo essas provas serem novamente produzidas na fase de instrução. Esta fase em muito
se assemelha com o inquérito policial brasileiro, por ser sigilosa, ausentes o contraditório e a
ampla defesa.
Na segunda, chamada de audiência preliminar, o juiz, após análise das provas colhidas
na investigação, decidia pelo recebimento ou não da ação penal proposta pelo Ministério
Público. Esse mesmo juiz era também o responsável por impor qualquer medida no âmbito
das investigações, tal como interceptação telefônica, medidas cautelares.
Com o recebimento da ação penal, o juiz designa um outro para julgar o caso, que
formará seu convencimento baseado apenas nas provas obtidas nesta fase, garantindo o
contraditório e a ampla defesa, podendo se ater às provas produzidas em momento anterior
somente se produzidas com a observância do contraditório das partes.
Em Portugal, o processo penal rege-se pelo sistema acusatório, e é composto por três
fases: uma preliminar obrigatória, chamada de inquérito, no qual objetiva atrair provas e
indícios de autoria, presidida pelo Ministério Público, uma segunda, facultativa, responsável
pela apuração do delito, e por fim, uma terceira, na qual será feito o julgamento.
Após esgotamento da investigação, o Ministério Público decidirá sobre submeter ou
não o investigado a julgamento. No meio desta fase e o inquérito, há uma intermediária, não
obrigatória chamada de instrução, no qual o objetivo é confirmar ou não a acusação. Assim
preconiza o art.286 do Código de Processo Penal português:

Art. 286 – Finalidade e âmbito da instrução


1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de
arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
2 - A instrução tem carácter facultativo e não pode ter lugar nas formas de processo
especiais.

Importante salientar que o Código português, é guiado pela busca da verdade material,
princípio presente em todas as fases, sendo por vezes, mitigado pelo “princípio da
necessidade”. A produção de prova somente é determinada de oficio ou a requerimento se ela
se mostrar necessária.
Por fim, o Chile conta com a presença da figura do juez de garantia, vez que o
magistrado atua apenas na fase investigativa, ficando o julgamento a cargo de outro
magistrado. O juez de garantia interfere em uma diligência de investigação quando houver
indícios de que este ato possa restringir, perturbar ou privar o indivíduo do exercício dos
direitos positivados na Constituição. Neste caso, seu cumprimento só se dará ante uma
autorização desse magistrado.
Observa-se no Chile que, em qualquer fase do procedimento em que o juez de garantia
fizer um juízo de valor e constar que o imputado não possui condições de exercer os direitos
que lhe outorgam as garantias judiciais consagradas no texto legal, pelas leis e pelos tratados
internacionais ratificados e que se encontrem vigentes, este poderá de oficio ou por
provocação adotar medidas positivas e necessárias que permitam o seu exercício.
Desta forma, o Juiz de Garantias está longe de ser novidade no contexto mundial e um
grande número de países já adota a prática, cada um com suas particularidades, a depender
de cada sistema processual penal e das divisões adotadas entre a fase investigativa e a de
julgamento, trazendo enorme debate e opiniões divergentes sobre a necessidade de sua
existência e o impacto da mesma diante do processo penal.

