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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

TEORIA DA EXCEÇÃO: A EXCEÇÃO E AS EXCEÇÕES

Revista de Processo | vol. 116/2004 | p. 54 - 66 | Jul - Ago / 2004


DTR\2004\778
_______________________________________________________________________
Fredie Didier Júnior
 
Área do Direito: Civil; Processual

Sumário:  
1. Generalidades - 2. Tipologia das exceções
 

1. Generalidades

1.1 Acepções

Exceção é palavra polissêmica na dogmática jurídica: possui sentidos pré-processual,


processual e substancial. Esses sentidos seguem, mutatis mutandis, a mesma linha das
acepções conferidas à palavra "ação", o que possibilita desenhar um paralelo entre elas.
Qualquer que seja a acepção dada, o emprego do termo "exceção" pressupõe a condição
de demandado. 1

No sentido pré-processual, exceção pode ser entendida como o direito abstrato de


defesa, de fundo constitucional.

Na acepção processual, exceção é o meio pelo qual o demandado se defende em juízo,


representando, neste último caso, o exercício concreto do direito de defesa. Exceção é,
pois, a própria defesa. Em sentido processual ainda mais restrito, exceção seria uma
espécie de matéria que não poderia ser examinada ex officio pelo magistrado.

Em sentido material, exceção relaciona-se com a pretensão (essa relação entre os


institutos é fundamental para a sua compreensão), sendo um direito de que o
demandado se vale para opor-se à pretensão, para neutralizar-lhe a eficácia - é uma
situação jurídica que a lei material considera como apta a impedir ou retardar a eficácia
de determinada pretensão (situação jurídica ativa), espécie de contradireito do réu em
face do autor: é uma pretensão que se exerce como contraposição à outra pretensão. 2

"Consistia a exceptio uma verdadeira exceção, no sentido vulgar da palavra; era um


'exceto se', um 'salvo se', inserido na fórmula (si non, ac si non, quod ou qua de re non,
e semelhantes) em favor do réu, acrescentado à ordem de condenação". 3

"Do ponto de vista estrutural, a exceptio consistia em uma cláusula condicional negativa,
que era aditada, a pedido do réu, entre a intentio e a condemnatio, alterando
substancialmente o sentido da fórmula." 4
     

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1.2 Exceção em sentido material e exceção em sentido processual

A relação que se deve fazer entre a exceção em sentido processual e a exceção em


sentido material é a mesma que se faz entre a ação processual de hoje e a actio
romana: a partir do momento em que o direito material foi desvinculado do processo,
não mais se justifica baralhar os conceitos, embora institutos distintos tenham o mesmo
nome. 5Cabe à legislação civil o tratamento das exceções substanciais; a legislação
processual, por sua vez, cuida da normatização do exercício do direito de defesa,
incluindo aí exceções de cunho eminentemente processual (o que reforça a autonomia
entre o processo e o direito material), como é o caso da incompetência do juízo.

Cabem, porém, algumas considerações sobre as exceções substanciais, notadamente


porquanto o seu regime jurídico repercute na atuação judicial das partes e do
magistrado.

A exceção substancial, para ser conhecida pelo juiz, precisa ser exercida pelo
demandado. Não pode, de regra, o magistrado conhecer ex officio dessa exceção. 6Não
alegada a exceção substancial no momento da contestação, ocorre a preclusão, salvo se
a lei expressamente permitir a alegação a qualquer tempo, o que é raro (exemplo:
prescrição, art. 193 do CC/2002 (LGL\2002\400)). A exceção opera no plano da eficácia:
7
não pretende o demandado extinguir a pretensão contra si exercida, mas apenas
retirar-lhe a eficácia. Quem excetua não nega a eficácia, busca neutralizá-la ou retardá-
la. 8A exceção, como reverso da pretensão, prescreve no mesmo prazo desta (art. 190
do CC/2002 (LGL\2002\400)). 9São exceções substanciais, por exemplo, a prescrição, o
direito de retenção e a exceção de contrato não cumprido.

Extremados os conceitos, o que é fundamental, cumpre advertir que muito da


construção doutrinária sobre a exceção (feita em época em que não se distinguiam os
planos material e processual do ordenamento jurídico, e, portanto, os sentidos
processual e material do vocábulo "exceção") 10pode e deve ser aproveitado, desde que
se tome o cuidado de não misturar as coisas.

