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11 de Agosto de 2021

As medidas de urgência nas ações ambientais

Por Luiz Fernando Valladão Nogueira

1 Medidas de urgência – evolução


legislativa até o Novo CPC
A efetividade das decisões judiciais sempre foi uma preocupação a
atormentar aqueles que estudam o Direito. E, quando se fala em
efetividade, vêm à tona as medidas de urgência!

Com efeito, o Código de Processo Civil/73, antes mesmo das várias


reformas que lhe foram impostas e da própria Constituição Federal de
1988, já estabelecia a possibilidade de obtenção imediata e satisfativa
do bem de vida perseguido, em sede de liminar, em alguns
procedimentos especiais. Assim é que, por exemplo, o Código admitia a
proteção possessória, com evidente caráter satisfativo, já no início do
trâmite do processo respectivo (art. 928 CPC). De igual forma, antes
mesmo do CPC/73, a lei que regulava o processo de mandado de
segurança (Lei 1.533/51), em seu artigo 7º, previa a hipótese da
concessão da ordem, já em caráter liminar.

As medidas cautelares, cujo objetivo é apenas o de assegurar o


resultado prático do processo, também já estavam previstas nos arts.
796 e segts do CPC/73.
Portanto, pode-se afirmar que, antes da Carta Constitucional de 1988,
já existiam dispositivos que objetivavam a maior efetividade do
processo. Em outras palavras, a busca do processo “justo”.

Aliás, já se percebia a nítida distinção entre as tutelas cautelares e as


tutelas antecipadas. As primeiras, previstas nos aludidos arts. 796 e
seguintes do Código Processual, objetivavam garantir o resultado
prático do processo e não eram satisfativas (o bem de vida perseguido
não era alcançado, de imediato). Já as tutelas antecipadas, embora
ainda não previstas expressamente no Código àquela época,
aconteciam, na prática, por intermédio das liminares em
procedimentos especiais, sendo que, nestes casos, havia a plena
satisfação com a obtenção do bem de vida.

Eis que, com a Constituição de 1988, houve a previsão de que seriam


assegurados a “razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação” (art. 5º. Inc. LXXVIII). Mais ainda,
houve a previsão de garantia de apreciação pelo Poder Judiciário de
“lesão”, inclusive quando ocorrer “ameaça a direito” (art. 5º. XXXV
CF).

No plano infraconstitucional, notadamente no que toca às tutelas de


urgência, houve avanços que se mostravam atentos aos ditames
constitucionais.

De fato, com a Lei 8952/94 houve a instituição da tutela antecipada,


pela qual se generalizou quanto à possibilidade de a medida de
urgência ser satisfativa. Vale dizer que, desde que houvesse, além do
perigo de dano ou abuso no direito de defesa, “prova inequívoca” e
“verossimilhança da alegação” (art. 273 CPC/73), já poderia o
magistrado “antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial”.

Na linha do que já admitia o chamado Código de Defesa do


Consumidor (Lei 8078/90 – art. 84 § 3º), a referida Lei 8952/94
inseriu no Código de Processo Civil/73 a antecipação da tutela para os
casos de obrigações de fazer ou não fazer (art. 461, § 3º). Em seguida, e
por intermédio da Lei 10.444/02, estendeu-se a mesma medida para as
ações que tivessem por objeto a “entrega de coisa” (art. 461 A e § 3º
CPC).

Disto tudo sobressai que, sob a ótica do estatuto processual de 1973, há


divisão nas medidas de urgência: tutela antecipada e cautelar, sendo
que a primeira tem caráter satisfativo e a segunda visa garantir o
resultado prático do processo.

Acontece que os requisitos à concessão das referidas medidas, ainda à


luz do estatuto codificado de 1973, são diferentes, até mesmo porque o
alcance da tutela antecipada é mais amplo e eficaz do que o da cautelar.

Sim, conforme aquele Código, para a tutela antecipada é de rigor que


haja “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação” (art. 273
CPC/73), requisitos estes que exigem uma quase certeza de que o
pretendente tem razão em seu pleito e será vitorioso ao final. Já para a
cautelar, há um rigor menor, na medida em que basta à sua concessão
a relevância da fundamentação e o perigo de dano.

De maneira objetiva, lembra Antônio Carlos Marcato [1], ao se referir à


tutela antecipada, que “predomina o entendimento de que não se trata
de cautelar, pois não se limita a conservar situações para assegurar a
efetividade do resultado final, mas implica antecipação do próprio
resultado”.

Fredie Didier, Paula Sarno, Rafael Oliveira [2] evidenciam a distinção


entre a cautelar e a tutela antecipada:Sob essa perspectiva, somente a
tutela antecipada pode ser satisfativa e atributiva, quando antecipa
provisoriamente a satisfação de uma pretensão cognitiva e/ou
executiva, atribuindo bem da vida. Já a tutela cautelar é sempre não-
satisfativa e conservativa, pois se limita a assegurar a futura satisfação
de uma pretensão cognitiva ou executiva, conservando bem da vida,
embora possa ser tutelada antecipadamente.
Conforme entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque [3],

[...] distinguem-se, todavia, pelo caráter satisfativo de uma,


inexistente na outra. As medidas cautelares exerceriam em nosso
sistema apenas a função de assegurar a utilidade do
pronunciamento futuro, mas não antecipar seus efeitos materiais,
ou seja, aqueles pretendidos pela parte no plano substancial. A
diferença fundamental entre ambas residiria, pois, nesse aspecto
provisoriamente satisfativo do próprio direito material cuja tutela
é pleiteada de forma definitiva, ausente na cautelar e inerente na
antecipação.

