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Livro Manual de Direito Penal- Parte Geral e Parte Especial-

Michael Procopio Avelar (2023):

AVELAR, Michael Procopio. Manual de Direito Penal: parte geral


e parte especial. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Juspodivm,
2023.

P. 245

7. CONDUTA

- Iniciando-se o tema com uma conceituação, pode-se apontar que


conduta (ou ação) é o comportamento humano voluntário,
exteriorizado por uma ação ou omissão, dirigida a um fim.
Entretanto, o tema é um dos que mais foram discutidos no âmbito
do Direito Penal, sendo espinhoso e controverso. A discussão sobre
o que é a conduta deu origem às chamadas teorias da conduta,
também denominadas, por alguns, teorias da ação. As teorias da
conduta foram estudadas acima no tópico da evolução histórico-
dogmática do Direito Penal, de modo que aqui será feita apenas
uma breve incursão na modificação da compreensão da conduta na
perspectiva das diferentes teorias.

- Para o causalismo, a ação seria o mesmo processo causal que a


vontade (o impulso voluntário) desencadeia no mundo exterior.
Nessa concepção, a ação humana não possui conteúdo de vontade
ou finalidade. A conduta é analisada por si só, sem elemento
subjetivo. Desse modo, se alguém atropela uma pedestre e lhe
causa lesões que o levam à morte, prevista no artigo 121 do Código
Penal, ou seja, praticou o fato típico do homicídio. A questão da
intenção ou não de matar, por exemplo, só seria analisada na
culpabilidade. O fato típico possui uma análise estritamente objetiva.

- Já para os autores neokatinstas, a conduta continua sendo


concebida sem conteúdo ou finalidade. Para essa teoria, a conduta
não é ação, mas comportamento, o que abrange tanto a conduta
positiva, quanto a negativa, ou seja, tanto a ação quanto a omissão.
Entretanto, os neokatinstas já aceitam a detecção de elementos
subjetivos do tipo, o que abre caminho para se analisar algum
conteúdo de vontade do agente já no primeiro substrato do crime
(fato típico), e não somente na culpabilidade. Além disso, os
neokatinstas também percebem a existência de elementos
normativos no tipo, aqueles que dependem de um juízo de valor
para a sua constatação. O tipo, assim, é tido como norma de
cultura, já que traz em si valores estabelecidos previamente, sendo
que o texto legal não tem um sentido objetivo, mas deve ser
descoberto pelo intérprete.

P. 246

- Entretanto, é a teoria finalista que inspirará a Reforma de 1984,


que modificará a Parte Geral do Código Penal. Para o seu criador,
Hans Welzelm a “ação humana é o exercício de uma atividade
final”. Por isso, a ação é um acontecer final, e não apenas causal.
Isso significa que toda conduta humana possui uma finalidade, é
orientada por um objetivo. Sob essa concepção, faz parte da
conduta o próprio elemento subjetivo do tipo, ou seja, o dolo ou a
culpa. Note-se que a vontade e a finalidade se fundem na conduta.
A direção final da ação ocorre por meio de duas etapas. Primeiro, no
pensamento, o agente antecipa o fim que ele quer realizar,
seleciona os meios para conseguir alcançar essa finalidade e
considera os efeitos concomitantes. Então, ele põe em movimento
os meios de ação (os fatores causais), escolhidos antecipadamente,
de acordo com um plano, cujo resultado abrange a sua finalidade e
os efeitos concomitantes (colaterais).

- Uma grande modificação em relação às teorias anteriores é a


migração do dolo e culpa, que passam a integrar a própria conduta.
Ou seja, o dolo e a culpa deixam de fazer parte da
culpabilidade, para serem considerados na conduta, dentro da
análise do fato típico. Por isso, o dolo, para o finalismo, é
natural, chamado, na expressão latina de dolus bonus. Isso porque
o dolo é analisado como elemento da conduta, de forma neutra,
sem valoração. Não faz parte dele a consciência da ilicitude e ele
não integra a culpabilidade.
- Ainda que sem grande aceitação na doutrina, vale lembrar que,
para a teoria social da ação, a ação ou a conduta é o
comportamento humano socialmente relevante. Em linhas gerais, a
adequação social, para a concepção em estudo, integra o fato
típico. No conceito de crime, há a incorporação de um elemento
sociológico de interpretação. A conduta poderia, em tese, deixar de
ser punida porque a sociedade não a reputa mais injusta. Busca-se
uma maior interação entre o ordenamento jurídico e a realidade
social, em razão de a mudança ser mais rápida em relação a esta
última. A conduta seria, assim, o comportamento humano
socialmente relevante.

