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PARTE I: INTRODUÇÃO
1. Preliminares
• Propósito da Parte Introdutória: compreender o objecto de estudo, o âmbito, as
funções e a importância da TGDC.
• Pré-compreensão: - Divisão do Ordenamento jurídico e do Direito Privado
• Necessidade de revermos alguns conceitos, tais como:
- o conceito de direito;
- seus sentidos
- suas divisões ou especializações
2. Conceito de Direito:
• O Direito como fenómeno humano (muitas vezes oculto) e cultural (ubi homo ibi
ius)
• Dificuldade de se definir o direito.
• Noção normativa: conjunto de normas impostas coactivamente pelo Estado (ou
normas de tutela coactiva) e que visam disciplinar as relações sociais de um
determinado grupo de pessoas, com vista a garantir a harmonia, a paz e o
desenvolvimento.
• Outras noções:
- Guia de acção e de decisão para resolver conflitos (FUNÇÃO REPRESSIVA)
- Meio para organizar o convívio entre os homens, como se este não fosse possível
sem a lei positiva. CRÍTICA: o direito não está todo escrito.
- Meio de que os governantes se servem para dominar os governados
- Conjunto das decisões dos tribunais ou o que um juiz dita como justo;
- Direito como “conjunto de condições sob as quais o arbítrio de um se pode
harmonizar com o arbítrio de outro, segundo uma lei universal da liberdade”
(Immanuel Kant)
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Noção clássica do direito subjectivo: a faculdade ou o poder atribuído pela ordem jurídica
a uma pessoa de exigir ou pretender de outra um determinado comportamento positivo
(fazer) ou negativo (não fazer) ou de, por um acto de sua vontade – com ou sem formalidades
– só de per si ou integrado depois por um acto de autoridade pública (decisão judicial,)
produzir determinados efeitos jurídicos que se impõem inevitavelmente a outra pessoa
(adversário ou contraparte)- MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da
Relação Jurídica, cit., vol. Nº I - 2.
• Nem todo o poder se traduz num direito subjectivo. Tal é o caso do poder paternal
e do poder tutelar, que devem ser exercidos, não no interesse do titular do poder,
mas sim no de outra pessoa (o menor e o tutelado, respectivamente).
• Relação entre o direito objectivo e o direito subjectivo: apesar de ter constituído
objecto de controvérsia doutrinária, hoje não se reveste de grande importância
prática. Todavia, são consideradas as seguintes relações:
- Ralação de derivação e protecção: a tradição jurídica mais difundida considera
que o direito subjectivo é uma faculdade que é atribuída pelo direito objectivo e é
por este protegido mediante a atribuição de direitos e a imposição de vinculações
correlativas;
- Relação de interdependência/tensão e conexão: o direito objectivo tem a sua
razão de ser no direito subjectivo e vice-versa; os dois se condicionam;
mutuamente. O direito objectivo e o subjectivo se dirigem à mesma realidade, são
dois aspectos da mesma realidade ou a mesma realidade sob dois aspectos
diferentes.
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Relevância da distinção:
a) A distinção tem relevância para determinar a competência dos tribunais para
dirimir os conflitos que são submetidos à sua apreciação.
b) Interesse científico: a distinção está largamente difundida e serve para a
sistematização e arrumação lógica e separação dos grandes grupos de normas
jurídicas.
c) Serve de critério para demarcar as áreas de estudos jurídicos especializados (pós-
graduação, mestrado, doutoramento).
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Direito adjectivo:
Os ramos do direito material visam prevenir os conflitos, mas nem sempre os evitam.
Os homens, amiúde, entram em conflito uns com os outros e com a sociedade. Ora, em
virtude do princípio do monopólio estadual da função jurisdicional, é proibido aos
particulares o recurso à justiça própria; só ao Estado compete fazer justiça, mediante os
órgãos competentes, nomeadamente os tribunais e outras instâncias extrajudiciais criadas
para o efeito, e mediante um processo tendente a dirimir os conflitos.
Ao conjunto de normas que estabelecem o processo, a forma, o caminho a seguir na
resolução destes conflitos se chama Direito Adjectivo ou Processual. Por outras palavras, o
Direito Processual é o sistema de normas jurídicas que regulam os actos e as formalidades
tendentes à determinação da regra do direito material a aplicar ao caso que tenha sido
submetido à apreciação do Tribunal. Por dizer respeito à forma (no sentido de processo), o
direito processual é, outrossim, designado direito formal.
Nota: O direito material pode ser público ou privado. O direito processual é todo ele público.
Isto resulta do princípio do monopólio estadual da função jurisdicional.
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Ao Código de Ferreira Borges (1833), sucedeu o Código de Veiga Beirão (1888), assim conhecido por ter
sido promovido pelo então Ministro da Justiça de Portugal, Veiga Beirão. Este Código é de feição
objectivista, ao passo que o Código de 1833 é subjectivista. Esta caracterização tem que ver com a
concepção que se tinha ou se tem do objecto de regulação. Para os subjectivistas, a Lei comercial regula os
actos e as actividades dos comerciantes, ligadas ao seu comércio; para a concepção objectivista, a Lei
Comercial rege os actos de comércio independentemente da qualidade das pessoas que neles intervêm, isto
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Privado comum ou geral, por oposição ao Direito Privado especial ou aos direitos privados
especiais.
Ramos do Direito Privado Especial: Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito da
Família, Direitos de Autor, o Direito da Propriedade industrial, o Direito Agrário, o Direito
das Sociedades Comerciais, o Direito dos Seguros, o Direito Bancário, etc.
Ramos do Direito: Direito das Obrigações, o Direito das Coisas, Direito das Sucessões e
a legislação Civil conexa.
O Direito Civil é chamado direito privado geral ou comum pelas seguintes razões:
a) ele representa o núcleo de todo o Privado; constitui o depósito dos grandes
princípios gerais e dos conceitos mais importantes aplicáveis a todos os ramos do
Direito Privado e à generalidade das ralações jurídicas privadas, e não só);
b) porque se aplica aos indivíduo nas suas relações mais fundamentais, comuns, na sua
condição normal, diz respeito a todos seres humanos enquanto pessoas, acompanha-os
mais intensamente em toda a sua via, desde o nascimento até à morte; além do mais, atribui
direitos e impõe deveres sem ter em conta a sua categoria social, profissional, os títulos
culturais, nobiliárquicos, ou outros; é o direito de que todos participam;
c) é do direito subsidiário dos outros ramos do direito privado: sempre que os direitos
privados especiais não possam resolver determinados problemas ou questões, recorre-se
às técnicas, princípios e conceitos do Direito Civil (verbi gratia, os conceitos de
personalidade jurídica, capacidade jurídica, nulidade, anulabilidade, inexistência, vícios dos
negócios jurídicos, os conceitos dos contratos, etc.).
- A Lei da Boa Razão (LBR) e a sua importância para a história do Direito Civil.
- O Código Civil de 1867 (Código de Seabra) e o Código Civil Francês, de 1804: influências,
semelhanças e diferenças.
é, para que um acto seja tido por comercial não é necessário que o seu agente seja comerciante. Basta que
a lei o qualifique como acto de comércio. O Código Comercial vigente em Angola é o Código de 1888,
apesar de ter sofrido alterações pontuais através da Lei 06/03.
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- Fontes Instrumentais do Direito Civil: a Lei (Constituição, Código Civil e legislação civil
conexa, costume, usos, doutrina, jurisprudência, assentos).
O Código Civil de 19662 adoptou o modelo do Código Civil Alemão, conhecido pela sigla
BGB, acrónimo de Burgerlisches Gesetzbuch (literalmente, livro das leis que dizem respeito
aos cidadãos), em vigor desde 1 de Janeiro de 1900. Por sua vez, o BGB, fruto do labor
científico da Pandectística Germânica3, segue, em linhas gerais, e de acordo com o Plano de
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Conhecido como “Código de Varela”, pelo facto de a fase final da sua elaboração, principalmente a
revisão, ter sido dirigida pelo jurista João de Matos Antunes Varela que era, nessa altura, por sinal, o
Ministro da Justiça de Portugal de 1954 a 1967.
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Designa os cultores da ciência jurídica alemã do século 18 e 19 que divulgaram e modernizaram o Direito
Romano, mormente as Pandectas ou o Digesto. Para entender o significado da expressão, é mister recorrer
à história do Direito Romano. O Direito Romano escrito teve um período de evolução longo, que percorreu
quatro etapas: até 510 a.C (o Reino); de 510 a 31 a.C (a República), de 31 a.C. até 300 d.C. (o Período
Imperial ou Alto Império, ou ainda o período Clássico do Direito Romano), criação que dura um milénio,
desde a época da república (510 – 31 a.C.), passando pelo período imperial (31 a.C – 300 d.C) e de 300 a
536 d.C. Na primeira etapa, o Direito Romano era consuetudinário. Durante o período imperial, também
conhecido como o período clássico, encontramos eminentes jurisconsultos, tais como Gaius e Ulpianus. A
estes se devem as Institutiones, um compêndio e um manual de direito destinado ao ensino do Direito. As
Institutiones vieram a ser integradas no Corpus Iuris Civilis. Este era composto por partes: Institutiones,
Digesta ou Pandectae, o Codex e as Novellae. O Digesto (ou Digesta) ou Pandectas é uma compilação ou
conjunto de fragmentos e extractos de textos de direito de jurisconsultos sobre várias matérias (Direito
Privado, direito processual, direito administrativo e direito penal). A palavra “digesto” vem do latim
digerere =digerir, dissolver, pôr em ordem, organizar ou classificar. A palavra “pandectas” é o nome grego
correspondente à compilação. O conteúdo do Digesto é, portanto, o direito contido nas obras dos
jurisconsultos romanos. A comissão encarregue da compilação era presidida por Triboniano, ministro da
justiça do imperador Adriano. Triboniano era professor de direito da escola de Constantinopla e
jurisconsulto de grande mérito que, em 530 d. C., através de Constituição “Deo auctore de conceptione
Digestorum”, recebeu do Imperador Adriano, poderes e a tarefa de constituir uma comissão de 16
membros; comissão compulsou cerca de dois mil livros, compilou extractos de 39 jurisconsultos, sendo o
Digesto composto de 50 Livros, subdivididos em cerca de 1.500 títulos. O Digesto foi promulgado em 533
d. C. (Consultar a Enciclopédia virtual Wikipédia). O Codex era uma colectânea das Constitutiones de
todos os imperadores (do Imperador Adriano ao Imperador Justiniano). As Novellae continham apenas as
Constitutiones do Imperador Justiniano). Cada uma destas partes tinha um modo próprio de organização.
As Pandectas dividiam-se em 5 secções. A primeira secção continha os princípios gerais sobre o direito e
a jurisdição; a segunda secção dizia respeito à protecção jurídica da propriedade e dos outros direitos reais;
a terceira secção versava sobre as Obrigações e o Contratos; a 4ª Secção era relativa à Obrigações e a
Família; a 5ª Secção era sobre a herança, o legado, os fideicomissos. O Digesto tinha ainda outras duas
secções referentes a institutos diversos. O Corpus Iuris Civilis é o instrumento que está na base do Direito
Europeu Continental. Serviu como modelo de organização. O Direito Romano contido no Corpus Iuris
Civilis veio a ser recebido como direito vigente a partir do século 12 em vários países europeus e serviu de
objecto de estudo da ciência jurídica. Foi estudado e difundido na Idade Média sobre tudo através da
Universidade Bolonha (Itália) e mais tarde através do Direito Canónico. Destacaram-se no seu estudo várias
escolas: a Escola Francesa, que estudou o direito romano como ciência mundial, a Escola Prática alemã
(séc. 16-18), cujo objectivo era adaptar o Direito Romano às necessidades práticas alemãs e combiná-lo
com o direito germânico, a Escola do Direito Natural, (Séc. 17 e 18), que sublinha a necessidade da
conformidade do Direito Positivo ao Direito Natural, e a Escola Histórica do Direito (séc. 19) que procurava
o conhecimento do Direito Romano puro do Corpus Iuris Civilis. Esta escola afastou o chamado “usus
modernus pandectarum” (uso moderno das pandectas, tradução literal) que era o direito comum vigente na
Alemanha. O seu grande representante é o Jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-1861), cuja
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Friedrich Carl Von SAVIGNY, jurista alemão, o sistema das Pandectas. O Código Civil recebe,
assim, uma influência do BGB. Esta influência pode ser vista, fundamentalmente, em dois
aspectos: um interno e outro externo.
Do ponto de vista interno, o Código Civil recebeu do BGB as seguintes notas
características:
a) a sua técnica legislativa usa normas gerais e abstractas;
b) uso de uma linguagem técnico-jurídica abstracta;
c) uma sistematização lógica e clara com uma conceitualização precisa;
d) uso de conceitos jurídicos indeterminados e de cláusulas gerais;
e) influência da moral na lei, ilustrado pela imposição de princípios como o da boa-fé e
do respeito pelos bons costumes; influenciado personalismo ético da filosofia kantiana.
Do ponto de vista externo, o Código Civil seguiu a mesma arrumação que o BGB, embora
não haja uma coincidência absoluta nos conteúdos. Assim, tal como o BGB, esta arrumação
traduz-se na repartição do Código Civil em cinco4 livros, dos quais o primeiro é a uma
parte geral, seguida de partes especiais. Esta forma de arrumação das matérias é própria da
Pandectística Germânica.
obra principal se intitula Sistema do Direito Romano Hodierno (System des Heutigen Romischen Rechts).
Savigny foi um grande estudioso e professor do Direito Romano. Foi esta escola que teve grande influência
no BGB, porque o seu esquema de exposição das matérias obedece ao Plano de Savigny, que por sua vez,
adoptou o sistema das Pandectae, cuja característica principal é fazer preceder as partes especiais de uma
parte geral, à semelhança do Digesto. O Código Civil de França, por exemplo, adoptou o sistema
desenvolvido por Gaius, composto por Livros (1º Livro – pessoas; 2º- coisas, propriedade, outros direitos
reais e testamentos; 3º- Sucessão intestata, obrigações em geral, obrigações contratuais; 4º- Obrigações
delituais, acções (actiones) do processo civil e direito criminal.
4
O Código Civil contém quatro livros, em virtude de o Código da Família (antigamente Livro III) ter sido
retirado pela Lei 1/88, de 20 de Fevereiro.
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Segundo HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil, ci. , pág. 119.
