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AULA 9 VERDADE, CERTEZA E PROVAS

VÍDEO 2

1. Introdução

O termo “Prova” significa 3 coisas:

- a ação que procura verificar, por via demonstrativa ou

argumentativa, um fato ou uma coisa duvidosa.

- quando falamos de “meios de prova” estabelecidos pelo direito

como quando falamos a prova por documentos, por testemunhas, por

confissão...ou seja, falamos dos meios para provar em juízo e levar o

juiz a formar uma convicção suficiente para ditar a sentença.

- quando se fala que “algo foi ou está provado” como resultado dos

argumentos, das demonstrações ou das provas apresentadas, com os

meios permitidos, produzindo uma “certeza jurídica” de tal forma que

aqueles fatos que antes eram duvidosos agora estão provados

juridicamente.

2. O conceito de “Prova” em perspectiva histórica

O conceito clássico de “Prova” surge com os clássicos gregos e

romanos, influenciados pela dialética e a retórica e se fundamentava no

conceito de argumentum.
Cicero: “Prova é aquilo que, sobre uma coisa duvidosa, persuade (faz

fé) ao juiz por meio de argumentos”. A meta ou o objetivo aqui era

persuadir o juiz, porém, não de qualquer modo, mas por aqueles meios

de prova que fossem relevantes para o caso. Aqui se relacionava a prova

com os meios de prova e a convicção e sentença do juiz.

É importante perceber que já desde o começo estamos no campo do

duvidoso, do provável, do controverso, do opinável e não do certo, do

claro e do distinto.

Em Las Partidas: Prueba es averiguamiento que se faze em juyzio em

razón de alguna cosa que es dubdosa”.

Decretalistas e Glosadores (Accursio, Azo, Bártolo): manifestação

feita (ostensio facta) em juízo por argumentos legítimos sobre uma coisa

duvidosa ou controvertida.

Assim, o jurista Giuseppe Mascardus, 1584: “probatio est rei

dubiae seu controversae per legitima argumenta iudici facta

ostensio”. (Mascardus (1584), q. 2, n. 17, f. 3 v. La cita es de Di

Bernardo (Conclusiones probatium omnium quae in utroque Foro

iure quotidie versantur, I, Venetiis, apud Zenarium.).

Essa forma de entender o conceito de prova foi “patrimônio

comum” da doutrina e da jurisprudência canonística, destacando o

aspecto de “instrumento de persuasão do juiz”. Dava-se um maior

destaque as duas partes, acusação e defesa, que eram os que


deveriam argumentar e deixava-se o juiz como elemento passivo ou,

como se gosta de dizer agora, imparcial ou neutro.

A partir do século XIII, começa a se discutir, como já falamos

na outra aula ao tratar de S. Tomás de Aquino e o tipo de

conhecimento próprio das questões jurídicas, morais e políticas, a

existência de dois tipos diferentes de conhecimento: o provável como

oposto ao necessário.

E é nessa altura que o papel das testemunhas cobra importância,

como lugar de discussão e de confronto entre as partes e espaço

privilegiado do contraditório. O juiz continua sendo imparcial, mas,

ao mesmo tempo, lhe cabe “controlar a legalidade e legitimidade das

testemunhas”. Nem todo testemunho, nem toda testemunha tem

autoridade de prova.

Aos poucos, dentro de um processo de desenvolvimento da ciência e

do conhecimento, começou a ser usado o conceito de “evidência”, como

forma de garantir a verdade por meio da comprovação dos sentidos.

Tratava-se de uma forma de superar os limites do provável.

Procurava-se chegar à verdade dos fatos por meio de algo externo e

objetivo.

Surgiram nesse contexto duas afirmações jurídicas de peso

probatório:

- o normal como aquilo que acontece frequentemente e


- a prova incontestável por ser mais clara que a luz do meio dia.

. Simultaneamente, o juiz começou a ser “enquandrado” para que

julgasse tendo em conta “o alegado e provado” e não de qualquer

maneira.

