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Poder Aéreo na
Primeira Guerra Mundial
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O autor é coronel dentista da reserva da Aeronáutica, especialista em História Militar pela UNISUL e
mestre em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA.
História Militar MundiaI
Poder Aéreo na
Primeira Guerra Mundial
Objetivos de aprendizagem
Identificar os primeiros passos do emprego aéreo para fins
militares.
Compreender a percepção do Poder Aéreo durante a
Primeira Guerra Mundial e sua evolução.
Reconhecer os principais personagens da guerra aérea no
período, relacionando suas contribuições para a Arte da
Guerra.
Seções de estudo
1. Primórdios do Uso Militar do Espaço Aéreo
1.1 O emprego militar do avião
1.2 Prelúdio do conflito no céu
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As pipas foram criadas na China há cerca de 2.500 anos. Nesse tempo, elas
não eram coisa de criança, mas instrumentos de guerra. Os chineses as
usavam militarmente para transmitir sinais nos campos de batalha, com suas
cores, desenhos e movimentos no ar. Algumas eram, inclusive, equipadas
para lançarem fogos de artifício. Em 1232, os chineses empregaram pipas
para jogar, sobre o acampamento mongol de prisioneiros de guerra, folhetos
de propaganda incitando os chineses capturados a se rebelar contra seus
captores.
A utilização do espaço aéreo para fins militares ganhou relevância com os primeiros
balões tripulados, algo possível somente ao final do século XVIII. O fato é que, erguendo-
se de alguma forma sobre campos de batalha, os guerreiros passariam a dispor de alguma
superioridade sobre o inimigo, antes
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~1908~
privilegiadamente, a movimentação e posicionamento das
tropas paraguaias. Isso foi uma surpresa tecnológica.
Outro importante marco
Sendo mais leves que o ar, esses balões cativos estavam longe de dispor da a situar este ano como o
do início da aviação
flexibilidade e do alcance dos novos engenhos que viriam no século XX, os militar foi a publicação
balões dirigíveis e, em seguida, os aviões. Fica aqui o registro de que, bem do livro L’Aviation
antes do advento das aeronaves, os estrategistas militares já vislumbravam as Militaire, do francês
vantagens da utilização do espaço aéreo nas batalhas. Clément Ader.
Na obra, o visionário
autor anunciava todas
1.1 - O emprego militar do avião. as virtudes da nova arma
sobre a terra e sobre o
mar.
Embora a maioria dos inventores aeronáuticos anunciassem as
O livro também ficou
potencialidades bélicas de seus aparelhos, admite-se que o desenvolvimento especialmente famoso
do avião como instrumento militar só efetivamente ocorreu a partir de 1908. pela precisa descrição do
Neste ano, os irmãos Wright fazem uma apresentação de seu aparelho – que conceito de um moderno
ainda decolava impulsionado por uma catapulta – aos generais do Exército porta-aviões.
dos EUA, a fim de convencê-los da compra.
Durante o voo de demonstração, pilotado por Orville Wright em companhia
do também aviador tenente Thomas Selfridge, ocorreu o rompimento de uma
das hélices, causando sérias avarias na estrutura. A pane desestabilizou de
forma violenta a aeronave e provocou a sua queda de uma altura de 46 metros.
Orville Wright fraturou o quadril na colisão com o solo, mas o tenente
Selfridge não sobreviveu aos graves traumatismos na cabeça.
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1.550 aviões no mundo, mais de 100 aviadores perderam a vida. Nada mais
natural, tendo-se em vista a dificuldade de aprendizagem e a confiabilidade
das primeiras máquinas.
O cenário inicial era sombrio, o que levou muitos países da época a questionar
ao máximo a adoção do avião como engenho militar. Governos tinham
questões de sobra para não precipitar decisões envolvendo vultosos gastos. A
mais célebre contestação partiu do marechal Ferdinand Foch, um conceituado
mestre da estratégia da École Supérieure de Guerre de Paris. Em 1911,
questionado sobre sua opinião a respeito da aquisição de aviões para o
Exército francês, afirmou categoricamente:
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Primeira escola de aviação militar em Pau Primeiros oficiais franceses em instrução de voo.
