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FACULDADE DE DIREITO-FADIR
1. Introdução
Essa proposta que surge em um contexto politico favorável, pois logo após o
julgamento do “mensalão” e em pleno processo em andamento da “lava jato” a opinião
pública esta ainda mais favorável à expansão penal. as críticas a tal propostas surgiram
de diversos segmentos como OAB, o próprio MPF, advogados, em suma aqueles que se
propõem a defender um Estado Democrático de Direito pleno.
Devemos trazer à baila que tais mecanismos não foram inventados, a ideia de
aproveitamento de uma prova ilícita é algo trazido pela doutrina mais consagrada.
Evidente que essa matéria é trazida apenas a critério de conhecimento, elas não são
defendidas, ou pelo menos não eram até agora. Frente a isto buscamos num primeiro
momento uma elucidação da matéria, entendo em que consiste a prova ilícita, a sua
diferenciação com a prova ilegítima, sua conexão com as nulidades.
Por fim traremos a crítica a esta proposta do MPF de mudar as regras do jogo
sob o pretexto de estar combatendo a criminalidade, ou seja, de que assim teremos um
alcance maior da justiça.
1
Ferrajoli compreende o nexo que através do direito liga as diferenças e igualdade e as opõe com as
desigualdades e discriminações. (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y garantías. La ley penal del más débil.
6ª Ed. Madrid: Editorial Trotta. p. 82).
2. O conceito de prova no processo penal
Antes de iniciarmos aquilo que é a proposta deste trabalho, qual seja trabalhar a
ideia de prova ilícita e a sua possível flexibilização em nome de um eficienticismo
insano que objetiva apenas a condenação, entendemos por bem definir o conceito de
prova em processo penal segundo a doutrina majoritária.
Para Choukr2 a prova é todo produto obtido por meio legítimo, pelas partes
legitimadas perante um juiz em contraditório. Já Lopes Jr3. entende acertadamente que a
função do processo penal é de fazer uma reconstrução de fatos passados, através
basicamente ou necessariamente por provas. Com base nestas provas é que será possível
o convencimento do julgador sobre esse fato. O interessante na reflexão de Lopes Jr. é
de que, a ideia da aproximação nos remete que, o fato não será devidamente provado,
pois não teremos uma prova cabal, a mais perfeita das provas tende a se aproximar do
fato passado, essa situação nos remete que aquele que é julgado no presente não é a
mesma pessoa de outrora e não será o mesmo a cumprir a pena. Pensando essa
complexidade vemos o quão delicado é a situação vista como um todo. Sob o prisma de
Pacelli de Oliveira4 prova é a reconstrução dos fatos investigados no processo buscando
a verdade dos fatos, aludindo que a tarefa mais difícil, quando não impossível que é
justamente a reconstrução dessa verdade.
Entende-se por prova ilícita aquela que viola normas de direito material ou
constitucional. Conceito este plasmado no próprio art. 157 do CPP em sua parte final:
“art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Já a prova
ilegítima é aquela que viola uma norma de direito processual no momento de sua
produção em juízo, sendo esta resolvida dentro mesmo do processo.
2
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica
jurisprudencial. 5ª Ed., Rio de Janeiro: Editora. Lumen Juris. 2011. p. 275.
3
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2013. p. 535.
4
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Editora. Lumen
Juris. 2010. p. 341.
3. Teorias justificadoras da prova ilícita: os fins justificam os meios na
persecução penal
Tal situação que se propõe neste pacote anticorrupção não surge como
novidade, existe teorias que buscam justificar o uso de provas obtidas através de meios
ilícitos, são chamadas teorias das provas ilícitas.
Não há muito que se dizer sobre algo deste gênero, o mesmo autor sustenta o
que hoje se tem por óbvio. Como podemos admitir uma prova que é ilícita, ou seja,
obtida por um meio que afronta a constituição, obtida sabe-se Deus como, por meio de
tortura, ou de um interrogatório sem a presença de seu advogado, enfim, não nos
faltariam exemplos de práticas ainda muito usuais em nosso cotidiano, que seriam
segundo essa teoria, perfeitamente adequadas ao processo. Seguramente voltaríamos aos
tempos das bruxas, dos hereges sem dúvida alguma.
5
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. op. cit. p. 594.
6
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica
jurisprudencial. op. cit. p. 292.
7
“A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para
revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena
de ofensa à garantia constitucional do due processo of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das
provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo”. (A constituição e o Supremo. 3ª Ed. Brasília: Secretária de documentação. 2010 p.
279).
constitucional é absoluta, uma vez que tem que conviver com outras regras ou
princípios também constitucionais8.
O conceito de prova ilícita já esta mais que claro a esta altura, porém agora
trataremos da prova ilícita por derivação ou mais conhecida como “teoria dos frutos da
arvore envenenada”. Tal previsão encontra-se no §1º do art. 157 do CPP que dispõe:
“são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando derivadas puderem
ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.