2. Atribuições do juiz de garantias


Com a redação dada pela Lei nº 13.964/19 ao Código de Processo Penal, foi instaurada
a figura do Juiz das Garantias, órgão que atua somente na fase investigatória, no Inquérito
Policial, de forma que os processos penais passam a ser acompanhados por dois juízes.
O juiz das garantias se responsabiliza pela parte investigativa, com propósito
específico de controlar a legalidade dos atos processuais e, garantir os direitos individuais do
investigado; enquanto a apuração e as sentenças são de responsabilidade de um segundo
magistrado.
Esta distribuição de funções tem como objetivo evitar a contaminação do órgão
julgador, a partir de hipóteses fáticas extraídas previamente dos atos do inquérito policial,
uma vez que impede a comunicação direta entre os elementos produzidos na etapa de
investigação preliminar e recebimento da acusação e, a etapa de instrução e julgamento do
caso.
Ocorre que a separação dessas funções dos magistrados surge da grande limitação ao
contraditório e da supressão do direito de defesa do investigado que se apresenta durante a
fase investigatória, haja vista que é inegável que as conduções das investigações, por certo,
maculam a imparcialidade do magistrado que já firma entendimento antes mesmo da
apresentação da denúncia.
O novo juiz de garantias não possui funções instrutórias, não pode atuar, em um
mesmo caso, no juízo de julgamento, sob pena de nulidade, como consta no art. 3º- D, CPP.
Sua responsabilidade é a função jurisdicional relativa à inviolabilidade das liberdades
individuais do investigado, frente à opressão estatal, na fase pré - processual.
Em suma, seria responsável pela legalidade dos atos praticados na investigação
criminal, pela deliberação sobre prisões cautelares, preventivas ou temporárias, bem como,
sobre sigilo bancário e fiscal, dados e interceptação telefônica e fases de busca e apreensão.
Além disso, caberia a este magistrado decidir acerca do recebimento da denúncia ou
queixa, caso oferecida, decidir acerca da produção antecipada de provas, assegurar o
contraditório e a ampla defesa, julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da
denúncia, decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou de colaboração
premiada, entre outras listadas ao art. 3º - B, CPP.
Importa ressaltar, algumas mudanças trazidas pela lei 13.964/2019 geram desconforto
quando da interpretação, levantando algumas dúvidas sobre sua coerência e efetividade na
busca de uma justiça ressalvada de vícios do órgão julgador.
Diante de breve análise comparativa dos textos legais, é possível destilar vestígios de
incoerência, como no Art. 3º – B, XIV do CPP que preceitua que o caberá ao juiz de garantias
“decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;”.
O caput do Art. 3º – C, por sua vez, traz o seguinte texto: “A competência do juiz das
garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa
com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.”.
Neste sentido, é possível perceber uma extensão exacerbada da competência do juiz
das garantias, haja vista que cabe a ele julgar a pertinência e a legalidade da denúncia
decorrente de investigações por ele mesmo conduzidas. Portanto, estaria o julgador
analisando as medidas por ele mesmo deferidas.
Mais coerente seria se o órgão responsável pelo recebimento da denúncia fosse outro
que não o responsável pelas medidas até então tomadas. De modo que se aproxime mais das
garantias do jurisdicionado que são, justamente, a razão da criação de tal órgão dentro do
ordenamento jurídico brasileiro.

3. Controle de Constitucionalidade e sobre o instituto do Juiz de Garantias


Como controle de constitucionalidade, neste momento, entende-se o controle sobre a
constitucionalidade de normas infraconstitucionais feito pelo STF de forma repressiva. Isso
significa dizer que o Supremo Tribunal Federal, após a entrada em vigência de determinada
norma, mediante provocação, faz uma análise da constitucionalidade ou da
inconstitucionalidade de determinada norma ou parte de norma.
A partir deste controle, determinada norma questionada poderá ser considerada
formalmente ou materialmente inconstitucional. Como formalmente inconstitucional
entendem-se aquelas que entraram em vigor contrariando o procedimento legislativo
determinado na Constituição Federal. Já materialmente inconstitucional será aquela que
contrariar o texto da Constituição em seu conteúdo.
Assim, entende-se que o controle de constitucionalidade tem como objetivo a
fiscalização de que as normas postas em vigência estão, formalmente e materialmente, de
acordo com a Constituição Federal. Todas as decisões proferidas pelo STF em sede de Ação
Direta de Inconstitucionalidade ou de Ação Declaratória de Constitucionalidade terão efeitos
erga omnes e vinculará a todos os órgãos da Administração Pública Direta ou Indireta no âmbito
federal, estadual e municipal, por força do art. 102, §2º da CRFB/88.
O instituto do juiz de garantias, originado com o Pacote Anticrime (Lei 13.964/19),
antes mesmo de sua entrada em vigência foi alvo de muitas críticas. Alguns autores defendem
sua constitucionalidade e outros sua inconstitucionalidade, com base nos argumentos que serão
expostos nos próximos tópicos.

3.1. Constitucionalidade
A figura do juiz de garantias, tema deste trabalho, tem como fundamento o art. 3º-B do
Código de Processo Penal, redação dada pela Lei 13.964/19. In verbis:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da


investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha
sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário (...).