Blériot XI
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O primeiro voo sobre um teatro de guerra foi realizado pelo capitão Carlo Piazza, em um
Blériot XI. Entretanto, por trás de toda a concepção do emprego aéreo, havia um oficial
italiano com ideias muito à frente de seu tempo, o coronel Giulio Douhet, da arma de
artilharia.
Pouco antes desta guerra, em 1909, Douhet já havia escrito:
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Inicialmente não se concebia o uso vantajoso de aviões no campo de batalha, senão para
as operações de reconhecimento e observação dos movimentos do inimigo. Com efeito,
artilheiros também já haviam percebido que o avião poderia ser bastante útil na regulagem
da mira de canhões. O avião também podia ser utilizado com vantagem para ações
psicológicas, contra o moral do inimigo. A panfletagem atrás das linhas inimigas tinha se
revelado uma ação vantajosa na Guerra Ítalo-Turca. Quanto à utilização para missões de
bombardeio, embora se mostrasse promissora, devido ao baixo peso de carga dos aviões
da época, pouco dano material era atingido, somente grande pânico às tropas terrestres.
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Reconhecimento (escoteiros), ,,
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A partir de 1912, forças militares de diversas partes do mundo enviaram seus oficiais para
curso nas afamadas escolas de Louis Blériot e de Henri Farman.
A predominância francesa deixou o resto da Europa sem outra escolha senão investir mais
em aviação. O potencial do avião permanecia incerto, mas não valia a pena deixar um
provável inimigo avançar muito longe.
E como se situava o preparo aeronáutico da Alemanha para a guerra?
O Serviço Aéreo do Exército Imperial da Alemanha, denominado Luftstreitkrätfte, foi
iniciado em 1910. O Estado-Maior alemão também considerava os aeroplanos para
funções reconhecimento, comunicação e orientação de artilharia. Assim como os
franceses, alemães buscaram incentivar seus construtores de aviões, dentre estes a
Albatros e a Rumpler. No auge do verão de 1914, a Luftstreitkrätfte possuía um efetivo
de 250 pilotos e mais 270 observadores, operando mais de 230 aviões, quase todos de 2
lugares destinados a missões de observação.
Em certo momento, as universidades alemãs de Göttingen, Aachen e Berlim haviam
assumido a dianteira em pesquisas de aerodinâmica e desenvolvimento de materiais
aeronáuticos. Em complemento às iniciativas universitárias, uma agência governamental,
a Deutsche Versuchsantalt fur Luftfahrt, estabeleceu um laboratório aeronáutico em
Aldershof.
Albatross B1 - 1914
Rumpler-Taube - 1913
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Enquanto isso, de outro lado, na Frente Oriental, desta vez foram os alemães os
beneficiados por seus aviões. Aviadores a bordo de Taubes, detectaram o avanço do
Exército russo para a Batalha de Tannenberg. Os russos também operavam aviões, mas
o general Alexander Samsonov, tragicamente, ignorou as informações fornecidas por
seus pilotos.
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“No caso de uma guerra européia, entre os dois países, ambos os lados
seriam equipados com grande corpo de aviões, cada um tentando obter
informações sobre os outros (...) esforços que cada um iria exercer, a fim
de dificultar ou impedir o inimigo de obtenção de informações (...) levaria
a um resultado inevitável de uma guerra no ar, para uma supremacia do
ar, aviões armados uns contra os outros. Esta luta pela supremacia do ar
nas guerras futuras será da maior importância”.
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Voisin Type 5
Aviatik DI 1914
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Era preciso aumentar o poder de fogo, mas instalar uma pesada metralhadora naqueles
leves aviões ainda era uma tarefa complicada. Os primeiros aviões armados, em sua
maioria biplaces, levavam uma metralhadora montada no cockpit traseiro, e os tiros eram
disparados pela traseira e laterais do avião. Tal posicionamento não se mostrava
vantajoso. Desejava-se montar a metralhadora na frente do avião, mas aí havia a hélice.
Somente aviões com hélice impulsora – voltadas para trás - permitiam montar uma arma
na frente. Não obstante, aviões impulsores apresentavam um desempenho bastante
inferior no voo.
Vejamos como eram os primeiros aviões de reconhecimento armado:
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O mecanismo concebido por Roland Garros permitia o tiro frontal pelo arco da hélice que era protegida pela
instalação de cunhas defletoras na linha de tiro, ricocheteando os projéteis no momento da passagem da pá.
