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Acusado: Sujeito de Direito ou Objeto de Condenação?

Maria Isabela Souza Ferreira¹


Ana Carla Tavares Coelho²

Resumo: Em virtude do pensamento punitivista vivido na sociedade atual, faz-se


necessária a abordagem do sistema processual penal e como o indivíduo é visto
pelo mesmo. Numa sociedade onde o direito penal é aplicado irrestritamente, as
garantias e direitos assegurados àqueles que transgridem as normas devem ser
observadas reiteradamente.

Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Direito Penal Máximo. Acusado.

Abstract: Due to the punitive thinking lived in today's society, it is necessary to


approach the criminal procedural system and how the individual is seen by it. In a
guarantee where criminal law is applied unrestrictedly, insured societies that
transgress the rules must be repeatedly observed.

Keywords: Criminal Law. Accused. Democratic State.

Sumário: Introdução. Desenvolvimento. 1.Garantias Processuais Penais e


Constitucionais. 1.1. Lombroso e sua influência no sistema processual brasileiro.
1.2. Garantismo Penal Integral . 1.3. Previsão Constitucional dos Direitos dos
Acusados. 1.4. Direito Penal Máximo e sua Ineficácia Ante os Acusados. 1.5
Políticas Criminais e Vingança Pública. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A questão da política criminal advém do século XIII também, com a centralização do


poder por parte da Igreja Católica e do Estado, criando a Santa Inquisição e o
excesso do poder punitivo, ainda que divino. Com o fim dos períodos autoritários
dos séculos XIX e XX no mundo, o olhar humano se fez preponderante nos
sistemas penais globais. A partir daí, vários foram os tratados que buscaram tutelar
os direitos e deveres dos indivíduos que estavam sujeitos à aplicação da lei.

Atualmente, o arcabouço legislativo é amplo, embora não se instrumentalize quando


utilizado pelos órgãos de segurança pública e/ou controladores sociais. Lado outro,
os avanços tecnológicos trouxeram melhorias significativas na vida social, embora
tenha trazido também o discurso de ódio disfarçado de liberdade de expressão. Do
ponto de vista tecnológico, o acusado é tido como um objeto ante os usuários de
redes sociais, que disseminam suas opiniões desprovidas de conhecimento técnico
e recheadas de achismo.

Desta forma, ressalta-se o quão importante são as garantias processuais


constitucionais e a sua aplicabilidade no processo penal, sendo este um caminho ao
qual se chegará a uma tutela jurisdicional, tendo como objeto a pretensão
acusatória pretensa ao órgão ministerial, que é o Ministério Público.
Em questão da historicidade, foram identificados dois sistemas totalmente
antagônicos, de modo que suas características são totalmente distintas. O sistema
acusatório é aquele marcado pela paridade de armas, de modo que tanto a defesa
quanto a acusação dispõe de meios para sustentar suas predileções. Há um
contraditório e ampla defesa bem eficazes, os princípios da inocência e in dubio pro
reo também são respeitados, como forma de deixar a cargo do Estado todo o ônus
de provar.

O sistema inquisitório, que é o utilizado na fase investigatória no Brasil, o réu não é


parte, mas sim um objeto no processo. O juiz inquisidor tem ampla iniciativa
probatória, sem a presença de garantias ao réu e com extrema
desproporcionalidade no trato ante as partes. Com isto, evidencia-se a
impossibilidade da separação de cargas probatórias, de modo que à defesa era
outorgado todo o ônus de provar sua inocência.

A atuação do sistema inquisitório se findou no século XVIII, em virtude dos avanços


conquistados durante a Revolução Francesa, com a valorização do homem e dos
princípios que buscam valorizar o acusado como sujeito de direitos. Atualmente, o
único exemplo possível a ser citado quanto ao modelo inquisitorial no Brasil é o
Tribunal do Júri, sendo vigorando o princípio da íntima convicção.

DESENVOLVIMENTO

1. Garantias Processuais Penais e Constitucionais

Utilizando-se da base principiológica para explicação das garantias, cabe destacar


que o princípio que marca o início do processo penal é o da necessidade. Através
dele, entende-se que há uma necessidade de se chegar a uma pena em razão do
cometimento de um crime, sendo o processo penal o caminho ao qual se deve
percorrer. Posto isso, cita-se, inicialmente, o princípio do juiz natural, sendo este o
marco da imparcialidade no deslinde processual.

