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juízo de probabilidade juízo de certeza

A doutrina costuma definir a cognição sumária, sempre por contraposição à cognição


exauriente, afirmando que a primeira consiste num (ou é voltada a formular um) juízo
de probabilidade e a segunda consiste num (ou é voltada a formular um) juízo de
certeza. Nenhuma dessas noções é definida de modo minimamente satisfatório. Afinal,
em que consiste um “juízo”, em primeiro lugar, que tanto pode ser “de probabilidade”,
como “de certeza”? E o que faz com que um determinado juízo seja qualificado como
“de probablidade” e o que faz com que um outro determinado juízo seja qualificado
como “de certeza”? Sem tais esclarecimentos, tais noções não se prestam a definir nada,
uma vez que elas próprias carecem de uma definição adequada.

Por outro lado, pelo que se sabe sobre “probabilidade”, mesmo ao nível do senso
comum, ela é algo que se apresenta em “graus”: da probabilidade de grau mínimo à
probabilidade em grau máximo. Contudo, mesmo a probabilidade no mais elevado grau,
como quer que isso seja definido, ela jamais se confunde com algo que se possa definir
como “certeza”.

Um ponto de partida fundamental é a análise da noção de “juízo”. O termo juízo tem


uma longa e venerável história, que remonta a Platão e a Aristóteles. Na lógica
tradicional, ele é considerado como uma das “operações do espírito”. Tal termo,
todavia, caiu em desuso, por assim dizer, e aquilo que antes se referia com ela, agora se
refere seja com o termo ‘crença’, seja com o termo ‘asserção’ – que corresponde a um
ato de fala definido como a expressão comunicativa de uma crença.

Com essa conversão necessária, já se pode ver que as noções de “juízo de


probabilidade” e “juízo de certeza”, nada mais são do que modalidades de “crenças”. E
o que distingue uma da outra não é – e nem poderia ser – algo “interno” às próprias
crenças, mas sim algo que lhes é externo, a saber: o diferente grau de justificação que
cada uma apresenta. Assim, um “juízo de probabilidade” é uma crença com uma
justificação menos “forte” do que a crença referida como “juízo de certeza”.

“Menos forte” como?

Situações em que o juiz, em sede de cognição exauriente, não decide a causa mediante
“juízo de certeza”:

1. Quando decide a causa com a aplicação de regra de distribuição do ônus da


prova: quando o autor alega o fato constitutivo do direito, mas não produz prova
alguma, ou não produz prova “suficiente”, o juiz tem o fato como não ocorrido,
mas não tem, e nem pode ter, logicamente, certeza quanto à ocorrência ou não
do fato; o mesmo se aplica aos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos
alegados pelo réu.
2. Quando há prova produzida por ambas as partes, mas ambas são contraditórias –
o que é algo extremamente corriqueiro – o juiz decide com base no critério
(standard probatório) da “probabilidade preponderante”: ele tomará, mesmo em
sede de cognição exauriente, como tendo ocorrido os fatos alegados por uma
parte, que se revelam dotados de uma maior probabilidade de serem verdadeiros
do que os fatos alegados por outra parte.

Note-se que, nessa segunda hipótese, a cognição exauriente não apenas não se realiza
através de um “juízo de certeza”, como também, ela própria, se manifesta através de
um... juízo de probabilidade!

Fixadas essas noções razoavelmente triviais, cumpre examinar um aspecto não


problemático da cognição sumária, naquilo em que ela se contrapõe à cognição
exauriente. A cognição exauriente é aquela que juiz realiza, necessariamente, ao final do
processo, ou seja, quando foram exauridas todas as oportunidades que o contraditório
assegura às partes, para trazer aos autos e municiar o juiz na formação de seu
convencimento sobre a causa. Nessa perspectiva, a cognição sumária é realizada antes
de exauridas todas essas oportunidades.