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Fokker E. I
O mês de julho de 1915 marca o início da entrada em operação das primeiras
unidades do Fokker E. I no front. Equipado com suas mortíferas
metralhadoras Spandau sincronizadas, o avião causou enorme impacto no
quadro geral da guerra aérea. Eram as primeiras armas aéreas efetivas,
autênticas aeronaves de caça. A balança da guerra no ar começou a pender
favoravelmente para os hunos ou boches, como os franceses e ingleses
chamavam pejorativamente os alemães.
No outono de 1916, começam a chegar centenas de novos Fokkers, em
versões cada vez mais avançadas, o E.II e o E.II, para compor as primeiras
unidades especializadas no combate, denominadas em alemão de Jagdstaffel,
(esquadrilha de caça), ou simplesmente JASTA. Além de uma organização
especializada, voltada para o combate aéreo, os alemães tinham uma máquina
muito superior à dos aliados. A superioridade do equipamento alemão se
refletiu no sucesso das missões de patrulha e no resultado dos confrontos
aéreos. Pilotos franceses e ingleses se tornaram alvos fáceis para qualquer
piloto alemão no comando de um Fokker E. III.
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Dos primeiros combates aéreos, passando pelo “Flagelo Fokker”, até o final
do conflito, vivenciou-se um período que ficou conhecido como a “Era dos
Ases”. Pilotos tentavam, além vencer batalhas e permanecer vivos, superar as
marcas uns dos outros. A imprensa noticiava não apenas as vitórias dos
aviadores de seu país ou aliados, mas igualmente as dos inimigos. Daí a
importância das notícias tanto de morte de um ás inimigo por um nacional,
quanto à negação quando ocorria o oposto. Foi esse embate propagandístico
que alimentaria as polêmicas sobre as mortes de Max Immelmann, Albert
Ball, Georges Guynemer, e Manfred Von Richthofen.
A propaganda acerca dos feitos dos pilotos era intensa, notadamente entre
franceses e alemães. Havia até concorridos cartões postais com fotos dos ases
uniformizados portando condecorações. Apesar da ênfase no individual, a
caça era uma atividade a ser desenvolvida em equipe, como o próprio Boelcke
insistia. As patrulhas deveriam ser basicamente compostas por 4 aviões, 2
líderes e 2 alas. Os líderes atacavam, e os alas protegiam a retaguarda. Porém,
os ases solitários faziam muito mais sucesso aos olhos do público. Havia, no
âmbito das esquadrilhas, um debate teórico sobre os métodos e táticas da
aviação de caça.
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Um exemplo clássico dos valores cultivados por aqueles homens foi o histórico duelo
travado entre o alemão Ernst Udet e o francês Georges Guynemer. Vejamos como foi
essa emblemática história:
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Manfred von Richthofen era o filho mais velho de uma aristocrática família
prussiana. O título nobiliárquico hereditário de freiherr - que pode ser
traduzido como barão - foi concedido à família pelo Imperador Frederico “O
Grande”, da Prússia.
Contudo, na guerra moderna que se avizinhava, a cavalaria não teria lugar frente às armas
modernas. Quando a guerra estourou, em 1914, a unidade foi enviada para lutar contra
os russos. A Richthofen cabia o trabalho de reconhecimento. Após ser condecorado com
a Cruz de Ferro de 2ª Classe, foi deslocado para a frente ocidental, onde atuou a
contragosto na retaguarda, no serviço de intendência. “Não vim para a guerra para
apanhar queijos e ovos”, escreveu a um superior ao pedir transferência para uma unidade
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“Em uma fração de segundo, eu estava atrás dele com meu excelente
avião. Disparei rajadas com minha metralhadora. Eu estava tão próximo
Medalha Pour
do inglês que temia colidir com ele. De repente, quase gritei de alegria Le Merite
quando vi sua hélice parar. Eu tinha despedaçado seu motor, forçando-o
a pousar em nossas linhas. O observador morreu pouco depois e o piloto
faleceu enquanto estava sendo transportado para um hospital próximo.
Eu homenageei o inimigo colocando uma pedra em seu bonito túmulo”.