- Uma concepção inovadora de conduta, ainda em construção, é


teoria da ação significativa, de Tomás S. Vivés Antón. O autor
defende que, para se determinar se houve ação humana, basta uma
análise prima facie do comportamento externo e de seu contexto.
Assim, o autor exclui pensamentos, sensações e emoções do
conceito de ação, já que, apesar de existirem, não é possível
conhecê-los e, assim, não são determinantes para a
responsabilidade penal. Ao analisar a doutrina penal e a filosofia da
ação, há uma rejeição à distinção entre as condutas a partir do
elemento subjetivo do sujeito. A ação, para essa concepção, reflete
um significado no mundo jurídico, sendo compreendida por seu
contexto, da mesma forma como se compreende a linguagem. A
ação do indivíduo e a norma penal se conectam por meio da
liberdade de ação, que é um pressuposto da própria ação.

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- Ainda que não se trate de uma teoria da ação, para o


funcionalismo sistêmico de Jakobs, a conduta é conceituada
como a “evitabilidade de uma diferença do resultado”, ou
seja, compreende-se a conduta penalmente relevante a partir da
possibilidade do agente poderia ter evitado o resultado. A
evitabilidade é a chave do atuar doloso e culposo. Em relação ao
finalismo, o funcionalismo radical muda o enfoque da compreensão
da conduta. A visão se desloca da finalidade relacionada ao
resultado para as condições de evitabilidade do resultado.

- Por fim, há um conceito próprio no funcionalismo teleológico.


Roxin define ação como uma manifestação da personalidade e, por
isso, pode-se falar em um modelo pessoal de ação. Só é ação
para o Direito Penal aquilo que se pode atribuir ao ser humano
como centro anímico-espiritual de ação. Para o autor, não se
incluem nesse conceito o movimento decorrente de coação física
irresistível, o movimento corporal durante o sono, em um delírio ou
um ataque convulsivo, ou mesmo uma reação por reflexo. Essas
manifestações não são dominadas pela vontade e consciência e, por
isso, não são manifestações da personalidade do agente. O autor
também não concebe como ação humana, para fins penais, os
pensamentos e impulsos, não são manifestações da personalidade.
As manifestações da personalidade, as condutas, podem ser dolosas
ou culposas, assim como podem ser comissivas ou omissivas.

7.1. Elementos da conduta

- São elementos da conduta a vontade, a exteriorização dessa


vontade, a consciência do agente e, em um viés finalista, a sua
finalidade.

Vontade: é o desejo do agente de realizar a ação ou de se omitir.

Exteriorização: é a transcendência de sua vontade, que deixa o


seu aspecto íntimo e atinge o mundo exterior, com seu
comportamento ativo ou negativo.

Consciência: é a sua compreensão sobre sua vontade e sua


exteriorização.

Finalidade: é o fim a que o agente visa com seu comportamento.


Elemento defendido por Hans Welzel, cuja teoria foi a base da
Reforma da Parte Geral do nosso Código Penal, em 1984.

7.2. Causas de exclusão da conduta


- São causas de exclusão da conduta: a coação física irresistível, o
caso fortuito ou a força maior, o estado de inconsciência completa e
os movimentos reflexos.

- Coação física irresistível, também denominada vis absoluta,


representa o impedimento de o sujeito orientar sua conduta
livremente. Imagine que um sujeito, muito mais forte, usa a mão de
outro, débil, para empurrar um grande vaso de um terraço que
atinge um transeunte.

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- O sujeito débil, que teve seu corpo usado como instrumento, não
pode ser responsabilizado, pois nem sequer conduta teve.

- Caso fortuito ou força maior: são dois institutos que a doutrina


nem consegue diferenciar de forma unânime, razão pela qual devem
ser analisados em conjunto. Representam tanto as forças da
natureza quanto algum evento decorrente de conduta humana e
que seja imprevisível e inevitável. Pode-se citar, por exemplo, uma
guerra ou uma tempestade. Caso algum desses eventos impeça a
conduta livre e voluntária do indivíduo, não há que se falar em
conduta penalmente relevante. Imagine um sujeito que, tendo o
dever de ser o guia de um grupo de turistas na Floresta Amazônica,
é surpreendido por um incêndio e não pode, assim, conduzi-los de
volta em segurança. Não se pode cogitar de responsabilização penal
do sujeito, na condição de garante, se, por exemplo, for atingido
pelo incêndio. Não há, assim, conduta com relevância penal.

