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Doutrina

A Prova Indiciária no Processo Penal

SEBASTIÃO SÉRGIO DA SILVEIRA
Promotor de Justiça no ESP, Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal na PUCSP,
Professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Ribeirão Preto e Universidade
Paulista, Coordenador do 1º Núcleo da Escola Paulista do MP, Membro da Association
Internationale de Droit Pénal e Vice­Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos ­
IBEJ.

SUMÁRIO:1.  Introdução;2.  Etimologia  e  Conceito  de  prova;3.  Do  Indício;3.1.


Conceito  e  etimologia  do  indício;3.2.  Definição  de  Indício;3.3.  Distinção  entre
indícios  e  presunções;3.4.  Indício  e  prova  Atípica;3.5.  O  Indício  como  Prova;3.6.
Algumas Hipóteses de Utilização de Indícios como Provas.

1. INTRODUÇÃO
A teoria da prova, com certeza, é uma das mais apaixonantes e também
a mais permeada de dúvidas e discussões, de toda a ciência processual.
De  uma  forma  ou  de  outra,  a  prova  não  se  esvai  o  estudo  nos  limites
estreitos do processo penal. Sendo ela uma ciência reconstrutiva, demanda o
auxílio de outras áreas do conhecimento. Qualquer conclusão extraída de um
conjunto  de  informações  estará  sempre  sujeita  às  influências  do  subjetivismo
humano, onde reinam concepções lógicas, ideológicas, filosóficas e outras da
mesma natureza, todas elas personificadas no próprio autor da interpretação.
Inegável, portanto, que a prova não pode ser compreendida como um simples
fenômeno jurídico. Assim, a concepção da dogmática da prova, se estabelece
de forma multidisciplinar. A propósito, DELLEPIANE adverte: "A teoria da prova
judicial  pode  se  dizer  que  é  um  mero  capítulo  da  lógica  aplicada,  e,  como  tal
associa  o  conhecimento  à  referência  de  problemas  de  sociologia  e  até  de
metafísica." 1
Este  é,  portanto,  um  campo  árido,  sujeito  às  constantes  interferências
do  intelecto  humano,  cujos  resultados  são  conclusões  distantes  de  qualquer
unanimidade, principalmente após o quase completo abandono do sistema de
tarifação  de  provas  (sistema  de  provas  legais)  e  adoção  de  outros  sistemas
que contemplam a liberdade da prova.
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A  teoria  da  prova  resvala  nas  maiores  dificuldades  ao  buscar  fórmulas
universais, abandonando as contingências particulares. Neste ponto encontra a
metafísica.  Não  obstante  isto,  ela  possui  dupla  obrigação  perante  o  meio
social.  Deve  ela  se  ocupar  das  situações  concretas,  que  ela  propõe
transcender, e a de examinar técnicas que utiliza para realizar tal superação.
A  busca  da  construção  de  uma  teoria  universal  para  a  prova  é  uma
necessidade, mas nos coloca diante de riscos. Talvez, o maior deles seja que a
dogmatização  excessiva  possa  nos  colocar  um  dia  diante  de  uma  realidade
limitada ao pragmatismo ou a absoluta utopia. E mais, o produto deste desejo
poderá  nos  remeter  para  os  puros  e  abstratos  campos  do  domínio  da
metafísica jurídica.
Vista sobre o prisma do objeto da verificação do conhecimento, a prova
não  passa  de  uma  atividade  humana  de  comparação.  Vários  estudiosos  já
tentaram  a  formulação  de  teoremas  lógicos  que  nos  permitissem  responder
sobre  a  existência  ou  não  da  prova  sobre  todos  os  fatos  submetidos  à
atividade  verificatória.  O  espanhol  DIEGO  AISA  MOREU,  partindo  da  lógica
indutiva  formulada  por  R.  CARNAP  e  L.  J.  COHEN  idealizou  um  processo
lógico  de  interpretação  da  prova.  2  Por  certo,  o  brilhante  trabalho,  sem
embargo dos elevados propósitos de seu extraordinário autor, não emprestou
grande  colaboração  para  os  estudiosos  sobre  o  tema,  simplesmente  porque
desconsidera  o  subjetivismo  inerente  ao  sujeito  cognoscitivo,  na  tentativa  de
reduzir toda interpretação a fórmulas quase matemáticas.
Sem  embargo  das  dificuldades  apontadas  e  nossa  confessada
fragilidade  para  enfrentá­las,  o  capítulo  da  prova  é  considerado  um  dos  mais
importantes do processo penal. Alguns chegam a imaginar que o fim único da
ciência  instrumental  é  a  própria  prova.  No  dizer  de  FLORIÁN,  "O  processo
penal  se  agita  e  se  evidencia  em  um  esforço  que  o  estimula  e  o  impulsiona
incessantemente, desde seu começo até a última decisão; é o esforço dirigido
a  comprovar  a  verdade  real  relativa  a  determinado  fato,  que  se  revela  com
características  de  delito,  e  em  relação  à  determinada  pessoa,  indicada  ou
reconhecida como autor ou partícipe do delito." 3
CARNELUTTI vai além e chega a tentar a redução do processo penal a
simples objeto da prova. Neste esforço escreveu: "A tarefa do processo penal
está  no  saber  se  o  acusado  é  inocente  ou  culpado.  Isto  quer  dizer,  antes  de
tudo, se aconteceu ou não aconteceu um determinado fato: um homem foi ou
não assassinado, uma mulher foi ou não violentada, um documento foi ou não
falsificado, uma jóia foi ou não levada embora?" 4
