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A Prova Indiciária no Processo Penal
SEBASTIÃO SÉRGIO DA SILVEIRA
Promotor de Justiça no ESP, Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal na PUCSP,
Professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Ribeirão Preto e Universidade
Paulista, Coordenador do 1º Núcleo da Escola Paulista do MP, Membro da Association
Internationale de Droit Pénal e VicePresidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos
IBEJ.
1. INTRODUÇÃO
A teoria da prova, com certeza, é uma das mais apaixonantes e também
a mais permeada de dúvidas e discussões, de toda a ciência processual.
De uma forma ou de outra, a prova não se esvai o estudo nos limites
estreitos do processo penal. Sendo ela uma ciência reconstrutiva, demanda o
auxílio de outras áreas do conhecimento. Qualquer conclusão extraída de um
conjunto de informações estará sempre sujeita às influências do subjetivismo
humano, onde reinam concepções lógicas, ideológicas, filosóficas e outras da
mesma natureza, todas elas personificadas no próprio autor da interpretação.
Inegável, portanto, que a prova não pode ser compreendida como um simples
fenômeno jurídico. Assim, a concepção da dogmática da prova, se estabelece
de forma multidisciplinar. A propósito, DELLEPIANE adverte: "A teoria da prova
judicial pode se dizer que é um mero capítulo da lógica aplicada, e, como tal
associa o conhecimento à referência de problemas de sociologia e até de
metafísica." 1
Este é, portanto, um campo árido, sujeito às constantes interferências
do intelecto humano, cujos resultados são conclusões distantes de qualquer
unanimidade, principalmente após o quase completo abandono do sistema de
tarifação de provas (sistema de provas legais) e adoção de outros sistemas
que contemplam a liberdade da prova.
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A teoria da prova resvala nas maiores dificuldades ao buscar fórmulas
universais, abandonando as contingências particulares. Neste ponto encontra a
metafísica. Não obstante isto, ela possui dupla obrigação perante o meio
social. Deve ela se ocupar das situações concretas, que ela propõe
transcender, e a de examinar técnicas que utiliza para realizar tal superação.
A busca da construção de uma teoria universal para a prova é uma
necessidade, mas nos coloca diante de riscos. Talvez, o maior deles seja que a
dogmatização excessiva possa nos colocar um dia diante de uma realidade
limitada ao pragmatismo ou a absoluta utopia. E mais, o produto deste desejo
poderá nos remeter para os puros e abstratos campos do domínio da
metafísica jurídica.
Vista sobre o prisma do objeto da verificação do conhecimento, a prova
não passa de uma atividade humana de comparação. Vários estudiosos já
tentaram a formulação de teoremas lógicos que nos permitissem responder
sobre a existência ou não da prova sobre todos os fatos submetidos à
atividade verificatória. O espanhol DIEGO AISA MOREU, partindo da lógica
indutiva formulada por R. CARNAP e L. J. COHEN idealizou um processo
lógico de interpretação da prova. 2 Por certo, o brilhante trabalho, sem
embargo dos elevados propósitos de seu extraordinário autor, não emprestou
grande colaboração para os estudiosos sobre o tema, simplesmente porque
desconsidera o subjetivismo inerente ao sujeito cognoscitivo, na tentativa de
reduzir toda interpretação a fórmulas quase matemáticas.
Sem embargo das dificuldades apontadas e nossa confessada
fragilidade para enfrentálas, o capítulo da prova é considerado um dos mais
importantes do processo penal. Alguns chegam a imaginar que o fim único da
ciência instrumental é a própria prova. No dizer de FLORIÁN, "O processo
penal se agita e se evidencia em um esforço que o estimula e o impulsiona
incessantemente, desde seu começo até a última decisão; é o esforço dirigido
a comprovar a verdade real relativa a determinado fato, que se revela com
características de delito, e em relação à determinada pessoa, indicada ou
reconhecida como autor ou partícipe do delito." 3
CARNELUTTI vai além e chega a tentar a redução do processo penal a
simples objeto da prova. Neste esforço escreveu: "A tarefa do processo penal
está no saber se o acusado é inocente ou culpado. Isto quer dizer, antes de
tudo, se aconteceu ou não aconteceu um determinado fato: um homem foi ou
não assassinado, uma mulher foi ou não violentada, um documento foi ou não
falsificado, uma jóia foi ou não levada embora?" 4
É a prova, nesta conformidade, um juízo de necessidade; apreciála é
uma necessidade intelectual do ser humano, como sujeito cognoscente. Assim,
é ela a necessidade de comprovar, de fazer toda verificação do objeto do
conhecimento.
