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Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

Unidade 4 – Ação

1. Conceito

Mesmo para os que iniciam o estudo do direito processual, o conteúdo


deste capítulo não é totalmente estranho, especialmente pelas constatações
feitas nos capítulos anteriores quando tratamos dos princípios gerais do
processo e da jurisdição.
Das observações já realizadas, é possível concluir que a ação é um
mecanismo à disposição das pessoas (naturais ou jurídicas), que consiste no
direito de acionar o Estado e dele exigir a entrega da prestação jurisdicional,
pois a jurisdição, em razão de sua inércia, precisa ser provocada e isso
ocorre através do efetivo exercício daquele direito fundamental, para nós
garantido constitucionalmente (art. 5º, XXXV, CF). A partir disso é possível
sintetizar o conceito de ação como sendo o direito à tutela jurisdicional, que
não se esgota no momento em que o órgão estatal é acionado, pois
permanece por todo o decorrer do processo possibilitando ao autor
posicionar-se ativamente para defesa de seus interesses.
Do exposto, também é possível verificar uma característica importante
para nosso estudo, que é a bilateralidade da ação, que pode ser facilmente
percebida pois já sabe o leitor que há princípios processuais que garantem
igualdade de oportunidades tanto àquele que se utilizou do direito de ação
(autor) quanto ao que sofre os efeitos do acionamento estatal (réu). Essa
igualdade, moldada delicadamente pelos princípios do contraditório e da
ampla defesa, reforça a ideia de que se há para o autor o direito de exigir do
Estado uma prestação jurisdicional que lhe seja favorável (direito de ação),
para o réu também há o direito de exigir um resultado que não lhe seja
prejudicial. A esse direito do réu, chamamos exceção, que é uma expressão
genérica proveniente do período formulário do direito romano: enquanto o
autor aciona, o réu excepciona1.
Para alguns autores, essa bilateralidade entre ação e exceção cria a
100

1
“Desta maneira a ação, como atividade dirigida a apresentar ao juiz uma proposta de providência, não é
somente própria do ator; também o demandado, mesmo quando se limite a pedir a rejeição da demanda
Página

contrária, vem, em substância, solicitar ao juiz que pronuncie uma sentença de declaração negativa de mera
certeza, isto é, uma providência diferente da pedida pelo ator, e favorável a ele como demandado”
(CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil, vol. 1, p. 193).
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necessidade de se estudar Teoria Geral do Processo tendo como pilares


fundamentais não só jurisdição, ação e processo, mas também a defesa
(exceção), como já mencionado no capítulo inaugural. Não vemos
necessidade disso, porque assim a trilogia estrutural do processo restaria
desfigurada e a exceção pode ser estudada sem maiores transtornos em
conjunto com a ação, já que é decorrência desta.
Aliás, também decorre da bilateralidade da ação a bilateralidade do
processo, porque a atividade jurisdicional desencadeada pelo exercício da
ação será realizada através da prática de atos sistematicamente ordenados
(processo) e durante esta atividade, tanto autor como réu terão as mesmas
oportunidades de defesa de suas pretensões perante o Estado.
É claro que estamos aqui lidando com a ideia de jurisdição contenciosa
e a partir deste ponto as constatações farão referência apenas a esse tipo de
situação, pois na jurisdição voluntária as dificuldades que encontramos são
menores, pois não temos as figuras antagônicas de autor e réu.
Antes de passarmos ao item seguinte, façamos um breve raciocínio.
Imaginemos que um indivíduo exerça seu direito de ação, desencadeando
um processo onde o réu também exerce seu direito de exceção (defesa)
perante o Estado. Agora, imaginemos que a decisão estatal (sentença) julgou
a pretensão do autor improcedente, isto é, concluiu após a prática de vários
atos que quem acionou a jurisdição não tem razão e, portanto, não é
detentor do direito material invocado (lesado ou ameaçado de lesão).
O que podemos concluir desta situação? Que o direito de ação não está
vinculado necessariamente ao direito material objeto do conflito, pois há
efetivo exercício do direito de ação mesmo nas hipóteses em que o direito
material não pertença àquele que se diz seu titular. Portanto, é possível
reconhecer a autonomia do direito de ação em relação ao direito subjetivo
material, conclusão a que se chegou após muito tempo, como veremos a
seguir através de breve estudo das várias teorias sobre a natureza jurídica
da ação.

1.1 Teoria civilista ou imanentista da ação

Esta teoria data de uma época em que o direito processual ainda não
gozava da autonomia hoje indiscutível, sendo considerado mera derivação do
direito civil. Daí a expressão imanentista, que deriva do latim immanente,
isto é, inseparável.
Herança do direito romano, essa teoria foi desenvolvida por Savigny e
101

pela doutrina procedimentalista da França, perdurando até meados do


século XIX. Seus defensores compreendiam a ação como manifestação
continuada do direito material que não fora satisfeito. Em outras palavras, a
Página

ação seria parte integrante do próprio direito substancial numa fase ativa e
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agressiva2, que se instalaria com o acionamento do Estado3.


Por esta teoria, se Paulo é credor de uma obrigação em face de Pedro,
significa que o direito do credor se dirige inicialmente ao cumprimento da
obrigação, mas se esta não for satisfeita, o mesmo direito subjetivo dá ao
credor o direito de dirigir-se ao Estado para que este atue o direito obrigando
o devedor a entregar aquilo que o credor teria obtido se a obrigação fosse
cumprida voluntariamente. Este segundo momento de atuação do direito
subjetivo material revelaria uma garantia jurisdicional que lhe seria
implícita4.
No direito brasileiro a teoria foi adotada pelo Código Civil de 1916, que
determinava: a todo direito corresponde uma ação (art. 75), numa clara
interferência ideológica de Clóvis Beviláqua, grande defensor da teoria
civilista em nosso país ao lado de João Monteiro, para quem a ação seria o
próprio direito reagindo contra a ação contrária de terceiro ou a faculdade de
defender judicialmente o direito atacado5.
Não é difícil combater a teoria civilista, bastando analisar duas
situações: as ações improcedentes e as ações declaratórias negativas. No
primeiro caso (lembremos do raciocínio feito no tópico anterior), mesmo o
Estado-juiz decidindo pela improcedência da ação, ou seja, reconhecendo
que o autor não é detentor do direito substancial invocado, terá havido o
efetivo exercício do direito de ação, que desencadeou um processo. Basta
imaginarmos uma sentença penal que absolve o acusado porque
efetivamente ficou demonstrado que não cometeu o crime. No segundo caso,
são situações em que o indivíduo aciona a jurisdição pleiteando uma
sentença que declare a inexistência de uma relação jurídica e, por
consequência, de um direito subjetivo material. É o que ocorre quando se
promove uma ação que declare a inexistência de união estável.
Portanto, a ação é autônoma e não pode ser confundida como o direito
subjetivo em movimento, de modo que as discussões a seguir são para
definir se este direito autônomo é concreto ou abstrato.

1.2 A contribuição de Bernard Windscheid e Theodor Müther

Em 1856, o alemão Bernard Windscheid publica importante trabalho, A


ação no direito civil romano do ponto de vista do direito moderno, defendendo
que a concepção de ação trazida do direito romano não pode prosperar, pois

2
Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, vol. 1, p. 149.
3
102

“Encarava-se a ação como um elemento do próprio direito deduzido em juízo, como um poder, inerente ao
direito mesmo, de reagir contra a violação, como o direito mesmo em sua tendência a atuar. Confundiam-se,
pois, duas entidades, dois direitos absolutamente distintos entre si” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de
Página

direito processual civil, vol. 1, p. 21).


4
Cf. CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil, vol. 1, p. 195.
5
Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil, vol. 2, p. 11.
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corresponderia ao conceito de pretensão (anspruch). Para o autor, o que


nasce da violação do direito não é o direito de acionar o Estado, mas uma
pretensão contra o autor da violação que se transforma em ação no
momento do ingresso em juízo, ou seja, a ação é a pretensão deduzida em
juízo contra o demandado6.
No ano seguinte, este posicionamento foi prontamente rebatido por
outro alemão, Theodor Müther, através da obra A teoria da ação romana e o
direito moderno de agir. Para ele, a ação seria um direito público subjetivo
mediante o qual se obteria a tutela jurisdicional, sendo dirigido contra o
Estado para a obtenção de uma sentença favorável e contra o demandado
para o cumprimento de uma pretensão insatisfeita. Assim, a ação teria por
pressuposto a existência de um direito privado e sua violação, mas ainda
que estivesse condicionada pelo direito subjetivo, seria independente deste e
sua disciplina estaria a cargo do direito público7. Em réplica, Windscheid
reconhece alguns posicionamentos de Müther.
Da polêmica, concluiu-se que a ação é um direito autônomo, que pode
ser exercido contra o Estado e contra o obrigado, devendo sua disciplina sair
da esfera do direito privado (influência do direito civil romano) indo para a
seara do direito público, ideia especialmente confirmada pela publicação da
obra de Oskar Von Bülow (1868) em que reconhecia a autonomia da relação
processual e face da relação jurídica de direito material. A obra, intitulada
Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, é marco
importante no estudo do direito processual e voltaremos a tratar do assunto
no capítulo seguinte.

1.3 Teoria concreta da ação

Também na Alemanha, Adolfo Wach escreve duas obras fundamentais


para firmar a autonomia do direito de ação: o Manual de direito processual
(1885) e uma monografia intitulada A ação declaratória (1888). Nelas,
defende que ação é um direito público dirigido contra o Estado, do qual se
exige a tutela jurisdicional. Porém, é um direito que assiste apenas a quem
tem razão: “a ação é um direito autônomo de tutela jurídica, dirigido contra o
Estado, para obtenção, pelo titular do direito material, de uma sentença
favorável”8. Por isso, também pode ser chamada de teoria da ação como
direito à sentença favorável, que reuniu seguidores de quilate, como James
Goldschmidt, na Alemanha, e José Ignácio Botelho de Mesquita, no Brasil.
A ação seria, sob o ponto de vista de Watch, um direito do cidadão de
obter do Estado a tutela jurídica. Seria um direito subjetivo por si mesmo,
103

dirigido contra um sujeito passivo que não é o devedor originário e, sim, o

6
Página

Cf. ARELLANO GARCÍA, Carlos. Teoría general del proceso, p. 242.


7
Cf. VIZCARRA DÁVALOS, José. Teoría general del proceso, p. 102.
8
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil, vol. 2, p. 11-12.
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Estado, tendo por finalidade a obtenção de uma prestação que não é o


cumprimento da obrigação, mas a garantia jurisdicional.
Por esta teoria, numa obrigação firmada entre dois sujeitos, Mateus e
Lucas, no plano material o sujeito passivo é Lucas, o devedor, e a obrigação
pode ser de dar, fazer ou não fazer. No plano do direito de ação, o sujeito
passivo é o Estado, cuja obrigação é a prestação jurisdicional. Se a obrigação
estatal corresponde à efetiva proteção da pretensão do autor através da
tutela jurisdicional, esta só será possível através de sentença favorável, que
declarará existir concretamente o direito do qual o autor alega ser titular. Se
a sentença for de improcedência, estará declarando que o autor não tem o
direito alegado e, por consequência, não houve ação9.
Fica claro que a teoria não prospera atualmente, porque não consegue
explicar o simples caso das ações julgadas improcedentes e das declaratórias
negativas, hipóteses em que há ação, mas não há direito algum a ser
tutelado pelo Estado. Não há como explicar também as ações promovidas
pelos substitutos processuais para defender direitos que não lhes pertencem,
como o Ministério Público, por exemplo.
Também não é inteligente imaginar que os vários atos praticados pelo
Estado não sejam provenientes do exercício do direito de ação,
independentemente do resultado prático estampado na sentença.