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Secção 3ª Das obrigações Livro III Direito dos Bens Livro Direito das Coisas
e dos contratos III
Secção 4ª Obrigações e Livro IV Direito da Família Livro Direito da Família
família IV
Secção 5ª Herança, Livro V Direito das Livro Direito das
legados e Sucessões V Sucessões
fideicomissos
Mais Sobre diversos
duas institutos
secções heterogéneos
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Numa perspectiva puramente filosófica, a relação entre obrigação e dever jurídico é muito estreita.
Immanel Kant vê na obrigação “a necessidade de uma acção livre sob um imperativo categórico da razão.
O imperativo categórico é uma prerrogativa prática mediante a qual se torna necessária uma acção em si
contingente…. O dever é á acção a que alguém está obrigado. É, pois a matéria da obrigação, e pode ser
o mesmo dever (segundo a acção), embora possamos a ele estar obrigados de modos diversos”. Disto
podemos inferir que a obrigação é algo mais amplo do que o dever; este é gerado por aquele já que este é
apenas o modo de realização da obrigação.
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Este poder imediato sobre as coisas não pode ser concebido em termos literais; por isso, a noção do direito
real não é rigorosa, na medida em que, literalmente, não existe uma ligação imediata entre a pessoa e a
coisa. O direito não se liga imediatamente às coisas, mas sim às pessoas; de contrário, o direito real
significaria a obrigação de uma pessoa relativamente às coisas e vice-versa, o que é um absurdo. Como diz
I. KANT, “é…absurdo imaginar a obrigação de uma pessoa relativamente a coisas, e vice-versa; de
qualquer forma, é lícito, mediante tal imagem, tornar sensível a relação jurídica e assim se expressar”
(Metafísica dos Costumes, op. cit. Pág. 70). O direito real é o direito ao uso privado de uma coisa e que me
dá a faculdade de excluir qualquer outra pessoa, qualquer outro possuidor do uso privado da coisa. O direito
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directo adquirido sobre os bens e que confere ao seu titular uma supremacia sobre
todas as outras pessoas (erga omnes), no sentido de que gera um dever geral de
abstenção ou obrigação passiva universal sobre todas as pessoas. Por isso, soe dizer-
se, igualmente, que os direitos reais são absolutos. Quanto aos tipos de direitos reais, ver
adiante o capítulo relativo ao princípio da propriedade privada.
- Livro V - Direito das Sucessões ( art. 2024º - 2334º): trata-se do conjunto de
normas e princípios jurídicos que regulam a transmissão mortis causa (causada pela morte
de uma pessoa) da totalidade ou de parte do património (herança) que a ela pertencia aos
sucessores, designados por lei ou pelo de cujus8. Nos termos do artigo 2024º do Cód. Civil, a
sucessão é “o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais de uma pessoa falecida e a devolução dos bens a ela pertencentes”. Diz-se “das
relações jurídicas patrimoniais”, porque, rigorosamente falando, o objecto da sucessão são
os direitos e as obrigações que incidem sobre os bens deixados por uma pessoa falecida. Por
isso, não se herdam apenas os bens (direitos), mas também as responsabilidades assumidas
sobre tais bens. Assim, o Direito Sucessório define as responsabilidades dos herdeiros.
real não é mais do que o direito de uma pessoa perante outras, que se devem abster de qualquer acção que
ponha em causa o exercício do direito pelo seu titular.
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Abreviação latina da alocução is de cuius hereditate agitur, que significa aquele de cuja herança se trata.
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Advirta-se, outrossim, que não se trata de uma Teoria Geral do Direito. Esta é uma
designação própria de uma disciplina que estuda o Direito na perspectiva filosófica, que não
é a da TGDC.
É corrente dizer-se que a IED constitui a precedência da TGDC. A IED é uma introdução
ao Direito como um todo; a TGDC tem a missão e o condão de introduzir o estudante num
dos grandes ramos ou divisões do Direito, isto é, o Direito Privado, e, dentro deste, no Direito
Civil. Todavia, ao fazê-lo, a TGDC não estuda nenhum dos ramos do Direito Civil em
particular; dedica-se, apenas, ao estudo da Parte Geral do Código Civil. É nesta parte
que estão concentrados os princípios, as regras, noções e conceitos comuns a todos os ramos
do Direito Privado, e não só.
Deste modo, A TGDC não cuida de resolver problemas específicos do Direito Civil, mas
apenas “caracterizar figuras, equacionar problemas, formular soluções respeitantes a todo
domínio do Direito Civil… à generalidade das normas do Direito Civil ou à generalidade das
relações jurídico privadas9. A TGDC não visa estudar a relação jurídica obrigacional, real,
sucessória, em concreto, mas analisa, regula a relação jurídica em si, seja ela de natureza
obrigacional, real ou sucessória, ou ainda de algum ramo do Direito Privado especial ou
mesmo do Direito Público. Estuda as condições necessárias para que esta relação jurídica se
possa considerar constituída, válida e com os efeitos pretendidos. Estuda os elementos
constantes em todas situações jurídicas. É claro que nestes domínios, as relações jurídicas
ganharão contornos e variantes próprias, que constituirão desvios dos princípios contidos
no Direito Civil.
O Direito Civil é o núcleo de todo o Direito; os princípios do Direito Civil são disponíveis
para todos ramos do Direito, que se aplicam enquanto não forem afastados. E porque estes
princípios, conceitos e regras estão contidos na Parte Geral do Código Civil, então a Teoria
Geral do Direito Civil tem por objecto a Parte Geral do Código Civil.
O estudo da Teoria Geral do Direito Civil e a consagração de uma Parte Geral no Código
Civil não são isentas de críticas, na doutrina. Houve, na história da evolução do Direito e da
doutrina, quem questionasse a necessidade da existência tanto de uma disciplina com o
nome de Teoria Geral do Direito Civil, assim como de uma parte peral no próprio Código
Civil, alegando: a) que a Parte Geral é muito abstracta; b) que o estudo do Direito não pode
começar com teorizações, o que levaria os estudantes de Direito a formar uma visão
conceptualista doeste; e que c) os tais princípios da parte geral sofrem desvios importantes
nas partes especiais. Houve mesmo quem sugerisse distribuir tais regras pelas partes
especiais.
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Carlos Alberto da C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., pág. 17.
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Embora tais críticas sejam pertinentes, elas não são de sobrevalorizar, porquanto: a) as
abstracções são próprias da ciência e são necessárias para dotar o estudante do poder de
profundidade de análise, do rigor técnico, facilitar a tarefa da compreensão e da
interpretação da lei – este é, aliás, o mérito e o objectivo da Teoria Geral do Direito Civil; b)
a existência de desvios não significa que não exista um fundo comum bastante apreciável,
constituído por um conjunto de denominadores comuns a todas as partes especiais. Aliás,
os desvios só confirmam os princípios, como diz o ditado popular, “a excepção confirma a
regra”; c) embora se trate de uma teoria geral, o estudo dos conceitos, dos princípios e das
regras gerais não se pode fazer senão ilustrando-os com as regras e os exemplos práticos
tirados das partes especiais.
PARTE II
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CIVIL
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1. Considerações gerais
Para que um ramo de direito seja considerado como tal, é necessário que tenha
princípios próprios, além de uma legislação própria.
O Direito Civil, enquanto ramo de direito, não foge a esta regra. Aliás, o Direito Civil
é um conjunto de ramos de direito. Por isso, ele tem princípios próprios.
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Este artigo reza o seguinte: “Considera-se nascimento de criança viva a expulsão ou extracção completa,
relativamente ao corpo materno e independentemente da duração da gravidez, do produto da fecundação
que, após esta separação, respire ou manifeste quaisquer sinais de vida, tais como pulsações do coração
ou do cordão umbilical ou contracção efectiva de qualquer músculo sujeito à acção da vontade, quer o
cordão umbilical tenha sido cortado, quer não, e quer a placenta esteja ou não retida”
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1º: no nosso ordenamento jurídico angolano, não se exige que o nado vivo tenha
hipótese de sobrevivência ou viabilidade; adquire-se a personalidade jurídica mesmo
contra a previsibilidade da sua morte dentro de poucos instantes11: “basta que a criança
tenha vivido um curtíssimo espaço de tempo” (HÖRSTER);
2º: Não se exige o nascimento com figura humana, pelo que facto de a criança ter
nascido com deformações não afecta a aquisição da personalidade jurídica. O legislador
traçou aqui um ponto de viragem em relação ao Código de Seabra (de 1867), que exigia, no
seu artigo 110º, nascimento com figura humana.
3º) A aquisição da personalidade jurídica, assim como a sua perda, para os seres
humanos, é um dado extra legal e extra jurídico: a personalidade jurídica é reconhecida
e não atribuída. Ao ordenamento jurídico não compete ajuizar da personalidade jurídica das
pessoas físicas; elas são pessoas por Direito Natural. A personalidade jurídica “é uma
qualidade que o Direito se limita a constatar e respeitar e que não pode ser ignorada ou
recusada”12. Neste contexto, o princípio da personalidade jurídica visou afastar ou excluir
as seguintes situações: a) a possibilidade da negação/recusa da qualidade de pessoa a
determinados seres humanos13; b) possibilidade de se fazer depender a aquisição da
personalidade jurídica do mero livre arbítrio do legislador ou dos detentores do poder
político, ou ainda de qualquer outro facto; c) possibilidade da perda da personalidade
jurídica por outros factos que não a morte: tal como a personalidade jurídica se adquire por
um simples facto natural, também só se pode perder por um facto natural (art. 68º C.C.).
Nota bene: há que notar, entretanto, que não há coincidência entre este sentido
técnico-jurídico (formal) e o sentido ético de pessoa 14.
11
França e Holanda (. 3º): é necessário que recém-nascido seja viável, isto é, apto para a vida; se nascer
com vida, a sua capacidade remontará à sua concepção.
Espanha, (Código Civil, art. 30): a) exige que o recém-nascido tenha forma humana e b) que tenha vivido
24 horas para que possa adquirir personalidade.
O Código Civil Suíço (art. 31) e o italiano (art. 1º), brasileiro, português, angolano: a personalidade jurídica
inicia-se do nascimento com vida.
12
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do direito Civil, cit. Pág. 35
13
Lembre-se de que a palavra pessoa tem uma origem teatral: a personna ersignava a máscara que os
romanos punham nas representações teatrais. Daí terá evoluído para o sentido de actor da vida jurídica.
14
A questão do momento em que se deve reconhecer a pessoa não se esgota no Direito, é uma questão
ética e filosófica. Sobre esta problemática, ver também Celestino Rafael (O humanismo personalista e o
personalismo cristão perante o aborto, Luanda, Janeiro de 2015).
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Por um lado, o conceito jurídico de pessoa tem um alcance que vai para além das
pessoas humanas, abrange também as pessoas colectivas (também conhecidas como
pessoas morais ou jurídicas, por oposição às pessoas naturais, físicas ou singulares). As
pessoas colectivas são organizações de pessoas e complexos de bens, visando a prossecução
de uma certa finalidade económica (lucrativa ou não) ou meramente social (egoísticas e
filantrópicas), às quais o Direito reconhece a qualidade de sujeito de direito 15.
Historicamente, este conceito nem sempre abrangeu todos os seres humanos (por exemplo,
os escravos, no Direito Romano, não eram considerados pessoas.
O sentido ético de pessoa tem um alcance maior do que o do sentido técnico, abrange
todos os seres humanos, desde a concepção até à morte.
Os direitos de personalidade:
A primeira consequência da personalidade é a titularidade de direitos de
personalidade (PAIS DE VASCONCELOS). Estabelecido o princípio do reconhecimento da
pessoa, impunha-se dotá-la dos meios convenientes e necessários à sua protecção. O
reconhecimento dos direitos de personalidade é, deste modo, um mecanismo técnico-
jurídico de tutela da personalidade, que se concretiza na imposição de deveres universais
de abstenção (ou obrigação passiva universal) e de sanções, geralmente de carácter civil,
mas algumas vezes do fórum criminal..
Enumeração (exemplificativa) dos direitos de personalidade: o direito ao nome
(art. 72-74 C.C.), o direito ao sigilo de correspondência (art. 75-78 C.C.; art. 34º CRA), o
direito à imagem (art. 78º C.C.), o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada), o
direito à vida (art. 495º C.C., art.30 CRA e art. 349 C. Penal, o direito à integridade moral,
intelectual e física (art.31º nº 1 CRA), o direito à identidade pessoal (art.32º nº 1 CRA), o
direito à honra, ao bom nome e à reputação (art. 79º nº 3 C.C.; 32º CRA), o direito à liberdade
e à segurança, (art. 36º nº 1 CRA) o direito a um ambiente sadio (art. 39 CRA). Nos termos
do nº 3 do art. 36 da Constituição da República de Angola, o direito à liberdade física e à
segurança individual abrange o direito a não ser sujeito a quaisquer formas de violência, o
direito a não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou
degradante, o direito de usufruir plenamente da sua integridade física e psíquica, o direito de
não ser submetido a experiências médicas ou científicas sem o consentimento prévio,
informado e devidamente fundamentado.
15
C.A. MOTA PINTO, op. cit. pág. 98.
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São absolutos: esta característica significa que os seus titulares podem opô-los a
todas as outras pessoas e produzem efeitos contra todos (erga omnes), o que, todavia, não
corresponde a afirmar o seu exercício esteja isento de controlo ou que os direitos de
personalidade não sejam susceptíveis de limitações. Tais limitações são de duas ordens, a
saber, limitações intrínsecas (resultantes do conteúdo que a lei lhes confere, isto é,
comportam sempre poderes e deveres) e limitações extrínsecas (que resultam da
16
Vide PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit. pág. 38.
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De acordo com este autor, às vezes se fala de direitos personalíssimos como sinónimo de intransmissíveis.
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José De Oliveira Ascensão, op. cit. pág. 76
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personalidade são anteriores a qualquer estruturação política da vida social, são anteriores
ao Estado e constituem emanações da personalidade humana em si, ou seja, decorrem
directamente da natureza humana. Por isso é são considerados, juridicamente, mecanismos
de tutela da personalidade, isto é, são verdadeiros modos de defesa da personalidade
humana.
19
Uma noção que, como todas ou quase todas as noções legais, não é completa, nem rigorosa.