Portanto, a prova se propõe sempre a revelar a verdade. No processo
penal, a verdade material. Sabemos que a verdade é algo quase intangível
para os humanos e para alguns "(...) não é nem pode ser penhor de certeza
plena, de que somente os deuses são senhores". 5 A finalidade da prova é,
nesta conformidade, a matiz das discussões, desacertos e desencontros tão
comuns no estudo de sua teoria.
RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA 25
2. ETIMOLOGIA E CONCEITO DE PROVA
Não existe consenso sobre a etimologia da palavra prova. Para os fins
deste modesto estudo, adotaremos a posição do ilustre tratadista espanhol
MANUEL MIRANDA ESTRAMPES, para quem: "prova deriva do latim probatio,
probationes, que por sua vez, precede do vocábulo probus que significa bom.
Portanto, o que resulta provado é bom, se ajusta à realidade, e provar consiste
em verificar ou demonstrar a autenticidade de alguma coisa". 6
Sobre o conceito de prova também não existe qualquer unanimidade.
Alguns autores atribuem a tal conceito a simplista idéia de experimento
ou produto da interpretação humana sobre algum fato sujeito a avaliação.
DELLEPIANE, neste sentido ensina: "Em seu sentido ordinário, prova é
sinônimo de ensaio, experimento, revisão, realizados com a finalidade de
aquilatar a bondade, eficácia e exatidão de algo. Tratase de uma coisa
material ou de uma operação traduzida em atos, em resultados." 7
Em interessante abordagem EDUARDO M. JAUCHEN vê na prova o
meio de que utiliza o juiz para conhecer os fatos controvertidos. Dentro desta
idéia, assevera: "Em seu sentido mais estritamente técnicoprocessual, se
pode falar na concepção de prova como o conjunto de razões que resultam do
total de elementos introduzidos no processo e que ministram ao juiz o
conhecimento sobre a existência ou inexistência dos fatos que conformam o
objeto do juízo e sobre o qual se deve decidir." 8
Embora com uma visão um pouco mais abrangente, EUGENIO
FLORIÁN parece comungar de entendimento semelhante ao de JAUCHEN, ao
concluir: "Em sua acepção mais genérica e puramente lógica, a um mesmo
tempo, todo meio que produz um conhecimento certo ou provável acerca de
qualquer coisa e, em sentido mais amplo e fazendo abstração das fontes,
significa o conjunto dos motivos que nos ministram este conhecimento. A
primeira é uma concepção subjetiva e a segunda objetiva." 9
MALATESTA, por seu turno, discrepa da maioria, ao pretender abstrair
do conceito dois aspectos completamente distintos, da forma seguinte: "A
prova pode ser considerada sob um duplo aspecto: quanto à sua natureza e
produção e ao efeito que produz no espírito daqueles perante quem é
produzida. Sob este segundo aspecto, resolvese na certeza, probabilidade e
credibilidade. (...) Como as faculdades perspectivas são a fonte subjetiva da
certeza, as provas são um modo de apreciação da fonte objetiva, que é a
verdade. A prova é, portanto, deste ângulo, o meio objetivo com que a verdade
atinge o espírito; e o espírito pode, relativamente a um objeto, chegar por meio
das provas tanto à simples credibilidade, como à probalidade e certeza;
existirão, assim, provas de credibilidade, de probalidade e de certeza. A prova,
portanto, em geral, é a relação concreta entre a verdade e o espírito humano
nas suas especiais determinações de credibilidade, probalidade e certeza." 10
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Dentro da concepção do possível, a prova judicial deve ser reduzida, em
última análise, a uma comparação ou confrontação: a da comprovação de uma
coisa ou de uma operação de que duvida, com outras coisas ou operações, a
fim de aferir a sua bondade, eficácia e exatidão da primeira, conforme proposta
de DELLEPIANE. 11
Não menos correto é o posicionamento de outros tratadistas, que
preferem enfocar a prova como simples atividade de verificação ou aferição,
abandonando a confrontação. ISIDORO EISNER, neste sentido, ensina que:
"A ciência investiga; e se chamam provas as investigações que se fazem em
laboratórios; se chamam provas mas, em realidade, são investigações: se
buscam fatos desconhecidos. E comprovar é verificar se são exatos os fatos e
temse como conhecidos por quem os afirma, mas cujas circunstâncias
particulares e cujo alcance se trata de determinar." 12
De uma forma ou de outra, a prova sempre deverá ser encarada como
um meio de demonstração de fatos ou, em última análise, como o produto
desta demonstração, que subministra ao destinatário (no caso o Juiz), o
conhecimento necessário.