É  a  prova,  nesta  conformidade,  um  juízo  de  necessidade;  apreciá­la  é
uma necessidade intelectual do ser humano, como sujeito cognoscente. Assim,
é  ela  a  necessidade  de  comprovar,  de  fazer  toda  verificação  do  objeto  do
conhecimento.
Portanto,  a  prova  se  propõe  sempre  a  revelar  a  verdade.  No  processo
penal,  a  verdade  material.  Sabemos  que  a  verdade  é  algo  quase  intangível
para  os  humanos  e  para  alguns  "(...)  não  é  nem  pode  ser  penhor  de  certeza
plena,  de  que  somente  os  deuses  são  senhores".  5  A  finalidade  da  prova  é,
nesta  conformidade,  a  matiz  das  discussões,  desacertos  e  desencontros  tão
comuns no estudo de sua teoria.
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2. ETIMOLOGIA E CONCEITO DE PROVA
Não existe consenso sobre a etimologia da palavra prova. Para os fins
deste  modesto  estudo,  adotaremos  a  posição  do  ilustre  tratadista  espanhol
MANUEL MIRANDA ESTRAMPES, para quem: "prova deriva do latim probatio,
probationes, que por sua vez, precede do vocábulo probus que significa bom.
Portanto, o que resulta provado é bom, se ajusta à realidade, e provar consiste
em verificar ou demonstrar a autenticidade de alguma coisa". 6
Sobre o conceito de prova também não existe qualquer unanimidade.
Alguns autores atribuem a tal conceito a simplista idéia de experimento
ou  produto  da  interpretação  humana  sobre  algum  fato  sujeito  a  avaliação.
DELLEPIANE,  neste  sentido  ensina:  "Em  seu  sentido  ordinário,  prova  é
sinônimo  de  ensaio,  experimento,  revisão,  realizados  com  a  finalidade  de
aquilatar  a  bondade,  eficácia  e  exatidão  de  algo.  Trata­se  de  uma  coisa
material ou de uma operação traduzida em atos, em resultados." 7
Em  interessante  abordagem  EDUARDO  M.  JAUCHEN  vê  na  prova  o
meio de que utiliza o juiz para conhecer os fatos controvertidos. Dentro desta
idéia,  assevera:  "Em  seu  sentido  mais  estritamente  técnico­processual,  se
pode falar na concepção de prova como o conjunto de razões que resultam do
total  de  elementos  introduzidos  no  processo  e  que  ministram  ao  juiz  o
conhecimento  sobre  a  existência  ou  inexistência  dos  fatos  que  conformam  o
objeto do juízo e sobre o qual se deve decidir." 8
Embora  com  uma  visão  um  pouco  mais  abrangente,  EUGENIO
FLORIÁN parece comungar de entendimento semelhante ao de JAUCHEN, ao
concluir:  "Em  sua  acepção  mais  genérica  e  puramente  lógica,  a  um  mesmo
tempo,  todo  meio  que  produz  um  conhecimento  certo  ou  provável  acerca  de
qualquer  coisa  e,  em  sentido  mais  amplo  e  fazendo  abstração  das  fontes,
significa  o  conjunto  dos  motivos  que  nos  ministram  este  conhecimento.  A
primeira é uma concepção subjetiva e a segunda objetiva." 9
MALATESTA,  por  seu  turno,  discrepa  da  maioria,  ao  pretender  abstrair
do  conceito  dois  aspectos  completamente  distintos,  da  forma  seguinte:  "A
prova  pode  ser  considerada  sob  um  duplo  aspecto:  quanto  à  sua  natureza  e
produção  e  ao  efeito  que  produz  no  espírito  daqueles  perante  quem  é
produzida.  Sob  este  segundo  aspecto,  resolve­se  na  certeza,  probabilidade  e
credibilidade.  (...)  Como  as  faculdades  perspectivas  são  a  fonte  subjetiva  da
certeza,  as  provas  são  um  modo  de  apreciação  da  fonte  objetiva,  que  é  a
verdade. A prova é, portanto, deste ângulo, o meio objetivo com que a verdade
atinge o espírito; e o espírito pode, relativamente a um objeto, chegar por meio
das  provas  tanto  à  simples  credibilidade,  como  à  probalidade  e  certeza;
existirão, assim, provas de credibilidade, de probalidade e de certeza. A prova,
portanto, em geral, é a relação concreta entre a verdade e o espírito humano
nas suas especiais determinações de credibilidade, probalidade e certeza." 10
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Dentro da concepção do possível, a prova judicial deve ser reduzida, em
última análise, a uma comparação ou confrontação: a da comprovação de uma
coisa ou de uma operação de que duvida, com outras coisas ou operações, a
fim de aferir a sua bondade, eficácia e exatidão da primeira, conforme proposta
de DELLEPIANE. 11
Não  menos  correto  é  o  posicionamento  de  outros  tratadistas,  que
preferem  enfocar  a  prova  como  simples  atividade  de  verificação  ou  aferição,
abandonando  a  confrontação.  ISIDORO  EISNER,  neste  sentido,  ensina  que:
"A ciência investiga; e se chamam provas as investigações que se fazem em
laboratórios;  se  chamam  provas  mas,  em  realidade,  são  investigações:  se
buscam fatos desconhecidos. E comprovar é verificar se são exatos os fatos e
tem­se  como  conhecidos  por  quem  os  afirma,  mas  cujas  circunstâncias
particulares e cujo alcance se trata de determinar." 12
De uma forma ou de outra, a prova sempre deverá ser encarada como
um  meio  de  demonstração  de  fatos  ou,  em  última  análise,  como  o  produto
desta  demonstração,  que  subministra  ao  destinatário  (no  caso  o  Juiz),  o
conhecimento necessário.

