Você está na página 1de 8

4

Condições da Ação e Mérito em Liebman e no


Cpc/2015

1. Introdução

No presente texto, pretendo demonstrar o seguinte:

1) Que se comete um erro de categoria ao se considerar que as condições


da ação, nos termos em que definidas por Liebman – e que foram, ao
menos parcialmente, encampadas pelo CPC/2015 – consistem em
“requisitos legais” para o que quer que seja, de modo idêntico como os
pressupostos processuais de existência e validade são, realmente,
requisitos legais da “existência e desenvolvimento válido e regular do
processo”.

2) Que, portanto, Liebman estava errado sobre sua própria teoria, ao


considerar que sua proposta consistia em submeter a existência do direito
à sentença de mérito a requisitos consistentes no que ele definiu e
denominou como condições da ação.

3) Que também estava errado Liebman em considerar que o juiz, ao


realizar uma atividade cognitiva consistente em “verificar a existência ou
não das condições da ação”, estava fazendo algo diverso daquilo que
Liebman considerava ser o “julgamento do mérito”.

4) Que apesar de todos esses erros de categoria, a proposta de Liebman,


bem compreendida, é uma contribuição de grande valor e atualidade, pois
consiste na explicitação de critérios para uma gestão racional do
processo.

2. Premissa: acolhimento parcial da teoria de Liebman no CPC/2015


Tomo como premissas – aceitas sem discussão, por estratégia argumentativa,
ainda que elas sejam discutíveis – as seguintes afirmações:

a) Que a teoria da ação de Liebman, como direito a uma sentença de


mérito, cuja existência (ou ao menos o exercício) está condicionada à
“ocorrência” de certos “requisitos”, as assim chamadas condições da
ação, foi integralmente “encampada” pelo CPC/1973 e, ao menos
parcialmente, também o foi pelo CPC/2015.
b) Que a (pelo menos) parcial1 adoção da teoria liebmaniana pelo
CPC/2015 traduz-se nos seguintes aspectos:

1) A existência (ou o exercício) do direito de ação está


condicionada à existência ou ocorrência das condições da ação
consistentes em interesse e legitimidade, tal qual definidas por
Liebman.

2) Se o juiz “verificar a ausência” de uma dessas duas condições


ele não estará “julgando o mérito”, mas fazendo coisa diversa,
algo que, em termos mais pragmáticos, equivale a dizer que a
decisão que extingue o processo por um desses motivos não é apta
a formar a coisa julgada material.

3. As condições da ação na teoria de Liebman sobre a ação como direito a


uma sentença de mérito

Costuma-se considerar que Liebman2 propôs uma teoria da ação que seria uma
solução de compromisso entre uma teoria (concreta) da ação como direito (autônomo) a
uma sentença favorável ao autor (reconhecendo o direito por ele afirmado) e uma teoria
(abstrata) da ação como direito a uma sentença qualquer. O diferencial da teoria de
Liebman foi propor a ação como direito a uma sentença de mérito, ou seja, que julga o
pedido, seja para acolhê-lo, seja para rejeitá-lo. Para Liebman, portanto, nem toda
sentença, necessariamente, encerra o processo com prestação de tutela jurisdicional,
como é o caso, inquestionável, daquela que extingue por falta de um dos requisitos de
constituição de desenvolvimento válido e regular do processo. Propõe ele, portanto, que
o direito de ação, entendido como direito à sentença de mérito, seja condicionado a
requisitos que se submeteriam a um regime análogo ao dos pressupostos processuais, e
cuja ausência dispensaria (ou impediria) o juiz de proferir sentença de mérito, ou seja,
declarar existente ou inexistente o direito afirmado. Tais requisitos são as “condições da
ação”, mais precisamente, o interesse processual e a legitimação para agir. 3

Liebman4 definiu o interesse processual, como uma das condições da ação, nos
seguintes termos:

1
A “parcialidade” aqui referida diz respeito à omissão do legislador em elencar, como condições da ação,
ao lado do interesse e da legitimidade, a possibilidade jurídica do pedido. A discussão sobre isso, no
entanto, não será aqui enfrentada, embora o que se vier a concluir aqui, revela-se decisivo no
enfrentamento da questão: o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, tal como ela é
definida por Liebman, deve ser considerado como julgamento de mérito, no CPC/2015?
2
Cf. LIEBMAN, Enrico T. L´azione nella teoria del processo civile. In Problemi del Processo Civile.
Napoli : Ed. Morano, 1962, p. 25-53; LIEBMAN, Enrico T. Manual de Direito Processual Civil, vol. I,
DINAMARCO, Cândido R. (trad.), Rio de Janeiro: Forense, 1984.
3
Na primeira exposição completa de sua teoria da ação (em “L’azione…”, cit.), Liebman distinguia três
condições da ação, incluindo a possibilidade jurídica do pedido ao lado do interesse e da legitimidade.
Contudo, a partir da 3ª edição do seu Manuale, Liebman passou a considerar a impossibilidade jurídica do
pedido, nos termos em que ele definia essa noção, como um caso especial de falta de interesse processual.
Cf. a nota 106 de Dinamarco, em LIEBMAN, Manual, cit., p. 160-161.
4
LIEBMAN, E., Manual, cit., p. 155.
O interesse de agir decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do
interesse substancial; pressupõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão
do provimento pedido a protegê-lo e satisfazê-lo. Seria uma inutilidade proceder ao
exame do pedido para conceder (ou negar) o provimento postulado, quando na situação
de fato apresentada não se encontrasse afirmada uma lesão ao direito ou interesse que se
ostenta perante a parte contrária, ou quando os efeitos jurídicos que se esperam do
provimento já tivessem sido obtidos, ou ainda quando o provimento pedido fosse em si
mesmo inadequado ou inidôneo a remover a lesão, ou, finalmente, quando ele não
pudesse ser proferido, porque não admitido pela lei. Naturalmente, o reconhecimento da
ocorrência do interesse de agir ainda não significa que o autor tenha razão: quer dizer
apenas que o seu pedido se apresenta merecedor de exame. Ao mérito, e não ao
interesse de agir, pertence toda e qualquer questão de fato e de direito relativa à
procedência do pedido, ou seja, à juridicidade da proteção que se pretende para o
interesse substancial.

Já a legitimidade ou legitimação para agir, foi por ele definida nos seguintes
termos:
A legitimação, como requisito da ação, é uma condição para o pronunciamento sobre o
mérito do pedido; indica, pois, para cada processo, as justas partes, as partes legítimas,
isto é, as pessoas que devem estar presentes para que o juiz possa julgar sobre
determinado objeto.

(…)

Como direito de invocar a tutela jurisdicional, a ação apenas pode pertencer àquele que
a invoca para si, com referência a uma relação jurídica da qual seja possível pretender
uma razão dse tutela a seu favor. Já se disse logo acima que o interesse de agir se
destina a remover a lesão de um interesse substancial que se diz protegido pelo direito;
ele só pode, pois, ser invocado [fatto valere] por aquele que se afirma titular do interesse
substancial cuja tutela vem pedir em juízo.5

4. Mérito, questões de mérito e julgamento de mérito em Liebman

Para Liebman, o mérito ou a lide, consiste na porção do conflito social que as


partes decidem submeter à apreciação do juiz. Esta delimitação é feita, em primeiro
lugar, pelo autor, com a formulação da demanda, podendo ser posteriormente
enriquecida pelo réu, em sua contestação, especialmente quando forem alegados fatos
extintivos, modificativos ou impeditivos do direito. Daí entender Liebman que julgar o
mérito é apreciar a procedência ou não do pedido, ou seja, se merece ou não a proteção
solicitada pelo autor para a afirmação de direito por ele formulada em sua demanda. É o
que se colhe dessa emblemática passagem do autor: “Ao mérito, e não ao interesse de
agir, pertence toda e qualquer questão de fato e de direito relativa à procedência do
pedido, ou seja, à juridicidade da proteção que se pretende para o interesse substancial”.

5. Análise da noção de “afirmação de direito” e suas implicações quanto à


noção de “julgamento de mérito”.

5
LIEBMAN, E., Manual, cit., p. 157-158.
O que faz alguém ao afirmar ser titular do direito a algo, ou seja, ao afirmar que
existe um direito seu a algo? Como analisar, do modo mais informativo possível, a
tradicional noção de “afirmação de direito”? Parece razoável reconhecer que alguém, ao
se dizer “titular do direito a algo” (uma prestação Px), faz algo que pode ser descrito
mais ricamente nos seguintes termos:

a) Afirma que ocorreu um fato F1.

b) Afirma que existe uma norma segundo a qual sempre que ocorrer um
fato do tipo TF, indicado nessa norma, se está autorizado ou legitimado a
considerar devida uma conduta do tipo TC, tipo esse também indicado na
mesma norma.

c) Afirma que o fato alegado subsume-se no tipo TF.6

d) Afirma que a conduta específica C1 (o “algo” do “direito a algo”, a


“prestação” dita devida) que é exigida, como manifestação da existência
do direito afirmado, subsume-se ao tipo TC.7

