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1 INTRODUÇÃO

Se pudéssemos conceituar Direito diríamos que é “o conjunto das normas gerais e positivas que
regulam a vida social”.

Portanto, o principal objetivo do Direito é harmonizar as relações sociais intersubjetivas; é


tornar possível a vida em sociedade, conferindo-lhe ordem (ubi jus ibi societas – não há direito
sem sociedade) através de regras de conduta dotadas de coercibilidade.

Estabelecido o direito objetivo, faz nascer, por outro lado, a prerrogativa ou a faculdade
individual de exigir o cumprimento dos preceitos que lhe diga respeito. Portanto, se a norma diz
que “todos são iguais”, surge para cada um o direito de ser tratado sem discriminação. Fala-se,
então, em direito subjetivo.

A facultas e a norma são os dois lados de um mesmo fenômeno: um é o aspecto individual, o


outro o aspecto social. Qualquer direito pode ser apreciado pelo lado do indivíduo, que dele
extrai uma segurança jurídica ou uma função, como pelo lado do agrupamento social, que
institui uma regra de conduta.

O direito subjetivo manifesta-se através de uma relação jurídica, a qual pressupõe um sujeito,
que é o ser a quem a ordem jurídica assegura um poder ou um dever de agir; um objeto, que é
o bem ou a vantagem sobre a qual o sujeito exerce tal poder ou dever; e um vínculo, que é o
liame que une ambos os sujeitos ou partes entre si e estes com o objeto, formando a relação
jurídica.

A vida em sociedade produz uma série de relações, que, quando protegidas pela ordem jurídica,
transformam-se em relações jurídicas, como o casamento, o emprego, o aluguel de um imóvel
etc. Todas elas são motivadas pelo desejo de satisfazer um direito subjetivo, ou seja, uma
necessidade, um interesse (formar uma família, ganhar dinheiro, ter um lugar para morar etc).
Quando isso ocorre fala-se em relação jurídica material.

Mas pode acontecer que, numa relação jurídica material entre A e B, os interesses sejam
opostos; por exemplo, A quer manter o casamento, mas B não. Surge, então, um conflito de
interesses, ou seja, um “choque de duas ou mais vontades sobre o mesmo objeto”.

Nesse momento, se A insiste em manter a sua posição, exigindo que B subordine ao seu
interesse, surge o que chamamos de pretensão. Pretensão, portanto, é “a exigência de
subordinação de um interesse alheio ao próprio.”

Se B ceder, o conflito é resolvido pela satisfação da pretensão de A.

Porém, se B resiste, nasce uma lide, que, no conceito brilhante de Carnellutti, nada mais é que
“um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”.

Acontece que, quando o Estado se estruturou e passou a dotar-se de maior poder, trouxe para
si a responsabilidade de ditar a solução para os conflitos de interesses, proibindo qualquer
espécie de justiça privada (atualmente, excepcionalmente, admite-se a autotutela, como o
desforço imediato, a legítima defesa e a greve).

O Estado assume, assim, o monopólio da JURISDIÇÃO (que significa dizer o direito no caso
concreto), exercido precipuamente por um de seus poderes – o Poder Judiciário.

Como consequência da previsão desse direito objetivo à jurisdição (aliás, consagrado a nível
constitucional – art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”), ofertou-se ao indivíduo, que não podia mais realizar o seu interesse
através da própria força, o poder, a prerrogativa, a faculdade, o direito subjetivo de bater às
portas do Judiciário para exigir a solução do litígio que porventura pudesse estar envolvido.

Tal direito subjetivo de provocar a jurisdição denominou-se direito de AÇÃO. Mas, como ele é
exercido?

O direito de ação é exercido através de um ato processual chamado demanda.

Portanto, demanda é o ato processual pelo qual o autor exercita o direito de ação. Este ato
materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.

Mas, assim como se assegura ao autor o direito à tutela jurisdicional, o qual é exercido por meio
do direito de ação, ao réu é garantido direito correlato, dando-lhe a chance de receber a
prestação jurisdicional (direito à análise do mérito; de preferência, no sentido de improcedência
do pedido do autor – tutela jurisdicional negativa). A este direito dá-se o nome de direito à
defesa, previsto constitucionalmente no art. 5º, LV.