3. DO INDÍCIO

3.1 Conceito e etimologia de indício

Conforme  observado  por  SANTIAGO  SENTIS  MELENDO,  13  é  difícil,


quiçá  impossível,  conhecer  um  instituto  somente  através  da  palavra  que  o
representa,  principalmente  quando  tal  representação  idiomática  possui
múltiplos significados.
Diverge a doutrina sobre a etimologia do indício. Para muitos, é possível
entender  que  indício,  palavra  derivada  do  latim  indicare,  que  significa  indicar,
conhecer algo, mostrar, fazer, saber.
Segundo  JAIRO  PARRA  QUIJANO  14  e  HERNANDO  DEVIS
ECHANDÍA, 15 a palavra indício provém do indicere, resultante da contração de
inde dicere, que denotaria o fato mais iluminado pelo argumento probatório que
obtém o intérprete.
MARIA  THEREZA  ROCHA  DE  ASSIS  MOURA  16  aponta  para  a
controvérsia  existente  na  doutrina  sobre  a  etimologia  do  indício.  Segundo  a
abalizada  autora,  entendem  alguns  que  origem  da  terminologia  estaria  ligada
ao  verbo  inducere  (composto  da  partícula  in  e  do  verbo  duco,  ducere),  que
significa  conduzir  a,  levar  a;  fala  ainda  na  filiação  com  o  endez,  derivado  do
latim indicci.
Já  ROQUE  DE  BRITO  ALVES,  em  detalhado  estudo  sobre  o  tema,
concluiu  com  rara  sabedoria,  "...ser  mais  comum  a  acolhida  de  sua  origem
como  sendo  de  indicium,  ii  assim  como  a  sua  significação  de  indicação,
vestígio, fato, sinal, prova, descoberta, revelação, rastro". 17
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Consoante  o  entendimento  de  ANTONIO  ROCHA  ALVIRA,  18  a
terminologia  indício  possui  filiação  no  latim  index,  indicis,  decorrente  da
formação do in (em), do radical dic (mostrar) e dicere (dizer).
De  qualquer  forma,  independentemente  da  corrente  que  se  possa  filiar
sobre  a  origem  do  indício,  o  certo  é  que  ele  nos  remeterá  sempre  para  algo
que  fornece  uma  visão  parcial  ou  não  perfeitamente  compreensível  sobre
determinado  fato  ou  circunstâncias.  Aliás,  o  mesmo  ROQUE  DE  BRITO
MACHADO,  arremata:  "Observamos,  portanto,  substancialmente,  de  todas
estas  citações  de  consagrados  dicionários  que  a  noção  ou  significado
etimológico  de  indício  não  divergiu  essencialmente  sob  um  certo  prisma,  da
sua  compreensão  doutrinária,  técnico­jurídica,  elaborada  posteriormente.
Principalmente quando expressou, como nota comum, que o indício revela, de
uma  certa  forma  a  coisa,  objeto  ou  fato,  sem  que  constitua  a  sua  prova
evidência  completa,  apenas  descobrindo­o  parcialmente,  sem  convencer  de
todo, como algo imperfeito por sua natureza ou quando se manifesta." 19
Com  certeza,  a  grande  dificuldade  em  estabelecer  um  significado
comum  para  a  palavra  indício  está  na  forma  em  que  a  mesma  é  empregada.
Para  EUGENIO  FLORIÁN,  conforme  adiante  se  verá,  a  palavra  indício  pode
ser usada para designar quatro acepções diferentes. 20 Uma atenta análise das
diversas  acepções  utilizadas  nos  força  a  concluir  que,  realmente,  consoante
bem observado pelo saudoso mestre italiano, todas elas se mostram corretas e
a  utilização  de  cada  uma  delas  vai  depender  do  sentido  que  se  pretenda
emprestar à mesma.
Ora, se a importância maior da investigação sobre a origem da palavra é
conhecer  o  seu  sentido  atual,  qualquer  uma  das  vertentes  adotadas  sempre
nos  remeteria  à  conclusão,  hoje  razoavelmente  pacífica,  segundo  a  qual,  o
indício é sempre um elemento circunstancial que se une a outros como forma
de autorizar o convencimento ou não.

3.2 Definição de indício
Dentro  do  controvertido  capítulo  reservado  ao  estudo  das  provas
judiciais, com certeza o espaço destinado ao indício é dos mais complexos.
Segundo FLORIÁN, indício pode ser empregado como a) em um sentido
amplo de prova; b) para indicar objetos ou meios de prova; c) como resultado
da  prova;  d)  para  indicar  uma  graduação  de  prova  e,  comumente,  com  uma
graduação menor que as provas propriamente ditas. 21
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Sem  embargo  das  opiniões  em  sentido  contrário,  tenho  para  mim  que
indício  pode  ser  utilizado  em  qualquer  das  quatro  acepções  propostas  pelo
festejado tratadista italiano.
De  uma  forma  geral,  o  indício  é  tido  como  circunstância  ou  fato
conhecido,  que  autoriza  algum  tipo  de  conclusão  sobre  um  outro  fato  ou
circunstância desconhecido, mas com os quais possua algum tipo de relação.
22