1.4 Teoria da ação como direito potestativo

Giuseppe Chiovenda, processualista italiano, publicou ensaio


denominado A ação no sistema dos direitos (1903), onde defendia que a ação
seria o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da
lei, já que somente através de pedido de uma parte pode o Estado atuar essa
vontade. A partir daí, podemos dizer que o sujeito tem o direito de ação
quando tem o poder jurídico de provocar, com seu pedido, a atuação da
vontade da lei10.
O direito potestativo – também chamado direito de formação – pode ser
entendido como uma categoria de direito a que não corresponde nenhum
dever jurídico, mas apenas uma situação de sujeição do outro integrante da
relação jurídica. Por isso mesmo Chiovenda afirmava que a ação seria um
poder que assiste ao autor em face do adversário em relação a quem seria
produzido o efeito jurídico de atuação da lei, sendo que este não seria
obrigado a coisa alguma diante desse poder, estando-lhe sujeito. E completa:

9
104

“Havia, pois, grande condicionamento da ação ao direito material. Segundo o próprio Wach, consistindo a
ação, num direito concreto à tutela jurídica, a apreciação da existência ou inexistência do direito de ação
somente seria feita na oportunidade da sentença. Só então, é que o juiz diria se existia ou não a ação; sendo
Página

procedente a ação, concederia tutela jurídica; caso contrário, negaria a tutela e a ação não teria
verdadeiramente existido” (ALVIM, Arruda. Tratado de direito processual civil, vol. 1, p. 371).
10
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 24.
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“com seu próprio exercício exaure-se a ação, sem que o adversário nada
possa fazer, quer para impedi-la, quer para satisfazê-la. Sua natureza é
privada ou pública, consoante a vontade da lei, cuja atuação determina, seja
de natureza privada ou pública”11.
Afirmava também que ação e obrigação são dois direitos subjetivos
distintos, que somente juntos e unidos preenchem plenamente a vontade
concreta da lei, sendo que a ação não se confunde com a obrigação, pois é
um direito autônomo que surge e pode desaparecer independentemente da
obrigação12.
A ação não seria um direito subjetivo público, pois é dirigido contra o
adversário e não contra o Estado. Já que o titular do direito material não
pode sujeitar o adversário à atuação de força da lei, tem o direito de dirigir-
se ao Estado para que o faça.
Percebendo que pela teoria do direito potestativo a ação continuaria
sendo um direito concreto, porque sua existência estaria condicionada à do
direito material, não foi difícil ser refutada pela doutrina moderna, como
apresentado nos tópicos anteriores, até porque a ação deve ser
compreendida como o direito a uma prestação jurisdicional, dirigida contra o
Estado e não contra o réu13.

1.5 Teoria abstrata da ação

De forma curiosa, esta teoria, também chamada teoria do direito


abstrato de agir, surgiu antes mesmo da teoria concreta com um trabalho do
alemão Heinrich Degenkolb (1877) intitulado A ação no contraditório e a
natureza da norma contida na sentença14, em que admitia ser a ação o direito
à sentença e não a uma sentença favorável, pois haveria ação ainda que, ao
final, o juiz reconhecesse que ao autor não tocaria nenhum direito material
invocado.
A ação seria o poder de provocar o Estado e dele obter uma resposta15.
Seria direito subjetivo público (conferido ao cidadão e obrigando o Estado a

11
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 24.
12
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 25.
13
O próprio Chiovenda admite ser concretista ao afirmar que baseou sua tese na parte substancial da teoria de
Wach para definir a ação como direito potestativo (op. cit., p. 24). Porém, Calamadrei defende que a teoria
formulada por Chiovenda é a mais adequada historicamente ao processo civil regulado pelo Código Italiano,
que não definiu ação, deixando a cargo da doutrina o ofício de conceituá-la (op. cit., p. 206).
14
Alguns autores apontam também o húngaro Alexander Plósz como um dos criadores da teoria, que teria
105

publicado trabalho idêntico e quase concomitantemente (1876).


15
“Em outros termos, para essa teoria a ação é o direito de se obter um provimento jurisdicional, qualquer que
seja seu teor. Para essa concepção de ação, este seria um direito inerente à personalidade, sendo certo que
Página

todos seriam titulares do mesmo, o que significa dizer que todos teriam o direito de provocar a atuação do
Estado-juiz, a fim de que se exerça a função jurisdicional” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito
processual civil, vol. 1, p. 115).
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manifestar-se), autônomo (porque não há condicionantes ao seu exercício


que sejam distintos do próprio direito de ação) e independente (porque não
se vincula à prévia existência do direito material).
Ao que parece, é a teoria que recebe maior acolhida entre nós, pois
responde às questões das ações julgadas improcedentes e das ações
declaratórias negativas, porque o que importa para marcar a existência
prática do direito de ação é o acionamento do Estado, sem importar a
qualidade ou teor da resposta por ele formulada.
Eduardo Couture, jurista uruguaio, foi partidário da teoria abstrata da
ação, mas via esta como espécie do direito de petição que,
constitucionalmente garantido, seria o direito de comparecer perante a
autoridade, que poderia pertencer ao Poder Legislativo, Executivo ou
Judiciário16. Entre nós, não se confunde direito de petição com direito de
ação, pois a Constituição Federal os previu em dispositivos diversos, com
finalidades distintas, pois enquanto o primeiro garante o acesso às
autoridades para defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder
(art. 5º, XXXIV, a), o segundo garante o acesso à ordem jurídica justa (art.
5º, XXXV).
Francesco Carnelutti, jurista italiano, reconheceu a autonomia do
direito de ação, tanto que a distinguia do direito material da seguinte forma:
o direito subjetivo material tem por conteúdo a prevalência do interesse em
litígio e tem por sujeito passivo a outra parte. Já o direito de ação (que
chamava direito subjetivo processual), tem por conteúdo a prevalência do
interesse na composição da lide e por sujeito passivo o juiz, a quem
incumbia resolver a demanda proposta por uma das partes. Também
reconhecia a ação como direito abstrato, pois qualquer um poderia obter do
juiz uma sentença acerca de uma pretensão, ainda que essa pretensão fosse
infundada17.
A ideia do juiz como sujeito passivo, ao invés do Estado, foi superada
pela doutrina que se firmou como dominante – como veremos – porque o juiz
é mero agente estatal.

1.6 O direito brasileiro e a teoria eclética da ação

Apesar da preferência doutrinária pela teoria abstrata, a legislação


brasileira adota uma concepção que é chamada eclética, porque utiliza
elementos da teoria concreta e da teoria abstrata. Foi elaborada por Enrico
Tullio Liebman, processualista italiano que permaneceu no Brasil durante a
Segunda Grande Guerra e influenciou toda uma geração de processualistas,
106

especialmente os que pertencem à conhecida Escola Paulista de Processo.


Página

16
COUTURE, Eduardo Juan. Estúdios de derecho procesal civil, vol. 1, p. 34.
17
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del proceso civil, vol. 1, p. 316.
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A mescla de elementos existe porque Liebman reconhece que a ação é


direito abstrato porque qualquer um que acionar o Estado o fará
independentemente da existência do direito material, mas somente terá
direito a que o juiz analise na sentença a pretensão formulada, aquele que
preencher o que chamou condições da ação (aqui o elemento concreto). Vale
dizer, a presença das condições da ação proporciona a análise da pretensão,
a que denominamos julgamento do mérito, mas o resultado poderá ser
favorável ou não ao autor. A sentença de mérito reconhece o preenchimento
das condições da ação e a existência efetiva do direito de ação.
Por isso afirmava: “Esse direito é precisamente a ação, que tem por
garantia constitucional o genérico poder de agir, mas que em si mesma nada
tem de genérico: ao contrário, guarda relação com uma situação concreta,
decorrente de uma alegada lesão a direito ou a interesse legítimo do seu
titular”18.
Essa ideia particular parte da redação do art. 24, da Constituição
Italiana, que destinava o direito de agir em juízo à tutela de direitos próprios
e interesses legítimos, significando que não pertencia aos que postulassem
em juízo direitos alheios. Daí, criou a ideia de legitimidade para agir, isto é,
poderia provocar o Estado apenas o detentor do direito material. Assim
também o interesse de agir foi moldado com base naquele dispositivo
constitucional, pois deve existir sempre uma justificativa plausível para o
ingresso em juízo, uma necessidade da tutela estatal em razão de um direito
que não fora satisfeito como deveria, contestado, reduzido à incerteza ou
gravemente ameaçado19.
Em termos legislativos, o Código de Processo Civil faz alusão às
condições da ação ao determinar que “para propor ou contestar ação é
necessário ter interesse e legitimidade” (art. 3º), assim como determina que o
processo será extinto sem julgamento do mérito “quando não concorrer
qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade
das partes e o interesse processual” (art. 267, VI).
Esta terceira condição da ação admitida pelo legislador brasileiro, a
possibilidade jurídica do pedido, foi abandonada por Liebman a partir da
terceira edição de seu Manual, porque a considerou mero exemplo do
interesse de agir. Curiosamente, no mesmo ano (1973) entrava em vigor o
Código de Processo Civil brasileiro adotando a concepção completa já
abandonada pelo se criador.
Com efeito, Liebman criou uma teoria que foi adotada por nosso direito,
mas Chiovenda e Calamandrei também possuíam concepções particulares
que exigiam a presença de condições ou requisitos da ação. Para o primeiro,
as condições da ação seriam necessárias para que o juiz declarasse existente
107

a ação e atuasse a vontade concreta da lei invocada pelo autor. Seriam


Página

18
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, p. 150-151.
19
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, p. 150.
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condições necessárias para um pronunciamento favorável ao autor20. No


mesmo sentido, Calamandrei concebia a ação como direito subjetivo
autônomo e concreto, destinado a obter uma providência jurisdicional
favorável ao autor. Elaborou os requisitos constitutivos da ação e, ausentes
um deles, deveria ser rejeitado o mérito da ação21.
Distanciaram-se de Liebman porque este concebia as condições da ação
como imprescindíveis para que o juiz apreciasse o mérito,
independentemente do resultado, sendo a ação, portanto, um direito
abstrato. Para os outros dois autores italianos, as condições ou requisitos da
ação seriam necessários ao julgamento procedente da ação, pois concebiam
a ação como direito concreto.

