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SIGNIFICADO DO FALANTE, ATOS DE

FALA E ESTADOS INTENCIONAIS


 Vistos os conceitos de significado de falante (incluindo a
distinção entre o que é dito e o que é implicado) e
significado da sentença, convém estudar, agora, o ato de
alguém (falante) produzir/comunicar um significado (do
falante) para um ouvinte compreender.

O significado do falante é “aquilo” que o falante quer
comunicar ao ouvinte, quando ele profere uma sentença
(ou um símbolo qualquer)
 Então, o significado do falante é sempre algo que é
“produzido” mediante um ato do próprio falante.

 Mas atenção: ele não é “produzido” como algo externo e
autônomo ao ato de alguém usar linguagem para
comunicar algo a outro alguém (por exemplo, o desenho
produzido pelo artista). Ele é apenas um “aspecto” ou
“fator” deste ato e jamais pode existir autonomamente,
apenas para fins de análise.
 Dessa forma, tem-se que o ato realizado por alguém de
proferir uma sentença (ou um símbolo qualquer) para
comunicar “aquilo” que ele quer comunicar a alguém (o
significado do falante) é o que se denomina um ato de
fala (“speech act”).
 Um ato de fala, portanto, se deixa analisar nos seguintes
aspectos:

(1) O ato propriamente dito de proferir uma sentença ou um


símbolo, como algo dotado de coordenadas espaciais e
temporais específicos
(2) A sentença ou símbolo proferido
(3) O significado convencional da sentença ou símbolo
independente de qualquer proferimento
(4) O significado que o agente (falante) quis comunicar ao
destinatário (ouvinte)
Este último aspecto corresponde ao significado do falante, no
vocabulário de Grice.
 São inúmeros os atos de fala e eles podem ser
categorizados pelas mais diversas maneiras.
 Contudo, a mais importante dessas caracterizações é
aquela que leva em consideração o o “aquilo” que aquele
que realiza o ato pretende comunicar a um ouvinte, ou
seja, o significado do falante.
 Já mencionamos que esse “aquilo” corresponde a algo
“mental”, a um “pensamento”, algo que está “na cabeça”
do falante.
 Tais pensamentos são muito distintos uns dos outros em
inúmeros aspectos.
 Porém, eles possuem características comuns
fundamentais, que possibilitam que eles sejam reduzidos
a algumas poucas categorias.
E são essas categorias que determinam a mais importante
categorização dos atos de fala.

Abrindo um parêntese importante

 A teorização dos atos de fala é algo que foi inaugurada
nas décadas de 40/50 do século XX, por John Langshaw
Austin, e continuada por importantes autores como John
Searle, no âmbito daquilo que veio a ser chamada de
“filosofia da linguagem”.
O mesmo estudo passou a ser feito, a partir de Grice, no
âmbito da pragmática, embora com ferramentas teóricas
diferentes.
 Mas os fenômenos analisados por essas teorizações são
tão antigos como a própria humanidade.
 Praticamente tudo no e  Pareceres
sobre o direito dizem  Petições
respeito a atos de fala. Eis  Tratados internacionais
alguns exemplos:
 Assembleias
 Sentenças
 Votações
 Contratos
 Declaração de guerra
 Leis (projetos, debates,
publicação e promulgação)  Declarações simbólicas
 Depoimentos de (notas oficiais de repúdio,
notas de apoio, decretação
testemunhas e partes
de luto oficial)
 Testamentos
 Doutrina
 Daí a importância crucial em estudar os atos de fala, em
particular na perspectiva dos seus diferentes “conteúdos”,
os diferentes tipos de “pensamentos” expressos por eles.

 (Fechando o parêntese)
Considere as sentenças proferidas em situações normais
(proferimento literal):

(1) Passa o sal, por favor.


(2) Faça o seu dever agora, menino!
(3) O carro de João está na garagem
Cada vez que uma dessas sentenças é proferida, tem-se
(pelo menos) quatro coisas distintas:

(1) O ato de proferir essa sentença


(2) A sentença
(3) O que esta sentença significa independentemente de
qualquer proferimento
(4) Aquilo que o falante pretende „transmitir“ ou significar
para o ouvinte, com o proferimento da sentença
Partindo da ideia de que o significado do falante seria
algo que „está dentro da cabeça“ do falante (e ele quer
que o ouvinte „decifre“ isso), algo como „pensamentos“,
num sentido muito amplo, dá pra perceber que as coisas
mentais transmitidas dizem respeito a diferentes fatos.
Mas também que consistem em diferentes „tipos“ de
„coisas mentais“
Assim, em (1) [João, passa o sal, por favor] o falante faz
referência ao fato „João passando o sal ao falante“.
Em (2) [Faça o seu dever agora, menino!], o falante faz
referência ao fato „menino fazendo o dever dele agora (no
momento em que o falante está falando)
Em (3) [O carro de João está na garagem] o falante faz
referência ao fato „o carro de João estando na garagem“
Porém, o significado do falante não pode se reduzir à
referência por ele feita (ou a representação que ele faz)
desses fatos.
Isso porque fatos são impessoais e, em princípio, os
mesmos para qualquer pessoa.
Então, o que haveria „a mais“, além da referência a fatos,
como sendo comunicado por aqueles atos de fala?
Em (1) [João, passa o sal, por favor] expressa seu desejo
de que João passe o sal [ao falante]“.
Em (2) [Faça o seu dever agora, menino!], o falante
expressa um desejo qualificado ou muito forte, de que o
menino faça o dever dele agora (no momento em que o
falante está falando)
Em (3) [O carro de João está na garagem] o falante
expressa uma „convicção“ de que o carro de João estando
na garagem“
Desejos, fracos ou fortes, qualificados ou simples,
convicções, crenças, qualificadas ou simples, fortes ou
fracas, correspondem àquilo que é denominado, na
literatura específica, de „estados intencionais“ (ou atitudes
proposicionais)
Eles são estados mentais estruturados, porque sempre
dizem respeito a um fato determinado, mentalmente
representado pelo sujeito que experimenta um desses
estados.
Nessa ordem, é fundamental passar à análise do conceito
de estados intencionais
GILBERT RYLEE A NOÇÃO DISPOSICIONAL
DE ESTADOS INTENCIONAIS
 O que passa pela cabeça da gente, quando estamos conscientes?

 Quais são os fenômenos que constituem as nossas experiências interiores?

 Eis uma breve lista:

 Acreditamos em certas coisas (crenças)

 Desejamos certas coisas (desejos)

 Temos medo de certas coisas

 Temos arrependimentos de certas coisas


Todos os „acontecimentos mentais“ dessa lista são estados
mentais de um tipo particular e de grande importância.

Eles são estruturados, por possuírem um objeto específico.


Eles são sempre „sobre“ algo.

Tais estados mentais são chamados, na literatura atual, de


“estados intencionais” (ou „atitudes proposicionais“).
O que são, precisamente, os estados intencionais é algo
extremamente debatido em filosofia da mente e ciências
cognitivas. Há quem diga que são ocorrências mentais, há
quem diga que são disposições para agir e há quem diga que
são meras ilusões e que, na realidade, eles não existem –
ainda que, em alguns casos, essas ilusões são „funcionais“ ou
úteis aos seres humanos.
É certo que a formação de uma crença ou de um desejo deve
ter um correlato corporal, predominantemente cerebral, mas
não só. Contudo, dizer que uma crença “é” um conjunto de
reações e processos neuronais é algo extremamente
insatisfatório, mesmo que verdadeiro.
 Nessa perspectiva, Gilbert Ryle propõe uma noção
disposicionalista de estados intencionais, a qual tangencia essa
discussão “ontológica”, em sentido forte, oferecendo uma análise
filosófica do conceito de estados intencionais, extremamente
esclarecedora da experiência comum, permitindo que aquilo que se
sabe com base na experiência comum seja agregado e utilizado em
reflexões técnicas sobre tais fenômenos, tais como a análise dos
atos linguísticos.
 Considere as situações:

 João deseja que Maria vá à festa na casa de Paula

 Pedro acredita que Maria vai à festa na casa de Paula

O que há de comum entre as duas situações?

 Algo como a representação mental que João faz do fato „Maria


indo à festa na casa de Paula”.
 Contudo, o desejo de João e a crença de Pedro não podem ser
reduzidos a este mero fato. Afinal, o fato é o mesmo mas o desejo
de João e a crença de Pedro são experiências subjetivas
radicalmente distintas.

 Pois bem.

 Isso que há de diferente em cada caso é o elemento central dos


estados intencionais, que aparece, precisamente, quando se
descreve o fato de alguém experimentar um deles.
 Quando se diz que João deseja que Maria vá à festa de Paula, se
está atribuindo a/reconhecendo em João a sua disposição para
realizar um determinado número de ações:
a) que ele ligue para Maria convidando-a para a festa;
b) que ele peça a Paula que convide Maria;
c) que ele se ofereça a Maria para pegá-la em casa etc.
 Todas essas diferentes ações têm, por sua vez, uma característica
comum: todas são voltadas a tornar real o fato mentalmente
representado como objeto do desejo de João.
 Por outro lado, quando se diz que Pedro acredita que Maria vá à
festa de Paula, se está atribuindo a/reconhecendo em João a sua
disposição para realizar um determinado número de ações:
 que ele vá à festa, se quiser encontrar Maria, ou que deixe de ir, no
caso contrário;
 que ele leve o livro que Maria lhe emprestou e lhe pediu para
devolver ASAP;
 que ele avise para Pedro, apaixonado por Maria;
 que ele leve o vinho preferido de Maria etc
 Todas essas diferentes ações têm, por sua vez, uma característica
comum: todas elas tomam como se fosse real o fato mentalmente
representado como objeto do desejo de João.
 Agora, nas duas situações acima, o objeto dos estados intencionais
reportados eram idênticos: tanto o desejo, como a crença tinham como
objeto a representação do mesmo fato, aquele consistente em “Maria
indo à festa na casa de Paula“.