1.3 Da exceção como direito de defesa

Do mesmo modo que se fala do direito de ação como o direito de provocar a atividade
jurisdicional, relacionando-o com o autor (demandante), fala-se da exceção como o
direito do réu de resistir à postulação que lhe foi formulada, de ser ouvido e de ter,
como conseqüência, uma decisão que aprecie a postulação do autor. Ambos são
assegurados constitucionalmente (art. 5.º, XXXV e LV, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

Tem o réu, uma vez demandado, tanto quanto o autor, direito à decisão de mérito; a
necessidade de o autor não poder prescindir do consentimento do réu para desistir da
demanda, se já tiver havido apresentação da resposta, é sinal inequívoco nesse sentido.
No entanto, do mesmo modo que se entende o direito de ação como um direito abstrato
- desvinculado da existência ou não do direito material alegado -, também a exceção se

     

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apresenta como um direito abstrato: tem direito de defesa mesmo aquele que, afinal, se
mostre sem razão.

Grinover, Dinamarco e Cintra bem sintetizam o tema:

"Tomada nesse sentido, da exceção é lícito afirmar que configura um direito análogo e
correlato à ação, mais parecendo um particular aspecto desta: aspecto esse que resulta
exatamente da diversa posição que assumem no processo os sujeitos da relação
processual. Tanto o direito de ação como o de defesa compreendem uma série de
poderes, faculdades e ônus, que visam à preparação da prestação jurisdicional". 11

E ainda mais incisivo, Eduardo Couture, uns dos que mais bem enfrentaram o tema:

"Pelas mesmas razões por que admitimos que a ação seja um puro direito à jurisdição,
que assiste até mesmo aos que carecem de um direito substantivo eficaz que justifique
uma sentença julgando procedente a ação, devemos admitir que também dispõem de
exceção os que foram chamados a juízo e neles se devem defender. (...) O réu, com
razão ou sem ela, reclama do juiz que o absolva da demanda: ninguém pode privá-lo
desse direito, pelas mesmas razões por que ninguém pode privar o autor do seu direito
de dirigir-se ao tribunal". 12

Importante frisar que, do mesmo modo que o direito de ação não se exaure com a
propositura da demanda, "o direito de defesa não é apenas a apresentação da resposta,
mas a possibilidade conferida ao réu de, efetivamente, reagir em juízo para que seja
negada a tutela jurisdicional ambicionada pelo autor. Assim como o direito de ação, o
direito de defesa se desdobra em um conjunto de garantias que confere ao réu a
possibilidade de apresentar as suas alegações, produzir as suas provas, recorrer etc.".
13
Pode-se pensar, assim, em uma noção estática (a primeira) e em uma noção dinâmica
(a segunda) do direito de defesa.

Como desdobramento disso, tem-se que, assim como o autor, também o réu tem direito
a um procedimento adequado, em que possa exercer o seu direito de defesa de uma
forma adequada, como manifestação das garantias da inafastabilidade da apreciação do
Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), do contraditório (art. 5.º,
LV, da CF/1988 (LGL\1988\3)) e do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1988
(LGL\1988\3)). Sucede que "nem todo procedimento, ainda que formalmente perfeito,
atende ao direito de defesa, sendo necessário averiguar, em face do seu desenho legal,
e a partir de um ângulo externo, se ele está de acordo com as necessidades do direito
substancial e com os valores da Constituição. Em outras palavras, a lei, ao limitar o
exercício do direito de defesa (reservando exceções para outra demanda), ao limitar o
exercício do direito à prova, ou ainda ao inverter o ônus da prova, deve estar atenta às
necessidades do direito substancial e aos valores constitucionais. O réu também tem
direito ao procedimento adequado". 1415

1.4 Ação vs. exceção

     

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Para exemplificar o que até então se disse, bem como estabelecer uma correlação entre
"ação" e "exceção", temos o seguinte quadro:

Sentido

Pré-

processual

Processual

Material

Ação

Ação como direito abstrato de provocar a atividade jurisdicional do Estado-juiz (sentido


estático)

Ação como exercício do direito abstrato de provocar a atividade jurisdicional do Estado-


juiz (ação concretamente exercida: sentido dinâmico)