Mesmo  reconhecendo  outra  divergência  doutrinária,  apontada  por


MARIA THEREZA ROCHA ASSIS MOURA  23 no tocante à natureza do indício
como fato, circunstância ou coisa, entendemos, também, que tal discussão não
acrescenta  qualquer  contribuição  ao  estudo  de  sua  teoria,  já  que  o  mesmo,
dependendo  da  situação,  pode  assumir  diferentes  formas.  Dentro  desta
concepção,  o  indício  pode  ser  ao  mesmo  tempo  fato,  circunstância,  coisa  ou,
em alguns casos, até todos eles conjuntamente.
Encontramos  na  doutrina  diversos  conceitos  sobre  indício.  Todavia,
aquele  que  melhor  se  adapta  ao  instituto  é  a  clássica  lição  de  VITO
GIANTURCO,  indício  é  "um  fato  conhecido  do  qual  se  induz  outro  fato
desconhecido, mediante um argumento probatório que daquele se obtém, em
virtude  de  uma  operação  lógica­crítica  baseada  em  normas  gerais  de
experiência e em princípios científicos ou técnicos". 24
No  mesmo  sentido  é  a  ensinança  de  ROQUE  DE  BRITO  ALVES,  que
assim  conceitua  indício:  "Compreendemos  indício,  em  sentido  amplo,
juridicamente admissível, como todo e qualquer fato conhecido e comprovado
que  possibilita,  por  processo  lógico,  o  conhecimento  de  outro  fato
desconhecido.  Ao  assinalar  todo  e  qualquer  fato,  entendemos,  em  geral,
qualquer  dado,  sinal,  vestígio  ou  rastro,  objetivo  ou  subjetivo,  que  torne
susceptível  tal  via  de  conhecimento,  ao  qual,  frisemos,  será  formado  pelas
regras da experiência e lógica." 25
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O  nosso  CPP,  em  seu  art.  239,  define  indício  como:  "Considera­se
indício  a  circunstância  conhecida  e  provada,  que,  tendo  relação  com  o  fato,
autorize,  por  indução,  concluir­se  a  existência  de  outra  ou  outras
circunstâncias."
Conforme  observado  por  GRECO  FILHO,  26  embora  de  grande
importância,  tal  regramento  legal  de  indício  padece  de  grande  impropriedade
terminológica;  autoriza  a  conclusão  por  indução  e,  na  verdade,  quando  o  juiz
reconhece a existência do indício ele está fazendo um raciocínio dedutivo, com
base em máximas de experiência.
Desta forma, no conceito de indício, deve se considerar o fato fonte da
prova  e  a  sua  relação  lógica  com  um  outro  fato  ou  circunstância,  que  seja
objeto de investigação. Assim, é ele algo conhecido, que nos autoriza a chegar
a  alguma  conclusão  sobre  o  desconhecido,  através  de  uma  operação  mental
lógico­valorativa.
Em  razão  de  sua  natureza,  o  indício  é  considerado  na  doutrina  como
prova  indireta,  já  que  não  possui  autonomia  e  sempre  é  utilizada  para  se
conhecer  um  outro  fato  com  o  qual  se  relaciona.  Neste  sentido  é  o
ensinamento  de  GRECO  FILHO:  "Esses  fatos,  objeto  da  chamada  prova
indireta,  são  os  indícios,  que  se  conceituam  como  fatos  ou  circunstâncias  de
fato  que  podem  levar  à  conclusão  sobre  a  existência  de  outros  fatos.  A  sua
pertinência  e  relevância  dependem  da  aptidão  que  tenham  de  provocar  a
convicção  sobre  a  existência  (ou  inexistência)  daqueles  outros  previstos  em
lei." 27
DEVIS ECHANDÍA parece comungar do mesmo entendimento, quando
procura  colocar  dentro  do  mesmo  conceito  de  indício  o  fato  conhecido  e  o
argumento probatório, que através de operações lógicas de raciocínio, permite
chegar ao desconhecido ou duvidoso. Consoante o entendimento do festejado
processualista,  o  fato  e  argumento  probatório  se  integram  em  um  todo
indivisível. 28
Na  verdade,  sempre  que  se  fala  em  indício,  é  necessário  pensar  no
processo  como  algo  dinâmico,  cujo  objetivo  maior  é  a  reconstrução  do  fato,
para permitir ao juiz a aplicação da lei ao caso concreto. Nesta conformidade,
ele  aparece  como  elo  de  uma  enorme  corrente.  Muitas  vezes,  o  mesmo  é
elemento  de  coerência  e  permite  o  estabelecimento  do  encadeamento  lógico
do  raciocínio  do  magistrado.  Não  se  pode,  portanto,  tentar  compreender  o
indício dissociado dos demais elementos, que integram o conjunto probatório.
Ademais,  dentro  desta  mesma  perspectiva,  nenhuma  das  informações
probatórias, nem mesmo as diretas, podem ser analisadas ou compreendidas
individualmente,  isto  porque  todos  eles,  no  dizer  de  PARRA  QUIJANO,
"integram a pequena história do processo". 29

3.3 Distinção entre indícios e presunções
Sem embargo do grande esforço da doutrina de estabelecer a diferença
entre indícios e presunções, muitos autores e legislações consideram um como
sinônimo do outro. Na prática, surge, amiúde, o questionamento sobre os dois
institutos,  com  suas  diferenças  e  semelhanças,  cujas  conclusões,  muitas
vezes, são colocadas no campo simplista da semântica.
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Diversos países, em seus respectivos códigos, equipararam os indícios
às  presunções,  dando  semelhante  regramento  aos  mesmos.  Tal  ocorre  nos
Códigos: Civil da Espanha (arts. 1.248 e 1.253), Civil do Chile (art. 1.712), Civil
da França (art. 1.353), Civil da Itália (art. 2.729), Processo Civil da Guatemala
(arts. 128 e 1.253) e Processo Civil do México para o Distrito Federal (arts. 379
e  383).  Na  doutrina,  diversos  autores  também  procuraram  estabelecer  a
mesma  identidade  entre  indícios  e  presunções;  neste  sentido,  são  as
conclusões  de  C.  J.  A.  MITTERMAIER,  30  VITO  GIANTURCO,  31  ANTONIO
ROCHA  ALVIRA,  32  CARLO  LESSONA,  33  FREDERICO  MARQUES,  34
CHIOVENDA, 35 dentre muitos outros.
Não obstante o respeito que mereça tal respeitável corrente doutrinária,
em  realidade,  o  indício  possui  natureza  própria,  que  não  permite  qualquer
confusão com as presunções legais ou do homem.
A própria etimologia da palavra presunção já nos remete às diferenças
com o indício, apontadas no presente trabalho. A palavra presunção é derivada
do  verbo  latino  composto  praesumere,  que  significa  tomar  antes,  resolver  de
antemão, antecipar, prever, pressentir, conjecturar.
Ao  contrário  da  presunção,  entendemos  que  os  indícios  estão  sempre
apoiados em fatos ou circunstâncias, que permitem ao intérprete a extração de
uma  conclusão  lógica  com  referência  a  alguma  indagação.  Já  as  presunções
decorrem  exclusivamente  de  regras  de  experiência.  Aquelas  introduzidas  no
ordenamento  pelo  legislador  são  as  legais  e  as  demais,  são  simplesmente
presunções do homem.
MOACYR AMARAL SANTOS, neste sentido, esclarece que a presunção
é o resultado ou efeito do segundo. 36 Sempre com a devida vênia do festejado
mestre, entendemos que ele incide no equívoco de reconhecer nas presunções
o  caráter  de  prova  e  possibilitar  a  compreensão  de  que  as  conclusões
extraídas  dos  indícios  são  presunções.  Tal  crítica  ao  pensamento  do  ilustre
jurista brasileiro é endossada por ECHANDÍA,  37 que vê na mencionada teoria
os mesmos defeitos aqui apontados.
RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   31