 O que há de diferente é, precisamente, aquilo que, em cada caso, o


sujeito que experimenta o estado intencional está disposto a fazer, em
determinada circunstâncias, com relação ao fato, cuja representação
mental, constitui o objeto do próprio estado intencional.
 Portanto,generalizando tais definições de crenças e desejos, Ryle
oferece a sua noção disposicionalista de estados intencionais, para
definí-los nos seguintes termos: estados intencionais são conjuntos
de disposições para realizar determinadas ações, em determinadas
circunstâncias e de determinada maneira, com relação a um fato
mentalmente representado.
 Assim, Gilbert Ryle rejeita a ideia de que estados intencionais sejam
ocorrências de qualquer espécie, mas fornece uma caracterização rica o
suficiente de quandp um sujeito experimenta um determinado estado
intencional, de onde ele extrái a sua noção disposicional de estados
intencionais.

 Com isso, a discussão sobre se os estados intencionais existem ou não, ou se


são ilusões úteis e funcionais, deixa de ser relevante.; Quando João acredita em
algo e quando Maria deseja algo, pouco importa se a „crença“ e o „desejos“ de
Maria são ocorrências cerebrais, ou eventos de ordem não física que supervêm
aos eventos cerebrais: ambos de caracterizam e se distinguem entre si pelos
padrões de disposições para agir (ou as ações que o sujeito está disposto a
realizar) cararacterísticos de cada um deles.
 Essa é a grande contribuição de Ryle.

 Por um lado, ele elimina qualquer necessidade de se invocar uma „substância


imaterial“ (dualismo) para dar conta de crenças e desejos.

 Por outro lado, ele oferece uma caracterização de crenças e desejos e


quaisquer outros estados intencionais distinguindo clara e rigorosamente um
do outro, com base em dados da experiência comum que se mostram
inequívocos, diante de sua simplicidade, e compatíveis com quaisquer que
sejam os desenvolvimentos daquele aspecto do corpo humano, que nos
habituamos a chamar de „mente“ (neurologia, neurociências, inteligência
artificial etc.)
 Recapitulando a da noção de crença

 Crenças, ou melhor, o estado mental de um sujeito consistente em


acreditar em determinado fato, que o sujeito representa mentalmente para
si, consiste em estar o sujeito disposto a realizar um conjunto de ações,
todas elas marcadas por uma característica comum: são ações que
tomam como real a representação mental que o sujeito faz daquele fato
(objeto da crença).
 Atenção: além dessas disposições para realizar ações, diferentes em cada
caso, mas com essa característica comum (tomar como real o fato
mentalmente representado) e a representação mental deste fato, não há
nada mais para „ser“ uma crença. Se tais disposições para agir são ou não
„causadas“, de alguma maneira, por ocorrências cerebrais, tais
ocorrências só podem ser, na realidade, processos extremamente
complexos.

 Ademais, quaisquer que eles sejam, afirmar que alguém acredita em algo,
sempre consistirá em afirmar que este alguém está disposto a realizar um
conjunto qualquer de ações, todas elas com a marca comum de serem
ações que tomam este algo como verdadeiro.
 Recapitulando a noção de desejo

 Desejos, ou melhor, o estado mental de um sujeito consistente em desejar


determinado acontecimento ou objeto, que o sujeito representa
mentalmente para si, consiste em estar o sujeito disposto a realizar um
conjunto de ações, todas elas marcadas por uma característica comum:
são ações voltadas a tornar real a representação mental que o sujeito
faz daquele fato (objeto do desejo).
 Atenção: além dessas disposições para realizar ações, diferentes em cada
caso, mas com essa característica comum (voltadas a tornar real o fato
mentalmente representado) e a representação mental deste fato, não há
nada mais para „ser“ um desejo. Se tais disposições para agir são ou não
„causadas“, de alguma maneira, por ocorrências cerebrais, tais
ocorrências só podem ser, na realidade, processos extremamente
complexos.

 Ademais, quaisquer que eles sejam, afirmar que alguém deseja algo,
sempre consistirá em afirmar que este alguém está disposto a realizar um
conjunto qualquer de ações, todas elas com a marca comum de serem
ações voltadas a tornar real este algo.
 .

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