Ação como o próprio direito material em exercício. Como se viu, trata-se de acepção
antiga, oriunda do direito romano, que não distinguia entre relação jurídica processual e
relação jurídica material deduzida no processo

Exceção

Exceção como direito abstrato de defesa em processo judicial (sentido estático)

Exceção como exercício do direito abstrato de defesa em processo judicial (defesa


concretamente exercida: sentido dinâmico)

Exceção como situação jurídica passiva, que a lei material considera como apta a
impedir ou retardar a eficácia de determinada pretensão (situação jurídica ativa)
manifestada pelo autor

Por ora o que interessa é o estudo da exceção como situação jurídica do demandado. 16A
exceção, assim, será estudada, a partir de agora, como o direito de defesa
concretamente exercido, isto é, em sentido exclusivamente processual. Elabora-se,
então, uma tipologia das defesas: a) admissibilidade e mérito; b) direta e indireta; c)
dilatória e peremptória; d) objeção e exceção (em sentido estrito); e) interna e
instrumental; f) defesa limitada e defesa plena; g) exceção substancial dependente e
independente.

2. Tipologia das exceções

2.1 Defesa contra a admissibilidade e defesa contra o mérito

Inicialmente, distinguem-se as defesas de acordo com o seu objeto.

     

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a) Processuais ou de admissibilidade são as defesas que têm por objeto os pressupostos


de admissibilidade da causa (condições da ação e pressupostos processuais). Dizem
respeito a questões puramente processuais - ao menos em termos de direito positivo,
pois o nosso sistema acolheu a tese de que as questões relacionadas às condições da
ação não são questões de mérito. O objetivo do demandado é questionar a viabilidade
de apreciação do mérito. A formulação de defesa contra a admissibilidade, que traz ao
processo questão preliminar, impõe a intimação do demandante para a réplica (art. 327
do CPC (LGL\1973\5)).

b) São defesas de mérito aquelas que o demandado opõe contra a pretensão deduzida
em juízo pelo demandante (objeto litigioso), quer para neutralizar os seus efeitos, quer
para retardar a produção destes mesmos efeitos (exceções dilatórias de mérito), quer
para negá-los peremptoriamente. Cumpre advertir que pode uma defesa de mérito ter
por objeto uma questão processual. Isso porque é possível que o mérito seja composto
exclusivamente por questões processuais, como ocorre, v.g., na ação rescisória (incisos
II e IV do art. 485 do CPC (LGL\1973\5), por exemplo) e nos embargos à execução (art.
741, I, do CPC (LGL\1973\5)). É por isso que preferimos, para evitar confusões
desnecessárias, a expressão "defesa contra a admissibilidade", em vez de "defesa
processual".

2.2 Defesa direta e defesa indireta

Considera-se defesa direta aquela em que o demandado se limita (a) a negar a


existência dos fatos jurídicos constitutivos do direito do autor ou (b) negar as
conseqüências jurídicas que o autor pretende retirar dos fatos que aduz (embora
reconheça a existência dos fatos, nega-lhes a eficácia jurídica pretendida). O réu, ao
assim defender-se, não aporta ao processo nenhum fato novo. Se a defesa do réu
limitar-se à impugnação direta, não haverá necessidade de réplica - manifestação do
autor sobre a contestação (arts. 326 e 327 do CPC (LGL\1973\5)). Só se pode falar de
defesa direta de mérito, pois todas as defesas processuais são indiretas. 17

O demandado apresenta defesa indireta quando agrega ao processo fato novo, que
impede, modifica ou extingue o direito do autor. Isso acontece quando o demandado
aduz uma exceção substancial (defesa indireta de mérito que não pode ser conhecida ex
officio pelo magistrado - art. 326 do CPC (LGL\1973\5)) ou uma objeção substancial
(defesa de mérito que pode ser examinada de ofício pelo magistrado). Se houver defesa
indireta, haverá necessidade de réplica, pois o autor tem o direito a manifestar-se sobre
o fato novo que lhe foi deduzido. A existência de defesa indireta repercute na
distribuição do ônus da prova, que é do réu em relação aos fatos novos (art. 333, II, do
CPC (LGL\1973\5)), e na possibilidade de cisão da confissão, que a princípio é incindível
(art. 354 do CPC (LGL\1973\5)).