Os princípios foram criados para apoiar ou sustentar possíveis omissões


legislativas, de modo que os mesmos são inafastáveis quando da aplicação da lei
pelo magistrado ao fazer a subsunção da norma legal. Lado outro, no Processo
Penal a garantia é absoluta, não se permitindo influências do Processo Civil, pois
não há relatividade no mesmo. Por isso, há que se falar que qualquer atropelo a
uma garantia é tido como prejuízo absoluto, não cabendo suposições quanto a
demonstração de prejuízo ou não.

De acordo com Aury Lopes Jr (2020, p.68):

“O Princípio do Juiz Natural é como um princípio universal, fundante do Estado


Democrático de Direito. Através dele, cada cidadão tem o direito de saber, de
antemão, a autoridade que irá processá-lo e qual o juiz ou tribunal que irá julgá-lo,
caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídico-penal.”

Com a utilização desse princípio, afasta-se a parcialidade do julgador, que se


isentará de manipulações políticas ou demais espécies de manipulação. A
legitimidade democrática almejada no princípio deriva do caráter constitucional, e
não da vontade da maioria, uma vez que o órgão Judiciário é contramajoritário.

Além do supracitado, cabe destacar que a garantia constitucional do juiz natural só


é viável num sistema acusatório, posto que “ a mesma é sacrificada no sistema
inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da
imparcialidade, quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e
julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória.” (BADARÓ, 2019, p.66)

Pelo Princípio da Inocência, infere-se que o indivíduo só será considerado culpado


após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Desta forma, a
presunção de inocência é a regra, afastando-se, assim, possíveis pré-julgamentos e
condenações precoces. A queda deste princípio só se dará após a contradita de
todas as provas colhidas na fase pré-processual e na processual, devendo o juiz
fundamentar o porquê se chegou àquela decisão, posto que o sistema adotado no
Brasil é o do livre convencimento motivado.

Citando o doutrinador italiano Mario Pisani (1965, p.03):

“O Princípio da Presunção de Inocência é reconhecido como componente de um


modelo processual penal que queria ser respeitador da dignidade e dos direitos
essenciais à pessoa humana. Há um valor eminentemente ideológico na presunção
de inocência, interligado à própria finalidade do processo penal.”

Sendo este um princípio fundamental ao processo civil também, o Princípio do


Contraditório e da Ampla Defesa é de extrema importância ao processo penal,
senão o mais importante. Pelo binômio conhecimento-reação o indivíduo toma
conhecimento de fatos imputados a ele e, após isso, tem o direito de contraditar
esses fatos.

Embora haja posições doutrinárias no sentido de que ampla defesa e contraditório


se dividem, Ada Pellegrini Grinover (1992, p.63) explica que “ampla defesa e
contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em
seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício de defesa; mas é esta -
como poder correlato ao de ação - que garante o contraditório.”
Ao instrumentalizar esse princípio, assegura-se a paridade de armas, de modo que
tanto a acusação como a defesa dispõe de meios proporcionais no sustento ou
defesa de suas pretensões, de modo que o contraditório real é resguardado.

1.1 Lombroso e sua influência no sistema processual brasileiro

Sendo um dos principais instituidores da escola positiva, Cesare Lombroso foi uma
referência à época em razão das pesquisas criminológicas realizadas com
criminosos italianos. Tal escola defendia o determinismo como fator explicativo para
o crime, uma vez que o criminoso já nascia com caracteres predestinados ao
cometimento de delitos.

Embora fosse médico, Lombroso influenciou diretamente nas ciências penais e


criminológicas do século XIX, inspirado pelo filósofo Augusto Comte, donde se
explica as raízes positivistas de Cesare. Tendo como ideia principal a criação do
delinquente nato, que se sustentava com base em caracteres físicos e atavistas, o
médico italiano acreditava na convergência entre o cometimento de crimes e a
presença de tatuagens, personalidade preguiçosa e agressiva, canhotismo, testa e
orelhas grandes nos que os praticavam.

Conforme explica Lombroso (2007, p.32) ao afirmar que:

“Vimos já, como atualmente na milícia, os detentos apresentam uma frequência oito
vezes maior de tatuagens do soldado livre; a observação torna-se tão comum, que
um destes, solicitado por mim por que não tinha tatuagem, respondeu-me: porque
são coisas que fazem os condenados.”

E compara o uso de tatuagem dos criminosos às classes baixas, “seria curioso ao


antropólogo pesquisar a causa pela qual se mantém nas classes baixas e nas
criminosas este uso tão pouco vantajoso e até prejudicial.” (2007, p.36)

Além da estigmatização do criminoso pelas tatuagens, faz-se, também, menção às


características físicas do delinquente nato. Nas palavras do médico italiano (2007,
p.193), ”a fisionomia dos famosos delinqüentes reproduziria quase todos os
caracteres do homem criminoso: mandíbulas volumosas, assimetria facial, orelhas
desiguais, falta de barba nos homens, fisionomia viril nas mulheres, ângulo facial
baixo.”