Simetricamente, num contexto judicial, a “resistência” (em termos


carneluttianos) a essa afirmação de direito, ou seja, suscitar uma controvérsia sobre ela,
pode se dar de diferentes maneiras, cada uma delas relacionadas a cada uma dessas
afirmações mais simples, às quais se pode reduzir a complexa noção de afirmação de
direito. Assim, Pedro pode questionar a afirmação de direito formulada por João das
seguintes maneiras:

i) Negando a ocorrência de F1.

ii) Negando a existência da norma que vincularia F1 à conduta C1


exigida, negação esta que pode ser de pelo menos duas ordens: (i1) negar
a validade do ato que cria a referida norma; (i2) negar que do texto
apontado como veículo linguístico da referida norma se esteja,
racionalmente, autorizado a extrair a norma invocada como seu sentido;

iii) Negando a aplicabilidade à norma invocada ao caso concreto, em


razão da ocorrência de um fato F2, o qual atrai a incidência de outra
norma, que afasta a incidência da primeira, no caso concreto.

iv) Negando que F1 se subsuma no tipo normativo TF, indicado no


antecedente da norma invocada.
6
Cabe esclarecer, que a relação de ajuste entre um fato concreto e um tipo normativo, é de uma ordem
bem mais complexa do que a mera operação de subsunção, entendida como afirmação de que um item é
um token (exemplar) de um type (tipo ou conceito), ou seja, de que um determinado item é um membro de
uma classe. Devo a Marsel Botelho, em comunicação pessoal, o reconhecimento da necessidade de
esclarecer que este fragmento da presente análise é, na realidade, carente de uma análise bem mais
refinada, a ser aqui omitida.
7
Impõe-se reconhecer que também na perspectiva do uso de uma norma na formulação de uma afirmação
de direito, há uma afirmação logicamente análoga à afirmação de que um determinado fato concreto é um
token (exemplar) de um type que integra o antecedente da norma, consistente na afirmação de que aquela
conduta concreta que é exigida, como o objeto material do direito (a prestação devida), efetivamente é um
token (um exemplar) de um type ou um tipo normativo que constitui o consequente da mesma norma.
Obviamente, em meu discurso estou restringindo a expressão ‘norma’ àquilo que mais precisa e
informativamente, são tidas como normas gerais e abstratas.
v) Negando que C1 se subsuma no tipo normativo TC, indicado no
consequente da norma invocada.

Vale advertir que a veracidade (ou correção) de qualquer dessas negações


implica o reconhecimento da inexistência do direito subjetivo afirmado.

Como quer que seja, no âmbito do processo de conhecimento, ou melhor, no


contexto do processo que se volta à preparação e prestação de tutela declaratória (lato
sensu), para julgar procedente ou improcedente o pedido o juiz deverá, necessariamente,
“conhecer” a afirmação de direito formulada pelo autor, como fundamento de seu
pedido (en passant, anote-se que a análise de afirmação de direito subjetivo formulada
acima possibilita compreender que, nesta noção, estão incluídas as noções de
fundamentos fáticos e fundamentos jurídicos do pedido). Ou melhor, os tradicionais
fundamentos fáticos e fundamentos jurídicos são apenas aspectos parciais em que se
pode analisar a noção de afirmação de direito). Na perspectiva que aqui interessa, isto
significa dizer que o juiz deverá avaliar todas as afirmações mais simples em que se
decompõe a complexa noção de afirmação de direito, bem como as eventuais
afirmações formuladas pelo réu, com as quais ele resistiu à afirmação de direito do
autor.

Digno de nota é que, parte dessa avaliação judicial, deverá consistir,


inquestionável e explicitamente, em determinar se ocorreram ou não determinados
fatos: se ocorreu ou não o fato F1 afirmado pelo autor e, eventualmente, se ocorreu ou
não o fato F2 que o réu tiver alegado. De outra parte, todas as demais afirmações são de
ordem tal que o juiz pode avaliá-las e decidir sobre sua correção ou não sem
necessidade de investigação de ocorrência ou não de fatos.

Assim, por exemplo, a verificação pelo juiz quanto à subsunção ou não de um


fato em determinado tipo normativo, pode ser feita em chave inteiramente lógica,
abstraindo se o fato em questão efetivamente ocorreu ou não. O mesmo também se pode
dizer quanto a não ter sido sequer afirmado um dos fatos que compõem um tipo
normativo complexo, ou seja, constituído por diversos fatos que podem ocorrem
independentemente. Enfim, também se pode dizer o mesmo, em pelo menos um
espectro de casos, quanto à afirmação de existência de determinada norma.

