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Universidade Católica de Petrópolis

Centro de Teologia e Humanidades


Licenciatura em História

RESENHA: O BRASIL NO MUNDO


LESLIE BETHELL

A CONSTRUÇÃO NACIONAL (1830-1889)

JOSÉ ÂNGELO COSTA DE ALMEIDA


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Em O Brasil no mundo, terceiro capítulo de A construção nacional, Leslie Bethell sinteti-
za sua análise sobre o relacionamento diplomático do Estado imperial a partir de três con-
textos internacionais: Europa, América espanhola e Estados Unidos. Assim posto, traçare-
mos os apontamentos centrais elencados pelo autor com base em cada uma das referidas
conjunturas.
Partindo do pressuposto de que o Brasil obteve a independência de Portugal em 7 de se-
tembro de 1822, o governo deveria tão logo buscar reconhecimento de outras nações. Esta,
de fato, foi uma das primeiras medidas tomadas pela administração do novo país sul-ame-
ricano. Certamente, o pronto reconhecimento internacional auxiliaria a materialização de
uma dupla importância. Em primeiro lugar, o Brasil estaria precavido ante a possibilidade
de Portugal novamente restabelecer seu predomínio na antiga possessão colonial america-
na. A segunda motivação, talvez mais significante, seria reforçar a imagem do imperador
d. Pedro I simbolizando a autoridade suprema do Império brasílico, seja para inibir possí-
veis correntes ainda enraizadas com a Coroa portuguesa, seja para evitar o fortalecimento
de grupos adeptos do separatismo ou do republicanismo (Bethell, In: Carvalho, 2012:131).
Desde a abertura dos portos, com a promulgação da carta régia por d. João, em 28 de ja-
neiro de 1808, o Brasil sempre teve sobre si a sombra da Inglaterra, mas a consolidação da
supremacia britânica se deu exatamente quando o país da América do Sul foi reconhecido
enquanto Estado independente. Neste sentido, bastaria apenas o aval da própria Grã-Breta-
nha, a grande potência europeia da época, mas a questão gira em torno de quais seriam as
reais pretensões dos ingleses para a reconhecença do Brasil como sujeito autônomo do sis-
tema internacional. Uma das prováveis hipóteses, nos termos de Leslie Bethell, seria, para
efeitos práticos, obter avanços com relação ao tráfico de escravizados. Em que pese isso, o
Reino Unido conservava relações com Portugal e preferiu que o país ibérico reconhecesse
primeiro a soberania brasileira. E assim foi feito. Tendo a intermediação de sir Charles Stu-
art, diplomata inglês, em 1825 ocorreu a assinatura do tratado pelo qual o reino português
reconhecia oficialmente a emancipação política da ex-colônia, não obstante, o faria sob a
condição de que o Brasil indenizasse o governo luso com o pagamento de uma quantia no
valor de 2 milhões de libras, bem como conceder a d. João VI o título de Imperador Hono-
rário do Brasil. Em suma, tudo tem um custo.
Cabe aqui um esclarecimento trazido por Rubens Ricupero, que trata igualmente da te-
mática abrangendo a diplomacia do Brasil no mundo, no livro Crise colonial e independência,
primeiro volume da Coleção História do Brasil Nação. Na ótica deste autor:

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O esforço para obter o reconhecimento se desenrola ao longo de duas fa-
ses distintas. A primeira, inconclusiva, de agosto de 1822 a julho de 1823,
se situa dentro dos 18 meses em que José Bonifácio de Andrada e Silva foi
o poderoso ministro da Guerra e dos Estrangeiros e, mais do que isso, o
virtual primeiro-ministro e chefe do governo. Estende-se a segunda etapa
da queda do Patriarca da Independência até a assinatura do tratado do re-
conhecimento com Portugal (29 de agosto de 1825), seguindo-se, em rápi-
da sucessão, os reconhecimentos da Grã-Bretanha e demais potências du-
rante o ano de 1826. Os retardatários seriam a Rússia (1827) e a Espanha
(1834) (Ricupero, In: Costa e Silva, 2011:140).

Em 1827, o Reino Unido fixou um acordo de natureza comercial junto ao Brasil, ratifica-
do em Londres, meses depois. O novo tratado designava a taxação de mercadorias inglesas
porventura importadas para o país do continente americano em 15%, pois a Grã-Bretanha
ambicionava garantir vantagens diante de seu parceiro nos trópicos. Após dezessete anos,
o governo brasileiro quis revogá-lo, igualmente optando pela extinção do tratado abolindo
o tráfico negreiro, diga-se de passagem, um assunto que marcou o relacionamento inicial
entre ambos os Estados. Os britânicos começaram a cobrar do Brasil soluções a respeito da
escravidão. Quando a lei de 7 de novembro de 1831 caiu por terra, estrategicamente, o Par-
lamento britânico aprovou a Lei Aberdeen em 1845, em alusão a Lorde Aberdeen, ministro
das Relações Exteriores da Inglaterra. A Marinha inglesa se valeria da norma para identifi-
car o tráfico escravo no Brasil como prática de pirataria.
Pela Lei Aberdeen, qualquer embarcação negreira, em alto-mar ou ancorada nos portos
brasileiros, sofreria a captura da força naval britânica (Dolhnikoff, 2020:113). O governo do
Brasil, em contrapartida, reagiu alegando que a deliberação contrariava o direito interna-
cional ao infringir a soberania nacional do país.

