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RESUMO: 0 texto pretende abordar a introduçao do iuiz das garantias no cenario processual penal
brasileiro a partir dos dispositivos da Lei n” 13.954/2019. Após explorar os artigos de lei pertinentes,
a pesquisa reforça a importância do instituto para uma maior efetividade da garantia da imparciali~
dade do juiz e analisa os problemas que alegaçoes de caráter político, moral e pragmático, vertidas
nas Ações Diretas de inconstitucionalidade n°s 6 208, 6.299 e 5.300 e E 305, representam em um
Estado Democrático de Direito com ampla Iitigiosidade 0 artigo, assim, objetiva demonstrar que o
juiz das garantias proporciona uma aproximação do processo penal ao modelo acusatório previsto
constitucionalmente e rechaçara possibilidade de questionamento da constitucionalidade da nova lei
a partir de argumentos de conveniência política.
PALAVRASzCHAVE' Juiz das garantias, sistema acusatório; imparcialidade; Constituição
ABSTRACT' The text aims to examine the insertion of the guarantee judge in the Brazilian criminal
procedure Iegislation by Law n. 13.964/2Ui€l. After exploring the relevant articles in the law. the
research reiniorces the importance oi the concept to a greater eiiectiveness oi the guarantee oi
impartiality of iudges and analyzes the problems that political, moral and pragmatic arguments,
presented in Direct Actions of Unconstitutionality n. E Z98, 6.259 e 5.300 e 6.305, represent to a
democratic state based on the rule of law. The article, in this sense, seeks to demonstrate that the
guarantee iudge brings the Brazilian criminal procedure system closer to the accusatoiial system,
established by the Constitution, and intents to reiuse the possibility ot questioning the constitutionality
ofthe new law by reasonings of political convenience.
KEYWURDS: Guarantee iudge; aocusatorial system, impartiality; Constitution.
1 orcid <nttpsz//orcidorg/oooofooo132677514>.
2 omni <inrpsv/nmid.‹›rgooooe0on1ee159e6e36>.
lllill Brasília, Volume Ill, n. sli, 151-717, iuarlahr. IMI
iiur irei- iiizir-ainda -niiii com 153
iuriioouiçiio
A inclusão do denominado juiz das garantias no Código de Processo
Penal (arts. 39-A ao 39-F), a partir da promulgação da Lei ng l3i964, em 24
de dezembro de 2019, foi recebida com diferentes reações pela comunida-
de jurídica. De um lado, o instituto foi celebrado, atendendo a uma antiga
reivindicação de parcela da doutrina, baseada, inclusive, em estudos de
direito comparado, de convencionalidade e de tratados, e, por outro, foi
rechaçado, com clamores de inconstitucionalidade e de dificuldades na sua
implementação.
Em tempos de questionamento acerca da imparcialidade dos juízes
na condução de processos criminais, principalmente após o vazamento de
informações relacionadas à Operação Lava lato pelo “The Iritercept Brasil”,
é necessário debater a importância da implementação do juiz das garantias
no País. Não e novidade que a Constituição Federal tenha institucionali-
zado o sistema acusatório, mas a quantidade significativa de juristas e de
profissionais do Direito que rejeitam as exigências de evolução democrática
do processo penal demonstra a relevância de se trazer o tema para debate.
Afinal, após mais de 30 anos da promulgação da Carta Magna, apenas agora
foi tomada uma iniciativa significativa no campo legislativo para contornar-
-se o problema de comprometimento da imparcialidade do juiz criminal.
O maior controle dos atos pre-processuais e a menor contaminação
dos aspectos probatórios proporcionados pelo juiz das garantias apontam
para uma maior maturidade do processo penal brasileiro, carente de meca-
nismos mais eficazes contra arbitrariedades e abusos das autoridades. Ain-
da que seja cedo para se verificarem as verdadeiras consequências que o
instituto promoverá no sistema pátrio, e possível esboçar os rumos que a
novidade poderá fomentar para o aperfeiçoamento da justiça penal, princi-
palmente no que se refere a garantia dos direitos fundamentais.
