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ACADEMIA DA FORÇA AÉREA

DISCIPLINA DE HISTÓRIA MILITAR MUNDIAL

Poder Aéreo na
Primeira Guerra Mundial

Claudio Passos Calaza*

Barão Vermelho em combate aéreo, arte digital de Gino Marconi.

*
O autor é coronel dentista da reserva da Aeronáutica, especialista em História Militar pela UNISUL e
mestre em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA.
História Militar MundiaI

ACADEMIA DA FORÇA AÉREA


DISCIPLINA DE HISTÓRIA MILITAR MUNDIAL

Poder Aéreo na
Primeira Guerra Mundial

Objetivos de aprendizagem
 Identificar os primeiros passos do emprego aéreo para fins
militares.
 Compreender a percepção do Poder Aéreo durante a
Primeira Guerra Mundial e sua evolução.
 Reconhecer os principais personagens da guerra aérea no
período, relacionando suas contribuições para a Arte da
Guerra.

Seções de estudo
1. Primórdios do Uso Militar do Espaço Aéreo
1.1 O emprego militar do avião
1.2 Prelúdio do conflito no céu

2. Inventando a Grande Guerra Aérea


2.1 No tempo das carabinas
2.2 O primeiro avião de caça
2.3 A era dos ases
2.4 Cavalheirismo e Código de Honra
2.5 O Barão Vermelho e seu Circo Voador
2.6 O nascimento do Poder Aéreo estratégico
2.7 Consequências da Grande Guerra para a aviação

3. Os Teoristas do Poder Aéreo


3.1 Giulio Douhet
3.2 Billy Mitchell
3.3 Hugh Trenchard

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Para início de estudo


A Primeira Guerra Mundial eclodiu na Europa diante de muitos avanços e
incorporações tecnológicos resultantes da Segunda Revolução Industrial.
Esta guerra foi travada em terra e no mar e, pela primeira vez, no ar. Aviões
eram invenções recentes e, no início, os militares não sabiam bem como
melhor utilizá-lo. Pairavam muitas dúvidas e incertezas diante das muitas
limitações. Passados alguns anos do conflito, os aviões já se revelavam
máquinas eficientes, cujo valor militar era incontestável. A guerra, pela
primeira vez, atingiu os céus, introduzindo uma nova estirpe de guerreiros.
Foi a era dos ases da aviação, a qual forjou mitos como o do Barão Vermelho
e de muitos outros a serem conhecidos em nosso estudo.
Outro aspecto relevante, na aviação da Primeira Grande Guerra, foi o salto tecnológico.
Em 1914 os aviões eram frágeis aparelhos de madeira, lona e arame, e ainda estavam
desarmados. O conflito fez as máquinas voadoras evoluírem rapidamente em velocidade,
alcance, segurança e poder de fogo. Novos materiais, armas e instrumentos foram testados
e introduzidos, transformando o avião num equipamento mais eficiente para o campo de
batalha. Aconteceram, a partir de então, os primeiros combates aéreos, uma nova
modalidade de batalha. Surgem os primeiros aviões de caça e, em seguida, os grandes
bombardeiros.
As possibilidades do emprego aéreo revolucionaram táticas e conceitos da Arte da Guerra,
o que inspirou uma nova geração de pensadores e estrategistas. É a partir de uma guerra
aérea em larga escala que surgem as primeiras formulações acerca do Poder Aéreo,
inspirando teoristas como Giulio Douhet, Billy Mitchell e Hugh Trenchard. Os conceitos
de defesa e superioridade aérea se precipitam. O valor do Poder Aéreo se tornou tão
evidente que, em 1918, na fase final do conflito, a Grã Bretanha decide pela criação de
uma força aérea independente, a primeira no mundo, a Royal Air Force (RAF). Como se
vê, a história das forças aéreas e de uma nova geração de guerreiros começou aqui.

1. Primórdios do Uso Militar do Espaço Aéreo


Comecemos pelo princípio. Muito antes do advento do avião, os senhores da
guerra já se privilegiavam da utilização dos ares para fins militares.

As pipas foram criadas na China há cerca de 2.500 anos. Nesse tempo, elas
não eram coisa de criança, mas instrumentos de guerra. Os chineses as
usavam militarmente para transmitir sinais nos campos de batalha, com suas
cores, desenhos e movimentos no ar. Algumas eram, inclusive, equipadas
para lançarem fogos de artifício. Em 1232, os chineses empregaram pipas
para jogar, sobre o acampamento mongol de prisioneiros de guerra, folhetos
de propaganda incitando os chineses capturados a se rebelar contra seus
captores.
A utilização do espaço aéreo para fins militares ganhou relevância com os primeiros
balões tripulados, algo possível somente ao final do século XVIII. O fato é que, erguendo-
se de alguma forma sobre campos de batalha, os guerreiros passariam a dispor de alguma
superioridade sobre o inimigo, antes
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só conseguida por meio de elevações no terreno - colinas e montanhas - ou


construção de torres e plataformas de observação. A utilização de aeróstatos
cativos verificou-se na Guerra de Secessão dos EUA (1861-1865), na Guerra
do Paraguai (1864-1870), na Guerra Franco-Prussiana (1870) e nas
campanhas norte-americanas em Cuba (1898).

A primeira utilização do espaço aéreo para fins militares na


América do Sul aconteceu em 1867, durante a Guerra do
Paraguai. O Exército Brasileiro, sob o comando de Caxias,
empregou dois balões de hidrogênio adquiridos nos EUA.
Estes eram presos ao solo por grossas cordas, atingiam cerca
de 300 metros de altura e seus tripulantes podiam observar,

~1908~
privilegiadamente, a movimentação e posicionamento das
tropas paraguaias. Isso foi uma surpresa tecnológica.
Outro importante marco
Sendo mais leves que o ar, esses balões cativos estavam longe de dispor da a situar este ano como o
do início da aviação
flexibilidade e do alcance dos novos engenhos que viriam no século XX, os militar foi a publicação
balões dirigíveis e, em seguida, os aviões. Fica aqui o registro de que, bem do livro L’Aviation
antes do advento das aeronaves, os estrategistas militares já vislumbravam as Militaire, do francês
vantagens da utilização do espaço aéreo nas batalhas. Clément Ader.
Na obra, o visionário
autor anunciava todas
1.1 - O emprego militar do avião. as virtudes da nova arma
sobre a terra e sobre o
mar.
Embora a maioria dos inventores aeronáuticos anunciassem as
O livro também ficou
potencialidades bélicas de seus aparelhos, admite-se que o desenvolvimento especialmente famoso
do avião como instrumento militar só efetivamente ocorreu a partir de 1908. pela precisa descrição do
Neste ano, os irmãos Wright fazem uma apresentação de seu aparelho – que conceito de um moderno
ainda decolava impulsionado por uma catapulta – aos generais do Exército porta-aviões.
dos EUA, a fim de convencê-los da compra.
Durante o voo de demonstração, pilotado por Orville Wright em companhia
do também aviador tenente Thomas Selfridge, ocorreu o rompimento de uma
das hélices, causando sérias avarias na estrutura. A pane desestabilizou de
forma violenta a aeronave e provocou a sua queda de uma altura de 46 metros.
Orville Wright fraturou o quadril na colisão com o solo, mas o tenente
Selfridge não sobreviveu aos graves traumatismos na cabeça.

Thomas Selfridge, oficial do Exército americano e piloto


iniciante, foi a primeira vítima fatal da aviação. O histórico
acidente ocorreu em 17 de setembro de 1908, em Fort Mayer -
VA, com uma aeronave dos irmãos Wright.
Mesmo após o trágico acidente, no ano seguinte, o Exército
americano acabou por efetivar a compra de um modelo Wright
por 25 mil dólares, que se tornou o primeiro avião a ser
incorporado a uma força armada no mundo. Ten Selfridge
A partir de então, o progresso aeronáutico passou a cobrar crescente tributo
em vidas humanas. Voar era uma atividade nova e atraente, mas
extremamente arriscada. Assim, em 1909, o número de mortos em acidentes
aéreos subiu para 3; em 1910, para 29; e, em 1911, quando já havia cerca de

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1.550 aviões no mundo, mais de 100 aviadores perderam a vida. Nada mais
natural, tendo-se em vista a dificuldade de aprendizagem e a confiabilidade
das primeiras máquinas.
O cenário inicial era sombrio, o que levou muitos países da época a questionar
ao máximo a adoção do avião como engenho militar. Governos tinham
questões de sobra para não precipitar decisões envolvendo vultosos gastos. A
mais célebre contestação partiu do marechal Ferdinand Foch, um conceituado
mestre da estratégia da École Supérieure de Guerre de Paris. Em 1911,
questionado sobre sua opinião a respeito da aquisição de aviões para o
Exército francês, afirmou categoricamente:

"aviões são brinquedos interessantes,


mas sem nenhum valor militar".

A despeito do erro histórico, Foch terminaria consagrado como um grande


estrategista ao final da Primeira Guerra Mundial. O descrédito inicial de
muitos generais acerca das potencialidades do avião podia ser compreendido
pela fragilidade e desempenho dos primeiros aparelhos. Os aviões do início
da segunda década do século XX apresentavam grandes limitações e eram
bastante frágeis. Suportavam pouco peso na decolagem, eram lentos,
operavam com um teto bastante restrito e tinham um alcance muito limitado.
A maioria dos pensadores militares da época já detinha suficientes Marechal
Ferdinand Foch
dificuldades em decidir o que fazer diante de tantas novas tecnologias sendo
incorporadas: modernas peças de artilharia, metralhadoras, veículos
blindados, armas químicas, submarinos e transporte motorizado. No máximo,
aceitavam serem as aeronaves um modesto acréscimo aos meios tradicionais
de combate. Por outro lado, os entusiastas da aviação, principalmente seus
pilotos e inventores, muitas das vezes reivindicavam para suas frágeis
máquinas muito mais do que elas podiam diante de tantas limitações.

Apesar da oposição do estimado marechal Foch, a França foi a


primeira nação do mundo a constituir formalmente, em 1909, um Insígnia/ Brevet de
aviador militar
corpo de aviação militar em seu exército. Compôs sua frota com
França 1911
modelos Farman, Voisin e Blériot.

Em dezembro do mesmo ano, o Ministério da Guerra francês iniciou o envio de oficiais


do exército, especialmente dos quadros de engenharia e artilharia, para treinamento nas
diversas escolas de voo. A cidade Pau, na região da Aquitânia, havia se transformado em
um importante centro de escolas de aviação civis. Aí, o Exército francês instalou, em
junho de 1911, sua primeira escola para a formação de pilotos militares.

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Primeira escola de aviação militar em Pau Primeiros oficiais franceses em instrução de voo.

A Grã-Bretanha, em 1910, decidiu comprar sua primeira aeronave, um De


Havilland, de fabricação inglesa. Pressões da imprensa forçaram o governo
do primeiro ministro Hebert Asquish a organizar, em 1911, o Air Batallion,
uma unidade do Royal Engineers, que já operava balões dirigíveis. A
embrionária unidade aérea de reconhecimento incluía 5 aviões de diversas
procedências e menos de meia dúzia de aviadores. Somente no ano seguinte,
em função das notícias do emprego aéreo na Guerra da Tripolitânia é que, sob
recomendação do Comitê de Defesa Imperial, foi decidida a formação de dois
corpos militares de aviação: Primeiramente o Royal Flying Corps (RFC), para
o Exército, e depois o Royal Naval Air Service (RNAs), para a Marinha. A
Central Flying School, criada em 1912, em Upavon, passou a formar pilotos
para as duas forças.
Não obstante, coube à Itália a primazia do primeiro emprego do avião em um
conflito, durante a Guerra Ítalo-Turca, na Tripolitânia. Em 23 de outubro de
Atual Líbia
1911, o Exército italiano utilizou 9 aeronaves de fabricação francesa. Aviões
Blériot XI e Nieuport fizeram incursões sobre linhas inimigas, concretizando
múltiplas missões de reconhecimento, correção de tiros de artilharia e
lançamentos de panfletos. Nestes, redigidos no idioma turco, os italianos
persuadiam os soldados turcos a se renderem diante do poderio militar do
Exército italiano.
No oásis Taguira, os aviadores italianos realizaram um inédito lançamento
manual de granadas de 2 kg sobre o Exército otomano. Embora fosse um
bombardeio de baixo poder destrutivo, o impacto moral sobre os soldados
turcos foi enorme. A surpresa tecnológica causou grande sensação na
imprensa mundial. Estava inaugurada a era dos bombardeios aéreos. Um
jornalista britânico, então servindo como correspondente de guerra publicou
o seguinte comentário: “Esta guerra mostrou claramente que a navegação
aérea permite terrível meio de destruição. Estas novas armas estão
destinadas a revolucionar a estratégia e a tática modernas”. O capitão Carlo
Piazza foi o primeiro
aviador a
empreender uma
missão aérea em
uma guerra a bordo
de um Blériot XI

Blériot XI
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O primeiro voo sobre um teatro de guerra foi realizado pelo capitão Carlo Piazza, em um
Blériot XI. Entretanto, por trás de toda a concepção do emprego aéreo, havia um oficial
italiano com ideias muito à frente de seu tempo, o coronel Giulio Douhet, da arma de
artilharia.
Pouco antes desta guerra, em 1909, Douhet já havia escrito:

“O fato de que o ar esteja na iminência de tornar-se campo de


batalha de não menos importância que a terra e o mar, naturalmente
parece estranho a nós que vivemos sempre inexoravelmente atados
à superfície da terra (...). Mas devemos imediatamente
acostumarmos a esta ideia e começar a preparar-nos para o novo
tipo de conflito”.

Após a Primeira Guerra Mundial, Giulio Douhet reuniria suas


ideias em um livro que se tornaria um marco nas teorias do Giulio Douhet
Poder Aéreo. Em “O Domínio do Ar,” publicado em 1921, ele
enaltecia o bombardeio aéreo estratégico e evidenciava a
importância da supremacia no ar. A obra transformou o italiano
no primeiro profeta do Poder Aéreo.
A Guerra dos
Bálcãs foi um
Após a experiência na Líbia, o bombardeio aéreo de efeito moral foi conflito entre os
anos de 1912 e
novamente testado durante a Guerra dos Balcãs. Em missões de 1913, que ocorreu
reconhecimento sobre posições turcas em Adrianopla, pilotos búlgaros e seus na região da
observadores lançaram pequenas bombas manualmente. Os turcos, que península
balcânica. De fato,
tinham sido vitimados pelos aviões italianos na Líbia, agora ostentavam 20 foi uma disputa
aparelhos fabricados na França, e 8 pilotos aí treinados. Ainda nesse conflito, entre Sérvia,
Montenegro,
a Grécia realizou, no mar Egeu, o primeiro ataque aeronaval da história contra Grécia, Romênia,
uma canhoneira turca, utilizando um hidroplano Farman. Turquia e Bulgária
pela posse dos
territórios
remanescentes do
A Guerra dos Bálcãs ofereceu o último laboratório pré-Grande Império Otomano.
Guerra para experimentos do Poder Aéreo.
De um lado, a Liga
Balcânica formada
por Grécia, Sérvia,
Bulgária e
Montenegro,
reivindicava
melhor tratamento
aos cristãos na
Macedônia turca,
porém seu
objetivo claro era
a conquista
territorial; de outro,
estava a
enfraquecida
O bombardeio aéreo era feito de forma bastante precária em razão das muitas limitações Turquia, já em
de peso das primeiras aeronaves. Mesmo com baixo impacto, as granadas surtiam grande guerra com a Itália
efeito psicológico sobre as forças de superfície. na Líbia.

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Embora distantes do velho continente, muitos países da América Latina não


tardaram a perceber as vantagens do uso do avião em suas forças armadas.
Episódio pouco conhecido pela história da aviação, a Revolução Mexicana
(1910-1917) foi o palco do primeiro emprego bélico do avião nas Américas.
Em 14 de abril de 1914, o capitão Gustavo Salinas Camiña, em seu biplano
Sonora, realizou lançamento manual de bombas sobre a canhoneira naval
Guerrero. Os danos à embarcação, partidária do regime ditatorial huertista,
foram mínimos, mas o pânico causado na tripulação determinou sua pronta
evasão mar afora.
Na América do Sul, o Brasil foi o primeiro país a empregar aviões em um
teatro de operações. O episódio se deu na Guerra do Contestado (1912-1916),
uma revolta sertaneja de caráter messiânico ocorrida no interior de Santa México 1914 - primeiro
Catarina. O Exército Brasileiro mal havia organizado sua aviação militar, mas emprego da aviação em
um conflito americano
ousou empregar aeroplanos em missões de reconhecimento. A inspiração
vinha das notícias dos primeiros empregos aéreos ocorridos na Europa no
começo da Guerra Mundial. Na oportunidade pereceu o tenente Ricardo Kirk,
primeiro aviador do Exército Brasileiro, vitimado por um acidente durante
um pouso de emergência na mata. Kirk voava para uma inédita missão de
bombardeio a um reduto de guerrilheiros.

1.2 – Prelúdio do conflito no céu


Quais eram as concepções de emprego da aviação e como se encontrava o Ten Ricardo Kirk
preparo aeronáutico das potências europeias?