20
C.A. MOTA PINTO refere alguns desses direitos de personalidade inominados, tais como a identidade
genética (questão dos clones), a auto determinação informativa, isto é, o controlo sobre os dados pessoais,
o direito ao sono, cuja defesa se torna cada vez mais necessária em face da cada vez mais crescente cultura
do barulho, o direito à saúde, ao repouso, o direito ao ambiente saudável (Nota: tutelado pelo Direito
Constitucional); o direito ao ambiente inclui o direito ao ar puro. Vejamos a prática crescente de as empresas
de saneamento depositarem lixos junto de habitações); a LAGMA (Lei das Actividades Geológicas e
Mineiras) impõe às empresas exploradoras de diamantes e de petróleo a obrigação, não só da reconstituição
dos solos, mas também a de realizarem investimentos sociais em beneficio das populações que vivem nas
zonas de exploração mineira.
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um círculo fechado; pelo contrário, constituem um círculo que se vai alargando de acordo
com a evolução que a consciência ético-juridica (modo de pensar) da comunidade vai
registando. Na linguagem de José De Oliveira Ascensão, o artigo 70º tem de ser considerado
necessariamente uma “Janela aberta”, abrangendo, não apenas os direitos estão previstos
na lei (v.g. direito à vida, à integridade física, à liberdade, à honra, ao nome, honra) como
também aqueles que não estão expressamente consagrados (v.g. o direito ao repouso e ao
sono, à integridade e ao património genético, etc.). Disto resulta que um direito de
personalidade não precisa de ser nominado e típico para ser considerado como tal.
Repetimos, preciso é, e basta, que se trate de um aspecto directamente ligado à natureza
humana. Resumindo, a lei protege, por via do artigo 70º, todos os direitos de personalidade,
os previstos e os não previstos no direito positivado; haverá todos os necessários à defesa
da personalidade. Este afirma ainda ser a atipicidade, em matéria dos direitos de
personalidade, uma excepção à regra segundo a qual os direitos absolutos são típicos e isto
constitui uma singular manifestação da importância da defesa da personalidade. Este
carácter excepcional manifesta-se, inter alia:
c): na a-tipicidade dos meios de protecção: no Direito Privado, o meio normal
(típico) de protecção das pessoas contra os actos que violem os seus direitos é a
responsabilidade civil (art. 483º C.C.), que se traduz na obrigação de indemnizar o lesado.
Segundo HÖRSTER, a violação dos direitos de personalidade dá lugar, além das providências
adequadas, à “responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade
por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art.70 nº2, em ligação
com os arts. 483ss), ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização
do risco e a existência de um dano (art.70º, nº2, em ligação com os arts. 499ss)”.
Outro meio de manifestação desta importância é o facto de a atipicidade se estender
aos meios de protecção da personalidade. Além dos meios gerais ou comuns da tutela de
direitos no Direito Civil, o legislador permite que o juíz tome as providências adequadas21 a
fazer “reparar”os danos provenientes da violação do direito, a fazer cessar uma ameaça
actual ou impedir uma ofensa iminente, contra a regra segundo a qual o juiz não pode criar
meios jurídicos, mas sim limitar-se ao que está estabelecido na lei;
d) na disponibilidade de um processo especial constante dos artigos 1474º a 1475º
do Código de Processo Civil, integrando-se nos processos de jurisdição voluntária – art.
21
Conferindo assim ao aplicador da lei um poder discricionário para ajuizar dos meios adequados o fim de
reparar o direito violado; o poder discricionário do juiz está aqui doseado com o dever do respeito ao
princípio da proporcionalidade entre a gravidade da violação e os meios para a sua reparação.
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1409ss CPC)22- que permitem ao juiz determinar tais providências) 23; de acordo com o
artigo 1410º do CPC, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de
legalidade estrita24, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais
conveniente e oportuna. De notar ainda que, nos termos do artigo 1475º do CPC, o legislador
não condiciona a decisão do juiz à contestação pelo demandado, mas apenas à produção das
provas necessárias; esta é uma excepção à regra, consagrada no nº 1 (in fine) e nº 2 do artigo
3º do CPC, segundo o qual “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção
pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente
chamada para deduzir oposição”. No. 2: “Só em casos excepcionais previstos na lei se podem
tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida”.
e) na irrenunciabilidade, intransmissibilidade e imprescritibilidade; 6º na
revogabilidade a todo o tempo das limitações voluntárias, entre outras coisas
f) no facto de os direitos de personalidade gozarem de protecção também
depois da morte do seu titular (art. 71º nº 1). Este número suscitou leituras diferentes na
doutrina. Segundo o professor C.A. MOTA PINTO, a formulação contida naquele número é
infeliz, uma vez que em consequência da cessação da personalidade jurídica com a morte
(art. 68 nº 1), com a qual se extinguem também os direitos de personalidade, a tutela incide
sobre os direitos e interesses da pessoas mencionadas no nº 2 do mesmo artigo.
Para José De Oliveira Ascensão, embora os direitos de personalidade se extingam de
facto com a morte, a sua tutela jurídica pode continuar mesmo depois dela. Por isso, essa
norma visa proteger não só os interesses e os direitos das pessoas indicadas no número 495
e 496 do C. Civ., mas visa proteger também o princípio do respeito pela memória das pessoas
falecidas, que é um princípio imperante em todas as sociedade civilizadas 25.
Em caso de lesão de que provenha a morte, o direito passa para as pessoas indicadas
no art. 495 e 496, sendo que a indemnização deverá incluir os danos patrimoniais e não
patrimoniais.
22
Os processos de jurisdição voluntária caracterizam-se pelo facto de o seu objecto não ser um litígio, como
nos outros processos, por um lado e pelo facto de neles o tribunal poder investigar livremente os factos,
coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher informações convenientes (art. 1409 nº 2).
23
O texto do autor deixa ver que não é por acaso que a lei não menciona as chamadas providências
cautelares.
24
Trata-se de uma excepção à regra
25
Vide, a este respeito, o capítulo referente ao termo da personalidade jurídica, designadamente sobre os
efeitos jurídicos da morte.
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O consentimento esclarecido pode ser oral ou escrito, mas também pode ser
inferido de um comportamento. O consentimento pode ser expresso, tácito ou presumido.
Será expresso ou tácito consoante ele seja prestado directamente ou indirectamente. Alerta-
se, desde já, para perigo de se confundir consentimento expresso com o consentimento
escrito. O consentimento, tanto oral como escrito, pode ser expresso ou tácito, consoante
ele seja prestado de forma directa ou indirecta (Vide matéria sobre as formas da declaração
negocial). O consentimento expresso é aquele que é prestado de forma directa; o
consentimento tácito é manifestado de forma indirecta e resulta, geralmente, de uma
inferência do comportamento observado anteriormente.
O consentimento presumido supõe a impossibilidade de o titular do direito o
poder prestar directamente e resulta de uma conjectura (especulação), de se presumir ser a
vontade do titular do direito lesado - no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade
presumível (art. 340º nº 3).
Por via de regra, o consentimento deve ser expresso. Mas pode, em determinados
casos, ser prestado tacitamente26. Em outros casos, é presumido. Note-se que só se pode
apelar ao consentimento presumido quando as circunstâncias objectivas não permitam o
consentimento expresso, como por exemplo, em caso de tratamento médico, em estado de
inconsciência, ou quando o diagnóstico seja tão sensível que o paciente possa ser
prejudicado pela informação relativa ao processo e ao risco do tratamento, casos em que o
médico deverá sempre esclarecer, no lugar do paciente, os seus parentes mais próximos e
26
HÖRSTER refere, a este propósito, as seguintes situações em que o consentimento é tácito: “os
praticantes de um desporto perigoso consentem em lesões que possam acontecer, não obstante a observação
das respectivas regras; quem aceitar um transporte gratuito (“boleia”) consentirá em lesões sofridas apesar
de terem sido observadas as regras de trânsito…. por outro lado, quem pratica desportos violentos ou quem
aceitar um transporte gratuito, correndo riscos patentes (p. ex., o condutor está bêbado; o meio de transporte
não oferece condições de segurança, etc.), age por risco próprio, não se podendo falar neste caso de
consentimento…O tratamento médico carece de consentimento, regularmente, expresso, da parte do
paciente. O médico nunca pode pressupor consentimento tácito, se o tratamento exceder aquilo que o
doente, segundo a sua condição, é capaz de prever. Assim, o médico tem por princípio esclarecer o
doente…”. O artigo 31º do Código Deontológico e de Ética Médica reza o seguinte:
2. O consentimento de crianças, menores ou incapacitados, é, em princípio, pedido aos pais, parentes mais
próximos ou representantes legais, salvo quando exista conflito entre os familiares e o médico assistente,
em situações graves e de emergência, para as quais deverá recorrer-se a decisão judicial, suportada em
legislação própria”.
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27
H. E. HÖRSTER, op. cit. Nº 441.
28
FERNANDA SCHAEFER, A Nova Concepção do Consentimento Esclarecido, http://www.idb-
fdul.com. Advertimos o leitor de que os pressupostos aqui reportados são referidos por Fernanda Shcaefer
ao consentimento aplicado à relação médico-paciente. Apesar disto, pensamos que os pressupostos são
aplicáveis à limitação dos direitos de personalidade em geral.
29
Segundo HÖRSTER (A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, nº 442), a
defesa da personalidade é tão forte que vai ao ponto de a doutrina considerar que “o consentimento na lesão
não exige capacidade negocial, pelo que também os menores podem consentir numa limitação voluntária
ao exercício dos seus direitos de personalidade quando possuírem, conforme a gravidade do caso concreto,
uma capacidade natural suficiente para entender plenamente o significado do seu acto
29
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sujeito à autorização pelas pessoas indicadas. (Ver adiante sobre o conceito de assistência e
de representação).
2º: Voluntariedade: o consentimento deve ser livre de qualquer vício (ex.: erro,
dolo, simulação, coacção…).
3º: Informação prévia, clara, objectiva, i.e, aproximativa da realidade, honesta e
adequada à compreensão e ao estado emocional do interlocutor, mais próxima da verdade
sobre os objecivos, riscos, benefícios, probabilidades de sucesso, métodos, técnicas,
duração.
4º: Autorização (activa) ou consentimento: é a tomada da decisão propriamente
dita, podendo ser escrita ou oral. A forma juridicamente mais segura é a forma escrita.
5º: Termo do consentimento: trata-se da materialização do todo o processo de
informação.
30
Uma referência ao artigo 280º nº 2.
31
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit. , Vol. I, pág. 93.
30
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consciente e porque não contrário à ordem pública, e que, ao mesmo tempo, ele possa ser
revogado. Seria mais lógico que as partes consentissem em distratar o negócio jurídico
celebrado. Mas a lógica que presidiu à consagração da revogabilidade do consentimento
(acto unilateral do titular do direito) obedeceu à necessidade do reforço da tutela do direito
de personalidade de reforçar o carácter indisponível dos direitos de personalidade. De
resto, trata-se de uma medida de prevenção contra a possibilidade do risco e das
consequências adversas que adviriam de uma possível vinculação definitiva do titular do
direito ao consentimento prestado relativo à limitação do exercício do seu direito: Evita-se,
deste modo, que a contraparte possa vir a invocar a prerrogativa de dispor do direito de
personalidade de outrem com base no consentimento por este prestado.
d) Indemnização da outra parte: o número 2 do artigo 81º do C.C. impõe ao titular
do direito de personalidade a obrigação de indemnizar. Parece existir aqui outro contra-
senso: se a revogação é, lícita, permitida pela ordem pública, porquê, então, indemnizar? A
resposta é que a declaração negocial do titular do direito de personalidade pode ter gerado
já expectativas legítimas e o não cumprimento do contrato pode causar danos na esfera
jurídica da outra pessoa. José de Oliveira Ascensão nota: “…a tutela da personalidade leva a
que sejam causados danos a quem nenhuma responsabilidade teve” (pág. 94). Daqui se pode
concluir que, se o declaratário tiver responsabilidade na emissão da declaração, porque se
portou de forma contrária aos padrões normais de conduta, não terá direito à referida
indemnização. Isto aplica-se a quem tenha usado de usura (art. 282 C.C.) ou de uma certa
coação moral para obter a declaração negocial. Por outro lado, embora não directamente,
este preceito pode sustentar também a ideia da protecção da personalidade, assente na
lógica de que entre sujeitar-se à limitação do direito de personalidade em virtude do
consentimento prestado e indemnizar, é preferível indemnizar.
Entretanto, apela o mesmo autor à necessidade de se não fazer uma leitura
meramente positivista ou literal do nº 2 do artigo 81º do Código Civil. Parece-nos ser de
concluir que o pensamento do autor vai no sentido de se poder afirmar que a revogabilidade
patente neste número não é absoluta32. Segundo ele, há que considerar nas restrições
negociais três situações diferentes: um núcleo duro, em que o direito não é susceptível de
limitação negocial (v.g. o direito à vida, à saúde, etc.); uma orla, em que os direitos são
limitáveis, mas a limitação é revogável e uma periferia em que os direitos são limitáveis,
sem se incorrer na revogabilidade estatuída no nº 2 do artigo 81º/2, sendo que, neste último
caso, o critério para se aferir da admissibilidade da revogação é o carácter ético ou anti-ético
da situação, ou seja, se, num caso concreto, se chega à conclusão de que considerar o
32
Uma leitura que não parece ser consentânea com a letra do nº 1 do artigo 81º do Código Civil.
31
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consentimento irrevogável é anti-ético, este será revogável; se, pelo contrário, a consciência
ético-jurídica não exige a revogabilidade do consentimento, então, este é irrevogável. Cita
como exemplos o direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada33.
Fora destes parâmetros, qualquer acto lesivo de qualquer direito de personalidade
será ilícito. A ilicitude terá como consequência a nulidade nos casos de o acto ser contrário
à lei ou à moral (art. 340/2; 81/1; 280/1 e 2); a consequência será a anulabilidade quando
estejamos em presença de um vício da vontade (art. 246º; 287º C.C.).
4. Princípio da igualdade:
Introdução
Existe uma igualdade natural entre os homens. Todos somos partícipes da mesma
natureza (humana), temos a mesma constituição, em termos biológicos e químicos, temos
a mesma origem e teremos o mesmo fim, inevitavelmente. Além e acima de tudo,
gozamos todos da mesma dignidade humana.
Mas também, há uma desigualdade natural entre os homens, que se concretiza em
vários factores: diferentes posições económicas, culturais, sociais. Mesmo do ponto de
vista jurídico, a desigualdade, em determinados sectores de relações jurídicas, é um facto
consumado. Por exemplo, na relação jurídica laboral, existe uma subordinação jurídica
do empregado ao empregador, uma vez que o primeiro presta o seu trabalho sob a
autoridade e a direcção do empregador (Cf. art. 1º da Lei 2/00, de 11 de Fevereiro – Lei
Geral do Trabalho). Na relação jurídica familiar de filiação, os filhos menores e os não
emancipados devem obediência aos pais, que exercem sobre eles o poder paternal
(art.124ºdo Cód. Civil e 137º do C.Fam.).