3. DO INDÍCIO
3.1 Conceito e etimologia de indício
Consoante o entendimento de ANTONIO ROCHA ALVIRA, 18 a
terminologia indício possui filiação no latim index, indicis, decorrente da
formação do in (em), do radical dic (mostrar) e dicere (dizer).
De qualquer forma, independentemente da corrente que se possa filiar
sobre a origem do indício, o certo é que ele nos remeterá sempre para algo
que fornece uma visão parcial ou não perfeitamente compreensível sobre
determinado fato ou circunstâncias. Aliás, o mesmo ROQUE DE BRITO
MACHADO, arremata: "Observamos, portanto, substancialmente, de todas
estas citações de consagrados dicionários que a noção ou significado
etimológico de indício não divergiu essencialmente sob um certo prisma, da
sua compreensão doutrinária, técnicojurídica, elaborada posteriormente.
Principalmente quando expressou, como nota comum, que o indício revela, de
uma certa forma a coisa, objeto ou fato, sem que constitua a sua prova
evidência completa, apenas descobrindoo parcialmente, sem convencer de
todo, como algo imperfeito por sua natureza ou quando se manifesta." 19
Com certeza, a grande dificuldade em estabelecer um significado
comum para a palavra indício está na forma em que a mesma é empregada.
Para EUGENIO FLORIÁN, conforme adiante se verá, a palavra indício pode
ser usada para designar quatro acepções diferentes. 20 Uma atenta análise das
diversas acepções utilizadas nos força a concluir que, realmente, consoante
bem observado pelo saudoso mestre italiano, todas elas se mostram corretas e
a utilização de cada uma delas vai depender do sentido que se pretenda
emprestar à mesma.
Ora, se a importância maior da investigação sobre a origem da palavra é
conhecer o seu sentido atual, qualquer uma das vertentes adotadas sempre
nos remeteria à conclusão, hoje razoavelmente pacífica, segundo a qual, o
indício é sempre um elemento circunstancial que se une a outros como forma
de autorizar o convencimento ou não.
3.2 Definição de indício
Dentro do controvertido capítulo reservado ao estudo das provas
judiciais, com certeza o espaço destinado ao indício é dos mais complexos.
Segundo FLORIÁN, indício pode ser empregado como a) em um sentido
amplo de prova; b) para indicar objetos ou meios de prova; c) como resultado
da prova; d) para indicar uma graduação de prova e, comumente, com uma
graduação menor que as provas propriamente ditas. 21
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Sem embargo das opiniões em sentido contrário, tenho para mim que
indício pode ser utilizado em qualquer das quatro acepções propostas pelo
festejado tratadista italiano.
De uma forma geral, o indício é tido como circunstância ou fato
conhecido, que autoriza algum tipo de conclusão sobre um outro fato ou
circunstância desconhecido, mas com os quais possua algum tipo de relação.
22
O nosso CPP, em seu art. 239, define indício como: "Considerase
indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato,
autorize, por indução, concluirse a existência de outra ou outras
circunstâncias."
Conforme observado por GRECO FILHO, 26 embora de grande
importância, tal regramento legal de indício padece de grande impropriedade
terminológica; autoriza a conclusão por indução e, na verdade, quando o juiz
reconhece a existência do indício ele está fazendo um raciocínio dedutivo, com
base em máximas de experiência.
Desta forma, no conceito de indício, deve se considerar o fato fonte da
prova e a sua relação lógica com um outro fato ou circunstância, que seja
objeto de investigação. Assim, é ele algo conhecido, que nos autoriza a chegar
a alguma conclusão sobre o desconhecido, através de uma operação mental
lógicovalorativa.
Em razão de sua natureza, o indício é considerado na doutrina como
prova indireta, já que não possui autonomia e sempre é utilizada para se
conhecer um outro fato com o qual se relaciona. Neste sentido é o
ensinamento de GRECO FILHO: "Esses fatos, objeto da chamada prova
indireta, são os indícios, que se conceituam como fatos ou circunstâncias de
fato que podem levar à conclusão sobre a existência de outros fatos. A sua
pertinência e relevância dependem da aptidão que tenham de provocar a
convicção sobre a existência (ou inexistência) daqueles outros previstos em
lei." 27
DEVIS ECHANDÍA parece comungar do mesmo entendimento, quando
procura colocar dentro do mesmo conceito de indício o fato conhecido e o
argumento probatório, que através de operações lógicas de raciocínio, permite
chegar ao desconhecido ou duvidoso. Consoante o entendimento do festejado
processualista, o fato e argumento probatório se integram em um todo
indivisível. 28
Na verdade, sempre que se fala em indício, é necessário pensar no
processo como algo dinâmico, cujo objetivo maior é a reconstrução do fato,
para permitir ao juiz a aplicação da lei ao caso concreto. Nesta conformidade,
ele aparece como elo de uma enorme corrente. Muitas vezes, o mesmo é
elemento de coerência e permite o estabelecimento do encadeamento lógico
do raciocínio do magistrado. Não se pode, portanto, tentar compreender o
indício dissociado dos demais elementos, que integram o conjunto probatório.
