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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I

1 - Direito Processual Civil

1.1 - Noções gerais: Direito é o conjunto das normas gerais e positivas, disciplinadoras
da vida social. Para manter o império da ordem jurídica e assegurar a paz social, o
Estado não tolera a justiça feita pelas próprias mãos dos interessados. Divide, pois,
suas funções soberanas, em atividades administrativas, legislativas e jurisdicionais.

1.2 - Definição: ramo do direito público (ao lado do direito constitucional, do direito
administrativo, do direito penal, do direito processual penal etc.), representa o
conjunto de normas jurídicas que disciplinam a jurisdição (função atribuída ao Estado
de solucionar os conflitos de interesses), a ação (direito conferido a todas às pessoas,
de requerer a solução do conflito de interesses) e o processo (instrumento adequado
para a solução do conflito de interesses), criando os mecanismos necessários para
permitir a eliminação dos conflitos de interesses (lides, brigas, divergências) (Definição
do doutrinador Misael Montenegro Filho).

Obs.1:
Ação = direito conferido a todas às pessoas, de requerer a eliminação do conflito de
interesses.
Jurisdição = poder conferido ao Estado, de resolver os conflitos de interesses.
Lide = conflito de interesses, briga, divergência, como a invasão de um imóvel, o não
pagamento de aluguéis, o atropelamento de pessoa na via pública, a colisão entre dois
veículos.
Processo = instrumento utilizado pelo Estado para resolver os conflitos de interesses.
Procedimento = forma como os atos são praticados no curso do processo.

Obs.2: Enquanto o direito material (ex.: direito civil) cuida de estabelecer as normas
que regulam as relações jurídicas entre as pessoas, o processual visa a regulamentar
uma função pública estatal. No caso do direito processual civil a regulamentação é da
jurisdição civil.
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1.3 - Natureza e Autonomia do Direito Processual Civil: O direito processual civil


pertence ao grupo das disciplinas que formam o Direito Público, pois regula o exercício
de parte de uma das funções soberanas do Estado, que é a jurisdição. Não se pode
deixar de constatar que, mesmo quando o conflito de interesses é eminentemente
privado, há no processo sempre um interesse público, que é o da pacificação social e o
da manutenção do império da ordem jurídica, mediante realização da vontade
concreta da lei. O Direito Processual goza de autonomia legislativa e cientifica,
revelando-se verdadeiro ramo do direito público destinado ao estudo e a
sistematização das regras que norteiam a atividade do Estado na solução dos conflitos.

1.4 - Objetivo: tem por fim de resguardar a própria ordem jurídica, de modo que, ao
pacificar os litígios, o órgão jurisdicional cumpre função eminentemente pública,
assegurando o império da lei e da paz social.

1.5 – Relação do Direito Processual Civil com outros Direitos: O direito, mesmo com
suas subdivisões, forma um conjunto maior, com objetivo de regular a convivência
social. Por isso, apesar de autônomos, haverá sempre uma interligação, traços comuns
ou algum tipo de dependência.

a) Direito Constitucional: vez que, como cuida de função soberana, suas atribuições e
limites estarão localizados na CF.

b) Administrativo: normas relativas aos seus funcionários (auxiliares da justiça –


organização, sanções, penalidades, etc.)

c) Direito Penal: se relaciona tendo em vista que algumas condutas eventualmente


realizadas durante o processo podem configurar delito tipificado pelo direito penal
(como falso testemunho, falsa perícia) tendo todo um capítulo para os crimes contra a
administração da justiça (arts. 338 a 359, CP).

d) Processo do Trabalho: aplica o CPC subsidiariamente.

Obs.: Guarda relações com o direito privado (civil/empresarial e comercial).


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1.6 - Fontes do Direito Processual Civil: fonte é tudo aquilo que se constitui como
embasamento para a solução dos conflitos de interesses. As do direito processual civil
são a lei (direito escrito), os costumes (práticas reiteradas por membros da sociedade),
a doutrina (lições de estudiosos) e a jurisprudência (julgamentos proferidos pelos
tribunais).
1.6.1 - Fonte formal primária: A lei é fonte primária do direito processual civil, já que é
nela que encontramos a regra necessária à solução dos conflitos de interesses.

