Você está na página 1de 26

Livro As Nulidades no Processo Penal- Ada Pellegrini

Grinover (2011):

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães;


FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo
Penal. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011.

P. 71

Capítulo VI- O direito de defesa

1. A defesa como garantia constitucional

- Ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que “a


lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a
direito” (art. 5, XXXV, da CF), a Constituição eleva a nível
constitucional os direitos de ação e de defesa, face e verso da
mesma medalha. E mais: dá conteúdo a esses direitos, pois não se
limita a permitir acesso aos tribunais, mas assegura também, ao
longo de todo o iter procedimental, aquele conjunto de garantias
constitucionais que, de um lado, tutelam as partes quanto ao
exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são
indispensáveis ao correto exercício da jurisdição: trata-se das
garantias do “devido processo legal” (art. 5º, LIV, da CF).

Sobre o direito de ação e de defesa e as garantias do “devido


processo”, v. Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do
processo, n. 33/36.

- Passando a especificar analiticamente tais garantias, a Constituição


assegura aos litigantes e aos acusados em geral o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV,
da CF). Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados,
porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da
informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como
poder correlato ao da ação – que garante o contraditório. A defesa,
assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e
é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do
contraditório.

2. As garantias da defesa na Convenção Americana sobre


Direitos Humanos

- Também se inserem no direito de defesa as garantias


estabelecidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
cujo texto foi aprovado em São José da Costa Rica em 22.11.1969.

P. 72

- A aprovação do mesmo texto no Brasil, pelo Decreto Legislativo


27, de 26.05.1992, levou a sua ratificação pela Carta de Adesão de
25.09.1992, vindo, finalmente, a Convenção a ser incorporada ao
direito interno pelo Decreto 678, de 06.11.1992, que determinou
seu integral cumprimento.

- O art. 7º da Convenção, que trata do direito à liberdade pessoal,


será examinado no capítulo correspondente (cap. XIV, n. 4).

- Por sua vez, reza o art. 8º:

“Art. 8º. Das garantias judiciais.

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e


dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formalmente contra ela, ou
para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma


sua inocência enquanto não se comprove legalmente a sua culpa.
Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade,
as seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou


intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou
tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação
formulada;

Sobre a nulidade da citação realizada do mesmo dia marcado


para o interrogatório judicial, retirando do acusado a
possibilidade de orientar-se sobre a postura defensiva a
tomar, TJRS, Ap. 70002597938, j. 28.06.2001, RT 793/675. V,
adiante, cap. VIII, n. 2. Mesmo com a nova sistemática
introduzida pela Lei 11.719/2008, em que o interrogatório não
é mais o primeiro ato de defesa, o entendimento deve ser o
mesmo para as situações em que possa ocorrer restrição à
plena utilização do prazo da resposta ao acusado (art. 396,
caput, CPP, com a nova redação).

c) a concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a


preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser


assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se,
livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor


proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a
legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem
nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal


e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de
outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

P. 73

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a


declarar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de


nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não
poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário


para preservar os interesses da Justiça.”.

- O art. 5º, §2º, da CF afirma expressamente que “os direitos e


garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte”.

- Assim, todas as garantias processuais penais da Convenção


Americana integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo
o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior.

Como antes anotado (cap. II, n. 2), entendemos que a regra


do art. 5º, §3º, da CF, acrescentada ao texto constitucional
pela Emenda 45/2004, só vale para o futuro, porquanto a
Convenção Americana já integra o sistema constitucional
interno.

- Isto quer dizer que as garantias constitucionais e as da Convenção


Americana interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser
mais ampla que outra, prevalecerá a que melhor assegure os
direitos fundamentais.

Assim, por exemplo, a norma convencional sobre a autodefesa


e a defesa técnica (n. 2, d, do art. 8º da Convenção) parece
tutelar alternativamente uma ou outra; mas, à medida que a
interpretação constitucional da norma brasileira sobre o direito
à ampla defesa se fixou no sentido da indispensabilidade de
ambas (v., infra, n. 3), deve prevalecer a regra constitucional
interna, assim como vem sendo interpretada.

3. Defesa técnica e autodefesa

- A defesa, no processo penal, apresenta-se sob dois aspectos:


defesa técnica e autodefesa.
- A primeira é sem dúvida indisponível, na medida em que, mais do
que garantia ao acusado, é condição de paridade de armas,
imprescindível à concreta atuação do contraditório e,
consequentemente, à própria imparcialidade do juiz. Por isso, a
Constituição de 1988 considera o advogado indispensável à
administração da Justiça (art. 133) e estrutura as defensorias
públicas (art. 134).

P. 74

- Tão essencial é a defesa técnica que, em alguns ordenamentos –


como o italiano – não se permite a dispensa da defesa técnica
exercida por terceiro, nem mesmo quando o acusado possui
habilitação profissional.

- No Brasil, a efetividade da defesa técnica é especialmente


assegurada pela regra contida no art. 497, V, do CPP, que inclui
entre as atribuições do juiz-presidente do Júri, a de “nomear
defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, nesse
caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento
com a nomeação ou a constituição de novo defensor” (redação Lei
11.689/2008). Mas isso não vale apenas para os julgamentos do
júri, consistindo, na verdade, norma de garantia aplicável a todo e
qualquer procedimento penal.