O que acontece é que essa dualidade de medidas de urgência, com


requisitos e procedimentos distintos, estava a causar embaraços na
prestação jurisdicional. É que os requerimentos feitos erroneamente
ocasionavam o indeferimento das pretensões, em vista de inadequação
formal.

A fim de superar tal obstáculo formal, a Lei 10.444/02 cuidou de trazer


o § 7º ao art. 273 CPC/73, o qual consubstanciou a chamada
fungibilidade das medidas de urgência. Em outras palavras, o
requerimento que desconsiderasse a dicotomia entre cautelar e tutela
de urgência poderia, ainda assim, ser aproveitado, em homenagem à
efetividade do processo.

Com efeito, “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer


providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os
respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter
incidental ao processo ajuizada” (§ 7º art. 273 CPC).

Trata-se, aí, de um grande avanço na efetividade, pois, ao permitir que


a cautelar seja deferida, incidentalmente, no próprio processo
principal, o legislador de então acenou com a possibilidade de haver
uma desburocratização com a eliminação do processo cautelar
autônomo.
Para Wambier, Almeida e Talamini [4],

[...]Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a


medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela
via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os
requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente
pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar
ou corrigir a medida proposta. O texto do artigo 273 do parágrafo
7º, deixa clara a antes mencionada fungibilidade entre tutela
antecipada e tutela cautelar. Diversamente do que pode parecer
com uma leitura rápida, a providência de natureza cautelar pode
ser postulada ainda que não tenha expressado pleito de
antecipação de tutela. Pode ocorrer de o autor não ter pedido
antecipação de tutela (até mesmo por eventualmente não lhe
interessar tal antecipação), mas ter pedido providência de natureza
diversa do provimento final almejado, com os requisitos suficientes
para a concessão de medida cautelar. Nessa hipótese, a norma
autoriza o pedido (cautelar) em processo de conhecimento. Por
outro lado, e embora a regra não o diga expressamente, as razões
antes expostas evidenciam que fungibilidade também haverá de ser
reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento
de tutela antecipada requerida sob a forma de “medida cautelar”.

Já para Machado e Chinellato [5],


Contrariamente ao posicionamento corrente da doutrina que vem
vislumbrando com presente dispositivo apenas a fungibilidade do
pedido de tutela antecipada, ousamos divergir para afirmar que
este § 7º significa muito mais que isso, posto que a idéia de
Fungibilidade pressupõe o equívoco da parte ao solicitar
providência antecipatória em vez da natureza cautelar, quando, na
verdade, o que o texto sob enfoque permite é que, a partir de agora,
se peça naturalmente providência cautelar da mesma forma como
se pede antecipação da tutela, vale dizer, independentemente de
propositura da ação cautela incidental.(…). O que queremos
salientar é que a parte não precisa errar na qualificação jurídica
da providência para que o juiz possa conceder-lhe o provimento
acautelatório – se a postulação inadequada ocorrer, sem nenhum
problema o juiz poderá compreendê-la, à luz da necessidade real da
parte, e conceder a cautela, tendo em conta a fungibilidade -, pelo
contrário, pode deliberada e conscientemente requere por essa
nova forma de tutela cautelar incidental. Para que se alcance toda
a potência normativa que este novo § 7º proporciona, destarte,
basta que se interprete a locução “a título” como “na forma” e aí
teremos um resultado exegético verdadeiramente significativo para
o processo civil. Atente-se, por derradeiro, para o fato de que essa
nova regulamentação introduzida no artigo 273 não representa o
desaparecimento do processo cautelar, porquanto as cautelares
antecedentes (chamadas preparatórias) permanecem intactas no
sistema (art. 796, do CPC), e nem mesmo a morte do processo
cautelar incidental, na medida em que o art. 796 referido não foi
alterado pala Lei n. 10.444/2002 (e ele fala de procedimento
cautelar [...] no curso do processo principal”), de sorte que apenas
quando o juiz verifique que o requerimento de cautela (art. 273, §
7º) se encontra bem instruído, não depende de prova oral e não vai
gerar tumulto nos autos do processo cognitivo, então, o órgão
jurisdicional concede a providência solicitada; caso contrário, o
magistrado determina ao requerente que postule a medida
acautelatória em sede própria, ajuizando ação cautelar incidental,
o que permitirá a ampla discussão de matéria fática e jurídica sem
comprometer o andamento do processo principal.
A jurisprudência assimilou este avanço, permitindo a concessão da
tutela de urgência, independente do rótulo dado pela parte, desde que
observados os requisitos legais. Vale conferir o seguinte exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. LIMINAR.


ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TUTELAS DE URGÊNCIA.
FUNGIBILIDADE ADMITIDA. REFORMA. O princípio da
fungibilidade, consagrado no art. 273, § 7º, do CPC, torna possível
a concessão de uma medida de urgência no lugar da outra, em
atenção à celeridade e economia processual.[6]

Enfim, no sistema do CPC/73, encontramos esta divisão legal entre as


tutelas de urgência (cautelares e tutelas antecipadas), havendo,
contudo, a admissão de que haja o atendimento do pleito da parte,
independente da nomenclatura adotada no requerimento
(fungibilidade). E, mais ainda, o procedimento adotado é irrelevante
(incidental ou por processo cautelar separado), eis que importa, isto
sim, o preenchimento dos requisitos legais à obtenção da proteção
judicial.

Eis que, agora, estamos com um novo Código de Processo Civil.

Pois bem, com o propósito de eliminar o processo cautelar, o legislador


estabeleceu as “tutelas provisórias”, divididas em “tutela de urgência” e
“tutela de evidência”, sendo que serão ajuizadas sempre nos mesmos
autos do processo principal.