6. Análise da noção de “ocorrência de requisito legal”

Para demonstrar as ideias aqui defendidas, impõe-se admitir a seguinte premissa:


há um sentido trivial e não problemático da expressão ‘requisito legal’. Com efeito,
quem usa, literal e seriamente, enunciados com a forma ‘x é requisito legal de y’, afirma
que o que quer que seja referido pela expressão que substitui “x”, na fórmula acima, é
um fato, à ocorrência do qual alguma norma condiciona o efeito jurídico (direito
subjetivo, poder normativo, existência e/ou validade de atos jurídicos etc.) referido pela
expressão que substitui “y”, na mesma fórmula.

É nesse sentido trivial que se diz, corretamente, que os pressupostos processuais


de constituição e desenvolvimento válido do processo são requisitos – da existência e da
validade, respectivamente, do processo – cuja ocorrência ou não é apta a ser verificada
pelo juiz. Dessa forma, quando se fala, em “verificar a ausência de pressupostos
processuais, seja de constituição, seja de desenvolvimento válido e regular”, se deve
entender que com isto se está referindo a uma atividade judicial que consiste,
efetivamente, em constatar o juiz que determinado fato ou estado de coisas, exigido
pela lei para a constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, não
ocorreu. Ausência de pressupostos processuais, portanto, é o mesmo que não ocorrência
de certos fatos ou não ocorrência de certos fatos exatamente previstos na lei.

Assim, por exemplo, a citação nula é o mesmo que a não ocorrência de ato que
corresponda ao tipo legal “citação válida”; o mesmo se deve dizer com relação à petição
inválida por não atendimento dos requisitos específicos: não ocorrência do fato
consistente na apresentação de petição conforme ao tipo legal “petição válida”.

7. As “condições da ação” de Liebman (e do CPC/2015) não são


“requisitos legais”.

Como se viu, requisitos legais são fatos ou estados de coisas, à ocorrência dos
quais, alguma norma condiciona sua incidência concreta, isto é, a produção em concreto
do efeito que ele abstratamente associa à ocorrência daqueles fatos, genérica e
abstratamente descritos na mesma norma. A quais fatos Liebman se refere, em sua
definição de interesse processual? Ora, aquilo que ele apresenta como “sendo” o
interesse processual consiste, como ele mesmo diz, em uma propriedade ou seja, em um
atributo, a saber “a relação de utilidade entre a afirmada lesão de um direito e o
provimento de tutela jurisdicional pedido”. Uma lesão de um direito é um fato; a
afirmação de lesão de um direito é um outro fato (de outra ordem, é certo, de ordem
linguístico-jurídico), assim como são fatos o pedido que a parte formula no sentido de
obter certa tutela jurisdicional e a tutela jurisdicional eventualmente prestada. Porém, a
“relação de utilidade” apontada por Liebman, assim como qualquer relação de utilidade
entre quaisquer dois itens, simplesmente, não é um fato, mas uma propriedade de um
fato ou estado de coisas. A utilidade de X é a aptidão de X satisfazer uma necessidade
N do sujeito S. Portanto, isso não é um estado de coisas, embora seja um aspecto de um
estado de coisas.

Nessa perspectiva, é oportuno perguntar de que estado de coisas o interesse


processual seria uma qualidade? A resposta é clara: da demanda formulada pelo autor.
O interesse processual, nos termos em que definido por Liebman, é uma qualidade
identificável na demanda, tal qual deduzida pelo autor, podendo essa qualidade ser
assim caracterizada: a relevância (necessidade e adequação), em abstrato, ou seja,
admitindo-se verdadeiras as alegações formuladas pelo autor, da tutela jurisdicional
solicitada para a situação descrita pelo autor. Portanto, o juiz quando “verifica a
presença ou ausência do interesse de agir”, não verifica a ocorrência ou não de um fato,
mas leva em consideração um fato que já sabe estar diante de si – a demanda deduzida
em juízo – e verifica se tal fato, a demanda, possui ou não uma determinada qualidade, a
“utilidade entre a afirmada lesão de um direito e o provimento de tutela jurisdicional
pedido”.
Idênticas considerações valem para a legitimação para agir. Ora, aquilo que ele
apresenta como “sendo” esta condição da ação consiste, como ele mesmo diz, em uma
propriedade ou seja, em um atributo, a saber: “a pertinência subjetiva da ação”. Mais
uma vez, a “pertinência subjetiva da ação” não é um fato, mas um atributo, ou melhor,
um aspecto de um estado de coisas. E, aqui também, o estado de coisas do qual a
legitimidade para agir é um atributo é, precisamente, a demanda, tal qual deduzida pela
parte. Com efeito, uma afirmação concreta de direito é um fato, a existência de uma
norma jurídica é um fato (institucional de extrema complexidade), mas a “pertinência
subjetiva da lide” não é um fato, mas uma qualidade.