- Em decisões recentes, o STF reconheceu haver inexistência de


atos processuais praticados por pessoa não habilitada para o
exercício da advocacia (RT 843/499) ou por advogado suspenso de
suas atividades (RT 853/495).

- O acusado tem o direito à escolha de advogado de sua confiança.


Por isso, decidido pelo TJSP, constitui nulidade absoluta e flagrante
ofensa aos princípios do devido processo legal a nomeação de
defensor dativo sem a intimação do réu para constituir novo
defensor de sua confiança, em virtude da renúncia de seu advogado
(TJSP, HC 387.363-3/0-00, j. 30.07.2022), RT 807/607). O STJ
também concedeu habeas corpus para anular a ação penal, a partir
do despacho que determinou a apresentação de razões recursais
por Procurador do Estado, depois da renúncia do advogado
constituído, sem prévia notificação do acusado para constituir novo
defensor (HC 30.100/SP, j. 03.05.2005, RT 853/254). No mesmo
sentido, em relação ao procedimento recursal, a Súmula 708 do STF
(v. infra, cap. XII, n. 4).

- Também é condição fundamental para a paridade de armas a


efetiva possibilidade de contato entre o acusado e o defensor. Em
decisão recente, o STF reconheceu a nulidade por cerceamento de
defesa em situação em que a ré, presa em São Paulo e
respondendo a processo no Rio de Janeiro, viu-se impossibilitada de
indicar testemunhas e entrevistar-se com a defensora pública
nomeada no juízo da causa. Ficou então sublinhado que a falta de
recursos materiais a inviabilizar as garantias constitucionais dos
acusados em processo penal é inadmissível, na medida em que
implica disparidade dos meios de manifestação entre acusação e
defesa, com graves reflexos em um dos bens mais valiosos da vida,
a liberdade (STF, HC 85.200-9/RJ, rel. Min. Eros Grau, j.
08.11.2005, DJU 03.02.2006).

- Na fase de investigação, a intervenção da defesa não é


imprescindível, embora seja assegurada especialmente a assistência
do advogado ao preso em flagrante (art. 5º, LXIII, CF). Quanto ao
flagrante, a Lei 11.449, de 2007, que deu nova redação ao art. 306
do CPP, incluiu especialmente, um parágrafo nesse artigo,
estabelecendo que o auto de prisão em flagrante será encaminhado,
em 24 horas, ao juiz competente, com cópia à Defensoria Pública,
caso o autuado não informe o nome de seu advogado.

- Já a autodefesa, não podendo ser imposta ao acusado, é


considerada renunciável por este. Mas essa renunciabilidade não
significa a sua dispensabilidade pelo juiz.

P. 75

- De sorte que o cerceamento de autodefesa, mutilando a


possibilidade de o acusado colaborar com seu defensor e com o juiz
para a apresentação de considerações defensivas, pode redundar
em sacrifício de toda a defesa.

- Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de


dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de
audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na
possibilidade de o acusado influir sobre a formação do
convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo
manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo
momento, perante as alegações e as provas produzidas, pela
imediação com o juiz, as razões e as provas.

A 1ª Turma do STF firmou posição no sentido do direito do


acusado de comparecer, assistir e presenciar os atos
processuais, especialmente os realizados na fase instrutória:
HC 67.755-0-SP, DJU 11.09.1992, p. 14.714. Em decisão mais
recente, o TJSP reconheceu a nulidade absoluta de audiência
realizada sem a presença do réu preso, que não fora
apresentado em juízo, ressaltando que “ainda que as partes
concordem e o defensor dativo alegue que o fato não acarreta
prejuízo, está caracterizado o cerceamento de defesa por
flagrante violação ao princípio do contraditório e da ampla
defesa” (Ap. 488.443.3/2-00, RT 850/572).

A Lei 11.690/2008, alterando a redação do art. 217 do CPP,


introduziu a possibilidade de inquirição de testemunhas por
videoconferência quando a presença do acusado na audiência
puder causar humilhação, temor ou sério constrangimento à
testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a
verdade do depoimento. Nessa situação, entendemos que –
para assegurar a efetividade do direito da defesa –, a
testemunha é que deve prestar depoimento em sala separada,
com comunicação pelo sistema de videoconferência,
permanecendo o acusado na sala de audiência em contato
com o defensor.

- Ao lado desses dois aspectos, é preciso ainda lembrar que em


certos casos a lei processual penal confere ao próprio réu – e de
forma concorrente com a atuação do advogado – a faculdade de
postular diretamente ao juiz, como ocorre com a interposição de
recursos (art. 577 do CPP), o pedido de revisão criminal (art. 623 do
CPP) e a iniciativa para os procedimentos na execução penal (art.
195 da LEP).

4. O direito de defesa e as nulidades

- Como já se disse, a infringência à norma constitucional com


conteúdo de garantia acarreta, como sanção, a nulidade absoluta
(retro, cap. II).

- Mas é preciso examinar, caso a caso, se o vício ou a ausência do


ato processual defensivo prejudica a ampla defesa como um todo,
ou se não têm esse alcance.

É esta a exata interpretação dada à Súmula 523 do STF, que


estabelece: “No processo penal, a falta de defesa constitui
nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se
houver prova de prejuízo para o réu”.

P. 76

- Nessa linha – nulidade absoluta quando for afetada a defesa como


um todo; nulidade relativa com prova do prejuízo (para a defesa)
quando o vício defensivo não tiver essa consequência – é que deve
ser resolvida a questão das nulidades por vício ou inexistência dos
atos processuais inerentes à defesa técnica e à autodefesa.