Tal função, com diversas atribuições, vem sendo alvo de variados debates acerca de sua
constitucionalidade, e suas alegações serão explorados neste tópico.
Destacam-se os seguintes argumentos:
a) O juiz de garantias trata-se tão somente de uma nova delegação aos juízes de direito, e
não a criação de um novo cargo. Sendo assim, não há de se falar em violação a separação de
poderes por parte do legislador, nem ao art. 96, I da Carga Magna;

b) A competência para legislar sobre normas processuais é privativa da União, com fulcro
no art. 22, I da Constituição Federal. Além disso, é competência concorrente entre a União,
Estados e Municípios legislar sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, XI da
CF/88), desde que a União se limite a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1º da CF/88).
Embora a própria Constituição não estabeleça o que são normas gerais e o que são
normas específicas, tal lacuna é suprida pela doutrina. Vejamos então as características das
normas gerais de acordo com Moreira Neto (1988, p. 149), conforme citado por Felipe Braga
de Oliveira (2020, p. 163):

a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas;


b) não podem entrar em pormenores ou detalhes nem, muito menos, esgotar o assunto
legislado;
c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes públicos;
d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas;
e) só cabem quando preencham lacunas constitucionais ou disponham sobre áreas de
conflito;
f) devem se referir a questões fundamentais;
g) são limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos Estados;
h) são normas de aplicação direta.

Portanto, fazendo uma análise do texto normativo objeto deste estudo, vemos que o
mesmo preenche os requisitos doutrinários, logo, não há de se falar em vício de competência
na criação desta norma.

c) A criação das atribuições do juiz de garantias reforça o princípio do juiz natural e da


imparcialidade do juiz, fazendo com que o juiz que julgue o processo não seja contaminado
pela produção de provas e outros procedimentos da fase de inquérito. Tais questões serão
julgadas pelo juiz de garantias, que não se concentra na mesma pessoa do juiz responsável pelo
julgamento do processo, garantindo uma maior imparcialidade.

Por fim, cabe o questionamento do jurista Lênio Streck (2020, n.p.) acerca das Ações
de Declaração de Inconstitucionalidade na atualidade:

Estamos em uma nova Era, então: do Neoconstitucionalismo, que tudo


constitucionaliza e "pamprincipializa" (...), passamos ao Neo-Inconstitucionalismo.
Sim, o Brasil inventa uma nova “teoria”: tudo agora é inconstitucional, formal e
materialmente. Na verdade, trata-se apenas de uma inconstitucionalidade desejada. É
inconstitucional o que desejo que seja.

3.2. Inconstitucionalidade
O juízo de garantia fora estabelecido no art. 3º-B do Código de Processo Penal. Por tal
dispositivo, tal juízo seria responsável pela legalidade dos atos praticados na investigação
criminal, como na deliberação sobre prisões cautelares, bem como teria a incumbência de
proferir decisão de recebimento da denúncia ou queixa.
Segundo Renato de Lima (2020, p. 114):

Consiste, pois, na outorga exclusiva, a um determinado órgão


jurisdicional, da competência para o exercício da função de garantidor
dos direitos fundamentais na fase investigatória da persecução penal, o
qual ficará, na sequência, impedido de funcionar no processo judicial
desse mesmo caso penal. Cuida-se de verdadeira espécie de
competência funcional por fase do processo [...].

Contudo, diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidades foram propostas alegando as


seguintes inconstitucionalidades:

a) Vícios de competência e iniciativa legislativa.


Tem-se que a Lei n– 13.964/2019 não dispõe de normas gerias de processo penal, mas
de matéria procedimental, cuja competência legislativa é concorrente entre a União e Estados
da federação. Além disso, teoricamente caberia aos Tribunais a competência para criação de
órgãos do Poder Judiciário (art. 96, inciso I, alínea d, e inciso II, alíneas b e d).
Luiz Fux asseverou que as leis de organização judiciária “cuidam da administração da
justiça”, já as leis de natureza processual dizem respeito à atuação da justiça.

b) Violação do pacto federativo – em virtude das violações de competência e iniciativa


legislativa, violaria o pacto federativo.
Funda-se a inconstitucionalidade na tese de que a lei inova em normas de procedimento
em matéria processual, ao dispor sobre a vedação de iniciativa do juiz na fase de investigação
(art. 3º-A), sua competência e enumeração dos atos que deverá praticar (art. 3º-B), a extensão
da competência (art. 3º-C), causas de impedimento do juiz (art. 3º-D), forma de designação para
exercer a função (art. 3º-E) e acerca dos deveres dos juízes (art. 3º-F). Desta feita, alega-se que
o legislador violou a competência legislativa concorrente da União e dos Estados
c) Violação aos princípios do juiz natural, da isonomia e da segurança jurídica
Tendo em vista que o juiz de garantias fragmentaria a jurisdição e, portanto, esta não
seria mais indivisível e una, haveria uma violação ao juiz natural.
Ademais, há a preocupação da AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e da
AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) com eventual engessamento da investigação
preliminar em razão da insuficiência de juízes para abarcar a demanda.

d) Violação à determinação do art. 169, §1º, da CF/88, tendo em vista que a instituição
do “juiz das garantias” implicaria, necessariamente, aumento de despesas, sem
correspondente previsão orçamentária.
Conforme ADI 6298 MC/DF, “a ausência de prévia dotação orçamentária para a
instituição de gastos por parte da União e dos Estados viola diretamente o artigo 169 da
Constituição e prejudica a autonomia financeira do Poder Judiciário, assegurada pelo artigo 99
da Constituição”.
De acordo com o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a
proposição legislativa que cria ou altere despesa obrigatória deve ser acompanhada da
estimativa do seu impacto financeiro, o que não ocorreu na lei supramencionada.