1.7 Conceito de ação a partir da análise das teorias

Das teorias expostas, podemos concluir que a ação é um direito público


subjetivo, dirigido contra o Estado para dele obter a tutela jurisdicional, mas
proposta em face da parte contrária (em se tratando de jurisdição
contenciosa), que suportará os efeitos do provimento judicial. É um direito
abstrato, pois independe de comprovação prévia do direito material alegado,
mas certas condições deverão ser preenchidas para que a pretensão (mérito)
seja apreciada pelo Estado-juiz.
Modernamente tem sido reconhecida como um direito cívico de índole
constitucional, não só por estar contemplado na Constituição Federal (art. 5º,
XXXV), mas porque garante ao indivíduo não apenas o direito à prestação
jurisdicional, pois assegura o direito de participar ativamente da construção
da resposta estatal, respeitados os princípios inerentes à cláusula do devido
processo legal. Aliás, essa ideia já havia sido exposta no segundo capítulo,
quando tratamos dessa garantia processual (item 10).

2. Condições da ação

A teoria eclética de Liebman criou no direito brasileiro a regra de que a


análise da pretensão formulada pelo autor (julgamento do mérito) somente é
possível se estiverem presentes as condições da ação, regra essa válida para
o processo civil, penal e trabalhista. Ausente pelo menos uma das condições

20
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 66. Para ele, seriam condições da
108

ação: a existência de uma vontade de lei que assegurasse a alguém um bem, obrigando o réu a uma prestação;
a qualidade, isto é, a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela lei e da pessoa do réu com a
pessoa obrigada; e o interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos.
21
Página

CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil, vol. 1, p. 206-219. Para o autor, seriam requisitos constitutivos
da ação: a relação entre o fato e a norma; a legitimação para atuar ou para contradizer; e o interesse
processual.
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da ação, a sentença deve extinguir o processo sem julgamento do mérito,


como já mencionado. Quer dizer, o direito de ação – embora dirigido a todos
as pessoas naturais ou jurídicas – não pode ser exercido aleatoriamente, de
maneira abusiva, utilizado como instrumento para fins não contemplados
pela ordem jurídica justa. Trabalham as condições da ação com uma
evidente função limitadora, não do exercício da ação por quem de direito,
mas a impedir o acionamento ilegítimo da jurisdição, evitando-se os
transtornos daí decorrentes.
Por isso é que a ausência de pelo menos uma das condições da ação
levará a uma sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito.
Nela será declarado pelo juiz que o autor não possui o direito de ação, ou
seja, que é carecedor do direito de ação.
Embora a carência de ação possa ser declarada apenas por sentença
(aqui entenda-se o ato processual pelo qual o juiz encerra o seu ofício
jurisdicional), deve o julgador verificar o quanto antes a ausência de uma ou
mais condições da ação, para evitar que o processo transcorra sem nenhuma
possibilidade de análise do mérito. Deve-se evitar, sempre que possível, o
prejuízo para as partes.

2.1. Legitimidade para agir

A primeira das condições da ação é a legitimidade de partes


(legitimidade ad causam). Por ela, fica assegurado o direito de agir apenas
àquele que é detentor do direito subjetivo material em questão, que atuará
como autor, devendo figurar como réu o responsável pela lesão ou ameaça
de lesão a direito. Por isso falamos em legitimidade ativa e legitimidade
passiva, exigindo-se a presença de ambas, sob pena de não preenchimento
da condição.
Esta regra, válida para todas as searas do processo jurisdicional, é
consagrada no art. 6º, do CPC, que determina a regra geral da legitimidade:
ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio. O art. 3º, também
do Código de Processo Civil, traz outra determinação que influi na
legitimidade, especialmente porque revela a exigência também da
legitimidade passiva: para propor ou contestar a ação é necessário ter
interesse e legitimidade. Ora, quem contesta é o réu, que também deverá ser
legítimo.
Verdadeira exceção à regra geral está contida na segunda parte do
mesmo art. 6º, do CPC: salvo quando autorizado por lei. Trata-se de medida
que atende ao interesse público, pois legitima certas pessoas a atuarem (em
109

posição ativa ou passiva) em nome de outro indivíduo ou de certa


coletividade. É, por assim dizer, a autorização para pleitear, em nome
Página

próprio, direito que não lhe pertence, que podemos denominar legitimação
extraordinária, em contraposição à legitimação ordinária, contida na regra
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

geral.
Sabemos, por exemplo, que cabe ao Estado o exercício do ius puniendi,
por isso mesmo a ação penal deverá ser promovida, em regra, pelo Ministério
Público. Porém, o ofendido ou quem o represente, poderá promover ações
nos casos previstos em lei, como veremos. O ofendido, neste caso, é um
substituto processual, que atua no polo ativo em substituição ao órgão
estatal que possui legitimação ordinária.
O mesmo pode ser dito da atuação dos sindicatos, cooperativas,
associações de classe, entidades estudantis, quando estão em juízo
defendendo direito que não lhes pertença, mas a seus associados. Outros
exemplos clássicos: o habeas corpus impetrado em favor de terceiro, onde há
defesa do alheio direito à liberdade (art. 654, CPP) e a ação popular, que
pode ser promovida por qualquer cidadão para anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art.
5º, LXXIII, CF).
Fenômeno diverso é o da representação processual, que surge para
permitir a algumas pessoas o concreto exercício do direito de ação ou de
defesa, pois sendo dotadas de certa incapacidade, devem ser ladeadas por
figuras capazes de lhes suprir a deficiência. Daí, o menor estará apto a atuar
como autor ou réu, em demandas cíveis e trabalhistas, se estiver
acompanhado de seus pais, tutores ou curadores; o Município, por seu
prefeito ou procurador; a massa falida, pelo síndico; o espólio, pelo
inventariante; o condomínio, pelo administrador ou síndico; as pessoas
jurídicas, por quem os estatutos designarem ou por seus diretores, na
omissão estatutária; o ofendido menor, por seus pais, tutores, curadores ou
curador especial, para promoção de ação penal privada; e assim por diante.
Na substituição processual o substituto atua em lugar do substituído,
defendendo direito alheio em nome próprio, sendo considerado parte. Na
representação processual, o representante atua ao lado do representado,
defendendo direito alheio em nome alheio, continuando o representado como
parte. Exemplificando: se o Ministério Público promover ação de alimentos
em favor de Pedro, menor impúbere, em face de seu pai, o autor é o órgão
ministerial, enquanto o menor é o substituído. Se ação da mesma natureza
for proposta pelo menor, devidamente acompanhado de sua mãe, por
exemplo, Pedro será autor e a genitora, mera representante processual.

2.2. Interesse de agir


110

Ficou claro até o momento, que quando a Constituição Federal


consagra o direito de ação a todas as pessoas, naturais ou jurídicas, para a
Página

proteção de seu direito via tutela jurisdicional, não o faz para que seja um
direito a serviço da abusividade, da intolerância e da deslealdade. Ao
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

contrário, prevê a ação como garantia fundamental e cabe à legislação


ordinária delinear as condições ou requisitos para seu legítimo exercício. A
partir daí, não há dúvida de que o sistema em torno do direito de ação foi
criado para evitar-se a provocação desnecessária dos órgãos jurisdicionais,
de modo que somente as ações úteis deverão prosperar.
O interesse de agir é a condição da ação que exige um comportamento
do autor no sentido de demonstrar que o provimento pleiteado é realmente
útil, que não haveria outro modo de tutelar seu direito a não ser pela
atuação estatal. Por isso Liebman resumiu o interesse de agir como a relação
de utilidade entre a afirmada lesão de um direito e o provimento de tutela
jurisdicional pedido.
Em outras palavras, para que uma ação prospere (análise de mérito),
deverá o autor convencer o magistrado, no decorrer da atividade processual,
de que a movimentação do aparato judicial foi realizada porque seria
impossível satisfazer o direito alegado sem a sua, seja porque o réu se nega a
satisfazê-lo, seja porque a lei exige que determinadas situações só possam
ser exercidas mediante declaração judicial prévia.
Vejamos o exemplo da melhor doutrina22: o sócio de uma determinada
sociedade empresária promove ação para que seja decretada a nulidade do
contrato social, quando já fora ajuizada ação para dissolução total da
sociedade, encontrando-se esta em fase de liquidação. Ainda que o contrato
seja nulo, o sócio não tem nenhum interesse em promover a ação. Qual seria
a utilidade do provimento obtido? O mesmo ocorre no processo penal
quando se promove habeas corpus com intuito de trancar a ação penal por
excesso de prazo na formação da culpa, estando o réu em liberdade.
Mas a opinião de Liebman, reduzindo o interesse de agir à exigência da
utilidade ou necessidade, foi aprimorada por alguns autores, como o italiano
Aldo Attardi, que em sua obra L’interesse da agire (1955), demonstrou que a
condição seria satisfeita pelo autor na medida em que demonstrasse, além
da utilidade, a adequação, que seria a escolha do procedimento correto para
a tutela do direito do cidadão.
Coube a Cândido Dinamarco a introdução dessa visão no direito
brasileiro. Para o autor paulista, a necessidade e a adequação são dois
fatores sistemáticos bastante úteis para aferir o interesse de agir. Há o
interesse-necessidade quando sem o exercício da jurisdição, o sujeito (autor)
seria incapaz de obter o bem desejado. O interesse-adequação está ligado à
existência de várias espécies de provimentos previstos na legislação, cada
um deles destinado a solucionar certas situações da vida indicadas pelo
legislador. Portanto, deverá o autor escolher o provimento adequado à tutela
que almeja receber do Estado23.
111

Ora, se o autor narra em sua petição que foi vítima de adultério, a


Página

22
Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil, vol. 1, p. 107.
23
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 2, p. 302-303.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

medida adequada à tutela de seu direito é a separação judicial ou o divórcio,


dependendo do caso. Jamais poderá prosperar uma ação visando a anulação
do casamento, que não tem no adultério uma de suas justificadoras. Do
mesmo modo não se deve conceder reintegração de posse a quem postula o
despejo do locatário para recuperar a posse do imóvel. No âmbito das
execuções, não pode o credor de uma obrigação demonstrada por um cheque
(título executivo extrajudicial), propor ação de conhecimento condenatória.
São todos exemplos em que o autor não escolheu a via adequada para obter
o resultado pretendido.
Por outro lado, a verificação do binômio necessidade-adequação não
deve ser feita a ponto de tolher o exercício do direito de ação pela ocorrência
de mera irregularidade que pode ser sanada para garantir o exercício da
atividade jurisdicional. Não há sentido, por exemplo, em se negar ordem de
habeas corpus se o impetrante impetrou mandado de segurança, pois a
liberdade é direito fundamental que deve prevalecer sobre questões formais.
Digna de comentário é a redação do art. 3º, do Código de Processo Civil,
que prevê o interesse de agir como condição da ação dirigida também ao réu.
No entanto, é extremamente difícil uma situação em que o réu não tenha
interesse em se defender, pois a simples propositura da ação já é indicativo
para que apresente suas razões, especialmente em face dos princípios do
contraditório e da ampla defesa. Até quando figura equivocadamente no pólo
passivo (ilegitimidade passiva) – especialmente no processo civil e trabalhista
– deve o réu manifestar-se, sob pena de revelia, que é a presunção de
veracidade dos fatos alegados pelo autor ao acionar o Estado-juiz.