Ademais, dentro desta mesma perspectiva, nenhuma das informações
probatórias, nem mesmo as diretas, podem ser analisadas ou compreendidas
individualmente, isto porque todos eles, no dizer de PARRA QUIJANO,
"integram a pequena história do processo". 29
3.3 Distinção entre indícios e presunções
Sem embargo do grande esforço da doutrina de estabelecer a diferença
entre indícios e presunções, muitos autores e legislações consideram um como
sinônimo do outro. Na prática, surge, amiúde, o questionamento sobre os dois
institutos, com suas diferenças e semelhanças, cujas conclusões, muitas
vezes, são colocadas no campo simplista da semântica.
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Diversos países, em seus respectivos códigos, equipararam os indícios
às presunções, dando semelhante regramento aos mesmos. Tal ocorre nos
Códigos: Civil da Espanha (arts. 1.248 e 1.253), Civil do Chile (art. 1.712), Civil
da França (art. 1.353), Civil da Itália (art. 2.729), Processo Civil da Guatemala
(arts. 128 e 1.253) e Processo Civil do México para o Distrito Federal (arts. 379
e 383). Na doutrina, diversos autores também procuraram estabelecer a
mesma identidade entre indícios e presunções; neste sentido, são as
conclusões de C. J. A. MITTERMAIER, 30 VITO GIANTURCO, 31 ANTONIO
ROCHA ALVIRA, 32 CARLO LESSONA, 33 FREDERICO MARQUES, 34
CHIOVENDA, 35 dentre muitos outros.
Não obstante o respeito que mereça tal respeitável corrente doutrinária,
em realidade, o indício possui natureza própria, que não permite qualquer
confusão com as presunções legais ou do homem.
A própria etimologia da palavra presunção já nos remete às diferenças
com o indício, apontadas no presente trabalho. A palavra presunção é derivada
do verbo latino composto praesumere, que significa tomar antes, resolver de
antemão, antecipar, prever, pressentir, conjecturar.
Ao contrário da presunção, entendemos que os indícios estão sempre
apoiados em fatos ou circunstâncias, que permitem ao intérprete a extração de
uma conclusão lógica com referência a alguma indagação. Já as presunções
decorrem exclusivamente de regras de experiência. Aquelas introduzidas no
ordenamento pelo legislador são as legais e as demais, são simplesmente
presunções do homem.
MOACYR AMARAL SANTOS, neste sentido, esclarece que a presunção
é o resultado ou efeito do segundo. 36 Sempre com a devida vênia do festejado
mestre, entendemos que ele incide no equívoco de reconhecer nas presunções
o caráter de prova e possibilitar a compreensão de que as conclusões
extraídas dos indícios são presunções. Tal crítica ao pensamento do ilustre
jurista brasileiro é endossada por ECHANDÍA, 37 que vê na mencionada teoria
os mesmos defeitos aqui apontados.
RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA 31
PARRA QUIJANO, 38 ao distinguir indício de presunção, sustenta que
presumir, em relação ao conhecimento, quem presume é aquele que toma
antecipadamente como sabido aquilo que desconhece.
Admitindo tais asserções, a presunção deve ser tida como sinônimo de
preconcebido, de pressuposto, que segundo ROQUE DE BRITO ALVES,
"reflete um mecanismo lógico que se apóia na dedução, na trajetória de que
efetua do conhecido para o desconhecido. Logo, pode ser entendida como
inferência, dedução, conjectura que se extrai de um fato conhecido". 39
Outrossim, ao contrário de indício, presumir significa um préjulgamento,
com a consideração prévia de que algo é verdadeiro ou falso, mesmo antes de
sua demonstração. Como regra, as presunções determinam a aceitação da
veracidade ou falsidade de um fato (presunção absoluta) ou, determinam a
inversão do ônus da prova (presunção relativa), àquele que pretende
demonstrar o contrário.