Pois bem, tal previsão entende que aquela prova lícita, que advém de uma
prova ilícita não será aproveitada, por exemplo, uma confissão mediante tortura.
Interessante posicionamento de Greco Filho15 com relação ao nexo de causalidade entre
prova ilícita e prova derivada. Para ele, não há necessidade de haver um nexo de
causalidade claro, tal conexão entre a prova ilícita e a derivada deve ser analisada pelo
juiz, através do critério da íntima convicção, este declarará se a prova guarda relação
com a ilícita ou não.
13
LOPES Jr. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. op. cit. p.588.
14
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. op. cit. p. 388.
15
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. op. cit. p. 212.
Não obstante há também denominada teoria da fonte independente, prevista no
§1º do art. 157 do Código de Processo Penal e conceituada no §2º, definida como:
“considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato
objeto da prova”. Segundo Greco Filho16 tal previsão é praticamente impossível de
saber se esta é ou não independente de uma prova ilícita, neste caso trazendo o caso de
uma confissão mediante tortura, levando as autoridades a encontrar objetos furtados ou
roubados. Sabemos que tal prática é corriqueira e nesse caso as autoridades dirão que a
confissão foi anônima e aquele que “confessou” jamais dirá que foi torturado sob pena
de ser torturado ainda mais ou até mesmo eliminado. Já para Choukr17 todo o rigor
previsto no caput do art. 157 se desfaz neste parágrafo, considerando que qualquer
prova violando norma constitucional ou infraconstitucional pode ser estancada sob o
pretexto de que esta seria descoberta seguindo os trâmites típicos e de praxe a prova
seria descoberta de forma inevitável. Para esse caso em especial o autor já chama a
responsabilidade do STF em posicionar-se com relação a este tema, afim de que se
busca uma delimitação com relação a esta temática.
Se pensarmos desde uma lógica simplista argumentar que a prova ilícita é nula
seria algo totalmente desnecessário, pois estamos diante do óbvio. No entanto faz-se
necessário aclarar duas situações: em primeiro lugar a prova ilícita por constituir
instituto próprio, não esta elencada no rol das nulidades, como seu próprio nome diz, ela
é ilícita e não nula, constitui outras particularidades, “a ilicitude é uma qualidade
atribuída pela norma jurídica a uma conduta”18. Nesse sentido Gloeckner nos ensina que
como se fala em ilicitude da prova se fala em sua antijuridicidade. Num segundo
momento essa prova quando inserida no processo, ou seja, aproveitada teremos a
nulidade, por isso a afirmação correta de Gloeckner de que a teoria da prova ilícita pode
16
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. op. cit. p. 213.
17
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica
jurisprudencial. op. cit. p. 295.
18
GLOECKNER, Ricardo Jacbsen. Nulidades no processo penal. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPodim.
2013. P. 364.
se enquadrar dentro do gênero das nulidades19. Em suma a questão reside no critério
temporal20, tendo a prova ilícita como ato prévio, no momento de sua concepção,
enquanto a nulidade seria essa mesma prova já inserida no processo.
Vimos no transcorrer de teorias justificadoras das provas ilícitas que para obter
a “verdade dos fatos”, ou seja, buscar o fim do processo que no jargão popular é a
19
GLOECKNER, Ricardo Jacbsen. Nulidades no processo penal. op. cit. p. 365.
20
GLOECKNER, Ricardo Jacbsen. Nulidades no processo penal. op. cit. p. 367.
21
Lei 11.690 de 09/062008.
condenação do acusado, o Estado usa os meios mais sórdidos, tendo como exemplo
máximo o ponto aqui criticado neste breve estudo (o uso da prova ilícita pro societati).
Quando há absolvição, no entendimento popular alguma coisa saiu errada, certo é um
processo resultar numa sentença condenatória, e de preferência com uma pena bem
elevada22.
22
Sobre o tema invocamos o magistério de Rui Cunha Martins quando trabalha a ideia deste imediatismo
pela apuração da “verdade” produzida pela mídia que de certa forma constrói um senso comum da
sociedade buscando sempre penas elevadas, e que o sucesso do processo é a acusação: “mas o
fundamental, para o nosso presente proposito, tem a ver com o uso que é feito desses valores na
perspectiva dos próprios media. E, desse ponto de vista, não só é incorreta a ideia de total abdicação de
valor „verdade‟ do discurso dos media (até porque, conforme o exposto antes, a possibilidade de
coexistência entre duas funcionalidades – no caso „velocidade‟ e „verdade‟ – é tão ou mais provável
quanto a ideia de substituição de um valor por outro), como é crucial reconhecer que o valor „verdade‟ se
encontra entre os argumentos auto-fundantes e auto-legitimantes da actividade jornalística, ainda quando,
como sabemos, ele é trabalhado ao arrepio do canône”. (MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do
direito. The brasilian lessons. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. p. 66).