E mais: o legislador, influenciado pela fungibilidade aqui já


mencionada e valorizada, prevê o cabimento das tutelas de urgência,
seja em caráter cautelar seja com natureza satisfativa (antecipada).

Eis o dispositivo do art. 292 do novo CPC:


Art. 292 – A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência. Parágrafo Único. A tutela provisória de urgência,
cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente
ou incidental.

Destarte, poderá ser requerida qualquer das medidas de urgência, sem


que haja alteração de procedimento em virtude de sua natureza –
satisfativa ou cautelar.

Aliás, o novo codex uniformizou os critérios à concessão das tutelas


cautelar e antecipada. De fato, o art. 298 do novo CPC destaca, sem
fazer qualquer distinção entre as medidas de natureza cautelar e as
satisfativas (tutelas antecipadas), que a tutela de urgência será
concedida quando forem demonstrados “elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado
prático do processo” (destacamos).

Vale lembrar que, neste particular, haverá uma mudança. É que o art.
273 CPC/73, ao tratar da tutela antecipada (satisfativa), exige que haja
a “prova inequívoca” dos fatos alegados, assim como a
“verossimilhança da alegação”. Ora, como é cediço, esses critérios,
diferentemente dos adotados para as medidas cautelares, exigem que
haja uma quase certeza de que o pretendente tem razão quanto à
pretensão principal e, por isto mesmo, é merecedor de sua antecipação.

Em outras palavras, agora, o legislador, embora exija a “probabilidade


do direito”, dispensa para qualquer tutela de urgência, inclusive a
antecipada, a rigorosa prova inequívoca. Ora, diferente da veemência
que advém das expressões, usadas conjuntamente, “prova inequívoca”
e “verossimilhança da alegação”, a “probabilidade do direito”, inserida
isoladamente no texto legal, significa aquilo que já vem carregado de
forte indício de veracidade.

O objetivo do legislador aí foi atenuar o rigor, até então usado para as


tutelas antecipadas, e que, muitas vezes, pela confusão que havia entre
as medidas de urgência, era exigido também para medidas de nítido
caráter meramente cautelar.

O Juiz, à luz do novo instrumento codificado, deve verificar, quando da


análise de tutelas de urgência, inclusive as satisfativas, a ocorrência do
perigo de dano e, no mais, avaliar se há razoabilidade na tese jurídica
sustentada e se a mesma encontra o mínimo apoio nas provas até então
produzidas. Evidente que a mitigação no rigor às medidas de urgência
(agora, chamadas de tutelas provisórias), em especial as antecipadas
(satisfativas), trará consequências na outra ponta, ou seja, deverá ser
potencializada a responsabilidade objetiva (indenização) daquele que
as pleiteia indevidamente. Ou, se necessário, deverá o Juiz ficar atento
à possibilidade de exigir caução do promovente da medida de urgência
(art. 298 par.1º novo CPC).

Cabe o registro, contudo, que ainda persiste, com relação à tutela de


urgência antecipada, a inviabilidade de sua concessão, quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 298 par.3º).

Pois bem, seguindo adiante, veremos que o novo Código traz,


efetivamente, um avanço, ao prever a tutela de evidência. A grande
diferença entre esta e a tutela de urgência é que a primeira dispensa o
requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Com efeito, a tutela de urgência exigirá, para ser concedida, o chamado


periculum in mora. Já a tutela de evidência, conforme preconiza o art.
309 do novel Código, “será concedida independentemente da
demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo”. (destacamos).

A concessão da medida pretendida sem o requisito do periculum in


mora representa um avanço no campo da efetividade. Ora, o processo
lento, e que só traga o bem de vida perseguido depois de longo tempo,
não é justo. O processo justo é aquele que traz a satisfação à parte,
ainda a tempo e modo.
Neste cenário de instituição da tutela de evidência, o legislador previu
situações específicas em que ela será cabível.

A primeira delas, prevista no inciso I do referido artigo 309, é quando


“ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte”.

Na verdade, pode-se dizer que, mesmo no sistema do CPC/73, já havia


a previsão de tutela de evidência, em situações deste jaez, ainda que
sob o rótulo de tutela antecipada. Isto porque o art. 273, inc. II, do
Código de Processo Civil de 1973, já admitia a concessão da tutela
antecipada, mesmo sem a presença do risco de dano.

Realmente, o requisito de “receio de dano irreparável ou de difícil


reparação” já estava previsto no inciso I daquele artigo, como sendo
uma regra geral. Já o inciso II do mesmo artigo dispensava o periculum
in mora, desde que “fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu”.

É fácil verificar, pois, que a tutela de evidência em casos tais, na


prática, já existia em nosso ordenamento processual.

Vale conferir o tratamento doutrinário atual sobre o tema [7]:


Já no que tange ao abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito
protelatório do réu (inciso II do art. 273), o legislador dispensou a
necessidade do perigo de dano. Para a caracterização desse
requisito, basta a utilização indevida do processo pelo réu para
dificultar a prestação da tutela jurisdicional pleiteada, impedindo a
efetividade e a celeridade do processo. O abuso do direito de defesa
resta configurado quando o réu pratica atos indevidos dentro do
próprio processo, já o manifesto intuito protelatório corresponde
ao comportamento do réu fora do processo, mas com ligação direta
à relação processual, tal como a ocultação de provas. Ressalte-se
que, de acordo com a finalidade da norma, a concessão da
antecipação dos efeitos da tutela nesses casos, somente se justifica
se da conduta do réu resultou atraso indevido na entrega da
prestação jurisdicional. Para alguns autores, como Cândido Rangel
Dinamarco e Calmon de Passos, pode-se usar como parâmetro,
para a identificação dessas situações, o artigo 17 do Código de
Processo Civil, que estabelece hipóteses de litigância de má-fé. Teori
Albino Zavascki denominou, para efeitos meramente
classificatórios, a hipótese de antecipação de tutela prevista no art.
237, I, como antecipação assecuratória, e a hipótese prevista no
art. 273, II, como antecipação punitiva. Em relação a essa última, o
Autor faz importante ressalva: “embora não se trate propriamente
de uma punição”.