O avião foi inventado na primeira década do século XX, e seu


desenvolvimento se deu, inicialmente, voltado para a atividade desportiva.
Desta forma, os aviões do período que antecede a Grande Guerra
encontravam-se num estágio de desenvolvimento muito primitivo, sem
condições efetivas de desempenhar maior relevo nos campos de batalha.
Enquanto na superfície as tropas vivenciavam modernos equipamentos da era
do aço, nos céus as máquinas voadoras eram veículos frágeis, lentos, feitos
de madeira, lona e arames. Apenas os motores constituíam pesadas partes
metálicas.

Antes da eclosão da guerra, apenas visionários enxergavam as


possibilidades do avião como equipamento militar. Contudo,
alguns poucos generais já haviam entrevisto a superioridade do
avião em relação à cavalaria nas missões de reconhecimento.

Inicialmente não se concebia o uso vantajoso de aviões no campo de batalha, senão para
as operações de reconhecimento e observação dos movimentos do inimigo. Com efeito,
artilheiros também já haviam percebido que o avião poderia ser bastante útil na regulagem
da mira de canhões. O avião também podia ser utilizado com vantagem para ações
psicológicas, contra o moral do inimigo. A panfletagem atrás das linhas inimigas tinha se
revelado uma ação vantajosa na Guerra Ítalo-Turca. Quanto à utilização para missões de
bombardeio, embora se mostrasse promissora, devido ao baixo peso de carga dos aviões
da época, pouco dano material era atingido, somente grande pânico às tropas terrestres.

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Até a Primeira Guerra Mundial, se concebia o emprego do avião no campo de batalha


para as seguintes finalidades:

 Reconhecimento (escoteiros), ,,

 Observação dos movimentos do inimigo,


 Apoio ao fogo da artilharia,
 Lançamento de panfletos,
 Bombardeio de baixo impacto.

Numa época em que o reconhecimento era a missão primordial


da aviação, os oficiais observadores eram figuras mais
importantes que os pilotos.

No início da segunda década do século XX, era muito presente a possibilidade


de guerra na Europa. As potências vivenciavam uma corrida armamentista.
Ao se prepararem para o conflito, os chefes militares previam que teria lugar
uma guerra de trincheiras, e de fato foi o caráter predominante da Grande
Guerra no front oeste. Devido a tal entendimento, a observação aérea das
tropas inimigas passou a ser vista como de fundamental importância para a
tomada de decisões.

A inevitabilidade de um conflito na Europa precipitou muitos


investimentos militares por parte das potências contenciosas. No
campo da aviação, embora ainda pouco acreditada, não foi
diferente.

Irrefutavelmente a França era o berço da aviação mundial.


Lá, efetivamente, decolaram com sucesso as primeiras
máquinas mais pesadas que o ar. Baseado em sua forte
vocação aeronáutica, o país, no período de 1910 a 1914,
investiu bastante em sua Aviation Militaire, bem como em
toda sua infraestrutura aeronáutica.
Projetos e motores aeronáuticos franceses eram tidos como
os melhores, pois aí se desenvolveu a mais pujante indústria Morane-Saulnier type H - 1913
de aviões do mundo. Muitas e famosas eram as marcas de
projetistas franceses: Blériot, Nieuport, Morane-Saulnier,
Caudron, Farman, Voisin, Deperdussin, Breguet, SPAD.
Construtores franceses vendiam aeroplanos para todo o
mundo e ainda criavam suas próprias escolas de voo.
As escolas francesas de aviação, em Etampes e Pau, foram
as primeiras no mundo, sendo a referência mundial quando Caudron G3 - 1914
se buscava a iniciação na arte de voar e, por fim, obter um
brevet com reconhecimento internacional.

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A partir de 1912, forças militares de diversas partes do mundo enviaram seus oficiais para
curso nas afamadas escolas de Louis Blériot e de Henri Farman.

No período que precede a Primeira Guerra Mundial, a França


era, sem sombra de dúvidas, o centro mundial de aviação e
maior potência aérea. No verão de 1914, a Aviation Militaire
reunia cerca de 300 aeronaves, com 220 aviadores bem
treinados vestindo o uniforme francês.

A predominância francesa deixou o resto da Europa sem outra escolha senão investir mais
em aviação. O potencial do avião permanecia incerto, mas não valia a pena deixar um
provável inimigo avançar muito longe.
E como se situava o preparo aeronáutico da Alemanha para a guerra?
O Serviço Aéreo do Exército Imperial da Alemanha, denominado Luftstreitkrätfte, foi
iniciado em 1910. O Estado-Maior alemão também considerava os aeroplanos para
funções reconhecimento, comunicação e orientação de artilharia. Assim como os
franceses, alemães buscaram incentivar seus construtores de aviões, dentre estes a
Albatros e a Rumpler. No auge do verão de 1914, a Luftstreitkrätfte possuía um efetivo
de 250 pilotos e mais 270 observadores, operando mais de 230 aviões, quase todos de 2
lugares destinados a missões de observação.
Em certo momento, as universidades alemãs de Göttingen, Aachen e Berlim haviam
assumido a dianteira em pesquisas de aerodinâmica e desenvolvimento de materiais
aeronáuticos. Em complemento às iniciativas universitárias, uma agência governamental,
a Deutsche Versuchsantalt fur Luftfahrt, estabeleceu um laboratório aeronáutico em
Aldershof.

Albatross B1 - 1914
Rumpler-Taube - 1913

Em números absolutos e desenvolvimento de equipamentos, a


Alemanha rivalizava com a França como principal potência
aérea. Os investimentos alemães na aviação, no período de
1908 a 1913, chegaram a ser superiores aos franceses.

A Alemanha também se destacava por ter atingido a vanguarda em matéria


de dirigíveis de estrutura rígida, os famosos Zeppelins. Tudo se deu graças ao
empenho do conde Ferdinand von Zeppelin, que inicialmente gastou parte de
sua fortuna no desenvolvimento de seus dirigíveis para transporte de
passageiros e, também, para fins militares.
A partir de 1908, depois de obter maturidade em seus projetos, o conde passou
a contar com o apoio financeiro do governo alemão. Sua empresa decolou, e Von Zeppelin
seus dirigíveis se transformaram em orgulho nacional. Tudo indicava que os
generais alemães acreditavam muito mais no potencial militar dos dirigíveis
de Zeppelin do que no dos aviões.

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Franceses e ingleses estavam muito mais preocupados com os dirigíveis do


que com os aviões alemães. Eles entreviam o potencial dos Zeppelins em
realizar ações estratégicas de bombardeio, ataques aeronavais e até
desembarque de tropas. Porém, os estrategistas alemães ainda ignoravam a
opção de ataques de longa distância no território inimigo. Pensavam,
inicialmente, numa frota de Zeppelins para operar dando apoio às operações
do exército no front, ou bem próximo dele.

Às portas da Grande Guerra, dois países se destacavam por seu


preparo aeronáutico: França e Alemanha.

Quanto ao Reino Unido da Grã-Bretanha, embora tenha constituído duas


aviações militares, sua preocupação maior era manter a supremacia naval. A
criação do Royal Naval Air Service objetivava muito mais apoiar a Royal
Navy do que constituir uma arma aérea ofensiva no mar.
Com parcos incentivos governamentais, a indústria aeronáutica britânica era
incipiente. Poucos eram os fabricantes, e estes ainda realizavam poucos
avanços. Em 1914, o Royal Flying Corps possuía apenas 138 aviões, sendo a
maioria de treinamento. A Royal Naval Air Service empregava 50 aviões,
dando preferência aos aerobotes. Cabe destacar que os melhores aviões em
serviço nas forças britânicas eram de fabricação francesa.

De Havilland BE 1 - 1911 Vickers EFB2 BE 1 - 1913

Outros países da Europa também realizavam consideráveis investimentos


aeronáuticos, dentre eles estavam a Rússia e a Itália. A Rússia czarista
rivalizava com a Alemanha em centro de pesquisas e também em número de
aviões, embora estes fossem na maioria máquinas francesas ultrapassadas.
Quanto aos Estados Unidos, que entrariam na Grande Guerra somente em
1917, o desenvolvimento de sua aviação permaneceu retardado. Isso
aconteceu justamente devido às muitas ações judiciais promovidas pelos
irmãos Wright, que cercearam, em muito, as iniciativas aeronáuticas. Eles
evocavam direitos de patente sobre a construção de quaisquer máquinas
voadoras em seu país, e até na Europa. Acabaram deixando aquele país em
sensível atraso em relação aos países europeus.

Os EUA entrariam na Grande Guerra aérea apenas com pilotos


em serviço na aviação francesa, pois não possuíam nenhum
avião avançado capaz de entrar em combate. A indústria
aeronáutica norte-americana somente recuperaria o tempo
perdido nos anos 20.

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2. Inventando a Grande Guerra Aérea

Quando rebentou a Primeira Guerra Mundial, os aviões de todos os países


beligerantes eram semelhantes, sobretudo em suas imperfeições. Eram fracos,
pequenos, lentos e muito instáveis. Nenhum estava armado, pois os
estrategistas militares desconfiavam do avião e apenas lhe confiavam a ele
missões de reconhecimento. Este instrumento, porém, em pouco tempo, se
revelou tão útil que todos os países o exigiam cada vez mais para o campo de
batalha. Passados poucos meses do início da guerra, as capacitações do avião
de reconhecimento foram melhoradas pelo advento da fotografia aérea, que
possibilitou a montagem de mapas extremamente detalhados do terreno e das
posições inimigas. Os primeiros aviões de observação eram operados por dois
tripulantes, um piloto e um observador.

A primeira “arma” de grande utilidade a equipar os aviões militares foram as


câmeras fotográficas. O reconhecimento e a observação muito progrediram
graças às fotografias aéreas, o que convenceu cada vez os generais da
necessidade da incorporação do avião aos exércitos.

O reconhecimento aéreo desempenhou um papel fundamental nos


movimentos iniciais da guerra, auxiliando os aliados a deter o avanço alemão
no território francês. Em 22 de agosto de 1914, um voo de reconhecimento
da Royal Flying Corps detectou que o general alemão Von Kluck preparava
seu exército para um ataque às tropas britânicas, contrariando todos os
informes do seu serviço de inteligência. O Alto Comando britânico
considerou o teor do relatório e começou a retirada em direção a Mons,
poupando a vida de 100 mil soldados.
A manobra de Von Kluck, a conversão para o sul do I Exército alemão, em direção à
Paris, só foi percebida pelos franceses graças às fotografias aéreas. Pouco tempo depois,
na primeira Batalha do Marne, em setembro de 1914, voos de observação franceses
detectaram os pontos fracos e os flancos expostos nas linhas alemãs, permitindo aos
aliados tirar proveito deles. O bem planejado contra-ataque francês obrigou o recuo do
Exército alemão que ameaçava cercar Paris.

Informações aéreas foram decisivas para a contenção da


ofensiva alemã no Marne, a primeira grande batalha da Frente
Ocidental. O episódio ficou conhecido como o “Milagre do
Marne”. A partir daí, termina a fase de movimentos e tem início
a guerra de trincheiras. Caudron
G3

Enquanto isso, de outro lado, na Frente Oriental, desta vez foram os alemães os
beneficiados por seus aviões. Aviadores a bordo de Taubes, detectaram o avanço do
Exército russo para a Batalha de Tannenberg. Os russos também operavam aviões, mas
o general Alexander Samsonov, tragicamente, ignorou as informações fornecidas por
seus pilotos.

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Por sua vez, o marechal Von Hindenburg, valorizando suas informações


aéreas, melhor posicionou seu exército buscando a batalha decisiva de
Tannenberg. Aí, em fins de agosto de 1914, quase todo o exército de
Samsonov foi morto ou capturado. Desesperado e se sentindo culpado pelo
fracasso militar, o general russo cometeu suicídio.

Após a estupenda vitória alemã contra os russos, o marechal


Von Hindenburg declarou: "sem os aviadores não teria havido
Tannenberg”. Marechal
Von Hindernburg

Depois das batalhas do Marne e de Tannenberg, a guerra de movimento teve


seu fim, graças, em boa parte, à aviação. A partir de então, comandantes
militares de ambos os lados rapidamente perceberam ser o avião
indispensável para a continuidade daquela guerra. O emprego do avião no
campo de batalha permitia conhecer, antecipadamente, as posições e
movimentos do inimigo, permitindo um melhor planejamento das missões
defensivas. Jamais os generais tinham contado com uma ferramenta militar
tão poderosa.
MOTORES RADIAIS
O avião, por meio das missões de observação e ROTATIVOS
reconhecimento, era capaz de neutralizar um importante
A França, por meio das
princípio de guerra: o elemento “surpresa”, fator indispensável marcas Gnome e Le
ao sucesso de quaisquer ações ofensivas. Rhône, se destacava na
produção desses motores,
que permitiam atingir
níveis de potência
elevados para a época.
Sua principal
característica eram os
cilindros dispostos em
círculo sobre o eixo,
sendo que o bloco do
motor rodava solidário
com a hélice. O bloco era
fundido em liga de ferro e
níquel, logo muito pesado.
Quanto maior o conjunto
de cilindros, maior o efeito
giroscópio durante a
aceleração, provocando
forças que
desestabilizavam a
aeronave em voo.
Outra característica
O avião tornou-se, inicialmente, um instrumento fundamental para se neutralizar o fator indesejável era o
surpresa no teatro de operações. Conseguiam-se, antecipadamente, sob uma condição constante desgaste do
privilegiada, informações cruciais para o planejamento da guerra. eixo pela ação centrífuga
do lubrificante. Havia
perda contínua de óleo
Até o outono de 1914, o palco da guerra estava restrito à superfície, e o avião pelos cabeçotes, lançando
uma névoa de óleo sobre
era apenas uma plataforma de apoio ao combate. A guerra, propriamente dita, o caput que, aos poucos,
ainda não havia atingido os céus. O espaço aéreo permanecia um ambiente inundava a face e os
óculos dos pilotos.
sereno e pacífico. A maior parte das aplicações previstas para a aviação Contudo, era uma
militar – reconhecimento, direcionamento da artilharia, ataque ao solo e máquina simples, de fácil
manutenção, reparo e
bombardeio – havia sido imaginada antes da Grande Guerra. Estranhamente troca de peças.
ninguém havia pensado em uma aviação de caça.

13
História Militar MundiaI

2.1 – No tempo das carabinas


Com o terrível impasse da guerra de trincheiras, o voo de observação passou
a ser o único modo de infiltrar-se além das linhas inimigas. Uma boa altitude
era a garantia contra disparos do inimigo vindos do chão. Missões de
reconhecimento eram arriscadas, contudo, pouco emocionantes. Quando
aviões adversários se cruzavam nos céus, pilotos e observadores, de ambos
os lados, saudavam-se amigavelmente. Na nobre atividade aeronáutica,
apesar dos horrores da guerra, gestos de educação e cavalheirismo eram
recomendados.

O reconhecimento era a missão aérea mais importante. Uma das


preciosas ferramentas do serviço de inteligência. Ao mesmo
tempo, tornou-se imperativo impedir que a aviação inimiga
sobrevoasse seu território e observasse a movimentação e o
posicionamento de suas tropas.

Tudo começou a mudar quando os aviadores decidiram levar armas


individuais nos voos para o caso de um pouso forçado em terreno hostil. A
ideia de prejudicar o reconhecimento aéreo do inimigo veio à cabeça. Os
franceses foram os primeiros a pensar nessa possibilidade. Inicialmente
levaram suas pistolas pessoais, depois carabinas, e, por fim, metralhadoras se
mostraram mais eficazes. Em pouco tempo, aviões de ambos os lados
trocavam tiros em voo. E assim, pela primeira vez na história, o céu foi se
transformando em um campo de batalha.
O aparecimento da guerra aérea era algo inevitável, conforme haviam
previsto alguns visionários como o capitão Bertram Dikson do Royal Flying
Corps, ainda em 1911: Cap Bertram Dikson

“No caso de uma guerra européia, entre os dois países, ambos os lados
seriam equipados com grande corpo de aviões, cada um tentando obter
informações sobre os outros (...) esforços que cada um iria exercer, a fim
de dificultar ou impedir o inimigo de obtenção de informações (...) levaria
a um resultado inevitável de uma guerra no ar, para uma supremacia do
ar, aviões armados uns contra os outros. Esta luta pela supremacia do ar
nas guerras futuras será da maior importância”.

14
História Militar MundiaI

Mas os pilotos não conseguiam manejar a aeronave e o armamento ao mesmo


tempo. Logo, observadores e mecânicos assumiram a função de artilheiros.
E, assim, aviões de reconhecimento biplaces foram se transformando nos
primeiros aviões de combate. Os franceses foram os primeiros a pensar numa
“aviação de caça”, introduzindo o termo para missões aéreas destinadas a
abater aviões inimigos. Os generais do Exército francês não davam crédito a
tais iniciativas, pois julgavam que enfrentamentos nada renderiam e ainda
poderiam desestimular as missões de observação.

As missões de voo deveriam prioritariamente observar o


território ocupado, depois lançar algumas bombinhas de efeito
moral. Após isso, caso encontrassem uma aeronave hostil,
poderiam então fustigá-las atirando.