No indício não há o préjulgamento, reconhecendo que o raciocínio
indutivo ou dedutivo (mais apropriado), sempre tem como ponto de partida o
fato conhecido, utilizado como meio, para se chegar ao desconhecido. A
indução (ou a dedução) utilizada na interpretação dos indícios não pode ser
confundida jamais com o juízo preconcebido existente nas presunções. Aliás,
VICENTE DE AZEVEDO, de forma magistral, estabeleceu tal diferença, ao
afirmar: "Por outras palavras, eis a diferença entre indício e presunção: indício
é uma circunstância ou fato conhecido que serve de guia para descobrir o
outro. De um fato conhecido, se deduz outro. O conhecido indica o outro.
Presunção é operação mental, a interferência que por via do raciocínio, ou de
experiência deduzimos do indício conhecido." 40
Com certeza, conforme advertência feita por ROQUE DE BRITO
ALVES, 41 os processualistas que identificam ou confundem presunção com
indício deixaramse, de uma certa forma, dominar pela terminologia ou
linguagem comum. Esta talvez deixouse influenciar pela etimologia da palavra.
Na verdade, a maioria dos autores têm emprestado ao vocábulo presunção um
sentido muito mais amplo e indeterminado que seria racionalmente admissível.
O mais lógico seria encarar as presunções como conclusões lógicas ou
legais, que por vezes podem ou devem ser extraídas de um determinado fato,
não raro sem apoio em uma base material. A presunção de inocência,
consagrada no art. 5º, LVII, por exemplo, existe independentemente da
sustentação em qualquer elemento fático que possa lhe emprestar
fundamento. Assim, no processo penal, o réu deve ser considerado inocente,
até que uma sentença condenatória transitada em julgado possa destruir
aquele juízo legal préconstituído, antes existente.
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Por conseguinte, filiamonos à corrente que identifica como institutos
autônomos a presunção do indício. Este parte sempre de um fato conhecido,
obtido através de uma operação lógicacrítica e, através de um argumento
probatório, permite deduzir ou induzir a um outro fato desconhecido. Já a
presunção legal, ou do homem, não passa de um juízo prévio sobre algo,
apoiado em máximas de experiência.
Dentro de uma análise lógica, poderíamos sintetizar que o indício é um
elemento de convicção, enquanto a presunção não passa de uma valoração.
Aliás, de forma clara, ECHANDÍA assevera que: "A confusão resulta ilógica e
absurda. O indício é a prova; e a presunção, a conseqüência da regra de
experiência ou técnica que permite valorar e, como explicado anteriormente,
não é prova nem objeto de prova. Por isto mesmo, o indício pode ser anterior,
concomitante ou posterior ao fato desconhecido que se investiga, enquanto
que a presunção judicial surge necessariamente depois que o fato investigado
ocorreu." 42
No mesmo sentido é a conclusão de ROQUE DE BRITO ALVES, que
distingue o indício da presunção da seguinte forma: "Portanto, é por ser
plenamente admissível e correta a distinção lógicojurídica entre indício e
presunção, que processualistas do porte de MALATESTA sustentam que a
presunção é a primeira espécie das provas indiretas enquanto o indício a
segunda espécie, formandose, porém, toda a prova indireta sob a forma lógica
do raciocínio. O conhecido mediante o princípio da identidade e o raciocínio
indicativo iriam, ao invés do conhecido, para o ignorado através do princípio da
causalidade." 43
Enfim, na presunção, temos a falta de prova ou a desnecessidade de
sua existência. No indício, existe prova, que não é direta, mas permite ao
intérprete a construção de uma conclusão positiva ou negativa a respeito de
um fato ou circunstância.
Diante deste quadro, sem embargo da ponderável corrente que entende
em sentido contrário, temos que é perfeitamente possível a distinção entre
indício e presunção, que embora possuindo certas semelhanças, são institutos
diferentes, que também merecem estudo particularizado dentro da dogmática
da prova.
3.4 Indício e prova atípica
Não é incomum encontrarmos autores e julgados que costumam
equiparar os indícios às chamadas provas atípicas ou inominadas, o que, de
acordo com nossa concepção, constitui um grave equívoco.
Conforme é sabido, o nosso CPP nominou várias provas (arts. 158 a
250), admitindo qualquer outra, desde que observadas as restrições impostas
pela lei civil (art. 155) e as chamadas ilícitas, que já foram anteriormente
estudadas.