 
PARRA  QUIJANO,  38  ao  distinguir  indício  de  presunção,  sustenta  que
presumir,  em  relação  ao  conhecimento,  quem  presume  é  aquele  que  toma
antecipadamente como sabido aquilo que desconhece.
Admitindo tais asserções, a presunção deve ser tida como sinônimo de
preconcebido,  de  pressuposto,  que  segundo  ROQUE  DE  BRITO  ALVES,
"reflete  um  mecanismo  lógico  que  se  apóia  na  dedução,  na  trajetória  de  que
efetua  do  conhecido  para  o  desconhecido.  Logo,  pode  ser  entendida  como
inferência, dedução, conjectura que se extrai de um fato conhecido". 39
Outrossim, ao contrário de indício, presumir significa um pré­julgamento,
com a consideração prévia de que algo é verdadeiro ou falso, mesmo antes de
sua  demonstração.  Como  regra,  as  presunções  determinam  a  aceitação  da
veracidade  ou  falsidade  de  um  fato  (presunção  absoluta)  ou,  determinam  a
inversão  do  ônus  da  prova  (presunção  relativa),  àquele  que  pretende
demonstrar o contrário.
No  indício  não  há  o  pré­julgamento,  reconhecendo  que  o  raciocínio
indutivo  ou  dedutivo  (mais  apropriado),  sempre  tem  como  ponto  de  partida  o
fato  conhecido,  utilizado  como  meio,  para  se  chegar  ao  desconhecido.  A
indução  (ou  a  dedução)  utilizada  na  interpretação  dos  indícios  não  pode  ser
confundida  jamais  com  o  juízo  preconcebido  existente  nas  presunções.  Aliás,
VICENTE  DE  AZEVEDO,  de  forma  magistral,  estabeleceu  tal  diferença,  ao
afirmar: "Por outras palavras, eis a diferença entre indício e presunção: indício
é  uma  circunstância  ou  fato  conhecido  que  serve  de  guia  para  descobrir  o
outro.  De  um  fato  conhecido,  se  deduz  outro.  O  conhecido  indica  o  outro.
Presunção é operação mental, a interferência que por via do raciocínio, ou de
experiência deduzimos do indício conhecido." 40
Com  certeza,  conforme  advertência  feita  por  ROQUE  DE  BRITO
ALVES,  41  os  processualistas  que  identificam  ou  confundem  presunção  com
indício  deixaram­se,  de  uma  certa  forma,  dominar  pela  terminologia  ou
linguagem comum. Esta talvez deixou­se influenciar pela etimologia da palavra.
Na verdade, a maioria dos autores têm emprestado ao vocábulo presunção um
sentido muito mais amplo e indeterminado que seria racionalmente admissível.
O mais lógico seria encarar as presunções como conclusões lógicas ou
legais, que por vezes podem ou devem ser extraídas de um determinado fato,
não  raro  sem  apoio  em  uma  base  material.  A  presunção  de  inocência,
consagrada  no  art.  5º,  LVII,  por  exemplo,  existe  independentemente  da
sustentação  em  qualquer  elemento  fático  que  possa  lhe  emprestar
fundamento. Assim,  no  processo  penal,  o  réu  deve  ser  considerado  inocente,
até  que  uma  sentença  condenatória  transitada  em  julgado  possa  destruir
aquele juízo legal pré­constituído, antes existente.
32   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA

 
Por  conseguinte,  filiamo­nos  à  corrente  que  identifica  como  institutos
autônomos  a  presunção  do  indício.  Este  parte  sempre  de  um  fato  conhecido,
obtido  através  de  uma  operação  lógica­crítica  e,  através  de  um  argumento
probatório,  permite  deduzir  ou  induzir  a  um  outro  fato  desconhecido.  Já  a
presunção  legal,  ou  do  homem,  não  passa  de  um  juízo  prévio  sobre  algo,
apoiado em máximas de experiência.
Dentro de uma análise lógica, poderíamos sintetizar que o indício é um
elemento  de  convicção,  enquanto  a  presunção  não  passa  de  uma  valoração.
Aliás, de forma clara, ECHANDÍA assevera que: "A confusão resulta ilógica e
absurda.  O  indício  é  a  prova;  e  a  presunção,  a  conseqüência  da  regra  de
experiência  ou  técnica  que  permite  valorar  e,  como  explicado  anteriormente,
não é prova nem objeto de prova. Por isto mesmo, o indício pode ser anterior,
concomitante  ou  posterior  ao  fato  desconhecido  que  se  investiga,  enquanto
que a presunção judicial surge necessariamente depois que o fato investigado
ocorreu." 42
No  mesmo  sentido  é  a  conclusão  de  ROQUE  DE  BRITO  ALVES,  que
distingue  o  indício  da  presunção  da  seguinte  forma:  "Portanto,  é  por  ser
plenamente  admissível  e  correta  a  distinção  lógico­jurídica  entre  indício  e
presunção,  que  processualistas  do  porte  de  MALATESTA  sustentam  que  a
presunção  é  a  primeira  espécie  das  provas  indiretas  enquanto  o  indício  a
segunda espécie, formando­se, porém, toda a prova indireta sob a forma lógica
do  raciocínio.  O  conhecido  mediante  o  princípio  da  identidade  e  o  raciocínio
indicativo iriam, ao invés do conhecido, para o ignorado através do princípio da
causalidade." 43
Enfim,  na  presunção,  temos  a  falta  de  prova  ou  a  desnecessidade  de
sua  existência.  No  indício,  existe  prova,  que  não  é  direta,  mas  permite  ao
intérprete  a  construção  de  uma  conclusão  positiva  ou  negativa  a  respeito  de
um fato ou circunstância.
Diante deste quadro, sem embargo da ponderável corrente que entende
em  sentido  contrário,  temos  que  é  perfeitamente  possível  a  distinção  entre
indício e presunção, que embora possuindo certas semelhanças, são institutos
diferentes,  que  também  merecem  estudo  particularizado  dentro  da  dogmática
da prova.