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"Para a Luftstreitkrätfte:
Rittmeister Manfred Freiherr von Richthofen foi
morto em combate aéreo em 21 de abril de 1918.
Ele foi enterrado com todas as honras militares.
Assinado: British Royal Air Force."
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Esse sistema se mostrou eficaz, uma vez que permitia aos caças britânicos
imporem severas baixas aos bombardeiros alemães. Os Gothas, por sua vez,
começaram a realizar missões noturnas. Esse procedimento, entretanto,
padecia de duas limitações. A primeira é que a precisão dos lançamentos, já
baixa durante o dia, reduzia-se drasticamente nas operações noturnas. As
baixas à população e os danos materiais causados pelos bombardeios alemães
ficaram inexpressivos. Além disso, as operações noturnas eram
extremamente inseguras, com altos índices de perdas por acidentes. No total,
os bombardeiros alemães retornariam à Inglaterra 52 vezes, mas seus efeitos
ficaram muito abaixo das terríveis expectativas concebidas no pré-guerra.
Entretanto, a operacionalização do bombardeio aéreo estratégico na Primeira Guerra
serviu como um ensaio geral para algo muito mais horrível, num futuro não muito
distante. Ninguém percebeu isso melhor do que os homens que tinham comandado os
bombardeiros. Somente no final de 1917, os bombardeiros ingleses Handley Page O/400
iniciavam ataques às bases de submarinos, entroncamentos ferroviários, campos de
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Em 1911, A Itália foi à guerra contra a Turquia por causa da Tripolitânia. O Império
Otomano parecia estar desmoronando, e a Itália viu a chance de reaver partes do, há muito
perdido, Império Romano. Douhet, fez aí seu laboratório. Este conflito, conforme já
visto, testemunhou o primeiro emprego de aviões em um teatro de operações. Depois de
ganhar a guerra, a Itália organizou seu primeiro batalhão de aviação, sediado em Turim,
e entregou o comando a Douhet. Nesta posição, escreveu um livro, “Regras para o Uso
de Aviões na Guerra”, um dos primeiros manuais escritos sobre o assunto.
Assim como os demais defensores da causa aeronáutica, era impaciente
com superiores insensíveis às suas ideias. Antes da Grande Guerra,
encarregou um amigo, o engenheiro Gianni Caproni, de construir um
grande avião de bombardeiro trimotor para o Exército italiano. O
bombardeiro Caproni, em sua concepção, estava anos adiante de seu
tempo, mas as autoridades não gostaram do voluntarismo do coronel em
autorizar a construção do projeto sem consultar os escalões superiores.
Acabou sendo transferido para uma divisão de infantaria.
Gianni Caproni
Em 1912, ao considerar que tipos de aviões uma força aérea
deveria ter, Douhet concebeu um tipo de aeronave de múltiplo
emprego, realizando tarefas de reconhecimento, caça e
bombardeiro. Essa aeronave deveria suportar grande carga de
bombas. Ele expôs suas ideias embrionárias em relatórios
oficiais e artigos. Estes, a seu tempo, não foram suficientes para
convencer os chefes militares italianos. Caproni Ca 3
corte marcial, na qual foi acusado de agitador e por espalhar falsas notícias A invasão dos austríacos
chegou próxima à
para descrédito do governo perante a nação. Em 1916, acabou condenado a Veneza, mas aí os
um ano e meio de prisão. Continuou a escrever na prisão, propugnando a italianos foram socorridos
organização de uma imensa frota de bombardeiros – “aviões de batalha”, pelos aliados franceses,
ingleses e americanos,
assim ele os chamava. Aeronaves estas, aptas a desempenhar tanto missões que derrotaram os
de bombardeiro quanto de caça. invasores.
Após a guerra, o termo
Pouco depois de ser libertado da prisão, os italianos sofreram uma terrível "Caporetto" ganhou uma
derrota contra austríacos e alemães na Batalha de Caporetto, a qual conotação na língua
italiana, no sentido de
confirmando tudo o que Giulio Douhet havia escrito sobre a falta de preparo derrota e desastre.
militar do Exército italiano. Pouco tempo depois, os resultados de uma
investigação sobre os erros militares da derrota de Caporetto lhe deram razão.
Acabou reconhecido e nomeado diretor geral de aviação no Comissariado
Geral da Aeronáutica.