23
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos. Conferencias de criminologia cautelar. São
Paulo: Editora Saraiva. 2014. p. 465.
passa de uma construção dessa criminologia midiática que promove uma situação não
condizente com a realidade, lançando essa mensagem espera que seus súditos sintam-se
inseguros e clame por parte do Estado (seu entre protetor) que os assegure de todo o
mal, impondo penas adequadas a essa nova criminalidade avassaladora. Dessa forma
podemos atribuir que a globalização é também um meio, apropriado pela criminologia
midiática para construir uma realidade adequada as suas necessidades de controle e
eliminação do excedente do corpo social.
24
HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. trad. José Viegas. São Paulo: Editora
Cia das Letras. 2007. p. 46.
incrementar os mecanismos de controle através da expansão penal e da vigilância total,
constituindo um totalitarismo absoluto.
25
Poderíamos citar inúmeros exemplos conectam a globalização a uma ideia de risco, ou de sociedade de
risco, no entanto entendemos que a ideia de soberania do Estado esta para além de qualquer tema de
relevância no que tange a ideia de mundo globalizado. Nesse sentido Silva Franco nos ensina que:
“embora no plano do discurso se afirme a soberania do Estado nos limites de suas fronteiras territoriais, a
realidade deixou patente que, numa sociedade mundial não há mais espaços geográficos fechados e que as
políticas estatais, de aspecto financeiro, monetário, social, de meio ambiente, militar, etc. tem seus centros
de decisão fora do Estado-nação, não em outro ou outros Estados-nações, mas sim, nos grandes
conglomerados econômicos transnacionais”. (FRANCO, Alberto Silva. “Globalização: efeitos danosos e
alternativas viáveis”. In Cuadernos de doctrina y jurisprudencia penal, criminología, año 1, nº 1.
Buenos Aires: Editora AD-HOC. 2002. p. 76).
26
BECK, Ulrich. La sociedade de riesgo mundial. En busca de la seguridad perdida. 1ª Ed.
Barcelona: Editora Paidós Ibérica, S.A. 2008.
27
Quando falamos em terrorismo sempre nos remetemos aos atentados de 11-S, mas devemos sempre
pensar, nas outras formas que são o terrorismo biológico, cibernético, químico e nuclear. Ameaças
infinitamente mais geradoras do pânico que o terrorismo do século XXI objetiva e muito mais fáceis de
pôr em prática. (FERNANDES, Ignácio Nunes. El paradigma de los delitos de terrorismo entre
derecho interno y internacional. Los delitos de terrorismo entre derecho interno e internacional en
los albores del siglo XXI. 1ª Ed. Saarbücken: Editorial Académica Española. 2012. p. 18).
28
PRITTWITZ, Cornelius. “O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo”. In
Revista brasileira de ciências criminais. Nº 47. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. pp. 31-45.
nosso direito penal clássico não está apto a sua efetiva proteção por não estar adequado
a essa nova tendência “não pós-moderna e sim mais moderna” como define Beck29.
Frente a este estado de inadequação, como é recorrente faz-se necessário que o direito
penal entre em conformidade com o estado atual das coisas, em outras palavras, que ele
observe essa situação social de “risco mundial” e que alcance a devida proteção, para os
novos “bens jurídicos tutelados”.
Sem embargo para conter esse risco crescente, pois temos uma demanda de
“marginais” que excede ao alcance do atual sistema penal vigente, direito penal clássico
não alcança punir a todos os que o sistema impõe excluir, nesse sentido o que se faz é
aumentar o poder punitivo através do fenômeno de expansão penal32. Como alude
Khaled Jr. “temos um sistema que para muitos é voltado para o combate ao crime, mas
que continuamente amplia a esfera do que é classificado como crime, fazendo com que
cada vez mais aspectos da vida humana sejam criminalizados em nome da irrealizável
promessa civilizatória33”.
Por fim, merece salientar que dentro desse debate de sociedade de risco, de
expansão penal como já salientamos uma teoria que ganhou grande repercussão no
29
BECK, Ulrich. La sociedade de riesgo mundial. Em busca de la seguridad perdida. Op. cit. P. 86.
30
SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal
en las sociedades postindustriales. 2ª Ed. Madrid: Editora Civitas. 2001. p. 27.
31
SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal
en las sociedades postindustriales. Op. cit. p. 28.
32
“No es infrecuente que la expansión del derecho penal se presente como producto de una especie de
perversidad del aparato estatal, que buscaría en el permanente recurso a la legislación penal una
(aparente) solución fácil a los problemas sociales, desplazando al plano simbólico (esto es, al de la
declaración de principios, que tranquiliza a la opinión pública) lo que debería resolverse en el nivel de lo
instrumental (de la protección efectiva). (SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho
penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Op. cit. p. 21).