Mesmo assim, apesar da Lei Aberdeen, o tráfico escravo clandestino conti-


nuou a prosperar. Na verdade, atingiu seu ponto mais alto em 1848: 60 mil
escravos foram importados para o Brasil. Pela primeira vez havia sinais de
que a pressão britânica logo poderia diminuir ou mesmo cessar. O embai-
xador britânico no Rio, lorde Howden, não via grandes possibilidades de
qualquer avanço na questão do tráfico escravo com qualquer governo bra-
sileiro, conservador ou liberal, e o tema estava prejudicando as relações
anglo-brasileiras em geral (Bethell, In: Carvalho, 2012:143).

Tanto as finanças do Império como o comércio internacional estiveram intimamente li-


gados a Grã-Bretanha. Isto pode ser facilmente certificado a partir dos dados apresentados
pelo próprio autor no texto. Conforme constata Bethell, firmas comerciais inglesas cuida-

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ram das atividades voltadas sobretudo para as exportações brasileiras. Temos como exem-
plo a Edward Johnston & Co, que exportava café produzido no Brasil, maior trunfo do gover-
no imperial. Outra informação elementar apontada pelo historiador abarca o item das ex-
portações de borracha. Naquela época, das cinco companhias incumbidas da distribuição
internacional desta mercadoria, pelo menos três delas eram de origem inglesa (Bethell, In:
Carvalho, 2012:140). De tudo exposto, há de se mencionar que de 1865 a 1885, quase a tota-
lidade dos investimentos provenientes do estrangeiro aplicados no Brasil foram realizados
pela Inglaterra, atingindo o patamar dos 24 milhões de libras, para se ter uma noção mais
precisa da proporção deste capital.
Feita aqui a apreciação elucidativa das relações Brasil e Europa, precisamente focada na
influência desempenhada pela Inglaterra, daqui em diante pontuaremos o intercurso com
a vizinha América espanhola e, por fim, os Estados Unidos. A política exterior do Segundo
Reinado em face da conjunção hispano-americana esteve norteada precipuamente na regi-
ão platina. Desde o alicerçamento da colonização do Novo Mundo, Portugal e Espanha tra-
varam acirradas disputas pelo controle da área abrangida pelo Rio da Prata que, a posterio-
ri, emanaram guerras protagonizadas pelo Império brasileiro e as repúblicas hispano-ame-
ricanas. De todos os conflitos, o mais proeminente sobreveio entre os anos de 1864 e 1870,
quando Brasil, Argentina e Uruguai compuseram a Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai,
embate internacional mais longevo e custoso para a monarquia.
Com a independência do Uruguai, antiga Banda Oriental, em 1825, dois partidos políti-
cos, o Blanco e o Colorado, passaram a brigar pelo poder. Em 1860, Bernardo Berro, candi-
dato pelos blancos à presidência, foi eleito. Transcorridos três anos, encararia uma investi-
da rebelde liderada pelo general colorado Venâncio Flores, numa tentativa de derrubar o
governo. O Brasil apoiava o Partido Colorado e havia motivos para isso. Berro tinha impos-
to barreiras aos brasileiros residentes no Uruguai diligenciando restrições aos assentamen-
tos e prescrevendo encargos aduaneiros. No Paraguai, o aliado do Partido Blanco uruguaio,
Francisco Solano López, chegara ao poder em 1862. O ditador paraguaio objetivava aumen-
tar a participação política do seu Estado na região platina, tendo se manifestado contraria-
mente a invasão do Uruguai pelo Brasil. Em 12 de novembro de 1864, uma nau mercante
brasileira saiu de Asunción sendo apreendida a caminho de Corumbá. Nela, viajava a bor-
do o presidente da província do Mato Grosso, Carneiro de Campos, recém-nomeado para o
cargo. Imediatamente, o governo de d. Pedro II rompeu a diplomacia com os paraguaios.

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Aproveitando-se da situação, Solano López declarou guerra ao Brasil, intervindo em Ma-
to Grosso. Também a Argentina entrou em desavença com o Paraguai quando lhe recusou
permissão para a travessia das tropas de López pela província de Misiones, até o Rio Gran-
de do Sul (Bethell, In: Carvalho, 2012:161).

Os unitários argentinos apoiavam os colorados e pretendiam manter a


neutralidade no conflito entre o Brasil e o Paraguai. Após a recusa argenti-
na, os paraguaios invadiram as províncias de Corrientes e Missiones, al-
cançando o Rio Grande do Sul por volta de junho. A invasão custou caro
aos paraguaios que, rompendo com os argentinos, perderam importante
fonte de suprimentos, especialmente de armas (Izeckshn, In: Grinberg e
Salles, 2020:395-396).