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Mas a nova posição do coronel não significou que seus superiores haviam se
tornado, na prática, mais progressistas. Douhet ficou novamente irritado pela
falta de apoio e pediu sua baixa do Exército em junho de 1918. Encerrada a
guerra, amparado por seus artigos críticos e diante dos erros militares italianos
cometidos na guerra, Douhet conseguiu anular sua condenação na corte
marcial, e conquistou a promoção a general.
Descrente em seu exército, em vez de retornar ao serviço ativo, manteve-se
na reserva, dedicando-se a escrever suas ideias revolucionárias acerca do
Poder Aéreo. Em 1921, publicou a primeira edição de Il Domínio dell’Aria
(O Domínio do Ar), sendo a obra comparada à dos grandes teóricos militares
como Clausewitz e Mahan. Na verdade, sua reabilitação foi tal que essa
primeira edição foi publicada sob os auspícios do Ministério da Guerra Carl von Clausewitz
italiano. Nela, Douhet antevê uma força aérea independente como arma Foi um militar prussiano,
suprema. “A vastidão do céu” – escreveu – “tornaria a defesa contra ela considerado um dos
maiores teóricos da guerra
quase impossível. Forças aéreas podiam sobrevoar exércitos e frotas navais da história da humanidade.
e atacar onde bem quisessem”. Sua obra “Da Guerra”,
publicada após sua morte,
Uma segunda edição de O Domínio do Ar se deu em 1926, já sob o regime tornou-se referencial
teórico para estrategistas e
fascista de Benito Mussolini, do qual Douhet era simpatizante. Nela, ele estudiosos da Arte da
acrescentou um longo anexo, modificando alguns pontos de vista Guerra.
manifestados na primeira edição e explicando melhor diversos aspectos de Tornou-se célebre pela
frase em que ele define a
seu pensamento estratégico, formulado de modo inteiramente original. Ele associação entre guerra e
radicalizou ainda mais suas ideias, renegando explicitamente alguns pontos política: "A guerra é a
continuação da política por
da edição anterior, pontos esses que ele qualificou de “concessões” feitas para outros meios". Tais meios
evitar não chocar a opinião pública. se dão pela violência
extremada.
Douhet considerava que o impasse das trincheiras ocorrido na Grande Guerra Ele considerava
seria a realidade definitiva na guerra terrestre, tendo a defesa assumido tal fundamental que a guerra
estivesse sempre
vantagem com relação à ofensiva que a tendência dos futuros conflitos seria a submetida à política. Isso
repetição da matança improdutiva. Essa tendência era intensificada pelo fato porque nenhuma guerra
pode ser vencida sem a
de, segundo ele, terem as guerras passadas a ser guerras totais, nas quais toda a compreensão precisa dos
sociedade de uma nação estaria envolvida. Com o predomínio da defesa, as objetivos e da
disponibilidade de meios¸
batalhas em terra estariam resumidas ao massacre inútil das populações ao ou sem o cálculo racional
promover repetidos ataques condenados a malogro. das capacidades e das
oportunidades, ou o
Segundo Douhet, a continuação desses ataques refletia uma concepção militar estabelecimento dos limites
obsoleta, típica de comandantes terrestres: a de que a ação em terra era éticos ao uso da força -
sempre submetida aos
necessária para permitir a ocupação do território inimigo. Ele sustentava não objetivos políticos
ser esse o objetivo real da guerra: tratar-se-ia, na verdade, de quebrar a estabelecidos.
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E qual seria o papel das forças terrestres e navais nessa nova guerra?
Segundo Douhet, o tempo das operações das forças de superfície seria tão
lento em relação ao da força aérea que a guerra estaria decidida muito antes
que os efeitos das manobras dos exércitos e marinhas se pudessem fazer
sentir. DOUHET E A
FORÇA AÉREA
Para Douhet, uma vez obtido o domínio do ar, seria possível
ITALIANA
bombardear com tranquilidade e sem qualquer oposição de
exércitos e marinhas inimigos. – embora isso fosse, na prática, Embora tenha enfrentado
desnecessário, pois a guerra já estaria decidida. muitos problemas na
defesa de suas ideias e
não vivido o bastante para
Um ponto nevrálgico e incomodo – sobretudo para generais e almirantes – se comprovar a aplicabilidade
de seus fundamentos
refere à necessidade de independência da força aérea em relação aos estratégicos em um
comandantes do exército e da marinha. Para Douhet, uma estratégia aérea conflito, Giulio Douhet
chegou a concretizar seu
independente teria que ser conduzida de maneira desimpedida dos sonho de ver uma força
comandantes de terra e mar. Estes, sempre tenderiam a priorizar os meios aérea independente para
seu país.