Ante o supracitado, evidencia-se que o Judiciário brasileiro vem introduzindo nos


seus julgados os ensinamentos de Lombroso, criando, assim, uma espécie de
“neolombrosianismo”. Ao citar Lombroso, nota-se que as conceituações de acusado
ou criminoso partem do princípio biológico, sendo sua delinquência determinada
pela sua genética.

Importante citar a escola positivista, uma vez que a escola clássica, da qual foi
prógono Beccaria, surgiu como crítica à Lombroso. E, a partir da escola clássica,
notou-se uma humanização na justiça humana, abolindo a tortura, julgamentos
secretos e as penas desproporcionais.
1.2 Garantismo Penal Integral e Garantismo Penal Hiperbólico Monocular

Sobre o garantismo penal integral, conceitua-se como a teoria que visa a proteção
dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na legislação
infraconstitucional, que são assegurados aos acusados e à toda sociedade, em
geral.

Deste modo, não se protege somente os direitos fundamentais individuais daquele


que supostamente praticou a infração penal, mas também de toda a sociedade que
almeja uma vida social regular e tranquila. Protege-se, também, a vítima, de modo a
garantir que seu bem jurídico lesado possa receber uma tutela efetiva por parte do
Estado.

De acordo com Douglas Fischer (2010, p.48):

“Em síntese, o garantismo penal integral decorre da necessidade de proteção de


bens jurídicos (individuais e coletivos) e de proteção ativa dos interesses da
sociedade e dos investigados. De modo igualitário, há uma paridade de armas entre
a acusação e à defesa, não se podendo acusá-lo de privilegiar qualquer das partes
no tratamento legislativo.”

Por conseguinte, “infelizmente a teoria garantista ganhou uma visão equivocada no


Brasil, sendo considerado como algoz, impulsionadora da criminalidade, sendo o
autor da infração tratado como se fora vítima dessa mesma sociedade.” (GRECO,
2020, p.10).

Pontua-se, assim, que a cegueira deliberada que utiliza o sistema capitalista como
impulsionador da criminalidade é falha, de modo que o escopo para prática de
crimes não advém somente das condições sociais às quais se insere o indivíduo. De
modo proporcional, devem ser assegurados os interesses sociais e individuais,
proibindo que o ius puniendi se torne desenfreado e a possibilite a defesa dos bens
jurídicos mais relevantes a serem tutelados pelo Código Penal.

Como forma de solucionar isto, Douglas Fischer (2010, p.69) propõe que “ a
compreensão e a defesa dos ordenamentos penal e processual penal também
reclamam uma interpretação sistemática (por isso integral) dos princípios, regras e
dos valores constitucionais para tentar justificar que, a partir da Constituição Federal
de 1988 (...), há também novos paradigmas influentes também, que será a proteção
dos bens jurídicos (individuais e coletivos).”

Em relação ao garantismo penal hiperbólico monocular, cita-se o garantismo que


visa somente os direitos e garantias do acusado, deixando os demais sujeitos e
partes processuais de lado. Lembrando que, ao direcionar a proteção somente a
uma parte (acusado), retira-se a proteção das demais partes e gera uma deficiência
processual, uma vez que excesso de garantias também gera deficiência.
Deste modo, “qualquer pretensão à prevalência indiscriminada apenas de direitos
fundamentais individuais implica – ao menos para nós – uma teoria que
denominamos de garantismo penal hiperbólico monocular: evidencia-se
desproporcionalmente (hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade
de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos cidadãos, o que,
como visto, não é e nunca foi o propósito único do garantismo penal integral”.
(FISCHER, p.50, 2019)

O perigo em tal teoria é a forma indiscriminada na qual foi proposta, pois a mesma
se obteve de ideais almejados por Luigi Ferrajoli, alterando-os e desviando-os dos
demais contextos processuais.

1.3 Previsão Constitucional dos Direitos dos Acusados

Sendo o documento mais importante no ordenamento jurídico brasileiro, a


Constituição Federal se preocupou em prever os direitos dos acusados que estejam
sofrendo processos criminais contra os mesmos. Deste modo, quando da
constituinte de 1988, o legislador se preocupou em manter as disposições de
tratados internacionais, acrescentando somente o necessário para concretização do
ideal humanitário buscado. Por isso, há que se falar que há uma amplitude nas
garantias positivadas no texto constitucional, cabendo ao aplicador da lei a
instrumentalização das mesmas, como forma de garantir a eficácia e exequibilidade
delas.