3.3. ADI 6298, 6299. 6300 e 6305


A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6298 foi proposta pela Associação Nacional de
Magistrados Brasileiros (AMB) em conjunto com a Associação dos Juízes Federais do Brasil
(AJUFE), em 27 de dezembro de 2019. Tal ação foi originada no Distrito Federal e tem como
relator o Ministro Luiz Fux.
Posteriormente foram propostas a ADI 6299, ajuizada pelo PODEMOS e pelo
CIDADANIA e a ADI 6300 que foi ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Social Liberal
(PSL).
Destaca-se que todas as ADI foram concentradas sob a relatoria do Ministro Luiz Fux
devido ter se tornado o juízo prevento da primeira proposta e foram reunidas para decisão única
em se de medida cautelar.
Tal ADIn alegou a inconstitucionalidade formal e material dos artigos adicionados ao
Código de Processo penal pela Lei 13964/19, denominado Pacote Anticrime, que versam sobre
o Juiz de Garantias, bem como procurou ver declarada a inconstitucionalidade de outros pontos
da norma anteriormente citada.
Em sede de medida cautelar foi requerido que se suspendesse a eficácia dos artigos 3-A
a 3-F da Lei 13964/19. Utilizou-se como base argumentativa para o pedido de medida cautelar
o fato de que a implementação do juiz de garantias faz com que se gere uma norma de
reorganização judiciária da seara criminal no país. No tocante a esse argumento, o Ministro
relator defende que a competência para normas de organização judiciária pertence ao Poder
Legislativo, de acordo com o artigo 96 da Constituição Federal de 1988, o que teria sido
violado.
Desta maneira, argumentou o relator:

In casu, sob uma leitura formalista, poder-se-ia afirmar que, ao instituírem a função
do juiz de garantias, os artigos 3º-A ao 3º-F teriam apenas acrescentado ao
microssistema processual penal mera regra de impedimento do juiz criminal,
acrescida de repartição de competências entre magistrados paras as fases de
investigação e de instrução processual penal. Nesse sentido, esses dispositivos teriam
natureza de leis gerais processuais, definidoras de procedimentos e de competências
em matéria processual penal, o que autorizaria a iniciativa legislativa por qualquer dos
três poderes, nos termos do artigo 22 da Constituição.
Com a devida vênia aos que militam em favor desse raciocínio, entendo que essa visão
desconsidera que a criação do juiz das garantias não apenas reforma, mas refunda o
processo penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de
qualquer unidade judiciária criminal do país. Nesse ponto, os dispositivos
questionados têm natureza materialmente híbrida, sendo simultaneamente norma
geral processual e norma de organização judiciária, a reclamar a restrição do artigo 96
da Constituição
(STF. ADI nº 6.298/DF, Relator: Min. LUIZ FUX, DJ 22/01/2020, 1ª Turma)

Outro argumento utilizado para o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos


dispositivos reside no fato que a implementação de um juiz de garantias geraria custos que não
tiveram prévia dotação orçamentária destinada. Assim, haveria violação direta ao artigo 169 da
Constituição Federal de 1988.
Desta forma, o Ministro Luiz Fux entendeu por cabível o deferimento da medida
cautelar pleiteada fazendo com que os artigos postos nas normas estejam com sua eficácia
suspensa até que seja implementado efetivamente o instituto do juiz de garantias pelos tribunais,
devendo tal situação ocorrer em prazo máximo de 180 dias.
Assim, a decisão do plenário do STF será a definitiva para a eficácia e a efetiva entrada
em vigor do instituto. De todo modo, o juiz de garantias, bem como outros institutos postos
pelo Pacote Anticrime, continua sem sua eficácia plena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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https://www.conjur.com.br/2020-jan-02/senso-incomum-juiz-garantias-chegamos-neo-
inconstitucionalismo. Acesso em: 24 jan. 2020.

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