Formulação
O princípio da igualdade ou paridade jurídica está consagrado na CRA, que o
formula de duas formas, uma positiva e outra negativa, sendo que esta não é nada mais
do que a explicitação daquela. O artigo 23º da CRA determina:
nº 1 – “todos são iguais perante a lei”;
nº 2 – “ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito
ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor,
33
Vide op. cit. nº 49-III
32
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34
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. pág. 52.
33
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34
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Noção
A autonomia privada pode ser definida como o poder reconhecido aos particulares
de auto regulamentação dos seus interesses, de auto governo da sua esfera jurídica (C.A.
MOTA PINTO). Entende-se por esfera jurídica o conjunto das relações jurídicas,
35
H. E. HÖRSTER sustenta a tese de que o grau de protecção dos mais fracos é uma bitola para medir o
valor ético de uma ordem jurídica. (Vide a obra em referência, nº ???)
35
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patrimoniais e não patrimoniais, de que uma pessoa é titular num determinado momento.
A autonomia privada assenta na ideia de que, nas relações entre os particulares, estes agem
de acordo com a sua vontade, são livres de estabelecer ou não relações jurídicas, de as
estabelecerem com quem quiserem, de adquirir direitos, assumir obrigações e de fazerem
o que bem entenderem dos seus interesses, dentro dos limites da lei36.
36
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. pág. 52.
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Noção e conteúdo
O princípio da liberdade contratual encerra dois aspectos, a saber: a) a liberdade de
celebração, ou liberdade de conclusão de contratos; b) a liberdade de modelação, também
conhecida como liberdade de fixação ou estipulação.
• A Liberdade de celebração define-se como a faculdade de livremente celebrar ou
recusar-se a celebrar contratos. A liberdade, em si, significa ausência de coação. A
liberdade contratual significa, por isso, que, em princípio, ninguém está obrigado a
concluir contrato algum. Mas também significa que ninguém deve ser impedido ou
proibido de celebrar os contratos. Além disso, ninguém deve ser sancionado ou
repreendido pelo facto de concluir determinado contrato.
Note-se que o nº 1 do artigo 405º do C.C., que fundamenta a liberdade de celebração,
não a refere de modo expresso; referência explícita é feita à liberdade de fixação (“…as
partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos
diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver). A
liberdade de celebração resulta é o pressuposto da liberdade de modelação, sendo este,
portanto, consequência lógica daquela. As partes não teriam a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos e de celebrar contratos diferentes dos previstos na lei, se antes
não tivessem a faculdade de celebrar ou não tais negócios jurídicos.
A liberdade de modelação é a faculdade que assiste aos particulares de: a) celebrar
contratos típicos (previstos na lei) ou atípicos (não previstos na lei); b) fixar livremente o
conteúdo dos contratos que queiram celebrar; c) incluir nos contratos que celebrem (típicos
ou atípicos) as cláusulas que lhes aprouver, isto é, que julgarem mais convenientes à
realização dos seus interesses; d) integrar, num mesmo contrato (contrato misto), regras de
dois ou mais contratos (típicos ou atípicos).
37
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37
Op. cit. pág. 265 ss
38
Vem do Direito Romano. Traduzia-se, na invocação, pelo demandado, de um comportamento fraudulento
do titular de um direito, indicando, assim, que o último não agiu honestamente.
38
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dolo), usada contra todos os tipos de condutas, activas ou omissivas, que assentem na
violação da boa-fé, do dever agir honestamente, de agir como pessoa de bem, honesta.
Constitui violação mandamento de não prejudicar os outros (alterum non laedere ou
do princípio do mínimo dano) (vide supra) o exercício do direito em desequilíbrio, o qual
pode ser: a) emulativo (quando o titular do direito é movido pela intenção exclusiva de
prejudicar ou causar um mal a outrem), b) inútil ou injustificado (quando o exercício não
represente qualquer vantagem para o seu titular e resulta para outrem um sacrifício
injusto); c) a exigência de algo que deve ser imediatamente restituído (fundamento da
compensação); d) a desproporção no exercício (quando a vantagem resultante do exercício
do direito é inferior, mínima ou desproporcional ao sacrifício causado a outrem.
ii) A não contrariedade aos bons costumes: os bons costumes opõem-se aos
maus costumes (uma distinção moral). De acordo com Pais de Vasconcelos, os maus
costumes traduzem-se, geralmente, nas práticas que violem a boa-fé objectiva, embora a
imoralidade vá além da boa-fé. A normatividade assente nos bons costumes é aquela que é
imanente na sociedade, que muitas vezes não se encontra nas palavras da lei39. Há, pois,
formas de exercício de direitos que são moralmente inaceitáveis; exercer o direito de forma
imoral constitui abuso do direito.
39
Idem, pág. 270.
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40
Segundo HÖRSTER, este dever jurídico abrange também a liberdade de fixação para evitar que o
obrigado a contratar contorne este dever, fixando exigências tão exorbitantes relativamente ao conteúdo do
contrato, que a obrigação acabe por não ter efeitos, porque a outra parte nunca estaria em condições de
satisfazer as obrigações contratuais, nomeadamente em relação ao preço. Nota o mesmo autor que a
obrigação de contratar não se pode reconduzir à figura da sujeição, própria dos direitos potestativos, porque,
contrariamente aos direitos potestativos, a parte obrigada a contratar pode violar esta obrigação (A Parte
Geral do Código Civil Português, cit. op. Cit. nº 62).
41
Nesta matéria, é mister transcrever aqui os preceitos relevantes do Código Deontológico e de Ética
Médica, que reza o seguinte:
40
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a) “O Exercício da arte médica é uma missão eminentemente humanitária. O médico zela em todas as
circunstâncias pela saúde das pessoas e da colectividade. Para cumprir com esta missão o médico presta
toda a atenção à arte médica que pratica, estando sempre e plenamente preparado de forma a respeitar a
pessoa humana.
d) Todos os médicos devem prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato,
independentemente da sua função específica ou especialidade;
e)O médico deve exercer todos os actos médicos benéficos para o doente, segundo o consenso actual da
comunidade médica, mesmo que eles sejam contrários às suas convicções ideológicas, religiosas ou
políticas.
g) O médico deve ter consciência dos seus deveres para com a colectividade”.
42
Rigorosamente falando, só se pode falar da proibição de contratar quando não verificados os requisitos
da sua admissibilidade. Nas condições em que ele é admitido, ele representa apenas um perigo fundado na
possibilidade do conflito de interesses (VER INFRA, o fenómeno da representação).
43
Daqueles bens importantes para a vida económica familiar.
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44
Espécie dos contratos onerosos. São Contratos em que as atribuições patrimoniais das partes são certas
(Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1979, III-746) no sentido de que são conhecidas no momento
da celebração do contrato.
45
H. E. HÖRSTER op. cit pág. nº 67.
46
No Direito do Trabalho ao lado do princípio da protecção do mais fraco, que é transversal a toda a sua
regulamentação, vigora um princípio importante, que é o princípio do tratamento igual. O nº 1 do artigo
164 da Lei Geral do Trabalho reza, a este propósito: “O empregador é obrigado a assegurar para um
mesmo trabalhado ou para um trabalho de valor igual, em função das condições de prestação da
qualificação e do rendimento, a igualdade de remuneração entre os trabalhadores sem qualquer
descriminação com respeito pelas disposições”.
47
Em Angola, ainda não temos diplomas legislativos reguladores do regime de preços, sobretudo para
determinadas mercadorias, ou as margens de comercialização de determinados produtos. Mas é possível
encontrar uma legislação abundante em outras ordens jurídicas mais desenvolvidas economicamente.
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por uma das partes, com vista a um número indeterminado de contratos iguais a
concluir no futuro com parceiros diferentes, restando a estes apenas a aceitação das
cláusulas fixadas, normalmente sem hipótese de alteração (ou de alteração essencial)”
ou, simplesmente, as cláusulas “elaboradas de antemão por uma das partes e
destinadas a serem aceites, sem mais, pela outra (HÖRSTER). Nos contratos por
adesão, a parte que formula as cláusulas é designada predisponente ou contratante
determinado, ou ainda oferente, por oposição à parte que se limita aceitar, o
aderente.
A existência de contratos por adesão justifica-se por três razões: a primeira razão é
de ordem dogmático-legal: os contratos por adesão resultam das normas jurídicas
dispositivas. Estas normas, por serem gerais, não conseguem comportar ou
contemplar os interesses e os condicionalismos próprios de determinadas áreas
contratuais. A segunda razão é de ordem técnica e reside no facto de os contratos
standard versarem, geralmente, sobre matérias jurídica e tecnicamente complexas
e sofisticadas, o que torna impossível a sua negociação com a generalidade dos
destinatários das cláusulas contratuais gerais. A terceira razão é de ordem prática, e
prende-se com o facto de ser praticamente impossível, no mundo actual, a
negociação individual e pontual das cláusulas dos contratos por adesão.
Conceito legal
O conceito legal da responsabilidade civil está contido no nº 1 do artigo 483º e no
artigo 562 do Código Civil. O artigo 483º determina, no seu nº 14: “aquele que, com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da
violação”. O artigo 562º, por seu turno, estabelece: “Quem estiver obrigado a reparar um
dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga
à reparação”.
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Conceito doutrinal
Com fundamento no supracitado artigo, a responsabilidade civil é costuma ser
definida pela doutrina como:
• a obrigação imposta por lei ao autor de certos factos ou ao beneficiário de
certa actividade de reparar os danos causados a terceiros por tais factos ou
actividade, ou ainda, a necessidade imposta pela lei a quem cause prejuízos
a outrem de colocar o lesado na situação em que estaria sem a infracção (C.A.
MOTA PINTO), ou ainda,
• a “obrigação de ressarcir os danos causados a outrem em decorrência da
violação de direitos” (NÉLIA DANIEL DIAS);
• a obrigação imposta a uma pessoa de reparar os danos causados pelo seu
comportamento, positivo ou negativo.
48
Para Immanuel KANT (Metafísica dos Costumes, cit., pág. 31-32), uma decisão racional nunca pode
significar que a pessoa possa escolher contra aquilo que é racional. Por isso, este filósofo questionava a
concepção da liberdade como a faculdade de escolher a favor ou contra a lei, de decidir entre o bem e o
mal. Isto corresponde ao exercício da liberdade, e não se pode confundir com ela. A liberdade é, antes de
tudo, “uma propriedade negativa, a saber, a propriedade de não sermos forçados a agir por nenhum
fundamento sensível de determinação… a Liberdade jamais pode consistir em que o sujeito racional possa
escolher também contra a sua razão (legisladora)”.
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Responsabilidade civil
Noção (remissão)
A responsabilidade civil pressupõe, como se disse, um facto danoso, em princípio
ilícito, mas, às vezes, excepcionalmente, também de um facto lícito. Seja num caso seja
noutro, não há responsabilidade civil sem dano.
Responsabilidade civil por factos ilícitos versus responsabilidade por factos lícitos
a) Por factos ilícitos (art. 483º a 498º; 798ss C.C.)
Constitui a regra. Verifica-se quando o dano a ressarcir resulta da prática de um facto
contrário à ordem jurídica, isto é, proibido pelo Direito (por exemplo, a resultante do
homicídio, do roubo, lesão ao bom nome, ao crédito de outrem, à privacidade, etc.);
46
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Elaboração de Celestino Rafael
A responsabilidade por factos lícitos tem lugar quando a lei impõe a obrigação de
indemnizar, apesar de o facto danoso ser permitido pela ordem jurídica. Constituem casos
de responsabilidade por factos lícitos os seguintes: responsabilidade resultante da
revogação do consentimento, em matéria dos direitos de personalidade (art. 81º, nº 2 C.C.),
responsabilidade decorrente da prática de um facto no âmbito do estado de necessidade
(art. 339º, nº 2 C.C.), indemnização por danos causados por escavações ou abertura de
minas e poços em prédios (art. 1348º) ou por danos causados pela apanha de frutos (art.
1349º), igualmente a responsabilidade prevista no artigo 1367º, e responsabilidade
decorrente da revogação do mandato (art. 1172º);
O C.C. não consagra uma secção específica à responsabilidade por factos lícitos; encontra-se
espalhada, esporadicamente, ao longo do C.C.
49
C.A. C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. Nº 28-II.
50
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit., nº 119.
48
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51
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. nº 123.
49
Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil – 2021.
Elaboração de Celestino Rafael
52
As presunções são tecnicamente definidas como as ilações que a lei (presunções legais) ou o julgador
(presunções judiciais) tira de um facto conhecido (no caso a lesão) para afirmar um facto desconhecido
(omissão do dever de agir).
50
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independentemente dos seus esforços para os evitar (invocação da causa virtual)53. Nas
situações de inversão do onus probandi, vigora a regra da presunção legal de culpa do
lesante, prevista na parte final do nº 1 do supracitado artigo (“…salvo presunção legal de
culpa…”). A presunção legal de culpa só existe nos casos previstos na lei.
Segundo o nº 2 do artigo 344ºdo Código Civil, além dos casos previstos no nº 1 do
mesmo artigo, há também inversão do onus da prova quando a parte contrária tiver
culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei
de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
Podemos identificar alguns casos de presunção legal de culpa.
a) De acordo com o artigo 491º do Código Civil, as pessoas obrigadas à vigilância
de outrem respondem pelos danos que a pessoa vigilada cause a terceiros, excepto se
provarem que cumpriram o seu dever de vigilância, ou que os danos se teriam produzido
ainda que o tivessem cumprido54;
b) O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir é responsabilizado
pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com
a diligência devida, se não teriam evitado os danos (art. 492º nº 1);
c) A pessoa que, por negócio jurídico ou por lei, está obrigada a conservar o edifício
ou obra no lugar do proprietário, responde pelos danos, se os danos se deverem,
exclusivamente, a defeitos de conservação (art. 492º nº 2);
d) A responsabilidade pelos danos causados por coisas, animais ou actividades
recaem sobre as pessoas que têm o dever de os vigiar, salvo prova de ausência de culpa
dessas pessoas ou de que os danos se teriam verificado mesmo sem culpa (art. 493 nº 1.);
e) Os que exercem uma actividade, em relação aos danos que esta instale na esfera
jurídica de outras pessoas (art. 493 nº 2);
f) Nos termos do nº 3 do artigo 503º: “aquele que conduzir o veículo por conta de
outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.