aéreos em favor de suas operações táticas de superfície, desprezando o poder
A ascensão do fascismo,
decisivo da aviação. O planejamento e a condução da guerra no ar deveriam em 1922, imprimindo a
ser feitos por comandantes independentes, no caso, oficiais aviadores, os concepção militarista do
Estado, foi fundamental
únicos que teriam conhecimento para tal. para viabilizar a almejada
autonomia da aviação
como força armada.
Forças aéreas, totalmente independentes de exércitos e
marinhas, e ainda, privativamente comandada por oficiais Benito Mussolini, em seu
primeiro gabinete, nomeou
aviadores, são pontos fundamentais defendidos por Giulio dois diretores gerais para
Douhet em O Domínio do Ar. a aviação: Arturo
Mercanti, para a aviação
civil, e Giulio Douhet, para
A composição da força aérea em termos de configuração das aeronaves é um a aviação militar.
dos temas sobrea as quais a posição de Douhet se modificou na segunda Em 28 de março de 1923,
por meio de um decreto
edição. Inicialmente, conforme a primeira edição, o general considerava ser real, foi criada a Regia
necessária, além de uma grande frota de bombardeiros e de reconhecimento, Aeronáutica Italiana, a
força aérea do Reino na
uma aviação de escolta. Estas seriam aeronaves semelhantes às de Itália. Mussolini logo
bombardeio, com o mesmo alcance, mas voltadas para o combate a outras tratou de se utilizar dela
para fins de propaganda
aeronaves inimigas. Já na segunda edição, Douhet radicaliza seu ponto de do regime fascista.
vista dispensado a frota de aviões de escolta. Considerava estes inúteis, Na década de 1930, a
pregando que os próprios bombardeiros deveriam levar seu próprio Regia Aeronautica ganhou
armamento defensivo. destaque internacional por
diversos feitos
aeronáuticos, a ponto de
muitos observadores
A força aérea ideal para Douhet seria composta apenas pelos internacionais a
bombardeiros e aviões de reconhecimento. A existência de considerarem uma das
esquadrões de caças seria um desperdício de recursos, pois, mais poderosas e
eficientes forças aéreas
segundo ele, nunca seria necessário se defender dos
do mundo.
bombardeiros inimigos, tendo em vista que estes já deveriam ter
sido destruídos no chão, numa operação preliminar. Depois da Segunda
Guerra, com a derrota do
nazi-fascismo e o fim da
monarquia, a
O general Giulio Douhet morreu em 1930, não tendo a oportunidade de denominação mudou para
validar suas proposições teóricas na observação dos conflitos subsequentes. Aeronáutica Militare
Italiana.
Apesar de sua lógica interna, o pensamento de Douhet se mostrou repleto de
equívocos, muitos deles evidenciados já na Segunda Guerra Mundial.
Você seria capaz de identificar quais os pontos positivos e falhos da teoria de Douhet com
base na observação de guerras e batalhas ocorridas a partir da Segunda Guerra Mundial?
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sua vida particular, bastante conturbada, aliada a um temperamento Tempos depois, durante a II
Guerra, seu trabalho acabou
intempestivo, acarretou a progressiva perda de seu conceito militar dentro do sendo reconhecido. Suas
Exército. Com notória fama de mulherengo, apresentava constantes ideias avançadas foram
sendo resgatadas e
problemas com alcoolismo. aplicadas com sucesso pelo
Exército e pela Marinha.