O direito de defesa é exercido através de alguns atos, quais sejam, a contestação, a reconvenção
e as exceções, os quais se materializam também através de uma petição, que, por não mais ser
inicial, é chamada genericamente de petição interlocutória. Contestação (assim como os demais
atos da defesa) não é, portanto, a petição da contestação, mas sim o ato processual. As leis
classificam-se, quanto à sua natureza, em materiais ou substanciais (as que regulam o direito
em si) e formais ou processuais (modo de realização da lei material - atos processuais).

Oportunizado ao réu o direito de defesa, independentemente se ele o tenha exercido ou não


através de quaisquer daqueles atos, tem-se por formado o PROCESSO completamente.

Assim, o processo poder ser entendido como sendo a relação jurídica de direito público
(processual) que une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela sequência
ordenada de atos com vistas a um fim, qual seja, a sentença.

O processo será civil (ou de natureza cível, como queira) se a lide posta em juízo se instaurou
em virtude de qualquer ramo do direito que não seja trabalhista ou penal (que possuem
processos próprios correlatos, a saber, processo do trabalho e processo penal), ou seja, em
virtude de um direito pertencente ao Direito Civil, Empresarial, do Consumidor, Tributário etc.

Para regular o processo, o Estado criou um conjunto de normas jurídicas que formam o chamado
Direito Processual, também denominado de formal ou instrumental, por servir de forma ou
instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou substancial, que
solucionarão as lides colocadas pelas partes em juízo.

1.1 Conceito de Direito Processual Civil

A bem da verdade, Direito Processual é um só. A divisão em sub-ramos (Processo Civil, Processo
Penal, Processo do Trabalho etc) e suas respectivas legislações são de ordem prática e didática,
conforme a natureza da lide posta em juízo.

Todavia, se pudéssemos individuar e conceituar, diríamos, com auxílio da doutrina mais robusta
nessa matéria, que Direito Processual Civil é “o complexo de normas e princípios que regem o
exercício conjunto da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da defesa pelo
demandado” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO).
Ou, ainda: “é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do
exercício da jurisdição civil”. (AMARAL SANTOS).

Por fim, uma das melhores conceituações é a trazida pelo processualista italiano Chiovenda,
para quem o Direito Processual Civil é “o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das
normas reguladoras do exercício da jurisdição civil” (CHIOVENDA).

É, portanto, ramo do direito público, não se confundindo com o direito material que
instrumentaliza (este normalmente pertencente ao direito privado, p. ex., D. Civil), devendo,
portanto, sempre ser afastada a denominação direito adjetivo, por aludir a uma relação de
dependência do direito processual para com o direito material, o que, na verdade, não existe.

Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações jurídicas
entre os particulares, o direito processual visa regular uma das funções soberanas do Estado
(função jurisdicional). Dessa forma, ainda que a lide seja eminentemente de interesse privado,
há no processo sempre um interesse público, qual seja, a pacificação social e a manutenção da
ordem jurídica.

1.2 Evolução Histórica do Direito Processual Civil

A história do Direito Processual Civil, assim como toda a Ciência Jurídica, encontra suas bases no
Direito Romano, cujo processo se desenvolveu em 3 fases, que, em seu conjunto, denominou-
se de IMANENTISTAS (direito processual imanente, dependente do direito material):

a) primitiva ou das legis actiones (das ações da lei) => havia 5 ações da lei, as quais deviam ser
manejadas pelas partes com muito rigor e formalismo, sob pena de perder a demanda caso se
equivocasse em uma palavra ou gesto (não havia advogados).

b) período formulário => com a expansão do Império, o manejo das 5 ações da lei ficou limitado.
O magistrado, agora, examinava a pretensão do autor e a defesa do réu, e concedia uma fórmula
de ação capaz de compor especificamente o conflito (ele fixava o objeto do conflito, cabendo ao
árbitro, escolhido entre os cidadãos, o julgamento da causa – semelhante ao instituto do Júri
Popular). Já havia advogados e princípios do livre convencimento do juiz e do contraditório.

c) fase da cognitio extraordinária => desaparecem os árbitros, surgindo a figura do juiz como o
único investido do poder jurisdicional. O procedimento passa a ser eminentemente ESCRITO,
compreendendo desde o pedido do autor até a sentença e sua execução.