53
Ver infra, nexo de causalidade.
54
A presunção legal de culpa reside, neste caso, no raciocínio de que o facto danoso resultou da omissão
do dever de vigiar (culpa in vigilando).
51
Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil – 2021.
Elaboração de Celestino Rafael
O nexo de causalidade está patente tanto no nº 1 do artigo 483º (aquele que, com
dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes dessa violação”), como no artigo 563º (“a obrigação de indemnizar só existe em
relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não sofresse a lesão”).
Exige-se, portanto, a existência de uma relação de causa e efeito entre o facto ilícito
do agente e o dano. Considera-se como causa aquela condição que, pela sua natureza e em
face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada, apta, adequada e idónea para gerar
o dano
A causa do dano pode consistir numa acção ou numa omissão. A omissão só poderá
ser considerada causa quando haja um dever jurídico de agir (decorrente da lei ou de
negócio jurídico) e se prove que dano não se teria produzido se se tivesse cumprido como o
respectivo dever (art. 486º C.C.).
Entretanto, pode acontecer que um facto que seja naturalmente apto a produzir
determinado dano não tenha produzido, seja porque houve, entre o facto idóneo (causa
virtual ou hipotética) e a produção do dano um outro acontecimento que o veio a produzir
efectivamente (causa operante), interrompendo-se, desta forma, a causalidade. Neste caso,
o dano será imputado à causa operante, desde que esta tenha um carácter independente em
relação à causa adequada.
Em outros casos, pode ocorrer que “o prejuízo derivado de certo evento, seria
verificado posteriormente, como consequência de outro facto”. Chama-se isto causalidade
antecipada ou precipitada (NÉLIA DANIEL DIAS).
Tanto num caso como noutro, a causa virtual é o evento que, embora apto a produzir
o dano em causa, não o chegou a produzir, seja porque um outro evento posterior quebrou
a causalidade (causalidade interrompida), seja porque outro acontecimento a antecipou
(causalidade antecipada).
Em Direito Civil, a causa virtual, tanto na causalidade interrompida como a
causalidade antecipada ou prematura, é relevante, na medida em que pode afastar a
obrigação de indemnizar (art. 491º, 492º, 493º, 503º, nº 3); na responsabilidade penal, pelo
contrário, a casa virtual não é irrelevante, ou seja, o agente do crime é sempre punido
encontra-se no nº1 do 483º (“aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito
de outrem …) e no nº 1 do artigo 488º (“não responde pelas consequências do facto danoso
quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de
entender ou querer…”.
Noção:
A culpa consiste no juízo de censurabilidade pessoal do comportamento do agente
(NÉLIA DANIEL DIAS), um juízo de censura ético-jurídica dirigido ao agente, por ter
adoptado uma postura reprovável.
Pressupostos da culpa:
Para haver culpa, é necessário que haja um comportamento voluntário (liberdade),
no sentido de este ser dominado ou dominável pela vontade e, além disso, a capacidade do
agente de entender, isto é, avaliar o resultado, as dimensões e o alcance do seu agir (acção
ou omissão) e capacidade de querer (liberdade). A culpa pressupõe, portanto, vontade e
esclarecimento. Estes pressupostos estão referidos no nº 1 do artigo 488, que estabelece:
“não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu,
estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer…”.
Modalidades da culpa
A culpa pode apresentar sob a forma de dolo ou de negligência. Às vezes, o dolo é
referido como má fé e a mera culpa, como negligência. O dolo é a forma mais intensa da
culpa; a negligência, a sua forma menos intensa.
- O dolo:
O dolo é o querer de um resultado contrário ao Direito, de se violar o direito de
outrem e de causar-lhe um prejuízo ou com a consciência ou intenção de infringir um dever
jurídico (ENNECCERUS-NIPPERDEY)55. No dolo, o agente tem, portanto, a representação do
efeito danoso do acto praticado, a intenção maléfica e a aceitação, em termos reflexivos,
desse resultado.
i) Tipos de dolo: dolo
- Dolo directo: no dolo directo, o agente representa ou prefigura, no seu espírito,
certo efeito do seu comportamento e pretende directamente esse efeito como fim da sua
conduta, não obstante ter conhecimento de que o facto é ilícito.
55
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil subjectiva, cit., pág. 73.
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55
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56
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil Subjectiva, cit., pág. 86.
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5º: o dano
A relevância do dano não se cinge ao facto de ele constituir um (dos) pressuposto(s)
da responsabilidade civil subjectiva; o dano condiciona e determina, antes de mais, a
existência da própria responsabilidade civil, seja ela subjectiva ou objectiva. Com efeito, em
Direito Civil, não há obrigação de indemnizar se não houver danos. Ninguém pode ser
indemnizado por danos inexistentes ou que não tenha sofrido.
O dano é segundo a qual o dano é o prejuízo que o lesado sofreu in natura, em forma
de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem, corpóreo ou ideal (MANUEL DE
ANDRADE57), ou toda e qualquer ofensa aos bens ou interesses alheios protegidos pela
ordem jurídica (ALMEIDA COSTA) 58. O dano pode ser visto, ainda, como uma desvantagem
ou perda que se verifique nos bens jurídicos de uma pessoa, ou simplesmente como a perda
sofrida pelo lesado em decorrência de um evento.
Para efeitos de responsabilidade civil, são de excluir do conceito de dano os que o
próprio titular do direito cause a si mesmo, porque estes danos não são ressarcíveis.
57
In Teoria Geral das Obrigações (citado por NÉLIA DANIEL DIAS, in Responsabilidade Civil
Subjectiva, cit., pág. 90).
58
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil Subjectiva, op. cit, pág. 91.
59
Quanto aos danos patrimoniais, costuma falar-se da perda da capacidade de ganho.
60
Segundo Antunes Varela, o dano emergente pode configurar tanto a diminuição do activo como no
aumento do passivo
57
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Elaboração de Celestino Rafael
Uma orientação doutrinária fala ainda em dano real, isto é, todo o prejuízo que o
lesado sofreu em termos naturalísticos, ou a lesão efectivamente suportada.
Fala-se também da classificação dos danos em directos e indirectos. Os primeiros
são os prejuízos imediatos do facto lesante ou a perda directa causada nos bens ou valores
juridicamente tutelados. Os danos indirectos são os efeitos remotos ou mediatos do dano
directo.
Preenchidos que estejam os pressupostos que acabamos de descrever
sumariamente, determina-se, então, a obrigação de indemnizar o lesado. Tal determinação
é feita em conformidade com os artigos 563º e seguintes do Código Civil, sendo relevante
frisar que o momento da aferição ou determinação do quantitativo da obrigação de
indemnizar é o da pronúncia da sentença condenatória, ou seja, é neste momento que são
computados os danos em que o autor da lesão será condenado. Todavia, pode haver lugar à
condenação provisória sempre que não seja possível apurar já o valor definitivo dos danos
(art. 565º e 569º do C.C.).
61
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., vol. I, nº 12-III.
62
A esfera jurídica da pessoa comporta duas sub-esferas: a esfera jurídica pessoal (conjunto de relações
jurídicas pessoais ou não patrimoniais) e a esfera jurídica patrimonial (conjunto de relações jurídicas de
carácter patrimonial).
58
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63
Op. Cit. , I Vol. Nº 9-I.
64
Op. Cit. Nº 21-III.
65
Diga-se de passagem que a Constituição da República de Angola reconhece três sectores de propriedade:
sector público (Estado e outras entidades públicas), privado (pessoas singulares e colectivas), e cooperativo
e os direitos reais das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais (Cf. art. 37/14 e art. 92 C.RA.
Remete-se o estudo desta matéria para a disciplina própria.
59
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que se impõe. Lendo as lições dos professores OLIVEIRA ASCENSÃO 66 e C.A. MOTA PINTO67,
chegaremos à conclusão de que a regulação da propriedade encontra a sua razão de ser na
necessidade da prevenção de conflitos e, por conseguinte, na garantia da paz, e na
sociabilidade humana e na regra da solidariedade social que consubstanciam a
função social da propriedade68. A falta da disciplina jurídica do poder do homem sobre as
coisas, além de levar ao desrespeito das outras pessoas, tornaria os próprios direitos sobre
as coisas inseguros, expostos a agressões (eventualmente resultantes tanto da escassez de
bens como da ambição humana – situação que levaria à luta pela apropriação dos bens); isto
daria azo a que o titular precário dos bens os defendesse por meios igualmente agressivos
e por recurso à justiça privada (vindicta privata).
Como foi referido acima, o sentido em que se abordou a propriedade até aqui não é
o técnico, mas sim lato, aquele que é extensivo a todos os direitos patrimoniais. Não sendo
correcto, nem desejável, que o estudante de Teoria Geral do Direito Civil fique com um
conhecimento difuso sobre a propriedade, é mister ver, ainda que sumariamente, como o
Código Civil trata os direitos sobre as coisas (direitos reais) e, neste âmbito, distinguir a
propriedade, enquanto direito real, dos outros tipos de direitos reais. O estudo mais
aprofundado e desenvolvido desta matéria pertence e é remetido à competente disciplina
de Direitos Reais, do 4º ano do Curso de Direito.
66
Diz o autor: “Mas o direito exerce-se em sociedade. As posições dos vários intervenientes têm também
de ser conjugadas, para evitar conflitos e organizar a colaboração. A tendência deste século foi a de
assegurar progressivamente a solidariedade neste domínio, afastando-se o modelo da propriedade
absoluta romana. A lei tece cada vez mais vínculos de colaboração entre os intervenientes derivada de um
simples facto: o homem vive em sociedade e, para evitar conflitos, necessário se torna regular o exercício
dos direitos reais, tendo em conta as outras situações juridicamente protegidas, porque autonomia não é
sinónimo de individualismo...a pessoa deve agir, não apenas com os outros, mas os outros. Em toda a
sociedade deve haver uma solidariedade que implique que a actuação de todos tenha reflexos positivos na
ordem global. Pressupõe-se que cada um, no uso da sua autonomia, beneficie o conjunto” (Direito Civil,
Teoria Geral, cit. Nº 32-II).
67
Op. Cit. Nº 9 – II e III.
68
Neste sentido, há que pensar além do Direito Privado, porque para realizar a função social da propriedade,
o Direito, como ordem global, serve-se das normas jurídicas que ultrapassam o âmbito privado; estabelecerá
uma relação jurídica do Direito Público, como é a relação jurídica do imposto, disciplinada pelo Direito
Fiscal. Embora isto pareça criar uma certa tensão entre a privacidade e a intervenção pública, esta é
necessária em certos domínios, desde que se salvaguarde um espaço de liberdade que não ponha em causa
a liberdade das pessoas como princípio. O Direito Fiscal é, talvez, a área mais exuberante de ilustrações de
como o exercício do direito da propriedade privada beneficia a colectividade. O imposto é, sem dúvidas,
um mecanismo de obrigar as pessoas à solidariedade. Esta ideia está patente no artigo 101 da Constituição
de Angola que estabelece que o sistema fiscal visa a redistribuição da riqueza nacional e a solidariedade
60
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69
MELO FRANCO, João, e ANTUNES MARTINS, António Herlânder, in Dicionário de Conceitos e
Princípios Jurídicos, opus citatus, pág. 705.
70
Idem, pág. 706.
71
Ao lado desta teoria, existiu a teoria da pertença, que centra a distinção entre os direitos reais na pertença
ou na intensidade da ligação que une a coisa ao titular do direito, e uma terceira teoria, muito próxima da
teoria do domínio (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Direitos reais, 4ª Ed..- 381, citado por João
MELO FRANCO e António Herlânder ANTUNES MARTINS, in Dicionário de Conceitos e Princípios
Jurídicos, pág. 705-706).
72
Ibidem.
73
O direito a dispor da coisa é a faculdade que o titular tem de alienar a coisa, isto é, de transferir a
titularidade dos poderes que sobre ele incidem para outra pessoa.
61
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Propriedade horizontal:
Está regulada nos artigos 1414º a 1438º do Código Civil. De acordo com o artigo
1414º, a propriedade horizontal consiste numa situação em que duas ou mais pessoas se
tornam proprietários de fracções autónomas integradas no mesmo edifício de cujas partes
comuns eles são co-proprietários (também designados consortes ou condóminos (art.
1417º, nº 2 e 1420º C.C.). Pode ser definida como a propriedade exclusiva de uma habitação
integrada num edifício comum, ou a pertença a proprietários diversos de várias fracções de
um edifício que constituem unidades independentes.
O esquema fundamental da propriedade horizontal é o da interdependência
estrutural ou dependência funcional entre as várias partes integradas no todo e a
independência das várias unidades que integram o edifício. Nesta lógica, e de acordo o nº 1
do artigo 1420º do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe
pertence e co-proprietário das partes comuns do prédio. Segundo o nº 2 do mesmo artigo, o
conjunto destes direitos (propriedade exclusiva sobre a fracção autónoma e
compropriedade em relação às partes comuns) é incindível, isto é inseparável; disto resulta
que nenhum destes direitos pode ser alienado separadamente e não é lícito renunciar à
parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua
conservação ou fruição.
O artigo 1421º do Código Civil determina quais as partes comuns do prédio. Segundo
o nº 1, são categoricamente comuns todas as partes que constituem a estrutura do prédio
(o solo, os alicerces, os pilares, as paredes mestras), o telhado ou terraços de cobertura,
ainda que destinados ao uso do último pavimento, as entradas, os vestíbulos, as escadas e
corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos, e as instalações gerais
de água, electricidade, aquecimento e ar condicionado. O nº 2 estabelece as partes que se
presumem comuns: os pátios e jardins anexos ao edifício, os ascensores, as dependências
destinadas ao uso e habitação do porteiro, as garagens e as coisas que estejam afectadas ao
uso exclusivo dos condóminos. É importante ressaltar algumas limitações que a lei impõe
aos condóminos. Nos termos do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, aos condóminos é
especialmente vedado prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a
segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, destinar a sua fracção a
usos ofensivos dos bons costumes, dar-lhe uso diverso do fim a que se destina e praticar
quais actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou,
posteriormente, por acordo de todos os condóminos; os condóminos não gozam do direito
de preferência na alienação de fracções – o que resulta obviamente da independência e do
62
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carácter autónomo das fracções nem do direito de pedir divisão das partes comuns (art.