2.3. Possibilidade jurídica do pedido

Ao formular sua teoria eclética, Liebman incluiu a possibilidade jurídica


do pedido como uma das condições da ação, que definia como a
admissibilidade em abstrato do provimento pretendido, ou seja, este deveria
incluir-se entre aqueles que a autoridade judiciária pode emitir, não sendo
expressamente proibido. Já dissemos que o próprio autor abandonou esta
condição da ação a partir da terceira edição de seu Manual, pois passou a
entender que um provimento jurisdicional não admitido em lei deveria ser
encarado como ausência de interesse de agir, porque não seria útil ou
necessário um provimento que não é admitido pelo ordenamento.
Porém, o direito brasileiro acolhe na íntegra as primeiras formulações
do professor italiano e a ausência da possibilidade jurídica do pedido levará
à carência de ação, como revela o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, a
112

que fizemos menção anteriormente.


Em síntese, esta condição estará presente quando o magistrado verifica
Página

a viabilidade jurídica do pedido em função do ordenamento, ou seja, se o


pedido é, abstrata e idealmente, contemplado pelo sistema jurídico ou por
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

ele não seja vedado. O divórcio, por exemplo, não poderia ser concedido
antes da Lei nº 6.515/77, que o criou no direito brasileiro. Assim como não
pode o Estado conceder um pedido de cobrança de dívida de jogo, nem
condenar alguém pela prática de conduta não prevista na legislação como
crime (art. 1º, CP).
Fique claro que o juiz deve verificar se o ordenamento lhe permite
conceder o que o autor pretende. Reconhecer que o pedido é juridicamente
possível, não implica em sua imediata procedência, que ocorrerá levando-se
em consideração fatores de ordem fática e jurídica. Aliás, o pedido deve ser
apreciado extensivamente, levando-se em consideração não só aquilo que se
pede como providência imediata do Estado (condenar, declarar ou
constituir), mas também os fatos que justificam a pretensão do autor. Numa
ação penal em que se pretenda a condenação do acusado por uma conduta
não tipificada, o pedido de condenação penal é juridicamente possível. Mas,
se levarmos em consideração os elementos justificadores da pretensão,
veremos que aquele pedido não pode ser acolhido.
Devemos nos lembrar também que o direito brasileiro permite ao juiz
utilizar-se de outras fontes do direito (analogia, costumes e princípios gerais
do direito) para corrigir omissões da lei (art. 4º, LICC). Isso tem implicação
imediata na condição da ação em estudo, pois não se exigirá do autor a
elaboração de pedido expressamente acolhido pelo ordenamento, pois poderá
o juiz concedê-lo, desde que não seja vedado.
No processo civil e trabalhista esta situação é mais evidente, mas no
processo penal também pode ser verificada. Por exemplo, permite-se a
realização de aborto quando a gravidez advém de estupro ou quando há risco
de vida para a gestante (art. 128, CP). Contudo, há decisões judiciais
permitindo o aborto em caso de fetos anencéfalos (gerados sem cérebro),
porque os magistrados entendem, por analogia, que estas hipóteses têm os
mesmos fundamentos do permissivo do Código Penal, isto é, uma gravidez
indesejada e de risco. Também há decisões negando a realização do aborto,
aduzindo que o rol de possibilidades contidos na legislação penal não pode
ser ampliado. Qual decisão está correta? Do ponto de vista processual,
ambas. Do ponto de vista ideológico, a resposta fica para o leitor.

3. Elementos identificadores da ação

Na próxima unidade trataremos dos pressupostos processuais, que são


elementos técnicos introduzidos pela doutrina para que o processo num
primeiro momento exista e, passando a existir, seja válido, podendo
113

desenvolver-se regularmente. Um desses pressupostos de validade exige que


o conflito de interesses apresentado ao Estado seja inédito, não tenha sido
apreciado e julgado anteriormente, nem esteja aguardando decisão em outro
Página

processo.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

É importante a identificação de cada ação proposta para que seja


possível isolá-la das demais para fins de comparação, porque uma vez
ocorridos os fenômenos acima descritos (coisa julgada e litispendência), não
pode a pretensão ser apreciada pelo órgão jurisdicional, devendo o processo
ser extinto sem julgamento do mérito. Mas a este tema voltaremos adiante24.
O que interessa neste momento é saber que uma ação pode ser
identificada por certos elementos intrínsecos, a saber: partes, causa de pedir
e o pedido. Para Calamandrei, esta identificação deveria ser considerada sob
dois aspectos: um aspecto subjetivo (partes) e um aspecto objetivo (causa de
pedir e pedido)25. Para nós, é fácil raciocinar sobre estes elementos a partir
desta formulação: quem pede, por que pede e o que pede.
Coincidindo os três elementos em duas ações, podemos considerá-las
idênticas e, portanto, uma delas não deve prosperar. Em se tratando das
partes, estas devem figurar na mesma posição, deverão possuir a mesma
qualidade, de autor e réu, em todas as ações em análise. Uma ação proposta
por Mateus em face de Marcos, jamais será idêntica a outra proposta por
Marcos em face de Mateus, ainda que os outros elementos sejam
coincidentes. É exemplo de conexão, que já comentamos no (capítulo III).

3.1 Partes

Destinatários da prestação jurisdicional são as partes, são os sujeitos


do contraditório, aqueles que podem atuar sob os favores deste princípio
constitucional, em face do órgão jurisdicional. Em qualquer ação há sempre
aquele que aciona a jurisdição (ou em nome de quem é acionada) e
apresenta uma pretensão: o autor, que figura no pólo ativo da ação. Se for
caso de jurisdição voluntária, este será a única parte na ação, o único que
participa do contraditório. Agora, se estivermos lidando com casos de
jurisdição contenciosa, teremos aquele que se sujeitará às decisões tomadas
pelo Estado: o réu, que figura no pólo passivo da ação26.

3.2. Causa de pedir

Toda pretensão dirigida ao Estado-juiz pelo autor deve ser justificada,


tanto no campo fático quanto jurídico. Explicando, se o objetivo finalístico da

24
Por hora podemos apresentar a definição que o Código de Processo Civil dá para os dois fenômenos
114

processuais (art. 301, § 3º): há litispendência, quando se repete a ação, que está em curso; há coisa julgada,
quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.
25
CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil, vol. 1, p. 229.
26
Página

É comum na doutrina qualificar o réu como sujeito passivo da ação, mas por pura questão didática, pois a
ação não é proposta contra ele, que irá apenas sujeitar-se aos efeitos dela. O verdadeiro sujeito passivo é o
Estado, para quem se pede a atuação jurisdicional contra o réu.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

jurisdição é a atuação do direito objetivo ao caso concreto, deverá existir um


nexo lógico entre a previsão normativa abstrata e o fato concreto a ser
disciplinado. A esse conjunto de argumentos fáticos e jurídicos
denominamos causa de pedir, que podemos dividir em causa de pedir
próxima (fundamento jurídico) e causa de pedir remota (fundamento fático ou
fato gerador do direito)27.
Vê-se que o direito brasileiro adotou a teoria da substanciação, como
ocorre na legislação alemã e austríaca, exigindo a exposição da causa
próxima e remota. O Código de Processo Civil é comumente citado como
exemplo em nosso ordenamento, pois exige que na petição o autor indique o
fato e os fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III). Mas o Código de
Processo Penal também adota a teoria, pois a denúncia ou a queixa
indicarão a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a
classificação do crime (art. 41).
Somente a Consolidação das Leis do Trabalho é que não se expressou
desta forma, pois exige apenas uma breve exposição dos fatos (art. 840, § 1º).
Alguns autores, com razão, combatem a adoção da teoria da individualização
por parte da lei trabalhista, indicando que a interpretação correta do
dispositivo leva à necessidade de indicação também dos fundamentos
jurídicos.

3.3. Pedido

A atuação do órgão jurisdicional é orientada por aquilo que se pretende


dele, pois sua atividade é prioritariamente realizada na busca de elementos
para que se entregue ou não a prestação jurisdicional nos termos
requeridos. Aqui temos o pedido ou objeto da ação, elemento capaz de
demonstrar ao Estado o que realmente se deseja dele em termos
jurisdicionais. É o núcleo da pretensão28.
Revela-se como exigência a ser cumprida pelo autor na elaboração da
petição inicial, denúncia ou queixa, porque a sentença será moldada nos
termos da pretensão, não podendo conceder ao autor resposta diversa da
que pretendeu. O Código de Processo Civil dispõe que a petição inicial
conterá o pedido com suas especificações (art. 282, IV), a Consolidação das
Leis do Trabalho também exige a indicação (art. 840, § 1º), não o fazendo
expressamente o Código de Processo Penal, mas seria ilógico que o
Ministério Público ou o querelante não pedissem a condenação do acusado
em ação penal.
Aqui cabe uma divisão do pedido em imediato e mediato. O que se pede
115

imediatamente é a atuação da lei, que se exteriorizará por um provimento


Página

27
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, p. 160.
28
Cf. ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo, p. 130.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

cognitivo (condenação, declaração ou constituição), de execução ou cautelar.


O pedido mediato representa o bem jurídico pretendido. Portanto, numa
ação de alimentos, o autor pede a condenação do réu ao pagamento de
pensão. Lá, o objeto imediato, aqui, o mediato.

4. Classificação das ações

A doutrina utiliza vários critérios para classificar as ações, com o


objetivo de particularizar o genérico direito de agir. Seria difícil, senão
impossível, compreender a imensa gama de possibilidades de atuação da
jurisdição, se não compreendêssemos que a ação pode ser classificada
segundo a natureza do provimento jurisdicional invocado. Não seria possível
compreender a distinção entre uma ação penal proposta pelo Ministério
Público da promovida pelo ofendido ou seu representante. Vários conceitos
relativos ao processo e ao procedimento, que serão trabalhados no próximo
capitulo, ficariam sem sentido lógico.
Em outros tempos, os processualistas admitiam classificações que
levavam em consideração o direito material, como se fazia no direito romano.
Os critérios atuais são de índole exclusivamente processual,
importantíssimos para a compreensão do fenômeno processo. Chiovenda,
por exemplo, combateu antigas classificações fundamentadas no direito
material, como as que dividiam as ações em reais e pessoais, mobiliárias e
imobiliárias, principais e acessórias. Dizia que a ação, como poder de pedir a
atuação da lei através dos órgãos jurisdicionais, não poderia admitir outra
classificação senão a fundada na natureza do pronunciamento judicial
pretendido. Porém, como veremos, esse é apenas um dos critérios para
classificação das ações.

4.1. Classificação tradicional

Toda vez que alguém aciona o Estado, invocando seu direito de ação,
apresenta ao órgão julgador uma pretensão, que poderá revelar ou não um
conflito. Essa pretensão, se presentes as condições da ação, será analisada
pelo juiz que a concederá ou não através da sentença, que é o provimento
pelo qual encerra seu ofício, entregando a prestação jurisdicional.
A mais genérica classificação das ações apontada pela doutrina toma
em consideração o provimento jurisdicional pretendido, ou seja, dependendo
do que se pretende do Estado, do tipo de tutela jurisdicional desejada, a
116

ação será de conhecimento, de execução ou cautelar. Vale lembrar que a


generalidade de tal classificação torna-se ainda mais evidente, porque é
Página

cabível às ações envolvendo as esferas tradicionais do processo judicial


brasileiro (civil, penal e trabalhista). Significa dizer que, ao menos em tese,
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

qualquer ação cível, penal ou trabalhista poderá ser enquadrada nesta


classificação.