Porém, com a queda do Império, já no período medieval, o processo civil sofreu um retrocesso
ao ser influenciado pelo direito do povo bárbaro-germânico, caracterizado pelo formalismo
exacerbado, fanatismo religioso e misticismos. Foi nesse contexto que surgiram os chamados
“juízos de Deus”, “duelos judiciais” e “ordálias”.

O processo era FORMAL, e as provas produzidas deviam ser interpretadas segundo regras legais,
não possibilitando qualquer participação do juiz. Este só reconhecia o cumprimento/realização
da “prova” e fixava a sentença segundo as regras do direito positivo.

Não se buscava a verdade real, mas a formal, pois se acreditava na INTERFERENCIA DIVINA nos
julgamentos (autênticos jogos de azar ou rituais de bruxaria).

Entretanto, com o fim de preservar o direito romano, surge o Direito Canônico e o direito
desenvolvido pelos glosadores nas Universidades, que, em conjunto com o direito germânico,
formaram o chamado PROCESSO COMUM, que vigorou desde os séculos XI até XVI.
O processo comum era escrito, lento e extremamente complicado. Mas, dele se extraíram as
características que, aperfeiçoadas, inspiraram o processo moderno. Foram abolidas as ordálias
e juízo de deus, mas a tortura continuou até o século passado, como meio de obtenção da
verdade. Somente após a Revolução Francesa retomou-se o conceito de livre convencimento do
juiz, relativamente às provas, eliminando a tarifa legal, primeiramente no processo penal, depois
no civil.

Além dessas 3 fases, o Direito Processual Civil conheceu outras duas:

- CIENTÍFICA ou MODERNA (expoentes: Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti, Liebman):


emergida no século passado, com ela desenvolveu-se a teoria do processo como relação jurídica,
e não mais como contrato; o direito processual passou a ser compreendido como ramo
autônomo e público; as provas deixaram de ser tarifadas e passaram a ser valoradas pelo juiz
segundo critérios próprios (deixando de atuar como expectador da vitória do mais hábil), tendo
amplos poderes, inclusive, na sua produção; etc.

- INSTRUMENTISTA ou ATUAL: processo passa a ser visto como instrumento não só de realização
dos interesses particulares, como também de pacificação social e realização da lei.

Mas, apesar de instrumental (meio para se atingir um fim – solução do litígio), exige-se que o
processo seja efetivo, realizador de justiça, em tempo hábil e com o menor dispêndio possível.

Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de hoje e do futuro buscam: facilitação do acesso
à justiça; duração razoável do processo; instrumentalidade; tutela de interesses coletivos e
difusos; universalização; constitucionalização do direito processual; e efetividade do processo
(GONÇALVES, 2015, p. 44).

1.2.1 Direito Processual Civil Brasileiro

Até a independência (1822), vigorou no Brasil a legislação portuguesa, consistente nas chamadas
Ordenações do Reino (Ordenações Afonsinas, de D. Afonso V, de 1446; as Ordenações
Manuelinas, de D. Manuel, de 1521; e as Ordenações Filipinas, de Filipe II, de 1603). Tinham por
principais características:

a) forma escrita, o juiz só podia apreciar o que estava nos autos (verdade formal);

b) as partes não participavam da inquirição de testemunhas;

c) princípio do dispositivo: autor e réu eram os donos do processo, cuja movimentação era
privilégio das partes.

Em 1850, o Brasil editou o Regulamento n. 737, o primeiro Código Processual nacional, que
visava regular apenas as causas comerciais. Já no período republicano, o referido regulamento
alcançou também as causas cíveis, por força da alteração dada pelo Regulamento n. 763, de
1890.

Logo após, em 1891, a Constituição estabeleceu a divisão da Justiça Federal e Estadual, e,


consequentemente, o poder de legislar sobre processo para cada esfera da federação, dando
surgimento a um Código Federal e a vários Códigos estaduais, que acabaram por ser repetições
do primeiro.

Todavia, a Constituição de 1934 pôs fim aos códigos estaduais, atribuindo exclusivamente à
União a competência para legislar sobre processo. Desta feita, uma comissão foi formada para
a elaboração de um código unitário, o que redundou no surgimento de nosso primeiro CPC
(Código de Processo Civil) em 1939.