Portanto, segundo asseverado por DARCI G. RIBEIRO, provas atípicas
"são esses outros meios, não delimitados, e alguns nem positivados pelo
legislador, como forma de convencimento". 44
RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA 33
Impossível, pois, qualquer confusão entre prova atípica e indiciária. A
primeira, sozinha, pode conduzir a uma conclusão e, nesta conformidade,
bastar para uma condenação. Hoje em dia é comum a colocação de câmeras
filmadoras em locais públicos para vigiar eventuais condutas criminosas.
Quando um larápio é pilhado em plena cena de rapina, pelo equipamento de
gravação, esta é uma prova atípica ou inominada, que vem sendo largamente
utilizada no processo penal brasileiro.
Quanto ao indício, ele possui natureza sempre circunstancial, de forma
que pode aparecer no processo penal tanto por prova atípica ou típica. Desta
forma, a menção por uma testemunha, de que o suspeito do fato não estava
presente no local do crime, no horário de sua ocorrência, é um elemento
circunstancial, indicando que não foi ele o seu autor. Este indício, que foi
introduzido no processo através de prova típica, poderia, da mesma forma, ter
sido trazido a lume por qualquer outra prova atípica ou inominada.
Nesta conformidade, tornase inadmissível qualquer tipo de confusão
entre indício e prova atípica.
3.5 O indício como prova
Muito já se discutiu não doutrinar sobre a possibilidade de admissão de
prova constituída exclusivamente por indícios no processo penal. Muitas vozes
se ergueram contra os indícios, em razão da sua natureza circunstancial. Para
tais críticos, eles sempre traduzem mais dúvidas que certezas, razão pela qual
eles somente podem ser utilizados quando acompanhados de provas diretas.
O ilustre professor pernambucano ROQUE DE BRITO ALVES 45
colocouse como um dos mais ferrenhos opositores à idéia de utilização de
uma prova indiciária autônoma, pois ele a considera uma prova imperfeita,
sempre sujeita ao vício da incerteza, portanto, incapaz de conduzir o julgador à
certeza.
Talvez o mais incisivo e abrasivo inimigo da prova indiciária foi ELIÉZER
ROSA, 46 que chegou a qualificar a mesma como "a mais desgraçada, a mais
enganosa, a mais satânica de todas as provas", para negar com veemência a
sua admissão; entende que ela é a arma perfeita contra os fracos, já que pode
levar a qualquer tipo de conclusão, à mercê de quem a utiliza.
Nos dias atuais, não vejo razões para os apaixonados levantes e o
inconformismo contra a utilização dos indícios.
34 RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA
Como corolário do sistema acusatório adotado no Brasil, o nosso CPP
contemplou o princípio da livre apreciação das provas (CPP, art. 157). Desta
forma, é inadmissível qualquer tipo de preconceito no tocante às formas e
meios probatórios colocados à disposição do juiz criminal, para a busca da
verdade material.
Não bastasse isto, ao contrário da maior parte dos países,
principalmente da Europa, o nosso legislador incluiu a prova indiciária dentre
as demais nominadas em nosso diploma instrumental (CPP, art. 239). Desta
forma, em termos de regramento legal, a prova indiciária está equiparada a
qualquer outra, seja típica ou atípica.
No CPPM, o indício recebeu regramento muito semelhante ao dado pela
legislação instrumental ordinária. Na legislação castrense, a matéria está
disciplinada no art. 382. 47
Diante das disposições legais expressas, que determinam a admissão
do indício como prova, não é concebível, nos dias atuais, resistência à sua
utilização no processo penal.
A clássica justificativa levantada por todos os algozes de tal prova,
segundo a qual ela pode conduzir ao erro judiciário, contra o cidadão, também
não pode ser aceita. O indício sempre é analisado dentro de um conjunto de
elementos de convicção. Nem o indício ou qualquer outra prova isolada pode
levar segurança à decisão judicial. É por esta razão que não é aconselhável
jamais a análise fragmentada dos elementos de provas coligidos, em um
determinado processo.
O lógico é que o indício seja utilizado sempre em confronto com outras
provas diretas. Dificilmente, um único indício poderá servir para formar a
convicção de um magistrado. Não se lega, portanto, que o concurso e
concordância entre os indícios pode levar à formação da chamada prova
indiciária e, esta pode, por si só, formar a convicção do magistrado.