- Estado de inconsciência completa: caso o sujeito não esteja


consciente, não há que se falar em conduta, já que um de seus
elementos é a vontade. Desse modo, fica excluída a conduta, para o
Direito Penal, do indivíduo sujeito à hipnose ou sob o efeito do
sonambulismo.

- Movimentos reflexos: os movimentos reflexos do corpo,


involuntários, são aqueles sobre os quais se toma consciência após
sua ocorrência. Cuida-se de uma reação corpórea a um estímulo
sensorial. Por serem involuntários, não há, obviamente,
voluntariedade e, assim, não se considera a existência da conduta
para o Direito Penal. O médico bate com o martelo no joelho do
paciente que, por reação automática do corpo, estende a perna e,
com isso, derrua o aparelho celular do profissional da saúde. Não
pode ser processado pelo crime de dano. Os movimentos reflexos
não se confundem com as ações em curto-circuito, atos impulsivos,
que podem ser evitados pelo agente. Ações em curto-circuito ou
automatizadas são disposições apreendidas para realizadas
automaticamente, como girar o volante do carro de modo a que,
havendo um animal na pista, o carro seja atingido do lado do
passageiro. São consideradas condutas penalmente relevantes.

7.3. Formas da conduta: ação ou omissão

- A conduta pode se manifestar por meio de uma ação ou de uma


omissão. A ação representa um comportamento comissivo, positivo,
um facere. Para ser penalmente relevante, é necessário que haja
violação de um tipo proibitivo, que preveja uma conduta desvaliosa
a ser evitada. Por sua vez, a omissão representa um
comportamento negativo, omissivo, um non facere. Enseja a
responsabilização criminal quando representa a desobediência a um
tipo mandamental, ou seja, de um tipo que determina, de forma
imperativa, a realização de uma conduta valiosa.

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> Tipo proibitivo:

- Violado por ação;

- Conduta desvaliosa.

> Tipo mandamental:

- Violado por omissão;

- Conduta valiosa.
- Exemplo de crime naturalmente cometido por meio de ação é o
homicídio. Há um tipo proibitivo, que prevê o crime de homicídio. A
norma que se extrai de referido texto legal determina que não
devemos matar, sob pena de nos submetermos a uma pena de
reclusão. Com o seu descumprimento, deve haver a
responsabilização penal por um comportamento positivo.

- Por outro lado, o crime de omissão de socorro é uma amostra de


tipo mandamental. A norma determina que, encontrando o sujeito
alguém em uma das situações previstas no art. 135 do Código
Penal, por exemplo, uma criança abandonada, deve prestar
assistência ou, se houver risco pessoal, pedir socorro da autoridade
pública. Caso essa norma mandamental e o seu comando não sejam
cumpridos, permanecendo o agente inerte, omisso, deixa de
apresentar a conduta valiosa que a norma determina. Como
consequência, ele se sujeita a uma pena de detenção ou multa.

7.4. Espécies da conduta quanto ao elemento subjetivo

- Quanto ao elemento subjetivo, a conduta pode ser dolosa, culposa


ou preterdolosa. A culpa em sentido amplo se subdivide em dolo e
em culpa stricto sensu.

> Dolosa: é considerada dolosa a conduta do sujeito que age com


vontade e consciência de praticar o resultado. Também é dolosa a
conduta do agente que, prevendo o resultado, assume o risco de
produzi-lo.

> Culposa: é culposa a conduta do agente que quebra o dever


objetivo de cuidado, que deve manter em sua vida em sociedade.
Age assim o sujeito que é negligente, imprudente ou imperito.

> Preterdolosa: a conduta preterdolosa envolve o dolo e a culpa.


Na conduta inicial, chamada antecedente, o sujeito atua com dolo,
mas produz um resultado (conduta subsequente) que modifica a
pena por quebra do dever de cuidado (culposamente). Falar-se em
preterdolo (além do dolo), pois o agente produziu um resultado não
abrangido por sua conduta dolosa, mas que foi praticado por culpa.
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8. TIPO DOLOSO

- O tipo doloso é aquele cujo elemento subjetivo do tipo é o dolo.


Cumpre, então, iniciarmos, por um conceito de dolo. De acordo com
a doutrina tradicional, a majoritária, pode-se definir dolo com a
vontade e consciência de praticar a conduta prevista no tipo
penal. O dolo possui como elementos a vontade e a consciência.
No dolo direto, o agente quer o resultado, de modo que a vontade
fica mais explícita. Já no dolo eventual, a vontade seria a anuência
ao resultado típico, de modo que assumir o risco seria o mesmo que
“consentir, uma forma de querer”.