33
KHALED Jr., Salah H. “O homem do dique e a irracionalidade do pensamento jurídico-penal
sedimentado: reencontro subversivo com a história política do direito penal”. In Controvérsias
criminais: estudos de direito penal, processo penal criminologia. 1ª Ed. Jaraguá do Sul: Editora Letras
e conceitos. 2013.
debate sobre os limites da antecipação da punibilidade e a flexibilização de garantias
para determinados grupos considerados “desertores” do Estado, é o direito penal do
inimigo de Jakobs. O debate acerca do conceito e limites de um direito penal do inimigo
já foi exaustivamente esgotado por inúmeros autores34. A teoria de Jakobs não será
tratada neste ensaio, porém devemos apenas lembrar aqui um claro exemplo entre o
direito penal e legislação penal35. Enquanto o discurso por parte do direito penal é
totalmente contrário ao direito penal do inimigo, o que vemos por parte da legislação
penal é cada vez mais a adesão a medidas que tem todas as características do que Jakobs
prescreveu como algo menos perigoso que o estado atual em que vivemos36.
34
PRITTWITZ por exemplo defende a ideia de um direito penal de risco, ao passo que o direito penal do
inimigo para ele é algo que deve ser repudiado. (PRITTWITZ, Cornelius. “O direito penal entre direito
penal do risco e direito penal do inimigo”. In Revista brasileira de ciências criminais. Nº 47. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. pp. 31-45. Sobre um debate mais profundo sobre o tema recomendamos,
Derecho penal del enemigo. El discurso penal de la exclusíon. Vol. 1 e 2. Cord. Cancio Meliá e
Gomez-Jara Díez. Buenos Aires: Editora B de F. 2006.
35
KHALED Jr., Salah H. “O homem do dique e a irracionalidade do pensamento jurídico-penal
sedimentado: reencontro subversivo com a história política do direito penal”. op. cit. p. 2.
36
JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Livraria do advogado. 2008.
p. 49.
37
Como nos ensina Bauman, “desde o início, o Estado moderno teve de enfrentar a tarefa
desencorajadora de administrar o medo”. (BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de
Janeiro: Editora Zahar. 2009. p. 17).
sabe o que há depois dela, alguns dizem que tudo se termina, para outros é apenas um
ciclo, enfim, muitas hipóteses, mas nada é certo, com exceção da morte em si. É
justamente esta incerteza que nos causa temor, como nos ensina Bauman38, quando este
medo é difuso, disperso ele é potencializado.
Mas também o medo pode ser a causa de um pensar diferente, todos nos
vivemos num estado de conforto, quando nos defrontamos com uma situação que nos
coloca em choque frente este estado de segurança, normalmente sentimos medo. Mudar
causa medo, por isso muito temor com certas ideias novas, politicas novas,
determinadas teorias que colocam em confronto uma minoria que não esta disposta a
abrir mão do seu estado de conforto em benefício da coletividade39.
38
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Zahar. 2008. p. 8.
39
FRANCO, Alberto Silva. “Globalização: efeitos danosos e alternativas viáveis”. Op. cit. p. 85.
40
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. op. cit. p. 9.
41
“Finalmente, en la sociedad se ha difundido un exagerado sentimiento de inseguridad, que no parece
guardar exclusiva correspondencia con tales riesgos, sino que se ve potenciado por la intensa cobertura
mediática de los sucesos peligrosos o lesivos, por las dificultades con que tropieza el ciudadano medio
para comprender el acelerado cambio tecnológico y acompasar su vida cotidiana a él, y por la extendida
percepción social de que la moderna sociedad tecnológica conlleva una notable reducción de la
solidaridad colectiva”. (RIPOLLÉS, José Luis Diéz. “De la sociedad de riesgo a la seguridad ciudadana:
un debate desenfocado”. In Derecho penal del enemigo. El discurso penal de la exclusíon. Vol. 1 e 2.
Cord. Cancio Meliá e Gomez-Jara Díez. Buenos Aires: Editora B de F. 2006. p. 556).
42
CASTEL, Robert. La inseguridad social. ¿Qué es estar protegido? 1ª Ed. Buenos Aires: Editora
Manantial. 2011. p. 13
entorpecentes entre outros problemas sociais que nas palavras de Kessler43 causam
fascinação e paranoia na sociedade. Segundo o sociólogo argentino, desses estudos,
alguns chegaram a conclusão de que o medo é um recurso intencionalmente manipulado
por motivos econômicos, políticos e étnicos44.
Não é necessário um grande esforço mental para entendermos que essa politica
de construção de uma sensação de insegurança esta totalmente orientada pelo poder
econômico. A segurança privada é um negócio cada vez mais forte, a ideia de que o
Estado não tem capacidade operativa para proteger à todos, abre margem para esse
comércio45.