Em agosto de 1914, aviadores franceses já vislumbravam a evolução dos


combates maquinando engenhos para equipar seus aviões com armas mais
eficientes. Esquadrões de aviação do Exército da França se lançaram na
precária instalação de metralhadoras em seus aviões. Novamente, pilotos
alemães seriam surpreendidos em voo. E assim, no dia 5 de outubro de 1914,
deu-se o primeiro combate aéreo bem sucedido. O piloto francês sargento
Joseph Frantz e seu e mecânico Louis Quenault, encontraram um Aviatik
alemão nas proximidades de Reims, norte da França. Os franceses se
lançaram ao combate disparando, freneticamente, sua metralhadora Hotchkiss
em voo picado contra o avião inimigo. Os alemães só puderam responder com
tiros de carabina e tentar fugir para seu território. Em poucos minutos de
perseguição e trocas de tiros, o avião alemão, bastante atingido, mergulhou
em direção ao solo, assinalando a primeira vitória aérea da história.

O primeiro combate aéreo bem sucedido aconteceu no norte da


França, em 5 outubro de 1914. Um avião francês logrou abater Sgt Joseph Frantz e Louis
o primeiro inimigo em voo. Quenault foram os
primeiros a derrubar um
avião em combate.
Os franceses operavam um Voisin 5 com hélice traseira impulsora e uma
metralhadora instalada na dianteira da fuselagem. A aeronave alemã caiu em
território ocupado pelos franceses e logo ardeu em chamas. No interior do
Aviatik, achavam-se dois corpos carbonizados, depois identificados como o
do tenente Fritz Von Zangen e do sargento Wilhelm Schlichting. O feito foi
comemorado efusivamente pelas tropas francesas. Frantz e Quenault se
tornaram heróis condecorados e logo seus colegas buscavam replicar o feito.

Voisin Type 5
Aviatik DI 1914

15
História Militar MundiaI

Era preciso aumentar o poder de fogo, mas instalar uma pesada metralhadora naqueles
leves aviões ainda era uma tarefa complicada. Os primeiros aviões armados, em sua
maioria biplaces, levavam uma metralhadora montada no cockpit traseiro, e os tiros eram
disparados pela traseira e laterais do avião. Tal posicionamento não se mostrava
vantajoso. Desejava-se montar a metralhadora na frente do avião, mas aí havia a hélice.
Somente aviões com hélice impulsora – voltadas para trás - permitiam montar uma arma
na frente. Não obstante, aviões impulsores apresentavam um desempenho bastante
inferior no voo.
Vejamos como eram os primeiros aviões de reconhecimento armado:

Albatros – C.II De Havilland Airco DH2


Trator com metralhadora traseira Impulsor com metralhadora dianteira

A guerra área se estabelece diante da necessidade de se


combater, ou “caçar”, os aviões de reconhecimento do inimigo.
Em razão disso, o outro lado sente a necessidade de proteger
seus voos de observação, instituindo uma escolta aérea armada.
Surgiu assim uma aviação destinada ao combate aéreo: a
aviação de caça.

Os aviões de hélice tratora – no nariz – se revelam superiores no combate


aéreo. São mais rápidos e manobráveis. Por outro lado, o lugar ideal para a
metralhadora era também na frente do avião. Desta maneira, o piloto
posiciona o avião e ele mesmo puxa o gatilho. Entretanto, não existia um
mecanismo que possibilitasse realizar os disparos através da hélice em
movimento. Os pilotos atingiriam suas próprias pás, e isso poderia ser fatal.
Diante de tal desafio, o aviador francês Roland Garros idealizou um sistema
de cunhas de aço defletoras instaladas na linha de tiro das pás. Assim os
projéteis que atingissem a hélice eram instantaneamente desviados. Garros
equipou um Morane-Saulnier type L, conhecido como MS Parasol, com tal
artefato e decolou para o combate com uma arma que atirava através do arco
da hélice, algo inédito.

Durante 18 dias de abril de 1915, o piloto francês dominou os


ares no front, abatendo facilmente três aeronaves inimigas, fato
que impressionou os alemães. Garros, com isso, confirmou a
eficácia da configuração ideal para um avião de combate –
monoposto, de hélice tratora e equipado com uma metralhadora
frontal operada pelo piloto.

16
História Militar MundiaI

O mecanismo concebido por Roland Garros permitia o tiro frontal pelo arco da hélice que era protegida pela
instalação de cunhas defletoras na linha de tiro, ricocheteando os projéteis no momento da passagem da pá.

Entretanto, o mecanismo se mostrava temerário, com balas, por vezes,


desviadas em trajetória perigosa, conforme observou Adolphe Pégaud, outro
aviador francês que utilizou o mecanismo de Garros em sua aeronave: “Com
frequência, ouço o assovio do projétil perto do meu ouvido. Algumas vezes,
temo que esteja mais preparado para derrubar a mim mesmo do que para
derrubar minha almejada vítima”. Após grande desempenho nos ares do
front, Roland Garros teve seu avião atingido pela artilharia antiaérea alemã.

O nome nos faz lembrar um conhecido torneio


de tênis do circuito do Grand Slam. A
competição, realizada em Paris, homenageia
o ilustre tenista e aviador francês do início do
século XX. Roland Garros foi um pioneiro da
aviação francesa, iniciando sua carreira em
1909, voando um Demoiselle nº. 20. Tornou-
se o primeiro piloto operacional desta
aeronave depois do próprio Santos Dumont.
Em 1912, teve breve passagem pelo Brasil
para divulgar a aviação, participando da
primeira corrida aérea de São Paulo a Santos.
Retornando à Europa, ficou ainda mais famoso ao realizar a primeira travessia aérea do
Mar Mediterrâneo, em 1913, em um Morane-Saulnier G. A eclosão da Grande Guerra fez
dele piloto militar, logo se consagrando como um às. Abatido pelos alemães, foi feito
prisioneiro. Na tentativa de ocultar seu inovador mecanismo do inimigo, tentou destruir
seu avião ao ser capturado. Conseguiu fugir, retomando seu posto na esquadrilha. Foi
morto durante um combate aéreo sobre a Bélgica, apenas um mês antes do armistício.

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História Militar MundiaI

2.2 – O primeiro avião de caça


Os militares alemães enviaram o avião de Roland Garros para Anton Fokker,
um projetista holandês a serviço do Império alemão. Tendo recebido a ordem
para adaptar o sistema aos novos aviões da Luftstreitkrätfte, Fokker ficou
horrorizado com a engenhoca concebida pelo francês. Engenheiro talentoso,
rapidamente idealizou um mecanismo sincronizador da metralhadora com a
hélice. Instalou-o e testou em um monoplano por ele projetado, o Fokker
Eindecker I.
O holandês apresentou seu sistema em um campo de provas aos generais
alemães realizando disparos através da hélice em movimento. Os generais,
bastante céticos, duvidaram de sua eficácia e exigiram que o aparelho fosse
testado por ele em combate, atirando contra os aviões inimigos.Embora
também fosse um aviador, Anton Fokker recusou-se a testar sua aeronave em Anton Fokker
combate. Sentiu aversão à matança da guerra e alegou ser apenas um civil
estrangeiro.
DO ALEMÃO
Apresenta-se, então, um voluntário para testar o mecanismo em combate, o
capitão Oswald Boelcke. Aviador experiente, Boelcke ficou maravilhado Eindecker = monoplano
Doppeldecker = biplano
com o desempenho do avião de Fokker. “É uma verdadeira metralhadora Dreidecker = triplano
voadora” – disse o capitão. Inicialmente, o mecanismo apresentou algumas
imperfeições catastróficas. A arma travava em operação, mas, com o tempo,
o mecanismo foi sendo aperfeiçoado.

O engenheiro holandês Anton Fokker revolucionou a guerra


aérea com seu sistema que acionava movimentos de alavanca
somente disparando a metralhadora no momento em que as pás
da hélice não estivessem na linha de tiro.
Nos testes iniciais, a aeronave armada mostrou-se um sucesso.
E assim os alemães criaram aquele que foi considerado, de fato,
o primeiro avião de caça da história: o Fokker Eindecker I.
Começava uma nova era na aviação.

Fokker E. I
O mês de julho de 1915 marca o início da entrada em operação das primeiras
unidades do Fokker E. I no front. Equipado com suas mortíferas
metralhadoras Spandau sincronizadas, o avião causou enorme impacto no
quadro geral da guerra aérea. Eram as primeiras armas aéreas efetivas,
autênticas aeronaves de caça. A balança da guerra no ar começou a pender
favoravelmente para os hunos ou boches, como os franceses e ingleses
chamavam pejorativamente os alemães.
No outono de 1916, começam a chegar centenas de novos Fokkers, em
versões cada vez mais avançadas, o E.II e o E.II, para compor as primeiras
unidades especializadas no combate, denominadas em alemão de Jagdstaffel,
(esquadrilha de caça), ou simplesmente JASTA. Além de uma organização
especializada, voltada para o combate aéreo, os alemães tinham uma máquina
muito superior à dos aliados. A superioridade do equipamento alemão se
refletiu no sucesso das missões de patrulha e no resultado dos confrontos
aéreos. Pilotos franceses e ingleses se tornaram alvos fáceis para qualquer
piloto alemão no comando de um Fokker E. III.

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História Militar MundiaI

Esta foi a época do famigerado “Flagelo Fokker”. Os ingleses tentaram


inovações com o Airco DH2, um impulsor com poderosa metralhadora
frontal. Os franceses apresentaram seus Neiuport, um trator, mas sua
metralhadora era montada sobre a asa, difícil de ser manejada. Ambos não
eram páreos para o desempenho e o poder de fogo dos caças Fokker.

O “Flagelo Fokker” foi o período, de julho de 1915 a julho de


1916, que marcou a superioridade aérea alemã na Primeira
Guerra Mundial em razão de seu equipamento. Os aliados não
possuíam um avião à altura para se contrapor ao desempenho
dos Fokker E. III nos combates aéreos.

Pilotos das Jagdstaffel começaram a se notabilizar no front da guerra aérea,


vivenciando, pela primeira vez, a glória e se tornando os primeiros grandes
ases da aviação de caça alemã: Oswald Boelcke e Max Immelmann. Este,
conhecido como a “Águia de Lille”, dominava a tática aérea, introduzindo
uma manobra que imortalizaria seu nome: o “Giro Immelmann”.
Embora vivenciassem a glória e a fama, entretanto, a carreira de um piloto de
caça era algo terrível. Um em cada quatro pilotos não sobrevivia à fase de Max Immelmann
treinamento. Na Inglaterra, a fase de treinamento era ainda mais mortífera,
ultimando cerca de 50% dos postulantes à carreira de aviador. Os acidentes
matavam muito mais que os combates reais. Era uma atividade de alto índice
de mortalidade. Sobreviver aos combates e ser bem sucedido era coisa para
poucos. Giro Immelmann
Uma rápida ascensão
Convencionou-se que o aviador que abatesse 5 aeronaves em meio looping,
inimigas receberia o título de “ás”. Contudo, a estatística seguido de rotação
apontava que só um piloto, a cada 20, tornava-se um “ás”. horizontal e mergulho
para confundir o
perseguidor que
estivesse na sua
2.3 – A era dos ases cauda.

A denominação de “ás” surgiu na França, e teve origem nos primeiros


desportistas que se tornavam hábeis aviadores. Inicialmente foi um termo
usado apenas no tênis desde o século XIX, para definir o saque certeiro ou os
jogadores com alta pontuação. Durante a Primeira Guerra Mundial, o “ás” se
tornou um título honorífico dado ao piloto que abatia alguns aviões inimigos
no ar. O primeiro aviador a ser referido como um “ás” foi Adolphe Celéstin
Pégoud, isso antes de os combates aéreos atingirem uma alta escala na guerra.
Certa vez, com 6 abates a seu crédito, um jornal francês se referiu a ele como
“L’As” ou “o ás da nossa aviação”.
A partir de então, o título passou a ser empregado para todo o piloto francês
que atingisse 5 vitórias aéreas. Logo, outras nações começaram a cultivar o
título para seus pilotos que também somavam 5 vitórias. Na Inglaterra, os
Adolphe Pégoud
pilotos com esta marca eram inicialmente chamados stars-turns (algo como
“estrelas de cinema”), mas logo adotaram o termo ace. Na Alemanha, foram
chamados de uberkanonen, ainda que fosse exigido um saldo maior para
merecer o título neste país, 10 vitórias em combate aéreo.

19
História Militar MundiaI

Quando os Estados Unidos entraram na guerra, em 1917,


adotaram a terminologia francesa e a mesma quantidade de 5
vitórias para o título de ás. Com o fim da guerra, o termo se
popularizou na aviação militar mundo afora.

As exigências para comprovar o abate de aviões inimigos variavam em cada


país: desde a “palavra de cavalheiro” do aviador, ou o testemunho dos
companheiros de esquadrilha, até mesmo escrever um relatório com o
máximo de detalhes possíveis. Quando um abate não podia ser comprovado,
era registrado como provável. Daí o motivo para alguns aviadores terem mais
vitórias “prováveis” do que oficiais.
Nos primórdios da aviação de caça, não havia técnicas ou regras
estabelecidas para os combates. Era tentativa e acerto, e um erro significava Adolphe Pegoud
morte certa. No decorrer da Primeira Guerra Mundial, a média de vida de recebendo a Croix
novo piloto na frente de combate era de apenas 3 semanas. Ser um piloto de de Guerre
caça exigia, além de habilidade e sangue frio, muita intrepidez. Os aviões
eram extremamente frágeis e inseguros, poucos eram os instrumentos de voo,
não havia suprimento de oxigênio para grandes altitudes. Os pilotos não
usavam paraquedas, porque isso transpareceria falta de coragem. Se houvesse
uma pane ou a aeronave fosse atingida, não havia como abandoná-la e salvar-
se.
Enquanto isso, como transcorria a guerra terrestre?

A ilusão de que a guerra de 1914-1918 seria divertida, edificante


e rápida, foi desfeita nas trincheiras. As batalhas do Somme, de
Verdun e Ypres revelaram- se como gigantescos massacres,
sem qualquer resultado decisivo. À custa de milhões de mortos,
avançavam-se apenas alguns metros de terreno. Não era
possível conceber atuações heroicas diante do morticínio das
trincheiras.
Em contrapartida, um novo armamento, que levou a um novo
tipo de combate, possibilitou reinventar o combate individual
heroico. A aviação de caça estimulou a imaginação do público,
ao recriar um heroísmo que se julgava perdido. Portanto,
enquanto os combates terrestres enterravam o heroísmo e a
honra, a aviação de caça os ressuscitava.

O duelo aéreo, ou dogfight, como diziam os ingleses, se apresentou como uma


nova e vibrante realidade da guerra. Max Immelmman e Oswald Boelcke
viraram celebridades na Alemanha, uma vez que haviam abatido muitos
aviões inimigos. No processo, acabaram por inovar e atingir algumas
premissas que governavam o combate aéreo, regras que iriam guiar gerações
de novos guerreiros. Chegara a vez da aviação de caça formular suas leis.

O conhecimento empírico dos pilotos alemães não demorou


para se tornar doutrina. Em setembro de 1916, o maior “ás”
alemão Oswald Boelcke introduziu a doutrina do combate aéreo.
Estabeleceu 8 regras e as publicou em um manual que ficou
conhecido como Dicta Boelcke.

20
História Militar MundiaI

Vejamos agora as regras preconizadas pelo mestre Oswald Boelcke:

1. Antes de atacar, obtenha a vantagem mantendo o sol atrás de você


para dissimular sua posição.
2. Persista sempre em posição de ataque. Se você fugir, torna-se um alvo
fácil.
3. Atire somente a curta distância, garantindo impacto e economia de
munição.
4. Atenção constante em seu adversário, cuidado com seus truques.
5. Ataque pela retaguarda na vulnerável posição 6 horas. Oswald Boelcke
6. Se for atacado, volte-se contra seu adversário. Force-o a ficar na defensiva.
7. Em céus inimigos, mantenha sua linha de retirada.
8. Em esquadrilhas, em princípio, ataque em grupo de 4 ou 6, com cada avião
definindo seu adversário para o combate individual.

No combate aéreo, Oswald Boelcke valorizava a altitude, preconizando um mergulho na


retaguarda do oponente, um ataque surpresa. Aplicando princípios táticos, Boelcke
acabou fazendo escola. O mestre simbolizava uma nova estirpe de guerreiro, um novo
tipo de herói. Adquirindo o reconhecimento de seus superiores, em meados de 1916, a
Luftstreitkräfte foi reorganizada, tomando como base as ideias de Boelcke.

Graças, em boa parte, à supremacia aérea, no verão 1916, a


Alemanha já controlava a Bélgica, Luxemburgo e boa parte do
nordeste da França. Enquanto isso, franceses e ingleses
buscavam o equilíbrio organizando também suas esquadrilhas
de caça.
A missão do piloto de caça era patrulhar os céus da zona de
guerra, impedindo as missões de reconhecimento do inimigo. A
superioridade aérea visava garantir o reconhecimento e a
observação aéreos.

Boelcke obteve a permissão do comandante do Alto Comando alemão para escolher os


pilotos que formariam uma esquadrilha especializada na caça, sob seu comando. Ele
iniciou então um tour, atravessando o front oriental, onde ele entrevistava jovens
candidatos. Quando retornou à Alemanha, já havia recrutado muitos jovens determinados
a seguir seu exemplo; em especial, encontrou um oficial da arma de Cavalaria, filho da
nobreza prussiana, seu nome era Manfred von Richthofen. Seria ele seu pupilo.