3.4 Indício e prova atípica
Não  é  incomum  encontrarmos  autores  e  julgados  que  costumam
equiparar  os  indícios  às  chamadas  provas  atípicas  ou  inominadas,  o  que,  de
acordo com nossa concepção, constitui um grave equívoco.
Conforme  é  sabido,  o  nosso  CPP  nominou  várias  provas  (arts.  158  a
250), admitindo qualquer outra, desde que observadas as restrições impostas
pela  lei  civil  (art.  155)  e  as  chamadas  ilícitas,  que  já  foram  anteriormente
estudadas.
Portanto, segundo asseverado por DARCI G. RIBEIRO, provas atípicas
"são  esses  outros  meios,  não  delimitados,  e  alguns  nem  positivados  pelo
legislador, como forma de convencimento". 44
RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   33

 
Impossível,  pois,  qualquer  confusão  entre  prova  atípica  e  indiciária.  A
primeira,  sozinha,  pode  conduzir  a  uma  conclusão  e,  nesta  conformidade,
bastar para uma condenação. Hoje em dia é comum a colocação de câmeras
filmadoras  em  locais  públicos  para  vigiar  eventuais  condutas  criminosas.
Quando  um  larápio  é  pilhado  em  plena  cena  de  rapina,  pelo  equipamento  de
gravação, esta é uma prova atípica ou inominada, que vem sendo largamente
utilizada no processo penal brasileiro.
Quanto ao indício, ele possui natureza sempre circunstancial, de forma
que pode aparecer no processo penal tanto por prova atípica ou típica. Desta
forma,  a  menção  por  uma  testemunha,  de  que  o  suspeito  do  fato  não  estava
presente  no  local  do  crime,  no  horário  de  sua  ocorrência,  é  um  elemento
circunstancial,  indicando  que  não  foi  ele  o  seu  autor.  Este  indício,  que  foi
introduzido no processo através de prova típica, poderia, da mesma forma, ter
sido trazido a lume por qualquer outra prova atípica ou inominada.
Nesta  conformidade,  torna­se  inadmissível  qualquer  tipo  de  confusão
entre indício e prova atípica.

3.5 O indício como prova
Muito já se discutiu não doutrinar sobre a possibilidade de admissão de
prova constituída exclusivamente por indícios no processo penal. Muitas vozes
se ergueram contra os indícios, em razão da sua natureza circunstancial. Para
tais críticos, eles sempre traduzem mais dúvidas que certezas, razão pela qual
eles somente podem ser utilizados quando acompanhados de provas diretas.
O  ilustre  professor  pernambucano  ROQUE  DE  BRITO  ALVES  45
colocou­se  como  um  dos  mais  ferrenhos  opositores  à  idéia  de  utilização  de
uma  prova  indiciária  autônoma,  pois  ele  a  considera  uma  prova  imperfeita,
sempre sujeita ao vício da incerteza, portanto, incapaz de conduzir o julgador à
certeza.
Talvez o mais incisivo e abrasivo inimigo da prova indiciária foi ELIÉZER
ROSA,  46 que chegou a qualificar a mesma como "a mais desgraçada, a mais
enganosa, a mais satânica de todas as provas", para negar com veemência a
sua admissão; entende que ela é a arma perfeita contra os fracos, já que pode
levar a qualquer tipo de conclusão, à mercê de quem a utiliza.
Nos  dias  atuais,  não  vejo  razões  para  os  apaixonados  levantes  e  o
inconformismo contra a utilização dos indícios.
34   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA

 
Como  corolário  do  sistema  acusatório  adotado  no  Brasil,  o  nosso  CPP
contemplou  o  princípio  da  livre  apreciação  das  provas  (CPP,  art.  157).  Desta
forma,  é  inadmissível  qualquer  tipo  de  preconceito  no  tocante  às  formas  e
meios  probatórios  colocados  à  disposição  do  juiz  criminal,  para  a  busca  da
verdade material.
Não  bastasse  isto,  ao  contrário  da  maior  parte  dos  países,
principalmente  da  Europa,  o  nosso  legislador  incluiu  a  prova  indiciária  dentre
as  demais  nominadas  em  nosso  diploma  instrumental  (CPP,  art.  239).  Desta
forma,  em  termos  de  regramento  legal,  a  prova  indiciária  está  equiparada  a
qualquer outra, seja típica ou atípica.
No CPPM, o indício recebeu regramento muito semelhante ao dado pela
legislação  instrumental  ordinária.  Na  legislação  castrense,  a  matéria  está
disciplinada no art. 382. 47
Diante  das  disposições  legais  expressas,  que  determinam  a  admissão
do  indício  como  prova,  não  é  concebível,  nos  dias  atuais,  resistência  à  sua
utilização no processo penal.
A  clássica  justificativa  levantada  por  todos  os  algozes  de  tal  prova,
segundo a qual ela pode conduzir ao erro judiciário, contra o cidadão, também
não  pode  ser  aceita.  O  indício  sempre  é  analisado  dentro  de  um  conjunto  de
elementos de convicção. Nem o indício ou qualquer outra prova isolada pode
levar  segurança  à  decisão  judicial.  É  por  esta  razão  que  não  é  aconselhável
jamais  a  análise  fragmentada  dos  elementos  de  provas  coligidos,  em  um
determinado processo.
O lógico é que o indício seja utilizado sempre em confronto com outras
provas  diretas.  Dificilmente,  um  único  indício  poderá  servir  para  formar  a
convicção  de  um  magistrado.  Não  se  lega,  portanto,  que  o  concurso  e
concordância  entre  os  indícios  pode  levar  à  formação  da  chamada  prova
indiciária e, esta pode, por si só, formar a convicção do magistrado.
Ainda  com  referência  à  visão  tacanha  e  preconceituosa  daqueles  que
entendem que o indício só é utilizado para condenar, é necessário lembrar, que
muitas vezes ele também é utilizado para absolver um acusado. Neste sentido,
temos o clássico exemplo do álibi. Quando comprovado, o álibi é o indício que
quase sempre conduz à absolvição. Do contrário, o álibi não comprovado pode
constituir o elemento formador da convicção condenatória. 48
A  doutrina  brasileira  mais  moderna  e  autorizada  é  quase  unânime  em
admitir  a  utilização  do  indício  como  prova.  Nesta  posição  se  colocam
TOURINHO FILHO,  49 MIRABETE,  50 CÂMARA LEAL, 51 BENTO DE FARIA,  52
ESPÍNOLA FILHO, 53 FREDERICO MARQUES, 54 dentre outros.
RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   35