Ainda com referência à visão tacanha e preconceituosa daqueles que
entendem que o indício só é utilizado para condenar, é necessário lembrar, que
muitas vezes ele também é utilizado para absolver um acusado. Neste sentido,
temos o clássico exemplo do álibi. Quando comprovado, o álibi é o indício que
quase sempre conduz à absolvição. Do contrário, o álibi não comprovado pode
constituir o elemento formador da convicção condenatória. 48
A doutrina brasileira mais moderna e autorizada é quase unânime em
admitir a utilização do indício como prova. Nesta posição se colocam
TOURINHO FILHO, 49 MIRABETE, 50 CÂMARA LEAL, 51 BENTO DE FARIA, 52
ESPÍNOLA FILHO, 53 FREDERICO MARQUES, 54 dentre outros.
RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA 35
Normalmente, os indícios surgem como elementos circunstanciais, que
se colocam entre as chamadas provas diretas, como forma de dar coerência e
coesão ao sistema probatório. Todavia, muitas vezes aparecem indícios
isolados e, em muitos casos, uma prova completa formada exclusivamente
com indícios. Em todos as hipóteses, o conjunto das provas deverão ser
consideradas pelo juiz, no cotejo com os demais elementos de convicção
coligidos.
Pelos fundamentos acima expostos, é inadmissível o posicionamento de
alguns, que atribuem ao indício, previamente, um menor valor probatório, em
confronto com as provas diretas. Consoante a própria exposição de motivos do
CPP, não existe qualquer hierarquia entre as provas e, se o legislador elegeu o
indício como meio de prova, deve ser reconhecido em favor do mesmo,
idêntico valor atribuído aos demais.
Dentro da ampla liberdade que possui o magistrado em matéria penal,
ele poderá valorar livremente as provas que lhe forem submetidas, exigindo,
para isto, simplesmente que ele motive a sua decisão, sobretudo no ponto em
que admitiu a prevalência de uma prova sobre outra.
Retomando a questão da possibilidade de existência de prova
exclusivamente indiciária, o STJ asseverou: "Uma sucessão de indícios e
circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada
que é exigida para a condenação." 55
3.6 Algumas hipóteses de utilização de indícios como provas
Nos dias atuais, muito se discute sobre a possibilidade de utilização de
elementos, coligidos na fase policial, para formação da livre convicção do
Magistrado. Por certo, as informações hauridas no inquérito devem ser
encaradas como indícios e consideradas dentro do acervo probatório carreado
aos autos.
Entendemos não proceder a tese, segundo a qual os indícios coligidos
na fase inquisitorial devam ser totalmente descartados porque não produzidos
sob o crivo do contraditório. Ora, estes elementos constantes dos autos serão
submetidos ao amplo debate, assim que instalada a relação processual e
poderão ser agasalhados ou contrariados por outros meios de prova,
colocados à disposição dos litigantes.
36 RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA
A simples unilateralidade, durante a fase de produção, não pode ser
erigida como impedimento à livre utilização de tais informações. 56 Digase de
passagem, que no processo penal brasileiro, a prova pericial também é quase
sempre produzida de forma unilateral e a mesma coisa deve ser dita com
relação à documental. Todavia, instalado o contraditório, tais provas poderão
ser questionadas e impugnadas pelos litigantes, que terão todos os meios para
demonstrar a improcedência das mesmas. O mesmo deve ser dito com relação
aos indícios do inquérito.
Evidentemente, na maioria das vezes, os simples elementos do
inquérito não bastam para justificar a edição do decreto condenatório ou
absolutório, já que os mesmos carecem de roboração judicial.