Dessa forma, o juiz o juiz quando “verifica a presença ou ausência do


legitimidade de agir”, não verifica a ocorrência ou não de um fato, mas leva em
consideração um fato que já sabe estar diante de si – a demanda deduzida em juízo – e
verifica se tal fato, a demanda, possui ou não uma determinada qualidade, a saber: a
correspondência entre as pessoas que são apontadas na demanda como dotadas de certas
qualidades e os tipos normativos das normas que definem que são as partes legítimas
para a ação do tipo que ajuizada pelo autor.

8. O exame das condições da ação, nos termos em que definidas por


Liebman, consiste num exame da demanda do autor

À luz do que já se disse, resta manifesto que o que se examina para saber se há
ou não uma apenas afirmada “lesão ao direito ou interesse que se ostenta perante a parte
contrária, ou quando os efeitos jurídicos que se esperam do provimento já tivessem sido
obtidos, ou ainda quando o provimento pedido fosse em si mesmo inadequado ou
inidôneo a remover a lesão, ou, finalmente, quando ele não pudesse ser proferido,
porque não admitido pela lei”? O que se examina é, precisamente, o pedido formulado
pelo autor, assim como os fatos e fundamentos jurídicos invocados em sua causa de
pedir, ou seja, o próprio mérito da causa. Não há um outro quid a ser examinado, na
“verificação da ocorrência” do interesse de agir, senão a própria demanda deduzida em
juízo.

Portanto, contradiz-se Liebman ao afirmar “Ao mérito, e não ao interesse de


agir, pertence toda e qualquer questão de fato e de direito relativa à procedência do
pedido, ou seja, à juridicidade da proteção que se pretende para o interesse substancial”.
Isso porque, quando se pensa no que faz o juiz, ao realizar aquilo que, equivocadamente
é considerado por Liebman (e pelo texto do CPC/2015) como “verificação da presença
ou ausência do interesse de agir”, é uma análise da própria “juridicidade da proteção
que se pretende para o interesse substancial”. Essa análise, todavia, é limitada àquela
que, dessa juridicidade, se pode fazer em chave puramente abstrata, ou seja, abstraindo
a questão quanto à veracidade ou não das alegações formuladas pelo autor na sua
demanda, tomando-as hipoteticamente como verdadeiras.

9. A valorosa e mal apreciada contribuição de Liebman


Levando em consideração as próprias definições que Liebman dá às condições
da ação, a atividade do juiz que ele, enganadoramente, caracteriza “verificar a presença
ou ausência das condições da ação”, é mais precisamente caracterizada como uma etapa
do julgamento do mérito, aquela em que o juiz examina o mérito ou a demanda
deduzida pelo autor em chave abstrata e hipotética (abstraindo a veracidade das
alegações do autor e tomando-as hipoteticamente como verdadeiras), a fim de
determinar se há ou não a “possibilidade lógica” de êxito do autor, ou seja, se é
relevante a demanda, no sentido de ser logicamente possível o seu acolhimento. Nesse
sentido, o exame das condições da ação, bem poderia ser denominado de “juízo de
relevância hipotética da demanda”, de modo a assim se distinguir tal exame daquele
que, mais corretamente, se deve reconhecer como um genuíno juízo de admissibilidade
do processo, com o qual se examina a ocorrência ou não de fatos relacionados à
regularidade formal do processo, no qual e através do qual, ocorrerá um juízo de mérito.

Note-se, en passant, que com essa distinção surge uma noção mais restrita de
julgamento de mérito, a saber: aquele julgamento que o juiz realiza após a
oportunização e a eventual ocorrência de instrução probatória.

Não obstante os erros de categoria cometidos por Liebman, ele deu uma
contribuição de extremo valor e, devidamente compreendidas suas ideias, de um valor
perene. Com efeito, Liebman explicitou os critérios de realização de uma gestão
processual, para usar um termo da moda, de maneira a possibilitar ao juiz distinguir,
através de um exame abstrato e hipotético da demanda, as causas que mereceriam ser
instruídas plenamente, daquelas que não mereceriam, pois jamais poderiam ter êxito,
qualquer que fosse o resultado da instrução. Nesse sentido, ele foi um pioneiro, embora
ele próprio não tenha tido explícita consciência disso.

Você também pode gostar