Dentre os direitos dos acusados no processo, cita-se a Constituição Federal da


República Federativa do Brasil, de 1988, conforme artigo 5° incisos XXXVII, XXXIX,
XL, XLI, XLV, LIV, LVI e LVII, in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem


pena sem prévia cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;


XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado,


podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação
do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas
aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do
valor do patrimônio transferido;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens


sem o devido processo legal;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória.” (BRASIL,
1988)

Pela carta magna promulgada em outubro de 1988, nota-se o quão influente são os
direitos assegurados aos acusados no processo penal. Sendo uma Constituição
dirigente, mas ao mesmo tempo possui diversos direitos de 1°dimensão, que
defendem a abstenção estatal ante o indivíduo sujeito a algum processo. As
garantias asseguradas acima derivam de diversas batalhas travadas tanto no
período da Ditadura Militar (1969-1984) quanto na Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), onde atrocidades e atropelo de direitos foram notados.
Essa proteção mínima de princípios deve ser garantida pelo poder público por meio
de suas instituições e das pessoas envolvidas, sob pena de ser punido com graves
violações e insultos ao Estado Democrático de Direito e à lei, que se baseia na
Constituição da República promulgada em outubro de 1988. O exercício da empatia
e do igualitarismo deve ser sempre buscado, pois a punição é justa, a punição é
digna e a punição é civilizada.

Quanto à interpretação de tais princípios, destaca-se a interpretação progressiva,


sendo a mais adequada à realidade social brasileira. Post que “através da
interpretação progressiva, também conhecida como adaptativa ou evolutiva, o
intérprete traduz os tipos penais de acordo com a realidade atual, ou seja,
elementos dos tipos penais que, anteriormente, tinham determinada interpretação,
agora, no momento atual, passam a ser entendidos de forma diferente, por conta da
evolução ou progressão pela qual passa naturalmente a sociedade. Com isto, os
princípios devem ser lidos à luz do que dispõe a Constituição também, como forma
de vigilância à constitucionalidade”. (GRECO, 2020, p.93)
De modo complementar, cabe destacar o brilhantismo de Cesare Beccaria (2015,
p.41) ao citar que “um crime já cometido, para o qual já não há mais remédio, só
pode ser punido pela sociedade política para impedir que os outros homens não
cometam outros semelhantes”. Mas, para que haja punição, a mesma deve ser feita
dentro dos trâmites legais, respeitando a proporcionalidade e garantias previstas
endoprocessualmente.
1.4 Direito Penal Máximo e sua Ineficácia Ante os Acusados

Hodiernamente, tem-se notado a criação de novos tipos penais, de modo a coibir


possíveis delitos e responder aos anseios punitivos enraizados no seio social.
Acontece que, motivados pelos cidadãos leigos e precisando demonstrar “serviço”,
os membros do órgão legislativo preconizam e utilizam o Código Penal como
escopo para o combate à criminalidade latente.

A ideia central do fenômeno Direito Penal Simbólico é “trazer uma forte carga moral
e emocional, revelando uma manifesta intenção pelo Governo de manipulação da
opinião pública, ou seja, tem o legislador infundindo perante a sociedade uma falsa
ideia de segurança.” (GRINOVVER, 1978)

Complementando o entendimento supracitado, Claus Roxin (2000, p.20) é


enfático:

“Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão “direito penal simbólico”,


como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública,
suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo
pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para
casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos
operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e
políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da
sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.”

Há diversos exemplos apontados pela doutrina como sendo simbólicos, cita-se,


desta forma, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n°8.072/1990) que foi aperfeiçoada
pelo Pacote Anti Crime (Lei n°13.964/2019).

Como preleciona Alberto Silva Franco (1997, p.90):

“Sob o impacto dos meios de comunicação de massa, mobilizados em face de


extorsões mediante sequestro, que tinham vitimizado figuras importantes da elite
econômica e social do país (caso Martínez, caso Salles, caso Diniz, caso Medina
etc.), um medo difuso e irracional, acompanhado de uma desconfiança para com os
órgãos oficiais de controle social, tomou conta da população, atuando como um
mecanismo de pressão ao qual o legislador não soube resistir. Na linha de
pensamento da Law and Order, surgiu a Lei n°8.072/1990 que é, sem dúvida, um
exemplo significativo de uma posição político-criminal que expressa, ao mesmo
tempo, radicalismo e passionalidade.”