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História Militar MundiaI

Logo no início da Grande Guerra, com um campo de batalha


dominado pelas modernas metralhadoras, percebeu-se que a
Cavalaria, tradicional reduto da nobreza, havia se tornado
ineficaz. Muitos oficiais desta arma foram, então, dispensados
ou colocados na reserva. Richthohfen era um deles.

As Jagdstaffels eram organizadas em conjuntos de 12 a 18 aviões. Em agosto


de 1916, o capitão Boelcke assumiu o comando da JASTA 2. A missão de sua
esquadrilha estaria estritamente voltada para o combate aéreo. O objetivo era
livrar o espaço aéreo alemão de aviões aliados. Mas os pilotos ousavam fazer
mais, buscando fustigar tropas terrestres e atingir alguns alvos estratégicos. O trágico fim de
Os pilotos passaram a voar em formatura, em esquadrilhas taticamente Oswald Boelcke
dispostas para o combate aéreo. Numa tarde do outono de
1916, Boelcke partiu para
Aos poucos, a JASTA 2 tornou-se a unidade de elite da Luftstreitkräfte. sua sexta surtida do dia,
acompanhado por 2 de seus
Operando inicialmente o Fokker D.II, logo trocaria este pelos novos Albatros melhores pilotos, Manfred
D.I e D.II, armados com 2 metralhadoras sincronizadas Spandau. Mais do von Richthofen e Erwin
Böhme, e mais três alas.
que uma unidade de emprego, era uma escola de combate aéreo. Ao final da Ansioso para iniciar logo o
Grande Guerra, o esquadrão contava com 20 ases, somando um total de 336 ataque, quando sua patrulha
percebeu a proximidade dos
vitórias e apenas 44 baixas. Em um mês de operações, Boelcke abateu 10 caças ingleses, Boelcke não
aeronaves do Royal Flying Corps. Os pilotos do JASTA 2 voavam em prendeu corretamente seu
cinto de segurança.
formações disciplinadas, e Boelcke sempre relembrava as táticas a seus
Ao iniciar o ataque, Boelcke
comandados. Embora as vitórias se tornassem sucessos pessoais, a atitude de e Böhme, partiram em
Boelcke pode ser avaliada com base em suas próprias palavras: “Tudo direção ao mesmo alvo.
Richthofen iniciou seu
depende do modo como o Staffel se comporta em combate. Não importa quem mergulho, seguindo o trajeto
anota a vitória, contanto que o Staffel vença.” deste mesmo avião, quando
perseguia outro inimigo.
A supremacia alemã não durou muito. Na primavera de 1916, os aliados Boelcke, percebendo então
as perigosas aproximações,
encontraram um caça alemão abatido com a engrenagem de Fokker intacta e tentou virar, para evitar o
a copiaram. Os ingleses puderam a adotar o Sopwith Pup e o Royal Aircraft choque, mas o trem de
pouso da aeronave de
SE.5, biplanos tratores de maior eficiência, levando a guerra área a um maior Böhme rasgou a asa
equilíbrio. A guerra aérea havia ficado mais competitiva, marcando o fim do superior de Boelcke, e este
ficou com sua aeronave fora
“Flagelo Fokker”. Os combates, cada vez mais acirrados, exigiam maior de controle, mergulhando
habilidade e criatividade dos pilotos. Agora, ases dos dois lados brilhavam em direção às nuvens.

num azul cada vez mais sangrento. Quando a aeronave de


Boelcke emergiu das
nuvens, ela estava sem sua
asa superior. Boelcke então
No dia 18 de junho, Max Immelmann foi abatido pouco depois mergulhou em direção ao
de ter obtido sua 17ª vitória. A morte de Immelman em uma solo, conseguindo um pouso
forçado muito violento. O
batalha aérea assinalou o fim não-oficial do “Flagelo Fokker”. impacto do pouso, por si só,
não seria mortal, mas
Boelcke, por estar sem cinto
de segurança, bateu
À época, Oswald Boelcke já contava com 18 vitórias, fato que levou o kaiser fortemente a cabeça, vindo a
Guilherme II, a ordenar que o capitão permanecesse em terra por pelo menos morrer em conseqüência
deste trauma. Eles nunca
um mês, como precaução para que este não fosse abatido. Ele já era uma usavam capacetes em suas
celebridade nacional, e o Alto Comando alemão não queria correr o risco de missões. Pouco tempo
depois, o corpo de Boelcke,
perder este importante ícone público. O mestre, no entanto, não viveu o já sem vida, foi retirado do
bastante para assistir ao pleno desenvolvimento do sistema de JASTAs. avião.
Morreu em 28 de outubro de 1916, numa colisão com um avião de seu próprio
esquadrão.

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História Militar MundiaI

A brilhante carreira de Oswald Boelcke terminou aos 25 anos de idade,


possuindo um inédito saldo de 40 vitórias. Sua morte foi considerada uma
tragédia nacional. Toda a Alemanha chorou a perda do herói, a qual abalou
não só o moral de seu esquadrão, mas de todos os combatentes.

Dos primeiros combates aéreos, passando pelo “Flagelo Fokker”, até o final
do conflito, vivenciou-se um período que ficou conhecido como a “Era dos
Ases”. Pilotos tentavam, além vencer batalhas e permanecer vivos, superar as
marcas uns dos outros. A imprensa noticiava não apenas as vitórias dos
aviadores de seu país ou aliados, mas igualmente as dos inimigos. Daí a
importância das notícias tanto de morte de um ás inimigo por um nacional,
quanto à negação quando ocorria o oposto. Foi esse embate propagandístico
que alimentaria as polêmicas sobre as mortes de Max Immelmann, Albert
Ball, Georges Guynemer, e Manfred Von Richthofen.
A propaganda acerca dos feitos dos pilotos era intensa, notadamente entre
franceses e alemães. Havia até concorridos cartões postais com fotos dos ases
uniformizados portando condecorações. Apesar da ênfase no individual, a
caça era uma atividade a ser desenvolvida em equipe, como o próprio Boelcke
insistia. As patrulhas deveriam ser basicamente compostas por 4 aviões, 2
líderes e 2 alas. Os líderes atacavam, e os alas protegiam a retaguarda. Porém,
os ases solitários faziam muito mais sucesso aos olhos do público. Havia, no
âmbito das esquadrilhas, um debate teórico sobre os métodos e táticas da
aviação de caça.

O que seria melhor: ataque direto e calculado ou manobras acrobáticas?


Dos partidários da primeira posição, destacam-se os alemães Oswald
Boelcke, Manfred von Richthofen e os ingleses Edward Mannock e James
McCudden. Richthofen desprezava as acrobacias. Afirmavam que serviam
apenas para impressionar os civis. “Seria uma total perda de tempo. A única
função do piloto de caça era exterminar a oposição aérea”. As manobras de
voo teriam que ser pautadas pelo pragmatismo. Muito mais importante do que
aqueles ‘truques’, seriam uma boa pontaria e bom posicionamento.
McCudden resumiu isso em 1918: “bom voo nunca matou um huno ainda.”
Adeptos das manobras sofisticadas eram os alemães Ernst Udet, Werner Voss
e o francês Georges Guynemer. Este não apenas possuía uma habilidade
superlativa no voo, mas também conseguia posicionar-se de forma a sempre
se antecipar aos movimentos do adversário. Com a visão privilegiada de um
falcão, era quase impossível surpreendê-lo.

Mostrar-se um exímio acrobata parecia ser fundamental para se


obter vantagem em um combate aéreo. No entanto, os ases com
maiores escores eram os adeptos dos voos pragmáticos. Por
fim, ficou patente que, para ser um bom piloto de caça, seria
necessário uma combinação dos 2 estilos, além de muita sorte.

23
História Militar MundiaI

2.4 – Cavalheirismo e Código de Honra


Apesar de os combates aéreos se revelarem uma verdadeira matança, regras de
cavalheirismo eram especialmente observadas. Lembremos que, no início, pilotos
adversários até trocavam saudações quando se encontravam nos céus. A aviação de caça,
na Primeira Guerra Mundial, permitiu o resgate de velhas tradições dos guerreiros
medievais, valorizando concepções de nobreza e heroísmo. Desenvolveu-se um peculiar
código de honra próprio entre os pilotos de caça.
Nesse ambiente de duros e violentos combates, havia espaço para certo clima de
camaradagem e respeito mútuo entre aviadores de ambos os lados – obviamente, dentro
dos limites que o próprio conflito impunha. Dois conceitos foram extensamente evocados:
heroísmo e cavalheirismo. Salvo algumas exceções pontuais, o clima geral entre os
pilotos adversários era o de que, não fosse a guerra, todos poderiam ser grandes
companheiros.
Vejamos algumas práticas curiosas:
 Criou-se a tradição de festejar o piloto inimigo capturado com vida. Antes de o
prisioneiro ser enviado a um campo de prisioneiros, o esquadrão que o abateu lhe
fazia uma grande festa como muita bebedeira. Nessa celebração o inimigo não era
tratado como um prisioneiro, mas como um convidado de honra.
 Os adversários encontrados mortos no território deveriam ser enterrados com
plenas honras militares. O funeral do inimigo deveria ter a pompa proporcional à
sua fama. Se fosse um ás, deveria ser enterrado como um herói.
 Caso o inimigo morto fosse enterrado em seu próprio
território, a esquadrilha que o abateu deveria se fazer
presente em seu funeral, sendo organizada uma arriscada
incursão aérea com especial propósito de arremessar flores,
em rasante, sobre o túmulo.
 Também era comum às esquadrilhas trocarem
correspondências. As cartas eram jogadas dentro de
garrafas pelos aviões. Serviam para comunicar a morte ou
captura de pilotos; pedir informações sobre desaparecidos
além da linha de frente e, até para desafiar o inimigo para
duelos aéreos. Outros até faziam convites para partidas
desportivas.
 Durante o combate aéreo, o mais nobre objetivo era derrubar o avião inimigo e
não matar o piloto, embora muitos sentissem prazer com a morte pela vingança.
Alguns vencedores acompanhavam a queda do adversário até o solo, chegando a
pousar para verificar a morte ou prestar socorro. Uma vez em solo, o
cavalheirismo prevalecia, e as hostilidades eram suspensas. Jamais se poderia
metralhar um inimigo abatido em solo.

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História Militar MundiaI

Um exemplo clássico dos valores cultivados por aqueles homens foi o histórico duelo
travado entre o alemão Ernst Udet e o francês Georges Guynemer. Vejamos como foi
essa emblemática história:

Ernst Udet Georges Guynemer

ALBATROS DIII SPAD VII

O célebre encontro aconteceu em junho de 1917, na frente ocidental, sobre o território


francês. O tenente Udet fazia um solitário voo de patrulha em um Albatroz D III, a 5 mil metros de
altitude, quando avistou um ponto no céu. Era um avião inimigo, um SPAD VII francês. Ao se
aproximar, já em atitude de combate, reconheceu na fuselagem o número “2” e a cegonha com a
inscrição “Vieux Charles”, as marcas de Guynemer. Seu adversário era o temido capitão Georges
Guynemer, então, o maior dentre os ases franceses. Ele tinha a fama de ser um temido caçador
solitário, tendo abatido 30 aviões alemães, dentre estes o do tenente “Puz” Hänisch, grande amigo
de esquadrilha de Udet.
Tomado pelo ódio, Udet resolve vingar Hänisch, partindo para um implacável duelo. Ambos
manobram freneticamente os aviões buscando vantagem. Após exaustivas evoluções, Udet
surpreende-se com a grande habilidade do francês, reconhecendo sua superioridade. Enfim, por
alguns instantes, consegue tê-lo na mira e aperta o gatilho no manche, mas suas metralhadoras
travam. Essa era uma pane recorrente naquele equipamento. O alemão tentou, a todo custo,
desemperrar o mecanismo golpeando-o desesperadamente, mas o armamento continuava
inoperante. Agora, indefeso, ele era um alvo fácil para o francês.
Udet mantinha manobras evasivas tentando, ao mesmo tempo, destravar sua
metralhadora, quando notou que Guynemer se aproximava por cima e o observava. O francês
percebeu o problema de seu inimigo, desesperado, sem condição de combate. Novas manobras
acontecem, até que Guynemer executa uma nova passagem, uma aproximação de ataque em voo
invertido. Udet pressente que seu fim está próximo. De cabeça para baixo, Guynemer passa e
levanta a mão, fazendo um leve aceno para seu oponente. Em seguida, o francês mergulha para
o oeste e se evade em direção às suas linhas. Espantosamente Guynemer poupa a vida de seu
inimigo. Para o francês, atirar em um inimigo indefeso era prova de covardia. Udet registrou o
gesto de nobreza de seu adversário em suas memórias.

25
História Militar MundiaI

2.5 – O Barão Vermelho e seu Circo Voador


Comandada pelo lendário Barão Vermelho, a JASTA 11 foi a mais destemida e bem
sucedida unidade de caça alemã.
No outono de 1916, após 2 anos de conflito, a guerra aérea estava empatada.
Ingleses e franceses haviam avançado incrementando efetivos e produzindo
aeronaves cada vez melhores. A escassez de alimentos e combustíveis
atormentava o povo alemão. Após a trágica morte de Oswald Boelcke, a
Alemanha precisava forjar novos heróis. Em pouco tempo, um discípulo de
Boelcke se tornaria o maior mito da aviação da Primeira Guerra Mundial.
Manfred von Richthofen abateu 80 aviões inimigos. Ninguém, naquela
guerra, atingiu esta marca, sendo apontado como o maior de todos os ases.
Entretanto, ele não foi reconhecido apenas por ter sido um hábil piloto, mas
também como um grande líder. Ele transformou sua esquadrilha na mais bem
sucedida unidade caça da Grande Guerra. A Jagdstaffell 11, mais conhecida
como JASTA 11, era uma unidade de elite integrada pelos mais destemidos
aviadores da Alemanha, muitos deles filhos de aristocratas. Em 2 anos, sua Manfred Von
Richthofen
equipe abateu 350 aeronaves adversárias.
A JASTA 11 foi criada, em setembro de 1916, como parte do programa da Luftstreitkrätfte
de formar unidades de caça especializadas. Nos primeiros meses, Rudolf Lang liderou a
nova unidade, sem conquistas, até que, em janeiro de 1917, a função foi passada a
Richthofen. Ele já era um piloto reconhecido por ter derrubado 16 aviões inimigos e ser
agraciado pelo kaiser Guilherme II com a Ordem Pour Le Mérite, a mais alta
condecoração por bravura do Império alemão. Nada mau para quem entrara numa
aeronave pela primeira vez menos de 2 anos antes, em maio de 1915, desviando- se de
uma longa tradição cavalariana.
Como membro da nobreza, Richthofen ostentava o título de freiherr (barão),
concedido à sua família, em 1741, pelo rei da Prússia. Foi criado para Na época,
Breslau era uma
ingressar na cavalaria, seguindo seus antepassados. Nascido em 2 de maio de cidade do
1892, em Breslau, ia a caçadas nas florestas com o pai, Albrecht, um oficial Império alemão.
da cavalaria, para aprender a atirar. Aos 11 anos, entrou na escola de cadetes Hoje se chama
prussianos, onde foi um aluno mediano. Ao concluir seus estudos, em 1911, Wroclaw e está
ele foi designado como fähnrich (cadete-oficial) para o 1º Regimento Uhlan situada no
território da
de Cavalaria, que lhe proporcionava a oportunidade de praticar outro de seus Polônia.
hobbies: a montaria.

Manfred von Richthofen era o filho mais velho de uma aristocrática família
prussiana. O título nobiliárquico hereditário de freiherr - que pode ser
traduzido como barão - foi concedido à família pelo Imperador Frederico “O
Grande”, da Prússia.

Contudo, na guerra moderna que se avizinhava, a cavalaria não teria lugar frente às armas
modernas. Quando a guerra estourou, em 1914, a unidade foi enviada para lutar contra
os russos. A Richthofen cabia o trabalho de reconhecimento. Após ser condecorado com
a Cruz de Ferro de 2ª Classe, foi deslocado para a frente ocidental, onde atuou a
contragosto na retaguarda, no serviço de intendência. “Não vim para a guerra para
apanhar queijos e ovos”, escreveu a um superior ao pedir transferência para uma unidade

26
História Militar MundiaI

aérea. Após 2 meses de treinamento, participou de missões aéreas durante ofensiva em


direção a Brest-Litovsk. Na função de observador, não entrava diretamente nos conflitos.
Aquilo o angustiava, pois queria ser um piloto de combate.
Em seu primeiro voo solo, em outubro daquele ano, o jovem piloto danificou
o avião na aterrissagem. Depois de novas aulas, recebeu o certificado perto
do Natal. Em março de 1916, já pilotava um Albatros B.II. Um mês depois,
alvejou um Nieuport francês que sobrevoava Verdun, mas a vitória não foi
contabilizada. Mandado para o front russo, bombardeou estações ferroviárias,
atacou regimentos cossacos e destruiu pontes.