43
KESSLER, Gabriel. El sentimiento de inseguridad. Sociología del temor al delito. 1ª Ed. Buenos
Aires: Editora Siglo XXI. 2009. p. 29.
44
KESSLER, Gabriel. El sentimiento de inseguridad. Sociología del temor al delito. op. cit.
45
FRANCO, Alberto Silva. “Globalização: efeitos danosos e alternativas viáveis”. Op. cit. p. 85. A
segurança não pode ser um negócio, segurança é um dever do Estado, deixarmos na mão do livre mercado
e transformar a segurança num negócio nos levara a uma eterna inconstância, a viver sempre com níveis
de insegurança fora do plano real. Considerando ainda que, numa determinada situação a delinquência
pode ser produzida para manter o público pagante, a segurança sendo um negócio, os empresários desse
ramo jamais permitirão que a fonte de seu negócio se extinga.
46
Nesse sentido Zaffaroni nos ensina sob o prisma da prevenção geral negativa que: “en práctica, se
trataría de una ilusión que se mantiene porque la opinión pública la sustenta, y que conviene seguir
sosteniendo y reforzando porque con ella se sostiene el sistema social; es decir, el poder, la alimenta
para sostenerse”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; Skolar, Alejandro. Derecho
Penal. parte general. 2ª Ed. Buenos Aires: Editora Ediar. 2002. p. 60).
47
AMARAL, Augusto Jobim do. Violência e processo penal. critica transdisciplinar sobre a
limitação do poder punitivo. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2008. P. 50.
48
O incremento do medo para manter uma sensação de insegurança ou adotar politicas repressivas de
cunho excludente (Lei e Ordem), estigmatizando a pobreza em benefício de poucos. Wacquant nos
mostra que os nova-iorquinos brancos elogiam a prefeitura por sua intolerância com respeito ao crime
sentem-se menos ameaçados em sua cidade. sob esse prisma nos mostra que a política de tolerância zero
tem duas fisionomias, uma repressiva cujo o alvo são os negros e pobres e os beneficiários são os brancos
favorecidos financeiramente. (WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora
Jorge Zahar. 2001. p. 37).
mortes de pobres e negros mostra uma polícia atenta na “luta contra as drogas”49.
Enfim, podemos dizer que o excedente social é muito útil para manter em
funcionamento a máquina do poder. Em resumo vemos um genocídio por parte do
Estado, o uso de pessoas como marionetes para obedecer as necessidade de um sistema
que só visa a concentração do poder e o bem estar de poucos às custas da opressão e
eliminação de muitos. Note-se também que uma boa parcela de exclusão parte dos
favorecidos, pois estes não tem interesse em conviver, ver ou ter que falar com esses
sujeitos, “feios”, ainda vivemos numa sociedade divida em castas. Nesse sentido vale
lembrar Bauman50 quando alude que no princípio as cidades foram construídas para
oferecer segurança aos seus habitantes, tínhamos os de dentro e os de fora da cidade.
Hoje a cidade acaba se transformando em frações onde há os bairros fechados onde vive
a casta mais elevada, e os bairros mais afastados, à margem da cidade, onde vivem os
marginalizados. A ideia de cidade como lugar que nos oferece segurança acaba por ser
um lugar de insegurança, para isso criamos dentro da cidade um bairro com muros
fechados que se assemelha e muito as primeiras cidades. No entanto essa nova cara das
cidades faz com que aumentemos ainda mais o distanciamento dos outros, fazendo com
que nossa margem de tolerância com o diferente seja ainda maior, de outro modo, com
essa linha de pensamento acabamos por excluir ainda mais, deixamos de conviver com
o diferente. Bauman51 salienta o quão é excitante e necessário para o nosso convívio,
confrontarmos com o diferente, conversar, trocar experiências, e ainda expõe o quanto
seria monótono viver entre todos iguais, o excitante de uma cidade é a diversidade.
49
Para Baratta a “luta contra as drogas” não passa de uma luta direta sobre os excluídos. (BARATTA,
Alessandro. “Seguridad”. In Capítulo criminológico. Revista de las disciplinas del control social. Vol.
29, nº 2. Maracaibo. 2001. pp. 1-24.
50
BAUMAN, Zigmunt. Confiança e medo na cidade. op. cit. p. 39.
51
BAUMAN, Zigmunt. Confiança e medo na cidade. op. cit. p. 89.
guarda a devida proporção com os perigos reais vividos pela sociedade. Sem embargo
esses temores somados oferecem nutrientes suficientes para a construção do bode
expiatório52 da vez, para a construção do inimigo público, daquele que ameaça as
estruturas básicas do Estado, que põe em risco a segurança nacional. Esse velho
discurso, essas frases montadas que paradoxalmente ainda surtem efeitos são o impulso
lançado à sociedade para a construção do inimigo social.