- Assim, inúmeros julgados, sem indagar a respeito do prejuízo,


reconhecem a nulidade absoluta em casos como: inépcia da
denúncia (STJ, HC 66.195-RJ, j. 26.08.2008); ausência ou mera
irregularidade de citação, não sanadas pelo comparecimento do réu
(TACrimSP, JTACrim 28/31, 44/75, 52/272 e 65/349; RT 489/380,
STJ, HC 91.210-PR, j. 21.02.2008); colidência de defesas (RT
217/78, 302/447 e 357/375; RTJ 32/49 e 42/804, STF HC 91.946-4-
RJ, j. 11.12.2007); falta ou inépcia de alegações finais (RT 511/320;
JTACrim 71/295); falta ou inépcia das razões de recurso (TACrimSP,
Ap. 264.491, O processo constitucional em marcha).
Lembre-se, ainda, que o art. 497, V, do CPP, ao cuidar do
problema do réu indefeso, é considerado aplicável a qualquer
tipo de procedimento: v. Acórdãos 48 a 50 do TACrimSP, O
processo constitucional em marcha (Ap. 336.099, Ap. 330.705
e Ap. 279.843).

Também em relação à autodefesa, diversos acórdãos,


salientando a existência, ao lado da defesa técnica, da
autodefesa, consistindo na presença do acusado aos atos
processuais, consideram seu desrespeito como causa de
nulidade absoluta: STJ, RTJ 46/653, 95/1.070, 79/110,
64/332, 80/37, HC 88.914-0/SP, j. 14.08.2007; STJ, HC
83.513-MS, j. 09.08.2007, HC 69.838-PI, j. 28.05.2008;
TACrimSP, JTACrim 53/190. 65/224, 70/100, 73/57 e 339; RT
489/380.

- Nesses casos, afetado que fica o direito de defesa como um todo,


o vício acarreta a nulidade absoluta (art. 564, III, a, c, e, g, l, o, do
CPP).

- Em outros casos, porém, nos termos da Súmula 523 do STF,


depende a nulidade da comprovação do prejuízo: assim ocorre com
falta ou inépcia das razões de recurso, a falta de prova do álibi
referido pelo acusado, a ausência do curador (ver O processo
constitucional em marcha. Acórdãos 59 a 68: TACrimSP, Ap.
264.491, Ap. 266.023, Ap. 318.713, Ap. 299.561, Ap. 315.087, Ap.
348.153-1, Ap. 342.389, Ap. 347.993-6, Ap. 271.835 e Ap. 83.404).

Em decisão de 18.06.2002, a 1a Turma do STF assentou: “Não


há falar em deficiência de defesa técnica realizada por
advogado dativo que apresentou defesa prévia, ainda que
lacônica, e compareceu aos depoimentos das testemunhas,
sem realizar reperguntas. Somente acarretará nulidade da
defesa se houver prova de prejuízo para o réu, o que, in casu,
não foi demonstrado” (HC 81.353-4-RJ, rel. Ellen Gracie, RT
812/477).
- É que, nesses casos, o vício ou inexistência do ato defensivo pode
não levar, como consequência necessária, à vulneração do direito
de defesa, em sua inteireza, dependendo a declaração de nulidade
da demonstração do prejuízo à atividade como um todo.

P. 77

5. O interrogatório como autodefesa. O direito ao silêncio

- Consubstanciando-se a autodefesa, enquanto direito de audiência,


no interrogatório, é evidente a configuração que o próprio
interrogatório deve receber, transformando-se de meio de prova
(como considerava o Código de Processo Penal de 1941, antes da
Lei 10.792/2003) em meio de defesa: meio de contestação da
acusação e instrumento para o acusado expor sua própria versão.

- É certo que, por intermédio do interrogatório – rectius, das


declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório –,
o juiz pode tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para
a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o
interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova,
mas não meio de prova: não está ordenado ad veritatem
quaerendam.

- E mais: diante da garantia maior do nemo tenetur se ipsum


accusare, o acusado, sujeito da defesa, não tem obrigação nem
dever de fornecer elementos de prova.

Por isso, não é razoável exigir-se a cooperação do acusado


para a obtenção de quaisquer provas incriminadoras. No
Brasil, o STF tem proclamado a inadmissibilidade de compeli-lo
a fornecer material gráfico (HC 77.135-8, rel. Ilmar Galvão, RT
760/542), particular reprodução simulada dos fatos (HC
69.026-DF, rel. Celso de Mello, DJU 04.09.1992, RTJ 142/855)
e também de fornecer padrões vocais necessários a subsidiar
prova pericial de confronto de voz em gravação de escuta
telefônica (HC 83.096-RJ, rel. Ellen Gracie, Informativo 330,
do STF).
- Assim, mesmo que se quisesse ver o interrogatório como meio de
prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da
faculdade de o acusado não responder. A autoridade estatal não
pode dispor dele, mas deve respeitar sua liberdade no sentido de
defender-se como entender melhor, falando ou calando-se. O direito
ao silêncio é o selo que garante o enfoque do interrogatório como
meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do
acusado.

- Por isso, a Constituição de 1988, no inc. LXIII do art. 5º,


assegura: “O preso será informado de seus direitos, entre os quais o
de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da
família e de advogado”.