Costuma-se dizer que a cognição sumária é realizada com base em um conjunto


“incompleto” de elementos. Essa afirmação é verdadeira, porém apenas
circunstancialmente. Isso porque não é de forma alguma impossível que os elementos
que dispõe o juiz para realizar sua decisão final, após exauridas as oportunidades
atribuídas às partes, em razão do contraditório, sejam exatamente aqueles que se lhe
estavam disponível, para subsidiar sua decisão, fundada em cognição sumária. Isso pode
se dar, por exemplo, em razão da revelia do réu, da não desincumbência dele do ônus da
impugnação específica, da omissão do própria autor em aportar as autos novas provas
quanto ao fato constitutivo de direito afirmado etc.

Portanto, uma primeira e não problemática característica da cognição sumária é a


seguinte: a cognição que o juiz realiza antes do momento legalmente previsto para que
ele decida a causa – mediante cognição exauriente, portanto – com base tão somente nos
elementos disponíveis neste momento, que devem ser tidos como normativamente
limitados, uma vez que no momento em que a cognição sumária é realizada, ainda não
foram exauridas as oportunidades que o contraditório assegura às partes para aportar
elementos de convicção aos autos – e exatamente por isso, está vedado ao juiz proferir a
decisão final (= cognição exauriente) da causa.

O termo ‘juízo’ é ambíguo e expressa noções distintas, analisadas por disciplinas tão
diferentes como a filosofia, a epistemologia, a psicologia cognitiva, a ética outras, sendo
tais noções objeto de intensas controvérsias.
Por isso mesmo, numa análise de textos legais, sequer se mostra recomendável se valer,
como termo teórico, de um termo assim, pois fazê-lo, sem levar em consideração e
tomar algum posicionamento sobre todas essas controvérsias, expõe os juristas a severas
críticas.

Impõe-se, portanto, que ele seja substituído por outro que possa ser definido clara e
objetivamente, apto a tratar das questões que são tratadas com o uso do termo ‘juízo’.

Na doutrina jurídica, o termo ‘juízo’ é utilizado, inequivocamente, como sinônimo de


‘convicção’ do juiz, notadamente sobre a “existência do direito”, convicção esta a ser
expressa ou “documentada” numa decisão judicial, convicção esta que é o resultado de
um processo cognitivo interno ou psicológico do juiz, o qual é designado, na doutrina
tradicional, com o termo ‘cognição’.

Dessa forma, parece conveniente substituir o termo ‘juízo’ pelo termo ‘convicção’, de
modo a quando se falar em “juízo sobre a existência do direito”, se está a falar em
“convicção sobre a existência do direito”.

Porém, não há que se falar numa contraposição entre “convencimento provável” e


“conhecimento certo”, uma vez que, simplesmente não se pode falar, corretamente, em
“certeza”, quanto à existência do direito, já pelo simples fato de serem os argumentos
probatórios (assim como o são os interpretativos) argumentos não dedutivos.

Tomando como referência o convencimento que o juiz forma para conceder tutela de
urgência e aquele que ele forma para proferir sentença, ao final do processo, a diferença
que se identifica é a seguinte: ambos tomam, igualmente, a existência de um direito
alegado, sendo que, no primeiro caso, o convencimento se vale de elementos
processualmente falando incompletos, no sentido de ainda não terem sido exauridas as
oportunidades associadas ao contraditório para produção/colheita de novos elementos,
e, no segundo caso, ele se vale de elementos que são processualmente falando
completos, no sentido de já terem sido exauridas as oportunidades associadas ao
contraditório para produção/colheita de novos elementos.

Assim, ambos são convencimentos prováveis, sendo que o segundo pode ser
considerado mais provável se e somente se forem efetivamente produzidos novos
elementos para a formação do convencimento do juiz. Da mesma forma, o primeiro
pode ser considerado “menos provável” tão somente por razões processuais e admitindo
a hipótese de que outros elementos venham a ser produzidos, o que é um fato
inteiramente contingente e nem sempre ocorre.