A fração sul da América continental testemunhou uma conflagração nunca antes vista;
dentre as peculiaridades do confronto, a violência, a durabilidade – cinco anos – e perdas,
sejam humanas ou materiais. De acordo com José Murilo de Carvalho, na esfera econômi-
ca, o Brasil registrou altíssima elevação dos gastos com a máquina pública e, não bastando
isso, necessitou de aumentar impostos e adquirir empréstimos internos (Carvalho, In: Car-
valho, 2012:106).
Leslie Bethell afirma que o entendimento acerca da Guerra do Paraguai deve ser esmiu-
çado sob três ângulos diferentes. Primordialmente, no ensejo que assinala a ocupação das
províncias do Mato Grosso e de Corrientes, respectivamente, em dezembro de 1864 e abril
de 1865, pelo Paraguai. O segundo prisma, a mais notória fase da batalha, com o ataque da
Tríplice Aliança ao Estado governado pelo ditador Solano López, em 1866. Na ocasião, Bra-
sil, Argentina e Uruguai fixaram base na confluência dos rios Paraná e Paraguai. O terceiro
e último é quando Solano López organiza uma guerrilha a leste de Asunción, todavia, saiu
derrotado. Foragido, seis meses decorreram até que fosse encontrado e morto pelas forças
imperiais do Brasil. A vitória dos aliados na luta contra o isolado Paraguai foi celada com a
assinatura do tratado de paz em 27 de julho de 1870 (Bethell, In: Carvalho, 2012:163-165).
Para concluirmos a presente resenha, façamos as ponderações equivalentes ao trato do
Império Brasileiro com os Estados Unidos. A nação norte-americana foi quem primeiro re-
conheceu a independência do Brasil, em 1824. Atuando como força hegemônica no conti-
nente, a grande república da América do Norte era radicalmente contra a ideia de uma re-
colonização europeia no hemisfério americano. O presidente dos EUA, James Monroe, resis-
tente a predominância do Velho Mundo nos Estados independentes das Américas, anunci-

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ou em dezembro de 1823, no Congresso, a elaboração de uma nova medida política para o
continente, a Doutrina Monroe (Izecksohn, 2021:54-55).
Balizadas pela cordialidade, a convivência diplomática entre o Império do Brasil e os Es-
tados Unidos se caracterizaria inicialmente por um certo distanciamento, explica Bethell,
reiterando que, do ponto de vista comercial, na década de 1840, as importações brasileiras
tinham 12% de participação norte-americana. Dentre os produtos, laticínios e farinha. Essa
porcentagem, contudo, tenderia a despencar para 6% nos anos 1870 (Bethell, In: Carvalho,
2012:173).
Não é segredo para ninguém que o imperador d. Pedro II era um amante de viagens ao
exterior, aflorando o ímpeto pelo conhecimento de novas culturas. Ele visitou variados pa-
íses da Europa, o Egito e os Estados Unidos, é claro, sendo, aliás, o primeiro monarca a pi-
sar em solo estadunidense. Em 1876, em alusão as celebrações pelos cem anos da indepen-
dência norte-americana, a Filadélfia sediou a Exposição Universal. D. Pedro quis prestigiar
o evento, inaugurando-o na companhia do presidente Ulysses Grant. Percorreu os EUA por
quatro meses, antecedendo outras viagens internacionais (Bethell, In: Carvalho, 2012:174).
As autoridades americanas receberam d. Pedro II amistosamente, o que veio asseverar a
eloquência do líder brasileiro naquele país. O Brasil seria convidado para integrar a Confe-
rência Pan-Americana realizada na capital Washington, em 1889, não obstante, daria neste
mesmo ano adeus ao Império com a proclamação da República que “tornou-se devoradora
do governo norte-americano quando este interveio em sua defesa durante uma revolta da
Armada em 1894” (Carvalho, In: Carvalho, 2012:284).

BIBLIOGRAFIA:

BETHELL, Leslie. O Brasil no mundo. In: CARVALHO, José Murilo. A construção nacional
(1830-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pp. 131-178.
CARVALHO, José Murilo. A vida política. In: CARVALHO, José Murilo. A construção nacional
(1830-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pp. 83-130.
CARVALHO, José Murilo. Américas. In:_____Op. Cit., pp. 281-285.
DOLHNIKOF, Miriam. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2020.
IZECKSHN, Vitor. Estados Unidos: uma História. São Paulo: Contexto, 2021.
IZECKSHN, Vitor. A Guerra do Paraguai. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Im-
perial, volume II – 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, pp. 385-424.

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RICUPERO, Rubens. O Brasil no mundo. In: COSTA E SILVA, Alberto. Crise colonial e inde-
pendência (1808-1830). Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, pp. 115-161.

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