Sobre o direito ao silêncio, v. também a Convenção


Americana, art. 8º, n. 2, g: retro n. 2.

- A primeira observação é a de que, aludindo ao direito ao silêncio e


à assistência do advogado para o preso, a Lei Maior denota
simplesmente sua preocupação inicial com a pessoa capturada: a
esta, mesmo fora e antes do interrogatório, são asseguradas as
mencionadas garantias.

P. 78

- Mas isto não pode, nem quer dizer que ao indiciado ou ao acusado
que não esteja preso não seja estendida a mesma proteção, no
momento maior da autodefesa que é o interrogatório.

- Em segundo lugar, observe-se que a Constituição prevê a


possibilidade de assistência do advogado, seja no momento da
prisão, seja – pela mesma extensão – no momento do interrogatório
(policial ou judicial), para que haja a interação entre defesa técnica
e autodefesa.

- Por último, com a exigência de informação sobre a faculdade de


silenciar, a Constituição confere a esta roupagem do verdadeiro
direito, que há de ser livre e conscientemente exercido.
O STF também já considerou inadmissível como prova
incriminadora gravação de conversa informal do indiciado com
policiais, sublinhando que a falta de advertência do direito ao
silêncio faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o
indiciado ou acusado (STF, HC 80.949-RJ, rel. Sepúlveda
Pertence, RTJ 180/1.001). Assim também decidiu o STJ:
“caracteriza prova ilícita o depoimento prestado por Delegado
de Polícia, relativamente a conversa informal que manteve
com o indiciado, na fase inquisitorial” (HC 32.056, rel. Min.
Hamilton Carvalhido, j. 13.04.2004).

V. adiante, cap. IX, Seção VI, n. 7.

6. O direito ao silêncio e seu pleno exercício

- O silêncio do acusado, na ótica da Constituição, assume dimensão


de verdadeiro direito, cujo exercício há de ser assegurado de
maneira plena, sem poder vir acompanhado de pressões, diretas ou
indiretas, destinadas a induzir o acusado a prestar depoimento.

Estamos nos referindo, evidentemente, ao verdadeiro


interrogatório, enquanto autodefesa; ou seja, ao denominado,
“interrogatório de mérito”. As perguntas sobre a qualificação
do acusado não estão acobertadas pelo direito ao silêncio,
porquanto em sua resposta não se caracteriza qualquer
atividade defensiva. O art. 187 e seus parágrafos do CPP, na
redação dada pela Lei 10.792/2003, traçam bem essa
distinção, assentando que o interrogatório será constituído de
duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

- Por isso, correta a radical alteração do texto original do art. 186 do


CPP, na parte em que determinava ao juiz, ao informar o acusado
sobre sua faculdade de não responder às perguntas formuladas,
deveria adverti-lo de que o silêncio poderia ser interpretado em
prejuízo da defesa. A partir da Lei 10.792/2003, o juiz deve
simplesmente informar ao acusado sobre o direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas,
sem qualquer ressalva.
P. 79

- Pela mesma razão, nenhuma eficácia pode ser atribuída ao art.


198 do CPP (“O silêncio do acusado não importará em confissão,
mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento
do juiz”), não alterado pela Lei 10.792/2003.

- Tudo dentro da inafastável convicção de que não pode haver


pressões ou sanções que limitem o pleno exercício de um direito
constitucional.

- O que se disse também se aplica ao interrogatório judicial, seja


por força do disposto no inc. LXIII do art. 5º da Constituição, seja
pela referência do art. 6º, V, do CPP, ao cap. III do Título VII do
Livro do mesmo Código.

7. Infringência do direito ao silêncio. Consequências

- Neste ponto, o vício maior do interrogatório é a falta de


informação sobre o direito de o indiciado ou acusado permanecer
calado. A doutrina estrangeira, há mais tempo afeita à garantia do
pleno direito ao silêncio, assentou que o interrogatório do acusado
ou mesmo suas declarações espontâneas perante o órgão estatal
somente são válidos desde que tenha havido informação sobre a
faculdade de calar. Nem pode ser diversamente, sob pena de
restringir o direito ao silêncio e a correspondente informação a mera
fórmulas, vazias de conteúdo.

- Resulta daí que a ausência de informação implica nulidade do


interrogatório, a qual, por sua vez, pode assumir duas dimensões: a
mais grave, consubstanciada na nulidade de todo o processo, a
partir do interrogatório, se, no caso, o ato viciado redundou no
sacrifício da autodefesa e, consequentemente, da defesa como um
todo. Ou, na dimensão mais moderada, pela invalidade do
interrogatório, com sua necessária repetição, mas sem que os atos
sucessivos fiquem contaminados, se se verificar que o conteúdo das
declarações não prejudicou a defesa como um todo e os atos
sucessivos.
Mesmo neste último caso, porém, o vício transmite-se às
provas derivadas (ou seja, às provas contra reum por este
indicadas no interrogatório irregular), invalidando-as também:
exatamente como ocorre com o interrogatório prestado sob
coação ou sevícias. Ver, sobre as provas ilícitas por derivação,
cap. IX, seção II, n. 10.