Para Marcato [8],


Na situação do inciso II do art. 273, a razão de ser da antecipação é
completamente outra, não vinculada ao perigo concreto de dano.
Revela a existência de postura assemelhada à litigância de má-fé,
já regulada pelos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. De fato,
a possibilidade de os efeitos serem antecipados em razão do
comportamento assumido pelo réu, consistentes em apresentar
defesa despida de seriedade, não esta ligada a perigo de dano
concreto. Destina-se tão somente a acelerar o resultado do
processo, pois o direito afirmado pelo autor é verossímil,
circunstância que vem reforçada pela inconsistência dos
argumentos utilizados pelo réu em sua resposta. Ou seja, a
existência do direito é provável não só pelos argumentos deduzidos
pelo autor, como também pelos apresentados na defesa.

A segunda situação (art. 309 inc. II) trata da hipótese “em que as
alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente
e houver tese firmada em julgamentos de casos repetitivos ou em
súmula vinculante”. Neste caso, supõe-se que os fatos são
incontroversos e comprovados de plano. Pode-se dizer que, nos moldes
da lei que regula o mandado de segurança, aqui também há a exigência
do direito líquido e certo!

Destaque-se que a concessão da tutela de evidência, em casos em que a


tese de direito já está pacificada por sistemas legais que harmonizam a
interpretação do direito, é um grande avanço na efetividade. Vale
lembrar que, nestas hipóteses, será desnecessário o requisito do perigo
de dano, circunstância que evidencia o propósito de proteção ao
litigante que, com segurança, tem razão em seu pleito, não sendo justo
aguardar todo o desfecho do processo para a entrega final do bem de
vida.

A terceira situação (art. 309 inc. III) abarca a possibilidade de


concessão de tutela de evidência, nos casos em que “se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato
de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto
custodiado, sob cominação de multa”.
É oportuna a previsão do novo CPC, uma vez que, consoante súmula
vinculante do STF, não é viável mais a prisão civil do depositário infiel
(súmula 25 STF – “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer
que seja a modalidade do depósito”). Se o afastamento desta medida
(prisão) inibe a eficácia na busca do bem entregue em depósito, a
previsão do novo instrumento codificado mitiga tal inibição, na medida
em que, de forma expressa, prevê a viabilidade de imposição liminar, e
sem a necessidade de comprovação de perigo de dano.

A quarta e derradeira situação – e aí há verdadeiramente novidade a


merecer aplausos – está prevista no inciso IV do multicitado art. 309:
“a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova
capaz de gerar dúvida razoável”.

São dois requisitos os previstos para a concessão da tutela de evidência,


nas hipóteses do inciso IV: “prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor” e “que o réu não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável”.

A prova documental, da forma como exigida pelo dispositivo legal, só


pode ser compreendida como aquela que, após a submissão ao
contraditório (a presente hipótese não admite a liminar – par. Único),
mostra-se ainda suficiente a embasar as alegações do requerente e
dispensa novos elementos probatórios.

Destaque-se que, aqui, tal como se diz em relação ao mandado de


segurança, a prova documental tem que revelar o direito líquido e certo
de quem a está a invocar. E, sabidamente, direito líquido e certo não é
aquele que possui complexidade jurídica menor, mas sim aquele que
está acobertado por prova documental pré-constituída. Em outras
palavras, o requerente consegue demonstrar o que alega por meio de
prova documental, e sem necessidade de dilação probatória posterior.
O requisito de que o réu não pode opor prova capaz de gerar dúvida
razoável torna a obtenção da tutela de evidência, em casos tais, mais
difícil.

O objetivo aí é o de vedar a concessão da tutela de evidência, caso o réu


tenha prova que justifique a ampliação da dilação probatória. Ou seja,
não porque a matéria jurídica é complexa, mas porque a mesma ainda
não está clara sob a ótica fática, deve ser recusada a tutela de evidência.

Neste contexto, pode-se dizer que o réu deverá apresentar esta prova,
por meio de documentos juntados à contestação. Ou seja, se o autor
requerer a tutela de evidência depois da contestação em que o réu
apresentar documentos com tamanha força probatória, deverá –
repita-se – ser indeferida a medida pretendida.

De igual forma, poderá o autor requerer a tutela de evidência depois do


encerramento da fase probatória (já com oitiva de testemunhas e prova
pericial, por exemplo), sendo que se o réu tiver conseguido produzir
prova contrária à pretensão autoral, vez mais deverá ser indeferida a
pretensão.

Frise-se que, diferentemente do projeto tal como encaminhado à


Câmara dos Deputados, o novo CPC acabou por inadmitir a concessão
liminar da tutela de evidência nas hipóteses de protelação e abuso do
direito de defesa (devem ficar configurados no curso do próprio
processo, portanto), assim como naquelas em há a prova documental
suficiente e não infirmada pelo réu, o qual terá, necessariamente, a
oportunidade de opor-se em sua resposta.

2 As Medidas de Urgência e as Ações Ambientais. Defesa do


Meio Ambiente. Incidência de Princípios Constitucionais.
Ponderação de Valores e Interesses

É adequado, agora, cotejar as premissas e conclusões relativas às


medidas de urgência com as especificidades das ações ambientais.
Em primeiro lugar, cabe destacar que a defesa do meio ambiente tem
status constitucional, ao ponto da Carta Magna estabelecer que “todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações” (art. 225 CF).