 
Normalmente, os indícios surgem como elementos circunstanciais, que
se colocam entre as chamadas provas diretas, como forma de dar coerência e
coesão  ao  sistema  probatório.  Todavia,  muitas  vezes  aparecem  indícios
isolados  e,  em  muitos  casos,  uma  prova  completa  formada  exclusivamente
com  indícios.  Em  todos  as  hipóteses,  o  conjunto  das  provas  deverão  ser
consideradas  pelo  juiz,  no  cotejo  com  os  demais  elementos  de  convicção
coligidos.
Pelos fundamentos acima expostos, é inadmissível o posicionamento de
alguns,  que  atribuem  ao  indício,  previamente,  um  menor  valor  probatório,  em
confronto com as provas diretas. Consoante a própria exposição de motivos do
CPP, não existe qualquer hierarquia entre as provas e, se o legislador elegeu o
indício  como  meio  de  prova,  deve  ser  reconhecido  em  favor  do  mesmo,
idêntico valor atribuído aos demais.
Dentro  da  ampla  liberdade  que  possui  o  magistrado  em  matéria  penal,
ele  poderá  valorar  livremente  as  provas  que  lhe  forem  submetidas,  exigindo,
para isto, simplesmente que ele motive a sua decisão, sobretudo no ponto em
que admitiu a prevalência de uma prova sobre outra.
Retomando  a  questão  da  possibilidade  de  existência  de  prova
exclusivamente  indiciária,  o  STJ  asseverou:  "Uma  sucessão  de  indícios  e
circunstâncias,  coerentes  e  concatenadas,  podem  ensejar  a  certeza  fundada
que é exigida para a condenação." 55

3.6 Algumas hipóteses de utilização de indícios como provas
Nos dias atuais, muito se discute sobre a possibilidade de utilização de
elementos,  coligidos  na  fase  policial,  para  formação  da  livre  convicção  do
Magistrado.  Por  certo,  as  informações  hauridas  no  inquérito  devem  ser
encaradas como indícios e consideradas dentro do acervo probatório carreado
aos autos.
Entendemos não proceder a tese, segundo a qual os indícios coligidos
na fase inquisitorial devam ser totalmente descartados porque não produzidos
sob o crivo do contraditório. Ora, estes elementos constantes dos autos serão
submetidos  ao  amplo  debate,  assim  que  instalada  a  relação  processual  e
poderão  ser  agasalhados  ou  contrariados  por  outros  meios  de  prova,
colocados à disposição dos litigantes.
36   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA

 
A  simples  unilateralidade,  durante  a  fase  de  produção,  não  pode  ser
erigida como impedimento à livre utilização de tais informações.  56 Diga­se de
passagem, que no processo penal brasileiro, a prova pericial também é quase
sempre  produzida  de  forma  unilateral  e  a  mesma  coisa  deve  ser  dita  com
relação  à  documental.  Todavia,  instalado  o  contraditório,  tais  provas  poderão
ser questionadas e impugnadas pelos litigantes, que terão todos os meios para
demonstrar a improcedência das mesmas. O mesmo deve ser dito com relação
aos indícios do inquérito.
Evidentemente,  na  maioria  das  vezes,  os  simples  elementos  do
inquérito  não  bastam  para  justificar  a  edição  do  decreto  condenatório  ou
absolutório, já que os mesmos carecem de roboração judicial.
Discutida  também  é  a  questão  relativa  à  confissão  obtida  na  fase  de
investigação  policial.  Trata­se  de  entendimento  jurisprudencial  e  doutrinário
quase  pacífico,  que  a  confissão  vale  pela  sua  coerência  com  os  demais
elementos de convicção e não pelo local em que é prestada. Neste sentido, já
decidiu o Pretório Excelso: "De acordo com a orientação do STF, a confissão
feita  no  IP,  embora  retratada  em  Juízo,  tem  valia,  desde  que  não  ilidida  por
quaisquer  indícios  ponderáveis,  mas,  ao  contrário,  perfeitamente  ajustáveis
aos fatos apurados." 57
Em  hipótese  semelhante,  o  TACRIMSP  também  decidiu:  "Malgrado
colhida  à  margem  do  contraditório,  a  confissão  policial  é  prova  que  merece
indiscutível  credibilidade,  especialmente  quando  posteriormente  não  foi
infirmada." 58
"CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL ­ HIPÓTESE EM QUE CONFORTADA
POR OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO CARREADOS AOS AUTOS ­
IRRELEVÂNCIA  DE  POSTERIOR  RETRATAÇÃO  EM  JUÍZO  ­  VALIDADE
RECONHECIDA
Como é cediço, a confissão vale não pelo local em que é prestada, mas
pela  força  de  convencimento  que  nela  se  contém,  pelo  quê  a  policial  merece
crédito  quando  confortada  por  outros  elementos  de  convicção  carreados  aos
autos, irrelevante na hipótese, posterior retratação em Juízo." 59
Discorrendo  sobre  a  importância  da  confissão  como  meio  de  prova,
quando  ela  se  ajusta  aos  demais  elementos  de  convicção  carreados  para  os
autos,  o  festejado  MITTERMAYER  asseverou:  "A  concordância  entre  a
confissão  e  os  principais  fatos  aliunde  demonstrados,  tem  como  resultado
garantir  até  a  certeza  de  haver  o  acusado  assistido  a  todos  os  incidentes  do
crime, e esta conclusão nos é imposta pela força das cousas.... Mas, não seria
acertado  exigir,  necessariamente,  em  todos  os  casos,  a  demonstração,  pelas
outras  provas,  de  todos  os  fatos  referidos  na  confissão;  porque  então,  esta
tornar­se­ia supérflua; e, além disso, exigir esta demonstração é, muitas vezes,
querer  o  impossível.  O  Juiz  deve  ficar  satisfeito  desde  que  certas  provas
circunstanciais tendam a demonstrar a veracidade da versão do réu..." 60
RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   37