No julgamento do HC 78.708-SP, a 1ª Turma do STF assentou


expressamente que, “em princípio ao invés de constituir
desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação
ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera
efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas
as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas,
assim como as provas derivadas”; todavia, no caso tratado, a
Suprema Corte não reconheceu a nulidade, ressalvando que,
“em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna
dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do
comportamento do réu e da orientação de sua defesa no
processo: o direito à informação oportuna da faculdade de
permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção
entre o silêncio – que faz recair sobre a acusação todo o ônus
da prova do crime e de sua responsabilidade – e a intervenção
ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la;
a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito de
manter-se calado e das consequências da falta de informação
oportuna a respeito” (RTJ 168/977).

P. 80

- Mas, na hipótese de ser o interrogatório essencial para a validade


de outro ato processual (como ocorre, por exemplo, com a prisão
em flagrante: art. 304 do CPP), não há dúvidas de que a nulidade se
comunicará em qualquer caso ao ato processual embasado no
interrogatório viciado.

O STJ decidiu, entretanto, que a omissão quanto à informação


de que o preso podia permanecer calado não é motivo de
nulidade do auto da prisão em flagrante (HC 1.452-1-GO, DJU
21.09.1992, p. 15.699).

- Mais uma observação: é possível que, apesar da inexistência de


informação sobre o direito de calar, o indiciado ou réu não tenha
respondido às perguntas, ou que, mesmo respondendo, tenha
negado os fatos imputados. Neste caso, em que não emergiram do
interrogatório elementos contra o réu, não há por que se declarar a
nulidade, uma vez que a autodefesa não ficou prejudicada, nem a
defesa afetada.

8. A presença do defensor no interrogatório

- Como visto, a Constituição assegura, ao preso (rectius, ao


acusado), juntamente com o direito ao silêncio, a assistência da
família e do advogado (art. 5º, LXIII). Está prevista, assim, a
possibilidade de assistência do advogado, seja no momento da
prisão, seja – pela extensão já examinada – no do interrogatório.

- Mas a Lei 10.792/2003 foi além, exigindo a presença do defensor


no interrogatório. Com efeito, estabelece o novo art. 185, caput, do
CPP: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no
curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença
de seu defensor, constituído ou nomeado” (grifo nosso).

No julgamento do HC 44.417-MS, a 5ª Turma do STJ


reconheceu haver nulidade absoluta pela ausência do defensor
no interrogatório, sublinhando tratar-se de formalidade
essencial ligada aos princípios da ampla defesa e do devido
processo legal (rel. Ministra Laurita Vaz, j. 15.09.2005, DJU
10.10.2005, p. 407). Nos embargos de declaração do HC
39.430-DF, a mesma Turma foi além, determinando o
desentranhamento do interrogatório realizado sem a presença
do defensor, dos atos decisórios realizados a partir de então,
bem como de todos os atos processuais em que houvesse
referência expressa ao interrogatório anulado (rel. Laurita Vaz,
j. 15.12.2005, DJU 06.02.2006, p. 289). No mesmo sentido,
STF, RHC 87.172-1-GO, j. 15.12.2005; STJ, HC 83.513-MS, j.
29.08.2007, HC 73.179-DF, j. 18.6.2007.

A partir da Lei 11.719/2008, que alterou os procedimentos,


serão certamente mais raras as situações de ausência do
defensor no interrogatório, pois na nova sistemática o
interrogatório é realizado ao final da audiência de instrução, à
qual deve estar necessariamente presente o defensor do
acusado.

P. 81

- Mas é evidente que não basta a presença do defensor ao longo do


interrogatório. Há que se assegurar, antes de sua realização, o
prévio contato do defensor com o acusado. É o que ficou
expressamente assegurado pelo §5º, do artigo 185, introduzido pela
Lei 11.900/2009: “Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz
garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com seu
defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido
o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o
defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala na
sala de audiências de Fórum, e entre este e o preso”. Fez bem o
legislador, pois, com a nova disposição, deixou assentado que a
entrevista prévia do acusado com o defensor é essencial para que a
autodefesa e a defesa técnica se integrem, por intermédio do
contato reservado dos dois protagonistas da defesa penal,
indispensável ao adequado exercício da defesa, em sua dúplice
configuração.

Como anotado (supra, n. 3), o STF já reconhecera antes da


Lei 11.900/2009, a nulidade por cerceamento de defesa em
situação em que a ré, presa em São Paulo e respondendo a
processo no Rio de Janeiro, viu-se impossibilitada de
entrevistar-se com a defensora pública nomeada no juízo da
causa. Ficou então sublinhado que a falta de recursos
materiais a inviabilizar as garantias constitucionais dos
acusados em processo penal é inadmissível, na medida em
que implica disparidade dos meios de manifestação entre a
acusação e a defesa, com graves reflexos, em um dos bens
mais valiosos da vida, a liberdade (STF, HC 85.200-9-RJ, rel.
Min. Eros Grau, j. 08.11.2005, DJU 03.02.2006).

Observe-se que com a nova sistemática dos procedimentos,


introduzida pela Lei 11.719/2008, o contato entre o acusado e
defensor deve anteceder à audiência de instrução e
julgamento, pois o interrogatório é o último ato da audiência
(art. 400, caput, do CPP, com a nova redação). O estatuído
pelo referido §5º do art. 185 constitui consagração legal do
que expressamente era assegurado pelo art. 8º, 2, d, do Pacto
de São José da Costa Rica, o qual prevê “o direito do acusado
de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um
defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em
particular, com seu defensor” (grifo nosso).