2.3 Objeção e exceção

Exceção é sinônimo de defesa, isso já foi visto. Chama-se, porém, de exceção (em
     

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sentido estrito) a alegação de defesa que, para ser conhecida pelo magistrado, precisa
ter sido argüida pelo interessado.

Costuma-se dizer que as exceções substanciais não podem ser conhecidas ex officio.
Esta afirmação, que certamente decorre da origem histórica do instituto "exceção",
18
vista no item anterior, é verdadeira para a generalidade dos casos. No entanto, o
Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 parece ter excepcionado a regra, ao permitir que o
magistrado examine de ofício a prescrição que beneficie incapaz (art. 194 do CC/2002
(LGL\2002\400)) - trata-se de autorização sem precedentes históricos.

Convém atentar para a seguinte característica: o demandado, ao alegar uma exceção


substancial, admite os fatos trazidos pelo autor como fundamento de sua pretensão,
mas exercita um direito que lhe neutraliza a eficácia (eis a razão da redação do art. 326
do CPC (LGL\1973\5)). Essa circunstância é muito importante, pois, se o demandando
assim proceder, o demandante fica desonerado do seu ônus da prova (art. 333, I, do
CPC (LGL\1973\5)), tendo em vista a incontroversia do fato constitutivo do seu direito
(art. 334, III, do CPC (LGL\1973\5)).

Basicamente, não se permite ao magistrado o conhecimento de ofício de exceções


substanciais por serem elas espécie de contradireito do réu em face do autor. Como
contradireito, pode ser objeto de demanda autônoma. Assim, violaria o princípio da
demanda (arts. 128 e 460 do CPC (LGL\1973\5)) o magistrado que levasse em
consideração exceções substanciais não alegadas pelo réu. 19São exemplos de exceção
substancial: a prescrição (art. 194 do CC/2002 (LGL\2002\400)); a compensação (arts.
368 a 380 do CC/2002 (LGL\2002\400)); o direito de retenção (art. 1.219 do CC/2002
(LGL\2002\400)); exceção de contrato não cumprido (art. 476 do CC/2002 (LGL\
2002\400)) etc.

Também existem exceções (em sentido estrito) de conteúdo processual, como é o caso
da incompetência relativa 20e do compromisso arbitral (art. 301, § 4.º, do CPC (LGL\
1973\5)), ambas matérias que não podem ser examinadas de ofício pelo magistrado.

Não se deve, portanto, considerar que toda exceção em sentido estrito é substancial
nem que toda exceção substancial é exceção stricto sensu.21

Considera-se objeção a matéria de defesa que pode ser conhecida ex officio pelo
magistrado.

Existem objeções substanciais, como é o caso da decadência legal, do pagamento e das


causas de nulidade absoluta do negócio jurídico (arts. 168, parágrafo único, e 424 do
CC/2002 (LGL\2002\400); art. 51 do CDC (LGL\1990\40)), e processuais, como as
questões relacionadas às condições da ação e aos pressupostos processuais (art. 267, §
3.º, do CPC (LGL\1973\5)).

Também aqui se vêem as marcas da história: tinha essa característica (de poder ser

     

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conhecida de ofício pelo magistrado) a antiga objeção do direito romano, que era uma
figura de direito material relacionada ao sujeito passivo das obrigações, que, em vez de
encobrir a eficácia da pretensão (característica da exceção substancial), visa extingui-la,
eliminá-la. Enquanto a exceção substancial não discute a pretensão, a objeção a
questiona, a nega. O acolhimento da objeção substancial reconhece a extinção da
pretensão; o acolhimento da exceção reconhece a sua ineficácia. É importante, assim,
distinguir a exceção substancial da objeção substancial.

Explica Pontes de Miranda:

"O excipiente recusa-se a satisfazer a pretensão porque a eficácia dessa está encoberta.
Não objeta, não alega fato extintivo ou modificativo, ou que teria impedido o nascimento
do direito do demandante. Nas objeções não há alegações de direitos, mas de fatos; nas
exceções, há exercício de direitos, por meio de alegações e oposições". 22

Na mesma linha, com outros argumentos, Calmon de Passos, que procura demonstrar a
causa do tratamento diferenciado destas defesas de mérito.