Pensava-se nesse primeiro momento de que os fatos jurídicos

poderiam ser provados ou demonstrados tal qual os fatos

empíricos.

Estamos num momento de transição processual e conceitual. Dos

tempos antigos e clássicos aos tempos modernos e científicos. O

argumento, que é algo subjetivo e retórico, começa a ser deixado

de lado e é substituídos pela demonstração, que é objetiva e

verificável, como os fatos físicos ou empíricos assim os fatos

jurídicos.

É por volta do XVI, então, que o mundo processual encontrava-

se numa encruzilhada: o que é que importa no processo? Provar os

fatos? De forma lisa, honesta, sincera? Ou convencer o juiz? E se a

verdade dos fatos não puder ser provada ou for provada de forma

errada e, portanto, a convicção do juiz também estiver errada?

Como fica, então, a consciência do juiz?

Michelle Taruffo, jurista italiano atual, explica que é inevitável a

distinção entre fatos, verdade dos fatos e prova dos fatos. Nem

sempre o que se pode provar é toda a verdade dos fatos. E outras


vezes, o que se prova é uma mentira....Mas também é inevitável

que para que o juiz possa chegar a uma convicção precise ser

persuadido pelos meios de prova admitidos em Direito.

Os fatos, enquanto algo acontecido no passado e objeto de litígio

e de discussão dialética, não são propriamente “fatos” mas

“narrativas de fatos acontecidos”. São enunciados feitos pelas

partes com relação a algo acontecido. Por isso, afirma Taruffo,

quando se fala em “verdade dos fatos” na verdade estamos falando

da verdade de um enunciado ou de uma narrativa sobre esse fato.

Enunciados e narrativas que são construções ou narrações

formuladas pelas partes e o próprio juiz, enquanto formula a sua

convicção, a partir de uma série de critérios jurídicos, conceituais,

linguísticos e avaliativos, etc.

É por isso que antes de falarmos das provas, tivemos de falar da

verdade, da certeza e da opinião. Porque a prova de algo (um fato,

uma afirmação, uma coisa) está relacionada e depende de uma

teoria prévia sobre o conhecimento e sobre a epistemologia,

porque quando se diz que se provou ou que se quis provar algo de

uma forma determinada, está se partindo previamente de uma

posição sobre a verdade e sobre a certeza.

3. Verdade e certeza moral


Como falamos, no século XIII, S. Tomás propôs uma forma

nova de olhar para este tema. Para as questões necessárias

(imutáveis, aquelas que são sempre do mesmo jeito) temos a

ciência e, portanto, a certeza absoluta.

Porém, para as questões jurídicas e processuais não se estava

discutindo nem sobre certeza nem sobre verdade absolutas, mas

apenas sobre a certeza possível nas coisas contingentes, aquelas

que, para chegarmos à sua verdade, precisam ser provadas

argumentativamente.

acerca de los actos humanos, sobre los que versan los juicios
y son exigidos los testimonios, no puede tenerse una certeza
demostrativa, puesto que dichos actos versan sobre cosas
contingentes y variables.
Nos séculos XV e XVI, como resultado do desenvolvimento da

filosofia, da matemática e da física, foi sendo desenvolvida a

relação entre verdade, certeza e probabilidade. Também no campo

jurídico e processual, bem como no teológico e moral.

A nova encruzilhada ficou estabelecida no ponto em que se

aceitou que por um lado não se poderia chegar quase nunca à

verdade completa, absoluta, à prova plena, incontrovertível e

indiscutível, devido às limitações do entendimento e da condição

humana e do inevitável teor subjetivo de quem narra e quem prova

e, por outro, se começou a exigir que o juiz fosse o suficientemente


prudente como para conduzir o juízo e principalmente a

valorização das provas, de maneira que se pudesse chegar (que ele

mesmo pudesse chegar) a um tipo especial de certeza, a certeza

provável que excluísse qualquer dúvida razoável.