52
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. A palavra dos mortos. Conferências de criminologia cautelar. 1ª Ed.
2ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva. 2014. p. 479.
53
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. O inimigo do direito penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Revan. 2007.
54
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. A palavra dos mortos. Conferências de criminologia cautelar. Op. cit.
p. 480.
55
DAL RI JR. Arno. O Estado e seus inimigos. A repressão política na história do direito penal. Rio
de Janeiro: Editora Revan. 2006. p. 280. MENDEZ. Emilio Garcia. Autoritarismo y control social.
Buenos Aires: Editora Hammurabi. 1987. p. 107.
56
Aqui nos reportamos ao direito penal do inimigo já mencionado neste ensaio.
No que tange ao primeiro exemplo, depois do atentado à revista Charlie Ebdo
o Estado Islâmico reascendeu a chama do temor ao terrorismo, resultado disso é que
recentemente a França aprovou uma Lei que autoriza as interceptações telefônicas sem
prévia autorização judicial, batizada como patriot Act57. Tal mecanismo remonta a
patriot Act dos EUA58 e Reino Unido59 no combate ao terrorismo, nos faz lembrar que
em pleno século XXI temos uma prisão como Guantánamo, ou seja, sob o pretexto de
garantir a liberdade, restringimos todas as garantias básicas de terroristas e suspeitos,
pois muitos que lá estão nunca foram julgados e provavelmente nunca o serão.
61
BAUMAN, Zigmunt. Vigilância liquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar. 2013. p 28.
62
FOUCAULT. Michel. Vigilar y castigar. Nacimiento de la prisión. Buenos Aires: Siglo Veintiuno
Editores. 2009. p. 207.
63
BAUMAN, Zigmunt. Vigilância liquida. op. cit. p. 57
64
“En cuanto al poder disciplinario, se ejerce haciéndose invisible y, por el contrario, impone a aquellos a
quienes somete un principio de visibilidad obligatorio”. (FOUCAULT. Michel. Vigilar y castigar.
Nacimiento de la prisión. Op. cit. p. 218).
65
Nesse sentido é interessante recordar que Foucault fala que Bentham assim como Rousseau acreditava
que uma sociedade transparente, visível e legível, não permitindo zonas escuras, ordenadas pelo poder
real. Que cada cidadão, desde o lugar que ocupa possa ver o conjunto de sua sociedade, que os corações
se comuniquem uns com os outros e que assim possam impor obstáculos ao poder. No entanto Foucault
sustenta que Bentham é isso e ao mesmo tempo o contrário, arguindo que esse mesmo estado de
vigilância seria aproveitado por um poder rigoroso e meticuloso. (BENTHAM. Jeremias El panoptico.
FOUCAULT, Michel. “El ojo del poder”. María Jesús Miranda, Bentham en España. Madrid: Ediciones
La piqueta. 1979. p. 15).
do mercado, quando recebemos uma ligação de oferta de crédito, ou quando nosso
computador nos oferta produtos que pesquisamos recentemente. É o sistema
controlando nossos atos e oferecendo o que buscamos numa lógica capitalista de
consumo.
A busca por uma segurança total é alimentada diariamente por uma mídia66 que
apenas reproduz a barbárie67, sob esse pretexto buscamos ferramentas de vigilância
alimentando um mercado poderoso que é o da segurança privada. Nessa dinâmica
cedemos o nosso direito à intimidade em troca de uma segurança nunca alcançada68.
Nessa extensão da vigilância a globalização ocupa lugar importante oferecendo ao
capitalismo ferramentas de controle de pretensos consumidores, uma visão globalizada
do panóptico de Bentham. Observa-se que todas as promessas de segurança estão
atreladas a um maior controle social por parte do poder e como consequência disso, em
tempos de globalização esse mesmo mecanismo serve para aumentar o consumo,
alimentando o sistema capitalista, causando consequentemente uma separação entre
consumidor e não consumidor, sendo este último excluído do corpo social. A vigilância
opera em suma para controlar “os de dentro” e “os de fora”69.
66
ROSA, Alexandre de Morais da; KHALED, Salah H. Jr. “In dubio pro hell: o processo penal do
inimigo”. In Indubio pro hell: profanando o sistema penal. 1ª Ed. Editora Lumen Juris. 2014. p. 11.
67
“Estes problemas de percepção pública são exacerbados pelo fato de que o sistema de justiça criminal
é, em qualquer caso, um campo minado. Ele habitualmente lida com casos emocionalmente carregados e
de grande visibilidade, que sufocam o significado de justiça e provocam reações hostis de um lado e de
outro”. (GARLAND, David. A cultura do controle. Crime e ordem social na sociedade
contemporânea. 1ª reimp. Rio de Janeiro: Editora Revan. 2014. p. 253).