"Há fatos extintivos ou impeditivos que, embora provados nos autos, não impedem que
o juiz prolate uma sentença favorável ao autor, podendo ele, portanto, deixar de levá-los
em consideração, por motivo de não terem sido alegados pelo réu. E assim agindo, o
julgador não profere uma sentença injusta, no sentido de sentença que inova contra o
direito. Outros fatos extintivos ou impeditivos existem, contudo, que, uma vez provado
nos autos, reclamam a consideração do magistrado, sob pena de, desconhecendo-os,
proferir uma sentença injusta, por inovar contra o direito. 23No primeiro caso, diz-se que
o fato extintivo é uma exceção; e porque não determinando sua existência,
necessariamente, obstáculo à prolação de uma sentença justa, reclama-se a iniciativa do
interessado para que ele seja devidamente considerado pelo juiz, sob pena de estar
violando o princípio dispositivo, que lhe impede tomar a iniciativa de tutela do interesse
das partes. No segundo caso, cuida-se de uma objeção, porquanto a sua existência
impede a prolação de uma sentença favorável, que será sempre injusta (contrária ao
direito), se não forem aqueles fatos levados em consideração pelo juiz, tenha ou não
havido provocação do interessado". 24

O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) não cuida expressamente das objeções


substanciais. O magistrado pode conhecê-las ex officio, no entanto, por força do arts.
303, II, e 462, do CPC (LGL\1973\5). Não obstante a redação do art. 327 do CPC (LGL\
1973\5) aparentemente referir-se apenas às exceções substanciais, impõe-se a
intimação para a réplica também quando o réu alegar objeção. 25

A distinção entre objeção e exceção ganhou relevo, nos últimos tempos, com o
recrudescimento da denominada exceção de não-executividade, defesa interna ao
processo de execução formulada pelo executado, sem garantia do juízo. Para uns,
somente seria possível a objeção de não-executividade, pois somente as matérias que
podem ser conhecidas de ofício poderiam ser alegadas sem a necessidade de penhora
     

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(garantia do juízo); para outros, qualquer matéria defensiva poderia ser aduzida, desde
que comprovada documentalmente (por isso o termo "exceção", que, como visto, pode
assumir a acepção ampla de "defesa", qualquer uma).

Exceção

Como instituto de direito material - direito oposto pelo sujeito passivo que visa a impedir
ou retardar a eficácia jurídica da pretensão (exceção de contrato não cumprido, direito
de retenção etc.).

Como instituto de direito processual - qualquer defesa, e, em sentido estrito, aquela não
possa ser conhecida de ofício pelo magistrado.

Processual (exemplo: exceções de incompetência relativa e compromisso arbitral)

Substancial (exemplo: prescrição que não beneficia incapaz, compensação etc.)

Objeção

Como instituto de direito material - fato oposto pelo sujeito passivo que visa a negar a
própria pretensão (decadência, pagamento etc.).

Como instituto de direito processual - qualquer defesa que possa ser conhecida de ofício
pelo magistrado.

Processual (exemplo: pressupostos de admissibilidade da demanda - pressupostos


processuais e condições da ação)

Substancial (exemplo: decadência legal, pagamento etc.)

2.4 Defesa dilatória e defesa peremptória

Exceção dilatória é aquela que apenas dilata no tempo o exercício de determinada


pretensão. São exemplos: nulidade de citação; conexão; incompetência (salvo nos
Juizados Especiais, no art. 51, III, da Lei 9.099/1995, e no art. 21, § 1.º, do RISTF
(LGL\1980\17)); exceção de contrato não cumprido; direito de retenção etc. Como se
percebe, é possível a existência de exceção dilatória de mérito e de admissibilidade -
normalmente, costuma-se restringir as exceções dilatórias ao rol das defesas
processuais, o que é grave equívoco.

Exceção peremptória é aquela que objetiva perimir o exercício da pretensão, fulminá-lo.


São espécies de exceção peremptória: prescrição, carência de ação; compensação;
pagamento etc. Aqui, também, visualizam-se exceções peremptórias de mérito e de
admissibilidade.