8.1. Elementos do dolo

- Para a doutrina majoritária, compõem o dolo a vontade e o


conhecimento. São os elementos:

* Intelectivo: é a consciência do agente quanto a sua ação ou


omissão, ou seja, o conhecimento acerca da forma como ele próprio
age e o mundo que o cerca. É o saber.

* Volitivo: é a vontade do agente em relação à conduta por ele


praticada. É o querer.

- É necessário que o agente, antes de tudo, possua conhecimento


sobre a realidade, apresentando o elemento cognitivo. Isso porque
o sujeito só pode exteriorizar sua vontade livre se ele souber
exatamente a realidade em que está inserido. Nélson Hungria,
falava, assim, que “dolo é, ao mesmo tempo, vontade e
representação”.

- Uma decorrência dessa concepção do dolo é a falta de


conhecimento das circunstâncias que envolvem a atuação do
agente, se constituírem um elemento do tipo penal, afasta sempre o
dolo, seja o erro evitável ou inevitável. Isso porque o conhecimento,
para o Código Penal, é considerado necessário para que haja a
caracterização do dolo. Configura-se o chamado erro de tipo
essencial, nos termos do art. 20, caput, do CP. Assim, o conceito
legislativo de dolo se extrai da leitura dos artigos 18, I, e 20, caput,
do Código Penal.

8.2. Teorias do dolo

- O dolo é um dos temas mais complexos e, por isso, surgiram


muitas divergências, inclusive sobre a definição e os contornos de
cada teoria. Entre vontade e conhecimento, a doutrina discute
como definir o dolo e, de forma mais pragmática, como diferenciá-lo
da culpa. Isso porque há a previsão de penas diferentes para as
modalidades dolosa e culposa e, além disso, a punição por culpa é
excepcional e depende de previsão expressa na lei. Em razão disso
surgiram diversas teorias:

P. 251

- Teorias Volitivas: dão ênfase à vontade do autor.

* Teoria da vontade: exige-se a efetiva vontade do agente, em


relação ao resultado típico, para a configuração conduta dolosa
(dolo direto). Ele quer o resultado. Apesar de muitos rejeitarem para
fundamentar o dolo eventual, há a posição que inclui a aprovação
do resultado como vontade (querer como assumir ou aprovar o
resultado).

* Teoria do consentimento (do assentimento ou aprovação): no


dolo eventual, o agente atua com vontade, por ter uma vinculação
emocional com o resultado. Ele incorpora o resultado na vontade.
Além de prever o resultado, conforma-se com sua realização ou
aceita a sua produção. É possível traduzir o elemento subjetivo em
uma expressão, conhecida por Fórmula de Frank: “Seja assim ou de
outro modo, ocorra este ou aquele resultado, em qualquer caso eu
atuo”. Essa frase seria a teoria hipotética do consentimento, à qual
ele adicionou posteriormente uma outra: “se o agente diz a si
próprio: seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo
de agir, é responsável a título de dolo”. Se o agente aprova o
resultado, há dolo. A culpa se configuraria no caso de não
aprovação de sua ocorrência pelo autor.
* Teoria da indiferença: o agente também possui um sentimento,
do qual a vontade deriva. Se o agente atua com indiferença em
relação ao bem jurídico tutelado, inclusive quanto a consequências
de suas ações, atua como dolo. Entretanto, se o agente
simplesmente incluir em seu cálculo uma mera esperança que o
resultado não vai ocorrer, não haveria dolo, porque ele não agiu
com indiferença. A crítica seria de que o elemento subjetivo não
derivaria do fato, mas da personalidade do agente.

* Teoria da evitabilidade, teoria da não comprovada


vontade de evitação do resultado: o elemento volitivo se
manifesta na inexistência de contrafatores aptos a evitar a violação
do bem jurídico. Se o agente não ativou os contrafatores, a conduta
é dolosa. Do contrário, se ativou os contrafatores, ou seja, tomou
medida para evitar o resultado, pode ser responsabilizado apenas
por culpa consciente. Existe o dolo quando o agente, apesar de
entender possível o resultado, não toma alguma medida para
evitar que ele ocorra. Essa teoria contrariaria o que ordinariamente
ocorre: muitas vezes o agente confia em sua sorte e que o resultado
não vai ocorrer, apesar de não tomar medidas especiais de
precaução.