Mas ainda não era o que Richthofen sonhava. A oportunidade


chegou em agosto, quando Oswald Böelcke – maior ás alemão
da época ao lado de Max Immelmann – foi incumbido de recrutar Medalha Cruz de
talentos para formar a JASTA 2. Criador do Dicta Boelcke, Ferro
conjunto de regras para pilotos de caça, o veterano gostou
daquele jovem impetuoso.

A primeira vitória pessoal de Richthofen no novo esquadrão ocorreu na


manhã de 17 de setembro de 1916, ao derrubar uma aeronave inglesa. Em sua
precoce autobiografia, ele descreveu o episódio:

“Em uma fração de segundo, eu estava atrás dele com meu excelente
avião. Disparei rajadas com minha metralhadora. Eu estava tão próximo
Medalha Pour
do inglês que temia colidir com ele. De repente, quase gritei de alegria Le Merite
quando vi sua hélice parar. Eu tinha despedaçado seu motor, forçando-o
a pousar em nossas linhas. O observador morreu pouco depois e o piloto
faleceu enquanto estava sendo transportado para um hospital próximo.
Eu homenageei o inimigo colocando uma pedra em seu bonito túmulo”.

Homenagens aos oponentes viraram costume: além de pegar um pedaço do


avião que havia abatido como souvenir, mandava confeccionar uma taça de
prata com o tipo de aeronave destruída e a data.

A morte do mestre Oswald Boelcke foi um choque para toda a


nação, especialmente para Ritchthofen. Coube ao melhor
discípulo a honra de carregar as condecorações do herói
nacional durante o funeral.
Maj Lanoe Hawker

A perícia de Richthofen destacava-se. Em 2 meses, já havia derrubado 11


inimigos, entre eles o maior ás inglês, o major Lanoe Hawker, comandante
do 24° Esquadrão da Royal Flying Corps. Pousou ao lado do inimigo abatido
e, como recordação, levou para casa a metralhadora inutilizada do avião
britânico.

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História Militar MundiaI

A eficiência como aviador alçou-o ao comando de uma nova esquadrilha, a


JASTA 11. Contudo, esse foi um grande desafio para sua capacidade de
liderança. Ao assumir o comando, encontrou homens inexperientes que não
haviam derrubado nenhum avião inimigo. Operavam aviões obsoletos, os
Halberstadt D.II, que não se comparavam aos modernos Albatros D.II de
outras esquadrilhas privilegiadas. Era um grupo desmotivado, e seu desafio
era enorme. A pressão do Alto Comando alemão caiu sobre os ombros de
Richthofen. Ele buscou motivar seus homens exigindo coragem e
treinamento. A ajuda veio na forma de um novo avião, a mais nova geração
do Albatros, o D.III. Com este avião, conquistou sua primeira vitória para a
esquadrilha, acendendo motivação e confiança em seus homens.
Em seguida mandou pintar seu avião de um vibrante vermelho. Ele queria que
seu avião fosse reconhecido pelo inimigo. Os companheiros da unidade
pensaram em fazer o mesmo para que o comandante não virasse alvo fácil,
mas Richthofen proibiu. Para ter direito a personalizar a aeronave, o piloto
tinha de provar ser um exímio caçador. Isso provocou ainda mais a motivação
do grupo.
Os Aviões
do Barão
À medida que os pilotos fossem conquistando vitórias, adquiriam O triplano Fokker
permissão para personalizar a pintura de seus aviões. Contudo, Dreidecker I na cor
pintar a aeronave totalmente de vermelho era prerrogativa do vermelha celebrizou-
comandante. se como o a
aeronave do Barão
Vermelho. De fato, foi
nesta aeronave que
Sua tese era a de que passaria a ser temido nos céus. Teoria que se mostrou ele realizou seus
verdadeira ainda em janeiro de 1917, quando obrigou 2 oficiais ingleses a um últimos voos, nela
pouso forçado. “Foram os primeiros ingleses que eu trouxe ao solo com vida. perecendo em seu
derradeiro combate.
Perguntei-lhes se já tinham visto meu avião. ‘Ah, sim!’, disse um deles. ‘Eu
o conheço muito bem. Nós o chamamos de le petit rouge (o pequeno Entretanto, a maior
parte de sua bem
vermelho)”, escreveu ele, que logo seria conhecido como Barão Vermelho. sucedida campanha
aérea na JASTA 11
aconteceu a bordo de
Em pouco tempo, a JASTA 11 ganharia o apelido de Circo um Albatros D.III, um
Voador em função das cores berrantes das aeronaves de seus biplano, também
pilotos. Os aviadores não se preocupavam em camuflar as pintado na cor
aeronaves. A personalização nas pinturas das aeronaves vermelha.
evidenciava sua identidade e orgulho. O Albatros D.III foi a
aeronave padrão da
JASTA 11, e foi com
ela que se deu o
“Abril Sangrento”.
Os Fokkers Dr.I só
entraram em
operação em agosto
Albatroz DIII de 1917, substituindo
os Albatros. Embora
ficasse, a princípio
desconfiado, do
pequeno avião, logo
Richthofen acabou se
impressionando com
Fokker Dr I sua agilidade para o
combate.

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História Militar MundiaI

A JASTA 11 registrou suas maiores marcas no mês de abril de 1917,


conhecido com “Abril Sangrento”. Em confronto com britânicos, abateu 89
oponentes. Destes, 21 foram efetivados por Richthofen. A Grã-Bretanha
perdeu 316 pilotos e observadores, uma média superior a 10 militares mortos
ou capturados por dia. Os alemães teriam perdido, ao longo de todo o ano de
1917, 297 pilotos. A proporção das perdas suscitou inclusive a formação de
uma comissão de inquérito no Parlamento britânico. Acusações de
negligência criminosa foram feitas contra o comando do Corpo Aéreo.
Depois do “April Blood”, como as batalhas ficaram conhecidas entre os
ingleses, destruir o Barão Vermelho passou a ser uma obsessão. No dia 29 de
abril, ele abateu 4 adversários e, nesse dia, recebeu um telegrama do próprio
kaiser Guilherme II, lhe congratulando-o por ter ultrapassado a marca de 50
vitórias. Em junho, 4 esquadrilhas, as JASTAs 4, 6, 10 e 11, foram agrupadas
sob o comando do Barão Vermelho. Criava-se a unidade de esquadrão de
caça, a Jagdgeschwader 1 (JG 1), operando os mais modernos Albatros D.V.
Cap av Roy Brown

Na guerra aérea do front ocidental, o mês de abril de 1917 ficou


conhecido como o “Abril Sangrento” ("Bloody April"), em razão
das pesadas perdas sofridas pelos britânicos. Em combates
aéreos, o Royal Flying Corps perdeu três vezes mais pilotos que
a Luftstreitkräfte no mesmo período. O sucesso da guerra se
deu graças ao desempenho dos pilotos da JASTA 11,
comandados por Manfred von Richthofen.

Mas o Barão Vermelho parecia indestrutível, mesmo quando atingido, como,


em julho de 1917, na perseguição a um bombardeiro bimotor. “Eu tinha um
respeitável buraco em minha cabeça, onde se podia ver o osso claro de meu
crânio. Minha cabeça dura tinha me salvado mais uma vez”- brincou.
Na manhã de 21 de abril de 1918, a esquadrilha alemã iniciou um ataque a 15 Sopwith
Camels canadenses que faziam levantamento fotográfico. Richthofen posicionou-se atrás
do avião do tenente Wilford May, mas não viu quando o capitão Roy Brown entrou em
sua retaguarda e começou a disparar a metralhadora Vickers vigorosamente. O Fokker
Dr.I do Barão mergulhou. Em baixa altitude, próximo a Sailly-le-Sac, área da França
controlada por tropas australianas, a aeronave vermelha levou nova carga de tiros e
pousou suavemente.
Quando se aproximaram, os soldados britânicos viram o Barão morto no
cockpit. Era o fim de uma era e início de uma lenda. Tinha ele 25 anos de
idade. Embora tenha chegado ao solo praticamente inteiro, o Fokker Dr.I
vermelho acabou sendo praticamente desmanchado pelos caçadores de
lembranças e, quase imediatamente, iniciou-se uma terrível polêmica, que
dura até hoje, sobre quem efetivamente abateu Richthofen.
.
Até hoje, Austrália e Canadá disputam quem abateu o Barão
Vermelho, embora haja provas de que o projétil fatal, atingindo
seu coração, tenha partido de uma metralhadora Lewis, utilizada
pelas tropas da artilharia australiana. Este tiro foi atribuído ao
Sgt Robert Buie
sargento australiano Robert Buie.

29
História Militar MundiaI

Os britânicos, após confirmarem a identidade de Richthofen e efetuarem uma breve


necropsia, decidiram enterrar o inimigo caído com honras militares. Escoltado por
soldados australianos e conduzido por 6 capitães da RAF, seu caixão foi baixado em uma
sepultura individual no cemitério de Fricourt, no dia 22 de abril de 1918. No fim, a guarda
de honra deu uma salva de 21 tiros em sua homenagem. Fotografias foram tiradas do
funeral e, alguns dias depois, aviões britânicos as jogaram sobre a base aérea do
Jagdgeschwader 1, em Cappy, numa garrafa com a seguinte mensagem:

"Para a Luftstreitkrätfte:
Rittmeister Manfred Freiherr von Richthofen foi
morto em combate aéreo em 21 de abril de 1918.
Ele foi enterrado com todas as honras militares.
Assinado: British Royal Air Force."

Partes do lendário Fokker Dr I vermelho podem ser vistas na Austrália e no Canadá,


enquanto o motor permanece no Imperial War Museum, em Londres. Outras partes
repousam nas mãos de colecionadores particulares e, às vezes, vêm a leilão. Em 1925,
por pressão do povo alemão, o corpo foi trasladado e enterrado em Invalidenfriedhof,
principal cemitério de Berlim, após uma cerimônia em que foi escoltado por uma guarda
de honra. Seu nome batizou uma das melhores unidades aéreas da Luftwaffe na Segunda
Guerra. Após a derrota da Alemanha nazista, o monumento sobre seu túmulo foi destruído
pelos soviéticos. Mas as homenagens continuaram. Quando a nova Luftwaffe foi recriada,
no fim dos anos 50, sua primeira unidade recebeu o nome de JG 71 Richthofen.

Com a morte do Barão Vermelho, o comando da JASTA 11


passou por diversos nomes até o fim da guerra. Coube a Ernest
Udet, novo maior ás alemão, herdar a prerrogativa de voar um
avião vermelho. Ele apenas o diferenciou com a inscrição “LO!”,
em homenagem à sua amada esposa Lola Zink.

O balanço da guerra aérea no front ocidental, em diversos momentos, oscilou de um lado


para o outro, conforme novos projetos de aviões eram operacionalizados, dando
temporária vantagem sobre o oponente em termos de armamento e desempenho. Os
alemães tiveram dois períodos de incontestável superioridade nesse sentido:
 Verão de 1915 à primavera de 1916 - marcado pelo “Flagelo Fokker”.
 Outono de 1916 à primavera de 1917 - coincidindo com o “Abril Sangrento”.
A situação esteve mais equilibrada em outros tempos da guerra, embora, em meados de
1918, os aliados, sobretudo pela RAF, houvessem acumulado larga superioridade em
aviões e pilotos, algo que os alemães não podiam mais superar. O Império Alemão
capitulou em 11 de novembro.

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História Militar MundiaI

2.6 – O nascimento do Poder Aéreo Estratégico


O primeiro bombardeio aéreo da Grande Guerra se deu no início do ano de
1915. Foram utilizados 2 dirigíveis Zeppellins lançando 2,5 toneladas de
bombas sobre algumas cidades inglesas. Apenas 4 pessoas foram mortas, e os
danos materiais, inexpressivos. Tais missões foram intensificas ao longo dos
anos seguintes, sem resultados significativos além do grande pânico nas
populações. Antuérpia, na Bélgica, e Varsóvia, na Polônia, também sofreram
bombardeios aéreos alemães. Contudo, a partir de 1917, os Zeppellins se
mostraram bastante vulneráveis à interceptação de caças. Os pequenos aviões
haviam conquistado maior velocidade e teto de operação, colocando em risco
as missões estratégicas dos dirigíveis alemães.
1º min.
A ideia de se utilizar o avião para o bombardeio era antiga, porém, os David Lloyd
George
aparelhos de então não possuíam alcance e capacidade de carga adequados.
Grandes multimotores para lançamento de bombas já haviam sido construídos
por russos e italianos, testados sem muito crédito. Na Itália, a Caproni
construiu sua primeira grande aeronave em 1913. No entanto, mais uma vez,
os alemães deram o tom da inovação e desenvolveram o bimotor Gotha, que
entrou em operação em março de 1917. Este foi o primeiro avião bombardeiro
estratégico a ser empregado com sucesso na história da aviação. Ele podia
voar a 130 km/h, a uma altitude de 4.600m, e levar uma carga de bombas de
até 500 kg. Possuía uma autonomia de voo de até 6 horas.

LVG Siemens Gotha G.IV

Em 13 de junho de 1917, estes aviões deram mais uma prova de suas


possibilidades naquela guerra, modificando para sempre as perspectivas do
Poder Aéreo. Uma formação de 14 Gothas G.IV realizou uma bem sucedida
incursão sobre Londres, em plena luz do dia, despejando 118 bombas, que
resultou na morte de 162 pessoas. O esquadrão de bombardeiros alemães,
baseado na Bélgica, conseguiu retornar em segurança, apesar dos 100 caças
britânicos que decolaram em seu encalço.

A partir desse episódio, ficou evidente que a Grã-Bretanha não


era mais uma ilha a ser garantida apenas por sua grandiosa
Royal Navy, a mais poderosa marinha do mundo.

O bombardeio à capital inglesa provocou consternação nacional. Preocupado


com o impacto sobre o moral da população civil, que comprometeria também Gen Jan Smuts
a produção industrial, o primeiro-ministro, Davis Lloyd George, criou uma
comissão para estudar a melhor forma de defender seu país das agressões
vindas do ar, designando o general Jan Christian Smuts para a chefia. A

31
História Militar MundiaI

comissão, ficando conhecida como Comissão Smuts, produziu relatórios


indicando várias medidas para a defesa aérea.
Um dos relatórios recomendava ser a defesa contra ataques de bombardeiros
pouco efetiva, e a alternativa mais realista seria retaliar com bombardeios às
cidades alemãs. A conclusão do Relatório Smuts advogava o princípio da
ofensiva como melhor forma de defesa. Com efeito, a mais inovadora
proposta da Comissão Smuts indicava a necessidade de se constituir um
estado-maior especializado para lidar com a guerra aérea. Assim, a Royal Insígnia da RAF
Flying Corps e a Royal Navy Aviation Service deveriam ser fundidas numa
única e independente força aérea.

O Relatório Smuts tornou-se, assim, um documento clássico na A QUESTÃO DA


história do Poder Aéreo. Concretizando suas recomendações, FORÇA AÉREA MAIS
em 1º de abril de 1918, foi criada a Royal Air Force (RAF), a ANTIGA DO MUNDO
primeira força aérea independente do mundo.
Este é um tema polêmico.
Finlandeses e russos
denunciam que
O Relatório Smuts foi a primeira exposição sistemática de uma concepção de constituíram forças aéreas
emprego aéreo militar que, em diversas versões, foi chamado de bombardeio independentes antes da
criação da RAF.
estratégico. No entanto, o que deteve o bombardeio alemão não foi a ofensiva
Contudo, admitimos que o
retaliatória contra as cidades alemãs, mas sim a eficiente defesa aérea original processo de fusão
montada pelos britânicos. O contexto de ameaça dos bombardeiros alemães e autonomia da arma
aérea em relação à
sobre as cidades inglesas precipitou a concepção de um inédito sistema de marinha e ao exército se
defesa aérea integrado. Este consistia de várias estações de alarme e detecção deu de forma pioneira com
conectadas por telefones e telégrafos a um quartel–general em Londres, que, os britânicos.
por sua vez, se conectavam às bases dos esquadrões de caça de interceptação. Somente eles entreviram e
tomaram a iniciativa com
Estas bases aéreas, por seu turno, comunicavam-se com seus aviões em voo base na necessidade
através de rádio. estratégica de constituir
um estado-maior
autônomo e especializado
diante da nova realidade
Coube aos britânicos, não só a vanguarda na criação da primeira da guerra aérea.
força aérea autônoma, mas, sobretudo, na concepção de um
inédito sistema de defesa aérea.