4.1.1 Ações de conhecimento

A primeira classificação que nos interessa é a das ações de


conhecimento. Nesta espécie, leva-se ao conhecimento do Estado a existência
de um conflito de interesses que, não tendo sido solucionado pelas vias
extrajudiciais, deverá sê-lo através da atuação legítima da função
jurisdicional. Também chamadas de ações cognitivas ou de cognição, são
caracterizadas pela presença de uma pretensão resistida, onde uma das
partes envolvidas no conflito pretende a realização de um direito do qual
julga ser o titular enquanto seu adversário se opõe, resistindo à pretensão
demonstrada por aquele.
Em se tratando de jurisdição voluntária, não há conflito de interesses,
mas há uma pretensão a ser analisada porque envolve situações da vida
jurídica que só se concretizam pela atuação dos órgãos jurisdicionais. Vê-se
claramente que nestas ações, a atuação estatal é mais simplificada, porque a
pretensão a ser analisada é somente a formulada pelo autor, porque não há
réu a deduzir pretensões, como na jurisdição contenciosa.
O principal aspecto a caracterizar as ações de conhecimento ou
cognitivas está justamente na atuação do Estado-juiz, que resume-se a três
operações básicas: 1º) toma conhecimento dos fatos alegados pelas partes;
2º) avalia juridicamente tais fatos à luz de normas a eles aplicáveis; e 3º)
determina as consequências abstratamente determinadas pelas normas para
os fatos reais29.
A partir de tal mecanismo podemos dizer que a atividade estatal
resume-se à tomada de conhecimento dos fatos apresentados pelas partes –
já que o Estado em tais hipóteses é totalmente ignorante face àquilo que
ocorreu no campo fático – e tenta a partir daí formar um pensamento lógico
(cognitivo) para decidir se o autor está com a razão, o que faz através da
sentença, onde aplicará o direito ao caso concreto. Chegando a julgar o
mérito de uma ação de conhecimento, o juiz proferirá sentença indicando se
o pedido do autor deve ou não prosperar.
É comum dizermos que na sentença o juiz decide qual das partes está
com a razão, mas isso ocorre por herança dos jargões forenses, pois na
verdade a decisão envolve a pretensão formulada pelo autor. Daí, a sentença
julgará a ação procedente, se ao autor couber tudo o que pretendeu no
início; improcedente, se o pedido não puder ser concedido em face do que foi
117

comprovado no decorrer do processo; e parcialmente procedente, se o pedido


Página

29
Cf. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo, p. 210.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

merecer prosperar, ainda que em parte30. Daí não ser adequado falarmos em
ações julgadas parcialmente improcedentes.
Numa ação penal, se o juiz acolhe na totalidade a pretensão do
Ministério Público, deve condenar o réu, julgando a ação procedente. Se
entende que o acusado não praticou o crime descrito na denúncia, agiu sob
os auspícios de uma das excludentes de ilicitude ou não há provas
suficientes para condenação, julga a ação improcedente. Agora, se o acusado
foi denunciado pela prática de vários crimes e for condenado por alguns
deles, a ação será julgada parcialmente procedente. É o que ocorre também
na desclassificação do crime, em que o juiz condena por um fato diverso
daquele pretendido pelo órgão acusador.
Ainda é possível dividirmos as ações de conhecimento em ações
declaratórias (ou meramente declaratórias), constitutivas e condenatórias.
As ações declaratórias são aquelas em que a pretensão restringe-se à
declaração da existência ou inexistência de relação jurídica entre autor e
réu: ação declaratória positiva e ação declaratória negativa, respectivamente.
Tem por finalidade obter do Estado uma sentença em que uma situação
jurídica antes incerta e controvertida seja reconhecida, por declaração, de
maneira definitiva.
Estas ações têm lugar no processo civil e trabalhista em virtude do art.
4º, I, CPC. Por exemplo: no processo civil, o autor pode promover ação
visando a declaração da existência de uma sociedade de fato; no processo do
trabalho, o empregador pode pleitear a declaração de inexistência de vínculo
empregatício31. Embora não seja admissível a propositura de ações desta
natureza para a declaração de simples fato que não se configure relação
jurídica, temos uma exceção, que permite a mera declaração de
autenticidade ou falsidade de um documento (art. 4º, II, CPC).
O correto é chamar estas ações de meramente declaratórias, pois toda e
qualquer sentença que aplica o direito ao caso concreto termina por declarar
algo. Até quando julga a ação improcedente, o juiz declara que o autor não
possui o direito alegado. Daí ser correto dizer que o que se obtém nestas
ações é a mera declaração da existência ou inexistência de relação jurídica,
da falsidade ou autenticidade de um documento. Quando uma ação
constitutiva ou condenatória é julgada procedente, há uma declaração
seguida de um comando diferenciado, um algo a mais capaz de distingui-las
das meramente declaratórias, como se vê adiante.
Na esfera processual penal também há exemplos de ações declaratórias,
apesar da relutância de alguns autores em admiti-las. O problema é que não

30
118

“O juízo contido na sentença consistirá em acolher ou rejeitar o pedido formulado pelo autor (ou em acolhê-
lo numa parte e rejeitá-lo em outra) e isso, com base no acertamento da situação jurídica existente entre as
partes; em outras palavras, o juiz formula na sentença, em forma positiva ou negativa, a regra jurídica concreta
Página

que disciplina o caso que constituiu o objeto do processo” (LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit., p. 164).
31
São ainda exemplos para o processo civil: ação de investigação de paternidade, ação de usucapião e a
consignação em pagamento.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

se deve imaginar que no processo penal existam apenas ações visando a


condenação ou absolvição dos acusados em face de um fato típico, pois há
uma gama de procedimentos que orbitam tais hipóteses. Como exemplo de
ação declaratória citado pela doutrina, temos o habeas corpus com
fundamento na extinção da punibilidade (art. 648, VII, CPP).
Já as ações constitutivas são, por definição, aquelas em que se busca a
criação, extinção ou modificação de relações jurídicas. A sentença nestas
ações, primeiro reconhece, por declaração, a existência de determinada
relação jurídica para depois, num momento seguinte, operar seu principal
efeito: criar, extinguir ou modificar aquela relação anteriormente declarada.
É o que ocorre, por exemplo, nas ações de divórcio litigioso. Primeiro é
mister reconhecer a relação jurídica existente entre autor e réu, qual seja, o
casamento. Após isso, a sentença extinguirá o casamento, se procedente32.
Esse efeito de extinção é o “algo a mais” a que fizemos menção linhas atrás,
capaz de diferenciar a ação constitutiva da declaratória. Ainda são exemplos
de ações constitutivas, no processo civil: a separação judicial, a ação
revisional de aluguel, a ação de anulação de casamento e a ação de
substituição de compromisso arbitral.
No processo penal, são exemplos de ações constitutivas, a revisão
criminal, o pedido de extradição passiva e o pedido de homologação de
sentença penal estrangeira. No processo do trabalho, cabe ação constitutiva
para fixação do valor do salário não ajustado previamente (criação); para que
seja alterada função e para modificação de serviço incompatível à gestante
(modificação); para que o empregado possa anular advertência disciplinar
que tenha sofrido injustamente (extinção) etc.33
Há uma importante distinção entre as ações meramente declaratórias e
as constitutivas. Nas primeiras, os efeitos da sentença se produzem ex tunc,
ou seja, retroativamente; enquanto nas segundas, os efeitos operam-se ex
nunc, isto é, para o futuro34.
Por último, tratemos das ações condenatórias, quem também possuem,
como as constitutivas, dois momentos: um primeiro, em que declara a
existência do direito e um segundo, em que aplica uma sanção ao caso
concreto. É o que ocorre, por exemplo, nas ações em que se pretenda a
reparação de danos materiais. Se o juiz reconhecer que o réu praticou ato
ilícito causador de dano patrimonial ao autor (art. 186, CC), deverá declarar
isso na sentença e condenar o réu ao pagamento de valor suficiente para
ressarcir os prejuízos sofridos. Neste segundo momento temos, novamente, o
“algo a mais”, um comando capaz de distinguir as ações condenatórias das

32
119

“Também nas ações constitutivas provoca-se uma decisão em que há, antes de tudo, a declaração de certeza
da subsistência das condições predeterminadas em lei para que possa produzir-se a mudança ou alteração
jurídica; e a isto se acrescenta a própria mutação em que se consubstancia o seu efeito constitutivo”
Página

(MARQUES, José Frederico, op. cit., p. 52-53).


33
Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho, p. 244-245.
34
Cf. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo, p. 213.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

meramente declaratórias.
Outra característica particular destas ações é a capacidade de
produzirem títulos executivos judiciais, ou seja, a sentença de procedência da
ação será um documento cujo conteúdo indica que o réu foi vencido e é
devedor de uma obrigação. Esta, desde que não cumprida voluntariamente,
poderá ser exigida em juízo, bastando para tanto a promoção de uma ação
de execução, nosso próximo assunto35. Assim, também possuem efeito ex
nunc, pois seus efeitos se operam para o futuro.
No processo civil, toda ação que possa redundar em sentença que
condene a uma prestação de dar, fazer ou não-fazer, deve ser considerada
condenatória. Assim por exemplo, é a ação de alimentos e a de cobrança. No
processo do trabalho a ação condenatória mais comum é aquela em que o
empregador é obrigado a pagar determinada quantia em dinheiro ao
empregado, correspondente aos seus direitos. Mas também há condenações
em outras obrigações, como a que obriga o empregador a reintegrar o
empregado estável no emprego (fazer) ou aquela em que o empregador é
condenado a não transferir o trabalhador para outra localidade ou não
proceder a um desconto salarial (não-fazer). No campo processual penal,
toda ação que vise a apuração da prática de delito e consequente aplicação
de sanção, deve ser classificada como condenatória.