No caminho para a compreensão do progresso jurídico que o juiz
das garantias representa para o ordenamento jurídico brasileiro, deve-se
examinar em que medida o instituto se relaciona com os ideais constitu-
cionais e de como ele assegura uma maior imparcialidade na persecução
l l1P, Brasilia. lloluuio iii, n. lili, 751-177, uiarlabi. ZIIZI
154 iiui iii oii - uai-iiziiziiii - iinri etoii
3 Nesse santana, faz-sa amúa mars nasassârra arrrarrzar a rrmçâa sansrrrasrrmar da Mrrrrstérra Púmrsa se sis é
aataaa aas mssrrras gararrtras aa magrstrara ra, a aaa rar aarraarstaaa a aartrr as uma lata rrrtsrrsa rra araasssa
zarrsmarms, úsvs-ss sarrrprssmâsr que sis ram as mesmas aarrgaçóss aaqasia. A prmsraar úsras é a rssnçàa
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rsiarçar sssa rúsra, rramria na ssrraúa rsasrai 0 Prajsra as ter mv 5.282/2019 - srrarrraúa as Pt strszk-
-Aaastasra -, nas vrsa aizrrgar a MP a iwsaar a veraaas aa vraassso para a aaasaçaa s, iamaém, a iavar aa
múraraaa aa acusada cama agsrrts púairza, a MP úsvs ser saarúrstarrts,aassam1a a sqaarrrmrúaús uarrrrsssi.
Na varaaas, a ararsta aaaa arra as rrava, aasrras airarairzarraa a aus ia' asia' rra Estamta as Rama, mas é as
grarrús vaiar sm am cPi= aataúa as tsmt
iiI7|! Brasilia, Volume ili, ii. 977. 752-777, marjahr. 2[|2i
uni iwui- Mar-Amin -mir afim 759
4 A ssatarrara 145/1988 tar rrrrpartarrta maraa para arsaussaa saara a rmpzrarairazas aa jurz rra Espanha,
atramaaaa a atsaçâa para as vrasss aus as atrvraaaas rrrvastrgatrrzas aaazm rrrrarrmrr nas juizes aar, rrrarusrvs,
a trgura aajurz aâa przvarrraa A asarsaa aasamaaaau rra aarçâa aa Lay orgàaraa 7/1985, qua tartaiaaau a
aaaar aa Mrmstérra Putzrraa rra rrrvastrgaçaa ararrmrrrar, aassaraa rrrarrutsrrçâa aa rurz-rastratar
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aaarúraa que a asarsaa aus wntrrrrra a prrsaa arrr tiagrarrts rraa rmasae a jurz as atuar rra gruarzra rmaarara
ruramarrza 23s/zuosi, mas tarrra-sz rrrzarrrvatrvsr um rurz que aatarmrrra a rsaaêauaçâa aa aaarturaçaa
aaaar aa auarérara ararrrrrmar ‹oramar¬za 400/2008). Mas, am rrrrrras gsrars, é aassrvsr arzsr aus sa tsaaa a
avrtar aus um Magrstraaa ararrra auas aaarsaas aarrarusrvas, au sera, aus ararrarrr, am argurrr grau, a mérrta,
arrr um rrrasma praaaarmsrrta
iiI7|! Brasilia, Volume ili, ii. 977. 752-777, marlahr. 2[|2i
iiiii iiniii- iiiar-itnizr -imiii afim 7751
A previsão legal instituída pela nova lei brasileira, à vista disso, foi
além: o juiz das garantias em determinada investigação não é o juiz que
atuará na fase de julgamento, e não há espaço para “ponderar” (com toda
a carga subjetiva que o termo representa no imaginário jurídico brasileiro)
acerca do envolvimento do Magistrado na fase pré-processual. Em outras
palavras, uma vez que determinado juiz tenha praticado qualquer dos atos
descritos no art. 3”-B da Lei n913.964/2019, ou seja, tenha ele atuado como
juiz das garantias, ele não poderá instruir o processo e julgá-lo, A minimiza-
ção desse espaço de discricionariedade do órgão jurisdicional, em relação
aos tribunais europeus mencionados, deve ser interpretada como uma evo-
lução do ”grau de garantismo” do sistema penal. A dicção da lei tupiniquim,
aliás, é bem-vinda em um país cuja comunidade jurídica até hoje não com-
preendeu os problemas causados por um Judiciário ativista: afinal, no Brasil
nunca se sabe se o juiz invocará a interpretação ”literal” de um dispositivo
normativo ou se decidirá de modo voluntarista; não se tem noção da orien-
tação das decisões.