Como bem nos ensina Sérgio Bermudes (apud THEODORO JR, 2007, p. 17), havia no CPC de 39
“uma parte geral moderna, fortemente inspirada nas legislações alemã, austríaca, portuguesa e
nos trabalhos de revisão legislativa da Itália, e uma parte especial anacrônica, ora
demasiadamente fiel ao velho processo lusitano, ora totalmente assistemática”.

Após 33 anos em vigor, o CPC foi totalmente reformado, com base no Anteprojeto do Ministro
Alfredo Buzaid, destaque da Escola Paulista de Direito e discípulo direto do processualista
italiano Enrico Tullio Liebman (radicado no Brasil no período da 2ª Guerra Mundial, vindo aqui
falecer). Daí surgiu o nosso atual CPC, a Lei n. 5869, de 11.01.1973, que é composto de 5 Livros:

- Livro I: Do Processo de Conhecimento;

- Livro II: Do Processo de Execução;

- Livro III: Do Processo Cautelar;

- Livro IV: Dos Procedimentos Especiais;

- Livro V: Das disposições gerais e transitórias.

O CPC vigente sofreu, ao longo de sua vigência, diversas alterações e reformas, todas na
tentativa de se alcançar, conforme prega os instrumentalistas, um processo mais efetivo
possível. O propósito foi abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, tão nos
bem ensinado pela tradição romana e lusitana, para dedicar-se à busca de um processo de
resultados, prevendo, por exemplo, uma tutela antecipada generalizada nos processos de
conhecimento; a execução das sentenças no mesmo processo de conhecimento; o
procedimento monitório; o poder geral de efetivação; os poderes dados ao relator frente, em
especial, da afronta aos precedentes jurisprudenciais etc.

Todavia, tantas reformas e as mudanças próprias da sociedade tornaram recomendável a edição


de um novo código.

Assim, por iniciativa de uma comissão de juristas, presidida pelo então Ministro do STF, Luiz Fux,
foi levado ao conhecimento do Senado Federal, em 2010, o Projeto de Lei nº 166, que, depois
de passar pelas 2 casas legislativas, foi aprovado em dezembro de 2014 e sancionado pela
Presidente da República em março de 2015, convertendo-se na Lei n. 13.105/15 – o NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/NCPC, com vigência prevista para o dia 18/03/16.

Dentre as alterações, pode-se destacar tanto a de cunho organizacional, com a previsão inédita
de uma parte geral e uma parte especial, quanto a de cunho material, com o maior rigor nas
fundamentações judiciais; a unificação das tutelas cautelar e antecipada sob a rubrica “tutelas
de urgência”; a consagração de um processo sincrético; a força dos precedentes judiciais; o
fortalecimento dos meios de solução consensual dos conflitos; o fim do juízo de admissibilidade
pelo juízo de origem nos recursos; a solução coletiva de ações e recursos repetitivos, evitando o
abarrotamento dos tribunais com causas que contém a mesma questão de direito; além da
incorporação em seu texto entendimentos já consagrados na doutrina e na jurisprudência do
STJ e do STF.

Assim, o NCPC tem a seguinte configuração:

- PARTE GERAL (dedicada à formulação de regras sobre as Normas Processuais Civis.


Contém princípios e regras gerais, aplicáveis a todos os tipos de processo): está dividida em 6
Livros, quais sejam:

=> Livro 1: trata das Normas Fundamentais do Processo Civil;

=> Livro 2: da Função Jurisdicional;

=> Livro 3: dos Sujeitos do Processo;

=> Livro 4: dos Atos Processuais;

=> Livro 5: da Tutela Provisória;

=> Livro 6: da Formação, Suspensão e Extinção do Processo.

- PARTE ESPECIAL: contém 3 Livros, a saber:

=> Livro 1: do Processo de Conhecimento (tanto procedimento comum, como procedimentos


especiais, de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária);

=> Livro 2: do Processo de Execução;

=> Livro 3: dos Processos nos Tribunais e os Meios de Impugnação das Decisões Judiciais.

- LIVRO COMPLEMENTAR: das Disposições Finais e Transitórias

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