Esta classificação remonta a Gaio, jurisconsulto romano, e foi inicialmente feita para
exceptio romana, figura de direito material. Dizia-se que as exceptiones peremptórias
seriam perpétuas, pois poderiam ser opostas a qualquer tempo, e as dilatórias,
     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

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temporais, porquanto eram oponíveis durante um determinado prazo.

2.5 Interna e instrumental

Considera-se exceção interna aquela que pode ser formulada no bojo dos autos em que
está sendo demandado o réu. A maioria absoluta das exceções pode ser formulada
internamente.

No entanto, é possível, e muita vez ocorre, que o legislador imponha determinada forma
para o exercício da exceção, que implique processamento autônomo, com autuação
própria. Chama-se de exceção instrumental aquela que, para ser apreciada, exige a
formação de um instrumento (autos próprios; conjunto de documentos) autônomo e
apensado aos autos principais. Trata-se de opção legislativa que se funda em critérios
eminentemente operacionais, notadamente para facilitar o manejo da documentação
processual. Ao determinar a autuação separada da exceção, visa o legislador "isolar" a
discussão relacionada àquela específica matéria de defesa, impedindo a mistura da
documentação e, por conseqüência, o tumulto processual. São exemplos de exceção
dilatória instrumental a incompetência relativa, o impedimento e a suspeição (art. 304
do CPC (LGL\1973\5)). Curiosamente, o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1973
reservou o vocábulo "exceção" para designar apenas esse tipo de defesa (art. 304 do
CPC (LGL\1973\5), et seq.), o que, como se pôde perceber, é manifesto equívoco.

2.6 Defesa plena e defesa limitada

É possível o legislador restringir, no aspecto horizontal, a cognição judicial, limitando o


número de questões que podem ser pelo magistrado conhecidas - surgem, em razão
disso, os procedimentos com cognição limitada.

Essa limitação de cognição opera-se, muita vez, pela restrição das matérias de defesa
que podem ser alegadas pelo demandando, permitindo-lhe, todavia, a discussão
daqueles temas em demandas autônomas. Nestes casos, estamos diante de uma defesa
limitada. Quando não houver qualquer restrição de cognição, dir-se-á que a defesa é
plena. São exemplos de defesa limitada: (a) procedimento da alienação fiduciária de
bem móvel, art. 3.º, § 2.º, do Dec.-lei 911/1969; (b) procedimentos expropriatórios,
art. 20 do Dec.-lei 3.365/1941.

2.7 Exceções substanciais independentes (autônomas) e dependentes (não-


autônomas)

Há uma classificação das exceções substanciais bastante útil para solucionar o impasse
criado pelo art. 190 do CC/2002 (LGL\2002\400): "A exceção prescreve no mesmo prazo
em que a pretensão".

Trata-se da distinção entre exceções dependentes e independentes.

Chama-se de exceção dependente (não-autônoma) aquela que decorre de uma

     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

pretensão ou de um direito (depende dela/dele). "As exceções dependentes (ou não-


autônomas) existem com o direito, de que provêm, e a ele são ligadas." 27Extinto o
direito (que caducou, por exemplo) ou neutralizada a pretensão (que prescreveu, por
exemplo), extinta/neutralizada estará a exceção dele/dela dependente. Assim, por
exemplo, a exceção de compensação, que prescreverá quando prescrita estiver a
pretensão que se quer exercitar pela via da exceção. A regra é muito simples: "se a
matéria da exceção podia ser posta por via de ação, cessa com a ação". 28

Denomina-se exceção independente aquela que se apóia em si mesma; não surge de


algum direito ou pretensão; é ela "o conteúdo (imediato) do próprio direito de
excepcionar". 29A exceção de prescrição é exemplo de exceção independente.

A distinção é importante para a solução da intrincada questão da prescritibilidade da


exceção. 30Sempre houve muitas dúvidas sobre o tema. O Código Civil (LGL\2002\400)
de 2002 cuidou de regular o assunto (art. 190), inovando em relação ao Código Civil de
1916 (LGL\1916\1), ao que parece seguindo a advertência de Pontes de Miranda: "Só se
extinguiriam com a prescrição da pretensão, de que provêm, as exceções dependentes,
porque, por definição, dependem daquela". 31Humberto Theodoro Jr., com muita
precisão, explica a distinção e a opção legislativa:

"(...) há exceções que pressupõem uma pretensão a ser exercida pelo titular, e outras
que são desvinculadas de qualquer pretensão. Para as dependentes, seria natural que
prescrita a pretensão, extinta também estaria a exceção dela proveniente.