Daí decorre relevantes princípios, como o que estabelece o interesse


público ao redor das questões ambientais, ou o que impõe a precaução
nas decisões sobre o tema. Com efeito, a defesa do meio ambiente diz
respeito a “todos”, haja vista sua essencialidade para a sobrevivência
humana. Demais disto, para se evitar danos maiores, inclusive para
“futuras gerações”, toda decisão sobre o tema deve ter em mente a
precaução, ou seja, a prioridade do magistrado ou do administrador
deve ser a de evitar o dano que o mau uso pode ocasionar.

A precaução, enquanto princípio, foi inserida na “Declaração do Rio de


Janeiro”:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve


ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas
capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como
razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.

É importante registrar que a Convencao do Rio de Janeiro foi ratificada


pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 2, de
3.2.1994.

Como não poderia deixar de ser, a jurisprudência vem placitando tal


princípio, valendo anotar que o Superior Tribunal de Justiça, em caso
concreto, lembrou exatamente que “o princípio da precaução,
consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a
ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado
para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção
ambiental”, sendo certo que, “na dúvida, prevalece a defesa do meio
ambiente”.[9] (destaque nosso).

De outro lado, importa dizer que tanto é verdade a prevalência do


interesse público em tal assunto, que o legislador infraconstitucional,
dando concretude ao princípio constitucional, adotou a
responsabilidade objetiva nas ações que envolvam reparações e
indenizações de cunho ambiental.

Sim, o art. 14 § 1º da Lei 6938/81 firmou tal referencial ao dizer que,


“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade” (destaque nosso). Vale dizer que competirá
ao autor da ação ambiental apenas fazer a prova do dano e do nexo de
causalidade entre o mesmo e a ação do agente, sendo dispensada a
prova da culpa ou dolo.

Também neste ponto, o STJ vem prestigiando o princípio e seus


desdobramentos. A propósito:

[...]5. Outrossim, é manifesto que o Direito Ambiental é regido por


princípios autônomos, especialmente previstos na Constituição
Federal (art. 225 e parágrafos) e legislação específica, entre os
quais a responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio
ambiente (arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81).6. Portanto, a
configuração da responsabilidade por dano ao meio ambiente exige
a verificação do nexo causal entre o dano causado e a ação ou
omissão do poluidor. Assim, não há falar, em princípio, em
necessidade de comprovação de culpa dos ora recorrentes como
requisito à responsabilização pelos danos causados ao meio
ambiente. [10]
[...]1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a
ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina
que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao
meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação
persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR,
Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no
REsp504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de
17.05.2004; RESP263383/PR, Relator Ministro João Otávio de
Noronha, DJ de 22.08.2005e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP,
desta relatoria, DJ de 22.04.2003.2. A obrigação de reparação dos
danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora
para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os
responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime
porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei
4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às
propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem
áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade,
em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR,
Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002.3. Paulo
Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro,
ressalta que “(…) A responsabilidade objetiva ambiental significa
que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo.
Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão
da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A
responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na
reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros
afetados por sua atividade” (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não
interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que
degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja
perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o
homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil
objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do
estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o
dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da
degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC
de 2002, dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei
6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à
segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco,
cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei,
o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação
dessas atividades. “É a responsabilidade pelo risco da atividade.”
Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da
prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo
e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo
prejudicar nem os outros e nema si mesmo. Facilita-se a obtenção
da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a
imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto
interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não
só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum
dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e
constitucionalmente, a concordar ou apraticar uma transação que
acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações (…)” in
Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p.
326-327.4. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a
função social da propriedade rural é cumprida quando atende,
seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a
requisitos certos, entre os quais o de “utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente”[...]10. Recurso especial desprovido.[11]

O fato é que a prevalências de tais princípios ocasionou mitigação no


rigor à concessão de medidas de urgência, quando estas objetivem a
proteção do meio ambiente.

A propósito, a doutrina de Edis Milaré é exatamente no sentido de que,


[...] no Direito Ambiental, diferentemente do que se dá com outras
matérias, vigoram dois princípios que modificam profundamente
as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio
da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o princípio da
precaução, também conhecido como princípio da prudência e da
cautela.[12]

Por estas e por outras, que, prevalecendo dúvida sobre o real perigo
que a ação do agente está a significar ao meio ambiente, a
jurisprudência vem sinalizando no sentido de que se deve conceder a
medida de urgência e obstar o prosseguimento daquela.

Por exemplo, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais têm-se


precedentes que revelam a prevalência da precaução, em situações de
tal naipe:

Restando demonstrada a presença dos requisitos autorizadores da


concessão de antecipação de tutela em ação civil pública, quais
sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora (art. 12 da Lei
Federal nº 7.347/85), devido se mostra o deferimento de tal medida
antecipatória, em especial considerando que em matéria ambiental,
vige o princípio da prevenção, que engloba a precaução, já que, em
geral, as medidas voltadas à recuperação do ecossistema não
permitem o retorno ao estado anterior, justificando-se, por isso,
toda a cautela, quando haja a potencialidade de prejuízos
ambientais, que devem ser evitados a todo custo. (destaque nosso).
[13]

– De se prestigiar o princípio da precaução na pendência de dúvida


quanto à ocorrência de dano ambiental em decorrência da
construção de empreendimento imobiliária com invasão de área de
preservação permanente.– Presente relevante controvérsia técnica
a ser dirimida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,
indispensável também o regular prosseguimento da demanda com
oportunidade da mais ampla dilação probatória. (destaque nosso).
[14]
De fato, é correto o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, na
medida em que as normas processuais devem estar alinhadas com os
princípios constitucionais.