Aliás, evitar-se a contaminação com os atos pré-processuais do juiz
que preside a instrução e profere o julgamento é impedir que julgadores que
já tenham aderido a uma das teses de antemão tornem prescindível o pro-
cesso, como se ele fosse um mero caminho para confirmação daquilo que
havia sido decidido previamente. Destaca-se que, com a Lei Anticrime, con-
forme exposto no item anterior, o juiz dejulgamento sequer recebe o que foi
produzido na fase anterior, salvo provas irrepetíveis, medidas de obtenção
de provas e antecipação de provas (art. 3”-C, § 3”, da Lei ng 13.964/2019),
proporcionando mais imparcialidade. Em sentido análogo, o acréscimo do
§ 59 ao art. 157 do CPP, com a vedação da prolação de sentença ou acór-
i I1P, Brasilia. liiiliinie 177, n. iiii, 752-777. tnailabi. 27721
762 iii Wi- mz.-Air/zuzi - mit ami
(sueca, 2011a› e “O nova' zódigu de uruzesâu aerial e as ameaças do velha mquisitavraliâmo. nas sombras
aa iiiúâúiiâ da ¢‹msuêma“ lstveck. 2011t›i
|tI1P, Brasilia. llulume IB, n. 98, 751-777. marlabr. ZIIZI
764 iii Wi- Mar-Air/zuzi - mit ami
7 Nzâsz szniiúú, vzr, piiriaipaimzma, as iivraâ varúazzz a zúiisaflza, úizizmâriú as iizrrméazizzz 50 varizes»
mriaarrierizaia aa taaria aa direita à iizz aa critica Herrneiiéizriza mz niraiiiz, /izriaúiçâiz zariaiizvziariai E
úeaiaâiz fizriziiza a 0 que é iazzz z úzziúiz mmzrrna rriinrzz zamiénaizzz.
i l1P, Brasilia. lliilimie IB, n. iiií, 751-777. mailabi. ZIIZI
165 iiiiif iiiiii- iizi-iiiiiziizi - mit ami
s Aiiaâ, na Biaâii, aaúa vaz mais sa irivaza a inwnâriruziariaiiúaúz cama ânpaizigiimantiz para zraazi qiiaiqnar
anisa ae una nan se gosta, mma sa russa øasaivai aizei une «nua agora é iriwristitiiziizriai, rúrmai a materiai-
rriznra A pairii úzsâa imaginaria, pisa-se arri xzqiia ramo a wnstitnaiiânaiiúaúai' na nm iaiaiaria zainizi que
vaia cam viaia anaritn a 'izanstitnaianaiiúaúu aa iiiz oinszarita ae um iatraiia inmiriasa ariznritiaaa am uma
riia rêsiúzriciai.
i l1P, Brasilia, lluliime 111, n. 1117, 752-777, inailabi. 21121
155 iiiiif iiiiii- iiai-iiiiiziizi - mit ami
9 Quanto a esse eiemento aitmtivista, é interessante aestazar true a Associaçao aos Magistrados Brasiieiros
(Amei, em tiueitmento oom sugestoes enezrriinnaoa ao grupo oe traoziiia oo conseiira Nzeiorizi oe Justiça
(cru). øontuou que 79,1% nas seus assoziaaos sào eontrarios à eriaçào ao instituto ria turma como pasta
nz ter Antiorime. tnisoonivei em <irttos//wvvvv.migainas.oom.or/arquivos/zozn/iiaoõa13ns2A1cc7_
arntzi1oaumenta.øor>i A AMB rerorça que nao tia uma unica arirmaçào na Amin eontraria a criaçao em tese ua
juiz nas garantias, oestte que otzservaoas as oompetêneias iegisiativas adequadas. No entanto, é vsrozúe que
Magistraaos aa Justiça reúerai ja maniiestaram seu aeszontentarnento eum o instituto ao juiz tias garantias
em si por meio oe atiai×o-assinado, pois, segunao os signatários, "o juiz aas garantias oepreoia a iigura do
Magistraazz, nois ia se narte na nremissa generiea e inaiszriminaaa ae true tz juiz naturai seja nresuniiaaniente
susosito e nao tenna oonoieoes tie juigzr um orooesso oom imparoiaiiitaoea tconjitr, 12020111. Assim, nao e
rantasiuso imaginar que uma oaraeia razaavei nos juizes no srasii sejam, ao ponta oe vista niarai e øoiitien.
avessos à impiementaçao ao instituto no ordenamento juriúioo pàtrio
11111! Brasília, Volume 111, n. Bit, 752-777, marlahr. 21121
mw mui- Mai-Amin -mit afim 111
Não se está aqui a dizer que o STF acolhera teses que caracterizem
uma postura ativista do Tribunal, mesmo porque ha outros argumentos a
serem enfrentados nas ADIns. No entanto, a comunidade jurídica deve estar
alerta para tais posicionamentos que possam ser adotados pela Corte. Uma
resposta dessa natureza é ruim e censuravel em uma conjuntura democrá-
tica normativa.