68
Nesse sentido questiona Agambem: “a crescente multiplicação de dispositivos de segurança testemunha
uma mudança na conceituação política, a ponto de podermos legitimamente nos perguntar não apenas se
as sociedades e que vivemos ainda podem ser qualificadas de democráticas, mas também e acima de tudo
se elas ainda podem ser consideradas sociedades políticas”. (AGAMBEM, Giorgio. “Como a obsessão
por segurança muda a democracia”. In Le Monde Diplomatique Brasil. disponível em:
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1568 . acessado dia 30/07/2014).
69
BAUMAN, Zigmunt. Vigilância liquida. op. cit. p. 65.
ilícita como consta no projeto inicial70, como sustentou Lênio Streck71 em artigo
publicado pelo boletim Consultor Jurídico, quando compara o Ministério Público a
criança dona da bola, quando o jogo lhe desfavorece, ela pega a bola e vai embora.
Mudar as regras do jogo sob o pretexto de combater a criminalidade não tem nexo e
muito menos sustentação em qualquer plano, principalmente num país que se intitula
democrático. Lembra Alexandre Morais da Rosa que “O processo penal é o uso do
confronto em contraditório para garantia da democracia”72, pois parece que esta lição
básica esta sendo desconsiderada.
70
A proposta inicial consistia em: “Art. 157, § 3o Ressalvados os casos de tortura, de violência física, de
ameaça, ou de violação da residência e interceptação de comunicações sem mandado ou ordem judicial,
bem como outros de igual gravidade, poderá o juiz ou tribunal determinar o aproveitamento da prova
ilícita, com base no princípio da proporcionalidade, quando os benefícios decorrentes do aproveitamento
forem maiores do que o potencial efeito preventivo, da decretação da nulidade, sobre o comportamento
futuro do Estado em investigações”. (Grifo nosso). (http://s.conjur.com.br/dl/proposta-mpf-prova-
ilicita.pdf, acessado dia 1/06/2015).
71
STRECK, Lênio. “O que fazer quando o Ministério Público quer violar as regras do jogo”? in
Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-22/lenio-streck-quando-mp-
violar-constituicao. Acessado dia 01/06/2015.
72
ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2014. p. 183.
73
http://www.dm.com.br/politica/2015/03/oab-e-juiz-criticam-pacote-anticorrupcao-do-mpf.html.
Acessado dia 01/06/2015.
74
http://www.conjur.com.br/2015-mar-20/mpf-propoe-mudanca-prova-ilicita-seja-aceita-justica.
Acessado dia 01/06/2015.
prova ilícita e sua valoração75. Argumenta o MPF que foi um “problema de redação”,
que jamais passaria pela cabeça de ninguém que qualquer prova ilícita poderia ser
aproveitada no processo, o que se busca é uma análise mais detalhada das provas para
que não seja anulado qualquer processo de forma imediata. Dessa forma com essa nova
redação estamos a salvo do fantasma da prova ilícita rondar o processo penal?
Infelizmente nossa visão sobre este assunto é que este fantasma permeia e seguirá
“vivo” se este parágrafo terceiro for aprovado.
75
“Art. 157, § 3o Ressalvados os casos de tortura, de violência física, de ameaça, ou de violação da
residência e interceptação de comunicações sem mandado ou ordem judicial, bem como outros de igual
gravidade, poderá o juiz ou tribunal determinar novos parâmetros para definição da prova lícita e sua
valoração, com base no princípio da proporcionalidade, quando os benefícios decorrentes do
aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo, da decretação da nulidade, sobre o
comportamento futuro do Estado em investigações”. (Grifo nosso). (http://s.conjur.com.br/dl/versao-
prova-licita.pdf. Acessado dia 01/06/2015).
76
Nesse sentido nos elucida Streck que a história já nos mostrou que depender da consciência dos juízes é
algo muito perigoso, e ainda traz o exemplo dos Estados de nossa Federação que invertem o ônus da
prova em casos de furto, estelionato e tráfico de entorpecentes. (STRECK, Lênio. “O que fazer quando o
Ministério Público quer violar as regras do jogo”? op. cit.).
mesmo as provas contaminadas está diretamente violando a constituição, como sustenta
Streck, “abrir a porteira do ilícito cometido pelo Estado é cair na barbárie”77.