4.1.2 Ações de execução

Ao contrário do que ocorre nas ações de conhecimento – em que o


Estado-juiz pratica verdadeiro exercício de colheita de informações para
formação de raciocínio suficiente para julgar a pretensão, já que parte de um
estado de ignorância em relação aos fatos que a cercam –, nas ações de
execução, as informações necessárias para que o juiz esgote seu ofício
jurisdicional estão contidas em documentos capazes de lhes garantir o
necessário para atuar. São os títulos executivos, documentos que consagram
obrigações passíveis de exigência imediata e que funcionam como verdadeiro
pressuposto para a realização de qualquer execução. São divididos em títulos
executivos judiciais e títulos executivos extrajudiciais.
Os títulos judiciais são provenientes das sentenças obtidas em ações de
conhecimento condenatórias. Para o processo civil, o art. 584, do CPC, prevê
como tais: a sentença condenatória proferida no processo civil; a sentença
penal condenatória transitada em julgado; a sentença homologatória de

35
120

“Em que difere a sentença condenatória da declaratória? Antes de tudo, nos efeitos: a sentença
condenatória, além de declarar a relação controvertida, tem eficácia executiva, isto é, vale como título
executivo; em outras palavras, ela permite que a pessoa indicada como credor peça a execução forçada contra
Página

o condenado. Quer dizer, então, que a sentença tem duplo efeito: ela declara a existência do direito a uma
prestação e o seu inadimplemento, conferindo ao titular do direito uma nova ação, a ação executiva”
(LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit., p. 182-183).
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

conciliação ou de transação; o formal e a certidão de partilha; e a sentença


arbitral.
Já os títulos extrajudiciais advêm de negócio jurídico e estão previstos
no art. 585, do CPC, que qualifica como tais, entre outros: a letra de câmbio,
a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; a escritura pública
ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular
assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação
referendado pelo MP, pela Defensoria Pública ou pelos advogados
transatores; a sentença estrangeira, homologada pelo STF; e a certidão de
dívida ativa das Fazendas públicas.
Como têm por objeto uma ou mais obrigações, seus titulares utilizam-se
das ações executivas pleiteando a atuação estatal para forçar o devedor a
cumprir aquilo a que fora obrigado, por sentença ou por situação jurídica
extrajudicial, e que não cumprira voluntariamente. Não há apreciação do
mérito, pois trabalha-se com um juízo de probabilidade, favorecendo o credor
da obrigação contida no título executivo, pois sendo proposta ação de
execução considera-se, salvo prova em contrário, que o devedor não a
satisfez.
Podemos dizer então que nas ações de execução o provimento
jurisdicional pretendido tem por finalidade produzir coativamente um
resultado prático equivalente ao que deveria ter sido produzido por uma
pessoa em cumprimento a uma obrigação. Seria, segundo Liebman, um meio
de reação da ordem jurídica contra uma especial forma de ilícito, que
consiste na transgressão de uma regra jurídica concreta de onde surge a
obrigação de determinado comportamento de uma pessoa em favor de
outra36.
A ação de execução é, portanto, uma nova ação, independente da ação
condenatória anteriormente proposta e que redundou em título judicial e,
certamente, da situação fática que originou o título extrajudicial. Tanto é que
exige-se a citação do executado para que possa participar em contraditório
do processo de execução, mas como veremos no próximo capítulo, não há
momentos próprios para a defesa. Se o executado pretender arguir alguma
matéria em seu favor, deverá fazê-lo por ação própria, que para o processo
civil e trabalhista chamamos embargos à execução. Contudo, a doutrina tem
admitido que questões de ordem pública, ou seja, que podem ser
reconhecidas de ofício pelo juiz, podem ser arguidas sem necessidade de
embargos. É o que chamamos exceção ou objeção de pré-executividade.
Aqui também vale a regra da inércia da jurisdição, devendo o credor da
obrigação acionar o órgão jurisdicional para propositura da ação de
execução. Mas também há exceções, como a execução trabalhista, que é
121

instaurada de ofício pelo juiz. Aliás, no processo penal também a execução é


instaurada de ofício pelo juiz e não há necessidade de nova citação, mas
Página

36
LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit., p. 204.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

efetua-se a intimação da sentença, expedindo-se mandado de prisão.

4.1.3 Ações cautelares

A essa altura, já sabemos que as ações de conhecimento e de execução


redundarão em processos de conhecimento e processos de execução,
respectivamente. Para que o processo se desenvolva, é necessária a prática
de inúmeros atos no decorrer do tempo, sendo impossível determinar de
forma antecipada o tempo gasto para que o Estado-juiz entregue a prestação
jurisdicional, sendo possível afirmar, no entanto, que a espera tem sido cada
vez mais longa.
Ocorre que o direito que se queira tutelar pelas ações de conhecimento
e de execução pode sofrer ameaças de várias ordens, pois não é possível ser
entregue de pronto, instantaneamente, pois atos devem ser praticados em
obediência ao tramitar imposto pelo ordenamento, especialmente em virtude
da participação em contraditório das partes.
Somando a este tramitar lento causado pela deficiente estrutura estatal,
temos ocorrências práticas que podem frustrar os provimentos
jurisdicionais, deixando à mercê da sorte o detentor do direito material a ser
declarado em juízo ou que esteja estampado em um título.
Por isso mesmo, há situações que reclamam por uma tomada urgente
de decisão estatal, para que as ações de conhecimento ou de execução,
atuais ou futuras, sejam protegidas para que possam efetivamente satisfazer
o direito daquele que aciona a jurisdição. Então, surgem as ações cautelares,
destinadas a assegurar e garantir o curso eficaz e o resultado útil daquelas
duas outras ações, concorrendo para a consecução dos objetivos gerais da
jurisdição37. Enquanto as ações de conhecimento e execução representam a
prestação jurisdicional em caráter definitivo, as cautelares são acessórias e
provisórias, pois sua existência e eficácia dependem daquelas.
Estas características não retiram delas a necessidade de preencherem
as condições da ação, tanto é que pode o juiz extingui-las declarando o autor
carecedor de ação. Porém, há condições ou requisitos específicos para sua
concessão: a provável existência de um direito, cuja tutela se pede (ou se
pedirá) no processo principal e o fundado temor de que, com a espera,
venham a faltar circunstâncias de fato favoráveis a essa tutela.
Antes, perceba que a ação cautelar tem por finalidade a proteção da
ação principal (conhecimento ou execução), jamais do próprio direito
subjetivo material em questão. Não se presta a cautelar para entregar ao
122

autor aquilo que somente a ação cognitiva ou executiva podem, não lhe

37
Página

Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio, op. cit. (nota 3), p. 216. Para outros, essas ações receberiam nome de ações
assecuratórias, que proveriam com urgência a manutenção do status quo, assegurando a futura satisfação de
um possível direito depois de sua declaração (Cf. CHIOVENDA, Giuseppe, op. cit., p. 35).
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

cabendo o papel de solucionar o mérito das ações principais. Essa noção


será importante quando tratarmos da antecipação de tutela, no próximo
capítulo.
O primeiro requisito, conhecido entre nós por fumus boni iuris (fumaça
do bom direito), representa um juízo de probabilidade, uma plausibilidade
acerca do direito substancial invocado por quem pretenda a segurança. Por
isso mesmo, o juiz ao examinar este requisito, o fará sem indagar a fundo
sua existência, exercendo cognição sumária, até porque eventuais equívocos
do magistrado poderão ser reparados posteriormente, já que as cautelares
são provisórias.
O mecanismo para apuração do fumus pode ser demonstrado pelo
seguinte raciocínio: Se Tiago tiver o direito que alega ter – o que é provável –
a medida pleiteada deve ser concedida. Ao contrário, há o risco de o processo
principal não poder ser eficaz porque o devedor, por exemplo, não terá mais
bens para satisfazer o crédito.
O segundo, representado pela expressão periculum in mora (perigo na
demora), deve demonstrar a probabilidade de dano a uma das partes da
futura ou atual ação principal. É resultado de um dano potencial, de um
risco para o processo principal de não ser útil ao interesse da parte. No dizer
da doutrina, o risco da demora é o risco da ineficácia.
A partir daí, é possível situar estes requisitos específicos no campo da
possibilidade jurídica e do interesse de agir, respectivamente38. Ambos, no
entanto, apurados superficialmente pelo juiz em cognição sumária, porque a
demora na tomada de decisão pode ser tão nociva à parte quanto as
manobras fraudulentas de um adversário.
Sendo propostas antes das ações de conhecimento ou de execução, as
cautelares são chamadas preparatórias. Propostas no decorrer daquelas
ações principais, são chamadas incidentais. Estas, especialmente, têm
eficácia limitada no tempo, de modo que não pode o beneficiário contentar-se
com a concessão da tutela acautelatória que, como dissemos, visa a proteção
do processo, não do direito substancial. Exemplificando: no processo civil,
quando a cautelar preparatória é concedida, o autor tem trinta dias –
contados de sua efetivação – para promover a ação principal, sob pena de
perda da eficácia (art. 806, CPC)39.
Também é possível a propositura de ações cautelares no processo do
trabalho, até porque este utiliza subsidiariamente as regras do processo
civil. Aí está justamente a reclamação de alguns autores, pois a realidade
trabalhista autorizaria o legislador a criar uma disciplina própria para
melhor atender às suas particularidades, aprimorando, segundo eles, o
elemento humano (trabalhador).
123

38
Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar, p. 72.
39
Página

Esta ideia é completada pelo artigo seguinte: “As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do
artigo antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou
modificadas”.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

No campo processual penal, a prisão preventiva é exemplo de ação


cautelar, pois pode ser decretada durante qualquer fase do inquérito policial
ou da instrução criminal como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria (arts. 311 e 312, CPP). Ora, quando as pessoas
legitimadas a requererem a prisão preventiva, ou o próprio juiz ex officio, o
fazem, buscam proteger a utilidade da ação penal futura ou em andamento.
Exemplo clássico é o decreto de prisão quando o acusado, em liberdade,
compromete a colheita de provas úteis à comprovação do delito através da
ameaça a testemunhas40.

4.1.4 A classificação quinária de Pontes de Miranda

Há uma classificação, concebida pelo alagoano Pontes de Miranda


(1892-1979), que divide as ações de conhecimento em cinco tipos. Ao lado
das já comentadas ações condenatórias, constitutivas e declaratórias, devem
ser incluídas as ações mandamentais e as ações executivas lato sensu.
Segundo o próprio autor, as classificações apresentadas pelos juristas
europeus estão superadas, sendo correto classificar as ações segundo a
eficácia preponderante. Para ele, não seria correto entendê-las como tendo
apenas uma eficácia – apenas condenatória, declaratória ou constitutiva –,
pois há sempre algo que prepondera, não sendo possível afirmar que exista
apenas um efeito41.
Em termos práticos, parece-nos que a classificação quinária leva em
consideração como o provimento será efetivado, o modo de concretizá-lo na
prática, sendo uma abordagem que angariou vários adeptos e muitos
críticos, como veremos.
As ações mandamentais objetivam uma sentença em que o juiz não
substitui as partes na solução da lide, mas emite uma ordem de autoridade
que, não sendo cumprida pelo destinatário, implicaria em sanção penal,
como ocorre no habeas corpus, no mandado de segurança e na ação de
nunciação de obra nova42. Tem por conteúdo a obtenção de mandado
judicial – para o cumprimento de ato que o juiz deve mandar praticar – que

40
Alguém pode alegar que no processo penal não há ações propriamente ditas, além daquelas previstas no art.
100, CP. É um equívoco, pois toda vez que alguém se dirige ao Estado, no exercício do seu direito de invocar a
prestação jurisdicional, estará exercendo o direito de ação, ainda que se trate do Ministério Público, do
querelante ou da autoridade policial, legitimados para o nosso exemplo.
41
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das ações, tomo 1, p. 131-132. Ainda completa: “Não há
124

nenhuma ação, nenhuma sentença, que seja pura” (op. cit., p. 137).
42
Esta ação tem cabimento nas hipóteses do art. 934, do Código de Processo Civil. O cumprimento da ordem
judicial vem disciplinada pelo art. 938: “Deferido o embargo, o oficial de justiça, encarregado de seu
Página

cumprimento, lavrará auto circunstanciado, descrevendo o estado em que se encontra a obra; e, ato contínuo,
intimará o construtor e os operários a que não continuem a obra sob pena de desobediência e citará o
proprietário a contestar em 5 (cinco) dias a ação”.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

não possuiu o mesmo efeito (executivo) da sentença de condenação.