Discutida também é a questão relativa à confissão obtida na fase de
investigação policial. Tratase de entendimento jurisprudencial e doutrinário
quase pacífico, que a confissão vale pela sua coerência com os demais
elementos de convicção e não pelo local em que é prestada. Neste sentido, já
decidiu o Pretório Excelso: "De acordo com a orientação do STF, a confissão
feita no IP, embora retratada em Juízo, tem valia, desde que não ilidida por
quaisquer indícios ponderáveis, mas, ao contrário, perfeitamente ajustáveis
aos fatos apurados." 57
Em hipótese semelhante, o TACRIMSP também decidiu: "Malgrado
colhida à margem do contraditório, a confissão policial é prova que merece
indiscutível credibilidade, especialmente quando posteriormente não foi
infirmada." 58
"CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL HIPÓTESE EM QUE CONFORTADA
POR OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO CARREADOS AOS AUTOS
IRRELEVÂNCIA DE POSTERIOR RETRATAÇÃO EM JUÍZO VALIDADE
RECONHECIDA
Como é cediço, a confissão vale não pelo local em que é prestada, mas
pela força de convencimento que nela se contém, pelo quê a policial merece
crédito quando confortada por outros elementos de convicção carreados aos
autos, irrelevante na hipótese, posterior retratação em Juízo." 59
Discorrendo sobre a importância da confissão como meio de prova,
quando ela se ajusta aos demais elementos de convicção carreados para os
autos, o festejado MITTERMAYER asseverou: "A concordância entre a
confissão e os principais fatos aliunde demonstrados, tem como resultado
garantir até a certeza de haver o acusado assistido a todos os incidentes do
crime, e esta conclusão nos é imposta pela força das cousas.... Mas, não seria
acertado exigir, necessariamente, em todos os casos, a demonstração, pelas
outras provas, de todos os fatos referidos na confissão; porque então, esta
tornarseia supérflua; e, além disso, exigir esta demonstração é, muitas vezes,
querer o impossível. O Juiz deve ficar satisfeito desde que certas provas
circunstanciais tendam a demonstrar a veracidade da versão do réu..." 60
RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA 37
Desta forma, p. ex., se alguém confessa a autoria de um homicídio,
esclarecendo a forma de execução e indicando o local onde foi ocultado o
cadáver, e se a perícia comprova que a execução do crime se deu na forma
relatada pelo suspeito e o cadáver é encontrado no local apontado pelo
mesmo, será difícil negar credibilidade a tal confissão, independentemente do
local onde foi levado a cabo.
O mesmo não poderá ser dito da confissão judicial que não encontra
ressonância nos demais elementos probatórios dos autos. Se o réu admite a
autoria do delito perante um Juiz, este não será elemento suficiente à sua
condenação, se tal confissão foi contrariada pelos demais elementos de
convicção.
Em tema de delito patrimonial, muito se fala sobre a apreensão da coisa
subtraída da vítima com o suspeito da prática do crime. Conforme firme
corrente jurisprudencial, este elemento indiciário vale como prova de autoria,
salvo na hipótese em que o suspeito demonstra que adquiriu a coisa de outra
forma. 61
Habitualmente, deparamonos, da mesma forma, com a existência de
reconhecimento de pessoas, quando não foram observadas as formalidades
preconizadas no art. 226 do CPP. Consoante entendimento de TORNAGHI, 62
entendemos que este elemento não pode ser encarado como prova. Todavia, é
um indício a ser cotejado dentro do conjunto probatório livremente pelo juiz, já
que a omissão não pode ser encarada como nulidade. 63
A mesma conclusão deve ser levada a efeito, quando se trata de
simples reconhecimento fotográfico. Consoante lição de CAMARGO ARANHA,
64
por não se amoldar à previsão do art. 226 do CPP, tal elemento não pode ser
encarado como prova direta. Não obstante, possui ele importante valor
indiciário, que não pode ser desprezado. 65
O chamamento do coréu, conhecido como delação também não está
incluída entre as provas diretas. Contudo, quando tal chamamento ocorre de
forma natural dentro do interrogatório, este elemento deve ser recebido com
cautela pelo julgador, mas pode se constituir em importante elemento de
convicção. 66 Da mesma forma, deve ser encarada a declaração prestada do
coréu que inocenta outro acusado. Este tipo de elemento probatório estará
sempre na dependência de aferição com as demais informações constantes do
conjunto probatório.
38 RDP Nº 4 OutNov/2000 DOUTRINA
A palavra da vítima é outro elemento tortuoso a ser considerado.
Conforme é sabido, o ofendido não presta compromisso (CPP, art. 201). Por
razões óbvias, quase sempre a vítima, em decorrência de questões
psicológicas, possui interesse no deslinde condenatório da demanda, razão
pela qual, suas palavras somente podem ser recebidas como indício e não
como prova direta ou categórica de autoria.
Sem embargo da natural suspeição que pesa sobre as declarações do
ofendido, a jurisprudência vem reconhecendo extraordinário valor a tais
declarações nos casos de crimes clandestinos, quando ausentes outros
elementos probatórios. Assim, no caso de roubo 67 e crimes sexuais, 68 não é
incomum a existência de condenações estribadas exclusivamente na palavra
do ofendido. Reconhecese, por outro lado, que tais palavras não podem ser
recebidas sem reservas e, as dúvidas sempre deverão ser resolvidas em favor
do réu. 69
Coubenos, portanto, a oportunidade de analisar algumas hipóteses em
que a prova indiciária é largamente empregada no processo penal. Embora ela
seja uma prova que exige redobradas cautelas, face à sua natureza
circunstancial, ela oferece uma extraordinária contribuição na elucidação da
maioria dos fatos discutidos no processo penal.