O entendimento até então sustentado tende a ganhar corpo, na medida


em que, como visto no tópico anterior, o novo CPC arrefeceu os
critérios para a concessão de medidas satisfativas, dispensando a difícil
“prova inequívoca”.

Em assim sendo, as medidas de urgência ou tutelas provisórias em


ações civis públicas, ações populares ou outras ações (por exemplo, art.
1277 CC – ação por dano infecto), ainda que satisfativas, podem ser
concedidas em se tratando de matéria ambiental, mesmo que haja
dúvida sobre a real existência do perigo de dano ambiental.

Aliás, com a instituição da aqui já festejada “tutela de evidência” pelo


novo instrumento codificado, tem-se que o perigo de dano será
formalmente dispensado, em casos, por exemplo, de “prova
documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que
o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” (art. 309 IV
novo CPC).

A título de exemplo, o descumprimento de prévio licenciamento


ambiental, documentalmente comprovado, é o suficiente a autorizar o
impedimento ao prosseguimento de determinada obra, ainda que não
se descortine concreto e efetivo dano. A robustez da argumentação já é
suficiente a autorizar ao magistrado a concessão da medida de urgência
aqui em estudo, considerando-se, em especial, os princípios
constitucionais agora lembrados.

O que se deve ponderar, todavia, é que, seja sob a ótica do Código


Processual de 1973 seja à luz do novo diploma, não se pode conceder
qualquer medida de urgência ou tutela provisória em ações ambientais
sem a mínima prova da plausibilidade do direito invocado. A mera
alegação do promovente da medida, sem o mínimo respaldo fático e
jurídico, não é suficiente!
Além disto, não se pode deferir medidas deste jaez sem a ponderação a
respeito das vantagens e riscos das mesmas. Sim, se o prejuízo ao
interesse público advindo de eventual paralisação de obra em
desconformidade com regramento ambiental revelar-se intenso, é
preferível negar a medida de urgência. De fato, é verdade que o perigo
de dano nas ações ambientais pode ser, como regra geral, presumido;
porém, impõe-se, de outro lado, verificar se a concessão da medida de
urgência é capaz, ou não, de trazer outros tantos danos à coletividade e
até mesmo de maior grandiosidade.[15]

É o que se dá, por exemplo, com relação a eventuais loteamentos já


constituídos, ainda que em desrespeito a determinadas normas
ambientais. Não é razoável o desfazimento das obras urbanas e a
desinstalação de famílias, com grave prejuízo social, ainda que
olvidado prévio requisito formal. É mais eficaz impor ao agente
infrator sanções de outra natureza e até mesmo obrigações de cunho
reparatório ou compensatório.[16]

Com a palavra, vez mais, o STJ:

[...]2. A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não


exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de
causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos
essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.3. Em regra,
o descumprimento de norma administrativa não configura dano
ambiental presumido.4. Ressalva-se a possibilidade de se manejar
ação própria para condenar o particular nas sanções por
desatendimento de exigências administrativas, ou eventual
cometimento de infração penal ambiental.5. Recurso especial não
provido.[17]

Veja-se, também, que o risco de dano, embora possa ser presumido


pela grandiosidade da proteção ambiental, pode também ser infirmado
cabalmente. É o caso, por exemplo, em que determinada situação
irregular já perdura há longo tempo, não se justificando medida de
urgência, de que natureza for. A sentença ao final poderá ser de
procedência, mas a provisoriedade das medidas de urgência,
analisadas ainda sem o pleno contraditório, não recomenda, a
princípio, abruptas intervenções em situações já consolidadas pelo
tempo.

Em síntese, pode-se dizer que as ações em defesa do meio ambiente


comportam medidas de urgência, desde que observadas a prevalência
do interesse público e a mínima plausibilidade do direito invocado.

3 Medidas de urgência em prol do agente acusado de


infringir norma ambiental. Objeção a abusos

As medidas de urgência, obviamente, estão à disposição de todos os


jurisdicionados, onde se incluem aqueles acusados, algumas vezes
injustamente, de causarem dano ou impacto ambiental.

Há situações em que o particular, já ciente, por exemplo, de


instauração de procedimento administrativo, percebe que poderá ter
seu empreendimento obstado. Outras vezes, em conflitos de
vizinhança, poderá ter conhecimento sobre pretensão do vizinho de
acusá-lo de ofender o meio ambiente.

Em hipóteses como estas, afigura-se apropriada a conhecida produção


antecipada de provas, a fim de que, por meio de tal medida judicial,
seja produzido elemento probatório (em especial perícia), que permita
registrar, com a maior clareza e contemporaneidade possível, a
correção ambiental do empreendimento.

Ora, se é verdade que o princípio da precaução recomenda que o


magistrado, mesmo na dúvida quanto à real ocorrência do dano
ambiental, conceda a medida de urgência contra o agente poluidor, não
menos certo é que este último, exatamente para afastar o risco do
aludido raciocínio, pode produzir antecedente prova robusta em
sentido contrário. E – repita-se – como ainda não há litígio instaurado,
o caminho processual será a sugerida produção antecipada de provas.
A produção antecipada de provas, no Código de 1973, está entre os
procedimentos cautelares específicos. Com relação à perícia, o art. 849
daquele Código (1973) a admite se houver “fundado receio de que
venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos
fatos na pendência da ação”.

Tal rigor gerou várias decisões de extinção do processo cautelar de


produção antecipada de provas, sempre ao fundamento de que o meio
probatório procurado poderá ser produzido no processo principal,
quando efetivamente instaurado e no momento oportuno.