 
Desta  forma,  p.  ex.,  se  alguém  confessa  a  autoria  de  um  homicídio,
esclarecendo  a  forma  de  execução  e  indicando  o  local  onde  foi  ocultado  o
cadáver,  e  se  a  perícia  comprova  que  a  execução  do  crime  se  deu  na  forma
relatada  pelo  suspeito  e  o  cadáver  é  encontrado  no  local  apontado  pelo
mesmo, será difícil negar credibilidade a tal confissão, independentemente do
local onde foi levado a cabo.
O  mesmo  não  poderá  ser  dito  da  confissão  judicial  que  não  encontra
ressonância  nos  demais  elementos  probatórios  dos  autos.  Se  o  réu  admite  a
autoria  do  delito  perante  um  Juiz,  este  não  será  elemento  suficiente  à  sua
condenação,  se  tal  confissão  foi  contrariada  pelos  demais  elementos  de
convicção.
Em tema de delito patrimonial, muito se fala sobre a apreensão da coisa
subtraída  da  vítima  com  o  suspeito  da  prática  do  crime.  Conforme  firme
corrente  jurisprudencial,  este  elemento  indiciário  vale  como  prova  de  autoria,
salvo na hipótese em que o suspeito demonstra que adquiriu a coisa de outra
forma. 61
Habitualmente,  deparamo­nos,  da  mesma  forma,  com  a  existência  de
reconhecimento  de  pessoas,  quando  não  foram  observadas  as  formalidades
preconizadas no art. 226 do CPP. Consoante entendimento de TORNAGHI,  62
entendemos que este elemento não pode ser encarado como prova. Todavia, é
um indício a ser cotejado dentro do conjunto probatório livremente pelo juiz, já
que a omissão não pode ser encarada como nulidade. 63
A  mesma  conclusão  deve  ser  levada  a  efeito,  quando  se  trata  de
simples reconhecimento fotográfico. Consoante lição de CAMARGO ARANHA,
64
 por não se amoldar à previsão do art. 226 do CPP, tal elemento não pode ser
encarado  como  prova  direta.  Não  obstante,  possui  ele  importante  valor
indiciário, que não pode ser desprezado. 65
O  chamamento  do  co­réu,  conhecido  como  delação  também  não  está
incluída  entre  as  provas  diretas.  Contudo,  quando  tal  chamamento  ocorre  de
forma  natural  dentro  do  interrogatório,  este  elemento  deve  ser  recebido  com
cautela  pelo  julgador,  mas  pode  se  constituir  em  importante  elemento  de
convicção.  66  Da  mesma  forma,  deve  ser  encarada  a  declaração  prestada  do
co­réu  que  inocenta  outro  acusado.  Este  tipo  de  elemento  probatório  estará
sempre na dependência de aferição com as demais informações constantes do
conjunto probatório.
38   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA

 
A  palavra  da  vítima  é  outro  elemento  tortuoso  a  ser  considerado.
Conforme  é  sabido,  o  ofendido  não  presta  compromisso  (CPP,  art.  201).  Por
razões  óbvias,  quase  sempre  a  vítima,  em  decorrência  de  questões
psicológicas,  possui  interesse  no  deslinde  condenatório  da  demanda,  razão
pela  qual,  suas  palavras  somente  podem  ser  recebidas  como  indício  e  não
como prova direta ou categórica de autoria.
Sem embargo da natural suspeição que pesa sobre as declarações do
ofendido,  a  jurisprudência  vem  reconhecendo  extraordinário  valor  a  tais
declarações  nos  casos  de  crimes  clandestinos,  quando  ausentes  outros
elementos probatórios. Assim, no caso de roubo  67 e crimes sexuais,  68 não é
incomum  a  existência  de  condenações  estribadas  exclusivamente  na  palavra
do  ofendido.  Reconhece­se,  por  outro  lado,  que  tais  palavras  não  podem  ser
recebidas sem reservas e, as dúvidas sempre deverão ser resolvidas em favor
do réu. 69
Coube­nos, portanto, a oportunidade de analisar algumas hipóteses em
que a prova indiciária é largamente empregada no processo penal. Embora ela
seja  uma  prova  que  exige  redobradas  cautelas,  face  à  sua  natureza
circunstancial,  ela  oferece  uma  extraordinária  contribuição  na  elucidação  da
maioria dos fatos discutidos no processo penal.

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