Nas ações executivas lato sensu, em caso de procedência, o autor recebe
um plus em relação ao que receberia como resultado de uma ação
condenatória, de modo que não será necessário promover execução, pois
seus efeitos operam-se independentemente de nova ação. Aqui, também
temos condenação, mas sua concretização ocorre sem execução.
Por exemplo, na ação de despejo julgada procedente, o juiz decreta o
despejo e manda expedir mandado de desocupação forçada, não sendo as
chaves do imóvel entregues no prazo assinalado. O mesmo ocorre com as
sentenças proferidas com base nos arts. 461 e 461-A, do Código de Processo
Civil, porque tutelam de maneira específica as obrigações de fazer, não fazer
ou entrega de coisa, pois contêm comandos que garantem a efetivação da
decisão sem que se promova ação de execução43.
Os defensores justificam que a classificação trinária não consegue
garantir tutela genuinamente preventiva ou tutela adequada aos direitos não
patrimoniais, porque através de nenhuma delas o juiz pode ordenar. É
consequência direta da filosofia liberal do final do século XIX, que fez surgir
um juiz despido do poder de imperium, devendo apenas proclamar as
palavras da lei ou, no dizer de Montesquieu, ser apenas a boca da lei. Numa
sentença condenatória, por exemplo, o juiz declara existir a relação jurídica e
aplica a sanção (comando condenatório). Mas essa decisão não interfere no
campo prático senão através da execução. Sem esta, a condenação ficaria
reduzida a uma mera declaração.
Os críticos apontam que a classificação quinária não adota o mesmo
critério da concepção trinaria, por isso não podem conviver tão facilmente,
sem qualquer ressalva científica. Como foi dito, as ações mandamentais e
executivas lato sensu levam em consideração um dado exterior ao próprio
provimento, dizendo respeito ao modo pelo qual o mesmo é efetivado em
termos práticos, enquanto a classificação tradicional considera o provimento
desejado. Ainda em crítica, há os que alegam que a ação condenatória
haveria de incluir, em face de sua amplitude, as mandamentais e as
executivas lato sensu.

4.2. Classificação das ações penais

O exercício pelo Estado de seu direito de punir (ius puniendi) está

43
Exemplificando: o § 5º, do art. 461, diz que para efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado
125

prático equivalente (relativos às obrigações de fazer ou não fazer), poderá o juiz determinar as medidas
necessárias, tais como impor multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. Já o
Página

§ 2º, do art. 461-A, que cuida das obrigações de entrega de coisa, diz que se a obrigação não for cumprida no
prazo estabelecido na sentença, será expedido mandado de busca e apreensão (móveis) ou imissão na posse
(imóveis) em favor do credor.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

vinculado à necessária comprovação de que uma norma penal incriminadora


foi violada, sendo-lhe vedado aplicar sanções sem o devido processo legal,
sem a realização dos atos de persecução penal (ius persequendi),
fundamentais para a apuração da autoria da infração. Uma das fases dessa
anunciada persecução é justamente a ação penal, que pode ser entendida
como o direito de se pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penal
objetivo, ou o direito de pedir uma decisão sobre um fato penalmente
relevante44.
A classificação mais comum das ações penais baseia-se em critério
subjetivo, ou seja, toma-se em consideração o titular do direito de ação,
aquele que é legitimado por lei para promovê-la. Em regra, a titularidade é
do Ministério Público, conforme determinação da Constituição Federal (art.
129, I), que as promoverá através do oferecimento da denúncia, peça típica
do processo penal em que o órgão acusador demonstrará os fatos que
indiquem a prática da conduta criminosa e sua tipificação. Daí as ações
penais serem consideradas públicas, salvo disposição em contrário,
conforme indica o art. 100, do Código Penal.
Vale ressaltar que as ações que visam apurar infrações penais podem
ser consideradas ações de conhecimento. São de conhecimento porque visam
a colheita de informações para que o Estado possa formar seu
convencimento e optar em condenar ou absolver o réu. Sendo procedente a
ação, a sentença imputará uma condenação ao acusado; caso o juiz opte
pela improcedência da ação, a absolvição significará a não condenação do
réu às sanções inicialmente pretendidas pelo autor da ação (sentença
declaratória).
O direito do Ministério Público de promover a ação penal, em algumas
hipóteses excepcionais, não poderá ser exercido com total liberdade, ficando
sua atuação sujeita à ocorrência de certas condições. Assim, a ação penal
pública é classificada como:
a) ação penal pública plena (ou incondicionada) – nestas ações o
Ministério Público oferecerá denúncia independentemente da vontade ou
manifestação do ofendido, bastando que verifique a presença de fortes
indicativos da prática da infração por parte do denunciado. Aliás, em razão
do princípio da indisponibilidade, o MP deverá sempre promover a ação
penal em tais situações e não poderá dela desistir, mesmo que o ofendido ou
seus familiares demonstrem interesse nisso.
A apuração da maioria das infrações ocorre por via de ação penal
pública plena, como ocorre, por exemplo, nos crimes contra a vida, nos
crimes contra o patrimônio (salvo exceções do art. 182), nos crimes contra
a organização do trabalho e nos crimes contra a fé pública.
126

b) ação penal pública condicionada – tem por fundamento a necessidade


de o Ministério Público somente oferecer denúncia após manifestação
Página

44
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 1, p. 274.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

expressa do ofendido – através de representação – ou após requisição do


Ministro da Justiça (art. 100, § 1º, CP). A representação criminal é a
manifestação informal (escrita ou oral) da vontade do ofendido ou de quem
tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal
contra seu ofensor, constituindo-se condição de procedibilidade para que o
MP possa iniciar a ação penal. Já a requisição do Ministro da Justiça,
apresentando-se como um juízo de conveniência política a autorizar o início
da ação penal, mas não vincula o MP, que mantém a liberdade e
independência para examinar se é hipótese ou não de infração penal45.
Estas são ações excepcionais, pois exigem manifestação expressa da lei
indicando a necessidade daquelas autorizações. Por exemplo: a ação penal
nos crimes contra a honra – calúnia, difamação e injúria – sendo praticados
contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, dependerá
de requisição do Ministro da Justiça; se o ofendido for funcionário público
em razão de suas funções, dependerá de representação (art. 145, parágrafo
único, CP).
Processam-se também por ação penal pública condicionada à
representação do ofendido: perigo de contágio venéreo, ameaça, violação de
correspondência, furto de coisa comum etc. Por ação penal pública
condicionada à requisição do Ministro da Justiça processam-se ainda os
crimes: cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, crimes
contra a honra cometidos por meio da imprensa contra chefe de Estado ou
governo estrangeiro ou seus representantes diplomáticos, contra ministro do
STF, ministro de Estado, Presidente da República, do Senado e da Câmara
dos Deputados.
Dissemos que as ações penais têm como titular o Ministério Público,
justamente porque a apuração de crimes é atividade vinculada diretamente
ao interesse público. Todavia, em certas situações a apuração e consequente
punição por um crime interessa mais ao particular do que ao Estado,
permitindo o legislador nestes casos que o próprio ofendido ou quem o
represente promova a ação penal (art. 100, § 2º, CP): é a chamada ação
penal privada ou ação penal exclusivamente privada, que tem na queixa a
peça processual adequada para sua promoção.
Aqui também, por tratar-se de exceção à regra, a lei deverá manifestar-
se expressamente sempre que a ação penal para apuração de um delito for
de iniciativa do particular, como ocorre, por exemplo, com os crimes contra a
honra (calúnia, difamação e injúria, salvo as restrições do art. 145, CP),
introdução ou abandono de animais em propriedade alheia, violação de
direito autoral, adultério, induzimento a erro essencial e ocultação de
impedimento para fins matrimoniais, exercício arbitrário das próprias
razões, violação de direito de marca de indústria ou de comércio, dentre
127

outros casos.
Página

45
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, vol. 1, p. 652-655.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

Interessante é o exemplo dos crimes contra a liberdade sexual e dos


crimes sexuais contra vulnerável, quais sejam, o estupro, a violação sexual
mediante fraude, o assédio sexual, o estupro de vulnerável, a corrupção de
menores, a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou
adolescente e o favorecimento da prostituição ou de outra forma de
exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável.
Em regra, a ação penal para tais crimes será pública condicionada à
representação (art. 225, caput, CP). Contudo, se a vítima for menor de
dezoito anos ou pessoa vulnerável “procede-se mediante ação penal pública
incondicionada” (parágrafo único). Isto é, o interesse público torna-se muito
mais forte que o interesse privado, autorizando o Ministério Público a
oferecer denúncia independentemente da vontade da vítima ou de quem a
represente.
Há, ainda, uma outra classificação para a ação penal, surgindo
justamente nas hipóteses em que o Ministério Público for negligente no
oferecimento da denúncia no prazo determinado pela lei, transferindo a
titularidade da ação para o ofendido ou quem o represente: trata-se de ação
penal privada subsidiária da pública (art. 5º, LIX, CF e art. 100, § 3º, CP), a
ser proposta através de queixa. É importante lembrar que o prazo legal para
oferecimento da denúncia pode variar de acordo com o crime em questão,
mas como regra geral deve ser considerado o prazo contido no art. 46, do
Código de Processo Penal: cinco dias para o réu preso, contados da data em
que o órgão do MP receber os autos do inquérito policial, e de quinze dias, se
o réu estiver solto ou afiançado.

4.3. Classificação das ações trabalhistas – os dissídios46

A doutrina tradicionalmente apresenta uma classificação particular


para as ações trabalhistas, dividindo-as em ações individuais e coletivas,
utilizando como critério a titularidade do direito subjetivo material em jogo.
Trata-se de critério próprio do processo do trabalho, porque as ações
trabalhistas exigem uma classificação adequada e não totalmente
coincidente com os critérios de classificação das ações de direito comum.
Assim, as ações individuais têm como titulares pessoas singularmente
consideradas e destinam-se à obtenção de um pronunciamento jurisdicional
sobre interesses concretos e individualizados. Já as ações coletivas
apresentam-se como um direito reconhecido às categorias profissionais,
representadas no processo pelos sindicatos. Em outras palavras, nos
dissídios individuais há conflito de interesses concretos de pessoas
determinadas, enquanto nos dissídios coletivos se discutem interesses
128

abstratos de uma categoria composta de número indeterminado de


Página

46
No processo do trabalho é comum a utilização sinônima dos termos dissídio trabalhista e reclamação
trabalhista a significar ação trabalhista.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

pessoas47.
Embora seja este um critério próprio do processo do trabalho, nada
impede que uma ação trabalhista individual possa ser considerada de
conhecimento (condenatória, declaratória ou constitutiva), executiva ou
cautelar, como visto em tópico anterior.
O mesmo ocorre com as ações coletivas, que também podem receber
classificação segundo aqueles critérios tradicionais, mas apenas serão
constitutivas ou declaratórias. Nas primeiras, o objetivo é a criação de novas
condições de trabalho para a categoria; nas segundas, busca-se a declaração
de existência ou inexistência de uma relação jurídica. Como se vê, não há
dissídio coletivo de natureza condenatória, porque a sentença em tais ações
apenas cria ou interpreta certa norma jurídica, que posteriormente será
objeto de ação individual para cumprimento da determinação judicial48.
Há processualistas que dispensam um tratamento ainda mais
particular para os dissídios coletivos, utilizando como critério o tipo de
pretensão deduzida em juízo, dividindo-os em:
a) dissídios coletivos de natureza econômica – têm por objeto a criação
de novas condições de trabalho ou a modificação das já existentes. Nesses
casos a sentença proferida ocupa o lugar da convenção coletiva não ajustada
entre os litigantes.
b) dissídios coletivos de natureza jurídica ou de direito – têm por objeto a
interpretação de uma norma legal, de uma convenção ou de uma sentença
normativa, para declarar seu conteúdo ou determinar sua correta aplicação.
Por fim, merece destaque uma questão importante envolvendo a
classificação das ações trabalhistas em individuais e coletivas. É que os
autores que a utilizam sempre fazem menção à substituição processual, ou
seja, a legitimação extraordinária para quem, não sendo titular do direito
material em lide, possa promover a ação substituindo o verdadeiro titular.
No direito brasileiro tal função é exercida pelos sindicatos, aos quais não se
pode imputar, em todos os casos em que estejam litigando, o rótulo de
substitutos processuais.
A maior confusão apontada pela doutrina veio justamente com a
redação do art. 8º, III, da Constituição Federal, que determinou: “ao
sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.” Tal dispositivo
gerou interpretações apressadas de parte da doutrina, que entendeu haver
em tal mandamento uma autorização para que os sindicatos substituíssem
processualmente, de forma generalizada, todos os integrantes da categoria,
associados ou não49.
129

Porém, o Enunciado 310, do Tribunal Superior do Trabalho (1993),

47
Página

Cf. GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho, p. 147.