Um incidente doméstico entre ele e sua primeira mulher revela uma biografia
Mitchell deixava de ser um
marcada por escândalos. Nos arquivos consta que, certa vez, a Polícia do rebelde problemático e
Exército foi chamada à residência de Billy depois que sua esposa recebera um passou a ser considerado
um gênio incompreendido. A
tiro no peito durante uma da muitas e violentas brigas do casal. A senhora criação da USAF, em 1947,
Mitchell sustentava que ele havia atirado nela em fúria, estando bêbado; ele e o patronato desta,
sacramentaram o corolário
sustentava que ela havia atirado em si própria. Não havia testemunhas do de sua obra.
acontecimento. Felizmente, o ferimento não foi grave, mas eles se Em 2004, o Congresso
divorciaram logo depois. americano, buscando maior
valorização de sua figura
histórica, autorizou, por lei,
Submetido a uma corte marcial, composta por 10 oficiais- o presidente a promovê-lo
post mortem ao posto de
generais, Mitchell acabou sendo condenado a 5 anos de major general (2 estrelas).
afastamento com suspensão de seus vencimentos e
O argumento seria ser este o
rebaixamento ao posto de coronel. Em consideração a sua folha posto a que Mitchell teria
de serviços como ex-combatente, sua sentença foi modificada ascendido se tivesse
pelo presidente para que recebesse apenas metade da continuado sua carreira
remuneração. como chefe do Air Service.
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Diante da pena imposta pela corte marcial, a renda reduzida incapacitou o estilo de vida
de Mitchell, já financeiramente tenso. Desiludido, pediu baixa definitiva do Exército em
1926. Continuando a publicar livros e artigos, ele dedicou os últimos anos de sua vida a
convencer as lideranças políticas e militares de suas ideias, mas jamais recuperou sua
influência.
Antes de morrer, porém, teve a satisfação de ver parte de suas aspirações realizadas em
1926 com a organização do Army Air Corps, um comando específico para a aviação no
Exército, que possuía relativa autonomia. O sonho final, de uma força aérea
completamente independente, só viria a ocorrer em 1947, depois da Segunda Guerra, com
a criação da United States Air Force (USAF), esta, por fim, adotando Billy Mitchell como
seu patrono.
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Muitos desses alvos teriam sido selecionados em função de seu tamanho e facilidade de
identificação. Entretanto, o objetivo de Trenchard era atingir o moral da população
inimiga. Ele julgava que os efeitos psicológicos do bombardeio aéreo eram superiores aos
danos materiais numa razão de 20 para 1. A base do raciocínio era a seguinte: os
bombardeios sobre as fábricas disseminariam o pânico entre os operários, ao mesmo
tempo em que estes disseminariam o medo na sociedade. O terror do bombardeio às
indústrias induziria ao absenteísmo, que, somado aos danos materiais, afetaria a
capacidade produtiva e militar do inimigo, acelerando ainda mais a quebra de sua vontade
de prosseguir com a guerra.
Portanto, era mais útil bombardear o máximo de alvos, ainda que não se os destruísse
inteiramente. Era essa a concepção de quebra do moral do inimigo de Trenchard, e não o
bombardeio indiscriminado das cidades. Terminada a Primeira Grande Guerra, e, ao
longo de toda a década de 1920, em sucessivas oportunidades, cogitou-se em restaurar a
antiga subordinação da Força Aérea ao Exército e à Marinha.
O marechal viveu o bastante para ouvir, orgulhoso, a célebre frase do primeiro-ministro Winston
Churchill, em 1940, sobre o desempenho a RAF na Batalha da Grã-Bretanha, durante a Segunda
Guerra Mundial: “Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos deveram a tão poucos”.
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Dicas de estudo
Prepare-se para a avaliação lendo e relendo o conteúdo desta
apostila. Reveja também o arquivo da apresentação da aula em
Power Point.
CROUCH, Tom D. Asas - uma história da aviação: das pipas à era espacial. Rio de
Janeiro: Editora Record. 2008.
DOUHET, Giulio. O Domínio do Ar. Rio de Janeiro: INCAER. Editora Itatiaia, 2000
HIGHAM, Robin. 100 Years of Air Power and Aviation. Houston: Texas A&M
University Press., 2003.
PACAUD, Serge. L’Épopée des Temps Héroiques de L’Aviation. Paris: Edite par
CPE, 2005.
PROENÇA JR., Domício; DINIZ, Eugenio; RAZA, Salvador Ghelfi. Guia de Estudos
de Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1999.
SANTOS, Murillo. Evolução do Poder Aéreo. Rio de Janeiro: INCAER. Editora Itatiaia,
1989.
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