1423) – corolário da compropriedade dos condóminos sobre estas partes. Os encargos de
conservação e fruição, bem como os encargos com as inovações são suportados pelos
condóminos na proporção do valor das suas fracções (art. 1424º, nº 1 e 1426º C.C.). É
importante sublinhar igualmente a obrigatoriedade do seguro do edifício contra o risco de
incêndio, sendo que qualquer dos condóminos pode efectuar o seguro quando o
administrador do condomínio não tenha feito, com direito de regresso sobre os demais
consortes (art. 1429, nº 1 e 2).
consortes quiserem preferir na alienação (art. 1409 C.C.). A propriedade colectiva, sendo
indivisa, não permite tal divisão; ela só cessa com a cessação do facto jurídico que lhe deu
origem.
A partir da leitura das lições de MANUEL de ANDRADE e C.A. MOTA PINTO, podemos
apontar, de forma resumida, como notas características do património colectivo as
seguintes74: a) o património colectivo pressupõe uma relação, um vínculo pessoal, em regra
de ordem familiar. Essa relação ou vínculo tem causas de extinção próprias e, depois de
extinta ela, é que cessa a propriedade colectiva; b) o património colectivo pertence em globo
ao conjunto de pessoas, cabe ao grupo no seu conjunto; c) não há quotas ideais, como existe
na compropriedade, (nenhum dos contitulares tem qualquer fracção de direito que lhe
corresponda individualmente e de que possa dispor); d) em consequência disto, nenhum
membro do grupo pode alienar uma parte ou quota do património, nem requerer a divisão
enquanto não cessa a causa da comunhão; e) gerando-se um passivo, por este responde o
património; no caso de este ser insuficiente, os membros respondem solidariamente com
os seus bens pessoais (art. 61/2 e 63/1 C. Fam.), porque devedores são todos os membros
do grupo; f) os credores pessoais dos membros não se podem fazer pagar com os bens do
património, mas apenas com a parte que couber a eles depois de dissolvido o vínculo
colectivístico.
Um exemplo da propriedade colectiva é comunhão conjugal.
74
Estas características podem ser o pomo de distinção entre a propriedade colectiva e a compropriedade.
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ii) Direitos reais de garantia: são direitos que conferem ao credor o poder de obter,
com preferência sobre os demais credores, o pagamento da dívida sobre o valor de
uma coisa ou dos seus rendimentos. Servem para garantir o crédito ou o pagamento
de uma dívida. São eles: a)o penhor (art. 666º C.C.), a hipoteca (art. 686º C.C.), os
privilégios creditórios (art. 733ºss CC), o direito de retenção (art. 754ºC.C.) e a
consignação de rendimentos (art. 656º C.C. e 879º CPC). Consiste esta última na
aplicação dos rendimentos de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo à
garantia do cumprimento de uma obrigação – ainda que condicional ou futura – ou
do pagamento dos respectivos juros, se devidos, ou tão só do cumprimento da
obrigação75, ou ainda, na atribuição feita pelo Tribunal dos rendimentos dos bens
penhorados durante o tempo necessário ao pagamento do crédito 76.
75
Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed. – 647 (Citado por João MELO FRANCO e António
Herlânder ANTUNES MARTINS, Op. Cit. P. 222)
76
Galvão Telles, Direito das Obrigações (citado por João Melo Franco e António Herlânder Antunes
Martins, Op. cit. ibidem).
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77
Note-se que estamos apenas diante de uma excepção à regra, porque os bens não são entregues com a
ideia de que eles deverão ser devolvidos passado algum tempo; a devolução resulta apenas de uma condição
resolutiva (o regresso do ausente) e, portanto, presume-se que este já não regressará. Todavia, trata-se de
uma presunção iuris tantum.
78
Sobre a noção do encargo, consultar o capítulo relativo ao conteúdo dos negócios jurídicos.
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legatários sucessivos, sendo que o primeiro, agravado com o encargo, se chama fiduciário 79,
e o beneficiário da substituição, o fideicomissário. Esta disposição deve ser combinada com
o artigo 2288º que estabelece o limite de validade do fideicomisso.
3. O direito de propriedade é elástico. O proprietário goza de todos os poderes
inerentes ao seu direito. Mas este pode ser limitado por um outro direito real limitado, de
gozo (direito uso e habitação, usufruto) ou de garantia (hipoteca, penhor, retenção), de tal
modo que, enquanto existir o direito real de gozo ou de garantia, o direito de propriedade
fica onerado, comprimido, não se podendo mover livremente na “órbita” jurídica. Assim, por
exemplo, a hipoteca constituída sobre determinado, a hipoteca limita a movimentação
jurídica desse bem, isto é, enquanto durar a hipoteca, o bem não poderá ser alienado sem a
hipoteca. Com o fim da hipoteca, deixa de existir o ónus que sobre ele pesava, o direito de
propriedade ganha de novo toda a sua extensão originária e o seu titular readquire a
plenitude dos poderes que ele comporta80.
b) Características comuns a todos os direitos reais:
1. Os direitos reais são típicos (princípio da tipicidade dos direitos reais). Este
princípio significa que só são direitos reais os que estão previstos na lei e só esta determina
o conteúdo daqueles81. Remissão.
2. Os direitos reais são absolutos. Os direitos reais podem ser opostos a todas as
pessoas. Assim, o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor
da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que
lhe pertence (art. 1311º, nº 1 C.C.). É admitida a defesa da propriedade por meio de acção
directa, nos termos do artigo 336º. O mesmo se aplica à posse. Nos termos do artigo 1277º
do Cód. Civil, se o proprietário de um bem é esbulhado, pode restituir-se por sua própria
força e autoridade nos termos do artigo 336º, ou recorrer ao Tribunal, para que este lhe
restitua a posse. Remissão.
3. Os direitos reais gozam do direito de sequela. Decorre do carácter absoluto dos
direitos reais que o titular de um direito real (de propriedade, ou outro) que seja esbulhado
ou destituído da coisa e do seu direito pode reivindicá-lo e exigir a entrega da coisa contra
objecto do direito contra quem quer que a detenha (acção de revindicação). Se A é titular
do direito de uso e habitação (direito real de gozo - art. 1484º) sobre o imóvel x, pertencente
79
Do Latim, fiducia, que significa confiança.
80
Gama Prazeres falava de propriedade imperfeita, isto é, “a que consiste na fruição de parte dos direitos
contidos no direito de propriedade” (in Dos Incidentes da Instância no Actual C.P. Civil, pág. 62, citado
por João Melo Franco e António Herlânder Antunes Martins na Ob. Cit, pag. 706). É uma ideia que se pode
enquadrar nesta característica como também nos direitos reais limitados.
81
Remissão para o ponto 3.2 d) deste capítulo.
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82
O primeiro no tempo é o mais forte no Direito.
83
O fundamento desta excepção reside em que o registo tem como fim dar publicidade aos direitos inerentes
às coisas, neste caso, às coisas imóveis (art. 1º do Decreto Lei nº 47 611, de 28 de Março de 1967 – Código
do Registo Predial). O nº1 do artigo 2º deste diploma legal enumera os factos jurídicos sujeitos ao registo,
entre os quais, os que importem o reconhecimento, aquisição ou divisão do direito de propriedade, do direito
de usufruto, uso e habitação, a promessa de oneração de bens e os pactos de preferência se as partes tiverem
convencionado atribuir-lhes eficácia real, sempre que respeitem a coisas imóveis, e as convenções de
reserva de propriedade e de venda a retro estipuladas em contratos de alienação, entre outros. O registo visa
igualmente conservar o direito na titularidade da pessoa em cujo nome está registado.
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8. Princípio da boa fé
Formulação
O princípio da boa fé é aquele segundo o qual cada um deve comportar-se como se
espera de uma pessoa honrada, como uma pessoa de bem. Trata-se de um apelo à regra
moral básica “fazer o bem e evitar o mal”. A boa fé traduz-se nos mandamentos
tradicionalmente conhecidos pelas expressões latinas honeste vivere (viver honestamente),
neminem laedere (não prejudicar ninguém) e na proibição dos comportamentos
contraditórios (venire contra factum proprium).
Importância
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Vertentes
O princípio da boa fé é visto, na doutrina jurídica, em duas vertentes: uma objectiva
(sentido objectivo) e outra subjectiva (sentido subjectivo).
Em sentido objectivo, a boa fé é vista como padrão de conduta, como critério do
agir correcto; é a boa fé como dever jurídico. As pessoas devem agir segundo os padrões de
uma acção eticamente decente. É este o sentido imanente no artigo 227º do código civil, que
estabelece, no nº 1: “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto
nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de
responder pelos danos que culposamente causar à outra”.
Em sentido subjectivo, a boa fé (boa fé subjectiva) corresponde à situação
psicológica do agente que, ao adquirir um direito, ignorava a circunstância de estar a lesar
o direito de outrem. Este sentido é o que está patente nos artigos 612º ( e 1260º (a posse
diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem),
no artigo 243º (a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respectivos direitos).
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Em segundo lugar, a boa fé das partes num litígio é e deve ser tida em conta pelo
juiz na decisão de uma causa.
b)- art. 914º e 915º do C.C. – remissão para o art.. 906º C.C: é obrigado a
eparar/substituir a coisa quem a alienou com um defeito que ele desconhecia por
sua própria culpa. Note-se, todavia, que o comprador não pode pretender reparar
um defeito notório, isto é, que uma pessoa de diligência normal (um bonus pater
famílias) teria notado. Excepção a esta nota encontra-se no Direito do Consumidor,
onde os defeitos notórios dão lugar à responsabilidade civil do fornecedor do bem
ou serviço.
Conhecimento normativo
Um outro conceito jurídico usado pela doutrina, no âmbito do princípio da boa fé, é
o do conhecimento normativo. Este conceito designa as situações em que a lei, partindo do
dever imposto à generalidade das pessoas, presume (presunção absoluta) que determinada
pessoa conhece determinada situação, apesar de isto poder não corresponder à realidade
dos factos, isto é, o sujeito pode não saber, efectivamente, de uma determinada situação,
mas a lei presume que ele a conhece, ou devia conhecer, pelo que não pode ser desculpado
(a lei equipara o dever conhecer ao conhecimento). O artigo 6º do C.C. ilustra bem o
conhecimento normativo: “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do
seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”. Nestes casos, alegar
o desconhecimento de facto pode ser indício de má fé e é irrelevante para impedir a
produção de um determinado efeito jurídico. Tal é o caso da declaração negocial que só por
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culpa do destinatário não chegou a ser dele conhecida (art. 224º, nº2, C.C.). Neste caso, o
sujeito pode fazer tudo para impedir o conhecimento da declaração.
Presunção de má fé/boa fé
Em determinados casos, a lei vai além e considera de má fé ou boa fé quem se encontra
numa determinada situação.
Um exemplo paradigmático da presunção de má fé está no art.. 243º, nº 3, do C.C.,
segundo o qual “considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente
ao registo da acção de simulação…”. Presume-se, assim, que o terceiro adquirente conhece a
simulação, porque o registo da acção tornou-a pública; se o terceiro adquirente não sabe, o
problema é dele; por isso, ele não pode alegar a ignorância do registo da acção de simulação.
Outro caso de presunção de má fé é relatado pelo art. 1046º do C.C: “fora dos casos
previstos no art. 1036, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor
de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”. O artigo 1036º autoriza o
locatário a realizar benfeitorias necessárias que se compadeçam com a delonga do processo
judicial. A contrariu, nos termos do artigo 1046º, todas as outras benfeitorias carecem do
conhecimento do locador, pelo que não podem ser realizadas sem o conhecimento deste.
No artigo 1260 do Código Civil, temos exemplos de presunção de boa fé e de má fé no
que diz respeito à posse: “ a posse titulada presume-se de boa fé, e não titulada, de má fé”(nº
2); “a posse adquirida por violência é sempre de má fé, mesmo quando seja titulada” (nº 3).
contrariu sensu); o vendedor ou o doador de uma coisa alheia não pode opor a
nulidade da venda ou da doação ao terceiro de boa fé (art. 892º e 956º, nº 1 C.C.); os
simuladores não podem invocar a simulação contra o terceiro de boa fé (art. 243º,
nº 1, C.C.); o possuidor de má fé não tem direito à indemnização nem ao
levantamento das benfeitorias, tratando-se de benfeitorias voluptuárias (art. 1275º,
nº 2, C.C.).
c) Outras vezes, a má fé de uma pessoa se revela num comportamento contraditório,
tem como efeito a vinculação aos efeitos do negócio formalmente inválido (v.g., se
um dos contraentes provocou o vício do negócio ou participou num negócio que ele
sabe ser inválido, não pode vir pretender do Tribunal fazer-se valer da ineficácia do
negócio; por razões de justiça, poderá ser condenado a cumprir o negócio por ele
celebrado). No mesmo sentido, se o destinatário de uma declaração negocial impede
a sua recepção, ou se, por culpa exclusiva sua, a declaração não chega a ser conhecida
por ele, alegar o desconhecimento da declaração é sinal de má fé. Para estas
situações, a lei recusa-se a reconhecer a desculpa do destinatário e reconhece a
eficácia (vinculatividade) da declaração negocial (art. 224º, nº 2, C.C.).
d) Em determinados casos, a violação do princípio da boa fé dá lugar à
responsabilidade criminal (v.g., crime de burla por defraudação, abuso de confiança,
peculato).
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84
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, II, cit. II, pág. 395-399; 446-448. Na mesma linha,
MÁRIO BESSONE (Rapporto precontrattuale e doveri di corretteza, 1022) e BENATTI (Responsabilita,
147)
85
Ex., confiança justificada do terceiro na legitimidade do agente que age sem poderes de representação
86
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., II, pág. 396
87
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., II, pág. 448
88
BAPTISTA MACHADO, Tutela da confiança e “Venire contra factum proprium”, in Obra Dispersa, I,
pág. 352.
89
CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e da Responsabilidade Civil, Lisboa, 2001, pág. 50.
90
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 20 e ss
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91
Eis as palavras do próprio autor: “Mas como a tutela de quem confiou tem como reverso a desprotecção
do outro sujeito, diremos que a tutela da confiança se traduz, ou tende a traduzir-se, em reprovação do outro
sujeito, pelo menos, que poderia provocar a aquela reacção. A ser assim, o efeito jurídico que se possa
extrair resulta, antes de antes de mais, da conduta inadequada doutro sujeito, que induziu o terceiro àquele
“investimento de confiança”. A inadequação da conduta, por sua vez, resultará de uma valoração de boa fé,
porque é esta que funciona em conjunturas de relação… Daqui resulta que a confiança só vem a funcionar
como manifestação subalterna: quando alguma regra jurídica previr, para além da violação de regras de
condutas segundo a boa fé, a formação da confiança por parte do destinatário”. E mais adiante: “Pensamos
por isso, que as indicações que se lucram, pelo apelo à noção de confiança, são tão ténues que mais vale
dispensar essa noção. Basta-nos o comando geral da boa fé e os deveres específicos em que este se traduz”.