Esse sistema se mostrou eficaz, uma vez que permitia aos caças britânicos
imporem severas baixas aos bombardeiros alemães. Os Gothas, por sua vez,
começaram a realizar missões noturnas. Esse procedimento, entretanto,
padecia de duas limitações. A primeira é que a precisão dos lançamentos, já
baixa durante o dia, reduzia-se drasticamente nas operações noturnas. As
baixas à população e os danos materiais causados pelos bombardeios alemães
ficaram inexpressivos. Além disso, as operações noturnas eram
extremamente inseguras, com altos índices de perdas por acidentes. No total,
os bombardeiros alemães retornariam à Inglaterra 52 vezes, mas seus efeitos
ficaram muito abaixo das terríveis expectativas concebidas no pré-guerra.
Entretanto, a operacionalização do bombardeio aéreo estratégico na Primeira Guerra
serviu como um ensaio geral para algo muito mais horrível, num futuro não muito
distante. Ninguém percebeu isso melhor do que os homens que tinham comandado os
bombardeiros. Somente no final de 1917, os bombardeiros ingleses Handley Page O/400
iniciavam ataques às bases de submarinos, entroncamentos ferroviários, campos de

32
História Militar MundiaI

manobras e centros industriais próximo ao front. Quanto à planejada retaliação de


bombardeios ingleses às cidade alemãs, estes não chegaram a se efetivar. Quando a guerra
se encerrou, a RAF ainda aguardava a chegada de centenas de Handley Page V/1500, um
superbombardeiro com 4 motores, capaz de ir a Berlim com uma carga de 1.500 kg de
bombas, e de lá voltar. Os grandes aviões da RAF só puderam a ser usados em operações
de apoio aéreo aproximado nas fases finais da guerra do front ocidental.
Nos movimentos finais do conflito, foi permitido aos ingleses
lançar somente 550 toneladas de bombas em algumas áreas à
retaguarda do inimigo. Os comandantes aliados, marechal
Ferdinand Foch ( França), e o general John Pershing (EUA), não
admitiam a operação independente de meios aéreos. Segundo o
modo de pensar de ambos, os aviadores davam demasiada
importância aos objetivos na retaguarda do inimigo, quando as
verdadeiras missões da aviação, segundo o ponto de vista desses
generais, seriam o apoio de superfície e a observação. Como se
pode observar, predominava ainda uma visão totalmente restrita e
somente tática para o emprego aéreo.
A ideia da força aérea independente, com um setor especializado em ações estratégicas
de bombardeio, ficou como uma espécie de grande promessa que não teve a oportunidade
de mostrar todo o seu potencial. O sucesso das medidas do Relatório Smuts, com a criação
da RAF, ficou apenas por conta do ineditismo do sistema de defesa aérea. Toda a
organização da RAF e a implementação das medidas para o Poder Aéreo decorrentes do
Relatório Smuts ficaram a cargo do general aviador Hugh Trenchard.
A Grã Bretanha, embora atrasada em sua aviação em 1914,
ao término da guerra, contava com a maior e mais bem O MAIS FAMOSO CAÇA
equipada força aérea do mundo. Durante o conflito, os INGLÊS DA 1º GGM
ingleses chegaram a fabricar mais de 40 mil aviões, dentre O Sopwith Camel foi um biplano
os quais um dos melhores caças do período, o Sopwith britânico introduzido na frente ocidental em
1917. Produzido pela Sopwith Aviation
Camel. Ao término da Primeira Guerra Mundial, a Company, e concebido para substituir o
vantagem britânica na aviação não se distinguia apenas pelo Sopwith Pup, o Camel se tornou o mais bem
número de aeronaves e avanços tecnológicos, mas, sucedido caça aliado da Grande Guerra. Com
sobremaneira, em termos de doutrinários. A criação da ele foram abatidas 1.294 aeronaves alemãs.
Durante o “Abril Sangrento” o Sopwith Camel
RAF possibilitou, além da formação de uma identidade foi o principal opositor do alemão Albatros
aeronáutica, a construção de uma doutrina institucional DIII.
especialmente voltada para o Poder Aéreo. Armado com 2 poderosas
metralhadoras Vickers sincronizadas, o Camel
Foi pilotando um Sopwith Camel era um avião de combate muito eficiente,
que o inexperiente piloto embora não fosse fácil de pilotar. Havia várias
canadense cap Roy Brown abateu razões para isso. O forte efeito giroscópio do
o Barão Vermelho em abril de motor radial rotativo resultava em problemas
1918. de estabilidade durante as manobras. O avião
tendia a puxar para a direita.
Além disso, com o tanque de
combustível cheio seu centro de gravidade era
afetado. Pilotos novatos, em especial, tinham
que ser muito cautelosos no pouso e na
decolagem, pois qualquer descuido resultava
Sopwith Camel em derrapagem.

33
História Militar MundiaI

2.7 – Consequências da Grande Guerra para a aviação


Contrariando a infeliz afirmativa do marechal Foch de que não tinha nenhum
valor militar, ao terminar a Grande Guerra, o avião estava consagrado como
arma de guerra. Em termos gerais, o conflito produziu avanços tanto no
campo doutrinário como no campo tecnológico. No começo, as aeronaves
eram esportivas e de uso geral, se prestando apenas para missões de
reconhecimento, de acordo com suas muitas limitações. Inicialmente
indefesos e frágeis, os aviões se transformaram em poderosos vetores de
destruição, levando armas cada vez mais mortíferas.
Enquanto na Belle Époque a atividade aérea era uma prerrogativa de
aventureiros endinheirados, a Grande Guerra ampliou o acesso a esse
privilégio, contudo, a carnificina dos ares levou boa parte deles para o túmulo.
Durante o conflito, a França treinou cerca de 16 mil pilotos e 2 mil
observadores, perdendo 29% deles em combate ou acidentes. A
Luftstreitkräte teve quase 8 mil mortos na guerra aérea. Já os britânicos
treinaram 22 mil pilotos para a guerra, perdendo 68% deles em combate ou
em acidentes de voo.
Em 1918, uma série de aeronaves especializadas voava para a batalha. Aviões Royal Air Force
de alto desempenho caçavam seus inimigos pelos céus, alguns até decolavam
A experiência da
de navios, enquanto bombardeiros lançavam pesadas bombas em centros guerra demonstrou
vitais. Ocorreram importantes inovações: estrutura de tubos de aço, a aos ingleses a
confecção de aeronaves inteiramente de partes de metálicas e, inclusive, o necessidade de um
controle independente
revolucionário emprego do duralumínio. Antes produzidas de forma da aviação militar,
praticamente artesanal, durante a guerra nasceram e prosperaram muitos culminando na criação
construtores aeronáuticos em vários países. Eles se tornariam líderes da RAF. Grande parte
desse esforço se deu
tecnológicos da nova indústria da aviação civil a prosperar depois da guerra. graças ao empenho de
A produção industrial atingiu larga escala com a construção de centenas de sir Hugh Trenchard, a
milhares de aeronaves de combate. Irrefutavelmente, a aviação militar quem se devem
também os conceitos
acrescentou novas e revolucionárias dimensões à Arte da Guerra. aplicados da estratégia
Se a guerra aérea não predominou sobre o conflito na terra, a experiência do Poder Aéreo.
convenceu muitos líderes militares, e também a opinião pública, sobre ser o Sua política,
avião uma arma do futuro. O desenvolvimento do Poder Aéreo durante essa finalmente vitoriosa no
Reino Unido, era de
guerra foi extraordinariamente rápido, mas se deu empiricamente, sem muita unificar todo o Poder
reflexão. Na prática, iniciativas relevantes formam tomadas, dentre elas, Aéreo sob um único
destacamos a criação da Royal Air Force e a concepção do primeiro sistema comando, alocando o
mínimo de esforço
de defesa por parte dos ingleses. Entretanto, não houve tempo para que as aéreo necessário ao
mentes discutissem teorias mais adequadas para incorporar a nova capacidade apoio da força de
às doutrinas militares tradicionais. Acima de tudo, a Primeira Guerra Mundial superfície, e
concentrar todos os
serviu de base para a revelação a ser explorada no campo teórico militar. meios de caça e
O reconhecimento da existência de um Poder Aéreo ganhou aceitação, bombardeio, de modo
que pudessem ser
louvando-se, sobretudo, a tese de que bombardeios aéreos provariam ser empregados em
imprescindíveis e decisórios em futuros conflitos. Esse debate, entusiástico e massa onde mais
polêmico, sobre a eficácia e a moralidade do bombardeio estratégico iria necessária fosse a
ação.
repercutir nos corredores do poder militar ao longo das duas décadas
seguintes. Alguns pensadores passam a questionar, em voz alta, se a aviação
não tinha tornado obsoleta a Arte da Guerra na terra e no mar.

34
História Militar MundiaI

GUERRA E DESENVOLVIMENTO TECNÓLOGICO


Mn Cu
A conquista do duralumínio para a indústria aeronáutica
Al
A despeito de todos os horrores, o amadurecimento da engenharia aeronáutica se
deu em função da Primeira Guerra Mundial. Os alemães foram pioneiros no uso de novos
materiais e nos projetos inovadores de aeronaves no período. A indústria aeronáutica
germânica valorizava a pesquisa. O Fokker M5, um monoplano fabricado em 1913,
introduziu a fuselagem com grampos e tubos de aço soldado, se tornando o padrão
estrutural básico para a primeira geração de aviões após o fim da Guerra. Um ambiente
que premiava a experimentação e a inovação logo produziu uma revolução genuína – o
avião inteiramente de metal.
A conquista é devida ao engenheiro alemão Hugo Junkers, figura importante na
história da indústria aeronáutica mundial. Ele fora um intruso, combinando uma carreira de
fabricante de aquecedores de água com a do magistério da engenharia na escola técnica
de Aachen. Ele e seu colega, Hans Reissner, tinham produzido o Ente (pato em alemão),
um projeto fracassado de 1909 de um monoplano de asas cobertas com folhas corrugadas
de alumínio. Juntos, eles chegaram a patentear o projeto de uma grande asa com estrutura Hugo Junkers
interna toda em metal. 1859 - 1935
Na busca por um avião inteiramente de metal, Junkers largou a vida de professor
em 1915, construiu um laboratório e uma oficina em sua fábrica em Dessau. Sob contrato
com o governo, produziu o J1, um protótipo para uma aeronave blindada para ataque ao
solo. O monoplano tinha asas altas grossas, tipo cantilever, revestidas com folhas finas e
corrugadas de metal. Junkers aperfeiçoara sua técnica enquanto fabricava aquecedores
de água. Isso representou um avanço inovador. Testado para vôo em dezembro de 1916,
o avião J1 se mostrou muito pesado e pouco potente, resultando numa sofrível razão de
subida. Era apenas o começo. Junkers mudaria do ferro para o duralumínio, uma liga de
alumínio leve e de alta resistência.
O elemento metálico mais abundante na crosta terrestre não é encontrado no seu
estado natural por causa da afinidade com o oxigênio. Em 1825 o físico dinamarquês Hans
Christian Oersted isolara o alumínio metálico, mas foi somente em 1866 que o norte-
americano Charles Hall e o francês Paul Héroult desenvolveram simultaneamente um
método prático de produzir o metal em quantidades comerciais. O alumínio era difícil de se
fundir e aparentemente não exibia nenhuma propriedade útil. Consequentemente, Alfred Wilm
permaneceu tão raro que, ainda em 1884, apenas um único quilo de alumínio custava tanto 1869 - 1937
quanto um quilo de prata.
O futuro estava nas ligas. Em 1909, na cidade de Düren, o metalúrgico alemão Alfred Wilm patenteou um produto
em que uma liga de alumínio-cobre-manganês era temperada, sob condições precisas, após um tratamento térmico.
Misteriosamente, a liga fundida se tornava mais dura e resistente ao longo de 4 dias antes se estabilizar. O novo metal
tinha as qualidades do aço, só que com um terço do peso. A nova liga passou a ser comercializada pela Dürner
Metalwerke com o nome de Duralumin. Ao contrário do que muitos pensam, o nome duralumínio não deriva de "alumínio
duro" e sim de Düren, cidade alemã onde foi desenvolvida a liga por Wilm. Quando as propriedades do novo metal se
tornaram evidentes, várias empresas de outros países desenvolveram suas próprias versões da liga. A despeito de sua
elevada oxidação, o valor do duralumínio para a aviação era evidente.
Hugo Junkers fez seu primeiro avião de
duralumínio em 1916. O Junkers J4, um biplano
projetado para observação aérea e ataque ao solo, Junkers J4
foi o primeiro avião inteiramente de metal a ser
produzido no mundo. As autoridades alemãs, que
encomendaram o projeto, ficaram apreensivas pela
pouca experiência de Junkers na construção
aeronáutica, forçando-o a se associar ao holandês
Anthon Fokker. A união acabou sendo proveitosa
para ambos, e se tornaram grandes fabricantes
aeronáuticos europeus.
Por fim, o duralumínio acabou se
consagrando como material padrão para a maioria
das partes metálicas da construção aeronáutica.
Seu emprego foi essencial para o desenvolvimento
de grandes aviões comerciais no pós-guerra.

35
História Militar MundiaI

3. Os Teoristas do Poder Aéreo

O desempenho da aviação na Primeira Grande Guerra proporcionou várias evidências de


sua enorme potencialidade. No período entre guerras, enquanto o mundo se entregava a
uma onda de pacifismo, alguns visionários, partindo de privilegiadas observações e
impressionados com as perspectivas do avião, se ocuparam em descrever fundamentos e
dotar seus países da melhor forma de empregá-lo. Suas ideias implicavam a mudança de
muitos dos paradigmas na doutrina militar convencional. Como estes paradigmas estavam
bem arraigados, eles enfrentaram forte oposição, provocando problemas em suas
instituições e governos. Passada a era dos ases da aviação, agora era a vez dos teóricos.
Vamos conhecer os 3 pensadores do Poder Aéreo que se notabilizaram com suas teorias
e ações a partir da Primeira Guerra Mundial:

3.1 – Giulio Douhet


Oficial oriundo da arma de Artilharia, o italiano Giulio Douhet é considerado
o “Pai do Poder Aéreo”. Ele não foi apenas o primeiro dentre os teóricos, mas,
sem dúvida, foi o mais radical dentre eles. Advogava que a potência militar
que conseguisse dominar o ar, dominaria o mundo a partir de então. Desde o
início do século XX, antes mesmo da invenção do avião, Douhet já
vislumbrava operações militares com o uso do espaço aéreo por meio dos
balões dirigíveis. Com o advento do avião, suas reflexões se voltaram
rapidamente para este, que considerava mais versátil. Ele nunca tinha voado
de avião, se recusava a pilotar, e só havia visto três deles na vida quando
publicou seu primeiro artigo acerca do poder aéreo militar.
Giulio Douhet nasceu em 30 de maio de 1869, em Caserta, na Itália, membro Gen. Giulio
de uma família de longa tradição militar. Ele cursou a Academia Militar de Douhet
Gênova, e se formou oficial da Artilharia. A vida na caserna não era tudo para (1869 – 1930)
ele. Também se dedicava à poesia e à dramaturgia, sendo inclinado a escrever
sobre ideias que incomodavam chefes militares demasiadamente
conservadores. Desde o início, Douhet se mostrou fascinado com as inovações
tecnológicas que vinham mudando a forma de se fazer a guerra – novos canhões
Krupp, metralhadoras, explosivos e veículos motorizados. Em 1909, ele
conheceu o pioneiro norte-americano Wilbur Wright, concluindo estar o futuro
da guerra no avião. E, assim, publicou preliminarmente suas revolucionárias
ideias em 1909, obra na qual afirmava que “o céu se tornaria um campo de
batalha tão importante quanto a terra e o mar”, sendo necessário o domínio
do ar de maneira a explorá-lo adequadamente.

Antes da Guerra, Douhet já supunha ser conveniente o


emprego da aviação condicionado a uma autonomia em relação
O Domínio do Ar
aos comandantes das forças terrestres e navais. Vemos, já
edição brasileira
nesse momento, ele defendendo a criação de uma força aérea
separada, comandada por oficiais da arma de aviação.

36
História Militar MundiaI

Em 1911, A Itália foi à guerra contra a Turquia por causa da Tripolitânia. O Império
Otomano parecia estar desmoronando, e a Itália viu a chance de reaver partes do, há muito
perdido, Império Romano. Douhet, fez aí seu laboratório. Este conflito, conforme já
visto, testemunhou o primeiro emprego de aviões em um teatro de operações. Depois de
ganhar a guerra, a Itália organizou seu primeiro batalhão de aviação, sediado em Turim,
e entregou o comando a Douhet. Nesta posição, escreveu um livro, “Regras para o Uso
de Aviões na Guerra”, um dos primeiros manuais escritos sobre o assunto.
Assim como os demais defensores da causa aeronáutica, era impaciente
com superiores insensíveis às suas ideias. Antes da Grande Guerra,
encarregou um amigo, o engenheiro Gianni Caproni, de construir um
grande avião de bombardeiro trimotor para o Exército italiano. O
bombardeiro Caproni, em sua concepção, estava anos adiante de seu
tempo, mas as autoridades não gostaram do voluntarismo do coronel em
autorizar a construção do projeto sem consultar os escalões superiores.
Acabou sendo transferido para uma divisão de infantaria.
Gianni Caproni
Em 1912, ao considerar que tipos de aviões uma força aérea
deveria ter, Douhet concebeu um tipo de aeronave de múltiplo
emprego, realizando tarefas de reconhecimento, caça e
bombardeiro. Essa aeronave deveria suportar grande carga de
bombas. Ele expôs suas ideias embrionárias em relatórios
oficiais e artigos. Estes, a seu tempo, não foram suficientes para
convencer os chefes militares italianos. Caproni Ca 3

Quando a Grande Guerra eclodiu, Douhet passou a importunar superiores e Batalha de


políticos em demasia. Requisitava grande aumento na compra de armamento, Caporetto
prevendo que seu país logo seria arrastado para a guerra. Chegou a propor a Ocorreu em out/nov de
organização de uma força aérea composta de 500 bombardeiros, podendo 1917, na cidade de
Kobarid, atual Eslovênia.
lançar 125 toneladas de bombas por dia. Tal força, segundo ele, nocautearia Nela os italianos
rapidamente qualquer inimigo. Foi ignorado. enfrentaram austríacos e
alemães, sendo
Quando a Itália, por fim, entrou na guerra, em 1915, Douhet iniciou intensa empregadas novas táticas
da guerra de trincheiras.
campanha proselitista em favor da aviação, ao mesmo tempo em que As perdas italianas foram
externava críticas acirradas à condução da guerra por parte das autoridades enormes, cerca de 300 mil
italianas. Essas atitudes lhe valeram várias advertências que culminaram na homens.

corte marcial, na qual foi acusado de agitador e por espalhar falsas notícias A invasão dos austríacos
chegou próxima à
para descrédito do governo perante a nação. Em 1916, acabou condenado a Veneza, mas aí os
um ano e meio de prisão. Continuou a escrever na prisão, propugnando a italianos foram socorridos
organização de uma imensa frota de bombardeiros – “aviões de batalha”, pelos aliados franceses,
ingleses e americanos,
assim ele os chamava. Aeronaves estas, aptas a desempenhar tanto missões que derrotaram os
de bombardeiro quanto de caça. invasores.
Após a guerra, o termo
Pouco depois de ser libertado da prisão, os italianos sofreram uma terrível "Caporetto" ganhou uma
derrota contra austríacos e alemães na Batalha de Caporetto, a qual conotação na língua
italiana, no sentido de
confirmando tudo o que Giulio Douhet havia escrito sobre a falta de preparo derrota e desastre.
militar do Exército italiano. Pouco tempo depois, os resultados de uma
investigação sobre os erros militares da derrota de Caporetto lhe deram razão.
Acabou reconhecido e nomeado diretor geral de aviação no Comissariado
Geral da Aeronáutica.