48
Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho, p. 177.
49
Cf. GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho, p. 108.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

confirmou que o dispositivo constitucional não é autoaplicável e não


consagra hipótese de substituição processual, determinando ainda que: a
substituição processual autorizada ao sindicato que alcança todos os
integrantes da categoria é restrita às demandas que visem à satisfação de
reajustes salariais específicos resultantes de disposição prevista em lei de
política salarial; e é lícito aos substituídos integrar a lide como assistente
litisconsorcial, acordar, transigir e renunciar, independentemente de
autorização ou anuência do substituto.
Daí, podemos concluir que a substituição processual no processo do
trabalho diverge daquela existente no processo civil e penal, porque goza de
certas características que a particularizam: é primária, porque o substituto
não precisa aguardar a inércia do substituído em relação à propositura da
ação; é autônoma, pois há possibilidade de o substituído desistir da ação ou
transacionar; é concorrente, porque não é exclusiva, nada impedindo o
substituído de assumir o polo ativo da ação como parte.
Em síntese, o sindicato será substituto processual quando estiver em
juízo, em nome próprio, defendendo interesses dos integrantes da categoria
nas ações que visem obter reajustes de salário baseados em leis reguladoras
da política salarial, conforme autoriza a Lei 8.073/90, que estabeleceu a
Política Nacional de Salários, em seu art. 3º: “As entidades sindicais poderão
atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria”.

5. Das exceções

Deixamos claro no início do capítulo, que tanto autor quanto réu têm
direito à prestação jurisdicional. Isto é, enquanto o autor pode dirigir-se ao
Estado pleiteando uma decisão favorável, no pleno exercício do seu direito de
ação, o réu também poderá fazê-lo para se defender, o que fará exercendo
seu direito de exceção. Evidenciávamos, naquele momento, a ideia da
bilateralidade da ação e bilateralidade do processo.
O termo exceção tem sua origem na exceptio do processo formulário
(Roma)50, que tem significado amplo de defesa (ou defesa lato sensu), sendo
capaz de qualificar qualquer providência do demandado em excepcionar, no
sentido de contradizer as alegações do autor. Assim como a ação, a exceção é
um poder jurídico processual: pelo primeiro o autor pleiteia algo perante a
jurisdição; pelo segundo, o réu pleiteia que seja liberado da ameaça
produzida pela ação. Percebe o leitor a ideia de dialeticidade, ou seja, do
diálogo proporcionado pelo contraditório e sua efetivação completa com o
exercício, pelo réu, do direito à ampla defesa51. Lembrando o que foi dito no
130

50
Este período vai do ano 149 a.C. até o século III da Era Cristã. Nele, toda ação deveria prosperar e redundar
Página

em sentença condenatória, salvo se existisse algo a impedir (exceptio) sua procedência.


51
“O litígio aparece, portanto, marcado por uma idéia que chamamos de bilateralidade. As partes se acham no
litígio em pé de igualdade e essa igualdade, dentro do processo, outra coisa não é senão u’a manifestação do
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

capítulo destinado aos Princípios Gerais do Processo, o contraditório


(representado pelo binômio informação-reação) é responsável por
oportunizar ao réu o direito de defender-se. Mas a defesa (reação) pode ser
facultativa (em regra, no processo civil e trabalhista) ou obrigatória (como no
processo penal).
Imaginemos a seguinte situação: o Ministério Público propõe ação penal
em face de Ezequiel, pleiteando sua condenação pela prática do crime de
homicídio. O que o réu poderá alegar em sua defesa? Várias são as
possibilidades. Vejamos algumas: 1) pode alegar que o juiz é relativamente
incompetente; 2) pode alegar que já fora acusado em outra ação, já julgada e
cuja sentença transitou em julgado; 3) que não praticou o crime (negativa de
autoria); 4) que praticou o fato, mas agiu em legítima defesa52.
Em razão das várias matérias arguíveis por meio de exceção é que a
doutrina as classifica em dois grandes grupos: exceções processuais e
exceções substanciais.
Se o réu pretende atacar questões relativas ao processo ou à
admissibilidade da ação, falamos em exceções processuais. Estas são
chamadas dilatórias, quando provocam uma dilatação no processo, fazendo
com que mais atos sejam praticados do que normalmente se praticaria na
ausência de defesa do réu (v.g. arguição de incompetência, impedimento ou
suspeição do juiz, defeito ou falta de representação, ausência de procuração
para o advogado etc.). Vê-se que são irregularidades sanáveis, que não
provocarão em tese a extinção do processo, salvo se não forem corrigidas.
Já as exceções peremptórias têm por objeto a defesa quanto a
irregularidades insanáveis, que impedem que o processo caminhe
regularmente, devendo ser extinto. O termo vem do latim peremptorius, que
significa mortal, que mata. Ora, as matérias arguíveis por meio dessa
exceção redundarão, se reconhecidas, na extinção do processo por absoluta
impossibilidade de provimento de mérito. São exemplos: alegação de coisa
julgada, litispendência e carência de ação.
Por outro lado, pretendendo o réu atacar o mérito, ou seja, a pretensão
formulada pelo autor, deverá valer-se das exceções substanciais ou
materiais. São chamadas diretas, quando atacam diretamente a pretensão
do autor através do fundamento de seu pedido, como por exemplo, a
alegação de negativa de autoria (no processo penal) e a alegação de
inexistência de vínculo empregatício (no processo do trabalho).
Através das exceções materiais indiretas, o réu apresenta fatos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, sendo possível
131

princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei. A diferença fundamental que existe entre ação e exceção,
entre ataque e defesa, é que o autor cria o processo porque o deseja, enquanto que o demandado enfrenta o
litígio, mesmo que não o queira” (COUTURE, Eduardo Juan. Introdução ao estudo do processo civil, p. 23).
52
Página

As possibilidades foram apresentadas para fins didáticos. Em situação real, o réu não poderá arguir todas as
matérias mencionadas, porque algumas delas são incompatíveis. Imagine o absurdo de alegar negativa de
autoria e legítima defesa ao mesmo tempo.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

afirmar que esta defesa opera-se em dois momentos, cuja separação dá-se
por uma linha muito tênue. Num primeiro momento, o réu confirma, aceita
as razões formuladas pelo autor para, num segundo momento, apresentar
efetivamente sua defesa. Por exemplo, se numa ação de cobrança ou numa
reclamação trabalhista o réu alega pagamento parcial, é porque concordou
com o fato de existir entre ele e o autor um determinado negócio jurídico; se
no processo penal o réu alega que o crime prescreveu, é porque concorda
com a ocorrência fática narrada pelo autor; e assim por diante53.
Para terminar, quatro observações:
1) A doutrina costuma dizer que algumas das matérias argüíveis por
meio de exceção podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, embora possam
ser alvo de exceção. São questões de ordem pública a que denominamos
objeções;
2) Quando afirmamos que as exceções são defesas lato sensu, o fizemos
para designar toda e qualquer defesa apresentada pelo réu. Mas a legislação
processual utiliza o termo exceção para indicar defesas com rito próprio,
apresentadas como incidentes inseridos em meio ao procedimento em curso:
são as exceções rituais. O Código de Processo Civil admite exceção ritual de
incompetência relativa, suspeição e impedimento (arts. 304 a 314); o Código
de Processo Penal amplia o rol, admitindo exceção de suspeição,
incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada
(arts. 95 a 111); e a Consolidação das Leis do Trabalho imprimiu rito próprio
apenas à suspeição e à incompetência (arts. 799 a 802).
3) Ao tratarmos do interesse de agir, mencionamos (em nota) que a ação
é inominada, ou seja, não se prende ao nome dado pelo autor ao acionar a
jurisdição, sendo o direito à prestação jurisdicional, embora na prática seja
comum a indicar um nomem juris à ação, pois o próprio legislador por vezes
assim procede54. O mesmo pode ser dito para as exceções, pois ao longo do
processo tem o réu o direito de deduzir qualquer defesa que tiver e que não
esteja assim tipificada. O enquadramento das exceções de incompetência
relativa, por exemplo, significa apenas que nenhuma defesa se admitirá
segundo as regras inerentes a esses procedimentos. Explicando, não se
poderá alegar incompetência absoluta ou qualquer outra matéria, utilizando-
se a via da exceção de incompetência relativa, bem como não se arguirá
litispendência através de exceção de impedimento etc.
4) Essa qualificação das defesas do réu como exceções vem do direito
romano, em que o réu excepcionava para defender-se, pois as ações
deveriam prosperar salvo (exeptio) se existisse algo a impedir a prolação de

53
132

Por isso não podemos concordar com a definição formulada por Liebman – de que a exceção seria a
afirmação por parte do réu da existência de um fato impeditivo, modificativo ou extintivo, com o intuito de
obter a rejeição da ação – porque não consegue abranger todas as situações práticas que acabamos de
Página

demonstrar (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, p. 169).


54
O Código de Processo Civil é exemplo típico, pois nomina a ação de consignação em pagamento, ação de
depósito, ação de prestação de contas, ação de nunciação de obra nova, ação monitória etc.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

sentença condenatória. Mas nesse ponto, o leitor já é capaz de perceber que


o autor também pode ofertar exceções, especialmente aquelas destinadas a
combater a suspeição e o impedimento. Quando excepciona, o autor utiliza
ainda o direito de ação, que perdura durante todo o processo, como já
tivemos oportunidade de afirmar55.

133
Página

55
MESQUITA, Gil Ferreira de. Princípios do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro, p.
181.
Lições de Teoria Geral do Processo – Gil Ferreira de Mesquita

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