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Curso: Direito Horários: Matutino e Noturno

Disciplina: Direito Penal III Semestre: 2016/1º


Horas/aula: 60 - Créditos: 3 Turmas: 4º Período
Prof. Luiz Antonio de Oliveira e Araújo, Ph.D e-mail: professor.luiz@folha.com.br

Sobre o art. 156, CPP: a busca da Verdade Real.

A Lei nº 11.690 de nove de junho de 2008 alterou dispositivos do Código de


Processo Penal relativos à prova. A inovação se deu, também, no art. 156, I, do
Código de Processo Penal, que diz que a prova da alegação incumbirá a quem
a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício ordenar, mesmo antes de
iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes
e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida. Permite-se, aqui, que o juiz, mesmo na fase de investigação, ordene
de ofício a produção de provas.
O sistema acusatório tem como premissa uma separação subjetiva de funções.
A regra determinada pelo art. 156, I, do Código de Processo Penal permite ao
juiz assumir a posição de um inquisidor, que investiga para depois julgar.
O Código de Processo Penal adotou o sistema acusatório e não o sistema
inquisitivo. Permitir-se ao juiz determinar a produção de provas de ofício,
inclusive durante o inquérito policial, estar-se-ia admitindo a figura de um juiz
investigador, ou seja, um processo inquisitivo.
Como por exemplo, Guilherme de Souza Nucci, para quem a atuação de ofício
pelo juiz" trata-se de decorrência natural dos princípios da verdade real e do
impulso oficial ". Não deve o magistrado, segundo o autor," ter a preocupação
de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas única e tão-somente
atingir a verdade ".
No âmbito processual, sua busca se dá por meio de um processo de
reconstrução histórica dos fatos.
Entende-se a verdade formal como sendo aquela extraída da análise das
provas e manifestações trazidas aos autos pelas partes, sendo que o juiz
pouco ou nada interfere nessa produção. De acordo com o princípio em
comento o magistrado pode ser mais condescendente na apuração dos fatos,
sem a exigência de diligenciar ex officio para a apuração da verdade.
Um dos mais relevantes princípios do Processo Penal, o princípio da verdade
real, também conhecido como princípio da verdade material ou da verdade
substancial, determina que o fato investigado no processo deve corresponder
ao que está fora dele, em toda sua plenitude, sem quaisquer artifícios, sem
presunções, sem ficções.

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Para a esfera processual penal, na qual, em regra, predomina a
indisponibilidade de interesses, não é suficiente o que tem a simples aparência
de verdadeiro, razão pela qual deve-se procurar introduzir no processo o
retrato que mais se aproxime da realidade.
Nos dizeres de Rogério Lauria TUCCI, a verdade real pode ser definida como
"a reconstrução atingível de fato relevante e metaprocessual, inquisitivamente
perquirida para deslinde da causa penal".
A reprodução da verdade no processo penal deve ser feita através da busca
das melhores provas em matéria criminal, sendo que o Juiz não pode se
contentar apenas com aquelas fornecidas pelas partes, salvo se forem
efetivamente as melhores. Para exemplificar, pode-se dizer que o depoimento
de uma testemunha que presenciou o evento criminoso deve ser mais valorado
que o daquela que tão somente tomou conhecimento do delito.
A supremacia da verdade real no processo penal é determinada pelo interesse
público, presente tanto nas ações penais públicas quanto nas privadas. Isso
porque, para o exercício do jus puniendi, reservado ao Estado, mister se faz
que a verdade dos fatos seja efetivamente alcançada, sob pena de que muitas
injustiças sejam praticadas.
Pode-se dizer que as regras processuais que permitem ao magistrado uma
participação efetiva na instrução processual penal são exemplos da adoção do
princípio da verdade real pelo ordenamento processual penal brasileiro.
Nesse sentido, vale citar a regra contida no art. 156 do CPP, que possibilita ao
juiz a determinação de diligências complementares, no curso da instrução ou
antes de proferir sentença, quando necessárias para sanar dúvidas sobre
pontos relevantes. De igual forma a regra contida no art. 502 daquele mesmo
diploma legal, que permite ao juiz, mesmo após o término da fase instrutória,
ordenar diligências para sanar nulidades ou suprir falta que prejudique o
esclarecimento da verdade.
Sobre o tema em comento, TOURINHO FILHO ensina:
Na verdade, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a
verdade formal ou convencional que surja das manifestações
formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se
aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o
dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos
se passaram na realidade, que realmente praticou a infração e em
que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça.

De acordo com Marilena Chauí, há três concepções da verdade. Para a atitude


natural ou dogmática, o verdadeiro é o que funciona e não surpreende. É –
como vimos – o já sabido, o já dito e o já feito. Verdade e realidade parecem
ser idênticas e quando essa identidade se desfaz ou se quebra, surge a
incerteza que busca readquirir certezas.

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Para a atitude crítica ou filosófica, a verdade nasce da decisão e da
deliberação de encontrá-la, da consciência da ignorância, do espanto, da
admiração e do desejo de saber. Nessa busca, a Filosofia é herdeira de três
grandes concepções da verdade: a do ver-perceber, a do falar-dizer e a do
crer-confiar.
Nossa ideia da verdade foi construída ao longo dos séculos, a partir de três
concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.
Em grego, verdade se diz aletheia, significando: não-oculto, não-escondido,
não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do
espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O
verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o
dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente
ou o plenamente visível para a razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas e o verdadeiro está nas
próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade
e, portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste, enquanto a
falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em aparências.
Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de
um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade ao que
aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de
fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais
como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou dotado de veracidade
quando a linguagem enuncia os fatos reais.
A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e da acuidade
mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos fatos
acontecidos. A verdade não se refere às próprias coisas e aos próprios fatos
(como acontece com a aletheia), mas ao relato e ao enunciado, à linguagem.
Seu oposto, portanto, é a mentira ou a falsificação.
As coisas e os fatos não são reais ou imaginários; os relatos e enunciados
sobre eles é que são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico verdade se diz emunah e significa confiança. Agora são as
pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou um amigo
verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra
dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança.
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que aquilo que foi
prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer. Emunah é uma palavra de
mesma origem que amém, que significa: assim seja. A verdade é uma crença
fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que será ou virá.
Sua forma mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais perfeita é a
profecia.

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Na construção da nossa Petição Inicial (Denúncia ou Queixa-crime); Aletheia
se refere ao que as coisas são (= Premissa Maior: Leis que estão em vigor,
dispositivos legais atuais); veritas se refere aos fatos que foram (= Premissa
Menor: caso concreto, narrativa dos fatos acerca do cliente); emunah se refere
às ações e as coisas que serão (= Premissa da Conclusão: pedidos que serão
direcionados ao Juiz). A nossa concepção da verdade é uma síntese dessas
três fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos
fatos passados (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah).
Também se refere à própria realidade (como na aletheia), à linguagem (como
na veritas) e à confiança-esperança (como na emunah).
Palavras como “averiguar” e “verificar” indicam buscar a verdade; “veredicto” é
pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e
“verossimilhante” significam: ser parecido com a verdade, ter traços
semelhantes aos de algo verdadeiro.

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