37
História Militar MundiaI

Mas a nova posição do coronel não significou que seus superiores haviam se
tornado, na prática, mais progressistas. Douhet ficou novamente irritado pela
falta de apoio e pediu sua baixa do Exército em junho de 1918. Encerrada a
guerra, amparado por seus artigos críticos e diante dos erros militares italianos
cometidos na guerra, Douhet conseguiu anular sua condenação na corte
marcial, e conquistou a promoção a general.
Descrente em seu exército, em vez de retornar ao serviço ativo, manteve-se
na reserva, dedicando-se a escrever suas ideias revolucionárias acerca do
Poder Aéreo. Em 1921, publicou a primeira edição de Il Domínio dell’Aria
(O Domínio do Ar), sendo a obra comparada à dos grandes teóricos militares
como Clausewitz e Mahan. Na verdade, sua reabilitação foi tal que essa
primeira edição foi publicada sob os auspícios do Ministério da Guerra Carl von Clausewitz
italiano. Nela, Douhet antevê uma força aérea independente como arma Foi um militar prussiano,
suprema. “A vastidão do céu” – escreveu – “tornaria a defesa contra ela considerado um dos
maiores teóricos da guerra
quase impossível. Forças aéreas podiam sobrevoar exércitos e frotas navais da história da humanidade.
e atacar onde bem quisessem”. Sua obra “Da Guerra”,
publicada após sua morte,
Uma segunda edição de O Domínio do Ar se deu em 1926, já sob o regime tornou-se referencial
teórico para estrategistas e
fascista de Benito Mussolini, do qual Douhet era simpatizante. Nela, ele estudiosos da Arte da
acrescentou um longo anexo, modificando alguns pontos de vista Guerra.

manifestados na primeira edição e explicando melhor diversos aspectos de Tornou-se célebre pela
frase em que ele define a
seu pensamento estratégico, formulado de modo inteiramente original. Ele associação entre guerra e
radicalizou ainda mais suas ideias, renegando explicitamente alguns pontos política: "A guerra é a
continuação da política por
da edição anterior, pontos esses que ele qualificou de “concessões” feitas para outros meios". Tais meios
evitar não chocar a opinião pública. se dão pela violência
extremada.
Douhet considerava que o impasse das trincheiras ocorrido na Grande Guerra Ele considerava
seria a realidade definitiva na guerra terrestre, tendo a defesa assumido tal fundamental que a guerra
estivesse sempre
vantagem com relação à ofensiva que a tendência dos futuros conflitos seria a submetida à política. Isso
repetição da matança improdutiva. Essa tendência era intensificada pelo fato porque nenhuma guerra
pode ser vencida sem a
de, segundo ele, terem as guerras passadas a ser guerras totais, nas quais toda a compreensão precisa dos
sociedade de uma nação estaria envolvida. Com o predomínio da defesa, as objetivos e da
disponibilidade de meios¸
batalhas em terra estariam resumidas ao massacre inútil das populações ao ou sem o cálculo racional
promover repetidos ataques condenados a malogro. das capacidades e das
oportunidades, ou o
Segundo Douhet, a continuação desses ataques refletia uma concepção militar estabelecimento dos limites
obsoleta, típica de comandantes terrestres: a de que a ação em terra era éticos ao uso da força -
sempre submetida aos
necessária para permitir a ocupação do território inimigo. Ele sustentava não objetivos políticos
ser esse o objetivo real da guerra: tratar-se-ia, na verdade, de quebrar a estabelecidos.

vontade do inimigo de continuar lutando. Vemos aí um Douhet pensando de Clausewitz é considerado


um grande mestre da Arte
modo completamente clausewitziano. Para ele, portanto, o principal objetivo da Guerra. Sua lições de
da guerra não era derrotar as forças armadas inimigas, mas o moral do povo tática e estratégia vão,
porém, além dos exercícios
do país adversário. Segundo ele, havia somente um modo de atingi-lo militares propriamente
diretamente, e essa maneira era o bombardeio aéreo. ditos, para se constituírem,
inclusive, numa profunda
Somente o avião, na concepção de Douhet, tinha a capacidade de atingir reflexão sobre a filosofia da
própria guerra e da paz.
praticamente qualquer ponto do território inimigo. Isso porque a imensidão Para ele, a eliminação
do espaço aéreo, a velocidade e o alcance proporcionavam ao avião a física do inimigo deixa de
ser ética, quando este pode
capacidade de se mover desimpedido em todas as direções sem qualquer ser desarmado em vez de
oposição das forças armadas inimigas, sejam elas navais, terrestres, ou destruído.
mesmo aéreas. Com efeito, para Douhet, a capacidade de surpresa do avião
era praticamente infinita.

38
História Militar MundiaI

O bombardeio aéreo, para Giulio Douhet, teria enorme


capacidade de afetar o moral da sociedade da nação inimiga,
provocando tanto pânico e destruição que a pressão sobre os
governantes forçaria a paz com brevidade.

Segundo o “Pai do Poder Aéreo”, só seria possível saber onde os


bombardeiros atacariam quando já não houvesse mais tempo de reação, a não
ser que cada alvo potencial estivesse permanentemente protegido por uma
força aérea superior ou igual à que atacava. Considerando ser a artilharia
antiaérea absolutamente ineficaz, e a defesa pelo ar contra bombardeiros
praticamente impossível, restava que, na guerra aérea, todas as vantagens
residiam na ofensiva, nunca na defesa.

A teoria de Giulio Douhet superestimava a capacidade e a invulnerabilidade


do vetor aéreo, bem como superdimensionava os efeitos do bombardeio
estratégico. Sua doutrina militar era eminentemente ofensiva.

Como um típico oficial oriundo da Artilharia, Douhet preconizava que


o melhor bombardeio aéreo deveria lançar uma combinação de bombas
explosivas – para causar destruição –, bombas incendiárias – para
ampliar a destruição – e artefatos químicos – para impedir o combate
ao incêndio. Recomendava um dimensionamento preciso das forças de
bombardeiros para a completa destruição de uma área de 500 metros de
diâmetro. Em o Domínio do Ar, chegou a apresentar cálculos da
quantidade de bombas e do número necessário de aeronaves para uma
operação bem sucedida. Cada unidade de bombardeiros deveria ser
composta por 10 aeronaves.
Para o sucesso da guerra aérea seria necessário que as forças de
bombardeiros pudessem operar livremente no espaço aéreo. Embora
considerando ser impossível qualquer defesa contra ataques aéreos,
Douhet recomendava destruir prontamente a força aérea inimiga ainda
no solo. Isso era absolutamente prioritário para Douhet, a fim de se
obter o tão almejado domínio do ar. Em seguida, dar-se-ia
prosseguimento à destruição de alvos estratégicos prioritários visando
destruir o moral e a capacidade do povo inimigo de prosseguir na
guerra. Na visão de Douhet, as guerras do futuro, baseadas em
operações aéreas decisivas, passariam a ser muito mais reduzidas no
tempo e no número de vítimas.

A perspectiva do bombardeio aéreo tornaria a guerra tão terrível que,


paradoxalmente, prolongadas matanças se tornariam desnecessárias.
Assim, segundo Douhet, o Poder Aéreo tornaria a guerra menos mortífera,
“humanizando-a”. Rigorosamente falando, para ele, a mera destruição da
força aérea inimiga, sobretudo seus bombardeiros, seria suficiente para
pressionar um processo de armistício.

39
História Militar MundiaI

E qual seria o papel das forças terrestres e navais nessa nova guerra?
Segundo Douhet, o tempo das operações das forças de superfície seria tão
lento em relação ao da força aérea que a guerra estaria decidida muito antes
que os efeitos das manobras dos exércitos e marinhas se pudessem fazer
sentir. DOUHET E A
FORÇA AÉREA
Para Douhet, uma vez obtido o domínio do ar, seria possível
ITALIANA
bombardear com tranquilidade e sem qualquer oposição de
exércitos e marinhas inimigos. – embora isso fosse, na prática, Embora tenha enfrentado
desnecessário, pois a guerra já estaria decidida. muitos problemas na
defesa de suas ideias e
não vivido o bastante para
Um ponto nevrálgico e incomodo – sobretudo para generais e almirantes – se comprovar a aplicabilidade
de seus fundamentos
refere à necessidade de independência da força aérea em relação aos estratégicos em um
comandantes do exército e da marinha. Para Douhet, uma estratégia aérea conflito, Giulio Douhet
chegou a concretizar seu
independente teria que ser conduzida de maneira desimpedida dos sonho de ver uma força
comandantes de terra e mar. Estes, sempre tenderiam a priorizar os meios aérea independente para
seu país.
aéreos em favor de suas operações táticas de superfície, desprezando o poder
A ascensão do fascismo,
decisivo da aviação. O planejamento e a condução da guerra no ar deveriam em 1922, imprimindo a
ser feitos por comandantes independentes, no caso, oficiais aviadores, os concepção militarista do
Estado, foi fundamental
únicos que teriam conhecimento para tal. para viabilizar a almejada
autonomia da aviação
como força armada.
Forças aéreas, totalmente independentes de exércitos e
marinhas, e ainda, privativamente comandada por oficiais Benito Mussolini, em seu
primeiro gabinete, nomeou
aviadores, são pontos fundamentais defendidos por Giulio dois diretores gerais para
Douhet em O Domínio do Ar. a aviação: Arturo
Mercanti, para a aviação
civil, e Giulio Douhet, para
A composição da força aérea em termos de configuração das aeronaves é um a aviação militar.
dos temas sobrea as quais a posição de Douhet se modificou na segunda Em 28 de março de 1923,
por meio de um decreto
edição. Inicialmente, conforme a primeira edição, o general considerava ser real, foi criada a Regia
necessária, além de uma grande frota de bombardeiros e de reconhecimento, Aeronáutica Italiana, a
força aérea do Reino na
uma aviação de escolta. Estas seriam aeronaves semelhantes às de Itália. Mussolini logo
bombardeio, com o mesmo alcance, mas voltadas para o combate a outras tratou de se utilizar dela
para fins de propaganda
aeronaves inimigas. Já na segunda edição, Douhet radicaliza seu ponto de do regime fascista.
vista dispensado a frota de aviões de escolta. Considerava estes inúteis, Na década de 1930, a
pregando que os próprios bombardeiros deveriam levar seu próprio Regia Aeronautica ganhou
armamento defensivo. destaque internacional por
diversos feitos
aeronáuticos, a ponto de
muitos observadores
A força aérea ideal para Douhet seria composta apenas pelos internacionais a
bombardeiros e aviões de reconhecimento. A existência de considerarem uma das
esquadrões de caças seria um desperdício de recursos, pois, mais poderosas e
eficientes forças aéreas
segundo ele, nunca seria necessário se defender dos
do mundo.
bombardeiros inimigos, tendo em vista que estes já deveriam ter
sido destruídos no chão, numa operação preliminar. Depois da Segunda
Guerra, com a derrota do
nazi-fascismo e o fim da
monarquia, a
O general Giulio Douhet morreu em 1930, não tendo a oportunidade de denominação mudou para
validar suas proposições teóricas na observação dos conflitos subsequentes. Aeronáutica Militare
Italiana.
Apesar de sua lógica interna, o pensamento de Douhet se mostrou repleto de
equívocos, muitos deles evidenciados já na Segunda Guerra Mundial.
Você seria capaz de identificar quais os pontos positivos e falhos da teoria de Douhet com
base na observação de guerras e batalhas ocorridas a partir da Segunda Guerra Mundial?

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História Militar MundiaI

3.2 – Billy Mitchell


Billy Mitchell foi um oficial aviador do Exército dos Estados Unidos, sendo
considerado o pai da Força Aérea dos EUA (USAF). Foi o mais notório e
controverso personagem da história do Poder Aéreo americano.
Embora 10 anos mais moço, Mitchell foi contemporâneo de Douhet. Como
norte-americano, viveu um contexto cultural e militar bastante diferente do
da Itália, o que não o impediu de experimentar dissabores semelhantes.
Publicou seu primeiro livro, Our Air Force: The Keystone of National
Defense, em 1921, no mesmo ano do lançamento de O Domínio do Ar. A
exemplo do italiano, ele voltou ao tema logo depois, em 1925, com outro
livro: Winged Defense – The Development na Possibilities of Modern Air Gen. “Billy” Mitchell
Power: Economic and Military. (1879 – 1936)

Lendrum William Mitchell nasceu em Nice, na França, de pais americanos


que estavam de férias na Europa. Era filho de um senador americano e neto
de um rico empresário de ferrovias de Milwakee. Após concluir os estudos
nos melhores colégios, ingressou no Exército americano, na arma de
Infantaria. Depois, como oficial de comunicações, serviu na imensidão gelada
do Alasca, onde participou da construção de linhas telegráficas, iniciativa Como visto
anteriormente, os
considerada, na época, de grande importância estratégica. EUA entraram na
guerra sem possuir
aviões avançados
Assim como Douhet, Billy manifestou desde cedo grande
para o combate. A
interesse por inovações tecnológicas de uso militar. Como aviação do Exército
major, aos 38 anos, pagou do próprio bolso um curso de voo nas americano era ainda
instalações da Curtiss, em Norfolk, VA. Como major passou a mal organizada.
comandar aviadores e fazia questão de provar que era um deles.
Em 1917, poucos
eram os aviadores,
e a maioria era
Quando os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial, em 1917, ele já havia recrutada no
se transferido para a aviação. Foi mandado para Europa, onde dirigiu os momento da guerra,
recebendo toda a
corpos da aviação militar americana na fase final do conflito. Ao lado dos instrução na França.
franceses, participou de missões de combate aéreo, chegando ao posto de
Os pilotos
coronel. Com o fim da guerra frequentou os estados-maiores das forças americanos
armadas dos países europeus, a fim de conhecer a situação da organização das entraram na guerra
aviações militares. Detentor de personalidade expansiva e domínio da língua aérea operando
aviões franceses,
francesa, travou contatos com diversos líderes da aviação aliada, com os quais engajados em
colheu experiências. Na Itália, encontrou-se com Giulio Douhet e com o esquadrilhas
fabricante de bombardeiros Gianni Caproni. Desenvolveu especial incorporadas a
unidades da aviação
relacionamento com o inglês Hugh Trenchard, comandante da RAF. francesa
Terminada a guerra, o coronel aviador voltou aos EUA convencido da A mais famosa
importância primordial do setor aéreo. Foi nomeado vice-diretor do Serviço esquadrilha
americana ficou
Aéreo do Exército, sob a direção do general Charles Menoher, oficial de conhecida como
Artilharia. Mitchell passou a ter desentendimentos com seu superior. Grande Escadrille Lafayette.
parte do conflito de personalidades se deveu ao fato de Menoher não ser Os EUA fizeram
alguns ases da
aviador, revoltando Mitchell que se orgulhava de sê-lo. aviação, o maior
deles foi Eddie
Ele defendia insistentemente um maior investimento na aviação, Rickenbacker, com
propugnando ser isso seria vital para as futuras guerras. Em especial, 26 vitórias.
argumentava sobre a capacidade dos bombardeios aéreos de afundar navios
de guerra. Para provar sua teoria, organizou uma série de testes de lançamento
41
História Militar MundiaI

de bombas aéreas contra velhos navios alemães capturados e outros


americanos desativados. Queria demonstrar a vulnerabilidade dos grandes
vasos de superfície, orgulho das armadas, diante de um ataque vindo dos ares.
Os aviões lançaram suas bombas e levaram os navios para fundo do mar em
poucos minutos. Billy divulgou relatórios e artigos bombásticos na imprensa,
deixando seus superiores em situação delicada perante o governo. Os
marinheiros ficaram furiosos, e as relações com estes azedaram.
Promovido a general em 1921, aos 42 anos, foi, então, o mais jovem general
do Exército americano. Tornou-se persistente defensor da constituição de
uma força aérea autônoma nos EUA, independente da Marinha e do Exército. Winged
Era impaciente e não tinha “papas na língua” ao atacar aqueles que não Defense
comungavam com seus pontos de vista. As palavras de Mitchell não deixam
margem a dúvidas quanto a sua convicção e semelhanças com o pensamento
estratégico do italiano Giulio Douhet:

“O advento do poder aéreo, que pode ir direto aos centros vitais e


neutralizá-los ou destruí-los, deu uma configuração inteiramente nova
ao velho sistema de se fazer uma guerra. Compreende-se agora que o
principal exército inimigo em campo é um falso objetivo, e que os
objetivos reais são os centros vitais (...). O resultado da guerra aérea
será forçar decisões rápidas. O poder aéreo superior provocará tal
devastação no país oponente, que uma campanha extensa será
US Army Air
impossível.” Corps - 1926
Billy Mitchell

Enquanto Douhet enfocava seus escritos especificamente para a audiência militar,


Mitchell desejava, antes de tudo, convencer o grande público de suas ideias. Tratando-se
de um aviador, Mitchell era incomparavelmente mais entendido do que Douhet no que se
refere às especificações técnicas dos aviões. Talvez por essa razão tenha recusado a
hipótese do italiano quanto à possibilidade de se dispor de um único tipo de aeronave para
todas as finalidades militares. Mitchell atribuía grande importância às aeronaves de caça.
Na sua hipótese de guerra, o confronto com as forças aéreas inimigas era algo bastante
considerado.