Obs. Fontes Secundárias: analogia (método de interpretação jurídica utilizada quando,


diante da ausência de previsão específica em lei, aplica-se uma disposição legal que
regula casos idênticos, semelhantes, ao da controvérsia), costume (uso reiterado, da
repetição constante e uniforme de determinado ato social), princípios gerais do direito
(são enunciados normativos, de valor muitas vezes universal que orientam a
compreensão do ordenamento jurídico, art. 4°, LINDB), etc.

1.6.2 - Fontes não formais: doutrina e jurisprudência.

1.7 - Evolução Histórica do Direito Processual Civil (resumo): encontra suas bases no
Direito Romano, cujo processo se desenvolveu em 3 (três) fases, que, em seu conjunto,
denominou-se de IMANENTISTAS (direito processual imanente, dependente do direito
material):

a) primitiva ou das legis actiones (das ações da lei): havia 5 (cinco) ações da lei, as
quais deviam ser manejadas pelas partes com muito rigor e formalismo, sob pena de
perder a demanda caso se equivocasse em uma palavra ou gesto (não havia
advogados).

b) período formulário: com a expansão do Império, o manejo das 5 (cinco) ações da lei
ficou limitado. O magistrado, agora, examinava a pretensão do autor e a defesa do réu,
e concedia uma fórmula de ação capaz de compor especificamente o conflito (ele
fixava o objeto do conflito, cabendo ao árbitro, escolhido entre os cidadãos, o
julgamento da causa – semelhante ao instituto do Júri Popular). Já havia advogados e
princípios do livre convencimento do juiz e do contraditório.
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c) fase da cognitio extraordinária: desaparecem os árbitros, surgindo a figura do juiz


como o único investido do poder jurisdicional. O procedimento passa a ser
eminentemente ESCRITO, compreendendo desde o pedido do autor até a sentença e
sua execução. Porém, com a queda do Império, já no período medieval, o processo
civil sofreu um retrocesso ao ser influenciado pelo direito do povo bárbaro-germânico,
caracterizado pelo formalismo exacerbado, fanatismo religioso e misticismos. Foi
nesse contexto que surgiram os chamados “juízos de Deus”, “duelos judiciais” e
“ordálias”.
O processo era FORMAL, e as provas produzidas deviam ser interpretadas segundo
regras legais, não possibilitando qualquer participação do juiz. Este só reconhecia o
cumprimento/realização da “prova” e fixava a sentença segundo as regras do direito
positivo. Não se buscava a verdade real, mas a formal, pois se acreditava na
INTERFERENCIA DIVINA nos julgamentos (autênticos jogos de azar ou rituais de
bruxaria).
Entretanto, com o fim de preservar o direito romano, surge o Direito Canônico e o
direito desenvolvido pelos glosadores nas Universidades, que, em conjunto com o
direito germânico, formaram o chamado PROCESSO COMUM, que vigorou desde os
séculos XI até XVI.
O processo comum era escrito, lento e extremamente complicado. Mas, dele se
extraíram as características que, aperfeiçoadas, inspiraram o processo moderno.
Foram abolidas as ordálias e juízo de deus, mas a tortura continuou até o século
passado, como meio de obtenção da verdade. Somente após a Revolução Francesa
retomou-se o conceito de livre convencimento do juiz, relativamente às provas,
eliminando a tarifa legal, primeiramente no processo penal, depois no civil.