A massificação do Direito Penal não traz segurança alguma ao ordenamento


jurídico, posto que a vingança disfarçada de justiça não trará resultados
satisfatórios. No mais, com este tipo de comportamento se influi cada vez mais na
ideia de que o acusado é objeto da condenação e que a ele caberá a máxima
punição e rigor excessivo por parte da legislação.
O Direito Penal Moderno nada mais é que a nomenclatura gourmetizada de Direito
Penal Máximo, que é utilizado para atender os interesses políticos e obter apoio
político. Através deste, “aumenta-se o recrudescimento das penas, aumenta-se a
proteção a bens jurídicos tidos como abstratos, como a saúde pública e se criam
novos tipos penais não vistos antes.” (GRECO, 2020, p.14)

1.5 Políticas Criminais e Vingança Pública

De antemão, cabe reafirmar que o poder punitivo estatal manifestado em excesso é


vingança e, portanto, padece do conceito de justiça. A vingança pública é a última
fase histórica da evolução histórica do Direito Penal, sendo antecedida da vingança
privada e da vingança divina. O Estado, ao querer repelir cegamente os problemas
que as drogas causam, acaba por se exceder nos meios utilizados na sua
repressão.

Por vingança pública, entende-se como sendo a forma punitiva aplicada pelo Estado
na demonstração do seu “direito” de punir, que por vezes se mostrou exagerado.
Historicamente, a “vingança pública surge na evolução histórica do Direito Penal
com Beccaria, como forma de proteção do Estado e do soberano, mediante, ainda,
a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória”.
(GRECO, 2020, p.18)

Conforme salienta o doutrinador Rogério Greco, a finalidade da punição era tão


somente a intimidação, como forma de “prevenir” e “impossibilitar” de novas
infrações penais à época. Acontece que, disfarçada de legalidade, a atual legislação
vigente traz aumentos no quantum de pena dos tipos penais, a criação de novos
tipos penais e o endurecimento dos requisitos objetivos para progressões de
regime. Com isto, o legislador busca passar para a sociedade que a justiça está
mostrando respostas, embora os resultados não aconteçam, haja vista que as
melhorias só serão vistas a partir do implemento de políticas criminais por parte do
Estado.

De acordo com Luís Carlos Valois (2016, p.423):

“O direito deve evitar servir de instrumento para objetivos exclusivamente políticos,


pois a justiça cega não pode ser entendida como meta de nossas opções políticas,
mas sim como um obstáculo que limite o que é permitido fazer ao tentar alcançar
nossos objetivos.”

Com tal explanação, o autor reafirma que o Estado não pode se valer dos anseios
sociais conservacionistas que impulsionam os políticos, de modo a impedir que o
legislador se utilize da legitimação de alguns para ser repressivo.

Complementando o supracitado, “quando um ordenamento jurídico permite o


ingresso de normas de racionalidade duvidosa, ela acaba enfraquecendo-o como
um todo. Sua ampliação mata a ideia de garantia ao mesmo tempo que, ampliado
desordenadamente e sem fundamento lógico, contamina de forma generalizada o
próprio sistema”. (VALOIS, p.424, 2016)

Com isto, defende-se a ideia de que punir é civilizatório, mas a punição deve ser
proporcional, humana e justa. E, também, seus sujeitos devem ser tratados de
forma isonômica, afastando, assim, uma seletividade excessiva. O Direito penal
máximo aqui não deve ser aplicado, de modo a evitar a vingança pública e garantir
a implementação das políticas públicas-criminais.

CONCLUSÃO

Findando o artigo, deve-se destacar que, embora o acusado tenha cometido uma
infração penal, seu tratamento deve obedecer às limitações impostas pela lei.
Possíveis abusos e excessos tornam a punição ilegal, aplicando poderes de fato e
não de jure, que remontam ao apogeu das ditaduras militares e outros tempos
autoritários. Deve ser garantido o direito de defesa técnica, defesa
contraditória/extensiva e dubio pro reo.

Encerrando o artigo, o objeto do processo penal é a pretensão acusatória, sendo a


pena sua finalidade, de modo que a solicitação e concretização da tutela
jurisdicional seja efetivada. O Processo Penal deve se constitucionalizar, ser lido à
luz da Constituição. Portanto, funcionará como um termômetro dos elementos
provenientes do autoritarismo, tendo a constitucionalização dos direitos
fundamentais do acusado, como modo de se atingir o ideal buscado no processo,
de forma humana e sem retrocessos.
REFERENCIAL
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1998.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm.>.
Acesso em 07 de junho de 2022

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¹Acadêmica e Pesquisadora Científica do Curso de Direito da Universidade José do


Rosário Vellano (UNIFENAS)
²Orientadora. Professora do curso de Direito da Universidade José do Rosário
Vellano (UNIFENAS). Mestre em Direito Constitucional pela FDSM. Especialista em
Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho. Advogada.

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