Também pela necessidade de entrevista prévia do acusado


com o seu defensor, não é possível a atuação de um único
defensor nos interrogatórios de dois ou mais corréus, quando
as defesas são colidentes. Nesse sentido, TJRS, Ap.
70011077534, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j.
06.04.2005, RT 836/632.

8a. As reperguntas das partes no interrogatório

- Mais uma importante inovação da Lei 10.792/2003: o novo art.


188 do CPP prescreve: “Após proceder ao interrogatório, o juiz
indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido,
formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente
e relevante”.

P. 82

- Correta a disposição: sobretudo em relação à defesa, é


indispensável que sobre todos os fatos o acusado possa desenvolver
plenamente sua autodefesa. É em face dos princípios da igualdade
processual, era necessário garantir a mesma faculdade à acusação.
Mas tudo será filtrado pelo juiz, a quem se atribui a aferição da
pertinência e relevância das questões levantadas.
- A referência a “partes” impõe abrir-se também a mesma
possibilidade de formulação de perguntas às defesas de eventuais
corréus, até porque os elementos de prova resultantes do
interrogatório podem ser utilizados em relação a estes.

Trata-se, aliás, de providência preconizada antes mesmo da


Lei 10.792/2003, com base na garantia do contraditório, uma
vez que, nessa situação, o corréu pode ser testemunha de fato
praticado por outro acusado. V., adiante, o cap. IX, Seção IV,
n. 4.

A propósito, o TRF da 1ª Região já assentou: “Se, no


interrogatório ou reinterrogatório, um corréu incrimina outro,
esse depoimento equivale a um testemunho, devendo ser
tomado na presença dos defensores dos corréus, sob pena de
nulidade por ofensa ao princípio constitucional do contraditório
e da ampla defesa” (HC 2004.01.00.055866-5/AC, rel. Des.
Olindo Menezes, j. 15.02.2005, RT 836/446). Na mesma linha,
o TRF da 4ª Região determinou a repetição de atos que nao
constara do termo a transcrição das perguntas formuladas
pelos defensores dos demais corréus (HC 2005.04.01.013109-
5/PR, rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 11.05.2005, RT
839/701).

Na mesma linha, tem sido o entendimento do STF em


recentes decisões: “É legítimo, em face do que dispõe o artigo
188 do CPP, que as defesas dos corréus participem dos
interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa
de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório
dos demais corréus, evitando-se a coincidência de datas, mas
a cada um sabe decidir sobre a conveniência de comparecer
ou não à audiência” (STF, Pleno, AP-AgR 470/MG, rel. Min.
Joaquim Barbosa, j. 6.12.2007). A 2ª Turma do STF também
ressaltou que “a relevância de se qualificar o interrogatório
judicial como expressivo meio de defesa do réu (...) enseja a
possibilidade de corréu participar ativamente do interrogatório
judicial dos demais litisconsortes penais passivos, traduzindo
projeção concretizadora da própria garantia constitucional da
plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por
juízes e tribunais”; daí ter sido reconhecida, no caso, a
nulidade absoluta dos atos processuais sucessivos (STF,
Segunda Turma, HC 94016/SP, rel. Min. Celso de Mello, j.
16.09.2008, Informativo STF, n. 250).

9. O momento do interrogatório

- O interrogatório, sendo ato fundamental – mesmo que não


imprescindível –, deve sempre ser realizado quando o acusado
estiver presente, a fim de que ele, no exercício de sua defesa
pessoal, possa apresentar diretamente a sua versão a respeito do
fato, influindo no convencimento do juiz.

P. 83

No sistema original do CPP, o interrogatório era previsto como


primeiro ato de instrução. Após a Lei 11.719/2008, o
interrogatório é realizado como último ato da audiência de
instrução (art. 400, caput, nova redação). Idêntica
determinação já existia para o procedimento sumaríssimo das
infrações de menor potencial ofensivo, pois a Lei 9.099/95
determina que o interrogatório seja realizado em seguida à
inquirição da vítima e das testemunhas, o que melhor atende
– sem dúvida –, ao pleno exercício do direito de defesa.

- Por isso, o art. 185, caput, do CPP diz que o acusado que
comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo
penal, será qualificado e interrogado, na presença de seu defensor,
constituído ou nomeado. Por outro lado, o Código estatui, no art.
564, III, e, que há nulidade na falta de interrogatório do réu
presente. Cuida-se de nulidade insanável.

A jurisprudência ora proclama expressamente a nulidade por


não oitiva do réu que comparecer durante o processo
(TACrimSP, RT 641/346), ora prefere, apesar de afirmar a
importância do interrogatório, transformar o julgamento da
apelação em diligência a fim de que ele seja efetivado (STF,
JTACrim 90/381). Em decisão de 24.10.2002, assentou o
TJRS: “A não realização do interrogatório do acusado, quando
ele estava à disposição da Justiça, acarreta a nulidade do
procedimento, na forma do art. 564, III, e, do CPP. Trata-se
de desobediência ao princípio constitucional da ampla defesa,
uma vez que aquele ato se constitui na primeira defesa do réu
no processo” (ApCrim 70004926812. RT 812/666).

- Caso o réu seja revel, após a condenação, venha a ser preso, deve
ser ouvido antes do julgamento da apelação já interposta.