Ao contrário de Douhet, Mitchell incluía que uma das primordiais


tarefas do Poder Aéreo era o combate e a neutralização das
forças terrestres, navais e aéreas.

Mitchell também revelou ser um grande estrategista. Defendeu a utilização


de uma rota transatlântica, apoiada na Groenlândia e na Islândia.
Desenvolveu aguçada visão geoestratégica para o controle militar do Pacífico 1947
advogando ser o Alaska a chave para a supremacia neste oceano. Concebeu
o estabelecimento de diversas rotas aéreas pelo Pacífico e Atlântico como
forma de garantir a defesa americana.

42
História Militar MundiaI

Em sua campanha em prol da força aérea, acabou acusando superiores,


sobretudo os da Marinha, de serem incompetentes e de haverem fornecido ao
Congresso informações incompletas e falsas sobre as possibilidades e o
emprego da aviação militar. Apesar de ser um oficial do Exército, Mitchell,
com suas críticas impiedosas, incomodou muito mais a Marinha americana
do que o alto comando de sua própria força. Era notório que muitos oficiais
do alto escalão da força naval da época tendiam a desprezar a aviação. O
defensor do Poder Aéreo americano entrou justamente em choque com a
Marinha, força dominante do sistema militar dos EUA.
Alm. William
A exemplo do dito infeliz do marechal francês Ferdinand Foch, o Benson
almirante William Benson, chefe de operações navais da
Marinha dos EUA, declarou em 1920: “Não posso imaginar
nenhum utilidade que o avião possa prestar à Armada”. Para
depois arrematar. “A Marinha não precisa de aviões. Aviação
representa apenas muito barulho”.

Em setembro de 1925, ocorreu a desventurada queda do dirigível


Shenandoah, da Marinha americana, matando toda a tripulação, incluindo seu
comandante, o capitão-de-corveta Zachary Lansdowne, amigo pessoal de
Mitchell. Billy Michell convocou imediatamente uma entrevista coletiva na A PROMOÇÃO
qual pronunciou as palavras tristemente famosas, que levaram o presidente PÓSTUMA DE
Calvin Coolidge a determinar que ele fosse submetido à corte marcial: "estes MITCHELL
acidentes são resultado da incompetência, da negligência criminosa, da
Rebaixado a coronel e
negligência que chega às raias da traição de nossa defesa nacional por parte depois apenado com 5 anos
dos Departamentos da Marinha e da Guerra”. sem remuneração, Mitchell
renegou o Exército e morreu
Embora considerado um herói de guerra e autoridade em assuntos de aviação, no esquecimento.

sua vida particular, bastante conturbada, aliada a um temperamento Tempos depois, durante a II
Guerra, seu trabalho acabou
intempestivo, acarretou a progressiva perda de seu conceito militar dentro do sendo reconhecido. Suas
Exército. Com notória fama de mulherengo, apresentava constantes ideias avançadas foram
sendo resgatadas e
problemas com alcoolismo. aplicadas com sucesso pelo
Exército e pela Marinha.
Um incidente doméstico entre ele e sua primeira mulher revela uma biografia
Mitchell deixava de ser um
marcada por escândalos. Nos arquivos consta que, certa vez, a Polícia do rebelde problemático e
Exército foi chamada à residência de Billy depois que sua esposa recebera um passou a ser considerado
um gênio incompreendido. A
tiro no peito durante uma da muitas e violentas brigas do casal. A senhora criação da USAF, em 1947,
Mitchell sustentava que ele havia atirado nela em fúria, estando bêbado; ele e o patronato desta,
sacramentaram o corolário
sustentava que ela havia atirado em si própria. Não havia testemunhas do de sua obra.
acontecimento. Felizmente, o ferimento não foi grave, mas eles se Em 2004, o Congresso
divorciaram logo depois. americano, buscando maior
valorização de sua figura
histórica, autorizou, por lei,
Submetido a uma corte marcial, composta por 10 oficiais- o presidente a promovê-lo
post mortem ao posto de
generais, Mitchell acabou sendo condenado a 5 anos de major general (2 estrelas).
afastamento com suspensão de seus vencimentos e
O argumento seria ser este o
rebaixamento ao posto de coronel. Em consideração a sua folha posto a que Mitchell teria
de serviços como ex-combatente, sua sentença foi modificada ascendido se tivesse
pelo presidente para que recebesse apenas metade da continuado sua carreira
remuneração. como chefe do Air Service.

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Diante da pena imposta pela corte marcial, a renda reduzida incapacitou o estilo de vida
de Mitchell, já financeiramente tenso. Desiludido, pediu baixa definitiva do Exército em
1926. Continuando a publicar livros e artigos, ele dedicou os últimos anos de sua vida a
convencer as lideranças políticas e militares de suas ideias, mas jamais recuperou sua
influência.
Antes de morrer, porém, teve a satisfação de ver parte de suas aspirações realizadas em
1926 com a organização do Army Air Corps, um comando específico para a aviação no
Exército, que possuía relativa autonomia. O sonho final, de uma força aérea
completamente independente, só viria a ocorrer em 1947, depois da Segunda Guerra, com
a criação da United States Air Force (USAF), esta, por fim, adotando Billy Mitchell como
seu patrono.

3.3 – Hugh Trenchard


O marechal inglês não foi, na essência, um teórico do Poder Aéreo como
Douhet e Mitchell. Isso porque não chegou a publicar nenhuma obra
referencial sobre o assunto, embora sejam conhecidos diversos de seus textos
e documentos nos quais revelou expressivo pensamento em favor da causa
aeronáutica. Trenchard foi, acima de tudo, um homem de ações e realizações.

Hugh Trenchard concebeu e fez acontecer a primeira força


aérea independente do mundo, a Royal Air Force, da qual foi o
primeiro comandante. Ele é o “Pai da RAF”.

Hugh Montague Trenchard nasceu em Tauton, Inglaterra, em 3 de fevereiro Mal. Hugh


de 1873. Vinha de uma tradicional família de militares ingleses; seu pai era Montague Trenchard
oficial de infantaria do Exército; o avô materno, oficial da Marinha. O (1873 – 1956)
sobrenome Trenchard significava a descendência de um histórico cavaleiro
medieval – Raoul de Trenchard –, bem como de outros ilustres personagens
na história do Império Britânico. Aos 20 anos, o jovem Hugh tornou-se oficial
da Infantaria e foi transferido para o serviço nas tropas coloniais da Índia.
Em 1900, foi enviado para África do Sul, onde combateu na Segunda Guerra dos Boers,
e foi ferido gravemente com um tiro que atingiu um de seus pulmões. Sob risco de morte,
retornou à Inglaterra para tratamento de saúde. Recuperado e querendo continuar a
carreira militar, voltou ao serviço na África do Sul. Em seguida, foi enviado a outras
partes do império colonial britânico, servindo na Nigéria e depois na Irlanda.
Quando se organizou o Royal Flying Corps, em 1912, nele ingressou, obtendo
então seu curso de piloto. Aprendeu a voar com 39 anos, quando já era major.
Solou sua primeira aeronave, um Sopwith, com apenas 60 minutos de
instrução; e assim eram formados os pilotos ingleses na época. Após ter
terminado o curso de voo, foi logo nomeado instrutor para a Central Flying
School, em Upavon. No entanto, Trenchard não era um aviador de grande
habilidade e acabou deixando a instrução aérea para se envolver em tarefas
Bandeira da RAF
administrativas.

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Foi como um oficial aviador de reconhecimento e comando, portanto, que


participou da Primeira Grande Guerra, chegando ao posto de general. Já em
setembro de 1916, como comandante do Royal Flying Corps na França –
função que exerceu de 1915 a 1918 - o general Trenchard considerava o avião
uma arma inerentemente ofensiva. Pouco tempo depois, defendeu o
desenvolvimento “vigoroso” do bombardeiro de longa distância como parte
da força aérea. Seu brilhante currículo e devotamento à causa da aviação o
credenciaram a liderar a organização da RAF.

Como membro ativo da Comissão Smuts, coube a ele, em


outubro de 1917, a proposição de fusão da Royal Navy Air
Service com o Royal Flying Corps, para a formação de uma
única força, sob a autoridade de um ministro do ar e um único
chefe de estado-maior.
Brasão do
Comando de
A iniciativa da fusão do Royal Flying Corps com o Royal Navy Air Service, Bombardeios da
em abril de 1918, dando origem à RAF, em plena guerra, portanto, não se RAF
deveu a uma ideia amadurecida nos estados-maiores do Exército e da Marinha
do Reino Unido. Os historiadores militares consideram, como já vimos, que
o bombardeio aéreo de Londres pelos Gothas alemães, em 1917, causou
profundo impacto, desencadeando iniciativas naquele sentido. Assim sendo,
o Relatório Smuts colocou a RAF no papel, já Hugh Trenchard fez a RAF
acontecer na prática, graças a sua tenacidade.
E qual era o pensamento de Hugh Trenchard sobre o Poder Aéreo?
Assim como advogavam Douhet e Mitchell, Trenchard era também adepto do
emprego de bombardeiros como princípio de emprego do Poder Aéreo.
Entretanto, nunca advogou a tese de que os bombardeios pudessem, por si
mesmos, ganhar a guerra sozinhos. Sua posição se baseava no
enfraquecimento do moral do inimigo como uma espécie de pré-requisito
para os exércitos avançarem contra uma posição mais enfraquecida.
Durante a Primeira Guerra Mundial, consciente da indisponibilidade de um
número suficiente de aviões de caça para a tarefa de escolta, ele argumentava
ser o ataque aos aeroportos alemães a principal tarefa da aviação, garantindo,
assim, a superioridade aérea. Segundo ele, isso era uma precondição para a
continuidade das operações militares terrestres. Considerava ser importante
tarefa da aviação a proteção do exército britânico, já então em situação
precária.
Seus alvos prioritários eram, então, parques de montagem de trens, pontes,
depósitos de suprimentos e redes ferroviárias. Para além desses alvos,
Trenchard antevia outras possibilidades: minas de ferro e carvão,
siderúrgicas, indústria química, fábricas de explosivos, indústrias de
armamentos, fábricas de motores, estaleiros, oficinas de reparos de máquinas.
Brasão do
Comando de
Caça da RAF

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Muitos desses alvos teriam sido selecionados em função de seu tamanho e facilidade de
identificação. Entretanto, o objetivo de Trenchard era atingir o moral da população
inimiga. Ele julgava que os efeitos psicológicos do bombardeio aéreo eram superiores aos
danos materiais numa razão de 20 para 1. A base do raciocínio era a seguinte: os
bombardeios sobre as fábricas disseminariam o pânico entre os operários, ao mesmo
tempo em que estes disseminariam o medo na sociedade. O terror do bombardeio às
indústrias induziria ao absenteísmo, que, somado aos danos materiais, afetaria a
capacidade produtiva e militar do inimigo, acelerando ainda mais a quebra de sua vontade
de prosseguir com a guerra.
Portanto, era mais útil bombardear o máximo de alvos, ainda que não se os destruísse
inteiramente. Era essa a concepção de quebra do moral do inimigo de Trenchard, e não o
bombardeio indiscriminado das cidades. Terminada a Primeira Grande Guerra, e, ao
longo de toda a década de 1920, em sucessivas oportunidades, cogitou-se em restaurar a
antiga subordinação da Força Aérea ao Exército e à Marinha.

Sobretudo o almirantado britânico exercia incontestável liderança em relação


às questões de defesa, considerando desnecessária a existência da RAF
como força independente.

Em pouco tempo, os bombardeios aéreos, ocorridos em 1917,


sobre a capital inglesa, haviam sido esquecidos, considerados
fatos superados e que jamais se repetiriam. Vigorava, então, a
ilusão de estar a Europa imune a novas guerras. Trenchard viu-
se desafiado a provar o acerto da iniciativa da autonomia
aeronáutica. A duras penas, e com muita habilidade política, ele
assegurou a sobrevivência da RAF, enfrentando o reacionarismo
de políticos e chefes militares nos anos do entre - guerras.
Atuando de forma realista, Trenchard tratou de assegurar a
presença da RAF nas diversas partes do Império Britânico, em
apoio à atuação das tropas coloniais. Ao fazê-lo, permitiu
Hugh Trenchard evidenciar novas potencialidades do Poder Aéreo. Ainda assim,
no que diz respeito ao caráter ofensivo, Trenchard não obteve
maior sucesso junto a seus contemporâneos. Manteve, é certo, a autonomia da RAF, mas
concebida como uma força defensiva. As ideias de Hugh Trenchard se consolidaram na
RAF, corporificando-se em uma doutrina e institucionalizando-se e difundindo-se por
meio dos manuais de doutrina da Escola de Estado-Maior da RAF.
Trenchard retirou-se do comando da RAF em 1929, no mais alto posto de marechal-do-
ar. Ainda assim continuou desempenhando cargos públicos no Reino Unido. Foi chefe da
Polícia Metropolitana de Londres de 1931 a 1935. Depois de receber as mais altas
condecorações e títulos de nobreza do Reino Unido, em 1936, foi elevado ao grau de
visconde pelo rei Eduard VIII. Durante a Segunda Guerra, buscou assessorar o governo
de Winston Churchill nos assuntos relativos à RAF, na qual exercia liderança
incontestável. O marechal Hugh Trenchard morreu em 1956, aos 83 anos de idade.

O marechal viveu o bastante para ouvir, orgulhoso, a célebre frase do primeiro-ministro Winston
Churchill, em 1940, sobre o desempenho a RAF na Batalha da Grã-Bretanha, durante a Segunda
Guerra Mundial: “Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos deveram a tão poucos”.

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Dicas de estudo
 Prepare-se para a avaliação lendo e relendo o conteúdo desta
apostila. Reveja também o arquivo da apresentação da aula em
Power Point.

 Acesse os conteúdos digitais disponibilizados pelo instrutor em mídia.


É muito importante que você assistia aos filmes e clipes, pois os
conteúdos também serão cobrados.

Para saber mais


Para ampliar seus conhecimentos você pode consultar nossas referências bibliográficas:

ARGUELES, Delmo de Oliveira. Sob o céus das valquírias: as concepções de heroísmo


e honra dos pilotos de caça da Grande Guerra (1914-1918). Curitiba: Editora CRV. 2013.

CANBY, Courtland. História da Aeronáutica. Lausanne: Librairie Morais Edition,


1965.

CORVISIER, André. A Guerra: Ensaios Históricos. Rio de Janeiro: Biblioteca do


Exército Editora. 1999.

CROUCH, Tom D. Asas - uma história da aviação: das pipas à era espacial. Rio de
Janeiro: Editora Record. 2008.

DOUHET, Giulio. O Domínio do Ar. Rio de Janeiro: INCAER. Editora Itatiaia, 2000

HIGHAM, Robin. 100 Years of Air Power and Aviation. Houston: Texas A&M
University Press., 2003.

JOHNSON, J. E. Guerra no Ar: História da Aviação de Caça. Porto Alegre: Editora


Globo, 1966.

PACAUD, Serge. L’Épopée des Temps Héroiques de L’Aviation. Paris: Edite par
CPE, 2005.

PELLICCIA A., Il Dominio Dello Spazio. Roma: Edizioni dell'Ateneo, 1978.

PROENÇA JR., Domício; DINIZ, Eugenio; RAZA, Salvador Ghelfi. Guia de Estudos
de Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1999.

SANTOS, Murillo. Evolução do Poder Aéreo. Rio de Janeiro: INCAER. Editora Itatiaia,
1989.

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