Para as independentes, não se haveria de pensar-se em prescrição alguma. Como a


exceção, por natureza, é algo que se manifesta posteriormente à ação, não se teria
como pensar-se em prescrição acontecida antes desta. O excipiente não poderia perder
o direito à sua defesa antes de ter podido exercê-lo. (...)

Daí a tomada de posição do legislador brasileiro (...). A regra legal é simplesmente a da


prescritibilidade das exceções: a exceção prescreverá no mesmo prazo em que a
pretensão.

Isto, porém, não elimina a existência de exceções permanentes que, de maneira


alguma, podem extinguir-se pelo simples decurso do tempo. Quem, v.g., cogitaria da
prescritibilidade da exceção de coisa julgada, da exceção de pagamento, da exceção de
compensação consumada antes de findo o prazo prescricional, e outras tantas defesas
no mesmo teor? Antes da ação da parte contrária, jamais poderá o titular de tais
exceções exercer qualquer pretensão que fizesse, por inércia, começar a fluir o prazo
prescricional. A qualquer tempo, essas exceções que são totalmente independentes,
estariam sempre em condições de manejo; bastaria que a contraparte exercesse a ação,
a qualquer tempo, para que se abrisse ensejo à contraposição da exceção. (...)

A regra, portanto, do art. 190, de que a exceção prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão aplica-se tão-somente aos casos em que, pela via da exceção, o demandado

     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

oponha ao demandante o mesmo direito que antes poderia ter manejado, como
pretensão, em via de ação". 323334

As exceções não-autônomas, por estarem relacionadas a determinadas pretensões,


prescrevem no mesmo tempo dessas; as exceções independentes são imprescritíveis. A
exceção de prescrição é imprescritível; não o são a de compensação e a de vício da
coisa, quando houver demanda pelo pagamento do preço, pois são dependentes de
pretensão e direito potestativo, respectivamente.
   
(1) FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002. p. 49.
 
(2) Também considerando a exceção substancial um contradireito: FONTES, André. A
pretensão..., cit., p. 49. "Não se pode excepcionar quando se quer, e sim quando
alguém avança contra o que tem o ius exceptionis". PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcante. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 1984. t. 6, p. 24.
 
(3) AMARAL SANTOS, Moacyr. Da reconvenção no direito brasileiro. São Paulo: Max
Limonad, 1958. p. 54.
 
(4) CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do
processo civil romano. São Paulo: Ed. RT, 1996. p. 96.
 
(5) Mais ou menos como afirmado no texto: FONTES, André. A pretensão..., cit., p. 49.
 
(6) O Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 inovou no particular, pois relativizou a
vetusta regra, ao permitir que a prescrição, quando beneficie incapaz, possa ser
conhecida de ofício pelo magistrado (art. 194 do CC/2002 (LGL\2002\400)).
 
(7) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., p. 10-11.
 
(8) "A exceção é direito negativo; mas, no negar, não nega a existência, nem a validade,
nem desfaz, nem co-elimina atos de realização da pretensão..., só encobre a eficácia do
direito" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., p. 10-11). "Ao
contrário de negar o direito em vias de exercício, a exceção supõe esse direito, mas
supõe também um outro que toca ao excipiente" (THEODORO Jr., Humberto.
Comentários ao Código Civil (LGL\2002\400). Rio de Janeiro: Forense, 2003. vol. III, t.
II, p. 183).
 
(9) Resolveu o legislador do novo Código Civil (LGL\2002\400) questão assaz
tormentosa, pois não havia no Código Civil de 1916 (LGL\1916\1) disposição
semelhante, o que gerava muitas dúvidas sobre a incidência dos prazos prescricionais
para a exceção. Sobre a prescritibilidade das exceções, Francisco Cavalcante Pontes de
     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

Miranda. Tratado..., cit., p. 24-25.


 
(10) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., p. 6.
 
(11) Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. n. 167, p. 273.
 
(12) COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito processual civil. Campinas: RedLivros,
1999. p. 70.
 
(13) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999. p. 230.
 