Como se pode perceber, não se tratava de eliminar qualquer

dúvida, mas aquelas dúvidas que razoável e prudentemente

pudessem ser eliminadas. Sempre ficaria uma margem de dúvida,

mas essa margem estava aquém, ou além do razoavelmente

prudente. Esse seria o critério a ser seguido com relação às provas

e aos fatos provados.

Criou-se assim um leque ou espectro de certeza entre a “certeza

absoluta” e a “simples certeza”, de tal maneira que se começou a

falar de mais ou menos probabilidade, mais ou menos certeza, uma

opinião mais ou menos provável, com a possibilidade de um erro

mais ou menos provável...

A Teologia moral definiu toda esta questão afirmando que um

juiz julgava prudentemente e portanto em consciência, sem perigo

de ofender a Deus, nem de colocar sua alma em risco de

condenação desde que julgasse de acordo com a opinião que lhe

parecesse mais ou menos provável, excluindo as dúvidas que

fossem razoavelmente irrelevantes.


Dentro deste contexto, e tendo em conta o campo da Teologia

moral, destacou-se também a ideia de salus animarum e da

necessidade que o juiz tinha de estar atento que nem todas as leis,

pela sua generalidade e universalidade, conseguiam chegar com

justeza ao caso concreto e, portanto, exigia-se que o juiz julgasse

sempre conforme a equidade, a epiqueia, a justiça, o direito e a

razão. Todos esses termos eram mais ou menos sinônimos, mais ou

menos próximos. Tinham o caráter de “ajustar” justamente a lei ao

caso concreto para que de fato se realizasse a justiça.

Foi também entre o seiscentos e o setecentos que se foi

entendendo melhor o que se queria dizer com a afirmação de que o

juiz devia julgar conforme o alegado e o provado.

Entendia-se que o juiz devia seguir a sua consciência que devia

ser informada pelo direito, ou seja, pelo desejo de sentenciar de

forma justa e não apenas de forma estritamente legal ou literal.

Portanto, entendia-se que o juiz podia ir além da letra da lei à

procura, quando fosse o caso, de encontrar a solução ou decisão

mais justa ou conveniente para o caso concreto.

E foi neste terreno que se desenvolveu o conceito de arbítrio

judicial como algo não caprichoso nem voluntarista, mas como

algo adequado ao justo, ao razoável e conforme a equidade e a

justiça.
Por isso, Menochio: visto que o arbítrio e a estimação do juiz

não é inteiramente livre e absoluto, mas que se encontra regulado,

de acordo com os Doutores, deve pois ser regido de acordo com a

razão e a equidade e não pela simples vontade do juiz”.

4.Consciência e probabilidade

Dentro desse contexto é que se desenvolveu a ideia de “certeza

moral” e os diferentes “graus de probabilidade” que um

determinado fato poderia ter diante dos olhos de um juiz para que

ele pudesse sentenciar em consciência e justiça.

Aqui surgiram diferentes “escolas” ou “tendências” mais ou

menos probabilistas: tuciorismo (no caso de dúvida, o mais seguro

era seguir a lei); probabiliorismo (o mais seguro era a opinião mais

provável) e o probabilismo (quaisquer opinião provável era

prudente, sem preocupar-se se era mais ou menos provável).

Apenas para dar uma ideia de como tudo isso se refletia na

prática judiciária, o teólogo Alonso de la Peña Montenegro,

professor de filosofia e Reitor da Universidade de Santiago de

Compostela (1644) e Arzebispo de Quito em 1653, publicou em

1668 Itinerário para párocos e declarava-se a favor da opinião

provável e, inclusive da menos provável. E no caso das restituições

por força de um roubo e da confissão do mesmo, diante da questão:

era preciso devolver o roubado? Considerava que se poderia opinar


em contra ou a favor da devolução, tendo em conta que havia

opiniões prováveis que eram a favor da devolução e outras

opiniões que não o achavam necessário. Ambas as opiniões

poderiam ser seguidas prudentemente, de acordo com a

circunstância do caso, pelo juiz.

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