Neste sentido, de forma bem expressiva, v. acórdão proferido


pelo TACrimSP (RDJTACrimSP 2/147). Há, contudo, tendência
a considerar que só se deve determinar o interrogatório se ele
se vislumbrar útil para o julgamento: TACrimSP, JTACRim
25/241, 25/203 e 54/206. Todavia, esse entendimento só
pode ser aceito em situações excepcionais, quando o tribunal
perceba que o acusado será absolvido, sendo então
despicienda a sua oitiva. Mas serão raros os casos em que
esse juízo antecipado poderá ser feito com segurança, sendo
então preferível que o réu seja ouvido, para pleno resguardo
do seu direito constitucional de se defender diretamente da
acusação.

- Por fim, se o réu solto, revel, na apelação que interpôs, manifestar


expresso interesse em ser ouvido, deve ser o julgamento convertido
em diligência a fim de que se proceda ao interrogatório.

Neste sentido, STF, JTACrim 90/381.

P. 84

9a. O interrogatório por videoconferência. A Lei


11.900/2008

- questão atual e importante, na ótica do direito de defesa, é a


possibilidade de realização do interrogatório do réu por meio do
sistema eletrônico de videoconferência.
- Pesam em favor dessa técnica moderna de comunicação a
celeridade, a economia processual e, em especial, a segurança
pública, evitando-se frequentes deslocamentos de réus presos, com
altos custos e riscos. Mas, em sentido contrário, argumenta-se com
o comprometimento das garantias processuais, uma vez que
somente na sala de audiência, com a presença física do juiz e das
partes – especialmente do defensor –, e também com o controle
que decorre da publicidade processual, seria viável assegurar a
liberdade de manifestação do acusado no momento em que pode
exercitar a autodefesa.

- Por isso, antes da Lei 11.900/2008, era dividida a jurisprudência:


para o TJSP “a realização do interrogatório por sistema de
videoconferência não implica nulidade processual, visto que o
acusado dispõe de telefone digital para dialogar em tempo real e
reservadamente com seu defensor, podendo inclusive ser orientado
por este” (RT 854/603); em sucessivas decisões, o STJ vinha
igualmente acentuando que esta prática não ofende as garantias
processuais, até porque o interrogado conta com o auxílio dos
defensores, um na sala de audiência e outro no presídio, só sendo
de declarar-se a nulidade do ato se evidenciado o prejuízo (HC
76.046-SP, HC 63.524-SP etc.); em sentido contrário, reconhecendo
a nulidade, assentou a 2ª Turma do STF que a lei processual não
prevê essa forma de realização do interrogatório, acrescentando que
a proposta legislativa a respeito fora rejeitada (PL 5.073/2001, que
se transformou na Lei 10.792/2003, sem conter norma acerca da
videoconferência); considerou-se ainda que tal meio viola a
publicidade dos atos processuais, sendo intuitivo o prejuízo advindo
de sua ocorrência; ademais, no caso concreto examinado, o réu não
fora sequer citado, mas apenas instado a comparecer à sala de
audiência pública para a realização do ato, não havendo também
qualquer motivação para justificar a forma excepcional de
interrogatório (HC 88.914-SP, Informativo 476, do STF); em outra
decisão, o Plenário do STF, por maioria, declarou, incidenter
tantum, a inconstitucionalidade formal da Lei Paulista 11.819/2005,
que previa a utilização da videoconferência nos procedimentos
judiciais destinados a interrogatório e à audiência de presos (HC
90.900-SP, rel. para o acórdão Min. Menezes Direito, j. 30.10.2008,
Informativo n. 526).

- Como anotado em edição anterior deste livro, pensamos que a


melhor solução nesse tema seria a existência de uma
regulamentação legislativa estabelecendo com clareza as
circunstâncias em que o ato poderia ser levado a cabo com a
utilização da videoconferência. Em algumas situações (como, por
exemplo, quando o interrogatório é feito por meio de carta
precatória), o emprego desse meio poderia até ser vantajoso no
estabelecimento de um contato mais efetivo do juiz da causa com o
acusado.

P. 85

- Mas de lege lata, a pedra de toque para o reconhecimento da


nulidade deveria ser a constatação do efetivo comprometimento das
garantias processuais.

- A regulamentação legislativa veio a ser finalmente editada pela Lei


11.900, de 8 de janeiro de 2009, que introduziu diversos parágrafos
ao art. 185 do CPP.

- O §1º estabelece, como regra, que o interrogatório do réu preso


será realizado em sala própria, no estabelecimento em que estiver
recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do
membro do Ministério Público e dos auxiliares, bem como a
presença do defensor e a publicidade dos atos.

- Os demais parágrafos estão relacionados à utilização excepcional


da videoconferência ou de outro recurso tecnológico de transmissão
de sons e imagens em tempo real (§2º). Isso será possível quando
a medida for necessária para atender a uma das seguintes
finalidades:

“I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada


suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que,
por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual,
quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em
juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da


vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por
videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV – responder à gravíssima questão de ordem pública”.

- Com a indeterminação do inciso IV, há o perigo de não se


respeitar a excepcionalidade afirmada pelo legislador.

- O interrogatório por videoconferência depende de decisão judicial,


a qual deve ser precedida de intimação das partes com 10 (dez)
dias de antecedência (§3º).

- Como agora se prevê audiência única de instrução e julgamento


nos procedimentos comum ordinário e sumário, bem como na
primeira fase do rito do júri (arts. 400, 411 e 531), sendo o
interrogatório o último ato, o preso poderá acompanhar, pelo
mesmo sistema tecnológico de videoconferência, a realização de
todos os atos da audiência (§4º).