P. 252

* Teoria da decisão contrária ao bem jurídico: a essência do


dolo seria a realização do plano pelo autor. O resultado é produzido
dolosamente quando corresponde ao plano elaborado pelo agente,
conforme uma valoração objetiva. Essa teoria seria especialmente
relevante para diferenciar o dolo eventual e a culpa consciente.
Seria dolosa a conduta de, ao atropelar intencionalmente uma
pessoa, saber que um terceiro necessariamente será atingido, pois o
terceiro foi incluído no plano. Não seria dolosa, por outro lado, a
conduta de continuar fumando na cama, apesar de a noiva advertir
sobre o risco de incêndio, pois não há realização de um plano, ainda
quando se ignorem as advertências.

- Teorias Cognitivas: fundam-se no conhecimento do autor sobre


os elementos do tipo para definição do dolo, desconsiderando-se a
vontade do agente. São também chamadas teorias intelectivas do
dolo.

* Teoria da representação ou da possibilidade: há dolo


eventual quando o agente representa o resultado como possível e,
mesmo assim, prossegue na realização da conduta,
independentemente de elemento volitivo (vontade). Baseia-se
unicamente em um conteúdo intelectual, de o agente atuar após
perceber a alta probabilidade de produzir o resultado. Não haveria,
a rigor, espaço para culpa consciente, mas somente para a culpa
inconsciente. Entretanto, Roxin alerta que seria apenas uma
diferença terminológica: caso o agente represente o resultado e
confie que tudo sairá bem, os autores dessa corrente entendem
que, na realidade, não teria havido uma “verdadeira” representação
da causação do resultado.

* Teoria da probabilidade: há dolo quando o autor representa


ofensa ao bem jurídico como provável, e não apenas como
possível. Se o agente considera o resultado como provável, haverá o
dolo eventual Se considera meramente possível, haverá culpa
consciente. Baseia-se em um cálculo estatístico. Tavares critica a
teoria, pois a culpa seria confundido com o dolo, já que ambos os
elementos subjetivos seriam compreendidos com base na
previsibilidade, sem base psicológica.

P. 253

- Realmente, essa teoria equipara o dolo a culpa quanto à estrutura,


a diferença seria apenas quanto ao grau do perigo causado.

* Teoria do risco ou da representação de um perigo: a


conduta é dolosa quando o perigo criado pelo agente é de tal
qualidade e quantidade que uma pessoa sensata só teria tal
comportamento se aceitasse o risco como certo. Considera-se uma
variante da teoria da probabilidade. Haverá dolo eventual se o
agente atua com a consciência de que produz um perigo de dolo,
aquele que é idôneo para produzir o resultado e que espelha uma
decisão consciente do agente quanto à violação do bem jurídico.
Seria o caso de atirar na cabeça ou dar uma facada na região do
coração. Busca adotar um critério normativo para definir o dolo: o
Direito deve definir se a conduta é dolosa ou culposa.

* Teoria do perigo desprotegido ou a descoberto: configura-


se como dolosa a conduta do autor que atua com consciência da
exposição do bem jurídico a um risco desprotegido, ainda que ele
torça pela não ocorrência de um resultado e que a sua
probabilidade seja pequena. Se a superveniência do resultado
depende do acaso, da sorte, o autor atua como eventual. Haverá
dolo, portanto, se o resultado depender do acaso. Entretanto, se era
possível, em tese, o controle dos fatores de risco por meio da
atuação do autor (perigo protegido), sua conduta será considerada
culpada se, mesmo assim, o resultado ocorreu.

8.3. O dolo no Código Penal

- De todo modo, o Código Penal, no seu artigo 18, dispõe


expressamente sobre a forma de se conceituar o crime dolos,
demonstrando quais teoria adota:

“Art. 18. Diz-se o crime:

Crime doloso

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou


assumiu o risco de produzi-lo”.

- Hungria observa que a fórmula do dolo eventual foi inspirada na


legislação alemã, que se referia ao termo in Kauf nehmen, que seria
traduzida por “estar consciente com o risco”. Contudo, o legislador
nacional decidiu por exigir que o agente tenha assumido o risco,
pressupondo, assim, não apenas a consciência do risco, mas
também o seu consentimento. Segundo o entendimento que
prevalece, forma adotadas, no artigo 18, inciso I, a teoria a vontade
e a do consentimento.

P. 254

* O agente quis o resultado: Teoria da vontade.


* O agente assumiu o risco de produzi-lo: Teoria do
consentimento.