A história nos mostrou que o desprendimento das leis e uma ampla margem
discricional nas mãos dos magistrados permitiram a legitimação da barbárie, tais casos
são o Código Rocco do fascismo78, o direito penal do terceiro Reich79 e não poderíamos
deixar de mencionar a nossa politica criminal de segurança nacional Latino-americana
que como diz Zaffaroni80 em sua matriz inicial adotou uma militarização sob o pretexto
de lutar contra um inimigo comum (o comunismo), mas que hoje despida dessa ameaça
veste novas roupagens, adotando outros bodes expiatórios para uma legitimação
desconectada com as garantias constitucionais e com os direitos humanos. Hoje a
ameaça cotidiana é a segurança urbana, e graças a uma construção que descrevemos
anteriormente essa política de segurança nacional, hoje com distintos apelidos ganha
força e vem a ser proposta não pelo legislativo, famoso pela aprovação de leis
desconexas com a realidade e contrárias a Constituição, mas de um órgão que deveria
proteger a Carta Magna, que é o próprio Ministério Público.
8. Conclusão
Não causa espanto tais medidas de cunho autoritário, o estado sempre buscou
criar mecanismos mais aptos ao eficienticismo penal do que voltados às garantias, ao
respeito do cidadão. Buscamos no decorrer deste ensaio demonstrar uma construção
77
STRECK, Lênio. “O que fazer quando o Ministério Público quer violar as regras do jogo”? op. cit.
78
DAL RI JUNIOR. Arno. O Estado e seus inimigos. Rio de Janeiro: Editora Revan. 2006. p. 225.
79
JESCHECK. Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. parte general. Trad. Miguel Olmedo
Cardenete. Granada: Editorial Comares. 2002. p. 107.
80
ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro vol.
1, parte geral. 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 314.
legislativa que advém a nosso entender de motivações de cunho social, normalmente
construídas por meios sensacionalistas que reproduzem uma falsa realidade, uma falsa
sensação de insegurança, enfim aparatos constituídos com o objetivo de excluir uma
massa indesejada do corpo social, ou nas palavras de Baumann os não segurados,
aqueles que não consomem.
Entretanto, esse comportamento por parte da mídia não nos espanta, assim
como não nos espanta que boa parte da sociedade se deixe levar por essa informação
diária que apenas mostra o caos, chegando ao cumulo de alegar que a solução seria
voltarmos ao Estado de exceção. Nada pode ser mais descabido com relação ao tema,
ora levantar a bandeira de um Estado de total insegurança jurídica com a escusa de
buscarmos mais segurança é algo totalmente absurdo. Tais argumentos também não nos
espantam pois vem de setores que não tem autoridade para discutir aquilo que se
propõe, ou seja, a segurança pública e a normatização, a criação de leis adequadas ao
combate da criminalidade.
Por outro lado o que nos espanta é quando tal proposta surge por parte daqueles
que devem proteger a Constituição, que devem salvaguardar os direitos individuais e
difusos da sociedade, de uma instituição que tem por bem defender o Estado
81
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. A palavra dos mortos. Conferências de criminologia cautelar. Op. cit.
p. 463.
Democrático de Direito que é o MPF. Podemos nos atrever a pensar o pior, que até
mesmo o Ministério Público Federal se deixou levar por esse discurso que advém da
mídia ou de setores da sociedade contaminados por estas informações desconectadas da
realidade. Por outro lado podemos questionar acerca da forma como o Ministério
Público leva suas investigações, questionando sua capacidade cognitiva em levar a sério
uma investigação, pois seguindo as regras não conseguem prender, não conseguem
efetuar seu trabalho, sendo necessário burlar o devido processo legal para aí sim efetuar
as condenações desejáveis. Note-se que quando falamos efetuar seu trabalho, no jargão
popular não é esgotar os meios processuais disponíveis para uma aproximação dos fatos
ocorridos, e depois sim, vencida esta fase que caiba ao juiz decidir com base nos
elementos discutidos. O que se busca, com essa tentativa de flexibilizar a prova ilícita é
alcançar o maior número de condenações. A verdadeira vitória do Ministério Público
que defende tal implementação no CPP é condenações e não respeitar o devido processo
legal.
9. Bibliografia
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BENTHAM. Jeremias El panoptico. FOUCAULT, Michel. “El ojo del poder”. María
Jesús Miranda, Bentham en España. Madrid: Ediciones La piqueta. 1979.
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GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 9ª Ed. São Paulo: Editora
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justica. Acessado dia 01/06/2015.
JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Livraria do
advogado. 2008.
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2013.
LOPES Jr. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I.
5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010.
MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito. The brasilian lessons. 2ª Ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris. 2011.
PRITTWITZ, Cornelius. “O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do
inimigo”. In Revista brasileira de ciências criminais. Nº 47. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. pp. 31-45.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria
dos jogos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2014.
__________; KHALED, Salah H. Jr. “In dubio pro hell: o processo penal do inimigo”.
In Indubio pro hell: profanando o sistema penal. 1ª Ed. Editora Lumen Juris. 2014.
STRECK, Lênio. “O que fazer quando o Ministério Público quer violar as regras do
jogo”? in Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-
22/lenio-streck-quando-mp-violar-constituicao. Acessado dia 01/06/2015.