(14) MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 231.
 
(15) A respeito do princípio da adequação do procedimento, remetemos o leitor para o
nosso: "Sobre dois importantes, e esquecidos, princípios do processo: adequação e
adaptabilidade do procedimento" .Revista da Ajuris, Porto Alegre, vol. 83, 2001; Gênesis
- Revista de Direito Processual Civil 21/530-541, Curitiba: Gênesis, 2001; Revista dos
Mestrandos em Direito Econômico da UFBA 9/226-238, 2001. Excelentes leituras são
José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, 3. ed., São Paulo: Malheiros,
2003; Galeno Lacerda, "O Código como sistema legal de adequação do processo",
Revista do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul - Comemorativa do
Cinqüentenário, Porto Alegre, 1976; Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Do formalismo no
processo civil, São Paulo: Saraiva, 1997.
 
(16) ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 184.
 
(17) "As defesas processuais são todas indiretas, porque não vão diretamente à situação
de direito material nem se destinam a obter para o réu uma sentença de mérito
favorável (...)" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.
São Paulo: Malheiros, 2001. vol. II, p. 324).
 
(18) Amaral Santos já apontava que o conteúdo da exceptio está próximo do conteúdo
da exceção substancial moderna ( Da reconvenção no direito brasileiro, p. 57).
 
(19) "Assim, por exemplo, a compensação, o direito de retenção, a exceptio inadimpleti
contractu, configuram outras tantas situações na qual o réu poderia propor contra o
autor uma ação autônoma. Tendo êle a faculdade de propor ou não esta ação, e não
podendo o juiz dar andamento, de ofício, a uma ação dessa natureza, é lógico sustentar
que essas mesmas situações, quando utilizadas como exceções, somente poderiam ser
invocadas por petição da parte. O juiz não poderia invocar a exceção, pela mesma razão

     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

porque não poderia fazê-la como ação" (COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito...,
cit., p. 65.).
 
(20) Há polêmica quanto à possibilidade de reconhecimento ex officio da incompetência
relativa, como foi visto no capítulo sobre competência.
 
(21) Não se pode esquecer, nunca é demais repetir, que o instituto da exceção tem a
sua origem no direito material. O direito processual quando o incorporou, certamente o
fez influenciado pelas construções dogmáticas da época. Exceção, para o processo, é
defesa; é uma expressão genérica que engloba todas as alegações do demandado;
exceção, no direito material, é uma determinada situação jurídica subjetiva passiva, que
tem o objetivo de neutralizar determinada eficácia jurídica.
 
(22) PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 1984.
t. XXII, p. 28-29.
 
(23) É como diz Eduardo Couture: "Se o juiz fosse constrangido a condenar a um novo
pagamento de uma dívida já liquidada, o processo seria um meio de criar direitos novos,
o que, segundo a doutrina que estamos estudando, seria absolutamente contrário aos
seus fins" (COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito..., cit., p. 66).
 
(24) CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\
1973\5). 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. vol. III, p. 255.
 
(25) Idem, ibidem, p. 407.
 
(26) CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história..., cit., p.
97-98.
 
(27) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., 4. ed., p. 12-13.
 
(28) Idem, ibidem, p. 13.
 
(29) Idem, p. 12.
 
(30) Pontes de Miranda já apontava a importância da distinção, embora discordasse das
conclusões até então apresentadas (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante.
Tratado..., cit., 4. ed., p. 24).
 
(31) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., 4. ed., p. 24. Frise-se
que o autor procurou demonstrar exceções a esta regra, levando em consideração o
silêncio do legislador sobre o assunto até então.

     

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TEORIA DA EXCEÇÃO: a exceção e as exceções

 
(32) THEODORO Jr., Humberto. Comentários ao Código..., cit., p. 185-186.
 
(33) "(...) o que se quer evitar é que, prescrita a pretensão, o direito com pretensão
possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção, como defesa" (MOREIRA ALVES,
José Carlos. A parte geral do projeto de Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1986. p. 152.)
 
(34) Sobre o tema, longamente: SANTOS, J. M. Carvalho. Código Civil (LGL\2002\400)
brasileiro interpretado. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. vol. III, p. 401-403;
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado..., cit., 4. ed., p. 12-14 e 24-25.

     

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