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lei, de quem actuou de boa fé (ex. art. 227º, 291º, 243º/1, 892º, C.C.); e c) na
punição de quem actuou de má fé ou de forma contraditória, isto é, construiu
expectativas legítimas/fundadas e vem a actuar em sentido contrário e
beneficiar da sua actuação contraditória).
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(internas). A este respeito, PAIS DE VASCONCELOS92 escreveu: “não se pode, porém, perder
de vista a realidade da família, como instituição que tem regras próprias, sobre as quais o
poder do Legislador e da Lei são ínfimos e que não devem, em princípio, ser perturbadas.
Só quando a própria família se encontra tão doente que se não consegue já reger pelas suas
próprias regras é que a Lei tem legitimidade para intervir. Na construção da Lei positiva, o
Legislador tem geralmente dificuldade em resistir à tentação de reformar a sociedade e de
imprimir ao Direito da Família a sua própria concepção do modo como a Família deveria
ser… a Família tem evoluído, nas suas regras internas, não por imposição da Lei, mas sim de
acordo com a evolução das concepções éticas, culturais e sociais dominantes – entia
moralia- que fazem parte da Lei Natural, da Natureza das coisas. Na legislação e na
aplicação do Direito Civil da Família deve haver um particular cuidado em não
ofender as regras institucionais que lhe são próprias e uma consciência clara do papel
institucionalmente subsidiário da Lei neste domínio”.
3º Afirma-se, na doutrina, que o Direito da Família é um direito institucional, tal
como o Direito Sucessório. As regras do Direito Familiar (e as do Direito das Sucessões) não
são adaptáveis, à diferença, por exemplo, do Direito das Obrigações. Não existe família
especial, relações jurídicas familiares de carácter especial, como também não existe
sucessão especial.
92
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 29.
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mortis causa (causada pela morte de uma pessoa) da totalidade ou de parte do património
(herança) que a ela pertencia aos sucessores, designados por lei ou pelo de cujus93.
93
Abreviação latina da alocução is de cuius hereditate agitur, que significa aquele de cuja herança se trata.
94
M. REIS MARQUES, Introdução ao Direito, op. cit. pág.337ss
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ainda, passou a impender sobre o paterfamilias um dever de deixar uma porção dos bens às
pessoas mais próximas; tratava-se de um verdadeiro dever moral de piedade (officium
pietatis), cuja violação dava lugar à declaração de inoficiosidade do testamento. Nisto reside
a origem da actual figura da legítima e da sucessão legitimária. A este respeito, é mister
invocar um texto de MÁRIO REIS MARQUES: “Durante muito tempo, na Europa ocidental, o
direito sucessório propôs-se conservar o património da família, privilegiando a linha
masculina. Frequentemente, com o objectivo de se garantir a unidade do património, dava-se
preferência ao primogénito. Pelo contrário, o Côde Civil procurou conscientemente fraccionar
e difundir as riquezas familiares… Actualmente, o direito de sucessão tem por fundamento a
vontade presumida pela lei, ou estabelecida no seu testamento…” 95.
Tipos de sucessão
Disto decorrem os dois grandes tipos de sucessão: a legal e a voluntária. Com efeito,
estabelece o artigo 2026º do Código Civil: “a sucessão é deferida pela lei, testamento ou
contrato”, o que denota haver de facto uma repartição de poderes entre a lei e o testador na
destinação dos bens.
A sucessão voluntária é a que é regulada pela vontade do de cuius através do
testamento (successio testata) ou de um contrato. A sucessão contratual é um tipo de
sucessão praticamente inexistente no ordenamento jurídico angolano, apesar de o C.c.
determinar que ela é admitida apenas nos cados previstos na lei (art. 2028º, nº 2, C.C.).
A sucessão legal (successio intestata ou ab intestato) é regulada por lei. Pode ser
legítima ou legitimária. O critério para distinguir entre uma e outra está contido no artigo
2027º do Código Civil: “conforme possa ou não ser afastada pela vontade do de cuius”. A
sucessão legitimaria é imposta por lei e opera mesmo contra a expressa vontade do de cuius.
Isto é o reflexo claro e vivo do antigo officium pietatis do Direito Romano, que obrigava o
paterfamilias a deixar intacta uma porção dos bens destinada aos mais próximos, os
herdeiros legitimários. No nosso ordenamento jurídico, são herdeiros legitimários os
descendentes e os ascendentes (art. 2133º C.C.). A porção dos bens de que o testador não
pode dispor chama-se quota indisponível ou legítima. Não havendo herdeiros legitimários,
o testador pode dispor de todos os bens.
A sucessão legítima só pode incidir sobre a quota disponível, isto é, sobre a porção
dos bens de que o de cuius pode dispor, e opera na falta de manifestação válida e eficaz da
95
Op. Cit. pág. 339.
81
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PARTE III
RELAÇÃO JURÍDICA
TÍTULO I
GENERALIDADES
1. Importância, conceito e sentidos da relação jurídica
Por um lado, a relação jurídica enquanto figura jurídica é um dos principais
instrumentos do Direito Privado, destacando-se nele o direito subjectivo e o negócio
jurídico (PAIS DE VASCONCELOS).
96
Breve referência ao facto de o Código Civil Angolano considerar o cônjuge apenas na 4ª linha; em termos
de Direito Comparado, em Portugal, o cônjuge é herdeiro legitimário e aparece na primeira linha,
juntamente com os descendentes e ascendentes.
97
MÁRIO REIS MARQUES, Introdução ao Direito, opus cit. pág. 342
82
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98
Isto não quer dizer que tais relações não tenham absolutamente nenhuma relevância jurídica. Assim, de
acordo com as regras do Direito Processual (Vide artigos 104º, 105º e 106º do C.P.P e artigos 122 1 127º
C.P.C), o facto de uma pessoa ser amiga de outra que seja parte processual deve ser tido em conta pelo
tribunal; se aquela tiver de prestar declarações; um juiz que tenha com uma das partes processuais uma
relação que possa prejudicar o equilíbrio e a imparcialidade que se espera de um juiz (relação de parentesco,
afinidade, de amizade ou mesmo de inimizade) deverá ser afastado da apreciação da causa por via do
incidente de impedimento ou de suspeição (Ver CPP); na falta de parentes, os vogais do Conselho de
Família (órgão consultivo do tribunal nas causas de natureza familiar) podem ser escolhidos entre os amigos
(a lei usa a expressão “… entre as pessoas que convivem com as partes” – art. 17º C.Fam).
99
Quando não corresponda a um dever jurídico decorrente da lei ou de negócio jurídico.
83
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100
Op. cit. nº 252.
101
C.A. C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, cit., Nº 40-I.
102
Neste sentido, o mútuo é tradicional e tipicamente um contrato unilateral, isto é, origina apenas direitos
ou obrigações para uma das partes. Nos direitos privados especiais, este esquema nem sempre funciona; o
84
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mútuo pode ser bilateral. No âmbito da autonomia privada, as partes podem muito bem, como muitas vezes
acontece no mútuo bancário, celebrar o contrato sem a entrega do valor mutuante, sendo esta uma obrigação
decorrente do contrato.
103
Segundo HÖRSTER (A Parte Geral do Código Civil Português, cit., nº 374-375), o conteúdo do direito
subjectivo varia de época para época. O sentido hodierno deste conceito é uma aquisição do Século XIX,
que marcou uma viragem na História, deixando para trás a ordem corporativa e feudal e operou a
emancipação mental, política e económica do indivíduo e contribuiu para a sua consideração como
personalidade autónoma, garantindo o seu livre desenvolvimento dentro da sociedade. Disto resultou a
85
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colocação do indivíduo como sujeito de direito no topo do Sistema do Direito Privado, atribuindo-lhe
direitos subjectivos. O direito subjectivo destina-se, assim, principalmente, à autodeterminação do
indivíduo livre.
104
MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., vol. Nº I - 2.
Reveste-se de interesse teórico trazer aqui outras visões doutrinárias sobre o conceito do direito subjectivo.
Para SAVIGNY e para PUCHTA, o direito subjectivo consistia numa garantia jurídica do poder de vontade
atribuído pela ordem jurídica. JHERING, por sua vez, considerava-o como um interesse juridicamente
protegido. ENNECCERUS-NIPPERDEY e, posteriormente, RUTHER, falavam de uma relação de poder
estável, atribuída à pessoa. LÉON DIGUIT não via no direito subjectivo nada mais do que tudo quanto
fosse necessário para o cumprimento da função social do que cabe ao indivíduo, de modo que tudo quanto
é realizado no cumprimento daquela função é protegido pela sociedade (Cf. HÖRSTER, A Parte Geral do
Código Civil Português, cit. Nºs 376 ss).
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não seja exercido ou seja exercido de forma inadequada e inaceitável, sendo que, neste
último caso, há verdadeiramente abuso do poder (art. 334 C.C.), as autoridades
intervenham, ou para se substituir ao titular do poder (art. 140 C. Fam), ou para lhes retirar
legitimidade para o exercício do direito (art. 152 a 155 C. Fam). Devido ao carácter
imperioso do exercício do direito, neste caso do poder paternal, não se pode falar
propriamente de um direito subjectivo, porque o exercício deste é livre e o direito subjectivo
é tipicamente uma faculdade.
Por se tratar de um poder ou faculdade, o exercício do direito subjectivo está
na inteira dependência da vontade do seu titular, porque é dele que deve partir o
impulso virado para a sua defesa. O comando normativo que visa efectivar o direito do
titular activo da relação jurídica, assim como o aparelho sancionatório estadual que o pode
caucionar, não podem intervir sem o impulso inicial do seu titular activo.
Devido ao facto de o direito subjectivo se traduzir numa faculdade, certa doutrina,
que teve como corifeu o jurista alemão JHERING, ligou o direito subjectivo à ideia de
interesse e definiu-o como o interesse juridicamente protegido105. E de facto, como diz C.A.
MOTA PINTO106, o direito subjectivo anda ligado essencialmente à ideia de liberdade de
actuação e de soberania do querer.
Todavia, embora o interesse constitua a causa-função pela qual o direito subjectivo
foi instituído, com ele não se confunde. Não há equivalência entre o direito subjectivo e o
interesse, pelas razões seguintes: em primeiro lugar, a existência de um interesse
juridicamente tutelado nem sempre implica a existência do respectivo direito subjectivo 107,
embora a inversa seja, obviamente, verdadeira. Com efeito, há normas, mormente do Direito
Público, que visam, em primeira linha, proteger interesses da colectividade e, ao mesmo
tempo, interesses particulares, de forma indirecta; todavia a mera violação dessas normas
não dá lugar à obrigação de indemnizar os titulares dos direitos a cuja defesa elas se
destinam. Se o houver, este resultará directamente da violação dos seus direitos subjectivos
(absolutos) e não, simplesmente, da norma. Para ilustrar esta ideia, sirvam como exemplo
as regras do Código de Estrada, as regras que proíbem a poluição ambiental, ou que
obriguem à vacinação obrigatória.
105
MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., vol.I, 3-B-I-1
106
Teoria Geral do Direito Civil, 42-I
107
Segundo MANUEL DE ANDRADE, a realização do interesse defendido é deferida pela lei a uma
entidade pública.
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Em segundo lugar, o direito subjectivo não está confinado ao interesse que a lei, no
caso concreto, pode tutelar, isto é, o âmbito do direito subjectivo é mais amplo do que o do
mero interesse do seu titular. Este pode exercê-lo para realizar fins diferentes daquele que
foi visado, desde que se respeitem os limites impostos pela lei, nos termos do artigo 334º
(cláusula da proibição do abuso do direito) e do artigo 280º do Código Civil. Nas palavras
de HÖRSTER108, o interesse é “uma razão em virtude da qual a lei atribui esse poder”. Na visão
deste autor, não existe uma identidade entre o direito e o interesse, e justifica esta afirmação
nos seguintes termos: “o interesse constitui o móbil do direito subjectivo, mas não faz parte
dele. Não diz respeito à sua estrutura, apenas se refere à sua função…De resto, a lei ao
reconhecer um poder jurídico a uma pessoa para o prosseguimento de um determinado
interesse, não vincula necessariamente para exercer o poder conferido apenas na estrita
medida deste interesse. O titular pode ficar aquém do interesse, mas também não está de todo
inibido de utilizar o direito para um fim diverso. Além de não coincidirem, interesse e direito
subjectivo também não existem necessariamente ao mesmo tempo ou na mesma pessoa ou só
nesta. P. Ex. o exercício dos direitos-deveres não é feito no interesse do seu titular, mas no
interesse de outrem”.
108
Op. cit. 370-371.
109
Na literatura jurídica, estes dois verbos são, às vezes, usados indistintamente e no mesmo sentido. Assim,
por exemplo, HÖRSTER (a Parte Geral do Código Civil, cit., nº 251), por exemplo, considera que o direito
subjectivo dá origem a diversas pretensões. Estas podem ser: contratuais (primárias – art. 879º/1 e 2;
secundárias – art. 914º, 1ª parte), baseadas em negócios jurídicos unilaterais (art. 459º), pretensões quase
contratuais (art. 227º), pretensões resultantes da lei (art. 526º), pretensões reais e possessórias (art. 1311,
1315 e 1276ss), pretensões baseadas na gestão de negócios (art. 466º), pretensões resultantes da
responsabilidade civil (art. 483ss) e pretensões baseadas no enriquecimento sem causa (art. 476ss). Segundo
o mesmo autor, diante de determinada pretensão, há que perguntar se o direito subjectivo invocado foi
constituído validamente, se não deixou de existir, em virtude do cumprimento ou prescrição, e se não existe
alguma situação de oponibilidade ao mesmo.
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110
Entende-se por capacidade judiciária a susceptibilidade de estar, por si só, em juízo. Ver, as este respeito,
NÉLIA DANIEL DIAS, Lições de Processo Civil I, Edição da União dos Escritores Angolanos, Luanda,
2010, pág. 59.
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111
À luz do Direito vigente em Angola, o casamento só se extingue por duas vias: o divórcio e a morte. O
Código de Família Angolano não prevê a separação judicial.
90
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112
Vide supra, no Capítulo II, no item relativo ao Livro II do Código Civil.
113
No sentido filosófico, a que corresponde uma verdadeira fatalidade; necessário é o que não pode não
ser.