- Buscou-se garantir ao acusado o contato com o seu advogado,


prevendo-se que, em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz
garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o
seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também
garantido o acesso a canais telefônicos reservados para
comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado
presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso
(§5º).

P. 86

- Quando o interrogatório não se realizar no local onde o preso


estiver recolhido, nem for feito por videoconferência, será
requisitada a sua apresentação em juízo (§7º).
- Além do interrogatório, também outros processuais poderão ser
realizados por videoconferência quando dependam da participação
de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de
pessoas e coisas, e inquirição de testemunhas ou tomada de
declarações do ofendido (§8º), ficando garantido o
acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.

10. Colidência de defesas

- A nomeação de um só defensor para que réus apresentem versões


antagônicas para os fatos apontados como delituosos sacrifica
irremediavelmente o direito de defesa.

- Ao defensor, nesses casos, cumpre recusar a nomeação única,


alertando o juízo quanto à impossibilidade defender com eficiência
acusados com interesses conflitantes. Se tal não ocorrer, o juiz, ao
sentenciar, deve anular o processo a partir da nomeação do
defensor, regularizando a situação. A nulidade, no caso, surge como
absoluta, não havendo que perquirir a ocorrência do prejuízo. E,
sendo assim, será decretada em qualquer fase do procedimento. O
mesmo aplica-se ao advogado constituído pela parte.

Sempre se entendeu que o desempenho de uma única defesa


técnica para acusados em posições conflitantes é causa de
nulidade absoluta: RTJ 32/49 e 42/804; RT 217/78, 302/447,
357/375, 371/44, 399/289 e 423/397.

11. Colidência de defesa técnica e de autodefesa

- É possível que, apesar das cautelas tomadas para a interação da


defesa técnica e da autodefesa – com a possibilidade de contato
entre o acusado e seu defensor, antes do interrogatório (v., supra,
n. 8) –, a autodefesa e a defesa técnica sigam linhas diversas. Às
vezes, os argumentos defensivos poderão ser alternativos e
cumuláveis; outras vezes, poderão parecer excludentes.

É a hipótese, por exemplo da negativa de autoria, pelo


acusado, e da alegação de legítima defesa, pelo advogado.
- O caso é diferente da verdadeira colidência de defesas, em que o
mesmo advogado assume a tarefa de defender dois réus, cujas
defesas são inconciliáveis por haver entre eles conflito de
interesses: esta hipótese, como já vimos, é de nulidade absoluta (v.
supra, n. 10).

P. 87

- Agora, o que ocorre é uma aparente colidência entre a linha da


defesa técnica e da autodefesa, com relação ao mesmo acusado.
Mas, na verdade, trata-se de mera incompatibilidade lógica, que
pode ser excluída apreciando-se sucessivamente as linhas de
defesa.

Conflito poderá existir na apresentação de quesitos aos


jurados, e é este que deve ser evitado: v., adiante, cap. XIII,
n. 15.

- Nesse caso, porém, pode ocorrer que a defesa técnica ignore os


argumentos defensivos do réu, havendo quem aluda à prevalência
sobre a autodefesa. Não é correta essa posição: em primeiro lugar,
haverá que verificar-se se, no caso concreto, o comportamento da
defesa técnica não significou deixar o réu indefeso, hipótese em que
incidirá a regra do art. 497, V, do CPP (aplicável a qualquer
procedimento: v., retro, n. 4), anulando-se o processo por prejuízo
à defesa como um todo. Se isto não ocorrer, as diversas linhas da
defesa deverão ser apreciadas pelo juiz, sob pena de nulidade.

Nesse sentido da nulidade, pois a conduta do advogado, não


amparando, sequer alternativamente, a defesa do réu,
significou deixá-lo indefeso, TARS, RT 644/323.

Antes da reforma do procedimento do Júri, introduzida pela


Lei 11.689/2008, eram frequentes as situações em que
julgamentos eram anulados por falta de formulação de
quesitos relativos a teses defensivas apresentadas pelo réu no
interrogatório, mas não sustentadas pelo defensor (TJSP, Ap.
179.461-3/6, rel. Fontes Barbosa, Bol. IBCCrim, 64/241; TJRN,
RT 827/662). Com a nova redação dada ao art. 483 do CPP,
especialmente porque o seu inciso III prevê um quesito muito
amplo, “se o acusado deve ser absolvido”, cremos que tais
situações serão muito raras, mas ainda poderão ocorrer se,
por exemplo, o acusado alegas causa de diminuição de pena
(inciso IV do mesmo artigo) que não venha a ser alegada pelo
advogado e, por isso, não for indagada aos jurados.

- Divergência entre a posição do acusado e a do defensor também


pode ocorrer, intimado da sentença no cárcere e indagado pelo
oficial de justiça se deseja apelar (nos termos do provimento
paulista: RT 417/423), responde negativamente, vindo o defensor a
apelar, quando por sua vez intimado. Nesses casos, entende-se
prevalecer a posição da defesa técnica, mais benéfica ao réu (RTJ
80/497 e 79/422; O processo constitucional em marcha, Ac. 83; Ap.
167.609).

- O não conhecimento do recurso, nesta hipótese, acarreta nulidade.

Você também pode gostar