- Como se nota da redação do dispositivo, ao mencionar que o


crime é doloso quando o agente quis o resultado, o Código Penal
adota o entendimento que deriva da teoria da vontade. Além disso,
há previsão de que o crime é doloso quando o agente assumiu o
risco da produção do resultado, demonstrando que o Código
também encampa a teoria do assentimento, no que diz respeito ao
dolo eventual.

8.4. Espécies de dolo

- A doutrina classifica o dolo em diversas espécies, conforme o


enfoque dado no elemento subjetivo do tipo. Vejamos as principais:

> Quanto à valoração:

- Natural (neutro): é o dolo como elemento psicológico,


desprovido de juízo de valor, componente da conduta. Possui como
elementos, de acordo com o entendimento majoritário, a vontade e
o conhecimento. Adotado pela teoria finalista. De forma mais
recente, alguns dizem que o dolo, no finalismo, não tem cor, em
contraposição ao dolo normativo, que pode ser chamado de
colorido. Essa concepção, de dolo natural, é compatível com as
teorias limitada e estrita (normativa pura) da culpabilidade, uma
visão penalista chamada por alguns de teorias da culpabilidade. É a
adotada pelo Direito brasileiro.

- Normativo (híbrido ou colorido): o dolo possui os elementos:


consciência sobre a realidade, vontade e consciência da ilicitude.
É componente da culpabilidade, substrato do conceito analítico do
crime em que se faz o juízo de censura sobre a ação típica e ilícita
praticada pelo sujeito ativo. Adotado por parte dos causalistas e
pelos neokatinstas, é compatível com as concepções psicológica e
psicológica-normativa da culpabilidade. Seria uma visão de Direito
Penal também conhecida pela expressão teorias do dolo. Apontam-
se duas subdivisões:
* Teoria Estrita do Dolo: a consciência atual da ilicitude é o
elemento normativo do dolo. A consciência da ilicitude, ao integrar o
dolo, deveria estar presente ao tempo do delito, de forma concreta,
já que o dolo não admite em si elementos incertos, mas sim um
conhecimento efetivamente detido pelo agente.

P. 255

* Teoria Limitada do Dolo: a consciência potencial da ilicitude é


o elemento normativo do dolo. Essa visão seria mais autoritária, já
que admite presumir que o agente possuía o conhecimento no dolo.
Como o dolo deve estar presente ao tempo do delito, a presunção
de que o agente sabe de algo torna o dolo suscetível de uma análise
de probabilidade, visão que é criticada por muitos penalistas.

> Quanto ao elemento volitivo do agente:

- Direto (determinado, intencional, imediato): é a vontade de


realizar a conduta e produzir o resultado. É direto, pois o agente
visa a determinado resultado, que é diretamente desejado por ele.
O sujeito determina sua conduta em função dessa finalidade. É o
caso do agente que, planejando matar seu chefe, vai até o local,
desejando sua morte, e dispara vários projéteis de arma de fogo
contra a sua cabeça, provocando o seu falecimento.

- Indireto (indeterminado): é a vontade de realizar a conduta,


sem que exista o desejo de produzir um resultado certo ou
determinado. Subdivide-se em dolo alternativo e dolo eventual.

* alternativo: é a vontade do agente de produzir qualquer dos


resultados previstos. Imagine a ex-mulher que, buscando vingança
do seu ex-marido, corta os cabos de freio do seu veículo, desejando
que algum mal lhe aconteça. Para ela, seria desejável tanto sua
morte quanto que ele se lesionasse. Deste modo, sobrevindo sua
morte, o crime deve ser considerado doloso, já que seu dolo era
alternativo (morte ou lesões corporais). O dolo alternativo estaria
contido na expressão “quis o resultado”, já que o agente quis
qualquer um dos resultados.
* eventual: é o elemento subjetivo presente no agente que, sem
desejar o resultado, assume o risco de sua ocorrência. É o caso do
sujeito que resolve, para impressionar os amigos, acelerar seu carro
por uma movimentada avenida na cidade, passando por vários
sinais vermelhos nos semáforos e lhes dizendo que não lhe importa
se causará ou não um acidente. Assim agindo, mesmo sem desejar
causar lesões corporais nos demais motoristas que por ali circulam,
ele assume o risco do resultado que, se ocorrer, deve ensejar sua
responsabilização por crime doloso, na modalidade de dolo
eventual.

- Atualmente, é comum que se adotem os conceitos de dolo direto


e dolo eventual.

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