Obs.: Além dessas 3 (três) fases, o Direito Processual Civil conheceu outras duas:

 CIENTÍFICA ou MODERNA (expoentes: Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti,


Liebman): com ela desenvolveu-se a teoria do processo como relação jurídica,
e não mais como contrato; o direito processual passou a ser compreendido
como ramo autônomo e público; as provas deixaram de ser tarifadas e
passaram a ser valoradas pelo juiz segundo critérios próprios (deixando de
atuar como expectador da vitória do mais hábil), tendo amplos poderes,
inclusive, na sua produção; etc.
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 INSTRUMENTISTA ou ATUAL: processo passa a ser visto como instrumento


não só de realização dos interesses particulares, como também de pacificação
social e realização da lei. Mas, apesar de instrumental (meio para se atingir um
fim – solução do litígio), exige-se que o processo seja efetivo, realizador de
justiça, em tempo hábil e com o menor dispêndio possível. Pode-se dizer,
resumidamente, que o processo de hoje e do futuro buscam: facilitação do
acesso à justiça; duração razoável do processo; instrumentalidade; tutela de
interesses coletivos e difusos; universalização; constitucionalização do direito
processual; e efetividade do processo (GONÇALVES, 2015, p. 44).

1.8 - Direito Processual Civil Brasileiro: até a independência (1822), vigorou no Brasil a
legislação portuguesa, consistente nas chamadas Ordenações do Reino (Ordenações
Afonsinas, de D. Afonso V, de 1446; as Ordenações Manuelinas, de D. Manuel, de
1521; e as Ordenações Filipinas, de Filipe II, de 1603). Tinham por principais
características:
a) forma escrita, o juiz só podia apreciar o que estava nos autos (verdade formal);
b) as partes não participavam da inquirição de testemunhas;
c) princípio do dispositivo: autor e réu eram os donos do processo, cuja
movimentação era privilégio das partes.
Em 1850, o Brasil editou o Regulamento n. 737, o primeiro Código Processual
nacional, que visava regular apenas as causas comerciais. Já no período republicano, o
referido regulamento alcançou também as causas cíveis, por força da alteração dada
pelo Regulamento n. 763, de 1890.
Logo após, em 1891, a Constituição estabeleceu a divisão da Justiça Federal e
Estadual, e, consequentemente, o poder de legislar sobre processo para cada esfera da
federação, dando surgimento a um Código Federal e a vários Códigos estaduais, que
acabaram por ser repetições do primeiro.
Todavia, a Constituição de 1934 pôs fim aos códigos estaduais, atribuindo
exclusivamente à União a competência para legislar sobre processo. Desta feita, uma
comissão foi formada para a elaboração de um código unitário, o que redundou no
surgimento de nosso primeiro CPC (Código de Processo Civil) em 1939.
Após 33 anos em vigor, o CPC foi totalmente reformado, com base no
Anteprojeto do Ministro Alfredo Buzaid, destaque da Escola Paulista de Direito e
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discípulo direto do processualista italiano Enrico Tullio Liebman (radicado no Brasil no


período da 2ª Guerra Mundial, viendo aqui falecer). Daí surgiu o CPC, a Lei n. 5869, de
11.01.1973, que era composto de 5 Livros.
Todavia, tantas reformas e as mudanças próprias da sociedade
tornaram recomendável a edição de um novo código. Assim, por iniciativa de uma
comissão de juristas, presidida pelo então Ministro do STF, Luiz Fux, foi levado ao
conhecimento do Senado Federal, em 2010, o Projeto de Lei nº 166, que, depois de
passar pelas 2 casas legislativas, foi aprovado em dezembro de 2014 e sancionado pela
Presidente da República em março de 2015, convertendo-se na Lei n. 13.105/15 – o
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/NCPC, com vigência desde 18/03/16.
Dentre as alterações, pode-se destacar tanto a de cunho organizacional, com
a previsão inédita de uma parte geral e uma parte especial, quanto à de cunho
material, com o maior rigor nas fundamentações judiciais; a unificação das tutelas
cautelar e antecipada sob a rubrica “tutelas de urgência”; a consagração de um
processo sincrético; a força dos precedentes judiciais; o fortalecimento dos meios de
solução consensual dos conflitos; o fim do juízo de admissibilidade pelo juízo de
origem nos recursos; a solução coletiva de ações e recursos repetitivos, evitando o
abarrotamento dos tribunais com causas que contém a mesma questão de direito;
além da incorporação em seu texto entendimentos já consagrados na doutrina e na
jurisprudência do STJ e do STF.

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