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4.1 Sujeitos
A relação jurídica só pode ser estabelecida entre pessoas, mas só entre pessoas em
sentido jurídico ou técnico 115, isto é, entre entidades dotadas de personalidade jurídica
(sujeitos de direitos e obrigações).
114
De facto, é claramente visível esta lógica na arrumação externa do Título II, sob a epígrafe “Das Relações
Jurídicas. Assim, temos: Subtítulo I – Das Pessoas (art. 66-201); Subtítulo II – Das Coisas (art. 202-2169;
Subtítulo III – Dos Factos jurídicos (art. 217-295); subtítulo IV – Do exercício e da tutela dos direitos. Os
artigos 296 a 333 são dedicados ao tempo e à sua repercussão nas relações jurídicas
115
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116
Individualidades físico-químicas capazes de vontade e acção próprias.
117
H.E.HÖRSTER, op. cit. nº 264.
118
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., Vol. I, pág. 52).
119
O consórcio é uma associação de empresas ou companhias, sob o mesmo controle ou não, que se juntam
para desenvolver um empreendimento, geralmente de grande dimensão, e cuja execução exige
conhecimentos especializados, e para obter uma finalidade comum. Em sentido técnico, a palavra consórcio
designa o contrato mediante o qual se dá a associação. Trata-se do contrato pelo qual duas ou mais pessoas
singulares ou colectivas, que exerçam uma actividade económica, se obrigam entre si a, de forma
concertada, realizar certa actividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir um determinado
escopo ou objecto. O consórcio tem uma estreita ligação com a joint venture, mas não se pode confundir
com ela. A joint venture pode ter um sentido mais amplo. As empresas que se associam são independentes
juridicamente, mas pode optar por constituir um ente juridicamente independente, que responde
juridicamente pelos direitos e obrigações contraídas em seu nome, ou manter-se num simples consórcio,
sendo que neste caso, são as associadas que respondem pelos direitos e obrigações. Tanto num caso como
noutro, temos uma joint venture.
120
São sociedades em via de formação, estão num processo de aquisição da personalidade jurídica, para a
qual lhes faltam alguns requisitos.
121
A associação em participação é um contrato através do qual uma pessoa se associa à actividade
económica exercida por outra pessoa, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e nas perdas
que desse exercício resultarem para a segunda. Esta figura implica, assim, pelo menos, dois sujeitos: um
deles, normalmente (mas não necessariamente) um comerciante, que obtém o financiamento e mantém o
exclusivo controlo da sua actividade, sendo o único a surgir nas relações externas (o associante) e um outro
(associado), que não tem de, necessariamente, exercer uma actividade comercial, e que realiza um
93
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pessoas colectivas certas afinidades. como não são centros autónomos de imputação de
direitos e obrigações, pelas obrigações assumidas em nome delas são responsáveis, em
princípio, os seus membros.
Como já foi adiantado, as pessoas singulares têm personalidade jurídica por direito
natural, isto é, pelo simples fato de nascerem, nos termos do artigo (art. 66º nº 1 C.C.)122. A
personalidade jurídica das pessoas é um dado extra-legal e extra jurídico. Já a personalidade
jurídica das pessoas colectivas depende da Lei, pois as pessoas colectivas são uma criação
do Direito; daí que alguma doutrina as considere como pessoas fictícias. Mas a partir do
momento em que adquiram a personalidade jurídica, as pessoas colectivas são autónomas
e juridicamente independentes, isto é, são centros autónomos de direitos e obrigações,
porque juridicamente distintas dos seus membros (pessoas físicas)123.
investimento remunerado na actividade do associante. Note-se ainda, como nota fundamental desta figura,
que a associação em participação não tem personalidade jurídica. Perante terceiros, o associante surge como
o único titular e dono do negócio − só ele intervém no tráfego jurídico e, portanto, só em relação a ele se
constituem direitos e obrigações perante terceiros. A sua relação com o(s) associado(s) é uma relação
meramente obrigacional, não sendo contitulares de qualquer património comum (ALEXANDRE C.A.
MOTA PINTO e JOANA TORRES EREIO, Sumários Desenvolvidos, Contratos Civis e Comerciais, Ano
Letivo De 2011/2012, Faculdade de Direito da Universidade de Nova Lisboa, in
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/AMP_MA_15386.pdf)
122
Trata-se de um entendimento conquistado com o jusnaturalismo iluminista. O Jusnaturalismo em si é
caracterizado pela defesa da existência de um direito supra legal – o direito natural - que é imutável no que
diz respeito a determinados valores fundamentais como a justiça e que devem ser respeitados pelo Direito
Positivo. Historicamente, o Jusnaturanismo não se concentra numa única época. Assim, fala-se do
jusnaturalismo da antiguidade (de Hesíodo até Séneca e Marco Aurélio), que parte da existência de uma
ordem natural, o jusnaturalismo cristão (de Santo Agostinho a Tomás de Aquino e Francisco Suarez –
caracterizado pelo pensamento teológico), o Iluminismo (de Grotius até Rousseau e Immanuel Kant); este
último, o Iluminismo, coloca a razão e/ou a natureza do homem no centro da reflexão (para mais detalhes,
Ver. H. E. HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. Nº 15 e 263).
123
PAIS DE VASCONCELOS (Teoria Geral do Direito Civil, cit., cit. nº 4: I a IV) faz uma abordagem
bastante interessante a este respeito, colocando uma pergunta: se é por se ser sujeito de direitos e obrigações
que se é pessoa ou se é por se ser pessoa que se é sujeito de direitos e obrigações. Segundo ele,
tradicionalmente, tem-se partido da susceptibilidade de direitos e obrigações para a qualificação de certo
ente como pessoa, e é este caminho que possibilita a criação de outras pessoas jurídicas (pessoas colectivas),
para além das pessoas humanas. Aqui a pessoa é algo construído pelo Direito. Todavia, este caminho tem
o risco de se conferir ao Direito e à Lei o poder da atribuição da personalidade jurídica, abrindo-se, assim,
caminho para construções jurídicas que não respeitem a dignidade e a centralidade da pessoa em todo o
Direito; é esta via que levou à exclusão de determinados seres humanos do conceito de pessoa, com base
em critérios de raça ou religiosos. Se se parte da personalidade entendida como qualidade de ser pessoa
para a atribuição de direitos e obrigações, então a titularidade de direitos e obrigações é apenas
consequência de um facto e não a sua causa. A personalidade das pessoas humanas não é, neste sentido,
algo que possa ser atribuído ou recusado pelo Direito, é algo que fica fora do alcance do poder de
conformação do legislador. É este o entendimento hoje patente no nº 1 do artigo 66º do Código Civil.
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A relação jurídica constitui-se entre sujeitos (activo e passivo), os quais são os seus
pontos terminais. O sujeito activo é o titular de poderes (direito subjectivo/direito
potestativo), enquanto o sujeito passivo é o titular de vinculações (dever jurídico/sujeição).
A relação jurídica pode constituir-se entre pessoas singulares, ou entre pessoas
colectivas, ou entre uma pessoa colectiva e outra singular. Além disso, há que notar ainda
que os sujeitos da relação jurídica podem ser mais de dois, embora, na maioria dos casos,
haja apenas dois sujeitos, um activo e outro passivo.
Os sujeitos da relação jurídica ocupam posições jurídicas. O mais normal é um dos
sujeitos ocupar a posição activa e o outro a posição passiva. Mas há tipos negociais em que
cada um dos sujeitos ocupa, simultaneamente, uma posição activa (ter direitos sobre o outro
sujeito), em determinado(s) aspecto(s) da relação jurídica, uma posição passiva em outro
aspecto da relação (ter obrigações) e vice-versa. Por isso se fala de direitos e obrigações das
partes.
4.2 Objecto
O objecto da relação jurídica é aquilo (quid) sobre o qual incide o direito subjectivo
(os poderes conferidos pela ordem jurídica ao titular activo da relação jurídica). Este quid
pode consistir numa coisa em sentido jurídico; mas pode ser uma prestação. O estudo
pormenorizado é reservado para o capítulo apropriado.
valer o seu direito, sempre que o obrigado negligente ou relutante não cumpra
tempestivamente, e sempre que, fundadamente, o titular do direito receie estar na
iminência de ver o seu direito violado124.
São inúmeras as garantias da relação jurídica. Podem ser descortinadas à medida
que se estudam os vários tipos de relações jurídicas. Podemos apontar, de forma
exemplificativa, algumas, distinguindo entre aquelas que se consideram normais, ou mais
frequentes, e as garantias excepcionais. Entre as primeiras, encontramos: a execução dos
bens do devedor (art. 601º C.C), a execução específica (art. 827º, 830º, nº1), a obrigação de
indemnizar (art. 483º e 562º C.C.), a obrigação de juros (art. 559º C.C.), a cláusula penal (art.
830º nº 2 C.C), a excepção de não cumprimento (art. 428º C.C.) e as garantias, reais e
pessoais, das obrigações.
Estas garantias têm vários níveis. Se o direito subjectivo confere ao seu titular o
poder de exigir, o titular dispõe da garantia da acção judicial. Se lhe confere apenas o poder
de pretender, a garantia é mais fraca, já que o cumprimento não pode ser exigido
judicialmente. Todavia, se o devedor cumprir espontaneamente a obrigação, não tem direito
à repetição (devolução) da coisa prestada (art. 403); o devedor não por exigir, nem
judicialmente, a repetição do indevido. Se o direito subjectivo confere um direito
potestativo, a garantia é mais forte, porque o devedor não se pode furtar ao cumprimento
(estado de sujeição).
Existem, além das que acabamos de mencionar, as que põem ser chamadas de
garantias excepcionais125: a acção directa (art. 336º C.C.), a legítima defesa (art. 337º C.C.) e
o estado de necessidade (art.339º C.C.).
A acção directa (art. 336 e 338) permite que o titular do direito recorra à força, isto
é, confere-lhe autorização para se apropriar, destruir ou deteriorar uma coisa ou eliminar a
resistência física irregularmente oposta ao exercício do direito por parte do titular, ou
praticar outro acto análogo126 para realizar ou assegurar o seu direito, desde que se
124
Segundo HÖRSTER, a garantia jurídica visa proteger a confiança do credor. Com efeito, diz ele:
“embora a ordem jurídica conte, em princípio, com o cumprimento espontâneo das obrigações resultantes
de uma relação jurídica, ela não pode limitar-se a esta posição de confiança. É preciso colocar meios
adequados à disposição do titular do direito subjectivo para aqueles casos em que a confiança é desiludida
porque o direito subjectivo foi violado, ou corre o risco, mais ou menos iminente, de vir a ser violado, ou
é contestado ao seu titular”.
125
Esta designação resulta do que dispõe o artigo 1º do Código de Processo Civil: “A ninguém é lícito o
recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites
declarados na lei. Os direitos são garantidos, em princípio, pela via judicial. Isto é atestado pela Constituição
que estabelece no nº1 do artigo 29º, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”: “a
todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos”.
126
HÖRSTER, op. cit. Nº 358
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verifiquem os seguintes pressupostos: a) que a acção seja indispensável (não haja outro
meio para assegurar o direito); b) que seja impossível recorrer em tempo útil aos meios
coercivos normais; c) que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.
A lei exige, portanto, que se observe o princípio da proporcionalidade. Segundo HÖRSTER,
a acção directa não pode ser aplicada aos direitos de pretender, isto é, quando se trate de
uma obrigação natural127. Nos termos do artigo 338º do Código Civil, se o titular do direito
agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos da acção directa, é obrigado a
indemnizar o prejuízo causado, excepto se o erro for desculpável128.
A legítima defesa (art. 337): traduz-se na justificação do acto destinado a afastar
qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou o património do agente ou de
terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e desde que o prejuízo
causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da lesão. A
legítima defesa difere da acção directa no aspecto de que pressupõe e destina-se a afastar
uma agressão actual e contrária á lei, contra a pessoa ou o património do titular ou de
terceiro (a acção directa destina-se a assegurar ou realizar o próprio direito), postula os
seguintes pressupostos: a) que exista uma agressão humana actual; b) a sua contrariedade
à lei; c) necessidade da defesa; d) Impossibilidade do recurso aos meios normais;
proporcionalidade da defesa.
Nos termos do artigo 339º, o estado de necessidade129 verifica-se sempre que alguém
destrua ou danifique coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano
manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro. Segundo HÖRSTER, o estado de
necessidade pode existir em duas situações: numa primeira situação, destrói-se uma coisa
alheia que representa um perigo, seja para o agente seja para terceiro (defensiver
Notstand). Pode existir também quando o perigo não parta da coisa a destruir ou a danificar,
mas se serve desta para remover o perigo actual de um dano manifestamente superior que
parte de outra fonte (Agressiver Notstand)130. O estado de necessidade importa a obrigação
de indemnizar quando o perigo tenha sido provocado pelo agente. Entretanto a obrigação
127
Ibidem
128
HÖRSTER considera tal solução pouco feliz. Nas suas próprias palavras, “Quem recorre à acção directa
assume um risco especial onde todos os cuidados são poucos e devia estar obrigado a indemnizar sempre
que os pressupostos não existem, independentemente da desculpabilidade do erro. Com a solução adoptada
a lei não contribui para a paz social, uma vez que não distribui da melhor maneira o risco entre os
intervenientes, fazendo arcar com ele a vítima de uma actuação não justificada e cujos interesses nem sequer
são afectados”.
129
Alimenta a curiosidade saber que a palavra alemã que traduz o estado de necessidade (notstand) exprime
a ideia de emergência.
130
Op. cit. Nº 361.
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de indemnizar pode recair, além do agente, também aos que tiraram proveito do acto (art.
339 nº 2).
As garantias podem ser preventivas ou repressivas. Talvez conviesse dizer que
todas estas garantias têm uma função preventiva e outra repressiva. Cumprem a primeira
função, na medida em que a sua existência legal visa prevenir a violação de direitos;
repressivas, porque serão accionadas sempre que sejam invocadas pelo titular do direito
violado para que o mesmo seja reposto. Deve-se notar que as garantias não funcionam de
modo automático, são verdadeiras faculdades, de que o sujeito activo pode lançar mão e,
por isso, só operam por iniciativa do titular do direito subjectivo.
RESUMO
DA RELAÇÃO JURÍDICA – GENERALIDADES
3. Objecto
o Noção: quid sobre o qual incidem os poderes do titular activo da relação
jurídica
o Poder ser: uma coisa, uma prestação, uma pessoa
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