Não se afiguram tais decisões corretas, eis que, na realidade, é preciso


que o processo seja útil e justo e, sobretudo, atento ao comando que
exige observância aos comandos que asseguram “razoável duração” do
mesmo e a “apreciação pelo Poder Judiciário de lesão e ameaça a
direito” (arts. 5º, incs. LXXVIII e XXXV, CF – destaque nosso). De
nada adianta a produção de determinada prova no curso do processo
principal, se, contudo, a sua ausência ao início do feito autorizou
medida de urgência que, por exemplo, paralisou relevante
empreendimento. Vale lembrar aqui, vez mais, o princípio da
precaução, que sempre se apresentará como uma espada ameaçadora
ao empreendedor, seja ele pessoa natural ou jurídica, de direito
privado ou público.

Neste diapasão, é valiosa a decisão do STJ no sentido de que

[...] a regra do art.8499 doCódigo de Processo Civill deve ser


interpretada “cum grano salis”, em ordem a não tolher o exercício
da ação cautelar a quem pretende, sem a rígida observância do
texto, prevenir-se contra situações adversas que por acaso possam
surgir.[18]

Agora, o novo Código Processual efetivamente ampliou o leque para a


produção antecipada de prova, em especial ao dizer de seu cabimento
quando “a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar tentativa
de autocomposição ou de outro meio adequado de solução de conflito”
ou se “o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o
ajuizamento de ação”(art. 378 inc. II e III NCPC).

Não há dúvidas que, abraçando a jurisprudência mais autorizada, o


legislador colocou ponto final na discussão. Em outras palavras, para
evitar futuros e eventuais conflitos e discussões de cunho ambiental,
nada obsta que o interessado ajuíze a ação de produção antecipada de
provas.

Por derradeiro, cabe o registro de que a exigência de contracautela não


é afastada das medidas de urgência nas ações ambientais. Tal garantia
a ser dada pelo autor da medida de urgência, para prevenir o réu
quanto aos prejuízos provocados pela mesma, está prevista no art. 804
do CPC/73. No novo CPC a previsão está no art. 298 § 1º.

A previsão se justifica, pois o próprio legislador acentua a


responsabilidade civil daquele que promove indevidamente medida de
urgência (por exemplo: art. 811 CPC/73 e art. 300 novo CPC). Se é
viável o ressarcimento pelo ajuizamento indevido de medida de
urgência, nada mais razoável que se exigir do seu promovente uma
garantia para tal.

É evidente, porém, que a relevância constitucional da proteção ao meio


ambiente não pode ser desmerecida, por meio de imposição de
contracautela que a inviabilize, em virtude da urgência ou da
precariedade financeira do requerente. Será viável a exigência de
caução sim, ante mesmo a ausência de sua exclusão no tocante ao tema
em comento, desde que esteja em consonância, sobretudo, com as
condições e especificidades das partes envolvidas.

Portanto, em especial para não ficar refém do risco de futuras decisões


que possam atrapalhar injustamente seu empreendimento, cabe ao
empreendedor o ajuizamento das medidas de urgência cabíveis.
4 Conclusão
O novo Código Processual dá um salto considerável rumo à efetividade
dos processos judiciais, em especial no que toca às tutelas de urgência e
de evidência. Se é de fácil e simples constatação a demora da prestação
jurisdicional, o que acontece como consequência da ausência de
investimentos estruturais no Poder Judiciário, nada mais adequado
que a prevenção aos danos por meio de instrumentos processuais
acautelatórios ou mesmo satisfativos.

Em se tratando de ações ambientais, continuam de extrema valia tais


medidas, tanto para a defesa do meio ambiente, que se escora em
princípios constitucionais relevantes, como para defesa daquele que é
acusado de ser o poluidor.

A ponderação de valores e princípios é tarefa árdua que se impõe ao


magistrado. Nesse campo, seja na defesa do empreendimento seja na
sustentação do meio ambiente, a bússola que o orientará é o interesse
público em suas diversas matizes.

NOTAS:
[1] MARCATO, Antônio Carlos. Código de processo civil interpretado.
3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 826.

[2] DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno.; OLIVEIRA,


Rafael. Curso de direito processual civil. 4. Ed., rev., ampl. E atual. -.
Salvador: JusPodium, 2009, pp. 452, 456, 459, 460.

[3] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela


antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de
sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 27.

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de;


TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: volume 3:
processo cautelar e procedimentos especiais. 7. Ed. Rev., atual. E ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 37-38.

[5] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa; CHINELLATO, Silmara


Juny (Org.) (Coord.). Código civil interpretado: artigo por artigo,
parágrafo por parágrafo. Barueri (SP): Manole, 2006, pp.616-617.

[6] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo 1.0027.09.180940-


3/001. Relator: Des. Alberto Henrique. Minas Gerais, Belo Horizonte,
02 abr. 2009.

[7] SANTIAGO, Edna Ribeiro. Impossibilidade de concessão da tutela


antecipada de ofício nos casos de abuso do direito de defesa ou
manifesto intuito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 15,
n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em:. Acesso em: 25 fev. 2011.

[8] MARCATO, Antônio Carlos. Código de processo civil interpretado.


3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 830.

[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1285463/SP. Rel.


Ministro Humberto Martins. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 06
mar. 2012.

[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 570194/RS. Rela.


Ministra Denise Arruda. Diário de Justiça, Br asília, 12 nov. 2007.

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 745363/PR. Rel.


Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2007.

[12] MILARÉ, Édis. Ação civil pública: lei 7.347/1985: 15 anos. 2. Ed.
Rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.243.