Em primeiro lugar, cumpre observar que a dicotomia “juízo de probabilidade” e “juízo


de certeza”, no âmbito da assim chamada “cognição judicial” sobre a existência do
direito, padece de graves e irremediáveis vícios.
Em primeiro lugar, a própria noção de “certeza” é objeto de intensas controvérsias no
âmbito próprio em que ela é discutida, a saber, a filosofia. As principais tentativas de se
defender a existência de “certezas”, quanto ao conhecimento da realidade, foram
severamente criticadas, desde o “cogito”, de Descartes, até a “certeza que a minha mão,
para a qual estou olhando, existe”, de G. E. Moore.

Quanto às decisões judiciais, é indiscutível que tal noção não tem lugar: não se pode,
em absoluto, falar de “certeza” quanto à interpretação de textos legais, assim como dela
não se pode falar quanto ao convencimento do juiz quanto aos fatos alegados. Em
particular quanto a este segundo aspecto, por mais robusta que seja a prova dos autos,
jamais pode ser eliminada a possibilidade hipotética de existirem contraprovas que
poderiam inquiná-las. Do fato de que tais contraprovas não tenha sido produzidas, não
se pode inferir, racionalmente e sem incorrer na falácia ad ignorantia, que elas não
possam existir.

Daí porque, no Common Law, as decisões judiciais quanto aos fatos da causa são
fundadas em dois graus de probabilidade, ou seja, dois standards probatórios: aquele
do “beyound reasonable doubt” e o da “preponderance of probabilities”. Em qualquer
hipótese, portanto, a causa será decidida com base em um “juízo de probabilidade”,
nunca num suposto “juízo de certeza”.

Por outro lado, a própria noção de “juízo de probabilidade” adotada na doutrina


processual é extremamente obscura, pois nunca é definida. Ela costuma ser utilizada
para definir termos como ‘cognição sumária’, ou ‘fumus boni iuris, ou mesmo, mais
recentemente – e de forma tautológica’, ‘probabilidade do direito’.

Vale notar que no âmbito específico das disciplinas que se ocupam de “probabilidades”
– a teoria matemática da probabilidade, a lógica e a epistemologia – este termo,
simplesmente, não é utilizado. Ele é um termo do jargão teórico, tão somente, da
psicologia cognitiva e de suas aplicações, no que diz com o estudo do raciocínio
humano, como um dos processos cognitivos. Nesse contexto, ele é utilizado para
designar a avaliação informal que as pessoas fazem quanto a determinados fatos,
especificamente para descrever o quanto tais avaliações estão corretas, à luz da teoria
matemática da probabilidade. É nesse sentido que se constatou – apesar das
controvérsias quanto a isso – o viés da conjunção: as pessoas, em numero elevado de
casos, tendem a avaliar a ocorrência conjunta de dois fatos como mais provável do que a
ocorrência de apenas um deles, avaliação esta que é equivocada à luz da teoria
matemática da probabilidade, onde está assentado que a ocorrência conjunta de dois
fatos é igual ou menor do que a ocorrência de apenas um deles.

Ambos os termos – ‘juízo de probabilidade’ e ‘juízo de certeza’ – deveriam,


simplesmente, ser abolidos do vocabulário teórico da processualística civil, de modo a
eliminar as obscuridades incontornáveis que eles, desnecessariamente, produzem. A
distinção que se pretende fazer com eles, considerados em conjunto, deve ser feita de
modo objetivo, de modo a identificar o que, em termos legais, há de distinto entre uma
decisão judicial proferida ao final do processo, e uma decisão judicial sobre o cabimento
ou não de determinada medida antimora, proferida durante, ou mesmo antes, desse
mesmo processo. Estabelecida com a devida clareza esta distinção, os respectivos
termos será um detalhe, uma mera estipulação teórica.

Por outro lado, o uso que costuma ser dado a ‘juízo de probabilidade’, deve
corresponder a uma definição mais complexa, do que significa, ao fim e ao cabo, o
termo ‘probabilidade do direito’, não como “termo comum”, mas como um termo legal.

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