|iI1I¡,I!ra:iIia.lli1I|||||i›1ii,n.tiE,75Z-177. marlabi. ZIIZI
712 iii ii* ri - mz.-Air/zuzi - mit ami
CGNSIDEMÇÚES FINAIS
A introdução do juiz das garantias no ordenamento jurídico patrio
deve ser compreendida como uma aproximação do sistema processual pe-
nal brasileiro ao modelo acusatório preconizado pela Constituição Brasilei-
ra de 1938. O novo Codigo de Processo Penal é discutido ha mais de dez
anos no Congresso Nacional sem sair do papel, e é cada vez mais necessaria
uma modernização da legislação nesse sentido. Assim, nesses jã mais de 30
anos desde a promulgação da denominada "Constituição Cidadã”, é dever
da comunidade jurídica apoiar iniciativas que revigoram os ideais inscritos
na Carta Magna brasileira,
A novidade legislativa tem redaçao semelhante ao Projeto de Lei
119756/2009, do Senado Federal, mas estabelece um distanciamento ainda
maior do juiz da fase processual dos atos pré-processuais: conforme expos-
to, o juiz das garantias atuará até o recebimento da denuncia, e os autos
relativos aos elementos que se inserem na competência do juiz das garan-
tias não serão remetidos ao juiz de julgamento. A Lei Anticrime, na parte
dispensada ao juiz das garantias, ainda determinou que o processo penal
observará a estrutura acusatória e proibiu a iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição do orgão de acusação na produção de provas.
As modificaçoes provocadas pelo juiz das garantias tocam em um
ponto de vital importância para a jurisdição: a imparcialidade do juiz. Com
um julgador diferente do Magistrado da fase processual zelando pelas liber-
dades individuais no curso das investigações preliminares, eleva-se o grau
de garantismo da legislação processual penal, pois fortalece-se a imparcia-
lidade objetiva do juiz de julgamento e, além disso, reforça-se a própria
autoridade da Justiça, inspirando confiança nos cidadãos. Ao se aproximar
da experiencia de outros ordenamentos jurídicos ocidentais e da jurispru-
dência de tribunais estrangeiros, o processo penal brasileiro da passos em
direçao ao modelo acusatório previsto constitucionalmente.
Toda alteração de relevo nas regras do jogo suscita dúvidas, elogios e
críticas, e com o juiz das garantias não poderia ser diferente. O debate sobre
as consequências da implantação do instituto no Brasil é válido e saudá-
vel, ainda mais quando se trata de figura que contraria práticas processuais
já enraizadas no ideário jurídico brasileiro. O modelo representado pelas
novas disposições legais tem defeitos ~ ele excepciona a competencia do
juiz das garantias nas infrações penais de menor potencial ofensivo e não
cuidou dos problemas de contaminaçao dos juízes de instâncias superiores.
RDI! l7rasíIia,\IuIume Hi, ii. BB. 752-777, marJahr.2[|Z1
mw mui- Mar-Amnti -mit afim 173
iiErEiiÊiii:|iis
ARGENTINA. Decreto nQ118, de 7 de fevereiro de 2019. Código Procesal Penal
Federal. Buenos Aires: Poder Ejecutivo Nacional. Disponível ennz <https://www.
argentina.golmar/normativa/nacional/decreto-I18-2019-319681/texto>. Acesso em:
11 maio 2020.
to nnsnzisnientiz o presente tizmiintz rei resiizsúe win siztne as cizizniensçâe ae zxizerieiçizzinientti ae Pessesi
de Nivei snperierz srssii rcspesi z código tie rinsneizinsntzi um
IIDIE Brasília, Volume III, ii. BB. 752-777, marjahr. ZUZI
iiir iiriiii- iiizi-riniti -rriiir iiriiri 175
Sobre os autores:
Lanio Luiz Sireck i Ezrnaiiz ienios@gioi›ornaii.oorn
Doutor ein Direita pela universidade Federal oe santa catarina lursci. Poseoovioraúo ein Diz
reito pela raouiaaoe da Diroiie da universidade oo Lisoea ‹FDuL› Proiessoriiruiar da univorz
siúaae do vale do Rio dos sinos iuniâinos/Rs) e da universidade Esiàeio de sà (UNESA/mi.
Professor visiianie aa universidade Javeriana de Bogoià, da universidade de Malaga e da
universidade de Lisboa.
Guilherme de Oliveira Zanchet i Ezrnaiiz guiinermeozanonet@gniaii.oorn
Mestrando ern Direito Puoiioo, oorno ooisisia aa capas/PRoEx, pela universidade ao vaio ao
Rio dos sinos (Unisinos/Rs). Baonaroi ein Direito pela Ponrifioia universidade caróiioa oo Rio
orando ao sui <Pu‹:Rs).