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Teoria dos atos de fala
Tomemos a conhecida frase usada nas cerimônias de casamento: “Eu vos de-
claro marido e mulher.” Esse enunciado tem o poder de transformar o estatuto
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Lingüística III
Embora esse enunciado tenha a forma de uma pergunta, o falante está fa-
zendo um pedido, tanto que se a resposta for simplesmente “Tenho”, esta será
considerada uma resposta inadequada e não cooperativa.
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Teoria dos atos de fala
As enunciações performativas
Conforme Austin (1970, p. 40) aponta, é possível reconhecer em qualquer
língua casos em que a enunciação de certas frases corresponde à realização de
ações. Veja alguns exemplos:
(11) Por este instrumento de procuração, nomeio José da Silva meu rep-
resentante junto à Receita Federal.
Mas não é qualquer uso do verbo prometer que constitui o ato ilocucionário de
fazer uma promessa. Para tanto, é necessário que a forma seja usada na primeira
pessoa, no tempo presente e na voz ativa (AUSTIN, 1970, p. 26). Caso contrário, o
enunciado que contêm esse verbo passará a ser um enunciado comum, que faz
a representação de um evento ocorrido no mundo. Compare as frases (8) a (11)
com as correspondentes (8’) a (11’):
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Lingüística III
(10’) Cláudia deixou para seu irmão a coleção de discos dos Beatles.
Atos locucionários
O reconhecimento de que o falante produz um ato locucionário é o primeiro
estágio da análise dos atos de fala. Trata-se do reconhecimento de que ele se
utiliza de uma seqüência de palavras que constituem frases bem-estruturadas
na língua utilizada.
Com o reconhecimento desse primeiro nível para a análise dos atos de fala,
Austin (1970) e Searle (1981) colocam em evidência que a primeira condição
para que um enunciado possa ser reconhecido como um ato de fala é o fato de
ser produzido segundo as convenções de uma língua natural em todos os seus
níveis: fonologia, sintaxe, semântica. Antes de se atribuir ao enunciado produzi-
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Teoria dos atos de fala
Atos ilocucionários
Como comentamos acima, os atos ilocucionários correspondem às ações que
os falantes pretendem realizar quando produzem os enunciados. Os atos ilocu-
cionários correspondem à realização de ações como pedir, cumprimentar, prome-
ter, exigir, desculpar-se, censurar etc. Veja alguns exemplos:
(15) Se você tirar boas notas vai ganhar uma bicicleta no Natal. (promessa)
(17) É proibido fumar aqui, você poderia ir para a área de fumantes? (or-
dem)
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Lingüística III
Esses são alguns dos atos ilocucionários que Searle analisa. É interessante
observar que em todas as análises um dos componentes fundamentais das
condições de felicidade é a sinceridade do falante. Toda a análise dos atos ilocu-
cionários tem a sinceridade como um dos seus pilares. Para que esse modelo de
análise fosse adotado por outras comunidades de fala diferentes dos britânicos,
seria necessário um estudo preliminar para avaliar quais seriam as normas de
interação vigentes para cada grupo. As diferenças culturais podem levar à for-
mulação de condições bem diferentes associadas aos atos ilocucionários.
Atos perlocucionários
Finalmente, um terceiro nível proposto por Searle (1984, p. 37) para a análise
dos atos de fala é o perlocucionário:
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Teoria dos atos de fala
Para fazer esse estudo, seria necessário em primeiro lugar fazer um levanta-
mento dos atos ilocucionários e das possíveis conseqüências desses atos para os
ouvintes, ou seja, seria necessário elaborar uma tabela de correspondência entre
os dois conjuntos de atos de fala:
Etc... Etc...
Conclusão
Os estudos sobre os atos de fala que sintetizamos neste capítulo têm como
um de seus pressupostos nucleares a concepção dos interlocutores como indi-
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Lingüística III
Texto complementar
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Teoria dos atos de fala
Aceito (resposta à pergunta Aceita essa mulher como sua legítima esposa?,
na cerimônia de casamento);
Eu te perdôo.
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A expressão “condições de felicidade” do performativo não é uma boa denominação em português. Seria melhor dizer “condições de sucesso”. No
entanto, a partir da tradução do texto de Austin, essa expressão começou a ser usada e é encontrada em muitos textos de Pragmática.
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Como já foi dito, Austin põe em xeque a ilusão descritiva, quando mostra
que há afirmações que descrevem estados de coisas e que podem ser verda-
deiras ou falsas – as constativas – e afirmações que não descrevem nada, mas
pelas quais se executam atos, que podem ser felizes ou infelizes, ter sucesso
ou fracassar – as performativas. Os constativos são verdadeiros se existe o
estado de coisas que eles descrevem, e falsos em caso contrário. Os perfor-
mativos têm sucesso quando certas condições são cumpridas, e fracassam
quando não o são. Em Eu jogo futebol, o fato de jogar independe de minha
enunciação; em Eu me desculpo pelo que ocorreu, o fato de desculpar-se de-
pende de minha enunciação.
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Proibido fumar;
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Estudos lingüísticos
Leia o trecho a seguir, que é parte de uma crônica em que João Ubaldo Ribeiro
relembra episódios relacionados ao exame vestibular “do seu tempo”, quando
os candidatos eram submetidos a uma prova oral diante de uma platéia.
O verbo “for”
(RIBEIRO, 2000, p. 20)
[...]
Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra
“for” tanto podia ser do verbo “ser” quanto do verbo “ir”. Pronto, pensei. Se ele
distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja
o que Deus quiser.
− Verbo for.
− Verbo o quê?
− Verbo for.
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− Eu fonho, tu fões, ele fõe − recitou ele, impávido. − Nós fomos, vós
fondes, eles fõem.
[...]
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