[13] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de


Instrumento nº 1.0713.13.006538-4/001. Rel. Des. Elias Camilo. Minas
Gerais, Belo Horizonte, 27 abr. 2014.
[14] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de
Instrumento nº 1.0693.11.009793-0/003. Rel. Des. Versiani Pena.
Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 mar. 2014.

[15] O TRF da 4ª Região, ao julgar a apelação cível nº


2003.72.00.004185-0, decidiu que “é regra a supremacia do meio
ambiente nas situações em que haja efetiva configuração do fato
consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso
concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não
surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano
ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com
medidas perimetrais de 30,00 m de frente a leste e 60,0m nas laterais.
(grifo nosso). (TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma. Rel.
Luiz Carlos de Castro Lugon. DJ 04/10/2006).

[16] Também há precedente do Eg. TJSC no sentido de que é


impossível suprimir a concessão de serviços essenciais à população que
promoveu a edificação em APP. Veja-se:

“No caso em apreço, ante as condições que se apresentam – a


degradação praticamente completa daquela localidade e,
consequentemente, a impossibilidade de reversão ao status quo ante –
a reparação indireta do dano ambiental, por meio de indenização
pecuniária, mostra-se a única medida possível a ser tomada pelo Poder
Público. Com efeito, o fornecimento de energia ou a sua recusa à
impetrante em nada vai alterar e/ou contribuir para a
degradação/preservação ambiental daquela praia, mormente porque,
como já destacado, há várias outras casas construídas na Praia de
Morrinhos e todas com energia elétrica. É, pois, desprovido de
fundamento lógico a recusa ao fornecimento de energia à residência da
impetrante”.

Ao proferir seu voto, o i. Relator destacou que “há o relevante fato de


que o imóvel está localizado em loteamento quer foi aprovado pelo
Poder Público local, isso significando que os adquirentes dos lotes se
instalaram e edificaram no local sob a chancela da Administração,
cujos atos desfrutam da presunção de regularidade e legalidade. Negar
a essas pessoas o uso e gozo pleno da propriedade, representa
insensata quebra aos princípios da confiança e da boa fé objetiva que
devem permear as relações entre a Administração e os administrados”.

E, mais adiante, complementou S. Exa. Que “não significa isso que o


Judiciário estadual esteja chancelando a ilegalidade em ordem a
consentir com a ocupação e a construção em áreas onde isso é vedado
pela legislação ambiental. O que se quer dizer é que, em face de
situações irregulares, assiste o direito ou cumpre ao Poder Público,
nisso compreendido o Ministério Público, empreender as medidas
necessárias à preservação da autoridade da lei, ainda que sejam
drásticas como a demolição de construções. Contudo, enquanto isso
não se fizer, é desarrazoado e, até mesmo, atentatório à dignidade
humana, suprimir, de modo linear, dos ocupantes ou moradores dessas
áreas o direito de usufruir de um serviço absolutamente indispensável
como o é o fornecimento de energia elétrica”. (grifo nosso). (TJSC, AC
2007.052472-1. Rel. Des. Rui Fortes. DJ 22.05.2009).

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1140549/MG.


Rela. Ministra Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14
abr. 2010.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 50492/SP. Rel.


Ministro Antônio Torreão Braz. Diário de Justiça, Brasília, 15 maio
1995.

REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela


antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de
sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 4ª Região. AC nº


2003.72.00.004185-0. Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon.
Diário da Justiça Federal, Porto Alegre, 04 out. 2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1140549/MG. Rela.
Ministra Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 abr.
2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1285463/SP. Rel.


Ministro Humberto Martins. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 06
mar. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 50492/SP. Rel.


Ministro Antônio Torreão Braz. Diário de Justiça, Brasília, 15 maio
1995.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 570194/RS. Rela.


Ministra Denise Arruda. Diário de Justiça, Brasília, 12 nov. 2007

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 745363/PR. Rel.


Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2007

DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno.; OLIVEIRA, Rafael.


Curso de direito processual civil. 4. Ed., rev., ampl. E atual. -. Salvador:
JusPodium, 2009

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa; CHINELLATO, Silmara Juny


(Org.) (Coord.). Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo
por parágrafo. Barueri (SP): Manole, 2006

MARCATO, Antônio Carlos. Código de processo civil interpretado. 3ª


ed. São Paulo: Atlas, 2008

MILARÉ, Édis. Ação civil pública: lei 7.347/1985: 15 anos. 2. Ed. Rev. E
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de


Instrumento nº 1.0713.13.006538-4/001. Rel. Des. Elias Camilo. Minas
Gerais, Belo Horizonte, 27 abr. 2014.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de
Instrumento nº 1.0693.11.009793-0/003. Rel. Des. Versiani Pena.
Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 mar. 2014.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo 1.0027.09.180940-


3/001. Relator: Des. Alberto Henrique. Minas Gerais, Belo Horizonte,
02 abr. 2009.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AC


2007.052472-1. Rel. Des. Rui Fortes. Diário Oficial do Estado,
Florianópolis, 22 maio 2009.

SANTIAGO, Edna Ribeiro. Impossibilidade de concessão da tutela


antecipada de ofício nos casos de abuso do direito de defesa ou
manifesto intuito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 15,
n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em:. Acesso em: 25 fev. 2011.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de;


TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: volume 3:
processo cautelar e procedimentos especiais. 7. Ed. Rev., atual. E ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

AUTOR:

NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. Advogado, Professor de Direito


Processual Civil, Procurador do Município de Belo Horizonte.

Disponível em: https://daniloborgescouto.jusbrasil.com.br/artigos/192056434/as-medidas-de-


urgencia-nas-acoes-ambientais

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